UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR VII
CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
A GUERRA NAS TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS:
IDEALISMO, REALISMO, MARXISMO, DEPENDENTISMO,
INTERDEPENDENTISMO E NEO-REALISMO
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção de grau de bacharel em Relações Internacionais no Centro de Educação Superior VII da Universidade do Vale do Itajaí.
ACADÊMICO: GEISON ALFREDO ARISI
São José (SC), novembro de 2004
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR
CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
A GUERRA NAS TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS:
IDEALISMO, REALISMO, MARXISMO, DEPENDENTISMO,
INTERDEPENDENTISMO E NEO-REALISMO
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais, sob orientação de conteúdo do Prof. André Vinícius Tschumi. ACADÊMICO: GEISON ALFREDO ARISI
São José (SC), novembro de 2004
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CAMPUS DE SÃO JOSÉ
CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS COORDENAÇÃO DE ESTÁGIOS E MONOGRAFIAS
A GUERRA NAS TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS:
IDEALISMO, REALISMO, MARXISMO, DEPENDENTISMO,
INTERDEPENDENTISMO E NEO-REALISMO
GEISON ALFREDO ARISI:
A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do Grau de Bacharel em Relações Internacionais no curso de Relações Internacionais da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. São José, 30 de novembro de 2004
Prof. MSc. Roberto Di Sena Jr. Coordenador do Curso de Relações
Internacionais
Prof. MSc. Paulo Jonas Grando Coord. de Estágios e Monografias do Curso
de Relações Internacionais
Banca Examinadora:
_______________________________________________________ Prof. André Vinícius Tschumi – membro orientador
_______________________________________________________ Prof. Msc. Paulo Jonas Grando – membro examinador
_______________________________________________________
Prof. MSc. Marcelo Alves – membro examinador
iii
DEDICATÓRIA
Dedico este texto:
Aos meus pais, pela preocupação em me proporcionar uma boa educação e por estarem sempre ao meu lado, principalmente nas horas que mais necessitei.
iv
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais Gelso e Ana e aos meus irmãos Giordani e Fabielen,
pelo apoio, carinho, além das críticas e sugestões que foram tão bem vindas ao
desenvolvimento deste trabalho;
Agradeço à minha namorada Geisi pelo amor, carinho e paciência sempre
demonstrados;
Agradeço ao meu orientador de conteúdo pelas críticas, sugestões, enorme
dedicação e profissionalismo sempre presentes;
Agradeço ao coordenador de monografias pelo incentivo, orientações e
presteza em todos os momentos;
Agradeço a todos os professores pela oportunidade que me proporcionaram de
crescer em conhecimento;
Agradeço aos colegas e em especial os amigos Alexandre, Cássia, Jackson,
José Nelson, Juliano, Luiz Fernando, Nani e Rodrigo pela ajuda, companheirismo e lealdade;
Agradeço aos amigos “da rua” pela alegria, companheirismo e paciência;
Agradeço, finalmente, a todos aqueles que, de uma maneira direta ou indireta,
contribuíram para a realização desta pesquisa.
v
“A guerra é uma questão vital para o Estado. Por ser o campo
onde se decidem a vida ou a morte, o caminho para a
sobrevivência ou para a ruína, torna-se de suma importância
estudá-la com muito cuidado em todos os seus detalhes”.
SUN TZU
“A guerra não é destinada a ser ganha, é destinada a ser
contínua”.
GEORGE ORWELL
“Essas lutas infrutíferas, essas guerras ruinosas hão de passar, e
a paz máxima há de chegar”.
BAHÁ’U’LLÁH (monumento à paz no trapiche da Avenida
Beiramar Norte em Florianópolis)
vi
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
LISTA DE ABREVIATURAS
LISTA DE QUADROS
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................1
1 A GUERRA COMO UM FENÔMENO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS .......5
1.1 Conceito de Guerra e Porque ela Acontece ...................................................................6
1.2 O que Leva os Estados a Entrar em Guerra .................................................................10
1.3 Os Tipos de Guerra e Porque ela Muda as Relações Internacionais ...........................14
1.3.1 Os Tipos de Guerra .............................................................................................14
1.3.2 Impactos Causados pela Guerra no Cenário Internacional ................................24
1.4 A Relação da Guerra com as Políticas dos Estados nas Relações Internacionais .......28
2 A GUERRA NAS TEORIAS TRADICIONAIS DAS RELAÇÕES
INTERNACIONAIS ........................................................................................................33
2.1 O Idealismo e o Problema das Guerras ........................................................................34
2.1.1 Os Fundadores do Utopismo ...............................................................................35
2.1.2 Os Projetos de Paz do Século XVIII ...................................................................40
2.1.3 O Idealismo do Século XX .................................................................................43
2.2 A Guerra para os Realistas ..........................................................................................49
2.2.1 O Realismo antes do surgimento das teorias das Relações Internacionais .........51
2.2.2 O Realismo no Século XX ..................................................................................55
2.3 A Guerra para os Teóricos do Marxismo ....................................................................62
2.3.1 Marx ....................................................................................................................64
2.3.2 Lenin ...................................................................................................................66
2.3.3 Gramsci ...............................................................................................................67
3 A GUERRA NAS TEORIAS CONTEMPORÂNEAS DAS RELAÇÕES
INTERNACIONAIS.........................................................................................................70
3.1 A Teoria da Dependência .............................................................................................71
vii
3.1.1 A Guerra para os Teóricos da Dependência ........................................................73
3.2 A Teoria da Interdependência Complexa......................................................................75
3.2.1 A Guerra para os Teóricos da Interdependência .................................................79
3.3 A Teoria Neo-Realista .................................................................................................82
3.3.1 A Guerra para os Teóricos Neo-realistas ............................................................86
CONCLUSÃO ........................................................................................................................88
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................92
RESUMO
Vivemos num mundo onde a guerra fez parte da história de praticamente todas as
nações. As guerras determinaram diversas mudanças no cenário internacional, resultando em
mortes, desgraça, dor e sofrimento. Falando nestes resultados, lembramos as duas Guerras
Mundiais que assolaram o mundo, principalmente a Europa, no início do século XX. É a
partir daí que surge o interesse dos Estados em criar meios que visem abolir as guerras.
Contudo, cerca de sessenta anos depois do término da II Guerra Mundial, nos encontramos
em um mundo não tão diferente daquele, onde ainda existem guerras. Para tentar compreender
este mundo, surgem as teorias das relações internacionais. Portanto, decidimos apresentar de
que forma as principais teorias das relações internacionais explicam o problema das guerras
no cenário internacional. Escolhemos descrever seis teorias neste trabalho: idealista, realista,
marxista, dependentista, interdependentista e neo-realista. Ao desenvolver este trabalho,
verificamos que a teoria idealista trata a guerra como um fenômeno que pode ser evitado,
desde que as nações trabalhem em conjunto para isto. Já a teoria realista trata a guerra como
um instrumento que os chefes de Estado dispõem para alcançar o poder, o qual é o centro de
sua teoria. Para os marxistas, o capitalismo é o causador das guerras. Os dependentistas
defendem que somente os países ricos fazem guerras, sendo que os pobres não possuem
muitos recursos para tal. Para os interdependentistas, fazer guerra é muito custoso. Os neo-
realistas acreditam no equilíbrio de poder como principal ferramenta para evitar a guerra.
ABSTRACT
We live in a world where the war were part of the history of almost every nation. The
wars determinated many changes on international scenery, resulting death, misfortune, pain
and suffering. Talking about these results, we remember the two World Wars that hited the
world, mainly Europe, in the beginning of the 20th century. It is from those wars that the
States started to be interested on creating ways to end the wars. However, about sixty years
after the end to the Second World War, we are found in a world not so different of that, where
wars still happen. Trying to understand this world, the teories of international relations came
out. So, we decided to study in how the main international teories explain the problem of wars
on international scenery. We chose to study six teories: idealism, realism, marxism,
dependentism, internependentism and new-realism. Developping this issue, we verified that
the idealism treats the war like something that can be avoided if the nations work together for
that. The realism trats the war like an instrument that the chiefs of State have to reach the
power, which is the center of their teory. For the marxists, the capitalism is who causes the
war. The dependentists defend that only the rich countries make wars, because the poor
countries cannot afford that. For the interdependentists, to make war is very expensive in a lot
of ways. The new-realists believe on the power balance as the main tool to avoid the war.
LISTA DE ABREVIATURAS
CSNU – Conselho de Segurança das Nações Unidas
WTC – World Trade Center
OLP – Organização para a Libertação da Palestina
ONU – Organização das Nações Unidas
ONGs – Organizações Não-Governamentais
CEPAL – Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e Caribe
OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo
LISTA DE QUADRO 1. Quadro Sinótico das Características Realistas e Interdependentistas ..................................77
INTRODUÇÃO
O mundo sempre esteve diante de conflitos e guerras, alguns por motivos territoriais,
outros por motivos econômicos, outros políticos, outros por independência, outros por
motivos religiosos, alguns até por motivos pessoais dos governantes, e alguns por todos estes
motivos em conjunto. Todos estes conflitos trouxeram desgraça, pobreza, e muitas mortes aos
beligerantes.
Hoje, se percebe que o objetivo principal das grandes potências não foi o
internacionalismo, e sim o domínio do sistema de Estados. As grandes potências, uma após a
outra, não mediram esforços para chegar a este status quo1, esforços que só foram derrotados
por guerras, principalmente entre uma coalizão de forças e a grande potência. Como disse
certa vez o presidente da Assembléia Geral das Nações Unidas: “A vida é uma seqüência
contínua de dominações...” (WHIGHT, 2002, p. 10).
Com o passar dos séculos, e principalmente a partir do século XX, após a II Guerra
Mundial, foram surgindo diversas teorias que poderiam explicar as Relações Internacionais.
Todas estas teorias tentam explicar, além de outros assuntos, a guerra de acordo com a sua
ideologia. O idealismo, por exemplo, acredita que a guerra pode ser evitada a partir do direito
internacional, a partir das Organizações Internacionais, como a Organização das Nações
Unidas; não acredita nos problemas que advém do dilema segurança/poder e crê no progresso
das nações sem a utilização da guerra, ou seja, acreditam que as nações podem se desenvolver
pacificamente. Já o pensamento realista baseia-se na busca pelo poder, através de qualquer
meio necessário, inclusive a guerra. Neste ramo de pensamento, excluem-se problemas sociais
ou econômicos. A guerra, para os realistas, seria um instrumento que os governantes têm para
almejar o poder absoluto. Além destas duas teorias, existem muitas outras que tratam
diferentemente do fenômeno guerra, conforme seus pensadores e o tempo histórico que foram
concebidas.
Diante da realidade das Relações Internacionais atuais e do perigo que o mundo inteiro
corre por causa dos conflitos armados, é de fundamental importância identificar a guerra
dentro das teorias das Relações Internacionais. Grandes generais e estudiosos da guerra dizem
que ela é fundamental para um Estado se concretizar e se manter. Maquiavel acreditava que a
guerra é inevitável para um país que almeja poder sobre outros, é um meio justificado pelos
1 Status quo, em latim, quer dizer “estado em que se encontra”, ou seja, para as Relações Internacionais, o status quo é estado em que se encontra o cenário internacional e suas relações de poder.
2
seus fins. Diferentes países moldam suas políticas externas de acordo com as diferentes
teorias das Relações Internacionais e agem conforme estas teorias.
A guerra tratada pelas diferentes teorias das relações internacionais é um tema
importantíssimo para os estudiosos da matéria e para as Relações Internacionais brasileiras,
que vêm atuando com excelência no estabelecimento da paz, como ocorreu no Timor Leste e
está ocorrendo no Haiti, pois a paz só poderá ser alcançada através do conhecimento da guerra
e de que forma os diferentes países fazem sua política externa de acordo com as diferentes
teorias das relações internacionais. Portanto, fazer um estudo sobre como as teorias das
relações internacionais tratam o problema das guerras é de suma importância para os
estudantes de Relações Internacionais.
O tema desta pesquisa é a guerra interestatal tratada pelas principais teorias
tradicionais das Relações Internacionais, até década de 1950, e contemporâneas, a partir a
década de 1960. A partir deste tema iremos apontar as diferenças que cada teoria dá pra a
guerra, ou seja, como a guerra é apresentada pelas diferentes teorias das Relações
Internacionais?
Para responder a esta pergunta, temos diversas hipóteses a serem analisadas. Para os
idealistas os Estados são capazes de conviver pacificamente, criando Organizações
internacionais e respeitando as normas internacionais. Já os realistas pensam a guerra como
um instrumento que os chefes de Estado dispõem para alcançar o poder, o qual é o centro de
sua teoria. Os pensadores da teoria marxista acreditam que o capitalismo é o centro das
Relações Internacionais, e devido as características do capitalismo, os países podem entrar em
guerra, quando nestes, o capitalismo alcançar o seu último estágio. Para os teóricos da
interdependência, a guerra não seria travada mais entre Estados por si só, pois diversos
interesses além do âmbito estatal estariam em jogo, e sim entre coalizões, entre interações de
Estados e, desta mesma forma, os conflitos poderiam ser evitados através da
interdependência, pois cada Estado depende do outro para sobreviver. Para os teóricos neo-
realistas, o que determina a guerra e a paz é a distribuição do poder. Eles abordam, ainda, as
questões econômicas para explicar o fenômeno da guerra. Por fim, para os teóricos da
dependência os conflitos acontecem por causa da forte dependência econômica entre os
Estados. Os Estados centrais exercem um certo imperialismo nos Estados periféricos ou
dependentes, em incessante busca pela conservação de seu status quo. A guerra, ao contrário
dos pensadores realistas, acontece por motivos econômicos, além de motivos políticos.
Contudo, para verificar a coerência destas hipóteses, temos que estabelecer um
objetivo capaz de responder à pergunta acima. Tal objetivo seria apresentar de que forma as
3
principais Teorias das Relações Internacionais explicam o problema das guerras no cenário
internacional. Para isto, dividiremos este trabalho em três objetivos específicos, quais sejam
compreender a guerra como fenômeno nas Relações Internacionais, identificar as principais
Teorias Tradicionais das Relações Internacionais e como elas tratam a guerra e identificar as
principais Teorias Contemporâneas das Relações Internacionais e como elas tratam a guerra.
Para desenvolver o trabalho, o método de abordagem a ser utilizado será o dedutivo,
através do qual parte-se do raciocínio maior (geral) para se atingir o particular. A forma mais
comum de dedução é o chamado silogismo ou dedução mediata. A dedução é uma forma de
raciocínio composta em geral por três proposições lógicas, ligadas entre si por exigências
formais de tal maneira que a terceira, denominada conclusão, é uma decorrência necessária
das duas precedentes, chamadas premissas.
Para se responder aos objetivos específicos dessa pesquisa, atingindo dessa forma o
objetivo geral, será feita a oposição e a conversão entre dois grupos de juízos: o conceito de
guerra e as Teorias das Relações Internacionais a serem estudadas. Ou seja, far-se-á um
silogismo, pois a ordenação lógica das afirmações de caráter geral (os juízos) levará,
obrigatoriamente, à conclusão obtida.
Esta monografia é um trabalho de pesquisa baseado em fontes secundárias como livros
sobre o tema e pesquisas na rede mundial de computadores. As fontes serão utilizadas com a
finalidade de auxiliar a produzir respostas ao problema e cumprir os objetivos que se propôs.
Nas bibliografias pesquisadas, serão estudados somente os conceitos que servirão para
este trabalho, ou seja, os aspectos de cada teoria das Relações Internacionais relacionados à
questão da guerra, visto que a guerra que será tratada neste trabalho é aquela que ocorre entre
Estados independentes.
Para se atingir o primeiro objetivo específico, será analisado o conceito de guerra, seus
tipos e suas conseqüências para as Relações Internacionais. Os dois objetivos específicos
seguintes serão atingidos a partir da apresentação de como os principais autores de cada
modelo teórico das Relações Internacionais tratam da guerra. Contudo, em cada uma delas,
deverá ser feito um breve histórico para fundamentá-las. Para tal, a técnica a ser utilizada será
a pesquisa documental indireta. Esta técnica de pesquisa abrange as fontes primárias (pesquisa
documental) e as fontes secundárias (pesquisa bibliográfica). Porém, neste trabalho será
utilizado somente a pesquisa bibliográfica, utilizando livros, principalmente, encontrados nas
bibliotecas da Universidade do Vale do Itajaí.
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Os principais conceitos utilizados no trabalho seriam os conceitos de guerra e das
principais Teorias das Relações Internacionais. O conceito de guerra, brevemente aqui
exposto, seria a
[...] luta durante certo lapso de tempo entre forças armadas de dois ou mais Estados, sob a direção dos respectivos Governos. Para Clausewitz, a guerra é a continuação da diplomacia por outros meios, é ‘um ato de violência cujo fim é forçar o adversário a executar a nossa vontade’. (ACCIOLY e SILVA, 2000, p. 433)
Devemos lembrar que o conceito de guerra utilizado neste trabalho é o conflito
armado entre Estados independentes politicamente, deixando de lado as guerras internas,
como revoluções, e outros tipos de conflito, como o terrorismo.
Podemos dividir as Teorias das Relações Internacionais em duas etapas, as Teorias
Tradicionais e as Teorias Contemporâneas. Dentro das Teorias Tradicionais, poderíamos
incluir aquelas que surgiram até a década de 1950, como as Teorias do idealismo, realismo e
marxismo. Já dentro das Teorias Contemporâneas, a partir da década de 1960, podemos
incluir as Teorias da dependência, interdependência e neo-realismo.
Por fim, se faz necessário frisar que a escolha dos autores sobre os quais decidimos
falar nos capítulos 2 e 3 foi feita arbitrariamente. Existem dezenas, senão centenas de autores
que escrevem sobre as teorias das relações internacionais. Certamente, outras pesquisas na
mesma área iriam fazer uma divisão diferente das correntes e dos principais pensadores de
cada teoria. Logo, longe de procurar esgotar as discussões sobre tão vasto assunto, a
classificação feita neste trabalho objetiva apenas expor o tema dos capítulos 2 e 3 de forma
bastante didática, facilitando atingir os objetivos a que o trabalho se propõe.
1 A GUERRA COMO UM FENÔMENO NAS RELAÇÕES
INTERNACIONAIS
Os conflitos armados sempre ocorreram na história da humanidade. As pessoas
sempre se mataram, as tribos sempre se enfrentaram e a violência é intrínseca do ser humano.
Fazendo-se política, os governantes de um determinado Estado, em busca de seus interesses,
encontram outros Estados que têm interesses contrários aos seus. A guerra, como afirma
Clausewitz, “é uma forma de se fazer política por outros meios”. Quando um Estado não
dispõe de argumentos ou técnicas diplomáticas, ou pacíficas, para conseguir satisfazer sua
própria vontade com relação a outro, ou seja, buscando seus interesses, ele utilizará a guerra
como um meio para conseguí-lo. A guerra sempre esteve presente na história da humanidade.
Muitos autores colocam que os períodos nos quais a guerra esteve presente são muito mais
longos que os períodos em que “reinou” a paz.
Neste capítulo será apresentado o conceito de Guerra que irá ser abordado neste
trabalho, estudando o porquê ela acontece no cenário internacional, utilizando-se diversos
exemplos de guerras. Serão identificados, ainda, os principais motivos pelos quais os Estados
decidem fazer a guerra, quais sejam, motivos econômicos, de segurança ou ideológicos.
Após, iremos identificar os tipos de guerra de acordo com concepções distintas, sendo
divididas quanto à abrangência, quanto à intensidade, quanto ao número de beligerantes,
quanto ao armamento, e outros tipos como guerras irregulares e guerras de dissuasão.
Também serão identificados os impactos causados pela guerra no cenário internacional,
fazendo-se um histórico das principais guerras e suas conseqüências para o cenário mundial e,
por fim, será apresentada a relação da guerra com a política dos Estados nas Relações
Internacionais.
Contudo, antes de começar a identificar a guerra, deve-se conhecer, brevemente o
conceito de Relações Internacionais que será utilizado neste trabalho. As Relações
Internacionais podem ser as relações que um Estado politicamente independente tem com
outro, através de embaixadas, consulados ou missões diplomáticas e entre estes e as
Organizações internacionais ou entre elas mesmas. Sabemos, todavia, que as relações entre
empresas multilaterais ou transnacionais, que possuem filiais no mundo inteiro, entre
Organizações Não-Governamentais (ONGs), ou as relações entre empresas com ONGs e com
os Estados, podem fazer parte das Relações Internacionais. Porém, neste trabalho, as relações
empresariais, ou seja, as que não fazem parte do escopo governamental, não serão tratadas
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como Relações Internacionais, mesmo porque a guerra pode somente acontecer entre Estados.
(FERNANDES, 1998, p. 16)
1.1 Conceito de Guerra e Porque Ela Acontece
Falar de guerra não é tão simples quanto parece, pode-se encontrar tem diferentes
conceitos sobre o assunto. Conforme manuais de direito internacional público, como Accioly
e Silva, 2000, pg 433, a guerra é “...luta durante certo lapso de tempo entre forças armadas de
dois ou mais Estados, sob a direção dos respectivos Governos”. Outros autores, como
Clausewitz, definem a guerra como a continuação da diplomacia por outros meios, é “um ato
de violência cujo fim é forçar o adversário a executar a nossa vontade”. Apesar de muitas
pessoas importantes no mundo atual, por exemplo George W. Bush, intitular conflitos
diversos como sendo guerra, por exemplo “guerra contra o terrorismo”, guerras
mercadológicas, guerras econômicas, entre outras, estas “guerras” não entram na definição
correta de guerra, pois guerra é, resumidamente, um conflito armado entre dois Estados
independentes.
Segundo Mello (1994 apud Tschumi, 2003, p.3):
a guerra [...] possui um elemento objetivo, a luta armada entre os Estados, e um subjetivo, a intenção de fazer guerra (animus belligerandi). A junção destes é que cria o estado de guerra, regulamentado pelas normas do Direito Internacional. A caracterização do elemento subjetivo é importante não apenas para demonstrar a vontade do Estado em fazer a guerra, mas também porque a guerra, ao contrário de outros atos de força mais limitados (como as represálias), criam direitos e deveres (de neutralidade) para terceiros Estados.
No direito internacional, a guerra pode ser legitimada segundo a Carta das Nações
Unidas, que regulamenta as “contramedidas” legais: as guerras de legítima defesa, individual
ou coletiva, e as medidas tomadas por iniciativa do Conselho de Segurança, quais sejam o
“emprego da força armada” (art. 41 da Carta) sob o comando do próprio órgão. Assim, as
guerras de agressão, aquelas em que um Estado ataca outro, por motivos mais diversos, são
consideradas ilegais, já as contramedidas, são consideradas legais. Os motivos da agressão
serão apresentados adiante. Já a legítima defesa, tanto individual, quanto coletiva, significa
que quando um Estado é atacado por outro ilegalmente, aquele tem o direito de se defender, e
para isso ele pode formar alianças enquanto o Conselho de Segurança não tiver tomado as
medidas para solucionar a questão.
7
Acerca das causas das guerras, pode-se identificar certas causas, como sendo causas
simples de se analisar. Porém, a guerra não é um fenômeno tão simples, embora pareça. Suas
causas podem remontar décadas atrás, ou um emaranhado de questões que podem não ser de
conhecimento das pessoas. Muitos dizem que a I Guerra Mundial começou com o assassinado
do arquiduque austríaco Francisco Ferdinando em Sarajevo, dia 28 de junho de 1914, porém,
as causas da Guerra tiveram origem muito antes.2
Alguns autores colocam que a guerra não é mais causada por decisões humanas, e sim
por circunstâncias como o capitalismo ou o equilíbrio de poder, como afirma Wight (2002, p.
134). A guerra faz parte da natureza intrínseca do homem. Desde que ele é conhecido como
tal, os conflitos e guerras acontecem. Hobbes diz que o homem em seu estado natural está
sujeito à disputas violentas com os seus iguais. Por esta razão, o homem delegou poderes a
um representante que seria o governante de seu Estado. O mesmo acontece com o Estado com
relação ao Sistema Internacional, pois este se encontra em uma fase de anarquia. Os Estados
“podem” fazer guerra livremente, desde que tenham poder militar para isto. “Os mais
importantes e consagrados estudiosos norte-americanos percebem o mundo como uma grande
arena, onde o que conta são as relações de poder.” (Bull, 2002, p. XVII)
O sistema de Estados pode ser visto como sendo de relações verticais, onde o poder
dos Estados é o determinante. Não existe um poder supremo que possa controlar um Estado
quando este tem a intenção de fazer a guerra, a não ser outro Estado com poder militar mais
forte que o primeiro. Por este motivo podemos afirmar que o sistema de Estados é um sistema
anárquico. Segundo Wight (2002, p.94) “[...] enquanto na política doméstica a luta pelo poder
é governada e circunscrita pelo molde das leis e das instituições, na política internacional a lei
e as instituições são governadas e circunscritas pela luta pelo poder.”
Neste sistema, quando um Estado almeja certos territórios, por razões de matérias-
primas, razões geopolíticas e, até mesmo, razões próprias do governante, ele pode fazer guerra
para conquistá-los, desde que tenha um poder bélico e uma atuação diplomática eficaz,
persuadindo os demais Estados a não imporem sanções em virtude da agressão militar
efetuada. O mesmo acontece quando um Estado decide fazer guerra por razões outras que a
conquista de território, ou seja, razões ideológicas ou de segurança. O Conselho de Segurança
da Organização das Nações Unidas (CSNU) é um órgão de caráter vinculativo, ou seja, suas
resoluções funcionam como regras, ou normas, para os Estados, porém não dispõe de um
2 Assim demonstra Henry Kissinger, principalmente nos capítulos 7 e 8 de Diplomacia das Grandes Potências. Sobre as causas da I Guerra ver item 1.2, páginas 10 e 11.
8
exército próprio capaz de impedir a guerra. Um exemplo atual do sistema anárquico dos
Estados é a segunda Guerra do Golfo (2003). Mesmo com a grande maioria dos Estados
sendo contrária à guerra e o CSNU não tê-la aprovado, os Estados Unidos e a Inglaterra
iniciaram o ataque ao Iraque e invadiram aquele país. Este ato colocou em dúvida a
importância e necessidade do CSNU. Porém, provou-se que o sistema internacional é
anárquico quando o CSNU nem nenhum Estado conseguiu evitar a guerra ou deter os dois
países de invadir o Iraque, pois estes eram muito mais fortes, militarmente, do que todos os
outros países.
A anarquia do sistema de Estados é um importante argumento do porquê que a guerra
acontece, conforme demonstra Wight (1986 apud Bonanate, 2001, p. 150):
a causa fundamental da guerra não está nem nas rivalidades históricas, nem na paz injusta, nem nos ressentimentos nacionais, nem na corrida armamentista, nem na pobreza, nem na competição econômica pelos mercados e pelas matérias-primas, nem nas contradições do capitalismo, nem na agressividade do fascismo e do comunismo [...]. A causa fundamental da guerra reside na ausência de um governo internacional; em outras palavras, na anarquia dos Estados soberanos.
A ordem mundial esteve sempre presente na sociedade internacional (principalmente a
partir do século XVI em diante), podendo o sistema internacional estar sob um equilíbrio de
poder, onde dois ou mais Estados dispõem de um certo poder militar que pode ser comparado
uns com os outros, ou o Estado hegemônico não estar interessado em fazer guerra, o que é
mais difícil. Segundo Bull (2002, p.1) “...a ordem é uma característica que pode ou não existir
na política internacional, conforme o momento ou o lugar; ou que pode existir em grau maior
ou menor.” Com isto, podemos identificar que a guerra acontece por motivos, além do sistema
internacional anárquico, inerentes ao contexto histórico que ensejou o conflito. Dependendo
do contexto histórico, a guerra pode acontecer, principalmente, por motivos religiosos,
econômicos, de interesse político relacionado ao poder, como foi o caso da Guerra dos Cem
Anos, entre Inglaterra e França (entre 1337 a 1443).
Como dito anteriormente, a guerra pode remontar décadas antes de seu acontecimento,
pode derivar de uma disputa comercial, de uma disputa por poder hegemônico, de um
crescimento militar e tecnológico graduado, ou seja, a guerra não começa simplesmente com a
morte de um arquiduque em Sarajevo, como no caso da I Guerra Mundial, mas sim por causa
do crescimento do poder das nações, juntamente com a busca por espaço, seja ele físico ou
mercadológico.
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Antes de eclodir a Guerra do Peloponeso, a Liga de Delos crescia em poder, e Atenas
cobrava tributos altíssimos das outras cidades-Estado gregas e tinha o intuito de formar uma
“nação” grega sob seu controle, o que causava medo e apreensão por parte das outras cidades-
Estado, como Esparta. Quando Atenas atacou Corinto, que fazia parte da Liga do Peloponeso,
liderada por Esparta, rival de Atenas, a guerra do Peloponeso teve início. (TUCÍDIDES,
2001)
Na Idade Média, a Igreja era detentora de enorme poder político e “financeiro”, pois
possuía grande quantidade de riquezas, como ouro e outros bens, além de muitas terras.
Percebendo que os muçulmanos estavam ganhando adeptos na península balcânica e
crescendo cada vez mais, a Igreja Católica iniciou sua expansão através de guerras contra os
povos islâmicos, conhecidas como as Cruzadas3.
Nas décadas de 20 e 30 do século XX a Alemanha era considerada a causadora da I
Guerra Mundial, sofrendo, assim, duras punições econômicas e morais pelos aliados. Fora
criada a Liga das Nações para pôr um fim às guerras, mas ela se mostrou inapta, “dando as
costas” à Alemanha que aumentava seu poder militar, juntamente com sua tecnologia em
armamento. E foi então que, em busca de recuperar as perdas que teve na I Guerra Mundial,
entre outros motivos, teve início a II Guerra Mundial.
No início do século XXI, os Estados Unidos, maior potência mundial, está entrando
em uma crise econômica que pode acabar com sua hegemonia. O Euro, moeda da União
Européia, está tomando o lugar do dólar como moeda de troca no comércio internacional.4
Então em 2001, em um ataque terrorista, o centro econômico mundial é atingido por dois
aviões e as duas torres do World Trade Center (WTC) desmoronam. Inicia-se uma “guerra
contra o terrorismo”, onde os Estados Unidos atacam países do Oriente Médio em busca dos
líderes das facções terroristas. Em 2003, os Estados Unidos e a Inglaterra, através de seus
respectivos serviços secretos, “descobrem” que o Iraque, detentor de uma das maiores
reservas de petróleo do mundo, está produzindo bombas de destruição em massa, e que
Saddam Hussein, ditador do país, tem ligações com a Al-Qaeda, organização terrorista que
atacou o WTC5. Começa então a guerra contra o Iraque.
Como comentado nos quatro parágrafos anteriores, todas estas guerras tiveram
motivos diferentes relacionados às suas épocas e ao contexto histórico em que o mundo estava
3 As oito cruzadas oficiais ocorreram entre 1095 e 1270. 4 Este assunto é mais bem explicado e aprofundado por Hélio Contreiras, no artigo que escreveu para a revista IstoÉ, chamado Euro Ameaça Dólar, em 26.03.2003, ou buscar no endereço eletrônico <http://www.zaz.com.br/istoe/1747/economia/1747_euro_ameaca_dolar.htm> 5 Este assunto será respondido nas considerações finais, p. 88.
10
inserido no momento que aconteceram os conflitos. Pôde-se verificar, então, que a anarquia
do sistema internacional e o contexto histórico de cada conflito são os motivos pelos quais as
guerras acontecem.
1.2 O Que Leva os Estados a Entrar em Guerra
Existem muitos motivos que levam os Estados a entrar em guerra. Estes motivos
podem ser econômicos (territoriais estão incluídos), ideológicos, de segurança e outros
difíceis de serem analisados, que são “razões de ordem psicológica como a vaidade, a busca
por vingança contra determinado grupo social ou país ou simplesmente o desejo de dominar e
ostentar poder”. (Tschumi, 2003)
Os motivos econômicos acontecem quando um Estado sente-se ameaçado
economicamente por outro ou quando almeja mercado ou território.
O Mar Cáspio é riquíssimo em gás natural, suas reservar são maiores que as reservas
dos Estados Unidos mais as do Mar do Norte. Para o escoamento deste gás, poderia ser feito
um gasoduto até o norte da Ásia, onde o mar do ártico é congelado por praticamente o ano
inteiro, ou poder-se-ia construir um gasoduto até o sul da Ásia, escoando-se o gás pelo
Oceano Índico, entre outras rotas, como pela Grande Estrada da Seda, indo em direção à
Europa. Como pelo norte é inviável, mesmo porque não se pode, economicamente, esperar o
mar descongelar, e pela Grande Estrada da Seda ser muito caro, o escoamento deve ser feito
pelo sul. Os Estados Unidos, maior potência mundial e que necessita de combustíveis como
este, decidiu construir o gasoduto rumo ao Oceano Índico. Ao sul do Mar Cáspio encontram-
se o Irã, de governo islamita xiita, o Afeganistão que, até 2002 era governado por
fundamentalistas islâmicos e, ao sul deste, o Paquistão, de governo pró-ocidente. Os Estados
Unidos, então, após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, atacam e invadem o
Afeganistão, onde estaria escondido Osama Bin Laden em alguma caverna dentro do país,
desestruturando o governo local e colocando um governo pró-ocidente no poder. Assim, o
caminho Mar Cáspio - Oceano Índico estaria livre para os Estados Unidos construírem seu
gasoduto, passando pelo Afeganistão e pelo Paquistão.6
Para aumentar e sustentar o comércio, as nações podem investir em armamentos
pesados, como aconteceu antes da I Guerra Mundial. Norman Angell, em A Grande Ilusão,
coloca que quando dois ou mais Estados chegam a tal ponto de desenvolvimento
6 Fonte: <http://www.unb.br/informativos/a2002/conflitos.htm> acesso em: 20.08.2004.
11
armamentista, a guerra entre eles é inevitável. Tomemos o caso da corrida armamentista entre
a Inglaterra e a Alemanha que resultou na I Guerra Mundial. A marinha inglesa foi sempre
hegemônica no mundo, garantindo o comércio mercantilista até o início da I Guerra Mundial.
Já os alemães, além de outros aspectos industriais, tinham uma população muito grande e
necessitavam de território para poder crescer. Então, começaram a investir na marinha para
contrapor-se ao poderio inglês daquela época e para poderem comercializar seus produtos no
mundo inteiro. Esta corrida armamentista estava levando estas duas potências para um final
bélico, o qual conhecemos como a I Guerra Mundial.
Os alemães, na I Guerra Mundial, buscavam, além de aumentar seu comércio,
aumentar seu território. Inúmeras guerras na história da humanidade ocorreram por questões
territoriais. Podemos dizer que muito mais guerras aconteceram por razões territoriais do que
por qualquer outra razão. Assim demonstra Bonanate (2001, p.111): “... a classe de conflitos
predominante era sempre ligada a questões territoriais, acompanhada de problemas
estratégicos (relacionados com a territorialidade)”. Na Europa, a partir do século XIV, com o
início do processo de formação dos Estados modernos, diversas guerras são travadas por estes
novos Estados com o intuito de expansão. O mesmo ocorre na América, principalmente a
partir da independência dos países americanos. Os Estados Unidos, recém independentes da
Inglaterra, investiram pesadamente na expansão para o oeste, construindo a importantíssima
ferrovia que ligaria o leste ao oeste da América do Norte. Junto com a ferrovia, guerras iam
sendo travadas contra as nações indígenas, contra os espanhóis do México, contra franceses e
ingleses, com o objetivo de formar um Estado americano que se estendesse do Oceano
Atlântico ao Oceano Pacífico.
Na Europa do século XIX, a Alemanha estava sendo unificada por Bismarck e a partir
de então, sua população aumentou rapidamente. Como a Alemanha era “recém nascida”, não
possuía colônias, como os principais países da Europa. A Alemanha crescia economicamente,
suas indústrias e população necessitavam de espaço físico para crescer, ou seja, necessitavam
de matéria-prima para indústria e território para agropecuária, assim pensava Guilherme II, rei
(ou Kaiser) da Alemanha, que, segundo Kissinger (2001, p. 181), era um governante “imaturo
e errático da mais poderosa nação da Europa”. A corrida armamentista na Alemanha havia
sido lançada, como visto anteriormente, e era somente questão de tempo para os alemães se
lançarem à busca por novos territórios. Dentre eles, estavam os territórios da Alsácia e
Lorena, anexados pela Alemanha em 1871, ricos em matérias-primas como o carvão. A
principal fonte que leva um Estado a querer expandir seu território são as matérias-primas de
um determinado território. Porém, questões geopolíticas também têm forte influência. Para os
12
Alemães, na I Guerra Mundial, a questão geopolítica do Heartland era fundamental, pois,
estrategicamente, era um território rodeado de montanhas no centro da Europa e,
economicamente, havia também a busca por recursos naturais (matérias-primas) essenciais
para continuar mantendo o crescimento econômico do país.
Além dos motivos econômicos, porém não tão constantes, podemos encontrar os
motivos ideológicos. Dentre eles estão a religião e ideologias políticas e às vezes as duas
podem estar fundidas em uma só. As “guerras religiosas” ocuparam um grande período na
história da humanidade, principalmente durante os séculos XI a XIV. Os soberanos europeus
em nome de Deus e da Igreja Católica, lançaram as cruzadas, que eram “guerras santas”
contra os “infiéis”, ou seja, contra ou mouros, ou muçulmanos. Estes estavam em grande
expansão pelo norte da África, pelos Bálcãs e onde hoje é a Espanha. A Igreja católica,
naquela época, era detentora de enorme poder político. Então ela incitou a população,
inclusive reis, a realizar uma guerra santa contra todos os povos “bárbaros” que não
acreditavam na fé dos católicos.
Contudo, do outro lado, o mesmo acontecia. Os muçulmanos, desde um século após a
revelação a Muhammad por Alá, no século VII, começaram sua expansão. Durante o século
VIII, a religião muçulmana expandiu-se para o oriente, chegando ao sul da Ásia, à Indonésia e
regiões da China. No mesmo período a Jihad islâmica (como era chamada a guerra santa pelos
muçulmanos) expandiu-se também para o norte da África até a região ibérica na Europa. Os
livros sagrados das duas religiões aqui expostas permitem uma variada ramificação de
interpretações. E através de algumas interpretações, as pessoas acreditam que a sua fé é a que
deve imperar no mundo e todas as pessoas devem crer em seu Deus. Para os cristãos, aqueles
que não gozavam da mesma fé cristã, eram infiéis e seguidores do “demônio”. O mesmo
aconteceu com os muçulmanos. Contudo, devemos levar em conta que dentro de cada religião
existem diversas ramificações. Existem aqueles mais fundamentalistas, ou ortodoxos, que
levam o livro sagrado de sua crença muito a sério, a ponto de se fazer guerra, e existem
aqueles que são de uma determinada religião, porém convivem pacificamente com pessoas
que têm uma crença diferente.
As ideologias políticas podem, muitas vezes, caminhar junto com a ideologia
religiosa. Como exemplo podemos citar o islamismo. Em países como o Irã, o islamismo, que
é religião, figura como fonte das leis políticas que regem o Estado. Os direitos, os deveres e as
punições são todos espelhados nas leis do islamismo. Quando, em um Estado que é regido por
leis do islamismo, um governo fundamentalista sobe ao poder, o risco de guerra é
perigosamente alto. Como dito anteriormente, os fundamentalistas, não todos, costumam
13
acreditar que somente sua crença é válida para se entrar no reino de Deus, e todos aqueles que
se opõem devem ser punidos.
Não podemos deixar de citar Israel, um Estado judeu, que desde 1947, quando da sua
criação pela Organização das Nações Unidas, vem discriminando e violando uma série de
direitos dos cidadãos muçulmanos. Logo após sua criação, em maio de 1948, Israel,
governado pela direita ortodoxa, lança um ataque contra os estados limítrofes (Egito, Líbano,
Síria, Iraque e Transjordânia), os quais são derrotados, havendo a chamada Diáspora
Palestina, quando os palestinos migram para os países vizinhos. Em 1956, Israel, França e
Inglaterra atacam o Egito, por causa da nacionalização do canal de Suez por este país, sendo
obrigados a se retirar por pressão dos Estados Unidos, 11 dias depois. Em 1967, Israel,
apoiado pelos Estados Unidos, inicia um ataque contra a frente árabe, formada por Egito,
Jordânia e Síria e apoiada por vários estados árabes. Esta guerra fora conhecida como a
Guerra dos Seis Dias, pois Israel aniquilou as forças armadas dos seus inimigos em seis dias.
Em outubro de 1973, ocorre o quarto conflito armado entre Israel e os países árabes vizinhos
(conhecida como guerra do Yom Kippur), iniciada com o ataque da Síria e do Egito às
posições israelenses no Sinai e nas Colinas de Golan, respondendo aos ataques aéreos
israelenses em busca das bases militares da Organização para Libertação da Palestina (OLP).
A guerra durou 19 dias e foi concluída com a intervenção das potências mundiais. Desde
então, Israel vem atacando os territórios palestinos e, ocasionalmente, matando civis,
relatando que estão cometendo “assassinatos selecionados”, ou seja, matando os líderes de
facções terroristas. Ainda, não se importando com os problemas que podem causar às famílias
palestinas, o Estado de Israel vem construindo um muro que atravessa assentamentos
palestinos, separando familiares, com a desculpa de que desta maneira estarão contendo os
terroristas. Por causa da ousadia e falta de preocupação com os palestinos, diversas guerras
aconteceram desde a sua criação, como citado acima. Assim começa a guerra ideológica.
Existem as ideologias políticas sem vínculo com a religião, como a democracia e o
comunismo. Durante o século XX, estas duas ideologias entraram em choque. Por um lado, os
Estados Unidos, levando consigo a democracia e, por outro, o comunismo sendo pregado pela
União Soviética. Neste período, conhecido como a Guerra Fria, diversas guerras aconteceram
por causa do conflito entre as duas ideologias. Na democracia, como o nome já diz, demo
“povo” e cracia “governo”, ou seja governo do povo, é este quem escolhe o seu representante,
e no Estado democrático, as pessoas são livres para exercer qualquer profissão e exercer o
comércio livremente, salvo aqueles proibidos por lei. Já no comunismo, teoricamente, as
pessoas não seriam donas de nenhum bem e ao mesmo tempo de todos. O governo tinha a
14
posse de tudo e todas as pessoas usufruiriam tudo. E este foi o principal motivo que causou
tantas guerras após a II Guerra Mundial, como a guerra do Vietnã, da Coréia, a guerra do Irã
contra o Iraque, entre outras. Em todas estas guerras, ou os Estados Unidos ou a União
Soviética tentava fazer com que a forma de governo daqueles países se tornasse democrática
ou comunista. Portanto, os Estados que utilizam motivos ideológicos para fazer guerra,
buscam que o outro Estado simpatize com sua ideologia e utilizam a guerra como “um ato de
violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à sua vontade.” (Clausewitz, 2003. p.
7)
A guerra por motivo de segurança é aquela que um Estado utiliza “para resistir a
alguma ameaça interna a sua integridade ou independência” (Bull, 2002. p.222-223). A guerra
causada por motivo de segurança pode acontecer quando um Estado aumenta seu poder
militar, econômico ou político a tal ponto que os outros Estados se sentem ameaçados.
Podemos exemplificar as guerras que aconteceram por motivos de segurança como sendo,
segundo Bull, p. 223, as grandes guerras preventivas, como a do Peloponeso (entre 431 e 404
a.C.)7, a Guerra da Sucessão Espanhola (entre 1702 e 1713) e também a I Guerra Mundial (de
1914 a 1918). Durante o século XX, precisamente durante a Guerra Fria, se tivesse havido
uma guerra entre os Estados Unidos e a União Soviética, ela teria sido por motivos de
segurança. Os dois Estados estavam num conflito ideológico tão grande, que um pensava que
o outro poderia influenciar a população de seu país, ocorrendo assim, uma revolução
ideológica, e o seu país estaria à mercê da democracia ou do comunismo. Um dos dois países
poderia atacar o outro simplesmente por supor que se não o fizesse, o outro atacaria. Isto
quase aconteceu em 1962, quando houve a crise dos mísseis em Cuba. Este Estado, situado no
Golfo do México, estava instalando armas nucleares fornecidas pela União Soviética. Quando
o fato foi descoberto pelos Estados Unidos, o medo de uma guerra nuclear era total. Os
Estados Unidos poderiam ter atacado a União Soviética, ou mesmo Cuba, que era comunista,
porém a razão e o medo de uma destruição global imperaram e, depois de duas semanas de
tensão e negociações, a União Soviética retirou os mísseis de Cuba, após os EUA terem
concordado em retirar os mísseis Júpiter, direcionados para a URSS, de uma base na Turquia.
1.3 Os Tipos de Guerra e Porque ela Muda as Relações Internacionais.
7 Tucídides (apud Wight, 2002, p. 93): “acredito que a causa real [da guerra do Peloponeso], ainda que não admitida, tenha sido o crescimento do poder ateniense, que apavorou os lacedemônios e os forçou a entrar em guerra...”
15
1.3.1 Os Tipos de Guerra
Foi apresentado o que é a guerra, porque ela acontece e os motivos que os Estados têm
para fazer a guerra e para entendê-la melhor, devemos identificar os tipos de guerra. Muitos
autores diferem sobre os tipos de guerra. Porém, iremos apresentar os principais, os mais
utilizados. Lembramos que o conceito de guerra utilizado neste trabalho é o conflito armado
entre Estados independentes. Por isso, iremos classificar as guerras de acordo com
concepções distintas quanto à abrangência, à intensidade, ao número de beligerantes, ao
armamento e outros tipos como guerras irregulares.
Segundo Aron (2002, p. 219):
A guerra é de todas as épocas e de todas as civilizações. Os homens sempre se mataram, empregando os instrumentos fornecidos pelo costume e a técnica disponível: com machados e canhões, flechas ou projéteis, explosivos químicos ou reações atômicas; de perto ou de longe; individualmente ou em massa; ao acaso ou de modo sistemático.
Existem diversas técnicas e maneiras de se fazer a guerra. Iremos apresentar as
principais.
a) Quanto à Abrangência
Neste tópico identificaremos as guerras de abrangência interna e de abrangência
externa. As guerras internas não estão enquadradas no conceito de guerra supracitado, pois
seriam guerras travadas por grupos de pessoas ou facções dentro de um Estado ou de uma
colônia pertencente a um Estado. Por este motivo, o assunto concernente às guerras internas
não será aprofundado. Porém tiveram grande importância na configuração do atual sistema de
Estados.
Guerras Internas
Neste tipo de guerra podemos incluir as guerras revolucionárias e as guerras de
independência. As guerras revolucionárias acontecem quando uma parcela da população de
um Estado está insatisfeita com os atos do governo daquele Estado. No século XIX a Europa
presenciou diversas revoluções, como demonstra Tschumi (2003, p.5):
16
A começar pelas Guerras Napoleônicas, estágio final da Revolução Francesa. Novamente, em 1848, ocorreram revoluções generalizadas em diversos países europeus: França, Itália, Confederação Germânica, Suíça, Espanha, Dinamarca, Irlanda, Grécia e Inglaterra. Podemos citar ainda as revoluções ou movimentos nacionalistas que assolaram a Grécia, a Bélgica, a Bulgária, Itália, Alemanha e os Bálcãs (anexado, em parte, pela Aústria-Hungria do império Turco-Otomano).
As revoluções tiveram uma enorme importância para a história mundial e para a
formação e configuração dos Estados. Na Revolução Francesa (entre 1789 e 1799), criam-se
os ideais de liberdade, igualdade e prosperidade, que servem de alicerce para as democracias
que irão surgir na Europa (principalmente através das Guerras Napoleônicas) e no resto do
mundo ocidental, marcando o início da chamada Idade Contemporânea pelos historiadores.
Em 1848, Karl Marx e Friedrich Engels publicam o manifesto comunista, que conclama o
proletariado de todo o mundo a se unir e tomar o poder. Com isso, aliado à crise econômica e
falta de liberdade civil na França, acontecem as Revoluções de 1848 naquele país. A onda
revolucionária atinge outras nações européias, como as descritas na citação acima, porém
todas são sufocadas.8
As guerras de independência, também tiveram uma enorme importância para a
formação e configuração dos Estados. A principal guerra de independência é a guerra travada
entre os colonos norte-americanos das 13 colônias e o Reino Unido pela independência dos
Estados Unidos, em 1776. Após sangrentas batalhas, uma comissão de cinco membros,
liderada por Thomas Jefferson, redige a Declaração de Independência, promulgada no dia 4
de julho de 1776. Em 1783, a Inglaterra reconhece a independência dos Estados Unidos da
América pelo Tratado de Versalhes. Esta guerra é muito importante para a história mundial,
pois em 1789, os 13 estados norte-americanos ratificam a primeira Constituição da história,
que serve de modelo para a maioria das repúblicas surgidas no mundo.9
Guerras Externas
As guerras externas são aquelas praticadas entre Estados independentes politicamente,
ou seja, entre Estados soberanos. Este tipo de guerra é o mais importante, pelos motivos e
causas apresentados até o momento neste trabalho. Dentro das guerras externas, podemos
incluir as guerras defensivas, de conquista e as guerras preventivas.
8 Fonte: <http://www.nossahistoria.com.br>, acesso em: 10.08.2004. 9 Fonte: <http://www.nossahistoria.com.br>, acesso em: 10.08.2004
17
A guerra defensiva é aquela que um Estado não escolhe travar. Quando um Estado
decide atacar outro por motivos econômicos, ideológicos ou de segurança, aquele que é
atacado, no direito internacional, tem o direito de se defender. Acontece então a guerra
defensiva, que é legitimada pela Organização das Nações Unidas (ONU), através do art. 41 da
sua Carta. Um exemplo de guerra defensiva pode ser o ato de a França declarar guerra contra
a Alemanha após esta atacar seus territórios no início da I Guerra Mundial.
Contudo, segundo Hegel (1974 apud Bonanate, 2001, p. 84) “se o Estado se encontra
em perigo, assim como a sua autonomia, todos os cidadãos empenham-se em sua defesa. Se,
nessas circunstâncias, todo o Estado se ergue às armas e deixa a sua vida doméstica para lutar
no estrangeiro, a guerra de defesa transforma-se em guerra de conquista.”
A guerra de conquista acontece quando um Estado ataca outro, com o fim de
conquistá-lo, ou, segundo Clausewitz, “um ato cujo fim é forçar o adversário a submeter-se à
nossa vontade”. Na verdade, a guerra de conquista e a guerra defensiva acontecem na mesma
guerra, depende de que lado ela é analisada. Um exemplo de guerra de conquista pode ser o
mesmo exemplo utilizado em guerra defensiva, porém analisado do lado oposto. A Alemanha
decidindo atacar a França realiza uma guerra de conquista, já para a França, trata-se de uma
guerra defensiva. Neste mesmo estudo, podemos dizer “que a forma defensiva de guerra é em
si mesma mais forte do que a ofensiva” (Clausewitz, 2003, p. 467), pois segundo Bonanate
(2001, p. 82) “a maior de todas as provas é fornecida pela própria natureza da posição
defensiva, que tem como escopo ‘defender’, o que é certamente mais fácil do que
conquistar...”. Porém, isto somente acontecia até o início do século XX, pois com o avanço
das tecnologias nos armamentos, um avião de alta tecnologia pode aniquilar um exército.
Uma outra forma de guerra externa muito interessante é a guerra preventiva. Esta
guerra pode aparentar uma guerra de conquista pelo fato de um Estado decidir atacar outro.
Porém, o motivo principal que leva um Estado a fazer este tipo de guerra é a segurança. Na
guerra preventiva, o objetivo não é a conquista territorial, mas sim debilitar as forças
inimigas. Um Estado vê-se cercado de desvantagens com relação a outro e percebe que se ele
não agir, o outro pode fazê-lo, ou seja, se um Estado se sente ameaçado por outro, ele irá
atacar este para se prevenir. Desta maneira, a guerra pode, também, aparentar-se defensiva,
pois o Estado estará atacando o outro para se defender antes que o outro ataque. Porém, não é
necessário, somente, que o Estado esteja ameaçado militarmente por outro para justificar a
ocorrência de uma guerra preventiva. Ele pode, também, estar sofrendo sanções, ou barreiras,
que impeçam seu desenvolvimento econômico. Este foi o caso da Guerra dos Seis Dias (1967)
quando Israel e Estados Unidos atacam a frente árabe. O pretexto utilizado por estes dois
18
países é a intensificação do terrorismo em Israel e o bloqueio do Golfo de Acaba pelo Egito,
vital para os navios israelenses.
b) Quanto à Intensidade
Neste tópico serão apresentadas as guerras quanto à intensidade. Elas podem ser
divididas em incidentes de breve guerra, guerras limitadas ou guerras totais. Se em um
incidente de breve guerra, um dos países envolvidos decide levar o conflito adiante, poderá,
então, acontecer uma guerra limitada, sendo que os objetivos dos países sejam o de realizar
uma guerra para resolver o conflito. Se nesta guerra limitada, um dos países decide se
apoderar do território inimigo, derrotando totalmente as suas forças, esta guerra será
caracterizada como uma guerra total.
Incidentes de Breve Guerra
Os incidentes de breve guerra podem ser caracterizados como ataques de menor
intensidade, ou seja, são conflitos que não chegam a alcançar o limiar de guerra. Estes
incidentes “ocorrem com freqüência nas relações entre os Estados. Patrulhas de fronteira de
países vizinhos podem trocar fogo; unidades navais podem disparar contra bandeiras
estrangeiras; aviões interceptores podem abater aeronaves de um outro Estado e assim por
diante.” (DINSTEIN, 2004, p. 15)
Estas guerras podem acontecer por diversos motivos, como um ataque acidental, um
ato de algum oficial inexperiente, tensões entre dois países, ataques contra bases militares de
países inimigos após o encerramento de algum conflito. Como exemplo deste último, sabemos
que após a Guerra do Golfo de 1991, os Estados Unidos bombardeiam, constantemente, bases
e instalações militares iraquianas, partindo de bases na Arábia Saudita.
Como exemplo de um incidente de breve guerra causado por um ataque acidental,
temos o caso do incidente com a Colômbia na Amazônia em 1949. Naquele ano, a Colômbia
e o Peru estavam em intensos conflitos na região Amazônica. No dia de comemorações da
Semana da Pátria colombiana, a marinha deste país inaugurava suas novas canhoneiras. Após
horas de festa, os marinheiros de uma das canhoneiras decidiram ir à “caça” dos navios
peruanos. Embriagados, em vez de subir o rio Solimões e ir em direção aos seus “inimigos”
peruanos, desceram o rio e entraram em território brasileiro. Após atravessar a fronteira,
encontraram, dentro da vasta neblina e escuridão do Amazonas, um navio tipo Gaiola,
19
chamado Ajudante, com 120 pessoas. Os colombianos pensaram que haviam encontrado um
navio de guerra peruano e começaram a atirar e, em menos de cinco minutos, o navio
começou a afundar. Das 120 pessoas a bordo, somente 08 sobreviveram.10 Este fato foi
resolvido perante o alto comando dos dois países, porém nunca gerou um conflito maior.
Guerras Limitadas
As guerras limitadas acontecem quando o objetivo de um Estado, segundo Dinstein
(2004, p. 18), “pode ser confinado à derrota de alguns segmentos de aparato militar do
opositor, à conquista de determinadas regiões do território inimigo, à coação do governo
inimigo para alterar determinada política etc.”
Estas guerras são muito comuns de acontecer. As guerras de expansão do território dos
Estados Unidos, após sua independência (1783), contra os franceses e espanhóis podem ser
consideradas como guerras limitadas, pois o objetivo dos Estados Unidos era a aquisição de
alguns territórios da América do Norte.
Guerras Totais
O conceito de guerra total surgiu na Alemanha durante as I e II Guerras Mundiais para
justificar todas as violações do direito internacional contra militares e populações civis dos
países inimigos e contra os judeus e os ciganos alemães e não alemães. A guerra total diz
respeito à guerra travada não somente entre militares, mas sim contra a população, ou seja, a
população não estaria isenta de ataques militares.
A guerra total consiste na total aniquilação do exército inimigo e na aquisição total do
seu território. Segundo Dinstein (2004, p. 17) “[u]ma guerra é [...] total quando conduzida
com a total vitória em mente. A total vitória consiste na capitulação do inimigo, seguindo-se
da total derrota de suas Forças Armadas e/ou da conquista de seu território”.
Uma guerra pode ser total, ainda, quando os meios utilizados para conseguir seus
objetivos são totais. Segundo Dinstein (2004, p.18) “a guerra pode ser catalogada como total
quando a totalidade dos recursos (humanos e materiais) de um Estado beligerante é
mobilizada, de modo a assegurar a vitória a qualquer preço.”
10 Fonte: Revista Marítima Brasileira, Vol. 123, nº 08, 04/06, ed. Abril, junho de 2003.
20
c) Quanto ao Número de Beligerantes
Neste tópico classificaremos as guerras quanto ao número de beligerantes, que podem
ser de dois tipos: guerras bilaterais ou guerras multilaterais.
Guerras Bilaterais
As guerras bilaterais são aquelas travadas entre dois Estados. Elas podem ser
conhecidas, também, como conflitos isolados, pois dificilmente modificam a ordem
internacional. Este tipo de guerra ocorre, principalmente, entre dois Estados que não são
potências mundiais, ou entre um Estado que o é contra outro mais fraco. Estes conflitos
podem pôr em risco a hegemonia de algum Estado dentro de uma região, como é o caso das
diversas guerras entre Paquistão e Índia, desde a criação do Paquistão em 1947. O conflito
entre Paquistão e Índia não é um conflito que possa modificar a ordem internacional, pois
mesmo que os dois países tenham armas nucleares, é difícil de se pensar que poderiam chegar
a utilizá-las, sendo que somente o cenário sul asiático seria modificado. Outro exemplo é a
Guerra Irã-Iraque (entre 1980 e 1988) , na qual, mesmo os Estado Unidos e a União Soviética
tendo participado indiretamente, não enviaram exército e nem participaram, oficialmente, da
guerra.
As guerras entre uma potência mundial contra outro Estado mais fraco, dificilmente
modificariam o cenário internacional de poder. Um caso conhecido é a Guerra da Coréia
(entre 1950 e 1953), na qual os Estados Unidos atacam a Coréia do Norte em 1950. Nesta
guerra, os Estados Unidos “vencem” os norte-coreanos, pois conquistaram seu objetivo, que
era expulsar os norte-coreanos da Coréia do Sul. Porém, por outro lado, os Estados Unidos
perdem a guerra, pois na tentativa de avançar pela Coréia do Norte, com o fim de derrotar o
comunismo daquele país, o exército estadunidense é derrotado e obrigado a voltar para a
Coréia do Sul. Portanto, verifica-se que mesmo perdendo a guerra (lembrando que os Estados
Unidos também perderam a Guerra do Vietnã, entre 1959 e 1973), eles continuaram como
potência mundial.
Guerras Multilaterais
As guerras multilaterais são aquelas travadas, normalmente, entre alianças de dois ou
mais Estados, ou entre uma Aliança contra um Estado. Este tipo de guerra acontece com
21
menos intensidade do que as guerras bilaterais, porém são mais significativas para o sistema
internacional, pois podem modificá-lo.
Dentre as principais guerras multilaterais que aconteceram, podemos destacar a Guerra
do Peloponeso, na qual a Liga de Delos, liderada por Atenas, enfrentou a Liga do Peloponeso,
liderada por Esparta, a Guerra dos Trinta Anos, quando Richelieu enfrentou o Sacro Império
Romano e os Habsburgos, a I Guerra Mundial, quando a Tríplice Aliança enfrentou a Tríplice
Entente, a II Guerra Mundial, na qual os Aliados enfrentaram o Eixo, as guerras travadas pelo
Estado de Israel, principalmente a Guerra dos Seis Dias, quando aquele Estado enfrentou a
Liga Árabe. A maioria destas guerras alterou o sistema internacional e sua divisão de poder.
d) Quanto ao Armamento
Neste tópico será apresentada a guerra quanto ao armamento utilizado. Existem dois
tipos diferentes de guerra relacionadas ao tipo de armamento, as guerras convencionais e as
guerras de destruição em massa.
Guerras Convencionais
As guerras convencionais são aquelas travadas entre Estados que não utilizam armas
de destruição em massa, ou seja, que utilizam armamentos convencionais, como mísseis,
aviões, artilharia, infantaria, navios, etc. Todas as guerras existentes até hoje foram guerras
convencionais.
Este tipo de guerra parte do pressuposto de que a estrutura social dos Estados
conflitantes não será atingida, e se for, será insignificante, como somente alguns civis mortos.
Isto, teoricamente, pois como todos sabemos, nas I e II Guerras Mundiais houve milhares de
civis mortos. Então, nas guerras convencionais, a estrutura social acaba sendo atingida e o
conflito não é insignificante.
Guerras de Destruição em Massa
Já as guerras de destruição em massa partem de dois pressupostos conforme descritos
a seguir.
Primeiro, as nações devem utilizar armar de destruição em massa durante toda, ou a
maior parte da guerra. Isto nunca aconteceu na história da humanidade. O único caso de
22
utilização de armas de destruição em massa em uma guerra partiu do mesmo país que faz a
guerra para impedir o uso de armas de destruição em massa, como no caso do Iraque em
2003, os Estados Unidos. Como é de conhecimento de todos, os Estados Unidos, ao final da II
Guerra Mundial, já sabendo que o Japão iria se render, jogaram a bomba atômica em Iroshima
e, dias depois, em Nagasaki, matando milhares de pessoas com a explosão e outras milhares,
nos anos seguintes por causa da radiação.
Segundo, as guerras de destruição em massa atingem tanto civis quanto militares em
uma guerra, o que torna os beligerantes mais atentos e cuidadosos com relação ao uso ou não
de armas de destruição em massa, principalmente armas nucleares, ou seja, os beligerantes
somente utilizariam este tipo de armamento em último caso, quando sua sobrevivência
realmente estivesse ameaçada. Segundo Bonanate (2001, p. 92), os Estados que se enfrentam
em uma guerra nuclear podem ter duas opções de ataque. Uma seria atacar as forças militares
do inimigo, destruindo um possível contra-ataque. Porém esta tática deve ser perfeita, senão o
Estado corre o risco de ser atacado também com bombas nucleares. Outra opção seria lançar
um ataque à estrutura social do inimigo, obtendo, desta maneira, mais um potencial de
chantagem altíssimo. Porém, de uma maneira ou de outra, o ataque deve ser preciso a ponto
de reduzir as chances de um contra-ataque a zero. Desta maneira, a guerra nuclear destruiria
grande parte da população civil dos dois países. Por este motivo, durante a Guerra Fria,
Estados Unidos e União Soviética não lançaram nenhum míssil nuclear, pois isto resultaria
em uma reação em cadeia e, provavelmente, grande parte do mundo sofreria com as
conseqüências desta guerra.
e) Outros Tipos de Guerra
Existem outras maneiras de se fazer a guerra, a dissuasão e as guerras irregulares, ou
guerra de guerrilha. A dissuasão e as guerras irregulares são formas de se fazer guerra
diferente das apresentadas até agora.
Dissuasão
A dissuasão é uma ameaça que algum Estado faz a outro para que este faça a sua
vontade, ou seja, “os [Estados] são dissuadidos de fazer alguma coisa pelo temor das
conseqüências possíveis, das punições previstas ou da execução de uma ameaça.” (ARON,
2002, p. 509 [grifos do próprio Aron]). Um Estado neutro pode utilizar a dissuasão para que
23
outros Estados não o ataquem. Segundo Aron (2002, p.509-510), no início do século XX, a
Suíça dissuadiu os outros países a não a atacarem, armando-se e treinando seu exército,
fazendo com que, se algum Estado decidisse invadi-la, este ato seria altamente penoso para o
agressor. Desta maneira, a Suíça dissuadiu os outros países a não a atacarem, ou seja, fez com
que os outros Estados realizassem sua vontade, que era de permanecer neutra, na defensiva.
Existe, ainda, a dissuasão agressiva, que é aquela em que um Estado se arma tão
fortemente que os outros Estados não o impedem de realizar suas vontades. A Índia e o
Paquistão utilizam as bombas atômicas como forma de dissuasão. Estes dois países ameaçam
um ao outro com estas bombas, porém não chegam a utilizá-las em vias de fato. Outro
exemplo é o poder militar dos Estados Unidos. Este país, mesmo com a grande maioria de
países contrária à invasão do Iraque pelos Estados Unidos em 2003, efetuou sua vontade,
invadindo o Iraque, e nenhum país do mundo tentou impedir a invasão, auxiliando o Iraque.
Isto, porque o poderio militar estadunidense é tão grande que nenhum país pode se dar ao luxo
de fazer algo mais do que dizer “sou contra”. Com este tipo de dissuasão, os Estados Unidos,
se quiserem, podem invadir o Brasil a qualquer momento, sem que haja retaliação por parte de
nenhum outro Estado. Os Estados Unidos somente precisam procurar uma justificativa moral
capaz de legitimar o ataque perante o direito internacional, como fizeram com o Iraque,
quando disseram ao mundo inteiro que Saddam Hussein estava produzindo armas de
destruição em massa, e invadir o Brasil.
Como afirma Aron (2002, p. 511) “[o] problema essencial da dissuasão é ao mesmo
tempo psicológico e técnico.” Pois o Estado que está na defensiva deve ter a capacidade
técnica de impedir, psicologicamente, o Estado agressor de atacá-lo. Ao mesmo tempo, o
Estado agressor deve conseguir dissuadir os outros países para que estes não o impeçam de
realizar suas vontades, ou seja de atacar outro país.
Guerras Irregulares
As guerras irregulares são aquelas travadas não por exércitos regulares, ou seja, são
guerras de guerrilha que, segundo Schmitt (1981 apud Bonanate, 2001, p. 87) “trata-se da
irregularidade das tropas em combate, da sua singular mobilidade, da intensidade dos seus
envolvimentos ideológicos, do caráter telúrico de suas ações.” Estas são as características
decisivas da Guerrilla (diminutivo espanhol de “pequena guerra”). Neste tipo de guerra, o
envolvimento popular é altíssimo, pois os ideais que fundamentam o movimento guerrilheiro
são almejados por toda, ou grande parte da população. Como exemplo podemos ver a questão
24
da Colômbia, através das Forças Revolucionárias daquele país, que utilizam o povo como
exército contra o exército regular colombiano. Outro exemplo é o caso da Guerra do Vietnã,
onde o exército estadunidense via-se perdido nas aldeias vietnamitas. Isto, porque após
aniquilar os guerrilheiros armados, sobrando somente mulheres e crianças nas aldeias, alguma
cesta carregada por alguma criança ou mulher explodia na frente do exército estadunidense.
Desta maneira, a guerra de guerrilha deixa o inimigo desnorteado, sem saber contra quem está
lutando.
Conforme St. Jorioz (apud Bonanate, 2001, p. 88)
Todo o sistema geral dessa guerra se reduz finalmente a levar o inimigo a destruir-se por si próprio; por conseguinte, depois de lhe haver tirado todos os meios de subsistência que lhe poderiam ser fornecidos pelo país, convém surpreendê-lo, e perturbá-lo em suas marchas; tirar proveito de algumas posições e do terreno que nos é favorável, contra as tropas; atrair a guerra o máximo possível para as montanhas, as selvas e os pântanos, obrigando o inimigo a se afastar o máximo de sua base, apresentando-se a ele de frente; e, quando ele acreditar que veio o momento de uma ação, abandoná-lo para atacá-lo de lado e pelas costas; persegui-lo, confundi-lo, e, por fim, quando estiver por sucumbir, atacá-lo por todos os lados.
Como visto na citação acima, a guerra de guerrilha é sempre travada em terreno
conhecido pela guerrilha. Portanto, quem faz guerra de guerrilha, pode-se dizer que é sempre
o defensor, pois este conhece suas florestas, suas montanhas, seus rios, pode fazer túneis pela
floresta sem o inimigo ao menos desconfiar (como aconteceu na Guerra do Vietnã), obtendo
enormes vantagens, escondendo-se e atacando quando o inimigo menos espera.
Este tipo de guerra pode não parecer, mais é muito importante, pois, historicamente,
deflagrou derrotas a Estados que ninguém imaginava que seriam derrotados. A guerrilha
espanhola conseguiu infligir a primeira derrota a Napoleão (1808-1813), trazendo sucessivas
derrotas ao exército francês até sua derrota final em Waterloo. A Guerra do Vietnã, já
mencionada acima, trouxe uma penosa derrota aos Estados Unidos, em termos psicológicos,
levando a população deste país a realizar protestos contrários à guerra, podendo, talvez, ter
impedido que seu país fizesse outras inúmeras guerras durante a o período da Guerra Fria.
1.3.2 Impactos Causados pela Guerra no Cenário Internacional
Conforme já comentado neste trabalho, a guerra faz parte da natureza intrínseca do
homem, ela sempre aconteceu e, provavelmente, sempre acontecerá. Conforme Tschumi
(2003, p. 4):
25
Uma boa demonstração da influência da guerra no destino dos povos é que os acontecimentos que servem de parâmetro para delimitar a passagem entre as Idades Antiga para Média, Média para Moderna e Moderna para Contemporânea remetem a disputas marcadas por grandes conflitos. A guerra é o principal fator que determina as mudanças e as características do sistema internacional em qualquer tempo. A distinção entre paz e guerra pode servir como fundamento para o estudo da história de toda a civilização.
Como as guerras apresentadas neste trabalho são as guerras entre unidades políticas
independentes, ou seja, Estados, deixaremos de lado as batalhas que aconteceram antes da
Idade Antiga (3400 a.C. a 476 d.C), pois podemos considerar as cidades-Estado gregas como
unidades políticas independentes. Nesta época (entre os séculos V e I a.C.), não existia
qualquer regra que poderia impedir as guerras de acontecerem. Os Estados a faziam
“naturalmente”. “O século V a.C. marca o apogeu do poder e da cultura grega, considerado a
Idade do Ouro das artes, letras, ciências e filosofia da Grécia.” (TSCHUMI, 2003, p.5) Porém,
como a guerra é tão natural entre as cidades-Estados gregas, elas aconteciam em demasiado,
principalmente entre os séculos V e I a.C., fazendo com que aquelas cidades-Estados se
enfraquecessem. A Guerra do Peloponeso marca o início do período de decadência da Grécia,
pois através de tantos conflitos, as cidades-Estado se enfraqueceram, possibilitando o Império
Romano de se expandir e formar um sistema político que durou mais de cinco séculos.
Se formos comparar a situação de Esparta ao aliar-se com a Pérsia, que era inimiga,
para fortalecer-se e poder vencer a Liga de Delos, comandada por Atenas, podemos dizer que
esta atitude foi semelhante à atitude do cardeal Richelieu, católico, quando se aliou aos
Estados protestantes para combater o Sacro Império Romano e os Habsburgos, durante a
Guerra dos Trinta Anos, com o fim de proteger interesses nacionais franceses, atitude que
ficou conhecida como a raison d’ État.
Além de marcar o início da decadência da primeira grande civilização ocidental, a Guerra do Peloponeso é importante também porque demonstra a imutabilidade do sistema internacional, onde os Estados, no papel de principais atores, convivem em um ambiente anárquico, no qual a guerra ainda é um recurso importante, pois a preocupação primordial dos Estados é a manutenção da sua segurança. (TSCHUMI, 2003, p. 6).
No ano de 30 a.C. Roma conquista as últimas cidades-Estado gregas e, com a queda
da Macedônia como império hegemônico, torna-se a potência militar dominante. Deste modo,
a hegemonia do Império Romano torna-se o segundo grande sistema ocidental (de 30 a.C. a
26
476 d.C.). Neste período, Roma caracteriza-se pela formação de uma vasta rede de leis e
regras, sendo o desenvolvimento das ciências jurídicas romanas o principal fenômeno
ocorrido naquela época. Neste período aparece a primeira concepção de guerra justa, que era
quando alguma região dentro do Império Romano deixava de pagar algum tributo, por
exemplo, o colégio de sacerdotes, ou o Senado, durante a República, decidiam se o tributo era
justo ou não e, se fosse, Roma poderia enviar o exército para “normalizar” a situação. Porém,
em todos os conflitos, os vencedores decidem o que é e o que não é justo, pois para eles, a
guerra que venceram e a maneira que a fizeram foi justa e o vencido sempre será o culpado
pela guerra ter acontecido. (TSCHUMI, 2003)
Com a queda do império romano do ocidente, em 476 d.C., e a ascensão da Igreja
Católica, a “guerra justa” passou a ser manipulada pelos homens da Igreja. Segundo São
Tomás de Aquino (apud Tschumi, 2003, p. 9) “os requisitos para qualificar a justiça da guerra
eram a autoridade do príncipe, a justiça indiscutível [um país atacado não poderia ter
cometido nenhuma ação capaz de legitimar a agressão sofrida] e a intenção lícita [evitar o mal
inútil].” Neste período foi adotada a doutrina Maniqueísta de bem e mal, onde o mal deveria
ser exterminado. Foi então que surgiram as Cruzadas e as guerras em defesa do Sacro Império
Romano. Porém, foi neste mesmo período que a guerra torna-se pública e regulamentada,
sendo uma atividade soberana, conduzida a partir da decisão de um governante.
O marco de ruptura entre a Idade Média e a Idade Moderna é a tomada de
Constantinopla pelo Império Turco-Otomano, em 1453, provocando mudanças significativas
nas relações de poder no Mediterrâneo. O bloqueio das rotas comerciais entre Europa e Ásia
pelos turcos gera grande prejuízo econômico, levando os europeus a procurar novos caminhos
para a Ásia pelo oceano Atlântico.11 A partir daí, começam as grandes navegações e os
“descobrimentos” das Américas. Durante a idade moderna surgem novas regras de como fazer
a guerra. No início da Idade Moderna, ocorreu a Guerra dos Trinta Anos (entre 1618 e 1648).
Com o final desta guerra, foi celebrado o Tratado de Vestfália (1648), que institui a liberdade
religiosa na Europa e o mútuo reconhecimento dos Estados “como poderes independentes,
livres para seguirem suas próprias políticas exteriores, concluírem tratados, trocarem
representantes diplomáticos e fazerem a guerra” (NARDIN apud Tschumi, 2003, p. 12). Com
isto, a diversidade religiosa deixa de ser um motivo de guerra na Europa, constituindo-se,
então, no marco inicial do sistema político europeu. Com o Tratado de Vestfália criou-se a
idéia de que os conflitos deveriam ser resolvidos pacificamente, através da arbitragem. Porém,
11 Fonte: <http://www.nossahistoria.com.br> acesso em: 10.08.2004.
27
em 1667, Luís XIV dá início à expansão francesa pela Europa, provando que o interesse do
Estado está acima de qualquer lei ou tratado. Conforme afirma Tschumi (2003, p. 13)
A soberania ilimitada dos Estados, expressa através da ampla possibilidade do uso da força no plano externo, fez com que o princípio basilar do direito internacional dos séculos XVII a XIX fosse o par in parem not habet imperium (um igual não manda no seu igual), que na prática significa que partes com direitos iguais (como os Estados), não têm capacidade para julgar os seus semelhantes. Desta norma decorre no direito internacional moderno a regra da imunidade de jurisdição dos Estados no tocante aos atos de império.
Durante o período que compreende o final da Guerra dos Trinta Anos e a I Guerra
Mundial pode ser caracterizado pelo equilíbrio de poder. Neste “sistema”, os Estados formam
alianças de acordo com seus interesses e, também, para manter um equilíbrio de forças na
Europa. Com isso, se um Estado é muito forte, os outros se unem e, teoricamente, se igualam
militarmente a ele. Muitas vezes, o que ocorreu, foram pequenas guerras, pois quando um
Estado ficava muito forte, os outros o atacavam para que seu poder militar fosse reduzido,
havendo, desta forma, um equilíbrio de poder entre os Estados. Neste período, as guerras
eram travadas de acordo com o resultado entre riscos e ganhos. Se as possibilidades de ganhos
compensassem os riscos, a guerra era iminente.
Com o final da II Guerra Mundial, a sociedade internacional sentiu a necessidade de
“ilegalizar” a guerra. Porém, com a criação da Organização das Nações Unidas, a guerra é
regulamentada, através do artigo 41 da Carta. Portanto, a guerra não foi ilegalizada, como se
pretendia, mas criaram-se regras que permitem aos Estados fazer a guerra se ela for em
legítima defesa, de forma individual ou coletiva. Porém a Carta da ONU deixa margem para
diversas interpretações, podendo haver inúmeras justificativas para a guerra. Segundo
Tschumi (2003, ps. 16/17):
A mais recente delas é a doutrina da legítima defesa preventiva, utilizada pelos Estados Unidos e Reino Unido para legitimar a invasão no Iraque. Na realidade, independentemente da existência de lacunas na Carta da ONU capazes de justificar o uso da força, as grandes potências ao longo da história sempre forjaram, quando necessário, mecanismos para legitimar suas guerras.
Com a Guerra Fria, a guerra passou a ocorrer através dos “Estados satélites”, ou seja,
os Estados Unidos e a União Soviética não se enfrentavam diretamente, mas utilizavam outros
Estados para isso. Estas duas potências faziam guerras na Coréia, no Vietnã, no Afeganistão,
28
também faziam com que dois Estados se enfrentassem, como no caso da Guerra Irã-Iraque.
Durante a Guerra Fria, os conflitos internacionais foram caracterizados desta maneira,
principalmente por causa da existência de armas nucleares. Então, pode-se dizer que a partir
da invenção das bombas atômicas, os Estados se sentem intimidados de fazer a guerra, pois
esta pode resultar na destruição completa da estrutura social do Estado.
1.4 A Relação da Guerra com as Políticas dos Estados nas Relações
Internacionais
Os Estados, sendo unidades políticas independentes, possuem objetivos internos e
externos diferentes uns dos outros. No atual sistema internacional de Estados, anárquico, os
objetivos externos podem ser alcançados de duas formas: pacíficas, através da diplomacia, das
boas relações com outros Estados e de órgãos de mediação de conflitos ou através de conflitos
armados, ou seja, através de guerras. Como visto no decorrer deste capítulo, as guerras
sempre aconteceram, seja entre cidades-Estado, entre unidades feudais, entre principados, ou
entre Estados, na sua concepção moderna. Segundo Aron (2002, p. 219):
A rivalidade entre as coletividades políticas não se inicia com o rompimento de tratados, nem se esgota com a conclusão de uma trégua. Contudo, qualquer que seja o objetivo a política externa – posse do solo, domínio sobre populações, triunfo de uma idéia -, este objetivo nunca é a guerra em si. [grifos do próprio Aron]
Aron afirma que a guerra em si nunca é o objetivo da política externa de um país, mas
ela é utilizada como um meio para se chegar a um determinado fim. Para Bonanate (2001)
alguns Estados estão mais propensos à guerra do que outros. Este autor afirma que Estados
com os mesmos tipos de governos não fazem guerra entre si, pois é contra sua natureza,
conforme Montesquieu (apud Bonanate, 2001, p. 145), “[é] contra a natureza das coisas que,
em uma constituição federativa, um Estado confederado conquiste outro [...]. É também
contra a natureza das coisas que uma república democrática conquiste cidades que não
desejam entrar na esfera de sua democracia.”
Muitos autores comentam que entre países democratas a guerra não acontece, de que
se a democracia fosse a forma de governo de todos os países, a paz seria perpétua,
extinguindo a guerra. Os países que na segunda metade do século XX foram ditatoriais, como
o Brasil, o Chile, e outros, não se envolveram em guerras, enquanto os Estados Unidos, país
onde a democracia é a forma de governo, fez diversas guerras, como a da Coréia, do Vietnã,
29
do Golfo, entre outras. Contudo, todos estes países que os Estados Unidos entrou em guerra
são considerados “não-democráticos” pela maioria dos autores. Já a ex-União Soviética
combateu somente a guerra do Afeganistão (1979) e o primeiro conflito entre países
socialistas se deu em 1977, entre Vietnã e Camboja. (BONANATE, 2001, ps. 145-147)
Portanto, a forma de governo, na realidade, não quer dizer se o país é belicoso ou não.
Os Estados Unidos criam diversos conflitos, como o caso do Afeganistão em 2002 e da guerra
do Iraque em 2003, dizendo que seu objetivo é acabar com a ditadura daqueles países e
instalar a democracia para que haja paz. Porém, não há nexo em fazer uma guerra contra dois
países que estavam em paz com relação aos outros para instalar a democracia e, assim, a paz.
Para Morgenthau (2003), os Estados fazem da guerra uma alternativa da sua política
internacional para alcançar três objetivos: manter ou alcançar determinado status quo, por
motivos imperialistas ou para alcançar certo prestígio. Para este autor (p. 89), “a política do
status quo visa à manutenção da distribuição do poder que existe em um momento particular
na história.” Morgenthau afirma que o tratado de Paris de 1815 que cria a Santa Aliança ao
final das guerras napoleônicas e o tratado que cria a Liga nas Nações em 1919, ao final da I
Guerra Mundial, foram firmados para garantir a manutenção do status quo existente quando
da conclusão de referidas guerras.
No entanto, existem países que não se conformam com o status quo existente. A
Alemanha, por exemplo, com o final da I Guerra Mundial é submetida a duras punições pelo
Tratado de Versalhes. Era de seu interesse modificar o status quo e, para isso, a Alemanha, o
Japão e a Itália se retiraram da Liga das Nações, que, no seu art. 10, afirma que as nações
deveriam “respeitar e preservar contra agressões externas a integridade territorial e a
independência política existente de todos os membros da Liga”.
Em 1962, para modificar o status quo existente, a ex-União Soviética instala os
mísseis nucleares em Cuba, o que quase gerou um confronto nuclear entre aquele país e os
Estados Unidos. Porém, como já visto no final do item 1.2 deste capítulo, a ex-União
Soviética retirou os mísseis, contudo o status quo dos Estados Unidos foi reduzido, pois este
país retirou seus mísseis Júpiter instalados na Turquia e apontados para Moscou. Já em 1983,
para manter o status quo, os Estados unidos invadem Granada, que, segundo Morgenthau
(2003, p. 95) “era vista como um arsenal para ação militar controlada pelos cubanos e
assessores soviéticos”. Isto seria uma violação da Doutrina de Monroe, que nenhum país
americano poderia ter sua independência ameaçada por países não-americanos, ou seja, a ex-
União Soviética não poderia influenciar a independência política dos países americanos.
30
A política do Equilíbrio de Poder, existente, principalmente, até o final da II Guerra
Mundial, pode ser um exemplo de política do status quo. Os países europeus faziam diversas
alianças entre si para manter um certo equilíbrio de poder na Europa. Às vezes, para manter
este Equilíbrio e, com isso, o status quo, era necessário que os países entrassem em guerra
contra um país que estava se sobressaindo com relação aos outros, militarmente. A exemplo
destas alianças, temos o emaranhado criado por Bismarck após a vitória contra a França e a
fundação do Império Germânico, em 1871, que para proteger a posição dominadora
conquistada pela Alemanha e para prevenir guerras de vingança por parte da França,
Bismarck firma uma aliança com a Áustria, em 1879, para a defesa mútua contra a Rússia.
Em 1894, a Rússia e a França firmam uma aliança defensiva contra a aliança Alemanha –
Áustria. A aliança de Bismarck, segundo Morgenthau (2003, p. 92) demonstra “[o] receio
mútuo de que a outra aliança estivesse manobrando no sentido de alterar o status quo,
enquanto professava mantê-lo”, o que acabou constituindo um “dos principais fatores que
vieram a produzir a conflagração geral da I Guerra Mundial.” Até o final da II Guerra
Mundial, o Japão era uma potência militar, o que acabou com o final da guerra, sendo que até
hoje este país tem as forças armadas insignificantes. Por outro lado, pacificamente, o Japão,
após esta guerra, conseguiu mudar o seu status quo depois de quase meio século, tornando-se
uma das maiores potências econômicas. Portanto, podemos verificar que para se alterar o
status quo a curto e médio prazo, a guerra é a única forma.
Muitos autores e observadores afirmam que as guerras dos Estados Unidos contra
Granada, e o processo de aquisição das Ilhas Virgens podem ser consideradas como uma
política imperialista. Este termo “imperialista” vem sendo muito utilizado, principalmente,
por aqueles que não concordam com a política externa dos outros. Aqueles que não
concordam com a política externa dos Estados Unidos, da Rússia ou de qualquer outro
Estado, classificam todos os seus atos como imperialistas.
Devemos, então, verificar os erros comuns que as pessoas fazem ao classificar certos
atos como imperialistas. Morgenthau afirma que nem toda política externa voltada para o
aumento do poder de certo país pode ser classificado como imperialismo. Também não se
pode classificar a política externa que vise a manutenção de um império existente como
política imperialista. O imperialismo seria, então, a política externa de um país que visa a
expansão de seu poder, tanto econômico, quanto cultural ou militar a um estágio de principal
potência de certa região. Esta região, segundo Morgenthau, depende do objetivo da política
externa do país, podendo ser um imperialismo mundial, continental ou uma preponderância
local. Segundo Morgenthau (2003, p. 112), o imperialismo pode ser entendido “como uma
31
política concebida para subverter o status quo.” A política externa imperialista está
diretamente ligada à guerra no caso militar, mas não no imperialismo econômico e cultural.
O imperialismo militar consiste na conquista militar de outros territórios. Esta é a
maneira, segundo Morgenthau (2003, p. 121) “mais óbvia, mais antiga e também mais crua de
imperialismo”. Até o século XX, podemos dizer que este método de imperialismo foi o que
preponderou. O Império Romano pode ser um exemplo de imperialismo militar, pois através
de seus exércitos, suas legiões, os romanos conquistaram praticamente a Europa inteira, o
Oriente Médio e o norte da África. Napoleão foi outro que preferiu utilizar o imperialismo
militar para conquistar a Europa. Morgenthau afirma que se Napoleão tivesse utilizado o
imperialismo cultural, através da Revolução Francesa, ele poderia ter conquistado o mundo
inteiro. A principal vantagem do imperialismo militar, segundo Morgenthau (2003, p. 121)
“reside no fato de que as novas relações de poder resultantes da conquista militar só podem
ser alteradas [...] após uma outra guerra instigada pela nação derrotada”.
O imperialismo cultural é aquele no qual a política externa do país visa a propagação
da cultura de seu país. A Revolução Francesa foi intensamente difundida pelo mundo inteiro,
encorajando processos de independência e forneceu as bases para a democracia em diversos
países. Morgenthau (2003, p. 124) afirma que o imperialismo cultural “constitui a mais sutil e
a mais bem-sucedida das políticas imperialistas”. Ela visa o controle da mente dos homens.
Pode-se dizer que os Estados Unidos, através do cinema e programas de televisão, realizam
um imperialismo cultural. Podemos ver que na grande maioria dos filmes estadunidenses, na
parte mais comovente ou emocionante aparece uma bandeira ou algum símbolo dos Estados
Unidos. Com isso, as pessoas que assistem criam um certo sentimento por aquele país, e às
vezes confundem-se de sua nacionalidade, tendo uma maior emoção ao ouvir o hino nacional
dos Estados Unidos do que seu próprio hino nacional, identificando-se mais com um símbolo
estadunidense do que com um de seu país, se é que os conhece. Portanto, o imperialismo
cultural não objetiva a “conquista de território ou o domínio da vida econômica”, mas sim “o
controle das mentes dos homens”. (MORGENTHAU, 2003, p. 125)
O imperialismo econômico, segundo Morgenthau (2003, p. 122) “é menos invasivo e,
de modo geral, menos eficaz que a modalidade militar [ou a cultural], além de constituir um
produto dos tempos modernos [como a cultural], na qualidade de método racional de ganhar
poder.” Este método consiste não na conquista militar, física, de território, mas sim no
controle econômico de tal território. Como exemplo disto, a maioria dos países da América
Central e do Sul dependem quase que exclusivamente de suas exportações aos Estados
Unidos. Assim, este país controla os seus dependentes, pois se resolver deixar de comprar os
32
produtos da América Latina, a economia destes países quebra. Morgenthau (2003, p. 123)
afirma que a natureza do imperialismo econômico é o “método indireto e discreto, mas eficaz,
de ganhar e manter o domínio sobre outras nações”.
Outra forma de política externa é a política do prestígio. Os Estados fazem uso da
guerra na sua política internacional para, além de manter ou alcançar certo status quo, ou por
motivos imperialistas, alcançar certo prestígio. A política do prestígio consiste, segundo
Morgenthau (2003, p. 148), em “convencer outras nações do poder que seu país realmente
possui – ou que ele acredita (ou deseja) que as demais nações suponham que ele detém.” Para
isto, um país pode convidar representantes dos outros países para assistir a uma parada
militar, mostrando seu arsenal, como fazia, principalmente, a ex-União Soviética durante a
Guerra Fria. Este país fazia grandes desfiles com os tanques e o mísseis nucleares para
mostrar aos Estados Unidos suas armas, tentando, desta maneira, intimidar este país. Muitos
afirmam que estes mísseis estavam sem as ogivas nucleares, que eram somente a carcaça,
porém isto servia para fazer com que os outros países acreditassem que eram mísseis reais.
Pode-se, também, fazer este tipo de política demonstrando suas armas na ativa. Os
Estados Unidos, em 1946, convidaram observadores de diversos países para assistir a dois
testes nucleares no Oceano Pacífico. Na ocasião, estes observadores ficaram abismados
quando uma frota de navios equivalente à marinha de um país pequeno foi destruída em
minutos. As grandes potências marítimas despachavam, periodicamente, esquadrões navais
para intimidar os povos do oriente. O mesmo fazem os Estados Unidos com relação à
América Latina. Algumas guerras também servem para demonstrar aos outros países o seu
poderio militar. Ao final da II Guerra Mundial, os Estados Unidos, mesmo sabendo da
rendição dos japoneses, bombardeiam Iroshima e Nagasaki com duas bombas atômicas. Isto
teve dois principais motivos: os Estados Unidos queriam uma rendição incondicional do
Japão e, também, o objetivo de, com as bombas atômicas, poupar a vida das tropas
estadunidenses, embora a vitória dos Estados Unidos estivesse praticamente assegurada. Além
disto, o objetivo era demonstrar aos soviéticos o poderio militar dos Estados Unidos, para
aumentar seu prestígio com relação aquele país.
Portanto, a guerra sempre esteve presente na história da humanidade. Todos os povos
já estiveram envolvidos em algum tipo de conflito, atrás de determinados objetivos, os quais
dependem de cada contexto histórico ao qual o conflito esteve ensejado. A guerra sempre foi
utilizada na política externa dos países, por motivos e objetivos diversos, porém, como já foi
comentado, o objetivo da política externa nunca foi a guerra em si, mas ela é utilizada como
um meio para se alcançar determinado fim.
2 A GUERRA NAS TEORIAS TRADICIONAIS DAS RELAÇÕES
INTERNACIONAIS
No capítulo anterior foi falado sobre a guerra em si. Para podermos identificar como
ela é tratada pelas principais teorias das Relações Internacionais, iremos apresentar, neste
capítulo, as principais teorias tradicionais das Relações Internacionais, ou seja, aquelas que
surgiram até a década de 1950. As três principais teorias são: a teoria idealista, a realista e a
marxista. Todas possuem uma lógica diferente para estudar as Relações Internacionais.
Até o início do século XX, não existiam teorias que pudessem explicar as Relações
Internacionais. Com o advento das duas Guerras Mundiais, procurou-se interpretar, explicar e
compreender as relações entre os Estados. Surgiram, então, as teorias das relações
internacionais. Segundo Borges de Macedo (2002, p.17) “[e]sta disciplina surge no entre-
guerras, com as pesquisas de diplomatas e estudiosos como E. Carr e Norman Angell, para
responder a uma pergunta bastante específica: por que há guerra?”. Estes dois estudiosos
foram fundamentais para o estudo das Relações Internacionais. Contudo, como veremos no
decorrer deste capítulo, as idéias dos dois diferem bastante. Edward Carr faz parte dos
teóricos realistas. Já Norman Angell pode ser considerado como idealista.
O pensamento idealista surge no final da Idade Média, com Marsílio de Pádua, que
está inconformado com o poder e as barbaridades da Igreja Católica. Contudo, a teoria
idealista, na ciência das Relações Internacionais, somente vai surgir com o advento da I
Guerra Mundial, para tentar criar meios de se abolir as atrocidades causadas pela guerra.
O realismo, assim como o idealismo, possui autores de tempos bastante anteriores ao
surgimento do estudo das Relações Internacionais. Já no final do século V a.C. podemos
encontrar pensadores realistas como Tucídides, que viam a guerra como um fenômeno normal
e inevitável. No século XX, para se contrapor aos pensamentos idealistas, que demonstraram
sua desconexão com a realidade do sistema internacional, em virtude da ocorrência das duas
Guerras Mundiais, surgem os teóricos realistas. Podemos identificar como “pai” da teoria
realista das relações internacionais Reinhold Niebuhr, que identifica o homem como um ser
egoísta de natureza belicosa.
O marxismo surgiu em 1848, com a publicação do folheto O Manifesto Comunista por
Marx e Engels. O marxismo, ao contrário do realismo e do idealismo, não é uma teoria
própria das relações internacionais. Porém, pode ser utilizado como base para a explicação e o
seu entendimento.
34
2.1 O Idealismo e o Problema das Guerras
O idealismo, segundo Bedin (2000, p. 15) “pode ser interpretado como um conjunto
de princípios universais que defende a necessidade de estruturar o mundo buscando o
entendimento, através de condutas pacíficas, onde a confiança e a boa vontade sejam os
motores que movimentam a História”. Portanto, os pensadores idealistas surgiram com a idéia
de que o mundo poderia extinguir a guerra através da boa vontade dos Estados e da confiança
que uns têm nos outros e solucionando quaisquer conflitos que possam vir a ocorrer, não mais
por guerras, mas sim utilizando a mediação e a arbitragem.
Os idealistas acreditam na virtude da Sociedade das Nações, nos mecanismos da
arbitragem e no sistema de segurança coletiva como instrumentos capazes de garantir a paz e
a segurança internacional. Os pensadores idealistas são inspirados em princípios éticos e
morais, os quais pretendem transformar em normas jurídicas, criando, no âmbito
internacional, uma sociedade integrada, gestora da paz entre as nações. (BEDIN, 2000, p. 10)
A teoria idealista tem origem em um grupo de autores classificados neste trabalho
como utópicos. Esta corrente de pensamento surgiu com o livro de Thomas More, A Utopia, a
qual era uma ilha imaginária com sistemas sociais perfeitos. Na época dos pensadores
utópicos, no final do século XIII ao século XVI, os Estados modernos estavam no início de
sua estruturação. Então os utópicos pensavam que eles poderiam ser constituídos de sistemas
sociais perfeitos, onde a população pudesse viver em paz e em comum harmonia, o que, se
pensarmos em termos do Estado existente hoje, início do século XXI, torna-se algo muito
abstrato e distante da realidade.
No século XVIII, quando o Estado moderno na Europa já estava consolidado, surge
uma segunda corrente de pensadores que abordam os princípios idealistas. Em um sistema
internacional calcado na soberania absoluta dos Estados, a guerra tornou-se um monopólio
público, utilizado pelos estadistas como uma livre ferramenta de política externa. A falta de
restrições legais à guerra tornou a busca por segurança o objetivo principal da política exterior
dos Estados. Nessas circunstâncias, os teóricos idealistas propuseram medidas para
estabelecer a paz na Europa, a qual se encontrava em constantes guerras, e onde alguns países
eram governados a séculos por monarquias despóticas.
A base filosófica dos autores idealistas do século XVIII provém do Iluminismo. A luta
contra o absolutismo e as tentativas de conceder um caráter mais racional ao pensamento
científico inspiraram os projetos de autores como Saint-Pierre e Kant. Estes pensadores eram
35
mais “realistas” do que os pensadores utópicos, ou seja, eles propuseram modelos teóricos
mais exeqüíveis que aqueles apresentados pelos utópicos. Isso se explica pelo fato de que o
sistema de Estados soberanos não sofreu significativas mudanças nesses últimos três séculos,
pelo menos no que diz respeito a total liberdade dos Estados para recorrer à guerra quando for
do seu interesse12. Logo, a maior parte dos mecanismos propostos pelos autores do século
XVIII para estabelecer a paz, como a segurança coletiva dos Estados, a crença nos tratados
internacionais e a manutenção de regimes democráticos, continuam em voga três séculos
depois.
Já no século XX, os pensadores idealistas procuraram desacreditar a guerra, apoiando
o fundamento de que ela era inútil, devido ao avançado estágio tecnológico e comercial que se
encontravam as nações. Aperfeiçoaram a teoria da segurança coletiva e a criação de uma
instituição internacional com poder coercitivo sobre os Estados. Pela primeira vez na história
suas idéias influenciaram a ordem internacional vigente, graças aos horrores provocados pela
I Guerra Mundial. Surgiu assim a Liga das Nações, no período do entre-guerras, e a
Organização das Nações Unidas, ao término da II Guerra Mundial.
De acordo com as idéias expostas acima, esse subitem será dividido em três partes. Na
primeira serão apresentados os fundadores do Utopismo, pois foram eles que deram a base
para o pensamento idealista. Apresentaremos também os principais pensadores idealistas do
século XVIII e seus projetos de paz, e, por fim, os mais importantes autores dessa corrente no
século XX. Essa estrutura permitirá compreender de forma clara a evolução do idealismo e
como ele trata a questão da guerra.
2.1.1 Os fundadores do Utopismo
O utopismo foi fundado no final do século XIII, com o Renascimento, sendo, ao
mesmo tempo produto e conceito impulsor renascentista. O conceito do termo utopia surgiu
com Thomas More, em 1515, quando esse escreveu um romance estatal, A Utopia,
influenciado pelas idéias de Erasmo de Roterdã. A palavra foi criada a partir do grego ou
topos – o país que não existe em lugar nenhum. O Utopismo surgiu com a idéia de modificar a
forma com que os Estados cuidavam de suas questões, quase sempre pautada pela violência.
12 Apesar dos recentes avanços existentes na seara do direito internacional, a ONU demonstrou ser totalmente ineficaz para conter os conflitos internacionais existentes durante a Guerra Fria. O capítulo VII da Carta da ONU dá claras amostras da sua total incompatibilidade com a diplomacia praticada atualmente. Caso os países legalistas obedecessem à Carta, a lógica da segurança coletiva os obrigava a defender militarmente o Iraque contra as agressões cometidas em 2003 pela coalizão de países liderada pelos Estados Unidos.
36
Devido ao seu conceito de querer algo que está longe da realidade humana, e devido
aos acontecimentos históricos como as duas Guerras Mundiais, as guerras paralelas causadas
pela Guerra Fria e as guerras do final do século XX e início do XXI, o utopismo encontra-se
desacreditado: “uma expressão para desacreditar propostas que se encaminhem para um
projeto teórico, pragmático, conceitual ou artístico a ser implementado”.13
Deve-se destacar que o utopismo pode ser aplicado a diversos ramos da ciência, como
a filosofia, a política, a sociologia, etc, e não apenas nas relações internacionais. Iremos
apresentar neste subitem os principais autores do utopismo, os quais deram as bases para o
surgimento do idealismo, quais sejam Marsílio de Pádua, Erasmo de Roterdã e Thomas More.
2.1.1.1 Marsílio de Pádua
Marsílio de Pádua (1280 – 1343) era jurisconsulto e político italiano da Idade Média.
Por seus trabalhos, ficou conhecido como o precursor da Reforma14 e da democracia moderna.
“Defendia que a única realidade política era o Estado, baseado na soberania do povo e que o
clero teria de se subordinar às leis e normas ditadas pelos leigos”.15 Em 1324, quando estava
na França, Marsílio escreveu sua principal obra, O defensor da paz, mais conhecido pelo seu
nome em latim, Defensor Pacis. Por suas idéias e por ter defendido publicamente o imperador
Luís IV o Bávaro, foi excomungado pelo papa e declarado herético em 1326.
Marsílio de Pádua pode ser destacado como o primeiro grande pacifista da história,
formulando um conjunto de idéias capazes de eliminar a ocorrência de guerras. Durante sua
época, a Idade Média, a Igreja Católica era detentora de um poder superior aos reis. Por isto,
qualquer que fosse o motivo, a Igreja poderia instaurar inquéritos e mandar matar qualquer
pessoa, além de fazer guerras com outros povos, como foi o caso das Cruzadas.
Marsílio de Pádua, inconformado com o poder da Igreja sobre os reis, escreve, em O
defensor da paz, que o poder da Igreja deve limitar-se apenas a questões religiosas, de fé,
deixando que o soberano de cada Estado, ou reinado, tivesse o poder sobre as leis civis, sobre
o governo de cada país. Ou seja, Marsílio de Pádua clama que os direitos civis devem estar
sob o poder de pessoas ou instituições civis, e não do clero, devendo a Igreja subordinar-se ao
poder secular.
13 Fonte: <http://www.gradiva.com.br/chebabi.htm>, acesso em 16.10.2004. 14 Reformadores como Lutero e Martinho e defensores da igreja anglicana citaram Marsílio em seus trabalhos. 15 Fonte: <http://www.sobiografias.hpg.ig.com.br/MarsiPad.html>, acesso em: 13.10.2004.
37
Em seu livro, Marsílio de Pádua demonstra sua crença de que é natural do homem
viver em paz, rejeitando aqueles que se opõem a tal modelo. O homem é “animado por um
desejo natural para a vida em comum, ou seja, é nas comunicações e nas trocas entre si que os
homens preenchem suas principais necessidades”. (BEDIN, 2000, p. 27)
Marsílio de Pádua desenvolve, em sua obra, a comunidade perfeita, a civitas, que,
segundo Bedin (2000, p. 27) “encontra-se estruturada como um organismo vivo, enquanto as
seis partes da cidade, inspiradas na Política, de Aristóteles, concorrem para assegurar o
desenvolvimento harmônico e o equilíbrio, condição essencial da paz: agricultura, artesanato,
governo, guerreiro, financeiros e padres”.
Marsílio é considerado um utópico, pois acredita em uma comunidade perfeita, onde o
povo ou o conjunto de cidadãos elegem seus governantes, através de voto e as partes da
cidade trabalham em conjunto, em cooperação para conseguirem tudo o que necessitam.
2.1.1.2 Erasmo de Roterdã
Erasmo de Roterdã (1466-1536) nasceu em Geert Geertsen, em Roterdã, na Holanda
do Sul, Países Baixos. Após a morte prematura de seus pais, pela Peste Negra, em 1483, a
educação de Erasmo ficou a cargo de uma série de mosteiros, a qual foi a melhor possível
para a sua época. Foi admitido no sacerdócio e fez a promessa de monge aos 25 anos de
idade, porém nunca trabalhou como padre. No decorrer de sua vida, escreveu diversas obras,
como A guerra e a queixa da paz, O elogio da loucura e glória de tolice, esta última foi
dedicada ao seu amigo Thomas More. Em suas obras, Erasmo aparece como fundador do
irenismo.
O irenismo, que, do grego eirenè quer dizer “paz”, significa “a atitude que professa o
repúdio por todo o tipo de beligerância e uma ilimitada confiança na eficácia do diálogo e do
recurso à arbitragem para a resolução dos conflitos que opõem os homens” (GUIMARÃES
PINTO apud Borges de Macedo, 2002, p. 24). Esta confiança ilimitada na eficácia da
arbitragem para resolução dos conflitos, faz com que Erasmo de Roterdã seja um utópico.
Esta escola surgiu em 1500, quando ele escreveu Dulce Bellum, que acabou se tornando uma
de suas principais obras, A guerra. Além desta, Erasmo escreveu a Queixa da paz a qual,
segundo Borges de Macedo (2002, p. 25) “é fruto da desilusão com a diplomacia de seu
tempo”.
Borges de Macedo (2002, p. 25) afirma, ainda, que em “[a]mbos os textos, Erasmo
procura caracterizar a guerra como algo anticristão e antinatural”. Ao contrário de Thomas
38
Hobbes, que apresentaremos no subitem 2.2.1.3, Erasmo acredita que a natureza humana é
contrária à guerra. Afirma que o homem, ao contrário dos animais, que possuem garras,
peçonhas e chifres, nasceu sem nada que possa parecer ter sido dado para a luta ou para a
violência. Afirma, ainda, que quando criança, o homem depende inteiramente da proteção de
alguém, podendo beijar, abraçar, rir e chorar. Portanto, conforme Roterdã (apud Borges de
Macedo, 2002, p. 25) “[a] natureza [...] fez o homem inclinar-se para a benevolência, a
amizade e o amor, que são sentimentos voltados à boa harmonia”. Contudo, o homem, ao
contrário dos animais, é dotado de inteligência, totalmente capaz de criar as garras, as
peçonhas e os chifres que não lhes foi dado “naturalmente” como aos animais.
Erasmo afirma, ainda, que a razão também faz o ser humano ser pacífico. Conforme
Borges de Macedo (2002, p. 25),
para Erasmo, a razão é pressuposto da sociabilidade: “e não satisfeita com estas coisas, a natureza apenas ao homem concedeu o uso da linguagem e da razão, as quais é indisputável que sobremaneira servem para preparar e fomentar a benevolência, para que absolutamente nada entre os homens se resolva através da força. Inculcou nele o ódio pela solidão e o amor da convivência.”
Porém, Erasmo percebe que a guerra tomou o coração humano, e no texto A guerra ele
busca uma saída para explicar o seu acontecimento. Ele afirma que foram as Fúrias, as
Erínias que libertaram a guerra do inferno. Afirma, no mesmo texto, que foi o gosto pela
disputa que instaurou a guerra nos corações humanos. O mal se introduz aos poucos, que a
pessoa nem percebe como começou até estar inteiramente corrompida. “Portanto,
primeiramente a erudição insinuou-se como atividade idônea para refutar os hereges, que se
achavam aparelhados com as armas dos filósofos, dos poetas e dos oradores” (ROTERDÃ
apud Borges de Macedo, 2002, p. 26). Sob o pretexto de combater os hereges, surge o gosto
pela disputa e, com ele, a vaidade (Borges de Macedo, 2002, p. 26).
O mundo tem tão grande quantidade de bispos sérios e eruditos, tem tão grande quantidade de abades, tão grande quantidade de nobres, carregados de anos e de saber por uma longa experiência, tão grande quantidade de concílios, tão grande quantidade de assembléias, não embalde instituída pelos antigos: por que é que não se recorre à arbitragem para se resolverem as fúteis que quesílias dessa espécie que opõem os príncipes? (ROTERDÃ apud Borges de Macedo, 2002, p. 27).
39
O autor sugere nesta citação que, para resolver os conflitos, o homem deve recorrer à
arbitragem em contrapartida à guerra, pois, como esta é irracional, nada melhor do que a
razão para acabar com ela.
2.1.1.3 Thomas More
Thomas More (1477-1535) era filho de juízes na Inglaterra. Ele nasceu e morreu em
Londres. Aos quinze anos se tornou pajem do arcebispo de Canterbury, John Morton. More
foi um pensador humanista, que acreditava na solução pacífica dos conflitos, bastando, para
isso, que o homem soubesse conduzir a razão e obedecer a natureza. Segundo Nassetti (apud
More, 2001, p. 116), “[t]oda a obra de Thomas More inseriu-se [...] dentro dos quadros do
pensamento renascentista, mais particularmente dentro das coordenadas do humanismo”.
Em 1490 foi terminar seus estudos em Oxford onde conheceu Desiderius Erasmo, ou
Erasmo de Roterdã, filósofo e teólogo de Roterdã, Holanda. Thomas More chegou à chanceler
da Inglaterra e, em uma de suas cartas para Erasmo, podemos verificar seu desprezo pela
política daquela época: "Não podes avaliar com que aversão me encontro nesses negócios de
príncipe, não há nada de mais odioso do que essa embaixada." More falava de sua missão
diplomática de resolver uma importante dissidência entre Henrique VIII, a quem chama de
invencível e dono de um gênio raro, e o príncipe Carlos da região de Castela.16
More como católico que era, não aceitou a nova religião criada por Henrique VIII, o
anglicanismo, que permitia o divórcio, pedindo demissão do cargo de chanceler da Inglaterra
em 1532. Em 1533, ofendeu uma das esposas de Henrique VIII, Ana Bolena, não assistindo
sua coroação e não prestando fidelidade aos seus descendentes, sendo condenado à prisão
perpétua e, depois, à morte, sendo decapitado em 1535.
More escreveu sua principal obra em 1516, chamada a Utopia, forma abreviada de De
optimo reipubicae statu deque nova insula Utopia (Sobre o melhor estado de uma república e
sobre a nova ilha Utopia). Neste livro, More faz diversas críticas à sociedade inglesa e
européia, ao mesmo tempo que apresenta a ilha Utopia como um lugar em que a sabedoria e a
felicidade do povo decorrem de um sistema social, legal e político perfeito, guiado pela razão.
More é classificado como utópico, além de ter sido ele quem criou o termo, por acreditar que
os sistemas de um Estado podem ser perfeitos.
16 Fonte: <http://www.consciencia.org/moderna/More.shtml>, acesso em: 12.10.2004.
40
Na ilha Utopia as pessoas não possuem nada, porém são ricas. Tudo que é produzido
por todos é deixado no centro da cidade, onde os “chefes” das famílias apanham o que
necessitam. O luxo e a propriedade privada são condenados. Todas as pessoas trabalham e se
revezam na agricultura todos os anos. Utilizam o ouro como correntes para os escravos,
fazendo com que não haja litígios acerca deste produto, pois a causa de muitas guerras é o
ouro.
Para More, a guerra é repugnante, mas às vezes necessária em caso de ataque
estrangeiro. Se um utopiano for humilhado em território estrangeiro, exige-se punição dos
culpados e, caso isto não aconteça, é guerra para os agressores. Contudo, os utopianos são
pacíficos, preferindo contratar mercenários para a guerra. “Os utopianos detestam e
abominam a guerra como coisa brutal e selvagem, que contudo espécie alguma de animais
ferozes pratica tão freqüentemente como o homem. Contrariamente ao costume de quase
todas as nações, nada consideram mais vergonhoso que a glória conseguida na guerra”.
(MORE, 2001, p. 93)
More ergueu seu protesto, principalmente contra as injustiças da Inglaterra de
Henrique VIII. Ele ataca a monarquia e as instituições, bem como a vida de luxos inúteis em
cima do trabalho de outros. Escreveu sua obra inspirando-se em Platão, e diversos anarquistas
e comunistas se inspiraram em More.
2.1.2 Os projetos de paz do século XVIII
No século XVIII, a partir da ocorrência do iluminismo, surgiram diversos projetos de
paz. Os principais foram formulados pelo Abade de Saint-Pierre e por Immanuel Kant. Os
projetos destes dois autores decorrem da base filosófica do iluminismo, acreditando na luz da
razão para um mundo melhor. Seus projetos possuem uma base mais racional que as idéias
dos utópicos, pois no século XVIII as bases da sociedade internacional (o sistema de Estados
soberanos) já estava solidificada, o que permitiu a criação de propostas mais “executáveis” do
que nos séculos XIV a XVI.
Apresentaremos neste subitem os dois autores mencionados acima. Ambos criam
projetos de paz que visam aumentar a representatividade política da burguesia e a queda da
monarquia absolutista. Eles acreditam na segurança coletiva das nações para acabar com a
guerra.
2.1.2.1 Abade de Saint-Pierre
41
Charles Irénée Castel de Saint-Pierre (1658-1743) – o Abade de Saint-Pierre – nasceu
na Baixa Normandia, que atualmente pertence à França. Por razões físicas, era inapto à
formação militar, sendo conduzido, aos seis anos de idade, a uma instituição eclesiástica onde
descobre sua vocação – benfeitor da humanidade. Ele era obcecado pelo interesse público,
descobrindo que somente a política e as normas jurídicas poderão garantir a segurança e a
paz. (SEITENFUS apud Saint-Pierre, 2003, p. XXIV)
A sua mais ilustre obra é conhecida como o Projeto para tornar perpétua a paz na
Europa. Este projeto é de grande importância, pois pela primeira vez, a idéia paneuropéia foi
apresentada de maneira sistêmica. Outro aspecto fundamental do Projeto é sua problemática
pacifista, pois Saint-Pierre apresenta uma sociedade européia como sendo a única garantia de
paz perpétua na Europa. (SEITENFUS apud Saint-Pierre, 2003, p. XXV).
Saint-Pierre confronta-se com a autocracia da monarquia de Luís XIV, o qual,
segundo Seitenfus (apud Saint-Pierre, 2003, p. XXVII) “manifesta desenfreada ambição e
pratica guerras de conquista colocando a fogo e a sangue a Europa”. Isto faz com que Saint-
Pierre seja expulso da Academia Francesa e preso quando da publicação da obra Polysynodie
(1718). Saint-Pierre manifesta seus sentimentos humanistas, sua bondade e seu bom caráter
nesta obra, além de uma marcante vontade de manutenção do status quo político e territorial
na Europa.
Para se alcançar a paz perpétua na Europa, o Abade afirma que os soberanos devem
respeitar os princípios fundadores do Projeto. No projeto, o Abade redige seu texto em forma
de artigos, demonstrando a importância do positivismo jurídico. Isto faz com que o sistema
proposto por Saint-Pierre “oriente-se pela racionalidade da ordem política, tanto interna
quanto externa”. (SEITENFUS apud Saint-Pierre, 2003, p. XXVII)
Segundo Seitenfus (apud Saint-Pierre, 2003, p. XXVII-XXXII), o núcleo central do
Projeto é composto por cinco artigos fundamentais, os quais serão, resumidamente, descritos
a seguir.
Primeiro, a partir da conclusão do Projeto, os signatários alcançariam uma aliança
perpétua que propiciaria a eles e a seus sucessores uma absoluta e total segurança contra as
desgraças das guerras externas e das guerras internas. A renda nacional teria um aumento
efetivo devido a redução das despesas com armamentos, além das leis e regulamentos internos
serem beneficiados de mudanças positivas, os tratados em vigor e as linhas de fronteira seriam
respeitados. Neste artigo, podemos verificar a preocupação do Abade em manter o status quo
nas relações de poder entre os Estados e no seu interior.
42
Segundo, os signatários contribuem individualmente, segundo suas possibilidades,
para o financiamento dos custos coletivos da aliança. Esta é uma das idéias mais interessantes
do projeto, pois é uma forma de repartir os custos obedecendo à proporcionalidade das
riquezas de cada um dos Estados para assegurar o financiamento com a segurança coletiva.
Terceiro, os signatários comprometem-se a não lançar mão de meios bélicos para
resolver seus litígios presentes e futuros, e aceitam, em qualquer situação, a mediação e a
arbitragem dos aliados. Neste artigo, podemos verificar a preocupação de Saint-Pierre de que
somente criar uma situação de paz não é suficiente. É necessário que existam meios pacíficos
de se resolver os litígios, substituindo a tradicional utilização da força.
Quarto, todo e qualquer signatário da aliança que atentasse a sua solidez seria objeto
de ações coletivas. Neste artigo, Saint-Pierre prevê a aplicação de uma sanção aos Estados
que contrariarem o terceiro artigo. Ou seja, os Estados infratores serão objeto de medidas
coletivas coercitivas, de polícia. Esta polícia existiria para efeito de dissuasão, para que os
Estados não quebrem as regras, deixando de mediar seus conflitos pacificamente, utilizando a
força para tal.
Quinto, artigos suplementares poderiam ser adicionados aos atuais seguindo
negociações diplomáticas. Contudo, nenhum deles poderia modificar o conteúdo destes cinco
artigos fundamentais.
Conforme verificamos, Saint-Pierre acredita que a guerra pode ser extinguida criando-
se uma aliança entre os Estados europeus e fazendo, através de um tratado, com que estes
abdiquem da utilização da força para resolver seus litígios. Contudo, pudemos verificar que,
conforme o artigo quarto do Projeto, a força poderá, ainda, ser utilizada como forma de
dissuasão em caso de legítima defesa coletiva. O objetivo de usar a força de modo coletivo é o
de prevenir qualquer guerra de agressão e, portanto, manter a paz na Europa.
2.1.2.2 Immanuel Kant
Kant (1724-1804) nasceu onde hoje é conhecido como Kaliningrado, na atual Rússia
(antiga Prússia). Seus pais eram pietistas17 da Igreja Luterana, o que facilitou sua entrada na
escola pietista, onde estudou obras latinas por oito anos e meio, principalmente seu preferido,
Lucrécio. Em 1740 entrou para a Universidade de Königsberg, onde ficou por cinco anos,
sendo obrigado a deixar os estudos, por motivos financeiros e pela morte de seu pai, em 1746,
17 Pietista é uma subdenominação da Igreja Luterana, que requer dos fiéis vida simples e integral obediência à lei moral.
43
e começar a trabalhar como tutor particular até voltar à universidade em 1755. Kant estudou
muito e escreveu diversas obras sobre matemática e física, tornando-se doutor em física.
Contudo, Kant ficou famoso como escritor e professor e passou a lecionar sobre diversas
matérias, como filosofia e religião, sendo proibido de lecionar esta última pelo rei Frederico
Guilherme II, da Prússia, pois seu ensino não era ortodoxo.
A principal obra de Kant, para as relações internacionais, foi À paz perpétua, escrita
em 1795. Esta obra, Kant dividiu em seis artigos preliminares e três artigos definitivos. Os
seis primeiros são leis proibitivas que tornam ilegal a guerra e preparam os Estados para a
paz. Estes seis primeiros artigos demonstram que Kant acreditava que a guerra estava mais
próxima da natureza humana do que a paz, pois se fosse o contrário, não era necessário
estabelecer leis proibindo a utilização da guerra. Contudo, o povo em geral é contra a guerra,
pois ela causa mortes, doença, destruição, etc. Portanto, a paz seria obtida de modo natural em
uma democracia, pois se é o povo que escolhe os seus governantes, eles seriam escolhidos por
defenderem a paz.
A proposta de Kant “defende a paz entre os povos através da transparência dos
tratados internacionais, objetivando colocar um termo às cláusulas secretas, e apoiando o
incremento das relações econômicas, sobretudo comerciais”. (Saint-Pierre, 2003, p. XXVI)
Na sua obra, Kant defende a existência de uma instituição supra-nacional e uma
constituição universal, para garantir a paz entre todos os Estados. Entretanto, nenhum país
teria o direito de interferir nos negócios internos de outro a não ser caso a res pública (coisa
pública) fosse ameaçada ou se houvesse uma guerra. Também expõe os empecilhos à paz
duradoura que com o passar do tempo só se tornaram mais sérios e difíceis de serem
eliminados, como o militarismo, os exércitos permanentes, o uso da espionagem, do
terrorismo e da traição como elementos de política externa e a interferência de grandes
potências nos assuntos internos e soberanos de outros países.18 Kant acredita que,
estabelecendo leis e utilizando a razão para cumpri-las, os Estados, através da democracia,
conseguiriam abolir estes empecilhos à paz e pôr um fim à ocorrência de guerras.
2.1.3 O idealismo no século XX
O idealismo no século XX é o conjunto de idéias, de teorias, que fariam com que as
relações entre os Estados fossem ideais, sem a necessidade de utilizar a guerra ou outras
18 http://port.pravda.ru/editorial/2003/10/11/3175.html. Acesso em: 11.10.2004.
44
formas de coação através da violência. Os autores próprios da teoria do idealismo surgem no
século XX por decorrência, principalmente, da I Guerra Mundial, expondo idéias sobre como
extinguir a guerra. Em suas teses, os autores criaram sistemas internacionais que seriam
capazes de assegurar a paz mundial, ou “perpétua”, como afirmam alguns autores.
Outros demonstram como a guerra é ineficaz e economicamente inviável. Iremos
apresentar, como idealistas do século XX, os principais autores desta teoria, quais sejam
Norman Angell, Woodrow Wilson e Leonard Woolf. Lembramos, ainda, que Woodrow
Wilson não foi um pensador teórico e sim um estadista, o presidente dos Estados Unidos de
1913 a 1921 e Leonard Woolf era um pacifista e escritor do início do século XX.
2.1.3.1 Norman Angell
Ralph Norman Angell Lane nasceu em dezembro de 1872 em Lincolnshire, na
Inglaterra e morreu em 1967, aos 95 anos. Estudou em Londres, Paris e, por um curto período,
na Universidade de Genebra. Aos dezessete anos de idade, partiu para os Estados Unidos,
onde teve as profissões das mais variadas, desde agricultor até vaqueiro e, por fim, como
jornalista em vários diários. Voltou para Paris onde trabalhou como sub-editor de um diário
publicado em inglês. Em 1903, publicou seu primeiro livro, Patriotismo sobre três bandeiras:
uma defesa do racionalismo da política, que mostrava seu “objetivo de propor uma visão que
se afastasse das interpretações materialistas pela ênfase no papel das idéias, [além das]
gestões que tinha feito para impedir um conflito entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha”.
(PARADISO apud Angell, 2002, p. XXI)
Angell publicou seu mais famoso livro, A grande ilusão, apenas dois anos antes da I
Guerra Mundial. Por causa deste livro e de diversos trabalhos, como o de membro do Comitê
Executivo do Sindicato da Liga das Nações, foi agraciado com o Nobel da Paz, em 1933. Os
trabalhos de Angell, além de idealistas, tiveram grande valor para a fundamentação das obras
dos teóricos da “interdependência”, pois a essência da sua teoria é a incompatibilidade entre a
guerra e a busca da prosperidade. (GRIFFITHS, 2004, p. 86)
No livro supracitado, Angell nos demonstra, na primeira parte, que a guerra é
economicamente irracional, pois como a interdependência econômica dos Estados
industrializados havia se tornado tão grande, não era necessário o aumento de território para
fortalecer a economia. Angell afirma que, em se fazendo guerra, tanto para anexar territórios
de outros Estados, quanto para conseguir colônias, os gastos econômicos são extremamente
altos sem que haja um retorno equivalente.
45
Na segunda parte de seu livro, Angell nos mostra que a guerra, além de ser
economicamente irracional, é contra a moral e a natureza humana. Um dos principais
discursos militaristas era a imutabilidade da natureza humana. Contudo, Angel “sustenta que
o problema não é mudar a condição dos homens, mas a sua conduta, a qual pode ser
modificada por reavaliações fundamentais em novas percepções, novas idéias e novas
instituições” (Angell, 2002, p. XXVI). Angell cita que com o passar dos séculos, o recurso à
utilização da força física foi perdendo espaço para o diálogo e para a moral dos indivíduos.
Como exemplo, cita Angell (2002, p. XXVI), “o desaparecimento da antropofagia, dos
sacrifícios humanos, da escravidão, da queima de hereges, dos tormentos judiciais, do duelo”
os quais não se encontram presentes, ou se encontram muito raramente, na vida humana do
início do século XX.
Para a crença universal da época (início do século XX), se um Estado deseja abrigar
sua população em crescimento, para o desenvolvimento da indústria ou para a simples
garantia do bem-estar dos cidadãos, as nações estão obrigadas a buscar sua expansão
territorial. O autor nos demonstra que, analisando-se o cenário antes da I Guerra Mundial
tendo como base a crença universal, “a prosperidade de uma nação depende do seu poder
político; que, como as nações competem entre si, o triunfo está reservado [...] à quem dispuser
de força militar preponderante, enquanto as nações mais fracas devem sucumbir, a exemplo
do que acontece nas demais esferas da luta pela vida” (ANGELL, 2002, p. LIII). Porém, o
autor contesta essa doutrina em sua totalidade. Angel afirma que esta teoria já está
ultrapassada, que
as fronteiras políticas e econômicas de um país não precisam necessariamente coincidir, [...] que é impossível para um país apropriar-se pela força do comércio ou do bem-estar de outro país, ou enriquecer, subjugando-o e impondo-lhe pela força a sua vontade19. Em suma, que a guerra, mesmo quando vitoriosa, não pode alcançar os objetivos postulados como uma aspiração universal. (ANGELL, 2002, p. LIII-LIV)
Norman Angell afirma que a guerra é economicamente inviável, que as despesas
econômicas, políticas e de pessoal que se tem em uma guerra não trarão retornos suficientes e
que a natureza humana não é a favor da guerra. Angell nos demonstra que, com o comércio
desenvolvido do século XX, as nações não necessitam de território para enriquecer.
19 Nesta frase, o autor contraria a célebre frase de Clausewitz, que diz que a guerra é “um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade.” (Clausewitz, 2003. p. 7)
46
2.1.3.2 Woodrow Wilson
Wilson (1856-1924) nasceu nos Estados Unidos, na cidade de Staunton, na Virgínia.
Ele entrou para a Igreja em 1873, seguindo os ensinamentos de seu pai, que era pastor da
Igreja Presbiteriana, e para o New Jersey College (hoje Princeton University) em 1875.
Tornou-se advogado em 1880 e trabalhou na área por algum tempo, porém não obteve
sucesso, voltando para a vida acadêmica em 1883. Wilson foi eleito governador de New
Jersey em 1911 e iniciou uma série de reformas radicais transformando o Estado de
conservador para progressista. Seu sucesso o levou à Presidência em 1913, desenvolvendo
uma campanha para o que chamava de Nova Liberdade. (GRIFFITHS, 2004, ps. 145-147)
Nas Relações Internacionais, Wilson “enfatizou a importância dos direitos humanos,
inclusive o direito de autogoverno e a ilegitimidade do imperialismo formal20” (GRIFFITHS,
2004, p. 147). Este discurso acabou sendo utilizado por diversos presidentes depois de Wilson
para justificar intervenções armadas em outros Estados. Wilson foi o presidente estadunidense
que mais realizou intervenções militares em outros países.21
Quando presidente, Wilson imbuiu-se de uma missão: levar a democracia para o
restante da América, ainda que na ponta do fuzil dos fuzileiros navais. Apoiou a
independência das Filipinas em 1916 e estava preparado para utilizar a força para defender a
democracia no México, na Nicarágua e no Haiti. Em 1916, as tropas estadunidenses ocuparam
a República Dominicana. Apesar disto, Wilson rejeitava as noções de expansão territorial para
obter controle e lucro sobre o território. “Acreditava que o comércio e a importação tinham
substituído a anexação como uma preocupação maior dos Estados Unidos. Se os lucros do
comércio pudessem ser ganhos, então o controle formal do território não era mais necessário”
(GRIFFITHS, 2004, p. 147). Para Wilson, a paz somente poderia ser alcançada se os regimes
de todas as nações fossem democráticos.
Podemos identificar o idealismo e o desejo de paz de Wilson em uma mensagem ao
Senado em 22 de janeiro de 1917, antes de ir ao Congresso pedir uma declaração de guerra
contra a Alemanha na I Guerra Mundial e introduzindo sua futura declaração dos Quatorze
Pontos: Em toda discussão da paz que deve acabar com esta guerra é aceita a idéia de que a paz deve ser seguida de alguns concertos de poder definitivos, os quais farão com que seja virtualmente impossível que qualquer catástrofe
20 Sobre imperialismo formal, ver o capítulo 1, páginas. 30 e 31. 21 http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/delirio.htm. Acesso em: 16.10.2004.
47
como esta possa nos atingir novamente. Todo amante da humanidade, todo homem de sã consciência, deve aceitar isto como certo.22
Com o final da I Guerra Mundial, Wilson leva à Paris os seus Quatorze Pontos, que
fundamentariam a criação de uma Liga das Nações, especificamente no seu décimo quarto
ponto. Estes pontos são uma série de princípios e propostas que Wilson levou à Conferência
de Versalhes em dezembro de 1918. Segundo Kissinger (2001, p. 240) esses Pontos foram
divididos em oito pontos como obrigatórios, ou seja, que “tinham” que ser cumpridos. Os
outros seis pontos, Wilson apresentou como sendo facultativos, ou seja, que “poderiam” ser
cumpridos, provavelmente por não achar que eles eram indispensáveis. Segundo Griffiths
(2004, p. 148) são:
1. Pactos abertos (acordos) de paz a serem alcançados abertamente, sem acordos
secretos;
2. Liberdade das águas além das territoriais;
3. Remoção de todas as barreiras econômicas ao comércio;
4. Redução das armas nacionais ao mínimo necessário à segurança interna;
5. Ajustes livres, imparciais e abertos às reivindicações das colônias.
6. Evacuação das tropas alemãs da Rússia e respeito pela independência da Rússia;
7. Evacuação das tropas alemãs da Bélgica;
8. Evacuação das tropas alemãs da França, inclusive da contestada região da Alsácia-
Lorena;
9. Reajuste das fronteiras italianas dentro de linhas nacionais claramente
reconhecíveis;
10. Autogoverno limitado para o povo austro-húngaro;
11. Evacuação das tropas alemãs dos Bálcãs e independência para o povo balcânico;
12. Independência para a Turquia e autogoverno limitado para as outras
nacionalidades até então vivendo sob o Império Otomano;
13. Independência para a Polônia;
14. Formação de uma associação geral de nações sob pactos específicos com o
propósito de fornecer garantias mútuas de independência política e integridade territorial,
tanto para os Estados grandes quanto para os pequenos.
22 Tradução livre. No original: “In every discussion of the peace that must end this war it is taken for granted that that peace must be followed by some definite concert of power which will make it virtually impossible that any such catastrophe should ever overwhelm us again. Every lover of mankind, every sane and thoughtful man, must take that for granted”. Fonte: http://world.std.com/~raparker/exploring/books/why_we_are_at_war. html. Acesso em 05.10.2004.
48
Os sete primeiros pontos e o décimo quarto foram aqueles considerados obrigatórios,
que “tinham” que ser cumpridos, já sobre os pontos de oito a treze ele declarou que
“deveriam” ser cumpridos. A Liga foi criada em 1919, sendo a primeira organização
internacional dedicada à segurança coletiva em âmbito global. Contudo, a Liga não obteve
êxito. Diversos de seus pontos não eram respeitados nem pelos seus membros. Estes, sabendo
que a Alemanha estava se rearmando, não fizeram nada. Tal organização era inadequada para
assegurar a paz na Europa ou em qualquer outro lugar, principalmente pela imposição de uma
paz punitiva à Alemanha. Esta atitude foi tomada com base no argumento de que a Alemanha
teria sido a única culpada pela deflagração da I Guerra Mundial, o que indignou a população
daquele país.
Vendo todos estes problemas da Liga, Wilson dedicou-se a uma árdua campanha para
que o Senado não rejeitasse o Estabelecimento da Paz, assinando o acordo da Liga. As idéias
de paz de Wilson ficaram conhecidas como “wilsonismo” ou “internacionalismo wilsoniano”,
sinônimo de utopismo. Em dezembro de 1920, Wilson recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelos
esforços na busca do estabelecimento de uma política justa e por fundar a Liga das Nações,
fundamentada pela busca da paz através da segurança coletiva.
Portanto, para Wilson, a guerra era dispensável, desde que as nações estivessem sobre
a proteção da segurança coletiva, na qual todos os seus membros defenderiam o país atacado.
Wilson, assim como Angell, acredita que a guerra não deve ser feita para a busca de
territórios ou de lucros futuros, pois com o desenvolvimento do comércio e da economia, a
aquisição de territórios para este fim não é mais necessária. Wilson acreditava, ainda, que a
democracia deve ser o alicerce para a paz. Por fim, ele explicitamente condenou o equilíbrio
de poder por ser instável e baseado em uma vigilância invejosa e um antagonismo de
interesses, pois, segundo Wilson (apud Kissinger, 2001, p. 241)
Eles [os soldados aliados] lutaram para acabar com uma velha ordem e criá-la nova, e o ponto central e característico da velha ordem era aquela coisa instável que costumávamos chamar “equilíbrio de poder” – obtido pela espada, posta de um lado ou de outro: um equilíbrio criado pelo balanço instável dos interesses competitivos[...]. Os homens que lutaram nesta guerra eram homens de nações livres, determinados a acabar com esse tipo de coisa, de uma vez por todas.
2.1.3.3 Leonard Woolf
Leonard Woolf (1880-1969) nasceu e estudou na Inglaterra. Casou-se com Virginia
Stephen em 1912 e, em 1913 publicou sua primeira obra, The Village and the Jungle. Durante
49
a I Guerra Mundial, Woolf foi contra o envolvimento britânico e, por este motivo, foi deixado
de lado no serviço militar. Em 1916, Woolf entrou para a Fabian Society23 e no ano seguinte
fundou a Hogarth Press e foi o editor literário do The Nation entre 1923 e 1930.
Em seu último volume autobiográfico, The Journey not the Arrival Matters, escrito no
ano de sua morte, Woolf afirma que as pessoas de sua geração sabiam, no início da II Guerra
Mundial, que a guerra e a civilização são incompatíveis no início do século XX, pois
conheciam a brutalidade, as ações desumanas de uma guerra, toda a dor e sofrimento que ela
pode causar. Afirma, ainda, que a Europa do entre-guerras estava muito mais brutal e
desumana que a Europa pré 1914. Woolf afirmou isto, dando os exemplos dos governos na
Rússia, na Itália e na Alemanha. Na primeira com um governo comunista que matava todos os
que não o eram, e na Itália, o fascismo, com base em princípios opostos ao comunismo, fazia
as mesmas barbaridades, e na Alemanha, Hitler executou milhares de pessoas que não eram
“puros” alemães.24
Em 1916, Leornard Woolf escreveu International Government, no qual ele afirma que
uma coordenação deliberada das relações internacionais é absolutamente essencial como um
primeiro passo para prevenir a guerra. Neste texto, Woolf idealiza uma Autoridade
Internacional, que seria um tipo de “instituição supranacional”, formada por Estados
independentes com poderes de fazer regras gerais de conduta internacional. Esta Autoridade
Internacional teria o poder, ainda, de decidir sobre conflitos entre Estados.
2.2 A Guerra para os Realistas
O realismo, como teoria das relações internacionais, surge com o advento da II Guerra
Mundial para se opor aos teóricos idealistas, que acreditavam que a guerra poderia ser contida
pelas virtudes da Sociedade das Nações, pelos mecanismos de arbitragem e pelo sistema de
segurança coletiva. Para os realistas, a II Guerra Mundial demonstrou que os idealistas
estavam equivocados. A Liga das Nações não conseguiu evitar a guerra. A agressividade
hitleriana e japonesa demonstraram que a Sociedade das Nações fracassou em assegurar a
paz, como queriam os idealistas e que a segurança coletiva de nada adianta quando um Estado
pretende e tem a capacidade de enfrentar esse sistema.
Existem, também, teóricos que não pertencem às relações internacionais, porém suas
obras se assemelham e condizem com os princípios da teoria realista das relações
23 Fabian Society é um grupo de debate socialista criado em 1883 por Edith Nesbit e Hubert Bland. 24 Fonte: <http://www.spartacus.schoolnet.co.uk/TUwoolf.htm>, acesso em: 14.10.2004.
50
internacionais, servindo de base para o trabalho dos teóricos realistas, como Tucídides,
Thomas Hobbes e Maquiavel. O primeiro é historiador, e os outros dois são teóricos da
filosofia política, porém o pensamento dos três coaduna com a concepção realista das relações
internacionais, partindo-se da concepção da natureza humana.
Como dito anteriormente, a teoria realista das relações internacionais desenvolveu-se a
partir das duas Guerras Mundiais, para se opor aos idealistas. Podemos considerar como seus
principais teóricos Edward Carr, Hans Morgenthau, Raymond Aron e Henry Kissinger, além
do fundador da escola realista, Reinhold Niebuhr.
A teoria ‘realista’ é a mais clássica e tradicional, e insiste em que a distribuição de forças representa a principal causa de guerra em um ambiente fundamentalmente anárquico, como seria o do sistema internacional; sendo assim, os estadistas estariam obrigados, à luz do chamado ‘dilema de segurança’, a iniciar a guerra toda vez que o arranjo das relações entre potências colocar em risco a vulnerabilidade do seu país. (BONANATE, 2003, p. 106)
Podemos identificar, nesta citação, a principal matéria de estudo da escola realista, a
busca pelo poder. Os Estados necessitam aumentar seu poder em termos de interesse
nacional. Entre estes Estados, interessados em aumentar ao máximo o seu poder, estabelece-
se um equilíbrio de forças, que, para os realistas, seria a única maneira de se evitar a guerra.
Conforme afirma Fernandes (1998, p. 125):
Para os teóricos da Escola Realista, as relações internacionais resultam da participação e intervenção dos Estados na cena internacional, os quais agem em função do interesse nacional, definido em termos de poder. O poder é entendido mais como uma finalidade do que como um meio, um instrumento, e é concebido mais em termos político-militares do que em termos econômicos, sociais e culturais.
A teoria realista não acredita no ideal de os Estados limitarem voluntariamente suas
prerrogativas, o que permite, na ausência de um órgão internacional com o monopólio
legítimo da violência, a comparação do sistema internacional com o estado de natureza25.
Nesse ambiente, a lógica que permeia as relações entre os Estados é a busca pelo poder, não
os princípios éticos. Logo, a guerra torna-se uma ferramenta política não apenas legal, mas
também essencial para os Estados.
25 Para Thomas Hobbes (2000, p. 108-122) o estado de natureza seria um modelo hipotético onde todos os homens, livres e iguais, não estão submetidos a um poder comum (governo). Nessa condição, caracterizada pela ausência de um contrato social, os homens estariam em uma permanente guerra entre si.
51
No início da Guerra Fria, Morgenthau estabelece os seis princípios clássicos do
realismo político que ilustram a presença do estado de natureza nas relações internacionais: 1-
a política, como a sociedade, obedece a leis objetivas inseridas na natureza humana
(colocadas à prova da razão e da experiência); 2- o interesse dos Estados no sistema
internacional é sempre definido em termos de poder, sendo a política um campo autônomo,
separada de outras áreas como a economia e a religião; 3- o conceito de interesse definido
como poder é uma categoria objetiva de validade universal, porém com significado variável
no decorrer do tempo; 4- os princípios morais não se aplicam aos atos de Estados; 5- as
aspirações morais de um Estado são diferentes das leis morais que governam o universo; 6- a
esfera política possui autonomia, não estando subordinada a outros parâmetros
(MORGENTHAU, 2003, p. 4-28). Diante desse quadro anárquico, o autor propõe como única
forma realista para preservar a paz a composição de um certo equilíbrio de forças entre os
Estados.
Neste sentido, este item será dividido para ser apresentado, inicialmente, o porquê que
certos pensadores podem ser inseridos como realistas antes mesmo do surgimento das teorias
das relações internacionais. Procurar-se-á verificar quais as semelhanças desses autores com
os princípios propostos por Morgenthau. Após, serão apresentados os principais realistas do
século XX e sua contribuição para a teoria realista das Relações Internacionais.
2.2.1 O Realismo antes do surgimento das teorias das Relações Internacionais
Aqui apresentaremos os principais pensadores que tinham algo em comum com o
pensamento realista ou que serviram de base para os estudos das relações internacionais que
fundaram a escola Realista.
2.2.1.1 Tucídides
Tucídides (460a.C.-400a.C.), em sua conhecida obra História da Guerra do
Peloponeso, narra a guerra entre a Liga de Delos e a Liga do Peloponeso, começando com os
acontecimentos que antecedem o conflito e narrando a guerra com um particular cuidado no
levantamento dos dados, mesmo porque o autor acompanhou, diretamente ou de perto, os
acontecimentos que narra. Da maneira com que Tucídides narra a guerra, podemos dizer que
o realismo esteve presente em sua obra. Nos acontecimentos que antecedem a guerra, o autor
52
nos conta que quando a Pérsia decide atacar a Hélade26, as cidades-Estado que a compõe,
mesmo inimigas entre si, juntam-se em uma aliança e expulsam os persas. Com o intuito de
finalizar a expulsão dos persas, Atenas organizou a Confederação de Delos (478-477 a.C.),
expulsando-os da Hélade e conquistando diversas regiões até o sul da Ásia Menor. Em torno
de 465 a.C., Atenas quebra a aliança com Esparta, que detinha o poder sobre o Peloponeso, e
alia-se com Argos, Mégara e Corinto, que eram hostis à Esparta.
Com estas alianças, durante a Paz de Trinta Anos (446-5 a.C.)27 houve um equilíbrio
de forças muito parecido com aquele que antecedeu a I Guerra Mundial, onde duas forças se
equilibravam no poder. Cada aliança não podia se dar ao luxo de permitir o fortalecimento da
outra. Também, como aconteceu entre as duas Guerras Mundiais do século XX, nenhuma das
alianças podia consentir que um de seus aliados fosse agredido, ou dominado, por força de
outro bloco (Jaguaribe apud Tucídides, 2001, p. XXXI).
Outro indício que nos mostra o realismo de Tucídides é o seguinte: “[c]ada povo arava
sua própria terra apenas o bastante para obter dela os meios de sobrevivência, não tendo
recursos excedentes e não plantando para o futuro, pois a perspectiva de saque por algum
invasor, especialmente por não haver ainda muralhas, gerava incerteza.” (TUCÍDIES, 2001, p.
1) Neste trecho, o autor nos conta que os povos gregos viviam sob intensa ameaça de guerra e,
muitas vezes, viviam para a própria guerra, pois “[n]a realidade, todos os helenos
costumavam portar armas, porque os lugares onde viviam não eram protegidos e os contatos
entre eles eram arriscados”. (TUCÍDIDES, 2001, p. 4) Por fim, podemos dizer que Tucídides,
na História da Guerra do Peloponeso fez uma “exposição realista do comportamento dos
homens em geral e dos políticos em particular” (Kury apud Tucídides, 2001, p. XLII),
afirmando, no capítulo 22 do livro I, que a natureza humana é imutável e que se determinadas
circunstâncias se reproduzirem em épocas diferentes, os fatos se repetirão de maneira
semelhante.
Neste sentido, podemos incluir Tucídides como um realista, porque, de acordo com
sua obra, a guerra era um fenômeno absolutamente normal e comum na Grécia, aceito com
naturalidade. Podemos, desta maneira, assemelhar sua obra com o terceiro e quarto princípios
de Morgenthau. Não podemos deixar de citar o diálogo de Mélios, muito importante para o
entendimento da obra de Tucídides como um realista. Durante a Guerra do Peloponeso,
26 Como era conhecida a região da Grécia, chamada assim por causa do poder dos filhos de Helen, poderosos na Ftiótida e que ajudaram outras cidades quando chamados (TUCÍDIDES, 2001, p. 3). 27 Esta paz durou somente até 431 a.C., quando estourou a Guerra do Peloponeso, portanto, durou em torno de 15 anos.
53
Atenas cerca a ilha de Milos, oferecendo aos habitantes locais uma oportunidade de
sobreviver, ou seja, os Mélios, para não serem exterminados, deveriam se tornar escravos dos
atenienses. Os habitantes, diante de tal situação, protestaram: “Vemos, com efeito, que viestes
para serdes vós mesmos os juizes do que devemos dizer, e o resultado do debate é evidente: se
vencermos na discussão por ser justa a nossa causa, e então nos recusarmos a ceder, será a
guerra para nós; se nos deixarmos convencer, será a servidão” (TUCÍDIDES, 2001, p. 347).
Os atenienses, então justificam sua posição, de modo explícito:
De nossa parte, então, não usaremos frases bonitas [...]. Preferimos pensar que esperais obter o possível diante de nossos e vossos sentimentos reais, pois deveis saber tanto quanto nós que o justo, nas discussões entre os homens, só prevalece quando os interesses de ambos os lados são compatíveis e que os fortes exercem o poder e os fracos se submetem. (TUCÍDIDES, 2001, p. 347-348)
Ao final, o diálogo foi totalmente em vão, pois os Mélios, esperando uma ajuda de
seus aliados (os lacedemônios) se recusam a tornar-se escravos. Então “os atenienses mataram
todos os mélios em idade militar que capturaram, e reduziram as crianças e mulheres à
escravidão” (TUCÍDIDES, 2001, p. 354).
2.2.1.2 Maquiavel
Maquiavel (1469-1527), em sua mais importante obra, O Príncipe (1513), cria um
“manual” para a ação do governante, descrevendo como os Estados deveriam se portar para
conversar ou aumentar o seu poder e segurança. Maquiavel, segundo Moreira (apud
Maquiavel, 2002, p. 19) era obcecado “pelo problema da estabilidade do poder. [...] sua
atenção se concentrou sobre as indicações de como ganhar o poder, de como mantê-lo e por
que se o perde”. Para Maquiavel, o bom governante não deve se preocupar em ser uma pessoa
boa, nem em ser uma pessoa má, ele deve ter a flexibilidade de poder ser ou um ou outro,
dependendo de sua necessidade para se manter no poder, conforme afirma no início do
capítulo XV (p. 93): “É necessário, portanto, que o príncipe que deseja manter-se, aprenda a
agir sem bondade, faculdade que usará ou não, em cada caso, conforme seja necessário”.
Para Maquiavel, o Estado deve fazer a guerra sempre que necessitar. Para ele, a guerra
seria um meio justificado pelos seus fins, que poderiam ser o aumento de território, de
riquezas, entre outras. Isto, pois se o objetivo do príncipe (governante) for conquistar e manter
seu poder, os métodos utilizados serão tidos sempre como honrosos, pois o povo elogia
54
sempre os resultados a favor de seu Estado. Esta é a síntese do realismo em Maquiavel, qual
seja a moral dos indivíduos não se aplica às relações entre Estados, ou seja, o terceiro
princípio defendido por Morgenthau. O autor afirma que “é bom ser e parecer misericordioso,
leal, humanitário, sincero e religioso; mas é preciso ter a capacidade de se converter aos
atributos opostos, em caso de necessidade” (Maquiavel, 2001, p. 104).
Não podemos deixar de fazer referência a um parágrafo de Maquiavel, que Edward
Carr cita, afirmando que o autor florentino “foi o primeiro importante realista político”:
Sendo minha intenção a de escrever algo que seja útil a quem o ler, parece-me mais apropriado procurar a verdade real do que a imaginação; pois muitos descreveram repúblicas e principados que, de fato, jamais foram vistos ou conhecidos, porque como se vive está tão distante de como se deveria viver, que aquele que renega o que foi feito, pelo que deveria ter sido feito, cedo defronta sua ruína, em lugar de sua preservação. (Maquiavel apud Carr, 2001, p. 85)
Maquiavel contribui ainda para a afirmação da teoria do estado de natureza nas
relações internacionais quando, ao isentar a conduta do governante de qualquer preceito
moral, aconselha o príncipe a utilizar todo e qualquer meio necessário na conquista e
manutenção de um Estado28. Dentre esses meios está incluso, obviamente, a guerra. Percebe-
se que assim como Tucídides, Maquiavel também considera a guerra como um fenômeno
natural, não impondo restrições ao jus ad bellum (direito de guerra).
2.2.1.3 Thomas Hobbes
Apesar da concepção do estado de natureza estar presente nas idéias de Tucídides e de
Maquiavel, foi Thomas Hobbes (1588-1679) o criador dessa teoria. Para o filósofo inglês, o
plano internacional é caracterizado por três fatores de discórdia: a competição, a desconfiança
e a glória29. Os Estados e os homens combatem-se pela competição, tentando uns impor o
domínio sobre os outros, e podendo assim obter a glória.
Thomas Hobbes foi um importante cientista político que, ao escrever Leviatã, nos
demonstra sua idéia de que o Estado deve ser autoritário, suprimindo liberdades e direitos
individuais, pois acredita que os homens são regidos pela Lei da Natureza. Nesta Lei, segundo
28 Um homem que queira fazer em todas as coisas profissão de bondade deve arruinar-se entre tantos que não são bons. Daí ser necessário a um príncipe, se quiser manter-se, aprender a poder não ser bom e a se valer ou não disto segundo a necessidade (MAQUIAVEL, 2002, p. 104).
55
Hobbes “[o]s homens estão naturalmente em estado de guerra, por isso carregam armas e
trancam suas portas” (Hobbes, 2000, p. 6). A Lei da Natureza proposta por Hobbes demonstra
que antes da criação do Estado não havia poder legal constituído. Podemos, ainda, fazer uma
comparação supranacional, pensando o Estado como homem. Assim, verificamos que, sem a
criação de um “Estado”, não há poder legal constituído, ou seja, sem uma instituição política
supranacional, que represente todos os Estados, não há poder legal que possa regê-los,
rogando-lhes direitos e deveres.
No estado natural, segundo Hobbes, o homem vive em busca de poder. Este poder
almejado pelo homem é, principalmente, causado pelo medo do poder que o outro detém.
Pois, se no estado natural, não existem leis, os homens são livres para fazer o que bem
entenderem. Como os homens são movidos por paixões, como amor, ódio, cobiça, inveja,
ambição, entre outras, eles estão sujeitos a matar outras pessoas em busca de seu objetivo. Se
pudermos comparar os homens que vivem no estado natural de Hobbes com os Estados
modernos, não veremos muita diferença entre suas ações.
Podemos identificar o estado de natureza ainda ocorrendo em três ambientes: nas
relações entre os governantes; nas sociedades não civilizadas, como os aborígines30, que
vivem em aldeias no Brasil e em diversos países do mundo; e nas guerras civis. Nessas três
situações, onde inexiste um poder coercitivo institucionalizado, as disputas tornam-se um fato
essencial à sobrevivência. Nas relações entre os governantes ocorrerá sob a forma de guerras.
Portanto, Hobbes também situa a guerra como um fenômeno normal nas relações
internacionais. Podemos identificar no seu pensamento outras características comuns à teoria
realista, como o primeiro, o quinto e o sexto princípio de Morgenthau.
2.2.2 O Realismo no século XX
2.2.2.1 Reinhold Niebuhr
Reinhold Niebuhr (1892-1971), teólogo, escreveu sua principal obra, Moral man and
immoral society, em 1932, durante o auge dos efeitos da crise de 1929. O objetivo do autor
era explicar a ocorrência da crise, ou melhor, buscar entender o homem, analisando suas
29 “[...] existem na natureza humana três causas principais de discórdia. Competição; Desconfiança; e Glória. A Competição impulsiona os homens a atacarem-se para lograr algum Benefício; a Desconfiança garante-lhes a segurança; e a Glória, a Reputação” (HOBBES, 2000, p. 95). 30 Nas Américas, os aborígines são conhecidos como índios, pois quando Cristóvão Colombo achou a América, pensou que estava nas Índias, chamando os nativos de índios.
56
atitudes, a partir de uma crise (a de 1929). Niebuhr pode ser considerado o fundador da escola
realista. Em sua obra estão inseridos os princípios quatro e cinco de Morgenthau. Apesar de
teólogo, Niebuhr escreve sua obra criticando a teologia Cristã, que acredita que a capacidade
racional dos humanos fará com que sua moral prevaleça, ajudando quem precisa. Niebuhr
demonstra as limitações da razão para resolver as injustiças sociais “pois a razão é sempre o
servente dos interesses em uma situação social”31.
Niebuhr afirma, ainda, que um indivíduo pode não ser egoísta, pois ele é moralmente
sensível para analisar os conflitos que seus interesses e os dos outros podem causar. Porém,
em uma sociedade de grupos de indivíduos, é mais difícil lidar com os interesses dos grupos
através da moral, pois
Em cada grupo humano há menos razão para guiar e para cuidar dos impulsos, menos capacidade para auto-superação, menos habilidade para compreender as necessidades de outros por isso há mais egoísmo contido do que nos indivíduos, os quais compõem o grupo, demonstrando isto nas suas relações pessoais.32
Um dos principais trechos de Niebuhr, que o classifica como o fundador do realismo,
e que pode se aplicar a todos os seis princípios do realismo defendidos por Morgenthau é que
“todo grupo, como todo indivíduo, possui desejos expansionistas que estão cravados no
instinto de sobrevivência e que pode logo ultrapassá-lo. O desejo de viver torna-se o desejo de
poder. Assim, a sociedade está em um perpétuo estado de guerra”33. Afirmando que todo
indivíduo, assim como todo grupo possui desejos expansionistas, Niebuhr nos mostra que
todo o Estado, representando os anseios de um grupo populacional, possui desejos
expansionistas. Assim, todo Estado pode declarar guerra a outro por motivos expansionistas.
Na segunda frase de sua citação, ele afirma que, o desejo de garantir a sobrevivência, faz com
que haja uma busca pelo poder. Esta busca pelo poder pode ser consubstanciada pelo estado
de natureza. Sendo o sistema internacional um sistema anárquico, o que rege as atitudes de
um Estado é o estado de natureza. Desta maneira, para se defender, um Estado deve tornar-se
31 Tradução livre. No original: "since reason is always the servant of interest in a social situation". Fonte: http://people.bu.du/wwildman/WeirdWildWeb/courses/mwt/dictionary/mwt_themes_770_niebuhrreinhold.htm 32 Tradução livre. No original: “In every human group there is less reason to guide and to check impulse, less capacity for self-transcendence, less ability to comprehend the needs of others therefore more unrestrained egoism than the individuals, who compose the group, reveal in their personal relationships”. Fonte: http://people.bu.edu/wwildman/WeirdWildWeb/courses/mwt/dictionary/mwt_themes_770_niebuhrreinhold.htm 33 Tradução livre. No original: “Every group, as every individual, has expansive desires which are rooted in the instinct of survival and soon extend beyond it. The will-to-live becomes the will-to-power. Thus society is in a perpetual state of war.” Fonte: http://people.bu.edu/wwildman/WeirdWildWeb/courses/mwt/dictionary/ wt_themes_ 770_niebuhrreinhold.htm.
57
mais poderoso que os outros. Assim, todo Estado estará em uma constante busca pelo poder, e
nesta busca, muitas guerras estão sujeitas a acontecer.
Niebuhr conclui sua obra dizendo que o espírito do amor, ao contrário do que dizem
os católicos, não é suficiente para prevenir conflitos sociais, então é imprescindível o uso do
instrumento da repressão.
2.2.2.2 Edward Carr
Seguindo a conclusão da obra de Niebuhr, Edward Hallett Carr (1892-1982), em sua
obra Vinte anos de crise, nos “evidencia como a sucessão de eventos, decisões e crenças
evoluem para um conflito inevitável entre as grandes potências” (Sato apud Carr, 2001, p.
XIV). Este tipo de pensamento é típico dos teóricos do realismo, de que a guerra é inevitável,
dependendo do contexto histórico ao qual ela está inserida.
Carr afirma que os idealistas, ou “utópicos”, não prestam atenção aos fatos, ou não
analisam as causas do conflito, mas trabalham em tentar resolve-los de uma forma visionária,
cujos projetos são simples e fáceis de se pensar, o que faz com que estas “resoluções” sempre
desmoronem. Para o autor o idealismo não consegue sucesso nas relações internacionais
porque os seus atores não desejam os fins que o idealismo se propõe, ou seja, um “Estado
mundial”, ou a “segurança coletiva”, e os que as desejam, o fazem de maneira diferente e
incompatível. Os realistas, através do raciocínio, estudam os fatos e as análises de causa e
conseqüência. Para Carr (2001, p. 14) “o realismo tende a enfatizar o poder irresistível das
forças existentes e o caráter inevitável das tendências existentes, e a insistir em que a mais
alta sabedoria reside em aceitar essas forças e tendências, e adaptar-se a elas”.
Como demonstra Carr, a visão utópica que prevaleceu na política internacional no
período entre-guerras deriva da crença anglo-saxônica na harmonia geral de interesses,
difundida pela escola do laissez-faire no século XIX. Enquanto as ações práticas dos
governantes indicavam um aumento da competição e da rivalidade entre os países, insistia-se
em difundir a crença na existência de um interesse comum pela paz (CARR, 2001, p. 68-72).
Havia um grande divórcio entre os objetivos políticos das grandes potências e os instrumentos
jurídicos desenvolvidos por elas. Esse foi o caso do programa de desarmamento da Liga.
Conforme Kissinger (2001, p. 272), este programa era um “estado de coisas absurdo”, pois ele
se baseava no desarmamento prévio dos países para haver segurança. Era necessário que um
Estado se tornasse militarmente fraco para que pudesse participar do sistema de defesa
coletiva. Como que um grupo de países desarmados iria defender-se de um ataque de uma
58
grande potência militar é uma pergunta que fica sem resposta. De acordo com a lógica desse
sistema, como afirma Kissinger (2001, p. 272), “a Inglaterra defenderia a Bélgica por esta ter
se desarmado e não por ser estrategicamente vital”, o que, é irreal e utópico. De acordo com a
realpolitik um Estado somente entra em guerra para “defender” outro país por motivos
estratégicos, ligados ao interesse nacional, e não simplesmente porque o país agredido
obedeceu a um programa de desarmamento.
Portanto, esse equívoco sobre a harmonia geral de interesses entre as grandes
potências, detectado por Carr, mascarou a percepção de que enquanto algumas nações
desejavam a paz mantendo o statu quo, outras procuravam alcançar a paz a partir de uma
alteração no statu quo, fato que acabou produzindo uma nova guerra de proporções mundiais.
Sobre a teoria do estado de natureza Edward Carr afirma que essa, aplicada às relações
humanas, abre caminho para o determinismo; tornando a ética, em última análise, o estudo da
realidade (CARR, 2001, p. 80-83). Assim, os princípios morais e éticos devem ser deduzidos
a partir da realidade política, e não o contrário, como afirmam os idealistas. Em decorrência
desse pensamento surgiu uma das características básicas do realismo: no plano internacional o
papel do poder se sobressai em relação ao da moral, pois os Estados priorizam os seus
próprios interesses em detrimento do bem comum internacional (CARR, 2001, p. 168-171).
Desta maneira, podemos concluir que a obra de Edward Carr vai de encontro, principalmente
com o segundo, o terceiro e o sexto princípio do realismo defendido por Morgenthau.
2.2.2.3 Hans Morgenthau
Como comentamos anteriormente, um dos principais teóricos do realismo foi Hans
Mogenthau (1904-1980). Para este autor, as relações internacionais são moldadas pelo
confronto dos interesses dos Estados, e a política internacional é feita com a finalidade de
compatibilizar estes interesses, que por muitas vezes são antagônicos, resultando num sistema
de equilíbrio de poder. Morgenthau “é mais lembrado como um dos que tentaram desenvolver
uma teoria compreensível da ‘política do poder’ sobre a base filosófica dos princípios
realistas da natureza humana, a essência da política, o equilíbrio do poder e o papel da ética
na política exterior” (GRIFFITHS, 2004, p. 61). Morgenthau acredita que a política é uma
luta pelo poder, pois, para ele, o “homem político” é alguém egoísta com uma necessidade
interminável de dominar os outros.
Morgenthau ficou famoso com o seu primeiro livro, Cientific man versus power
politics (1946). Neste livro, Morgenthau critica o que ele chamava de “liberalismo
59
racional”34, apresentando uma exposição mais sistemática da filosofia realista. Morgenthau,
ainda, define a política com sendo o uso do poder para dominar os outros. Para se alcançar e
justificar o poder são utilizadas a moralidade e a razão como meros instrumentos.
(GRIFFITHS, 2004, p. 62-63)
Morgenthau demonstra, ainda, que a luta pelo poder interno de um Estado é regida por
normas sociais e ligações comunitárias, evidenciando a política interna como um lugar de
progresso em potencial. Contudo, no âmbito internacional, a vontade pelo poder ocorre
livremente e é acentuada pela multiplicidade de Estados. Em Cientific man versus power
politics Morgenthau (apud Griffiths, 2004, p. 63) coloca que
a continuidade na política exterior não é uma questão de escolha e sim uma necessidade, pois ela deriva de fatores que nenhum governo é capaz de controlar, mas que só pode negligenciar ao risco do fracasso [...] A questão de guerra e paz é decidida em consideração a esses fatores permanentes, não importa qual seja a forma de governo [...] ou suas políticas domésticas. As nações são “amantes da paz” sob certas condições e guerreiras sob outras.
Desta maneira, Morgenthau afirma que, dependendo de como está o cenário
internacional e quais os interesses dos Estados naquele momento, a guerra tem grandes
chances de acontecer. Em outro momento, o(s) mesmo(s) Estado(s) que começou(aram) a
guerra, dependendo do cenário internacional e dos seus interesses, pode(m) estar tentando ao
máximo evitá-la. Morgenthau afirma que a “função da teoria internacional é descobrir essas
condições e, com base numa análise profunda da história, examinar os padrões de
continuidade e mudança” (GRIFFITHS, 2004, p. 63).
2.2.2.4 Raymond Aron
Para Raymond Aron (1905-1983), o estado de natureza é o único fator influencia as
relações internacionais, o qual pode ser inserido no primeiro princípio do realismo defendido
por Morgenthau. O autor francês argumenta que embora as relações internacionais estejam
ligadas aos acontecimentos de cada país, existe uma nítida diferença entre a política interna e
a política externa.
34 Liberalismo racional seria uma “crença liberal dominante no progresso, com base num conjunto de hipóteses otimistas a respeito da natureza humana” (GRIFFITHS, 2004, p. 62).
60
A primeira tende a reservar o monopólio da violência aos detentores da autoridade legítima; a segunda admite a pluralidade dos centros de poder armado. A política externa parece significar a simples sobrevivência dos Estados diante da ameaça virtual criada pela existência dos outros Estados – este é o seu ideal e o seu objetivo (ARON, 2002, p. 53).
Portanto, a necessidade desse egoísmo nacional deriva do estado de natureza, que
prevalece no relacionamento entre as unidades políticas soberanas (ARON, 2002, p. 705).
Na obra Paz e Guerra entre as Nações, Aron diz que procurou “aquilo que constituía a
especificidade das relações internacionais ou entre os Estados, e [pensa] tê-lo encontrado na
legitimidade e legalidade do recurso à força armada por parte dos atores” (ARON, 1985, p.
380). Ou seja, Aron não pretendia afirmar que a guerra era sempre inevitável, mas que, para
assegurar os objetivos dos Estados, a guerra era legitimada por eles. (GRIFFITHS, 2004, p.
14)
Este ponto do pensamento de Aron faz com que alguns autores não o incluam como
um realista, mas sim em uma teoria à parte, a Diplomático-estratégica. Porém, como suas
idéias coadunam com os princípios do realismo, ele está inserido, neste trabalho, como um
teórico realista. Aron situa-se entre a história e a sociologia para escrever seus trabalhos.
Segudo Fernandez (1998, p. 126)
Aron fundamenta sua teoria numa análise racional das relações internacionais, numa análise sociológica das determinantes e dos sujeitos dessas relações, numa análise histórica da conjuntura e numa análise normativa e filosófica, para concluir que todo estudo concreto das relações internacionais é um estudo sociológico e histórico, pois o cálculo das forças recorre ao número, ao espaço, aos recursos, aos regimes (político, econômico, militar).
Como todos os realistas, Aron identifica que as relações internacionais desenrolam-se
em um ambiente internacional anárquico, onde existe o livre uso da força e a possibilidade de
guerra é evidente, sendo que inexiste qualquer instância detentora do monopólio da violência
legítima. (FERNANDEZ, 1998, p. 126) Em Estudos políticos, Aron (1985, p. 382) nos
demonstra que o traço específico que fundamenta a sua teoria seria a “ausência de tribunais e
de polícia; o direito ao recurso à força; a pluralidade dos centros de decisão autônoma; a
alternância e continuidade da paz e da guerra”. No entanto, este traço, que Aron diz ser o
fundamento de sua teoria diplomático-estratégica, pode também servir como base para a
teoria realista. Portanto, a teoria diplomático-estratégica consiste em uma subteoria dentro do
paradigma realista tradicional. Podemos identificar, nos estudos de Aron, que os princípios
61
segundo e sexto de Morgenthau estão presentes em suas obras, reforçando a idéia de que Aron
pertence à escola realista das relações internacionais.
2.2.2.5 Henry Kissinger
Além dos realistas já comentados, não podemos deixar de falar sobre um autor que foi
de suma importância para as relações internacionais durante a Guerra Fria, Henry Kissinger
(1923-). Este autor nasceu na Alemanha e imigrou para os Estados Unidos em 1938 fugindo
do nazismo. Estudou e trabalhou em Harvard e durante este tempo escreveu diversos artigos
criticando o modo com o qual os Estados Unidos faziam suas relações internacionais, muito
idealistas. Tornou-se secretário de Estado em 1973 e ficou no cargo até 1977, tendo
participado decisivamente na retirada das tropas estadunidenses do Vietnã.
Uma das primeiras obras publicada foi sua tese de doutorado, Um mundo restaurado,
escrito em 1957. Nesta obra, Kissinger desenvolveu uma investigação demonstrando que é
através da instauração de um equilíbrio de poder que se garante a estabilidade internacional e
a paz. Para Kissinger, as relações internacionais são feitas em uma arena onde não existe uma
autoridade central para arbitrar os conflitos de interesses dos Estados (Griffiths, 2004, p. 47).
Kissinger (1973, p. 1) afirma que “[s]empre que a paz [...] foi o objetivo principal de uma
potência, o sistema internacional esteve à mercê do membro mais inescrupuloso da
comunidade das nações”. Com isso, Kissinger queria dizer que se uma potência objetiva a paz
(ou seja, a abstenção de guerra), ela irá “impor” a paz, vista à sua maneira, aos outros Estados.
Um exemplo desta afirmação de Kissinger pode ser dado, atualmente, pelos Estados Unidos,
que em busca da paz mundial (seu slogan), fazem guerra no Oriente Médio e influenciam
governos do mundo inteiro para atuarem conforme seus ditames.
Kissinger afirma que, para acabar com as guerras, havendo estabilidade no sistema
internacional, no mundo deve existir um equilíbrio de poder, em que duas ou mais potências
se equilibrem militarmente. “A estabilidade, portanto, muitas vezes resultou, não de uma
procura da paz, mas de uma legitimidade aceita por todos. Esta ‘legitimidade’ [...] [s]ignifica
apenas um consenso internacional sobre a natureza de combinações que funcionem.”
(Kissinger, 1973, p. 1) Neste sentido, Kissinger afirma que podem haver guerras, mas elas
serão travadas para manter a estrutura vigente, e a paz que vier em seguida será justificada
como a melhor expressão do consenso geral, ou seja, da legitimidade.
62
Para Kissinger, em um sistema internacional que não há equilíbrio de poder, o Estado
mais forte, em busca de sua segurança absoluta35, pode colocar em risco a segurança de outros
Estados. Se isto acontecer, a diplomacia, que é a arte de conter o emprego da força, não terá
êxito. Isto, pois “estando os sistemas antagônicos, em situações revolucionárias36, menos
preocupados com o acerto de diferenças do que com a subversão de lealdades, a diplomacia
cede lugar à guerra ou a uma corrida armamentista” (KISSINGER, 1973, p. 3). Kissinger tem
diversos pontos em comum com Morgenthau, principalmente no que diz respeito aos
segundo, terceiro e sexto princípios do realismo defendidos por este autor.
Neste item, pôde-se verificar que os realistas, mesmo os que escreveram suas obras
antes do surgimento das Relações Internacionais como uma área de estudos própria, pensam
muito parecido sobre a guerra. Para eles a guerra é travada em um sistema internacional
anárquico, onde não existe um poder legal supranacional que possa impedi-la. Ao contrário
dos idealistas, os realistas não acreditam na “vontade” do Estado de fazer a paz. Ou seja, para
os Estados, os seus próprios interesses devem ser buscados a qualquer custo, mesmo que, para
isso, tenha que “passar por cima” dos interesses de outro. Não existe moral em termos de
Estado. O governante deve parecer uma pessoa com moral, porém suas ações, muitas vezes,
devem seguir o caminho contrário para que os objetivos do Estado sejam alcançados.
2.3 A Guerra para os Teóricos do Marxismo
O marxismo surgiu com Karl Marx. Seus teóricos possuem um certo desprezo pelos
pensamentos idealistas. O marxismo surgiu quando Karl Marx e Friedrich Engels escreveram
o Manifesto do Partido Comunista, em 1847. “Este texto afirma que o motor da história é a
luta de classes e expõe o programa político dos comunistas após a tomada do poder. O texto
observa que o poder só pode ser atingido pela derrubada do Estado burguês e pela união dos
proletários de todos os países” (Marx & Engels, 2002.).
Para os marxistas, o poder é mais um efeito do que uma causa, na sociedade. O poder
deriva da conjuntura criada pela história e se define em função das condições materiais da
sociedade e das desigualdades sociais e nacionais (FERNANDES, 1998, p. 138). Os teóricos
marxistas acreditam que as questões sócio-econômicas ditam a política interna e externa de
um país. A política externa de um Estado é o reflexo da política interna, sendo que quem faz
35 Segurança absoluta pressupõe a neutralização do adversário, a potência irá desejar isto quando, pois segundo Kissinger (1973, p. 2), “nada mais pode restituir-lhe a confiança”.
63
esta política é a classe dominante, que influencia decisivamente na formação dos interesses de
um Estado. Portanto, afirma Fernandes (1998, p. 138), para o marxismo as relações
internacionais são moldadas através do confronto dos interesses econômicos das classes
dominantes dos Estados.
Segundo o pensamento marxista, por as relações internacionais serem moldadas
através dos interesses das classes dominantes, as relações entre os Estados de estrutura sócio-
econômica capitalista são marcadas por situações de rivalidade e conflito.
Para os marxistas, o Estado é incapaz de garantir o interesse geral. Marx, em Crítica
da filosofia do direito de Hegel, apresenta que, para que o Estado possa garantir os interesses
do povo, ele deve ser um Estado democrático. Contudo, segundo Bottomore (1998, p. 134),
“[Marx] chegou à concepção de que era necessário muito mais do que isso, e que a
‘emancipação política’, por si só, não poderia provocar a ‘emancipação humana’. Esta exige
uma reorganização muito mais completa da sociedade, cujo principal aspecto é a abolição da
propriedade privada”.
Engels escreveu no seu último livro, A origem da família, da propriedade privada e
do Estado, que o Estado é “em geral, o Estado da classe mais poderosa, economicamente
dominante, que, por meio dele, torna-se igualmente a classe politicamente dominante,
adquirindo com isso novos meios de dominar e explorar a classe oprimida” (BOTTOMORE,
1988, p. 134). Portanto, para que a classe operária pudesse “tomar o poder”, o estado burguês
deveria ser esmagado. Podemos até comparar o marxismo com o anarquismo quando falamos
de Estado, contudo, a diferença entre os dois é que os primeiros rejeitaram “a concepção
anarquista de que o Estado pode ser suprimido no dia seguinte à revolução” (BOTTOMORE,
1988, p. 136).
Esta “revolução” que os marxistas tanto queriam poderia ser conseguida através das
lutas, podendo se transformar em guerras. Com relação a este assunto, Marx e Engels
começaram a se preocupar a partir de 1848, quando eles defenderam uma “guerra
revolucionária” contra a Rússia, baseando-se nos exércitos revolucionários franceses que
marchavam pela Europa. Os marxistas, então, começaram a tratar a guerra com muito fervor.
Acreditavam que somente através dela, o proletariado poderia chegar ao poder. Entretanto,
esse tipo de guerra assemelhava-se mais a uma série de guerras civis internas do que a noção
de guerra como um confronto entre Estados “capitalistas” soberanos.
36 Kissinger emprega o termo revolucionário quando uma potência deseja fazer a guerra, ou seja, ela quer mudar o status quo existente.
64
Marx afirmava, em As lutas de classes na França de 1848 a 1852, que a classe
dominante dos países capitalistas, ou seja, a oligarquia financeira, era sempre a favor da paz
porque a guerra fazia com que as cotações da bolsa de valores baixassem. Pouco antes da
Guerra da Criméia (1854-1856), “Marx afirmou que nada, a não ser uma crise econômica,
poderia provocar a guerra de que se falava [Guerra da Criméia], e que poderia provocá-la
mais por motivos políticos do que por motivos rigorosamente econômicos” (BTTOMORE,
1988, p. 170).
A guerra com que os marxistas se preocupavam era aquela ligada a “luta de classes”37
e ao “materialismo histórico”38. Esta guerra sempre foi apoiada pelo marxismo, desde que ela
oferecesse perspectivas mais favoráveis à classe operária. No entanto, no final do século XIX,
os marxistas preocupavam-se com o perigo da guerra. A “guerra revolucionária” que
apoiavam não era mais necessária, pois “os partidos socialistas cresciam e pareciam capazes
de tomar o poder dentro de pouco tempo por si mesmos. E um conflito travado com as
terríveis armas novas representaria um retrocesso terrível para o socialismo e para a
civilização”. (BOTTOMORE, 1988, p. 171)
Apresentaremos neste tópico os três principais pensadores marxistas da história,
começando por seu fundador, Karl Marx. Após, descreveremos Lenin, que foi o principal
teórico do marxismo, com a sua obra O imperialismo, estado supremo do capitalismo. Por
fim apresentaremos os pensamentos do italiano Gramsci. Não apresentaremos Fridrich
Engels, pois em seu trabalho, a não ser aquele escrito conjuntamente com Marx, ele não fala
de guerra e como a teoria marxista trata este fenômeno. Iremos nos concentrar nos três
principais teóricos que escreveram sobre a guerra dentro da teoria marxista.
2.3.1 Karl Marx
Marx nasceu em Tier, em 1818 e morreu em Londres no ano de 1883. Estudou
filosofia na universidade de Berlin e formou-se em Iena, em 1841, com a tese Sobre as
diferenças da filosofia da natureza de Demócrito e de Epicuro. Em 1842 assumiu a chefia da
37 Para Engels, classes são os produtos das relações econômicas de cada época. Existem a classe do proletariado, a burguesia, o clero, entre outras. “Marx queria a inversão da pirâmide social, ou seja, pondo no poder a maioria, os proletários, que seria a única força capaz de destruir a sociedade capitalista e construir uma nova sociedade, socialista”. Fonte: <http://www.culturabrasil.pro.br/marx.htm>, acesso em: 28.10.2004. 38 “Materialismo histórico pretende a explicação da história das sociedades humanas, em todas as épocas, através dos fatos materiais, essencialmente econômicos e técnicos”. Fonte: <http://www.culturabrasil.pro.br/ marx.htm>, acesso em: 28.10.2004.
65
redação do Jornal Renano em Colônia. Mudou-se para Paris, em 1843, onde editou o primeiro
volume dos Anéis germânico-françeses.39
Em 1844, Marx conheceu, em Paris, Fridrich Engels, que se tornou seu mais íntimo
amigo para a vida toda. Em 1848, no mesmo tempo que estourava a revolução na França,
Marx e Engels publicaram o folheto O manifesto comunista, que mais tarde tornou-se a teoria
revolucionária chamada marxista.40
Em 1864, Marx foi co-fundador da Associação Internacional dos Operários, que
depois foi chamada de I Internacional. Em 1867 publicou o primeiro volume da sua principal
obra, O Capital, um livro principalmente econômico, que trata da teoria do valor, da mais-
valia, da acumulação de capital, etc.41
Marx enfatizou que o estudo do poder e do Estado é determinado a partir da
importância das técnicas de produção e dos fenômenos econômicos. Ele afirma, ainda, que a
evolução histórica pode ser explicada pela situação em que se encontra a distribuição dos
rendimentos entre os indivíduos e os grupos da coletividade em um Estado.
Segundo Fernandes (1998, p. 140), as implicações deste pressuposto marxista
resultariam em um regime político que é o reflexo da luta de classes; que as classes são
definidas pelo sistema de produção; que o sistema de produção depende essencialmente da
evolução das técnicas e que o fenômeno político é uma conseqüência das relações de
produção, e não tem autonomia no processo causal. Para Marx, todo acontecimento político é
resultado da estrutura sócio-econômica do Estado.
Para Marx, segundo Tschumi (2003, p.5)
as guerras eram decorrentes não de aspectos políticos, como a existência de regimes ditatoriais, o desejo de aumentar o poder do Estado, ou a busca de maior segurança em um sistema internacional anárquico, mas sim de causas econômicas. Em poucas palavras, guerra é uma conseqüência natural do sistema capitalista, que obriga as grandes potências a competir entre si para a conquista de novos mercados.
Portanto, Marx acreditava que as guerras ocorriam dentro dos Estados, sendo que as
guerras tradicionais, ou seja, entre os Estados, aconteciam em decorrência da possibilidade de
revolução que elas poderiam desencadear. Exemplo disso seriam os combates decorrentes da
Revolução Russa, que entre 1918 e 1923 tornou-se uma guerra generalizada entre o governo
39 Fonte: <http://www.culturabrasil.pro.br/marx.htm> Karl Marx. Acesso em 28.out.2004. 40 ipsis literis. 41 ipsis literis.
66
comunista russo contra os exércitos de quatorze países capitalistas: Grã-Bretanha, Estados
Unidos, França, Japão, Itália, Polônia, Canadá, Alemanha, Romênia, Sérvia, Finlândia,
Estônia, Letônia e Lituânia. Outro motivo para o surgimento das guerras tradicionais seria as
disputas imperialistas, as quais resultariam em conflitos militares entre as grandes potências
pelo controle dos países periféricos e das colônias.
2.3.2 Vladimir Lenin
Vladimir Ilitch Ulianov (depois, em 1901, conhecido pelo nome de guerra, Lenin)
nasceu em Simbrisk, hoje Ulianovsk, em abril de 1870 e faleceu em Gorki, em janeiro de
1924. Ele foi o mais influente líder e teórico político do marxismo do século XX. Na
revolução russa de 1917, que levou ao poder o primeiro Estado socialista do mundo, Lenin
dirigiu o Partido Bolchevique42.
Lenin era de uma família de recursos modestos, mas suficientes para uma vida
confortável. No ano seguinte à morte do seu pai, em 1887, seu irmão Alexandre foi executado
por participar de uma conspiração contra a vida do czar Alexandre III, o que teve um efeito
traumático sobre Lenin. Porém, Lenin obteve as melhores notas e foi aceito na Universidade
de Kazan, mas logo foi expulso por participar de uma manifestação estudantil de protesto por
falta de liberdade na Rússia. A partir de então, Lenin dedicou-se integralmente à atividade
revolucionária.
Publicou sua primeira obra, Quem são os “Amigos do Povo”, em 1893, combatendo
as idéias econômicas, políticas e sociais do populismo russo. Por suas idéias revolucionárias,
Lenin foi preso em 1895, o que não o fez parar de apoiar as greves de 1896. Após o exílio na
Sibéria, Lenin se reúne com o grupo de Plekhanov em Genebra no ano de 1900. Neste grupo,
Lenin concebeu o plano de um jornal nacional para divulgar os descontentamentos e as
reivindicações com o sistema czarista da Rússia, chamado A causa dos trabalhadores.
Contribuiu, ainda, para a criação de um partido de revolucionários que dirigisse a revolução
democrática.
Em 1916, Lenin produziu a sua mais importante obra, pelo menos para os estudiosos
de relações internacionais, Imperialismo: fase superior do capitalismo. Neste livro, Lenin
afirma que a I Guerra Mundial representava a fase terminal do sistema capitalista, pois ele
denuncia o capitalismo como sendo o responsável pela deflagração daquela Guerra. Podemos
42 Bolchevista deriva de bolshinstvo (maioria), “o maior grupo dissidente do Congresso do Partido Trabalhista Social Democrático Russo (PTSDR) de 1903”. (GRIFFITHS, 2004, p. 200)
67
verificar esta denúncia no manifesto que preparou para o comitê do partido em outubro de
1914, levando em conta uma complexidade de causas para a Guerra: “a corrida armamentista,
a intensificação da luta pelos mercados, os interesses dinásticos das velhas monarquias e o
desejo de desviar a atenção e dividir os trabalhadores, cuja resposta deveria ter sido
transformar a guerra em guerra civil”. (BOTTOMORE, 1988, p.172)
Inspirando-se em algumas idéias de John Hobson e do socialista austríaco Rudolf Hilferding, Lenin afirmava que a Primeira Guerra Mundial ofereceria tanto uma oportunidade às classes operárias para se rebelarem contra o capitalismo quanto revelaria a falência das reformas revisionárias que paralisaram repentinamente as mudanças radicais nos Estados Capitalistas. (GRIFFITHS, 2004, p. 201)
Acerca dos bancos, Lenin (1987, p. 30) afirma que “[à] medida que os lucros
aumentam e os bancos se concentram em um pequeno número de estabelecimentos, estes
deixam de ser modestos intermediários para se tornarem monopólios todo-poderosos,
dispondo da quase-totalidade do capital-dinheiro do conjunto dos capitalistas e dos pequenos
empresários”.
Este monopólio dos bancos poderia gerar concorrência com as “corporações
gigantescas que gozavam de um monopólio de controle nos seus mercados domésticos”
(GRIFFITHS, 2004, p. 201). Lenin (1987, p. 29) afirma que “é precisamente este monopólio
verdadeiro que as empresas gigantescas das atuais indústrias siderúrgica e elétrica detém em
elevado grau graças à sua técnica muito complexa, à sua organização muito extensa e ao
poder do seu capital”.
Lenin acreditava que a concorrência internacional entre as corporações e os bancos
resultaria, inevitavelmente, em uma guerra entre os Estados capitalistas. Griffiths (2004, p.
202) verifica que “[o]s Estados capitalistas não poderiam parar de acompanhar o processo de
busca de riqueza, que exigia a exploração dos trabalhadores e a apropriação da mais valia.
Eles não tinham alternativa senão participar do processo que os levaria à própria derrota”, ou
seja, os levaria à guerra. Para Lenin o capitalismo possui várias fases e a última delas leva os
Estados a concorrerem entre si, numa disputa imperialista que obrigatoriamente levará à
guerra.
2.3.3 Antônio Gramsci
68
Gramsci nasceu na Sardenha, em janeiro de 1891 e morreu em Roma, em abril de
1937. Era de família da classe média humilde da empobrecida ilha da Sardenha. Aos 20 anos,
em 1911, Gramsci conseguiu uma bolsa de estudos para a Universidade de Turim, onde foi
influenciado pelo filósofo idealista italiano Benedetto Croce. Impressionado pelo movimento
da classe trabalhadora de Turim, ingressou no Partido Socialista Italiano (PSI), em 1913 e, no
mesmo ano, começou a escrever para jornais socialistas.
Em 1921, Gramsci ajudou a criar o Partido Comunista Italiano (PCI). De 1922 a 1924,
trabalhou em Moscou e Viena, para o Comintern. Em 1924 foi eleito para o Parlamento
Italiano, quando regressou à Itália e assumiu a liderança do PCI onde lutou para transformá-lo
em um partido enraizado no movimento de massas. Gramsci foi preso pelo regime de
Mussolini em 1926 e condenado a mais de 20 anos de prisão, onde escreveu os principais
textos de sua produção teórica, e que fazem de Gramsci o maior teórico marxista do século
XX. (BOTTOMORE, 1988, p. 166)
Se quisermos entender a contribuição de Gramsci para a teoria marxista, necessitamos
conhecer a diferença na concepção de Estado do filósofo político italiano com relação a Marx
e Lenin. Segundo Tschumi (2003, p. 3)
Marx enfatizava a “infra-estrutura econômica sobre a superestrutura ideológica, considerando esta como um simples reflexo daquela, sem eficácia causal no processo social e político” (Moreira, 2001, p. 252). Lenin enfatizava a questão do Estado como um simples aparelho de repressão sobre o proletariado, destinado a impor a ordem estabelecida pela burguesia. Gramsci discordará dessas duas posições, ressaltando a importância da superestrutura (em detrimento da infra-estrutura) para a manutenção da classe hegemônica no poder.
Segundo Bottomore (1998, p. 136) “[u]ma das principais contribuições de Gramsci
para o pensamento marxista foi a proposição da idéia de que a dominação da classe
[hegemônica] não se realiza apenas pela coerção, mas é obtida pelo consentimento”. Para
Gramsci, o Estado tem um importante papel no campo cultural e ideológico, bem como na
organização do consentimento, fazendo com que não fosse necessária a utilização da coerção
nos países mais desenvolvidos. Nestes países, a máquina do Estado é mais eficaz em divulgar
a sua cultura, ideologia e organizar o consentimento, fazendo isto, muitas vezes, até em outros
países, como é caso do cinema e programas de televisão transmitidos a diversos países.
Para Gramsci, segundo Tschumi (2003, p. 4) “a hegemonia (domínio) da burguesia é
mantida através de sólidas instituições que reproduzem sua ideologia através do bloco
69
histórico43 [...]. O vínculo orgânico entre o proletariado (estrutura) e as classes dirigentes
(superestrutura) é assegurado pelos intelectuais, que garantem a manutenção da hegemonia.”
Portanto, para Gramsci, as crises econômicas não são capazes, por si só, de propiciar a
queda do capitalismo. Para o proletário tomar o poder, ele tem que saber “balancear o uso da
força com o domínio (ideológico e cultural) da sociedade civil ao longo do processo
revolucionário” (TSCHUMI, 2003, p. 4). O uso da força para Gramsci não é,
necessariamente, o uso da violência, mas pode ser o uso da energia física e mental, utilizando
a influência, o poder, ou o prestígio, para levar as massas à revolução.
As idéias de Gramsci são formuladas principalmente durante as décadas de 1920 e
1930, quando os comunistas possuíam plena convicção de que era apenas uma questão de
tempo para que a revolução comunista se espalhasse por toda a Europa. Assim, a guerra que
preocupava Gramsci era aquela travada entre o proletariado contra a burguesia. As fronteiras
entre os países eram substituídas pelas fronteiras entre as classes. Essa noção de guerra
característica do marxismo deriva do modo singular como essa corrente filosófica percebe as
relações internacionais. Para os marxistas a política dos Estados era reflexo dos interesses da
classe dominante, a burguesia. Logo, as guerras “verdadeiramente internacionais” não eram
aquelas travadas entre grupos capitalistas de diferentes países, mas sim o confronto entre a
nação proletária contra a nação burguesa.
43 Bloco histórico, segundo Châtelet, (2000, p. 210 apud Tschumi, 2003, p.4), é “a articulação precisa, numa situação histórica determinada, entre a estrutura social (as classes) e a superestrutura ideológica e política”.
3 A GUERRA NAS TEORIAS CONTEMPORÂNEAS DAS RELAÇÕES
INTERNACIONAIS
Foi identificado, nos dois capítulos anteriores, sobre a guerra em si e sobre as teorias
tradicionais das relações internacionais, que são aquelas que surgiram até meados do século
XX. Neste capítulo, serão apresentadas as principais teorias contemporâneas, ou seja, que
surgiram a partir da década de 1960, e que tentam explicar as relações internacionais. Estas
teorias possuem suas bases nas teorias tradicionais das Relações Internacionais, sendo para
atualizá-las ou para se opor a elas.
Com o final da II Guerra Mundial e o crescimento do temor sobre as possíveis
conseqüências da Guerra Fria44, muitos teóricos e analistas das relações internacionais não
acreditavam mais que as teorias tradicionais pudessem explicar o que estava acontecendo com
as relações entre os Estados. Além da Guerra Fria, podemos citar os grandes avanços
tecnológicos, econômicos e comerciais, além da crescente dependência material e econômica
entre os países. Tudo isto ajudou para o advento de novas teorias das relações internacionais.
As teorias contemporâneas surgiram com base nas tradicionais. Dentre estas,
começaremos por apresentar a teoria da dependência. Esta teoria sofreu forte influência do
marxismo e tenta entender as relações internacionais partindo da visão dos países menos
desenvolvidos, ou subdesenvolvidos. É importante frisar que esta teoria surgiu como um
modelo de interpretação das relações sociais entre grupos, e muito de seus teóricos são
sociólogos ou economistas. Surgida a partir de meados do século XX, a teoria da dependência
é muito importante para as relações internacionais, pois é uma teoria que surgiu na América
do Sul e um de seus fundadores foi o ex-presidente da República do Brasil, Fernando
Henrique Cardoso.
A segunda teoria a ser apresentada neste capítulo é a da interdependência, a qual
possui algumas semelhanças com a teoria realista. Segundo Di Sena Júnior (2003, p. 180) a
teoria da interdependência “busca compreender tanto as raízes políticas do processo de
globalização quanto a forma como as suas complexas variáveis (poder, segurança, hegemonia,
cooperação, assimetria, escassez, etc.) interagem entre si”. A teoria da interdependência surge
para tentar compreender um mundo onde os Estados não são os únicos atores internacionais,
44 O mundo inteiro temia uma guerra entre as duas potências, pois, primeiro os Estados Unidos e depois a União Soviética adquiriram o conhecimento da produção da bomba atômica. Uma guerra entre as duas potências poderia gerar uma guerra nuclear e a possível destruição mundial.
71
existindo também as empresas multinacionais, as Organizações Internacionais e as
Organizações Não-Governamentais.
A terceira teoria a ser abordada neste capítulo é a neo-realista, surgida na década de
1970, principalmente com a obra de Kenneth Waltz, na tentativa de renovar a teoria realista,
que recebia diversas críticas por não tratar de assuntos econômicos e da existência de outros
atores internacionais além do Estado. Esta teoria surge justamente quando estava acontecendo
a crise global do capitalismo e o declínio da hegemonia estadunidense, por causa da crise do
petróleo. Então, o neo-realismo vai tentar oferecer respostas satisfatórias acerca destes
assuntos, além de outorgar maior rigor científico à teoria realista.
3.1 A Teoria da Dependência
Com a decorrência da Guerra Fria e os grandes saltos tecnológicos que aconteceram,
principalmente, a partir da década de 1950, as relações entre os Estados mudaram em alguns
pontos, segundo os teóricos da dependência. A teoria da dependência é uma forma de revisão,
ou reformulação, da teoria marxista, podendo ser conhecida como neo-marxista. A teoria
adentra, segundo Oliveira (2000, p. 159) “em esfera do sistema [internacional] caracterizada
por estruturas de dominação, onde as relações interestatais são aferidas pelo ângulo da
desigualdade dessas relações de desenvolvimento e subdesenvolvimento, consolidadas nos
países hegemônicos ditos de centro e países explorados da periferia”.
Como visto no subitem 2.3 do capítulo anterior, o marxismo trata das relações sociais,
onde os Estados e as relações entre eles são fenômenos históricos (materialismo histórico), o
Estado é uma superestrutura que depende da estrutura econômica. Já a teoria da dependência,
segundo Oliveira (2000, p. 161) reconhece “como atores internacionais, além dos Estados
soberanos, também os Estados de fato, politicamente recém-independentes, as organizações
internacionais e as organizações não-governamentais (ONGs), os movimentos de libertação
nacional, os sindicatos e as empresas transnacionais, entre outras classes de atores”. Para a
teoria da dependência, estes outros autores internacionais mencionados também
desempenham um papel importante no campo internacional.
Contudo, assim como os teóricos do realismo, os teóricos dependentistas possuem
uma visão pessimista sobre a convivência pacífica entre os Estados, porém diferem nas causas
desta visão. Para os dependentistas, isto se deve ao fato de existir uma “cooperação
assimétrica e desigual estabelecida entre os países ricos e pobres, um processo de legitimação
72
do status quo dos países centrais, onde o ganhador é sempre o mesmo ator independente e
desenvolvido, enfim, um ator metrópole”. (OLIVEIRA, 2000, p. 161)
A teoria da dependência surgiu em contraposição às análises teóricas elaboradas na
Europa e Estados Unidos, as quais não conseguiam explicar as relações internacionais a partir
dos Estados subdesenvolvidos. Esta teoria pode ser representada como uma “tentativa de
rompimento da importação de conceitos estruturais e paradigmas externos, como também a
emancipação do conhecimento latino-americano no sentido mais estreito”. (OLIVEIRA,
2000, p. 164)
A independência política conquistada pelos países latino-americanos desde o século
XIX era limitada pela dependência econômica que estes países tinham com os “centros”45.
Estes centros exerciam uma forte influência sobre as questões econômicas, culturais,
ideológicas, políticas e sociais dos países latino-americanos. Em decorrência disto, à medida
que estes países cresciam, desenvolveu-se um quadro cumulativo de miséria, analfabetismo,
fome e má distribuição de renda. Eram necessários novos instrumentos teóricos que abrissem
caminho para o entendimento destes problemas de desenvolvimento e subdesenvolvimento
resultantes do sistema capitalista. (OLIVEIRA, 2000, p. 171)
Então, no período de 1964 a 1974, durante as ditaduras militares dos países latino-
americanos, muitos intelectuais foram ao Chile em busca de exílio. Foi lá que estes
intelectuais debateram sobre os temas da dependência dos países subdesenvolvidos com
relação aos “centros” até que este debate atingiu foros internacionais. Foi então que, junto à
Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e Caribe (CEPAL), se
difundia o pensamento do economista Raúl Prebish, que representava uma etapa avançada no
estudo histórico-político do sistema econômico da região. Foi deste movimento teórico que,
nos anos de 1966 e 1967, Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto escreveram a obra que
expôs a Teoria da Dependência, Dependência e desenvolvimento na América
Latina.(OLIVEIRA, 2000, p. 178)
Nesta obra, os autores abordam os aspectos econômicos do subdesenvolvimento e os
processos de dominação dos países hegemônicos sobre os subdesenvolvidos e de algumas
classes sobre as outras, destacando o conceito de dependência como instrumento teórico.
Esta dominação que os países desenvolvidos exercem sobre os subdesenvolvidos pode
ser explicada pelo sistema de troca entre eles, pelo comércio. Enquanto os países “pobres”
produzem e exportam produtos primários, sem valor nenhum agregado, os países “ricos”
45 Podemos entender como “centros”, segundo Raúl Prebish, os países capitalistas desenvolvidos, ou os países ricos.
73
compram estes produtos, transformam em eletrodomésticos, máquinas, e outros, por exemplo,
agregando um grande valor, e revendem para os primeiros, muito mais caro.
Tentando explicar esta dependência entre os países periféricos, ou pobres, com os
países centrais, Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto nos mostram que, na crise
econômica de 1929 e com o final da II Guerra Mundial, enquanto os países que hoje são
centrais desenvolveram e expandiram suas indústrias impulsionadas por forças sociais
internas, a América Latina tenta se desenvolver através de investimentos externos. Estes
investimentos, na sua maioria, são injetados diretamente nas empresas (privadas). Isto faz
com que grande parte dos lucros das empresas investidas “saia” para as empresas que
realizaram os investimentos. Segundo Cardoso e Faletto (1970, p. 126)
tanto o fluxo de capitais quanto o controle das decisões econômicas “passam” pelo exterior; os lucros, mesmo quando a produção e a comercialização dos produtos realizam-se no âmbito da economia dependente, aumentam virtualmente a massa de capital disponível por parte das economias centrais; e as decisões de investimentos também dependem parcialmente de decisões e pressões externas.
Desta maneira, os países periféricos ficam sempre à mercê dos investimentos e
decisões dos países centrais. O Brasil, durante a década de 199046 realizou diversas
privatizações de suas empresas estatais. Grande parte das empresas foi vendida a pessoas
(físicas ou jurídicas) de outros países. Muitas destas empresas eram extratoras de matéria-
prima, como a Vale do Rio Doce, que abastece o mercado nacional, principalmente
metalúrgico. Praticamente todo o lucro e as decisões desta empresa vão ou vem do exterior,
fazendo com que o Brasil fique dependente de decisões tomadas fora do país, no âmbito da
extração de metais.
3.1.1 A Guerra para os Teóricos da Dependência
Os teóricos dependentistas tratam da guerra com tanta ênfase como fazem os teóricos
idealistas, realistas e até os marxistas. Para os teóricos da dependência, a guerra não deve ser
pensada no âmbito dos países periféricos, pois estes possuem demasiados problemas e, ainda,
não possuem recursos financeiros para fazerem guerra.
46 É interessante deixar claro que na maior parte da década de 1990, o presidente do Brasil foi Fernando Henrique Cardoso, que fez sua política baseada em uma teoria totalmente contrária a que escreveu com Enzo Faletto. Fernando Henrique Cardoso fez sua política baseada em conceitos neo-liberais.
74
Como pudemos notar, os teóricos da dependência fazem uma “divisão” dos Estados,
ou seja, dividem os Estados em “centrais” e “periféricos”, coisa que os outros autores já
identificados até agora não fizeram.
Os países periféricos não são predispostos a entrar em guerra por, principalmente,
motivos econômicos. A economia destes países, como do Brasil, por exemplo, é
tremendamente vulnerável. Qualquer situação que faça com que os investidores estrangeiros
deixem de aplicar seu dinheiro no Brasil, acarretará aumento de inflação, aumento do dólar,
que é a moeda de troca internacional, podendo gerar uma crise econômica e frear o
crescimento. Se o país decide entrar em uma guerra, os investidos estrangeiros desconfiam
dos rumos que o país terá com o andamento da guerra. Assim, o risco país cresce, o
crescimento econômico fica estático e a situação de dependência com os países centrais pode
aumentar, pois o país precisará de investimentos nas forças armadas, como gastos em
armamentos e em pessoal e, para conseguí-los, somente recorrendo a empréstimos.
Contudo, se for estudada a história dos países centrais, principalmente a dos Estados
Unidos, pode-se verificar que eles utilizaram a guerra como forma de expandir seu comércio e
acarretar dependência econômica, política, social, cultural e ideológica nos países que hoje
são periféricos. O exemplo mais clássico que podemos dar é o da política do Big Stick (grande
porrete), que o presidente estadunidense Theodore Roosevelt estabeleceu no início do século
XIX. Esta doutrina, entre outros objetivos, tinha como função de fazer com que as nações da
América Latina “honrassem seus compromissos financeiros”47.
Com esta política, de “falar calmamente e carregar um grande porrete”48, os Estados
Unidos, utilizando os fuzileiros navais, invadiram repúblicas da América Central. Nestas
repúblicas, os Estados Unidos estabeleceram monopólios como de empresas de alimentos, e o
monopólio do transporte marítimo do Oceano Atlântico ao Oceano Pacífico através do Canal
do Panamá.
Outro exemplo é a guerra do Iraque de 2003. Nesta guerra, fica claro que o real intuito
dos Estados Unidos é instalar suas empresas petrolíferas naquele país49, fazendo com que este
país dependa de investimentos e decisões estadunidenses. Com a guerra, diversas empresas de
construção se beneficiam no Iraque, sendo que grande parte do país foi destruído pelas forças
armadas dos Estados Unidos. Outra vantagem às empresas estadunidenses é a abertura
47 Fonte: <http://www.historywiz.com/bigstick.htm>, acesso em: 03.11.2004. 48 Provérbio criado por Roosevelt: “Speak softly and carry a big stick; you will go far”. Fonte: <http://www. historywiz.com/bigstick.htm>, acesso em: 03.11.2004. 49 Fonte: <http://www.unb.br/informativos/a2002/conflitos.htm> acesso em: 20.08.2004. Mais informações, ver capítulo 1, página 10.
75
econômica que o Iraque irá sofrer, sendo que estas empresas podem vender seus produtos
naquele país, fazendo com que não haja criação de indústrias iraquianas, aumentando assim
sua dependência econômica com os Estados Unidos.50
Segundo Oliveira (2000, p. 189) os países centrais
faziam uso de vários meios, como intervenções diretas e indiretas, com vistas a alterar o fluxo do comércio internacional, objetivando assim favorecer suas indústrias contra a competição de países mais desenvolvidos. Os países mais ricos e fortes tiveram mais possibilidades de êxito, abrindo um largo fosso em relação aos países subdesenvolvidos.
Como vemos nesta citação, os países ricos, além de intervenções diretas, como por
exemplo intervenções militares, podem fazer intervenções indiretas. Estas intervenções
indiretas caracterizam-se por estimular suas indústrias, através de redução de impostos,
fornecer subsídios ou criar tarifas de importação para elevar as barreiras comerciais contra os
produtos, principalmente primários, advindos dos países subdesenvolvidos. Contudo, algumas
destas intervenções indiretas não são proibidas pelo Direito Internacional, como é o caso das
intervenções militares, sendo legais, embora moralmente discutíveis.
Portanto, para os teóricos dependentistas, os países subdesenvolvidos não desejam e
não podem fazer guerra. Já para os países desenvolvidos, a guerra é um instrumento que pode
ser utilizado quando necessário. Ela pode ser um meio para se chegar a um fim. Entretanto os
dependentistas condenam as guerras, ao contrário dos realistas. Isso porque, para os
dependentistas o “fim” ao qual as guerras se propõem é o da dominação econômica, principal
bandeira de luta dos dependentistas.
3.2 A Teoria da Interdependência Complexa
Assim como a teoria da dependência, em decorrência dos grandes saltos tecnológicos,
da globalização ocorrida na segunda metade do século XX, além da grande onda de
liberalismo que previa que o Estado-Nação perderia sua capacidade de atuar no cenário
internacional como um ator soberano delimitador dos interesses econômicos, surge a teoria da
interdependência complexa. Para estes teóricos, além do Estado-Nação, fazem parte como
atores internacionais, as empresas transnacionais, as Organizações Internacionais e as
50 Mais informações sobre o porquê da guerra do Iraque, ver capítulo 1, páginas 9 e 10, principalmente.
76
Organizações Não-Governamentais, os quais assumiriam um papel importante em política
externa.
A teoria da interdependência não surge para se opor às outras teorias, mas busca
combinar os aspectos que podem contribuir nos estudos dos processos econômicos e das
instituições internacionais. (SANTOS JÚNIOR, 2000, p. 247) Ela data do final da década de
1970, principalmente com a obra de dois autores: Robert Keohane e Joseph Nye. Esta teoria
pode também ser conhecida como teoria institucionalista, pois as relações internacionais
estariam regidas pelas instituições internacionais, sendo que os Estados passariam à elas o
poder de manutenção das regras e procedimentos das relações internacionais. (BORGES DE
MACEDO, 2002, p. 72)
Contudo, a teoria da interdependência tem uma forte ligação com a teoria realista, pois
ela “procura explicar o comportamento dos Estados por meio da natureza de um sistema
internacional anárquico” (BORGES DE MACEDO, 2002, p. 73). A teoria da
interdependência advoga os mesmos postulados que o realismo, porém, ela se aprofunda e
modifica levemente estes postulados. Segundo Borges de Macedo (2002, p. 75) para a
interdependência: a política externa e a interna são fenômenos distintos, mas um fenômeno
interno pode repercutir internacionalmente; os Estados são os principais atores internacionais,
mas não são os únicos; os Estados não são capazes de definir seus interesses egoístas de modo
tão objetivo como afirmam os realistas; o sistema internacional anárquico, para o
institucionalismo, propicia a cooperação, que para o realismo, gera a auto-ajuda.
A sociedade internacional contemporânea é marcada pela crescente atuação de
empresas transnacionais, organizações internacionais e organizações não-governamentais,
além de muitos outros agentes que se multiplicam tanto em número quanto em importância.
Por este motivo, segundo Di Sena Júnior (2003, p. 181)
o realismo político tem-se revelado insuficiente para explicar os complexos eventos que dominam a atual agenda política internacional, uma vez que seus adeptos lidam com a noção de “soma zero”, situação na qual o ganho de poder por parte de um ator implica, inexoravelmente, a diminuição ou perda de poder de outrem.
Portanto, pela insuficiência do modelo realista, Robert Keohane e Joseph Nye
“buscam analisar os novos matizes da política internacional e a forma como eles interferem
nos comportamentos dos Estados”. (DI SENA JÚNIOR, 2003, p. 181) Estes dois autores,
então, se aprofundam no assunto e desenvolvem a teoria da interdependência. Contudo, eles
defendem que a teoria da interdependência, assim como o realismo, é de tipo ideal, não
77
refletindo fielmente a política mundial, pois ambas teorias são modelos que buscam tornar a
realidade inteligível. (SANTOS JÚNIOR, 2000, p. 257)
Podemos ver no quadro sinótico a seguir as principais diferenças entre o aporte teórico
realista e o ideal interdependentista.51
1. Quadro Sinótico das Características Realistas e Interdependentistas
Realismo Interdependência
Metas dos Atores
A segurança militar é a meta predominante.
As metas dos Estados variam segundo as áreas das questões. A política transgovernamental pode estabelecer metas de difícil definição. Os atores transnacionais podem perseguir suas próprias metas.
Instrumentos da Política Estatal
A força militar é mais eficaz, ainda que a economia e outros instrumentos também sejam empregados.
Os recursos de poder específicos a cada área de problemas são mais relevantes. A manipulação da interdependência, os organismos internacionais e os atores transnacionais são os instrumentos mais importantes.
Definição da Agenda
As potenciais mudanças no equilíbrio do poder e as ameaças à segurança estabelecem a agenda da alta política52 e influenciam fortemente as demais.
A agenda é afetada por mudanças na distribuição dos recursos de poder dentro das áreas de questões. A natureza dos regimes internacionais, as mudanças na importância dos atores transnacionais e a vinculação de outras questões são reflexos da crescente interdependência.
Vinculação de Questões
A vinculação de temas reduz as diferenças nos resultados entre as distintas áreas de questões e reforça a hierarquia internacional.
A vinculação de questões por parte dos Estados fortes é mais difícil, haja vista o uso da força ser pouco eficaz. A vinculação de questões por parte dos Estados fracos através dos organismos internacionais corrói – ao invés de reforçar – a hierarquia internacional.
Papel das
Organizações Internacionais
A importância dos organismos internacionais é menor, em virtude de estarem limitados aos poderes dos Estados e à supremacia da força militar.
Os organismos internacionais estabelecem agendas, induzem à formação de coalizões e funcionam como facilitadores da ação política de Estados fracos. A capacidade para eleger o foro adequado para um problema e para mobilizar votos é um importante resultado político.
A teoria da interdependência se baseia no pressuposto de que não existe mais tanta
funcionalidade na relação entre o poder político-militar e o poder econômico, pois, como
vimos no início da década de 1970, em conseqüência à guerra Árabe-Israelense, a OPEP
aumentou o preço do barril de petróleo em até 128%. Mesmo com a crise financeira e
energética gerada, os Estado Unidos e as demais forças militares européias ficaram
impotentes quanto ao uso de forças bélicas. (SANTOS JÚNIOR, 2000, p. 249)
51 ROBERTO DI SENA JÚNIOR, 2003, p. 187.
78
Keohane e Nye (1988, p. 21) afirmam que o equilíbrio de poder e a segurança nacional
“são muito pobres para a análise dos problemas da interdependência econômica ou ecológica.
Em termos tradicionais, a segurança não é certamente o principal problema que enfrentam os
governos. E dado que a força militar é ineficaz frente a certos problemas, a noção
convencional de poder carece de precisão”.
Segundo Santos Júnior (2000, p. 249) “[a] interdependência, analisada como fonte de
poder, é entendida como controle de recurso ou potencial para afetar resultados. Atores menos
dependentes em uma transação têm maior capacidade de barganha que os sócios mais fracos.
Essa vantagem, porém, não garante ganhos a priori”. Isto faz com que o poder militar de um
Estado não esteja diretamente ligado ao seu poder econômico e nem que este dependa
daquele. Portanto, dependendo da situação e do tipo de negociação, um Estado mais fraco
militarmente, pode exercer pressão e fazer com que um Estado mais forte se ajuste a suas
decisões.
Segundo Keohane e Nye (1988, p. 26), a análise do poder numa situação de
interdependência deve ser trabalhada em duas dimensões distintas: sensibilidade e
vulnerabilidade. A sensibilidade acontece quando um ator internacional, por exemplo, um
Estado sofre com as ações de um outro Estado. Como exemplo, os autores falam da crise do
petróleo de 1971-75. Quando a OPEP aumentou o preço dos barris de petróleo, os Estados
Unidos tiveram que tomar medidas de ajustes domésticos e externos. Portanto, os Estados
Unidos eram sensíveis à alta do preço do barril de petróleo, o que fornecia aos membros da
OPEP uma vantagem sobre o aspecto militar estadunidense nas suas relações.
A vulnerabilidade, segundo Keohane e Nye (1988, p. 29), é quando um Estado possui
um fator interno ou externo que faz com que ele não consiga alterar o ambiente adverso,
mesmo após ter desenvolvido um conjunto de medidas para superar os problemas causados
por outro Estado. Ou seja, no caso da crise do petróleo de 1971-75, a vulnerabilidade do Japão
estava no fator geográfico, pois não fornecia a possibilidade de produzir seu próprio petróleo
a custos aceitáveis. Já no caso dos Estados Unidos, a falta de consenso interno por novas
políticas energéticas fez com que o país fosse vulnerável. Ou seja, no Japão a vulnerabilidade
estava em suas limitações físicas, enquanto que nos Estados Unidos estava nas limitações
sócio-políticas. A vulnerabilidade de cada país é, quase sempre, conhecida por todos os
outros, o que faz com que possa se “desenvolver uma rede de interação, barganha e
52 Segundo Santos Júnior (2000, 249) alta política são as questões estratégico-militares e baixa política são as questões econômicas, sociais e culturais. Já para Di Sena Júnior (2003, p. 192), alta política é a política externa e baixa política é a política interna.
79
chantagem entre todos os envolvidos, capaz de alterar a estrutura das relações internacionais”.
(SANTOS JÚNIOR, 2000, p. 251)
3.2.1 A Guerra para os Teóricos da Interdependência
Robert Keohane e Joseph Nye (1988, ps. 41-47), com o propósito de explicar
processos e instituições internacionais, apóiam a teoria da interdependência em três
características principais: canais múltiplos de comunicação e influência; ausência de
hierarquia entre assuntos; menor papel das forças armadas.
Com o desenvolvimento das tecnologias de comunicação, como televisão, rádio,
internet, e outros, o mundo ficou menor e diversas empresas saíram do âmbito interno de um
Estado para negociar seus produtos e suas influências por todo o globo. Além das empresas,
diversas organizações internacionais e organizações não-governamentais surgiram, formando
múltiplos canais de comunicação e influência. Para os teóricos da interdependência, no
mundo “globalizado” não é mais somente o Estado quem toma decisões internacionais e
influencia outros Estados, mas existe uma gama de empresas e organizações com esse poder,
diversas vezes maior do que o poder de alguns Estados.
Segundo Santos Júnior (2000, p. 260),
[c]oncomitantemente ao alargamento das atividades internas dos governos, ocorreu uma expansão do poder das grandes empresas. Suas decisões ultrapassam as bordas das fronteiras nacionais, pondo as políticas domésticas de países diferentes cada vez mais em contato umas com as outras. As novas tecnologias de comunicação tornam estes efeitos mais relevantes.
Na citação acima fica claro que os canais de comunicação servem principalmente às
grandes empresas – multinacionais, porém a grande maioria tem como matriz uma grande
potência. Logo, os principais beneficiados acabam sendo justamente aqueles países mais
fortes militarmente e economicamente. De acordo com essa lógica, a teoria da
interdependência não altera significativamente as relações de poder entre os grandes e
pequenos Estados.
Estes canais de comunicação resultaram em uma maior força por parte dos Estados
mais pobres, ou mais fracos militarmente, pois em diversas organizações, como na ONU, eles
têm, teoricamente, o mesmo poder de voto das grandes potências, exceto no Conselho de
80
Segurança, onde cinco Estados53 tem o poder de veto. Além disso, mesmo nos outros comitês,
dificilmente os pequenos Estados contrariam os interesses das grandes potências, as quais, por
contribuírem com mais dinheiro para a ONU, podem bloquear as atividades da organização.
Basta não pagar ou atrasar a contribuição. Logo, a igualdade jurídica na ONU não é capaz de
mascarar as imensas desigualdades políticas.
Contudo, os canais de comunicação fazem com que o recurso a utilização da guerra
seja minimizada por parte dos Estados, pois, segundo Di Sena Júnior (2003, p. 191),
[a] existência de múltiplos canais de comunicação e influência [...] reforça a idéia de que as relações internacionais não mais se resumem a questões de segurança e militarização. As relações econômicas, financeiras, sociais e culturais também desempenham papel de relevo no cenário internacional contemporâneo, favorecendo um maior intercâmbio entre os povos e, por conseguinte, um estreitamento dos vínculos entre os países.
Outro pressuposto da teoria da interdependência é a ausência de hierarquia entre
assuntos. Com a ampliação da agenda internacional54, os assuntos externos dos Estados não
estão mais subordinados única e exclusivamente aos temas de segurança militar, abrangendo
uma variedade mais ampla de assuntos, como de natureza financeira, econômica, energética,
ambiental, alimentar, social, cultural, etc.
Em um sistema anárquico, o principal objetivo do Estado gira em torno de questões
militares, como segurança. A interdependência concede grande importância a estas questões.
Contudo, segundo Di Sena Júnior (2003, p. 193), hoje, “justamente com a mudança das
ameaças, mudam-se também os objetivos e a política volta-se mais às questões sociais e
econômicas do que propriamente às militares (ainda que estas não sejam completamente
olvidadas)”.
Estes diversos assuntos que existem no âmbito interno, desde que não ponham em
risco os interesses da nação, fazem com que o Estado tenda a aliar as políticas internas às
demandas internacionais. Desta maneira, os assuntos internos e externos cruzam-se
mutuamente, envolvendo atores governamentais e não-governamentais, sem definir uma
graduação da importância das questões.
Com relação ao menor papel das forças armadas, até meados do século XX, o
mecanismo mais empregado na política internacional era a força militar ou a ameaça de
53 Estes Estados são: os Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Rússia e China. 54 Agenda internacional é o “conjunto de questões relevantes para a política exterior nas quais se envolvem os Estados” (KEOHANE E NYE, 1988, p. 43)
81
guerra, como por exemplo, as duas Guerras Mundiais e a Guerra Fria. Sem deixar de
continuar sendo um mecanismo importante para os Estados, a utilização das forças armadas
requerer um alto grau de financiamentos por parte deles. Portanto, este alto custo tem levado
os Estados a serem mais cautelosos na utilização da guerra, conforme vimos anteriormente,
principalmente quando falamos do idealista Norman Angell, no subitem 2.1.3.
Robert Keohane e Joseph Nye (1988, p. 46), discorreram que o emprego da força
tornou-se muito custoso para os principais Estados, pois
a utilização da força parece menos provável que na maior parte das situações similares ocorridas no século, antes de 1945. A força de destruição das armas nucleares faz com que seja perigoso qualquer ataque a uma potencia nuclear. [...] A limitada utilidade da força convencional para o controle de populações socialmente mobilizadas ficou demonstrada tanto com o fracasso dos Estados Unidos no Vietnã como com o rápido declínio do colonialismo na África. Ainda, o emprego da força contra um Estado independente com quem se mantinha uma variedade de relações significa romper relações mutuamente proveitosas em outros campos [como econômicos ou culturais]. [...] E finalmente, nas democracias ocidentais é muito forte a oposição aos conflitos militares prolongados.
Apesar do número de países com armas nucleares estar aumentando, os Estados têm
receios quanto ao seu uso, pois as conseqüências podem ser desastrosas para ambos os lados
envolvidos no conflito. Além disto, existem diversas organizações terroristas com bases
operacionais nos países pobres. Se um Estado resolve entrar em guerra contra outro, este ato
pode acarretar riscos econômicos para o país, como a transferência de investimentos para o
setor bélico e o aumento do risco país. Podemos ter, ainda, em uma situação de guerra, a
opinião contrária do povo, que pode causar um desgaste ao governo do Estado devido à
necessidade de conter as manifestações contrárias à guerra. Contudo, em alguns casos, pode
acontecer de o povo apoiar a guerra, como foi o caso dos Estados Unidos, na guerra do
Afeganistão e do Iraque, em que o povo apoiou estas guerras, por causa, principalmente, dos
ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.
Segundo Di Sena Júnior (2003, p. 202) “[n]enhum país, hoje, pode atuar militarmente
sem levar em consideração a opinião dos demais. Nenhum Estado é tão soberano ao ponto de
ignorar totalmente as pretensões dos demais”. Porém, podemos refutar esta afirmação com o
caso da guerra do Iraque de 2003, em que os Estados Unidos não necessitaram do
consentimento das demais nações para invadir aquele país. Somente tentaram conquistar o
maior número possível de aliados para obterem uma maior aprovação da comunidade
82
internacional e também para dividir com mais países o custo da guerra, mesmo sem necessitar
desta aprovação, pois poderiam ter invadido o Iraque com seu próprio exército. Esta
aprovação é importante também para aumentar a legitimidade da ação dos Estados Unidos,
garantindo um menor desgaste da superpotência com os demais países. Vimos, no caso desta
guerra, que as tropas inglesas e de outros aliados não eram de grande número se comparados
com as estadunidenses. Podemos, então, deduzir que o contingente inglês e de outros países
não eram fundamentais para os Estados Unidos poderem invadir o Iraque.
3.3 A Teoria Neo-Realista
Nas últimas décadas do século XX a teoria realista recebeu diversas críticas, por não
tratar de assuntos econômicos, em face da crescente importância de questões econômicas na
agenda internacional, e da existência de outros atores internacionais, além do Estado. Então,
em 1979, Kenneth Waltz retomou as principais linhas do realismo, aceitando as teses do
equilíbrio de poder e do interesse nacional, mas atenuando as bases funcionalistas dos
antecessores (realistas), “quando acentua as linhas estruturalistas, salientando que os Estados
não procuram maximizar o respectivo poder, mas apenas balanceá-lo, através de sucessivos
modelos que poderiam ser unipolares, bipolares e multipolares”55.
Outro importante autor que pode ser considerado neo-realista é Robert Gilpin. Este
autor, preocupado com o papel do poder na formação das relações internacionais e com a
natureza e a dinâmica das empresas no mercado, procura reintegrar o estudo da política
internacional às forças econômicas internacionais. Os trabalhos mais importantes de Gilpin,
segundo Griffiths (2004, p. 27) são US power and the multinational corporation: the political
economu of direct foreign investment (1975), War and change in world politics (1981) e The
political economy of international relarions (1987).
O primeiro trabalho de Gilpin fala da influência das corporações estadunidenses
multinacionais após a II Guerra Mundial. Para Gilpin, segundo Griffiths (2004, p. 27) “a
atividade no exterior só poderá ser compreendida no contexto da economia liberal aberta,
estabelecida sob os auspícios dos Estados Unidos ao final da II Guerra Mundial”.
Os dois trabalhos seguintes de Gilpin abordavam o debate crescente sobre o declínio
dos Estados Unidos nas relações internacionais, “especialmente à luz da dramática
55 Fonte: <http://maltez.info/Curso%20RI/neorealismo%20waltz.htm>, acesso em: 08.11.2004.
83
recuperação econômica do Japão e da Europa depois da devastação da II Guerra Mundial”.
(GRIFFITHS, 2004, p. 27)
Segundo Santos Júnior (2003, ps. 254-255) o neo-realismo “surge, na década de 1970,
[como] um realismo renovado, [...], objetivando oferecer respostas satisfatórias à crise global
do capitalismo e ao declínio da hegemonia norte-americana, além de outorgar, à teoria realista
clássica, maior rigor científico”. Waltz é considerado o primeiro autor neo-realista. Sua teoria
centra-se em uma analogia entre o mercado e a política mundial. Para ele, assim como no
mercado, onde existem disputas entre as empresas, na política internacional, os Estados
também competem uns contra os outros. (SANTOS JÚNIOR, 2003, p. 255)
Contudo, Waltz diferencia-se dos realistas clássicos, pois, em vez de estabelecer
pilares sobre as concepções de natureza humana para analisar o procedimento dos Estados,
afirma que as regularidades no sistema de Estados são forjadas pela estrutura. Portanto, os
Estados irão se comportar conforme a posição que ocupam no sistema de distribuição de
poder internacional.
Conforme o neo-realismo, o sistema internacional é o responsável por determinar a
conduta dos Estados, ou seja, todos os Estados integrados no sistema internacional anárquico
obedecem aos mesmos objetivos de maximização dos interesses nacionais, apenas se
diferenciando uns dos outros conforme a sua capacidade de realizar seus respectivos
objetivos. Todos os Estados, segundo os neo-realistas, tendem primeiro a estabelecer sua
segurança nacional, ou seja, lutar pela sua sobrevivência, para depois se expandirem, em um
processo de maximização cujo único limite é o mundo.
Segundo Halliday (1999, p. 30) o neo-realismo “respondeu às preocupações da
economia política internacional, mas buscou restabelecer a primazia dos Estados e das
preocupações político-militares, dentro de sua análise global”. Waltz se opôs a
todos os estudiosos que argumentavam que as relações internacionais passavam por uma transformação radical como resultado da crescente interdependência na economia internacional, assim como as limitações da força na era nuclear, Watlz reafirmou a importância do Estado como agente principal na política internacional e chamou de reducionistas e não-falsificáveis os argumentos dos oponentes. (GRIFFITHS, 2004, p. 78)
Como visto, Waltz foi o principal teórico neo-realista. Em 1959, escreveu sua primeira
importante obra, O homem, o Estado e a guerra. Nesta obra, Waltz comparava as três
“imagens” da origem da guerra: a natureza humana, a economia doméstica e os sistemas
políticos do Estado, e o sistema internacional anárquico. Segundo Halliday (1999, p. 46),
84
Waltz concluiu que é o sistema internacional que deve fornecer as bases para a teoria das
causas da guerra e que o caráter interno dos Estados não deve ter tanta importância para a
definição das relações internacionais de um Estado.
Waltz afirma que, naturalmente, o homem é guerreiro, apesar do “estado de natureza
entre os homens ser uma monstruosa impossibilidade” (Waltz, 2004, p. 282). A única forma
de fazer com que o homem cesse a guerra é a criação de um governo. Este estabelece as
condições para a paz. Waltz se opõe às idéias de Woodrow Wilson, que acreditava que a
política externa de um Estado era o reflexo da política interna, e um Estado democrático não
faz guerra, pois este reflete o desejo do povo, que é pacífico. Para Waltz, a política interna de
um Estado não deve influenciar na política externa, pois esta é feita em um sistema anárquico,
diferente da política interna do Estado. De acordo com a terceira imagem, Waltz (2004, p.
281) afirma que “existe uma possibilidade constante de guerra num mundo em que há dois ou
mais Estados buscando promover um determinado conjunto de interesses e em que inexiste
um órgão acima deles a que possam recorrer a fim de obter proteção”.
Para os neo-realistas, assim como para os realistas, o sistema de Estados deve estar em
constante equilíbrio de poder. E é a própria anarquia do sistema internacional que resulta
neste equilíbrio. O Equilíbrio de poder é uma conseqüência das condições de funcionamento
do sistema internacional, da natureza dinâmica dos conflitos de interesses dos Estados.56
No livro Theory of International Politics, Waltz destaca a importância de se analisar
as estruturas nas quais se processam as relações internacionais. Para ele, a estrutura do
sistema internacional é condicionada sob três aspectos: pela anarquia, pois não existe uma
autoridade supranacional; pela ausência de diferenciação das funções desempenhadas pelos
Estados, ou seja, todos os Estados desempenham, praticamente, as mesmas funções; e pela
distribuição desigual de poderes, ou seja, existem os Estados fracos e os Estados fortes.
Estudando esta estrutura, Waltz afirma que o sistema internacional é propício ao equilíbrio de
poder, que a melhor política internacional é o equilíbrio de poder entre os Estados em um
sistema condicionado por esta estrutura. (HALLIDAY, 1999, p. 47)
Waltz (apud Griffiths, 2004, p. 79) afirma que “[a] política de equilíbrio de poder
prevalece sempre que duas, e apenas duas, condições são satisfeitas: que a ordem seja
anárquica e que as populações desejem sobreviver”. Ou seja, em um mundo onde não há
nenhum poder acima do Estado, como alguma organização internacional com poderes
56 Fonte: <http://maltez.info/Curso%20RI/neorealismo%20waltz.htm>, acesso em: 08.11.2004.
85
supranacionais, e as pessoas deste mundo desejem sobreviver, a política do equilíbrio de
poder deve ser aceita.
Waltz afirma que existem diferenças gritantes entre um mundo multipolar (onde
existem mais de duas potências dominantes), e um mundo bipolar (onde existem somente
duas potências dominantes). Ele afirma, ainda, que um sistema bipolar é mais estável do que
um sistema multipolar, “pois parece mais provável que se sustente sem guerras espalhadas no
sistema”. (GRIFFITHS, 2004, p. 79)
No artigo que escreveu, Structural realism after the Cold War, Waltz coloca que em
sistemas multipolares a competição entre os Estados é muito mais acirrada do que em
sistemas bipolares. Isto acontece, pois as incertezas acerca das capacidades comparativas dos
Estados se multiplicam conforme o número de potências aumenta e porque é muito difícil
criar coalizões fortes e estáveis.
O sistema multipolar é mais instável, pois o equilíbrio de poder deve existir sob a
égide de alianças entre as potências, e como existem diversas delas, não se pode permitir que
cada uma trace linhas claras e fixas entre aliados e adversários. Já em um sistema bipolar,
como no caso da Guerra Fria, os Estados Unidos e a União Soviética pensavam mais em seus
armamentos do que em algum aliado. Neste sistema, “os perigos decorrentes de previsões
erradas e deserção ficam, portanto, minimizados”. (GRIFFITHS, 2004, p. 79)
Waltz coloca que a política mundial do século XX sofreu duas principais
transformações que se espalharam pelo sistema de Estados, que devem ser analisados para a
“renovação” do realismo.
Uma delas é a mudança na polaridade nas relações internacionais. Até o final da II
Guerra Mundial, o sistema de Estados era composto por algumas potências que criavam
alianças entre si, estabelecendo o equilíbrio de poder. Este sistema é conhecido como
multipolar, ou multilateral, no qual existem mais de duas potências dominantes. A partir do
final da II Guerra Mundial, o mundo presenciou uma situação particularmente nova, em que
somente dois Estados comandavam a política mundial, os Estados Unidos e a União
Soviética. Houve épocas em que somente um Estado detinha o poder na Europa continental,
como é o caso do Império Romano e de Napoleão Bonaparte, que dominaram a Europa
continental inteira. Mas não podemos classificar este tipo de sistema como unipolar, pois estes
países dominaram a Europa e partes da África e Oriente Médio, mas não tinham poder e
influência sobre o mundo inteiro, como na Ásia e nas Américas.
Outra mudança foi o desenvolvimento das armas de destruição em massa,
principalmente da bomba atômica. Quando as guerras eram feitas com exércitos regulares,
86
com espadas ou até com rifles, as guerras não eram tão temidas. Contudo, com o advento das
armas nucleares, os Estados buscam evitar as guerras e resolver seus conflitos através de
meios pacíficos.
Porém, Waltz (2000, p. 6) afirma que estas mudanças ainda não foram suficientes para
modificar o sistema internacional. É desta forma que esse autor defende o realismo, que esta
teoria ainda serve como base para se analisar o sistema internacional, pois, afirma Waltz
(2000, p.6) “se o sistema estivesse transformado, política internacional não mais seria política
internacional, e o passado não mais serviria como guia para o futuro”.57
3.3.1 A Guerra para os Teóricos Neo-Realistas
Para o neo-realismo, assim como para os realistas, a guerra é uma conseqüência do
sistema de Estados, o qual é anárquico. Waltz, em O homem, o Estado e a guerra, faz
diversas críticas aos liberais, que, segundo ele, são os responsáveis pela política externa
estadunidense. Para Waltz (2004, p. XII) “há muito [os estadunidenses] acreditam que seu
país promove valores universais no exterior. Esta crença tem duas conseqüências”.
A primeira é que quando um país entra em uma guerra, como na I Guerra Mundial ou
sua oposição à União Soviética, seu argumento político nunca é o de manter o equilíbrio de
poder, e sim o de “promoção da causa da democracia”. (WALTZ, 2004, p. XII)
A segunda é que os estadunidenses não acreditam que os outros países possam se
ressentir do fato de os Estados Unidos aumentarem sua influência e seu controle
internacional. Para eles é difícil acreditar “que sua atual preponderância de poder, mesmo que
acompanhada de boas intenções, seja uma preocupação para os Estados que vivem à sua
sombra”. (WALTZ, 2004, p. XII)
Em Structural realism after the Cold War, Waltz critica os liberais e
interdependentistas, os quais dizem que em regimes democráticos não há guerra. Waltz (2000,
p. 7) se opõe a este argumento, afirmando que a Alemanha “era um modelo de um Estado
democrático moderno, com direitos de voto, eleições honestas, uma legislação que controla a
bolsa, partidos competitivos, uma imprensa livre, e uma muito competente burocracia”58.
57 Tradução livre. Original de: “If the system were transformed, international politics would no longer be international politics, and the past would no longer serve as a guide to the future.” 58 Tradução livre. No original: “Germany was the very model of a democratic state with a wide suffrage, honest elections, a legislature that controlled the purse, competitive parties, a free press, and a highly competent bureaucracy”.
87
Contudo, após 1914, as outras nações ocidentais, como a França, a Inglaterra e os Estados
Unidos, não consideravam mais a Alemanha como um “tipo certo de democracia”.
Para Waltz, a guerra é causada por qualquer coisa. Em um sistema internacional
anárquico, qualquer motivo pode causar a guerra. Ele afirma que, mesmo se todos os Estados
forem democráticos, a estrutura das relações internacionais continuará anárquica. A estrutura
internacional não muda simplesmente com as mudanças internas dos Estados. Neste atual
sistema anárquico, não se pode prever qual país será seu inimigo no futuro. Hoje um
determinado Estado pode ser “amigo”, mas amanhã ele pode se tornar seu “inimigo”.
(WALTZ, 2000, ps. 8-10)
Para Waltz, a guerra pode eclodir se um determinado país temer que o equilíbrio atual
possa se transformar em um desequilíbrio para ele no futuro. Para Waltz (2004, p. XII), “[o]
conflito é um subproduto da competição e de esforços de cooperação. Num sistema de auto-
ajuda, em que se espera que o conflito ocorra, os Estados têm de se preocupar com os meios
necessários para se manter e se proteger”.
Para os neo-realistas, mesmo em um sistema político internacional anárquico, os
Estados não estão propensos a solucionar seus conflitos recorrendo à guerra. Como vimos, em
um sistema de auto-ajuda os Estados “procuram constantemente pautar suas relações por uma
concepção de equilíbrio de poder”. (SANTOS JÚNIOR, 2003, p. 255)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na realização deste trabalho foi falado sobre a guerra e como ela é tratada nas
principais teorias das relações internacionais59. Um aspecto interessante descoberto ao
desenvolver este trabalho foi que as relações internacionais são tratadas de diferentes formas
de acordo com a corrente de pensamento. Da mesma forma, a guerra é tratada de diferentes
maneiras conforme as diferentes teorias abordadas neste trabalho.
Ao falar sobre a guerra, discorreu-se primeiro sobre o seu conceito. A guerra é o
conflito armado entre dois Estados politicamente independentes. Descobrimos que ela não é
tão simples de se explicar quanto parece. Toda guerra tem motivos enraizados na história. Ou
seja, para tentar entender um conflito, deve-se estudar seu contexto histórico. Vimos, ainda,
que o sistema internacional é um sistema anárquico, pois não existe um poder supranacional
que possa impedir um Estado a fazer guerra contra outro. Pudemos concluir, então, que a
guerra acontece por estes dois motivos: a anarquia do sistema internacional e o contexto
histórico ao qual o conflito está inserido.
Foram identificados também os motivos que levam os Estados a entrar em guerra.
Estes motivos podem ser econômicos, sendo que os motivos territoriais podem ser incluídos
como econômicos, pois a aquisição de território almeja, na sua maioria das vezes, a conquista
de mercado e de matérias-primas. Os Estados podem decidir entrar em guerra, também, por
motivos ideológicos, como religião, por exemplo as “Guerras Santas”, ou ideologias políticas.
O motivo ideológico político por ser exemplificado com o caso da guerra do Iraque de 2003,
além de outros motivos. Os Estados Unidos justificam esta guerra com o intuito de levar a
democracia a povos que não a conhecem, já que os dois motivos antes dados por George W.
Bush caíram por terra.60 Outro motivo é o de segurança, no qual um Estado entra em guerra
quando se sente ameaçado por outro.
Foi visto neste trabalho, também, que existem diversos tipos de guerra a serem
analisados para podermos entender como os Estados a utilizam para mudar as relações
internacionais. Pode-se concluir que as guerras foram os fatores decisivos para as grandes
59 É necessário deixar claro, que a escolha e classificação das teorias das relações internacionais abordadas neste trabalho foram feitas arbitrariamente, para melhor atingir os objetivos a que o trabalho se propõe. 60 O primeiro motivo era que os terroristas que participaram do atentado de 11 de setembro de 2003 teriam ligações com o Iraque, depois se provou que nunca tinham sequer estado neste país, e sim eram da Arábia Saudita, que é um país aliado dos Estados Unidos. O segundo motivo era que o Iraque estava produzindo armas de destruição em massa, mas recentes depoimentos do responsável pelas inspeções no Iraque confirmou ao Congresso dos Estados Unidos que não foi encontrado nenhum resquício de que o Iraque estava produzindo tais armas.
89
mudanças internacionais, como mudança da hegemonia mundial de um Estado para outro, ou
a ocorrência de alguns saltos tecnológicos, frutos de algumas guerras, como a pólvora, o
computador, a internet, os foguetes, entre outros.
Apresentando a guerra, pode-se concluir, ainda, que os Estados utilizam-na para
conseguir alcançar seus objetivos quando todas as tentativas pacíficas esgotaram, ou quando o
Estado se sente tão forte militarmente, que não “perde muito tempo” tentando resolver o
conflito por vias diplomáticas, e parte direto para a guerra. Vimos que até o final da II Guerra
Mundial, a política do equilíbrio de poder minimizava a chance de acontecer alguma guerra.
Contudo, podemos concluir que no período da Guerra Fria, em que a hegemonia mundial
estava dividia entre os Estados Unidos e a União Soviética, não houve conflitos de grande
porte, ou seja, conflitos armados envolvendo duas ou mais grandes potências em lados
opostos.
No segundo capítulo, foram apresentadas as teorias tradicionais das relações
internacionais e como elas tratam a guerra. Neste capítulo, foram identificados os teóricos
idealistas, realistas e marxistas.
Quando se apresentou sobre os idealistas, foram identificados os fundadores do
Utopismo, que criaram as bases para utópicas para os futuros projetos de paz; os projetos de
paz do século XVIII, que foram mais racionais do que os utópicos, pois os autores desta época
tentaram criar projetos de paz baseados na realidade e não na utopia; e os idealistas do século
XX, que aprimoraram as idéias de seus antecessores e criaram as bases para certas
organizações e instituições, como a ONU, por exemplo.
Os idealistas, inconformados com as atrocidades da guerra, tentam criar meios que
pudessem abolir a ocorrência destes conflitos. Os idealistas propõem um conjunto de
princípios que defendem a necessidade de estruturar o mundo buscando o entendimento
através de condutas pacíficas. Os idealistas acreditam que a vontade dos Estados não é a de
fazer a guerra. Eles acreditam que os Estados podem ser movidos pela confiança e boa
vontade. Para isto, os Estados teriam que delegar funções às Organizações Internacionais para
que estas pudessem criar normas de conduta entre os Estados. Eles tratam a guerra como
sendo um fenômeno que pode ser evitado, desde que as nações trabalhem em conjunto para
isto. Afirmam, ainda, que a segurança coletiva é um meio importante para manter a paz,
reprimindo qualquer desejo de um Estado atacar outro.
Ao falar sobre o realismo, foram identificados os principais pensadores realistas que
viveram antes do surgimento das relações internacionais, ou seja, antes do século XX. Depois
vimos o realismo pelos pensadores do século XX, quando do surgimento do estudo das
90
relações internacionais. Pode-se concluir que o realismo trata a guerra como um fenômeno
normal. Para o realismo, Estado pode utilizar a guerra normalmente em um sistema
internacional anárquico, para resolver qualquer conflito. Os interesses do Estado são sempre
definidos em termos de poder, sendo a política um campo autônomo. Os realistas defendem,
ainda, que os princípios morais não se aplicam aos Estados, portanto, estes podem utilizar a
guerra sem preocupações morais.
O marxismo não é uma teoria baseada em autores tão antigos como o idealismo e o
realismo, visto que Marx, seu fundador, é do século XIX. Para estes pensadores, a guerra
pode ser utilizada de acordo com as necessidades do proletariado. Ou seja, a guerra para os
marxistas define-se em termos de revoluções do proletariado contra a burguesia. Eles
defendem a guerra somente se ela acontecer para estes fins. Contudo, eles afirmam que as
guerras interestatais acontecem por motivos econômicos, principalmente. Para os marxistas, o
capitalismo é a causa das guerras. Em sua crescente busca por riquezas, os grandes
monopólios irão entrar em choque, sendo levados obrigatoriamente à guerra. O capitalismo
possui diversas fases, sendo que a última delas leva os Estados a concorrerem entre si, numa
disputa imperialista, que os levará a guerra.
No capítulo 3, foram apresentadas as teorias contemporâneas das relações
internacionais. Dentre estas teorias resolveu-se identificar as teorias da dependência,
interdependência e neo-realista.
A teoria da dependência surgiu na América do Sul, com Raul Prebish como um de
seus precursores. Esta teoria parte do pressuposto de que o sistema internacional é
caracterizado por estruturas de dominação, em que as desigualdades de desenvolvimento e
subdesenvolvimento têm forte influência nas relações entre Estados. Pode-se concluir que,
para os teóricos dependentistas, a guerra não é pensada pelos países pobres, ou seja, somente
os países ricos poderiam fazer guerras, sendo que os pobres, ou periféricos, têm outras
questões com que se preocupar, além de não possuírem muitos recursos econômicos para
entrar em um conflito armado. Já os países ricos, ou centrais, fazem guerra, principalmente
para expandir seu comércio e para acarretar dependência econômica, política, social, cultural
e ideológica nos países periféricos, como, por exemplo, a política do Big Stick, comentada no
subitem 3.1.1.
Para os teóricos da interdependência, o sistema internacional não é composto somente
por Estados, existindo, também, as empresas transnacionais, as Organizações Internacionais e
as Organizações Não-Governamentais. Para estes pensadores, a guerra perdeu sua
importância devido ao alto custo financeiro que uma guerra pode gerar, ao perigo de
91
destruição mundial proveniente de uma guerra nuclear, ao perigo de perder suas relações com
o país que está em guerra e ao fato de nas democracias a oposição popular contra a guerra ser
muito forte.
Os neo-realistas buscam renovar a teoria realista, que, nas décadas finais do século
XX, recebia diversas críticas por não tratar de assuntos econômicos nas relações
internacionais e por ocultar a existência de outros atores internacionais. Para estes pensadores,
a guerra é vista como uma conseqüência da anarquia do sistema de Estados. Devido esta
anarquia, os neo-realistas acreditam que qualquer divergência pode causar a guerra. Os neo-
realistas, assim como os realistas, acreditam no equilíbrio de poder como mantedor da paz.
Contudo, em um sistema internacional anárquico, uma guerra pode eclodir se um determinado
país temer que o equilíbrio atual possa se transformar no futuro em um desequilíbrio. Porém,
os Estados não estão propensos a resolver seus conflitos recorrendo à guerra. Isto, pois os
Estados procuram moderar suas relações pela concepção de equilíbrio de poder, sendo que no
sistema internacional anárquico, os Estados trabalham em um sistema de auto-ajuda.
Por fim, conclui-se que este trabalho é muito interessante para o setor estatal, sendo
que quando o Estado define sua política externa, ele deve estar atento às questões de guerra e
às diferentes teorias das relações internacionais, pois estas teorias podem ser utilizadas como
base de estudo para compreender as ações de um Estado. Contudo, não podemos deixar de
ressaltar a importância que este tema tem para o setor empresarial. Uma empresa, ao decidir
entrar em alguma negociação internacional, deve estar ciente, além de outros assuntos sobre a
estabilidade institucional do país e o risco do mesmo entrar em conflitos armados. Para as
empresas, a guerra pode trazer vantagens ou desvantagens. Além do que, as empresas devem
também estar cientes das diversas teorias que tentam explicar as relações internacionais para
obterem sucesso.
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