III SEMINÁRIO DA LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO, PSICOLOGIA E PRÁTICA DOCENTE Pós Graduação em Educação Stricto Sensu da UFMS
SEMINÁRIO DOS GRUPOS DE PESQUISA
Prof.ª Dr.ª Terezinha Bazé de Lima
Pró-Reitora de Ensino e Extensão
Mesa redonda: A pesquisa e o processo de formação
Identidade e memória de professores/as construídas em
relatos de histórias de vida
Abordar experiências advindas de estudos sobre o tema “Identidade e memória de professores/as construídas em relatos de histórias de vida”, requer ,como sugere a temática ,desta mesa, além de uma base teórica uma prática de envolvimento com o tema . Ao longo de oito anos venho orientando uma proposta de intervenção por meio da história de vida como viés para a formação inicial e continuada de professores da Educação Básica.
A contribuição deste estudo está em trazer para o debate subsídios que fundamentam uma ação educativa com base na história de vida, como proposta de intervenção na formação inicial de acadêmicos do Curso de Pedagogia da UNIGRAN/Dourados. A experiência teve início em 2004 na disciplina Trabalho de Conclusão de Curso.
O estudo toma a história de vida com o objetivo de investigar as trajetórias de vida acadêmica dos(as) alunos(as) do Curso de Pedagogia da UNIGRAN/Dourados visando a contribuir com o processo de formação, via pesquisa ,da sua própria história pessoal e profissional.
Atualmente é inegável a presença
e a importância, cada vez mais
crescente, de estudos sobre história
de vida de professores como fonte de
pesquisa e subsídio para a formação.
Já existe uma produção notável que
busca uma análise teórica e
metodológica sobre história de vida,
memória e seus mais diversos
entrecruzamentos.
A experiência que ora desenvolvemos por meio de estudos em grupos, oficinas de construção de memorial e seminário, foi a forma que encontramos para romper algumas barreiras de desinibir o professor para a elaboração e reconstrução de conhecimentos necessários à prática docente, tendo como ponto de partida sua trajetória de vida e profissional,e a oportunidade de construir o seu primeiro texto científico: “o memorial”.
Os estudos sobre formação via
história de vida, vida de professores,
pessoa do professor, práticas dos
professores e/ou profissão de
professor na área da educação, têm-
se manifestado sob as mais variadas
modalidades e com perspectivas
teóricas metodológicas e objetivos
mais diversos.
Pressupostos teóricos sobre identidade, memória e história de vida de professores
A experiência vem sendo construída a partir dos estudos de Pierre Dominicé (1988-1990), Antonio Nóvoa (1998-1992), Christene Josso (1999) e Belmira Oliveira Bueno, Denise Bárbara Catani; Cynthia Pereira de Souza(2003) e Bastos (2003), que nos chamam atenção que ao trabalhar com história de vida como processo de formação e reapropriação, enfatizam seu papel por meio da pesquisa para identificar os processos de aquisição do saber e de revalorizar a epistemologia da noção de experiência.
Os estudos de Christine Josso (1988)
abordam sobre uma teoria da atividade do
sujeito, destacando o papel do formando
enquanto ator que se autonomiza e que
assume as suas responsabilidades nas
aprendizagens e no horizonte que elas lhe
abrem, e a possibilidade de desenvolver por
meio das biografias educativas maior
consciência da sua liberdade na
interdependência comunitária, enquanto
sujeito coletivo.
Dominicé (1988b) ,em suas reflexões sobre o uso das histórias de vida ,esclarece com propriedade essa concepção, afirmando que a história de vida é uma outra maneira de considerar a educação, não se tratando de aproximar a educação da vida, como nas perspectivas da educação nova ou da pedagogia ativa, mas considerar a vida como espaço de formação;a história de vida passa pela família. É marcada pela escolaridade recebida que se orienta para uma formação profissional, comprometida com a formação continuada.
Segundo Nóvoa (1992), a elaboração de um memorial procura valorizar o professor como sujeito de sua história e da história da educação brasileira, pela reflexão sobre a educação inscrita no cotidiano escolar. A idéia foi que cada professor refletisse sobre sua própria história de vida, buscando conhecer aquilo que Pierre Nora (1997) enumera como os elos entre a história que fez e a história que o fez.
No Brasil os estudos de Bueno,
Catani e Souza (2003) apontam que é
preciso pensar a formação do professor
como um processo, cujo início situa-se
muito antes do ingresso nos cursos de
graduação, ou seja, desde os
primórdios de sua escolarização e até
mesmo antes – depois desses, tem
prosseguimento durante todo o
percurso profissional do docente.
Nesse sentido ressalta-se para
que essa proposta de pesquisa sirva de
instrumento formador ao docente será
preciso incorporar a ela uma “dinâmica
compreensiva” que permita ao
pesquisado sair da esfera de “contador de
estória” e entrar na dimensão de
“reconstrutor da sua história”, trazendo
para cada passagem um marco teórico.
Na orientação para a organização do memorial foi considerado o percurso de formação e de trans-formação: origem familiar, trajetória escolar, trajetória profissional – formação, carreira, atividades e práticas docentes, participação no movimento estudantil, atualização profissional, leituras significativas realizadas, visões da sala de aula, da escola, da educação, das disciplinas cursadas, experiências de vida no curso, a construção de relação com os seus professores e o contexto sócio-histórico da caminhada ,culminando com o projeto de pesquisa ação para a realização do TCC.
É importante pontuar que a metodologia
da história de vida traz ,em sua essência, um
potencial de transformação do próprio sujeito
que dela participa. Dessa forma ,é um
instrumento que, por suas próprias
características, induz à auto-reflexão, à
reconfiguração de sentidos, à aprendizagem. É
impossível, por certo, alguém permanecer
impassível à presença das próprias lembranças
e não se sentir impelido a dialogar com elas.
Práticas de memoriais
Falar de si, de sua experiência, é expor-se, situação para as quais as pessoas, muitas vezes, não estão preparadas.
Outra possibilidade a considerar é a dificuldade do professor em produzir textos que representem o registro de suas práticas, tendo o eixo da reflexão como parâmetro para o texto científico.
O trabalho do professor formador reside em contribuir para transformar cada professor em formação inicial em escritor do seu próprio cotidiano pessoal e profissional e orientando prática e teoricamente para transformar um material bruto (1ª versão) em um texto estético, ético e reflexivo dentro das normas e exigências da ABNT.
A experiência nos confirma que a primeira leitura dos memoriais em construção nos deixa sempre com uma sensação de frustração em relação à tarefa proposta, considerando a ausência de textualidade, fragmentação temporal e estética textual.
Os títulos dados pelas professoras em formação (acadêmicos) são significativos, tais como:
- Caminhos trilhados na construção de uma pesquisadora (E.V.);
- Um degrau de cada vez: processo de construção entre o que fomos e o que somos (A. P.);
- História de vida pessoal e profissional: cada dia um novo recomeço (C. A. S.);
Na maioria dos memoriais constata-se um silenciamento das experiências negativas ou frustrantes, tanto na trajetória escolar como na profissional ,e ,de acordo com Bastos (2003, p. 179) “é natural a seleção e a exclusão do que não é desejado recordar”.
[...] “Várias nuances de nossas vidas ficam perdidas pelo tempo passado. Embora minha história seja colocada no papel,ainda assim não será toda revelada; partes de nossas vidas ficam soltas em momentos vividos e já não mais representados em forma de letras e palavras”. (A.P.)
“Acredito que essa emoção ficará para sempre em minha memória, detalhes desses esforços ficarão marcados como experiência para servir de alicerce, afinal tudo que é de suma importância fica registrado. [...] Pude perceber que o aluno não é um ser apenas cognitivo. Ele é corpo, linguagem, emoção, prazer e muitos outros sentimentos, foram experiências maravilhosas que pudi vivenciar nos momentos de faculdade, a minha identidade enquanto aluna e futura profissional está sendo reconstruída por meio deste memorial.” (A.P.)
“Descrever o presente memorial me fez recordar, refazer, reconstruir imagens, idéias, sons, fatos e experiências com idéias e pensamentos de hoje, pois o passado não é o antecedente do presente, mas a principal fonte de vivenciar esses momentos agora na base educacional.” (E. V.)
“Atualmente, faltando pouco tempo para esta etapa da caminhada chegar ao fim, revendo o meu percurso sei que muito aprendi, sei que muito ainda preciso aprender e é essa necessidade que me move, que faz de mim hoje uma pesquisadora iniciante. [...] A partir dessa experiência não sou a mesma profissional, compreendo melhor a real dimensão de minhas atitudes, do meu posicionamento enquanto educadora e levo comigo a relevância da pesquisa como garantia de crescimento, de conhecer o desconhecido e saber agir e pensar sobre ele.” (C.A.S.)
“Percebe-se, no entanto, que o memorial tornou-se uma exigência para o professor pesquisador, pois o mesmo inicia sua pesquisa partindo de sua própria história de vida, usando-a como linha de pesquisa, refletindo e descrevendo sua trajetória como um educador reflexível e atuante em sua prática pedagógica. [...] Nunca havia pensado em pesquisar minha própria história de vida. Mas agora, posso dizer que estou trilhando caminhos para futuramente ser uma grande pesquisadora na área educacional, pois ao mesmo tempo que estou delineando, estou projetando minha trajetória de vida.” (E.V.)
Os depoimentos das autoras dos memoriais selecionados nos fazem constatar que o trabalho de escrever sobre si é um importante momento de reflexão e de ressignificação das práticas docentes e da identidade profissional, é perceber as marcas com as quais as professoras autoras de memoriais constituíram-se sujeitos na tessitura de suas histórias.
O impacto é grande e sugere enormes
possibilidades e desafios. Desafio por colocar
o sujeito na frente de seu ser, de seu poder
ter sido, de seu poder ser. Desafio porque
coloca o sujeito a se compreender como
agente construtor de sua história. Desafio
porque impõe um novo olhar ao que pode
ser. Possibilidades de formação do professor,
porque surge o espaço de parar e refletir; de
aprender a re-significar o vivido, de tomar
consciência de seu papel na história.
De acordo com Bastos (2003), a análise dos memoriais também permite conhecer a retórica de conformação do ser docente pelo discurso político-ideológico embutido no discurso técnico-pedagógico.
Nessa perspectiva, o passado se faz presente, pois possibilita refletir sobre a identidade social forjada e herdada e operar um trabalho de construção histórica da sua formação profissional e prática cotidiana.
A produção de memoriais, na perspectiva de dar um estatuto ao saber da experiência do professor e a sua utilização como documento para escrever a história da formação do professor e da educação brasileira, uma vez que escrever, ler e pesquisar os memoriais dos acadêmicos nos possibilitou enquanto professor formador repensar a prática educativa na perspectiva de vida como lugar da educação e a história de vida o terreno sob o qual se constrói a formação. Pode-se afirmar que é um recurso de reflexão, um processo de leitura diacrônica de mundo, de leitura do processo de construção de si e de seus acadêmicos.
Resultados
Os resultados preliminares apontam que a história de vida dos sujeitos passa pela valorização da família, é marcada pela trajetória escolar , mediada pela religiosidade e revela as dificuldades no registro de sua própria história. Os memoriais analisados trazem marcas dos teóricos, das atividades e docentes que marcaram a trajetória acadêmica e nos apontam indicativos para avaliação e reflexão sobre a necessidade de reorganização da proposta pedagógica e de formação de professores formadores e professores em formação no Curso de Pedagogia.
Enfim, investigar a memória de professoras
e professores por meio de memoriais sobre seus
primeiros tempos de vida na escola constitui uma
tentativa de captar semelhanças e diferenças nos
seus modos de rememoração, servindo de base
não no sentido de mostrar-lhes o como fazer,
mas ao colaborar para que esses professores em
formação e ou em serviços possam encontrar
motivação para reinventarem e reconstruírem
suas práticas pedagógicas por meio da pesquisa
formação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BASTOS, Maria Helena Camara. Memoriais de professoras: reflexões sobre uma proposta. IN: MIGNOT, Ana Chrystina V.; CUNHA,Maria Teresa Santos (Org.). Práticas de memória docente. São Paulo: Cortez, 2003. p. 167.
CATANI, Denice Bárbara. et al. Docência, memória e gênero. 4. ed. São Paulo: escrituras, 2003.
LIMA, Terezinha Bazé de. Notas do minicurso “Saberes do professora da educação básica: o uso da história de vida em formação”. 26ª Reunião ANPED. GT Formação de Professores. Poços de Caldas MG, 2003.
LIMA, Terezinha Bazé de. História de vida como proposta de intervenção na formação inicial e continuada de professores da educação básica. Disponível em http://www.unigran.br/interletras/n1/index.html. Acesso em 17/11/2008.
NÓVOA, Antônio. (org.) - Vidas de Professores. Porto, Porto Editora, 1995.