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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

IMAGINÁRIO RELIGIOSO INFANTIL:

desafios e perspectivas para a compreensão da criança de dez anos

Vera Lúcia Oliveira Neiss

BELO HORIZONTE

2010

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Vera Lúcia Oliveira Neiss

IMAGINÁRIO RELIGIOSO INFANTIL:

desafios e perspectivas para a compreensão da criança de dez anos

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião.

Orientador: Prof. Dr. Amauri Carlos Ferreira.

BELO HORIZONTE

2010

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Neiss, Vera Lúcia Oliveira N416i Imaginário religioso infantil: desafios e perspectivas para a compreensão da

criança de dez anos / Vera Lúcia Oliveira Neiss. Belo Horizonte, 2010. 106f. : il. Orientador: Amauri Carlos Ferreira Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião. 1. Pensamento religioso. 2. Imaginação nas crianças. 3. Família. 4. Escola. 5.

Instituições religiosas. I. Ferreira, Amauri Carlos. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião. III. Título.

CDU: 21

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Vera Lúcia Oliveira Neiss

IMAGINÁRIO RELIGIOSO INFANTIL:

desafios e perspectivas para a compreensão da criança de dez anos

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião e aprovada pela seguinte banca examinadora:

______________________________________

Prof. Dr. Amauri Carlos Ferreira (Orientador)

PUC Minas

______________________________________

Profa. Dra. Eliane Marta Santos Teixeira Lopes

UFMG

______________________________________

Prof. Dr. Roberlei Panasiewicz

PUC Minas

Belo Horizonte, 24 de março de 2010.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, sem o qual nada seria possível.

Ao professor Dr. Amauri Carlos Ferreira, meu orientador, que com toda a paciência e

competência incentivou-me e ajudou-me a chegar até o fim, mesmo quando as dificuldades

apareceram. Minha eterna gratidão.

Ao meu marido Silvestre Neiss que sempre esteve ao meu lado, ajudando-me a vencer mais

essa etapa.

Aos meus filhos Diogo e Lucas que tiveram a paciência de entender as ausências da mãe.

Aos meus pais, irmã e irmãos que com tanto carinho cuidaram dos meus filhos quando o

trabalho exigia mais.

À banca examinadora que com muita competência e respeito deu importantes sugestões.

Aos professores e funcionários do PPGCR/PUC-MG que sempre se dispuseram a ajudar.

À minha amiga Jeanete, que com muita seriedade e conhecimento revisou todo o material.

À minha amiga Gláucia, que me ajudou quando o assunto foi o inglês.

A todos os funcionários da biblioteca da PUC/MG, que sempre se mostraram solícitos.

Aos alunos e às escolas que aceitaram participar da pesquisa.

A todos os familiares e amigos que direta ou indiretamente contribuíram para que esse

trabalho fosse realizado.

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RESUMO

Essa dissertação busca compreender a formação do imaginário religioso da criança da faixa

etária de dez anos. Para tal, aprofundou-se em estudos de teóricos como Piaget, Kohlberg,

Fowler, Durand, dentre outros, para entender o processo de desenvolvimento da criança no

que se refere à passagem do concreto para o abstrato. Foi realizada uma pesquisa de campo

em duas escolas confessionais cristãs, uma católica e outra protestante, ambas trabalham a

disciplina de Ensino Religioso na sua grade curricular e estão localizadas na zona sul de Belo

Horizonte-MG. A coleta de dados da pesquisa foi realizada a partir de um questionário

respondido pelos alunos, escolhidos aleatoriamente, do 5º ano do Ensino Fundamental I de

cada uma das escolas pesquisadas. A pesquisa investigou as possíveis influências da família,

da escola e das instituições religiosas na formação do imaginário religioso das crianças de dez

anos. Inicialmente, partiu-se do pressuposto que o imaginário religioso infantil estava ligado a

uma intenção das escolas confessionais em contribuir através da disciplina do Ensino

Religioso para a formação desse imaginário.

Palavras- chave: Imaginário religioso infantil. Família. Escola. Instituição religiosa.

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ABSTRACT

The objective of this dissertation research was to understand how religious conceptions are

developed by children ten years old. In order to do this, I studied theories by Piaget,

Kohlberg, Fowler, and Durand, among others, to better understand the process children

undertake when maturing from concrete to abstract concepts. Field studies were carried out in

two self-identified Christian schools located in the Southern district of Belo Horizonte, Minas

Gerais: one Roman Catholic and the other Protestant, with both having a discipline called

Religious Education in their curricula. Data collection was accomplished via a questionnaire

answered by the students, who were chosen at random, from the 5th grade of each Primary

School. The research investigated the possible influences of family, school and religious

institutions on the creation of the childhood religious conceptions of these ten-year-olds. I

began the investigation under the assumption that childhood religious conceptions were linked

to the plans of Christian schools to develop such conceptions via their discipline called

Religious Education.

Key-words: Children's religious conceptions. Family. School. Religious institution.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................07

2 A CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO RELIGIOSO INFANTIL ...............................11

2.1 Do imaginário ................................................................................................................... 12

2.2 Da infância ........................................................................................................................ 24

2.3 A infância no Brasil .......................................................................................................... 34

3 CONHECENDO A CRIANÇA DE DEZ ANOS .............................................................40

3.1 O desenvolvimento cognitivo piagetiano ..........................................................................41

3.2 O juízo moral sob a ótica de Piaget ...................................................................................48

3.3 O desenvolvimento da consciência moral segundo Kohlberg ...........................................52

3.4 A fé-mítico literal das crianças de dez anos ......................................................................58

3.5 A compreensão do desenvolvimento moral lança luzes sobre a formação do imaginário

religioso ................................................................................................................................... 60

4 A FORMAÇÃO DO IMAGINÁRIO RELIGIOSO INFANTIL .................................. 65

4.1 Traçando um perfil das escolas pesquisadas ..................................................................... 65

4.2 Resultados e análises do questionário respondido pelos alunos da escola confessional

católica escolhida para a pesquisa .......................................................................................... 66

4.3 Resultados e análises do questionário respondido pelos alunos da escola confessional

protestante escolhida para a pesquisa ..................................................................................... 83

5 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 95

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 99

APÊNDICE ......................................................................................................................... 104

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1 INTRODUÇÃO

O imaginário é parte constituinte da vida das pessoas. Não há possibilidade de pensar

o ser humano sem as imagens que o acompanham no seu dia a dia. Independente de se

conseguir comprová-lo, o imaginário está presente com suas inúmeras fontes alimentadoras

nas instituições de formação, tais como a família, a religião, a escola, entre outras. Sabe-se

que a infância é uma fase que se apresenta com um ritmo de evolução e formação muito

característico, além de estar repleta de incógnitas que precisam ser trabalhadas com

persistência, estudos, conversas e muita observação.

Imaginário Religioso Infantil: desafios e perspectivas para a compreensão da criança

de dez anos é o tema desse estudo, que é um aprofundamento de um trabalho de conclusão de

curso1 que foi realizado anteriormente no qual trouxe à tona diversos questionamentos e

lacunas que precisavam ser mais trabalhados para se ampliar a compreensão do assunto

proposto. Pela impossibilidade de se trabalhar todo o período que abarca a infância, optou-se

por uma faixa etária específica do ensino fundamental I, que são as crianças de dez anos, que

corresponde ao 5º ano, que já demonstram uma visão de mundo mais realista, fato esse que as

leva a perceber e separar a fantasia da realidade; conseguem se adaptar melhor à realidade à

sua volta; possuem uma maior capacidade de concentração e um melhor domínio da

linguagem, dentre outras características. Com isso, acredita-se que as crianças de dez anos

têm condições de responder, individualmente e com mais segurança, o questionário que faz

parte da pesquisa de campo desse trabalho, ferramenta essa indispensável para se conseguir

traduzir com mais consistência o universo religioso destas crianças.

Esse trabalho investiga como se dá a formação do imaginário religioso nas crianças de

dez anos e verifica-se de que forma a família, a escola e as instituições religiosas contribuem

para a formação desse imaginário religioso infantil.

Parte-se de dois pressupostos no que diz respeito ao processo de formação do

imaginário religioso da criança nessa faixa etária de dez anos. O primeiro deles seria a

1 NEISS, Vera Lúcia Oliveira. O imaginário religioso infantil: O imaginário religioso de crianças de 10 anos, da 4ª série do ensino fundamental, da região Centro Sul de Belo Horizonte. Monografia apresentada ao Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA) como requisito para obtenção do título de pós-graduação em Ciências da Religião, 2004. Orientador: Dr. Amauri Carlos Ferreira

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influência decisiva da família na formação desse imaginário religioso infantil, destacando em

primeiro lugar os pais e, logo em seguida os avós. Outro pressuposto a ser trabalhado é que a

escola e as instituições religiosas contribuem para a formação desse imaginário religioso das

crianças de dez anos, reforçando aqui a importância da disciplina de Ensino Religioso, de

professores e padres/pastores no universo imagístico dessas crianças.

Dois caminhos foram trilhados: um teórico e uma pesquisa de campo. O

embasamento teórico contou com os estudiosos Gilbert Durand, Jean Piaget, Lawrence

Kohlberg, James Fowler, dentre outros. A pesquisa de campo alicerçou-se num questionário

cujos dados foram analisados e comparados com a pesquisa realizada no ano de 2004. Esta

dissertação está estruturada em três capítulos.

O primeiro capítulo se encontra dividido em três partes. Na primeira é feito um resgate

da teoria do imaginário, com um destaque especial para Gilbert Durand, além de outros

estudiosos do assunto, dentre eles Wolfgang Iser e Philippe Malrieu. A segunda parte desse

capítulo consta de uma caminhada pela história para se entender as inúmeras modificações

que o conceito de infância foi sofrendo no decorrer do tempo. A terceira e última parte desse

primeiro capítulo discorre especificamente sobre a infância brasileira, da colonização até os

dias de hoje, para se entender melhor quais as influências recaem sobre as nossas crianças.

Toda a teoria sobre a infância se fundamenta em inúmeros teóricos como Philippe Ariès,

Mary Del Priore, Erasmo, Kant, Walter Benjamin dentre outros.

O segundo capítulo é uma tentativa de se conhecer a criança de dez anos e se constitui

de cinco partes. A primeira delas trata da teoria piagetiana sobre o desenvolvimento cognitivo

das crianças, com ênfase de dez anos. Na segunda parte é feita uma explanação sobre o

desenvolvimento do juízo moral nas crianças, de acordo com os estudos de Piaget. O terceiro

ponto também discute o desenvolvimento da consciência moral, mas agora sob a ótica de

Kohlberg. A quarta parte discorre sobre o desenvolvimento da fé, baseado nos estudos de

James Fowler e a quinta e última parte se constitui de uma rápida explicação sobre a moral

presente na sociedade, com os seus diversos desdobramentos, com a ajuda de estudiosos como

Amauri Ferreira, Adela Cortina e Emilio Martínez.

O capítulo três mostra os resultados da pesquisa de campo, além da análise dos dados.

As duas escolas confessionais cristãs escolhidas para a pesquisa não são identificadas, sabe-se

que uma é católica e outra protestante, ambas estão situadas na cidade de Belo Horizonte/MG

e trazem em sua grade curricular a disciplina de Ensino Religioso. Em termos de amplitude a

pesquisa segue o método de amostragem. Os sujeitos de pesquisa são quinze alunos na faixa

etária de dez anos, do 5º ano do Ensino Fundamental I, de uma escola confessional católica. A

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escolha dos alunos teve somente o cuidado de conseguir uma equalização da quantidade de

meninos e meninas, que nessa escola específica são oito meninas e sete meninos, escolhidos

de forma aleatória. Importante ressaltar que no momento de tabular a pesquisa não houve

separação entre meninos e meninas. Na escola confessional protestante manteve-se a mesma

quantidade de alunos, quinze no total, com os mesmos critérios da escola confessional

católica. O trabalho de coleta de informações consiste em um questionário com quatorze

perguntas de múltipla escolha2, em que os alunos responderam individualmente, no mês de

novembro de 2009.

Devido ao fato de essa dissertação ser uma investigação mais profunda de um trabalho

que foi realizado em 2004, decidiu-se trazer os gráficos com os resultados da pesquisa

daquele ano, juntamente com o de 2009, para confrontar os resultados e verificar se houve

alguma modificação no decorrer desses últimos cinco anos, além de um maior enriquecimento

do trabalho. Ao comparar a pesquisa de 2004 com a de 2009 percebe-se que, entre as doze

primeiras perguntas do questionário, algumas sofreram pequenas modificações, e que as duas

últimas perguntas foram acrescentadas ao questionário de 2009.

Importante ressaltar que no ano de 2004 foi feita a pesquisa somente em uma escola

confessional católica. Portanto, a pesquisa realizada na escola confessional protestante é

totalmente inédita para esse trabalho. Todos esses ajustes e acréscimos foram feitos no sentido

de se tentar preencher algumas lacunas que surgiram em 2004 quando se fez a análise dos

gráficos e a conclusão do trabalho.

Outra característica do atual trabalho é a verificação da questão de gênero, ou seja, se

existe alguma diferenciação entre as respostas das meninas e dos meninos. Para isso há uma

tabulação dos dados obtidos através das respostas das meninas ao questionário proposto e

outra tabulação com as respostas dos meninos. Isso, no entanto, não aparece no trabalho em

gráficos separados, já que a intenção é somente investigar se existe algum diferencial nas

respostas. Como na pesquisa de 2004 esse ponto não foi verificado, foi possível retomar os

questionários daquela época, tabular os dados e separar as respostas dos meninos e das

meninas, com o intuito de trazer mais um dado enriquecedor para o presente estudo.

Acredita-se que a relevância dessa dissertação consiste em auxiliar a educação no que

diz respeito a práticas pedagógicas mais eficazes para os professores de Ensino Religioso, que

terão um material mais consistente que os auxiliará na preparação das aulas e atividades para

crianças dessa faixa etária. O objeto da disciplina Ensino Religioso é o fenômeno religioso e

2 Segue no apêndice o modelo de questionário utilizado na pesquisa junto aos alunos.

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esse se mostra como a busca do ser humano à procura de transcendência, que englobaria tanto

uma experiência pessoal do Transcendente, quanto uma experiência religiosa vivida em

grupos, em comunidades e até mesmo institucionalizada pelas Tradições Religiosas. O

homem finito, inconcluso, multifacetado, busca fora de si o desconhecido, o mistério:

transcende. Como sistematização de uma das dimensões de relação do ser humano com essa

realidade transcendental, o conhecimento religioso deve ficar ao lado de outros, colaborando

para o aprofundamento da vida coletiva dos(as) educandos(as) e para a vivência da autêntica

cidadania. Articulados, em diálogo, esses conhecimentos poderiam explicar o significado da

existência humana. Integrariam, dentro de uma visão de totalidade, os vários níveis de

conhecimento que são responsabilidade da escola: o sensorial, o intuitivo, o afetivo, o racional

e também o religioso.

Espera-se também que esse trabalho possa dar um suporte aos pais e que eles

compreendam o papel importante que possuem na formação do imaginário religioso de seus

filhos. Enfim, acredita-se que essa dissertação sirva de base para posteriores estudos e

consultas no que diz respeito ao imaginário religioso infantil.

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2 A CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO RELIGIOSO INFANTIL

Visitar o campo do imaginário é enveredar por caminhos desconhecidos e por isso

mesmo fascinantes. O fato de as pessoas produzirem imagens mentais já é um sinal de que

essas imagens são imprescindíveis para a individualidade. O mundo das imagens sofreu e

continua sofrendo resistências ao longo da história, porque ainda teima-se em querer

enquadrar tudo que pertence ao universo humano em dados científicos concretos. Constata-se

que

para a maior parte dos estudiosos, investigar o imaginário como objeto de pesquisa, devido à constituição de elementos-imagens que organizam um dever-ser para o sujeito. O debate sobre esse tema apresenta uma longa história, merecendo, a partir da segunda metade do século XX, especial atenção em diversas áreas do saber. (FERREIRA, 2002, p. 24).

Frequentemente pensa-se que o mundo construído pelas emoções é uma ilusão do

homem comum, uma forma de feitiço peculiar à consciência que ainda não passou pela

iluminação científica. No entanto, falar do imaginário é entrar num mundo complexo das

imagens do sujeito.

Inúmeros são os autores que procuram dar um significado ao termo imaginário. O

francês Gilbert Durand, fundador do Centro de Pesquisa sobre o Imaginário em Grenoble

(1966) afirma que o imaginário se apresenta envolvido em uma grande encruzilhada:

O imaginário, ou seja, o conjunto das imagens e relações de imagens que constitui o capital pensado do homo sapiens - aparece-nos como o grande denominador fundamental aonde se vem encontrar todas as criações do pensamento humano. O imaginário é esta encruzilhada antropológica que permite esclarecer um aspecto de uma determinada ciência humana por um outro aspecto de uma outra. (DURAND, 1997, p. 18).

Vera Lúcia Lins Sant’Anna (2005, p. 59) completa essa colocação de Durand falando

sobre os embates constantes vividos pelo ser humano:

No momento em que oposições seculares – tais como real versus imaginário, razão versus mito, inteligível versus sensível, vida mental versus vida material – se encurtam e o poder passa a ser exercido não só pela coerção material, mas também pela dominação simbólica, percebe-se que, cada vez mais, procura-se conciliar razão e imaginário.

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Falar de imaginário religioso das crianças é ainda mais desafiador. É mergulhar nas

terras do imaginário, com todas as suas interrogações, e visitar o mundo das crianças em

momentos de profundas mudanças afetivas, morais, cognitivas e linguísticas.

Para Sant’Anna (2001, p. 11 e 13),

percorrer o universo infantil exige certa ousadia e a prudência de cercar-se de procedimentos científico-metodológicos que garantam um mínimo de coerência e um máximo de observação que o universo selecionado caracteriza e indica. Esse mundo infantil está caracterizado por um significado de infância, enquanto conceito universal, permeado de um sentimento de infância presente nas imagens de crianças, nos brinquedos, nas cantigas, nas brincadeiras e nos objetos. [...]. Hoje, sabe-se que a infância constitui uma fase especial de evolução e formação, com as suas implicações específicas e suas complexidades, em nada comparável com o adulto. E todas as potencialidades da criança devem ser cuidadosamente cultivadas, com seriedade e amor.

Assim, para melhor compreender a construção do Imaginário Religioso Infantil, parte-

se da discussão sobre a formação da imagem no que se refere ao simbólico.

2.1 Do imaginário

O ser humano vive em um conflito constante entre aquilo que pensa e o que deseja,

seus anseios conscientes e inconscientes, inúmeros impulsos que afloram do fundo de sua

subjetividade. Para tentar transpor as inúmeras contradições presentes na sociedade, faz-se

necessário procurar novos caminhos e novos saberes para uma melhor compreensão do ser

humano. Para Ernst Cassirer, “é o pensamento simbólico que supera a inércia natural do

homem, conferindo-lhe nova capacidade, a de arquitetar constantemente seu universo

humano.” (CASSIRER apud GRANATO, 1992, p.167).

Cassirer dizia que o ser humano é um conjunto de “formas simbólicas” diversificadas,

ou seja, que o “universo simbólico” é todo o universo humano. Este autor propõe que, “em

vez de definir o homem como animal rationale, deveríamos defini-lo como animal

symbolicum.” (BARRETO, 2008, p. 13). Ao fazer essa mudança, Cassirer parte do

pressuposto que a racionalidade é inerente ao homem, mas o conjunto de sua vida não é

constituído somente pela razão, “tal noção seria a chave privilegiada de compreensão do

fenômeno humano, abarcando o mito e a religião, a linguagem e a arte, a história e a ciência,

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enfim, todas as obras da cultura, pelas quais o ser humano imprime a sua marca espiritual na

realidade, dá-lhe a sua feição, impondo a sua presença no mundo.” (BARRETO, 2008, p. 13).

Gilbert Durand reforça o pensamento de Cassirer dizendo que, “o imaginário humano

possui um caráter integralmente ‘simbólico’, uma vez que o ‘pensamento simbólico’ é o

modelo de um pensamento indireto, isto é, onde existe sempre um hiato de significação entre

significante dado e significado chamado ao sentido.” (DURAND, 1996, p. 155).

Para Durand, o símbolo possui três características que seriam o seu aspecto concreto

que diz respeito ao significante; o significado como sendo o que de melhor pode evocar e,

finalmente o símbolo possui a característica de ser impossível de apreender, ou seja, ver,

imaginar direta ou indiretamente. “O símbolo é um caso limite do conhecimento indireto

onde, paradoxalmente, este último tende a tornar-se direto – mas num plano diferente do sinal

biológico ou do discurso lógico.” (DURAND, 1996, p. 74).

Esse pensador reforça que,

o simbolismo apenas ‘funciona’ quando existe distanciação, mas sem ruptura, e quando há plurivocidade, mas sem arbitrariedade. É que o símbolo tem duas exigências: deve medir a sua incapacidade de “dar a ver” o significado em si, mas deve empenhar a crença na sua total pertinência. O simbolismo deixa de funcionar, seja por ausência de distanciação, na percepção e nas representações ‘diretas’ do psiquismo animal, seja por ausência de plurivocidade nos processos de sintematização, seja ainda por ruptura no caso da ‘arbitrariedade do signo’. (DURAND, 1996, p. 77).

O símbolo pertence à categoria do signo e esse pode ser, em sua grande maioria, uma

maneira de simplificar e apontar para um determinado significado que pode estar presente ou

ser constatado. É dessa forma que um certo sinal aparece antes da própria concretude do

objeto que representa. Uma sigla, uma placa, uma palavra, um sinal matemático aparecem

como substitutos de definições muitas vezes longas e complexas. Uma placa de sinalização de

ultrapassagem proibida, por exemplo, traz em si a explicação de que naquele trecho da estrada

não há visibilidade e, portanto, a ultrapassagem traria sérios riscos para os motoristas

infratores, além de sinalizar que é um trecho que exige uma atenção redobrada por parte dos

motoristas. “Como os signos desse tipo nada mais são do que um meio de economizar as

operações mentais, nada impede (pelo menos em teoria) que sejam escolhidos

arbitrariamente.” (DURAND, 1988, p. 12).

Mas nem todos os signos podem ser classificados como arbitrários, uma vez que há

aqueles que apontam para abstrações, ressaltando aqui as qualidades espirituais ou morais que

são difíceis de serem apresentadas em “carne e osso”.

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Para designar a Justiça ou a Verdade, o pensamento não pode se entregar ao arbitrário, pois esses conceitos não são evidentes como os que repousam em percepções objetivas. É necessário, assim, recorrer-se a uma modalidade de signos complexos. [...]. Pode-se, então, pelo menos em teoria, distinguir dois tipos de signos: os signos arbitrários, puramente indicativos que remetem a uma realidade significada, senão presente pelo menos sempre representável, e os signos alegóricos, que remetem a uma realidade significada dificilmente apresentável. Estes últimos são obrigados a figurar concretamente uma parte da realidade que significam. E assim chegamos, finalmente, à imaginação simbólica propriamente dita, quando o significado não é mais absolutamente apresentável e o signo só pode referir-se a um sentido, não a um objeto sensível. (DURAND, 1988, p. 13-14).

Segundo Cornelius Castoriadis, o imaginário deve utilizar o simbólico, não somente

para se exprimir, mas para existir e, inversamente, o simbólico pressupõe a capacidade

imaginária. O imaginário é a capacidade elementar e irredutível de evocar uma imagem, a

faculdade originária de afirmar ou se dar, sob a forma de representação, uma coisa e uma

relação que não existe.

Para ele

nós falamos de imaginário quando queremos falar de algo inventado, ou quer se trate de uma invenção absoluta (uma história onde todas as peças são imaginadas) ou de um deslizamento, ou de um deslocamento de sentido, onde símbolos já disponíveis são investidos de outras significações distintas de suas significações normais ou canônicas. Nos dois casos, fica claro que o imaginário se separa do real, que ele pretende se colocar em seu lugar (uma mentira) ou que ele não o pretende (um romance). (CASTORIADIS apud BARBIER, 1994, p.19-20).

Para Durand (1988) a consciência representa o mundo de duas maneiras, sendo uma

direta, cujo objeto tem-se a impressão de estar na mente, e a outra indireta, na qual o objeto

ausente, pela impossibilidade de ser captado pela sensibilidade, é representado e apresentado

à consciência através de uma imagem.

A consciência dispõe de diferentes graus da imagem (conforme ela seja uma cópia fiel da sensação ou simplesmente assinale o objeto), cujos dois extremos seriam constituídos pela adequação total, a presença perceptiva ou a inadequação mais acentuada, ou seja, um signo eternamente privado do significado, e veremos que esse signo longínquo nada mais é do que o símbolo. (DURAND, 1988, p. 12).

O símbolo “é uma expressão, destina-se a traduzir um estado da pessoa ou aquilo que

neste estado é comunicável. [...]. Se é expressão, é porque nele, o sujeito encontra o meio de

reagir a duas realidades através de um mesmo ato.” (MALRIEU, 1999, p. 127-128). Para que

o símbolo sobreviva, ele precisa manter uma coerência nas suas relações com os integrantes

da sociedade para que ele possa perpetuar por muitos séculos, como no caso das religiões.

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Estas expressões do ser humano possuem um conteúdo simbólico que diz respeito a

uma visão de mundo específica, ou seja, a uma cultura determinada, uma vez que o símbolo

surge a partir das tensões existentes, no nível do imaginário, entre as pulsões subjetivas e

assimiladoras e as imposições objetivas do meio social. Assim sendo, percebe-se que os

símbolos estão sempre com significados abertos, pois dependem da leitura que deles se faça.

“O símbolo pertence à categoria dos comportamentos do como se: é um substituto

acompanhado da consciência da substituição e da inadequação do símbolo ao estímulo.”

(MALRIEU, 1999, p. 126). É como se dissesse que cada ser humano carrega nele o conjunto

de imagens produzidas pela humanidade. Isso é que formaria o ser humano e faria com que

ele fosse socializado e culturalizado. Nessa perspectiva, toda expressão simbólica é expressão

do imaginário e todas as atividades cotidianas que têm a ver com o imaginário, são expressões

simbólicas da cultura, do imaginário.

Para Durand, as manifestações simbólicas trazem em si uma lógica e um sentido que

precisam ser esclarecidos para se ter um conhecimento mais amplo sobre o ser humano e o

seu universo. Entre o ser humano e o mundo não se estabelece uma relação direta, e sim

mediada por processos de pensamento. Entre o universo físico e o ser humano existe a

dimensão simbólica que institui o ser humano e o seu mundo. É como se dissesse que o ser

humano não lida diretamente com as coisas e sim com os significados atribuídos a essas pela

sua cultura. Ao invés de lidar com as próprias coisas, o ser humano lida com os simbolismos

que tecem o seu mundo, mundo esse que não se constitui somente de fatos, mas também de

percepções: a razão, a linguagem, a ciência, a arte, a religião e os sentimentos aparecem como

dimensões imaginárias. “O imaginário radica no além, na realidade do mundus imaginalis que

é ‘epifania de um mistério’, faz ver o invisível através dos significantes, das parábolas, dos

mitos, dos poemas [...].” (DURAND, 1996, p. 243-244).

É fato que a dimensão simbólica faz parte da ação humana. Teresinha Granato (1992,

p. 176-177) complementa dizendo que

a experiência humana não está em relação direta com o universo natural, mas com o universo em que a linguagem, o mito, a arte, a religião, a cultura em geral atuam como mediadores. [...]. Em lugar de conviver com as próprias coisas, o homem conversa com a cultura envolvendo-se com formas linguísticas, com imagens artísticas, com símbolos míticos e religiosos, com meios de comunicação de massa [...]. Segundo Cassirer, o simbólico carrega em si o dinamismo criador que, sobretudo através das utopias, possibilita ao homem suplantar o conformismo e reconstruir a sociedade.

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Para Wolfgang Iser o imaginário, independente daquilo que o estimulou, é

evidenciado por experiências diversificadas, tais como ideia, percepção, sonho, alucinação,

dentre outras. Ele explica que

o imaginário não se expressa a si mesmo, mas se desenvolve na interação com outros fatores, que, por sua vez, apresentam diferentes graus de complexidade. Na percepção, é a antecipação visual, governada por projeções intencionais, que introduz o imaginário. Na ideia, o imaginário é dirigido por fatores cognitivos, carregados de memória, que visam a tornar presente o ausente ou o não-dado. No sonho, domina a consciência de que o imaginário sempre tem o caráter de imagem, embora o domínio sobre as imagens esteja fora de seu alcance. [...]. Na alucinação, o imaginário triunfa sobre a consciência que se apresenta como intencionalidade mutilada. Os componentes citados estimulam o imaginário na direção de sua aparência, mas eles, por seu turno, experimentam nitidamente uma modificação sempre que mobilizam o imaginário. (ISER, 1996, p. 222).

Wunenburger e Araújo (2003, p. 28), ao se referirem a Durand, lembram que “o

imaginário, assim enraizado num sujeito complexo, não redutível às suas percepções, não se

desenvolve todavia em torno de imagens livres, mas impõe-lhes uma lógica, uma

estruturação, que faz do imaginário um ‘mundo’ de representações.” Já para Legros (2007, p.

107), na representação se faz “uma imagem mental, seja de uma realidade perceptiva ausente,

seja de uma conceitualização. A especificidade do imaginário, [...], ultrapassaria a simples

reprodução concebida pela representação em uma imagem criadora. O imaginário é, assim,

uma ‘representação acrescentada’.”

As obras da imaginação produzem representações simbólicas onde o sentido figurado original ativa pensamentos abertos e complexos, que só a racionalização a posteriori restitui ao sentido unívoco. [...]. O imaginário apresenta-se como uma esfera de representações e de afetos profundamente ambivalente: tanto pode ser uma fonte de erros e de ilusões como uma forma de revelação de uma verdade metafísica. (WUNENBURGER; ARAÚJO, 2003, p. 34).

As representações, ao se vincularem ao imaginário, podem ser compreendidas por

expressar as crenças comuns, os mitos, as ideologias e as utopias. Conforme Ferreira (2002, p.

28), três modalidades se relacionam entre si no imaginário:

O mito, a ideologia e a utopia. O mito foca sua atenção em um passado indefinido para explicar o presente; a ideologia projeta no futuro as experiências históricas do grupo – concretas e idealizadas, passadas e presentes; a utopia parte do presente na tentativa de antecipar ou preparar um futuro que é recuperação de um passado idealizado.

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A princípio, o assim chamado homem moderno, considerou o mito apenas como uma

forma pré-científica de explicar o mundo e que, juntamente com a religião, deveria ser

considerado como uma reminiscência de nossa infância. Observa-se que

nos mitos o que é afirmado é a manutenção da tradição. O objetivo não é tanto abrir novas perspectivas para as atividades de grupo, mas sim canalizar o futuro nos quadros dos comportamentos ancestrais, simultaneamente naturais e sobrenaturais. Fabrica-se, por conseguinte, um passado imaginário que possa servir de guia para os que estão vivos. (MALRIEU, 1999, p. 131).

A inteligibilidade dos mitos só se revela em resposta às perguntas que lhes dirigimos.

O que importa não é o que dizem, mas como dizem. Não são relatos de explicação, mas de

expressão. Eles exprimem o como do ser humano em relação ao seu mundo, uma

interpretação em que o sujeito e o objeto se fundem. “O mito é narrativa simbólica, conjunto

discursivo de símbolos, mas o que nele tem primazia é o símbolo e não tanto os processos da

narrativa.” (DURAND, 1996, p. 42).

Ainda segundo o autor,

na duração das culturas e das vidas individuais dos homens, é o mito que, de algum modo, distribui os papéis da história e permite decidir aquilo que faz o momento histórico, a alma de uma época, de um século, de uma idade da vida. [...] A dinâmica do símbolo que constitui o mito e consagra a mitologia como ‘mãe’ da história e dos destinos esclarece a posteriori a genética e a mecânica do símbolo. Porque ela substitui o elemento simbólico, o gesto ritual, que lhe confere o seu sentido. Não é à história, ao momento cronológico de tal ou tal acontecimento material, ao que o símbolo se refere, mas sim a um advento constitutivo das suas significações. (DURAND, 1996, p. 87-89).

Para Eliade, certas tradições religiosas lançam mão de um mito da criação para criar e

manter leis e dogmas que nortearão os fiéis que fazem parte dessa tradição religiosa. Para ele,

o mito

conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do princípio. Em outros termos, o mito narra como graças às façanhas dos entes sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o cosmo ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição. É sempre, portanto, a narrativa de uma criação. Ele relata de que modo algo foi produzido e começou a existir. (ELIADE, 1972, p. 11).

No mito, o homem e o mundo não podem ser separados, porque ambos se refletem e

se interpenetram. É neste universo de discurso que nascem as palavras que irão funcionar

como “Deus”: palavras que exprimem e resolvem a problemática da relação homem-mundo,

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homem-tempo, homem-comunidade, homem-morte. Assim, o símbolo Deus nasce como

expressão de uma relação.

A utopia, como vontade de se alcançar um futuro, buscando elementos no passado,

apoia-se “em dois pilares fundamentais: o desejo e o símbolo, que constituem a busca de um

lugar ainda não alcançado.” (FERREIRA, 2002, p. 35-36).

A ideologia “remete a uma concepção de mundo ordenada por um poder em virtude de

uma manipulação; ela procura impor uma ‘forma de ver’.” (LEGROS, 2007, p. 107). Quando

esse autor confronta imaginário e ideologia ele ressalta que o imaginário se relaciona com o

mundo e a ideologia se apresenta como “uma relação de forças sociais”.

De acordo com a conceituação feita por Silas Guerriero no livro ‘ Antropos e Psique.

O outro e sua subjetividade, no capítulo intitulado A construção da realidade: imaginário,

mito e religião’,

o imaginário diferencia-se da simples imaginação ou ilusão. Constituído e expresso por símbolos, é parte integrante do ser humano. Não se trata de uma transposição através de imagens de uma realidade externa, mas de uma construção interpretativa desta. A imagem que fazemos de um objeto, pessoa ou relação nunca é a coisa em si e sim uma faceta do que sabemos sobre essa exterioridade. Ela só existe para nós na medida em que a percebemos e interpretamos. O real é o fruto da interpretação dos humanos sobre a realidade exterior. O imaginário está comprometido com o real e não com a realidade. O imaginário é o espaço da liberdade, em que novas relações e interpretações são criadas a cada momento, transformando esse real já interpretado. [...] O imaginário não é delirante, pois possui princípios de ação, racionalidade e causalidade coerentes. (GUERRIERO, 2000, p.99-101).

Quando se fala de imaginário, faz-se necessário percorrer também o caminho das

imagens, principalmente no imaginário religioso e, como diz Ferreira (2002, p. 35-36), “a

memória histórica retorna lembranças que representam imagens vivenciadas no passado, [...] e

a imagem/símbolo representa um dever-ser do sujeito no mundo. As experiências vividas

pelos sujeitos fundam um imaginário.” Para Ecléa Bosi, citada por Ferreira (2002, p. 50), “a

memória do indivíduo depende do relacionamento com a família, com a classe social, com a

escola, com a Igreja, com a profissão, enfim, com os grupos de convívio e os grupos de

referência peculiares a esse indivíduo.”

Malrieu (1999, p. 111) diz que, para que surja a imagem, não é necessário se ter um

emaranhado de relações, mas de uma ‘atitude de expectativa’. “Sempre que o sujeito se

encontra perante uma situação definida, tende a produzir-se um fenômeno de antecipação.

Este é constituído a partir de experiências anteriores, ele ‘significa’ a situação a partir destas

experiências.”

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Pelo fato de o imaginário ter relações com a vida circundante, ele é constituído e

legitimado socialmente. Legros (2007, p. 111) reforça que

o imaginário não é uma forma social escondida, secreta, inconsciente que vive sob as fibras do tecido social. Ele não é o reflexo, o espelho deformado, o mundo revirado ou a sombra da realidade, uma sociedade subterrânea que cruzará profundamente os esgotos da vida cotidiana, mas ele estrutura, no fundo, o entendimento humano.

Nesse sentido, mito e religião são reais, pois fazem parte do imaginário e possuem

lógicas internas. No nosso dia a dia e, principalmente, em nossas vivências religiosas, estamos

imersos num universo de imagens, de símbolos e de outras representações, que adquirem

determinados significados que dão sentido à nossa existência, expressando e apontando para

uma realidade invisível que nos transcende. No entanto, esse encontro com o sagrado não se

resume a uma religião, mas a muitas outras, uma vez que o ser humano é um ser religioso

complexo, que dependendo de sua cultura, lugar ou necessidade busca encontrar-se com o

sobrenatural.

A religião é organizada e praticada com o intuito de dar respostas aos anseios e

pobrezas humanas. Ela também proporciona ao ser humano a capacidade de sair de seu

antropocentrismo e ir em direção a uma vida de experiências de fé, de amor, de afetividade.

Religião é a crença na existência de uma força ou de forças sobrenaturais que se

acredita serem essas as responsáveis pela criação do Universo, e que por isso devem ser

adoradas, reverenciadas e, claro, obedecidas. A palavra religião vem de re-ligar, ou seja, é

aquilo que liga, que faz a conexão, é a relação do ser humano com aquilo ou Aquele que não

faz parte da imanência, porque é transcendente, sobrenatural. Assim sendo, pode-se dizer que

é a ligação misteriosa do ser humano com algo ou alguém maior do que ele, que ele não tem

como controlar nem dominar e que, no entanto, se deixa revelar. O estudioso Rubem Alves

(1984, p. 64) considera que,

a essência da religião não é a ideia, mas a força. O fiel que entrou em comunhão com o seu Deus não é meramente um homem que vê novas verdades que o descrente ignora. Ele se tornou mais forte. Ele sente, dentro de si, mais força, seja para suportar os sofrimentos da existência, seja para vencê-los. O sagrado não é um círculo de saber, mas um círculo de poder.

A religião está sujeita aos limites impostos pelo contexto social e reflete dentro de si

os conflitos da sociedade. Peter Berger ao falar da construção do mundo, diz que quando o

indivíduo nasceu, a sociedade já existia, e é dentro dessa sociedade, através de processos

sociais, que o indivíduo se torna uma pessoa com seus inúmeros projetos de vida.

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Toda sociedade humana é um empreendimento de construção do mundo. A religião ocupa um lugar destacado nesse empreendimento. [...] A sociedade é um fenômeno dialético por ser um produto humano, e nada mais que um produto humano que, no entanto, retroage continuamente sobre o seu produtor. A sociedade é um produto do homem. Não tem outro ser exceto aquele que lhe é conferido pela atividade e consciência humanas. Não pode haver realidade social sem o homem. Pode-se também afirmar, no entanto, que o homem é um produto da sociedade. (BERGER, 1985, p.15).

Para J. B. Libânio, a presença da religião em momentos da história não segue um fluxo

com uma duração homogênea com as fases se sucedendo de maneira ordenada. Num mesmo

momento cronológico podem-se entrecruzar momentos religiosos que se encontravam bem

distantes. “A pós-modernidade favoreceu-nos a consciência do mosaico de tempos religiosos

num mesmo espaço-tempo.” (LIBÂNIO, 2002, p. 114).

As relações entre o indivíduo e a sociedade estão amplamente constituídas e formadas

por representações religiosas e por sonhos coletivos. Os grupos sociais compartilham suas

crenças, não colocando em dúvida suas afirmações. Na medida em que as relações entre

homem e mundo são apreendidas como harmônicas, a consciência não se sente

problematizada. Como Peter Berger e Thomas Luckmann (1973, p. 44) indicam, “na medida

em que o meu conhecimento funciona de forma satisfatória, sinto-me inclinado a suspender

minhas dúvidas a seu respeito.” Assim sendo, a partir do momento que o universo religioso

traz sentido a um grupo, ele passa a integrar a sua vivência.

Segundo Legros (2007, p. 89), “a religião se impõe como uma força de agregação e de

comunhão, expressão em ato do sagrado, inominável, já que ele toca nos limites do que é

humanamente concebível, e, desta forma, operativo, porque domina os fatores de dispersão

social e torna indissolúvel a coletividade.”

Na perspectiva de Eliade, em todas as religiões, mesmo nas mais arcaicas, por detrás

de todas as manifestações da religiosidade na história, existe uma organização de imagens

simbólicas reunidas em mitos e ritos.

O homem religioso assume um modo de existência específica no mundo e, apesar do grande número de formas histórico-religiosas, este modo específico é sempre reconhecível. Seja qual for o contexto histórico em que se encontra, o homo religiosus acredita sempre que existe uma realidade absoluta, o sagrado, que transcende este mundo, mas que aqui se manifesta, santificando-o e tornando-o real. Crê, além disso, que a vida tem uma origem sagrada e que a existência humana atualiza todas as suas potencialidades na medida em que é religiosa, ou seja, participa da realidade. Os deuses criaram o homem e o mundo, os heróis civilizadores acabaram a criação, e a história de todas as obras divinas e semidivinas está conservada nos mitos. Reatualizando a história sagrada, imitando o comportamento divino, o homem instala-se e mantém-se junto dos deuses, quer dizer, no real e no significativo. (ELIADE, 1992, p. 163).

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J. B. Libânio (2002, p. 219) também analisa esse homo religiosus e afirma que

há um clima religioso vago, sem a precisão e a organização da religião, que cria uma onda de religiosidade vaga. Ocupa o centro nenhuma organização religiosa como tal, mas o ser humano em sua qualidade de homo religiosus. [...]. Há busca sôfrega de experiências religiosas e uma oferta abundante de possibilidades de satisfazê-la.

A consciência religiosa não é um reflexo daquilo que os sentidos nos comunicam, uma

vez que se discute a questão dos deuses e também dos demônios, fala-se de santidade, mas

também de pecado, de salvação, mas em contrapartida, de possibilidade de perdição, enfim,

de dimensões invisíveis e estruturas misteriosas. E por mais que se procure a fundo dentro da

realidade não se encontra nela nenhum dado mais significativo que corresponda aos símbolos

que compõem a linguagem religiosa. É a própria consciência religiosa que afirma que

ninguém jamais viu Deus. Parece-se mais com um sonho. Nesta direção, Feuerbach citado por

Rubem Alves (1979, p. 39) diz que, “a religião é um sonho da mente humana. Através dela

passamos a ver as coisas reais no fascinante esplendor da imaginação e do capricho, ao invés

de o fazer sob a luz mortiça da realidade e da necessidade.” Em resumo, a consciência

religiosa se apresenta como uma expressão da imaginação.

Dugald Stewart afirma que a imaginação é “a verdadeira origem da atividade humana

e a fonte decisiva do aperfeiçoamento humano.” (STEWART apud ISER, 1996, p.218). Ele

continua suas reflexões e diz que

a imaginação é uma força complexa que se distingue de todas as outras faculdades, pois inclui a ideia de uma simples apreensão que nos possibilita desenvolver uma noção dos objetos anteriormente recebidos através da percepção ou através do conhecimento que devemos selecionar; a Abstração, que separa os materiais escolhidos das qualidades e das circunstâncias interligadas a eles na natureza; e o Juízo ou Gosto, que seleciona os materiais e organiza sua ‘combinação’. A essas forças adicionamos aquele hábito de associação que antes denominara Fantasia, pois é ela que seleciona todos os diversos materiais que servem aos esforços da imaginação. (STEWART apud ISER, 1996, p. 218).

É preciso reconhecer que a imaginação é a forma mais fundamental de operação da

consciência humana. A imaginação é uma simbolização e é tida como involuntária. Os

animais não têm imaginação. Por isto nunca produziram arte, profetas ou valores. Por isto

também nunca puderam produzir religião. Religião é imaginação e, inversamente, a

imaginação tem sempre uma função religiosa para o ser humano.

A experiência que o ser humano tem do seu mundo é primordialmente emocional. As

coisas são assim porque o ser humano, ao se relacionar com o seu ambiente, se encontra

sempre face a face com o imperativo da sobrevivência. E porque ele deseja viver, o ambiente

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nunca é percebido como algo neutro, já que ele oferece vida e morte, prazer e dor e, portanto,

qualquer pessoa que se encontra imersa na luta pela sobrevivência é forçada a perceber o

mundo emocionalmente. É esta experiência imediata, emotiva, e na maioria dos casos não

verbalizada, que determina a nossa maneira de ser no mundo. Esta é a matriz emocional que

estrutura o mundo em que vivemos.

O ser humano não vive num mundo de fatos brutos, mas num mundo de valores. De

acordo com John Dewey, empiricamente as coisas não são neutras. Não vivemos num mundo

de objetos inertes. Para o ser humano cada coisa é um valor, algo que me atrai e faz

promessas, algo que me repele e ameaça. O mundo humano quer queira ou não, se estrutura

em torno dos sonhos, e um “mundo de sonhos que se organiza em função do sucesso ou da

frustração dos desejos que constituem a sua essência.” (DEWEY apud ALVES, 1979, p.7). É

necessário reconhecer que a imaginação é a origem da criatividade humana. Assim sendo,

acredita-se que a consciência humana seja movida pela imaginação.

Não se pode pressupor que a imaginação se oponha ao conhecimento do real. Não se

deve classificá-la como fonte de erros cognitivos ou como raiz de neuroses. Deve-se aceitar,

portanto, a imaginação como um dado primário da experiência humana. Como a imaginação é

filha da emoção, pode-se concluir que a experiência religiosa primordial é fundamentalmente

emotiva.

A imaginação só se torna compreensível para o ser humano se ele consegue perceber

que ela se constrói a partir de uma possibilidade de que os limites daquilo que é possível são

muito mais extensos que os limites do real.

A imaginação é a consciência de que se tem algo faltando, uma saudade de algo que

ainda nem aconteceu. Para Mannheim (1954, p. 191), “a imaginação surge da insatisfação do

homem com a realidade existente, e por isto, em todas as suas multiformes expressões,

encontramos sempre uma indicação daquilo que faltava na vida real.”

Phillipe Malrieu (1999) analisa a imaginação como um ato de projeção e como tal,

imaginar consiste em recuperar algo passado, não para recomeçá-lo, mas para transformá-lo, e

nessa direção se relaciona com o imaginário que

é sempre, em certa medida, imitação do passado, [...], mas é uma imitação deformada pelo próprio mecanismo da projeção, que mais não pode fazer a não ser transformar os preceitos, as estruturas adquiridas pelas aprendizagens adaptativas, suprimindo-lhes outros preceitos e outras estruturas, condicionando-os a tornarem-se, sem apelo nem agravo, diferentes daquilo que são. [...] Os imaginários operam um desenraizamento, obrigam-nos a abandonar os lugares-comuns, transportam-nos para algum lugar. (MALRIEU, 1999, p.129-130).

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O mundo do imaginário, que coloca em evidência o estudo da imaginação, constitui

um mundo específico e cujos fundamentos localizam-se no mundo profano e sagrado. E como

tal, se a imaginação se relaciona com o sentido, com os sonhos, com o universo povoado pelo

homem e pelos seres, nada mais justo do que falar de uma ‘pedagogia do imaginário’.

Duborgel (2003, p. 216) afirma que

as produções infantis já não se encontram fechadas sobre si próprias, nem encerradas num museu da ‘arte infantil’ que as prenderia e louvaria a fim de melhor as mumificar; elas viram-se para o antropológico museu imaginário que as alimenta e as ajuda a gerarem-se a si próprias, que elas aprendem e que elas reinventam [...]. O museu imaginário estende a mão às temáticas preferenciais da infância – ao seu céu, às suas personagens, às suas árvores, às suas casas, ao seu ‘homem mais forte do mundo’ [...], além disso, proporciona ao psiquismo infantil mil outras vias oníricas que este ainda desconhecia. [...]. O homo symbolicus estende a mão à infância e a criança está disposta a entrar no jogo desta conivência. Compete a uma pedagogia do imaginário assegurar e desenvolver, entre o homo symbolicus e a infância, esta ligação vital.

Quando se fala da formação do imaginário, a infância aparece como uma etapa

decisiva desse processo formativo. Estudiosos defendem que

o lento desenvolvimento da inteligência abstrata durante os primeiros anos, associado às fortes estimulações pulsionais e ao instinto de jogo, tornam o psiquismo da criança particularmente receptivo à imaginação e aos sonhos [...]. O imaginário de cada indivíduo está assim enraizado numa bio-história pessoal (temperamento, caráter, estrutura pulsional, fantasias arcaicas) que lhe proporciona a sua idiossincrasia, e é igualmente levado a expandir-se, a renovar-se por meio de processos de simbolização que o fazem participar na totalidade do mundo (natureza e cultura). (WUNENBURGER; ARAÚJO, 2003, p. 39).

Diante disso, não tem como separar o pensamento simbólico do ser humano. Como

reforça Sant’Anna (2001, p. 27), “a imaginação não é acidental no homem e nem ele pode

dela desfazer-se, dispensá-la. A imaginação é essencial ao homem, pois faz parte dos atos da

sua consciência.” É desde a infância, que a criança se inicia na leitura, na escrita, no desenho,

na utilização da linguagem simbólica, enfim, faz uso de imagens que apontam para um

universo de representações, que fazem parte da vida do ser humano. Analisar símbolos,

representações, imaginação ou fantasia não é suficiente para se compreender o imaginário na

sua complexidade, mas pode ser um caminho para sua compreensão.

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2.2 Da infância

Para uma melhor compreensão da problemática infantil, faz-se necessário analisar a

infância do ponto de vista histórico, entendendo a mudança de paradigma no que diz respeito

ao conceito de infância no decorrer da história e, ao compreender esses conceitos, pode-se

entender melhor a sua situação nos dias atuais para, consequentemente, se ter mais elementos

para analisar a formação do imaginário religioso infantil.

A infância é por natureza uma fase marcada pela transitoriedade, pelo caminho em

direção ao estado adulto. Tal caminho implica um incessante transpor limites, justamente

aqueles que, a cada fase, separam a criança das capacidades adultas.

Infância (infans) significa aquele que não fala, que não tem capacidade de falar; o sujeito incapaz de articular palavras. Tal concepção é acompanhada por outro desdobramento perverso sobre a criança: aquela que não tem direitos. O infante não fala, ou, na melhor das hipóteses, só fala imperfeitamente, não sendo capaz de articular pensamentos de maneira a dar-lhes sentido racional. (MUHL, 2005, p. 298).

No século XX, inúmeros trabalhos de especialistas começaram a surgir na

historiografia internacional, com o intuito de se entender a criança e o seu passado. Em 1948,

destacam-se os estudos do pesquisador francês Philippe Ariès, considerado o precursor da

história da infância, pois foi através de estudos realizados por ele a partir de fontes variadas,

que surgiram os primeiros trabalhos na área de história, apontando para o lugar e a

representação da criança na sociedade dos séculos XII ao XVII.

A criança hoje continua sendo vista como alguém que está aquém da condição humana

na sua completude, um ser em formação. Desde a Antiguidade, Platão defendia que cuidar

bem das crianças e educá-las eram atitudes justificadas única e exclusivamente porque essas

seriam ‘as futuras guardiãs da pólis’, os adultos que irão governar, portanto, uma importância

de cunho político. Em uma de suas obras, intitulada ‘As leis’, ele dizia que

as crianças são seres impetuosos, incapazes de ficarem quietos com o corpo e com a voz, sempre pulando e gritando na desordem, sem o ritmo e a harmonia próprios do homem adulto e possuem temperamentos irritadiços. [...]. A criança é a criatura mais difícil de se manejar, pois, pelo estado rudimentar de sua razão, torna-se facilmente um animal astuto, fingido e petulante. (MUHL, 2005, p. 302).

Na Idade Média, quando o cristianismo introduz a ideia do pecado original, a criança

passa a ser vista como um ser que já nasce em condição de pecado e que, para se livrar de tal

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situação, precisa alcançar a salvação através da fé dos seus pais ou de outros adultos. Diante

disso, a criança precisa ser submetida a uma disciplina severa por parte dos pais para que ela

possa se libertar dessa ‘condição pecaminosa’. A infância se caracterizava como um período

mais frágil da vida. Para os pensadores cristãos medievais, com destaque para Santo

Agostinho, era necessário que as condições fossem propícias para que as crianças passassem o

mais rapidamente da infância para a dita idade da razão, para assim se livrarem das impurezas

provenientes do pecado original e dos desejos descontrolados.

Pode-se dizer que a escola na Idade Média não era direcionada às crianças, uma vez

que ela tinha como objetivo transformar as crianças em adultos, e isso o mais rápido possível,

lançando mão de uma metodologia bastante rigorosa, para se formar crianças com uma mente

sã e repleta de virtudes. Da Idade Média para a Modernidade, assim que a criança se tornava

mais independente da mãe, ela era imersa no mundo dos adultos, participando inclusive de

seus trabalhos, conversas e jogos, com o intuito de acelerar a sua maturidade. Algumas

crianças eram entregues a outras famílias para serem educadas e, também, prestar alguns

serviços domésticos, além de aprender determinado ofício.

Segundo Ariès, foi só a partir de uma série de mudanças na sociedade- ascensão da burguesia, difusão do impresso, crescente interesse pela alfabetização e moralização – que a separação entre a criança e o adulto começou a se realizar. A criança deixou de ser confundida com adultos e de aprender a vida diretamente pelo contato com eles. (MUHL 2005, p. 305).

No século XVI a escolarização das crianças ficava a cargo de padres católicos e

educadores protestantes, o que provocou uma reviravolta na educação, no que diz respeito à

formação moral e espiritual das crianças. Esse fato entrou em choque com a educação

medieval que repassava apenas um aprendizado de técnicas e de conhecimentos tradicionais

que ficava sob a responsabilidade dos adultos pertencentes à comunidade. (DEL PRIORE,

2004)

Em 1530, Erasmo de Roterdã, um dos maiores humanistas do Renascimento, escreveu

“A Civilidade Pueril” para uma criança que lhe era muito estimada, num tom bastante

paternal. Nesse livro ele descreve a maneira como uma criança deve olhar, sorrir, se vestir, se

comportar numa igreja, durante as refeições, dentre outras regras de civilidade.

Sempre que entrares numa igreja deves descobrir-te e dobrando ligeiramente os joelhos, com o rosto voltado para o altar, saudar o Cristo e os Santos. Deve-se fazer o mesmo em todos os lados, tanto na cidade como no campo, sempre que encontrarmos o símbolo da cruz. Nunca passes por um local santo sem fazer um ato de devoção, pelo menos uma pequena oração – e sempre com a cabeça descoberta, e de joelhos.

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[...]. Vira os olhos para o pregador; que as orelhas estejam atentas e que toda a tua inteligência se ligue respeitosamente ao que ele diz. Não é um homem que tu escutas, mas o próprio Deus que se dirige pela boca de um homem. [...]. Reflete bem em como é inútil entrar numa igreja, se não for para sair dela melhor e mais puro. (ERASMO, 1978, p. 85-86).

Essa obra adquiriu uma grande relevância, principalmente junto ao clero da época, que

via no autor um grande defensor das ideias clericais. Vale ressaltar que essa não foi a primeira

dentre as literaturas da civilidade, uma vez que se tem notícias de manuscritos datados do

século XV, que mesmo antes da invenção da imprensa, já traziam normas de fácil

memorização para o bom comportamento em sociedade. Nessa época, não se falava

especificamente de civilidade, mas de cortesia, virtude essa amplamente difundida em todas

as relações sociais e que já fazia parte da tradição oral das comunidades. Philippe Ariès

descreve muito bem essa situação no prefácio do livro “A Civilidade Pueril” de Erasmo.

A vida habitual da comunidade não era então permanentemente controlada por um poder. [...]. A vida ter-se-ia tornado intolerável, sobretudo nas condições de promiscuidade física da época, se o costume não impusesse a cada um uma certa disciplina. Esta disciplina era exposta, em pormenor, por um código não escrito, que tinha por função evitar as usurpações, o embaraço e as opressões. Era necessário manter e fazer respeitar um espaço de liberdade entre os indivíduos. [...]. A vida na comunidade dependia do respeito por este código de comportamento costumeiro. (ERASMO, 1978, p. 14).

Ainda segundo Ariès, a importância desse livro de Erasmo consiste em ter conseguido

reunir toda essa tradição oral num verdadeiro gênero literário que predominou do século XVI

até o início do século XIX. Além de ter sido de grande utilidade para os adultos, transformou-

se num importante livro escolar, em que se aprendia a ler e a escrever inúmeros caracteres de

imprensa e de escrita. Ariès diz que, “o conjunto de tradições respeitantes ao comportamento

tornou-se no século XVI [...] um livro escolar, adotado nos colégios latinos e nas escolas

primárias francesas.” (ERASMO, 1978, p. 16).

Erasmo defendia que a educação deveria se iniciar na tenra idade, e o método

tradicional do castigo ser substituído por uma educação liberal e cristã, em que se valorizava a

preparação para a vida, o cuidado com o corpo, mas principalmente com o espírito, enfim, de

uma vigilância e acompanhamento infantil.

Com a chegada das ideias renascentistas e do racionalismo moderno não se

vislumbrou nenhum avanço quanto à maneira de se tratar a infância, que continuava a ser

vista como algo do qual não se podia livrar. Assim sendo, o caminho encontrado para

contornar esse “problema”, era através da educação, que tinha a “tarefa de transformar a

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criança – ser tirânico, egoísta, maldoso – num ser capaz de pensar e agir racionalmente.”

(MUHL, 2005, p. 304). Gagnebin citada por Muhl (2005, p. 304) diz que “a infância continua

sendo um lugar de perdição e de confusão. Se ela não é mais o terreno privilegiado do pecado,

continua sendo o território primordial e essencial do erro, do preconceito, da crença cega,

todos esses vícios do pensamento dos quais devemos nos libertar.”

Através de um processo longo de discussões, a humanidade começou a entender e a

aceitar a infância como uma fase da existência de extrema importância, que durante muito

tempo foi estigmatizada como incapaz e irracional. De fato, por muito tempo, o ser criança

ficou oculto, sem fala, sem direitos e atenção, características estas que fizeram a modernidade

provocar rupturas com os tempos medievais.

Somente a partir do século XVIII, momento de consagração da ideia de indivíduo e de subjetividade, a infância passou a se configurar como uma fase fundamental para a redenção da condição humana e o desenvolvimento de uma forma mais digna de existência. Cabe destacar que a necessidade de explicar o que é tipicamente infantil, de entender as crianças com certos atributos e características próprios, como sujeitos de interesses e tendências “naturais” que se manifestam dadas às condições propícias ao seu aparecimento, é um dos inventos da pedagogia moderna e contemporânea. (MUHL, 2005, p. 298-299).

A partir dessa tomada de consciência sobre a importância das experiências da infância,

foram criadas várias políticas e programas que visavam a promover e ampliar as condições

necessárias para o exercício da cidadania das crianças, que por sua vez, passaram a ocupar

lugar de destaque na sociedade. A escola ganha destaque como uma instituição capaz de

separar as crianças do mundo adulto e, assim, a educação passa a ser uma questão de Estado.

Ariès, ao investigar o lugar da criança ao longo da história, constatou que dos séculos

XVI ao XVIII, visões diferentes sobre a infância coexistiam nesses períodos. De um lado, a

família que ‘bajulava’ os filhos, que eram motivo de alegria, e de outro lado, fora do seio

familiar, aqueles que taxavam as crianças de imperfeitas e frágeis, que precisavam ser

submetidas a fortes disciplinas.

Neste ponto, vale trazer para a discussão as ideias de Kant sobre a necessidade dessas

fortes disciplinas na infância. Ele formula alguns pensamentos sobre a educação e acredita

que essa é a grande responsável por formar o homem para o bem, educando-o com um olhar

para o futuro, na busca de uma sociedade cada vez melhor. Apesar de insatisfeito com a

maneira como a educação era ministrada em sua época, Kant aposta que ela é a mola

propulsora da humanidade em busca da perfeição humana. Ele diz que, “o homem é a única

criatura que precisa ser educada. Por educação entende-se o cuidado de sua infância (a

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conservação, o trato), a disciplina e a instrução com a formação.” (KANT, 2002, p. 11). Ele

defende que a educação rígida é importantíssima para a fortificação do corpo e que a criança,

assim como todo ser humano, precisa trabalhar, estar ocupada.

Que a criança, portanto, seja habituada ao trabalho. E onde a tendência ao trabalho pode ser mais bem cultivada que na escola? A escola é uma cultura obrigatória. Prejudica-se à criança, se se a acostuma a considerar tudo um divertimento. Ela deve certamente ter seu tempo de recreio, mas também as suas horas de trabalho. Se ela não aprende logo a utilidade dessa obrigação, descobrirá mais tarde seus grandes frutos. [...]. A educação deve ser impositiva; mas, nem por isso escravizante. (KANT, 2002, p. 62).

Para Kant, a memória deve ser ocupada somente com aquilo que deve ser conservado

e que tenha importância para a vida real. A leitura de romances, por exemplo, deve ser banida

por ser muito prejudicial às crianças, uma vez que esses são tidos como um divertimento sem

nenhuma utilidade na vida das crianças. Além disso, os romances incitam a fantasia na

criança e as impede de refletir.

Outro ponto interessante nas colocações de Kant se refere à distração que, segundo

ele, não deve ser tolerada em nenhuma circunstância, principalmente na escola. O que precisa

ser feito é trabalhar a memória e a inteligência no sentido de combater a distração. “A

distração é inimiga de qualquer educação. A memória supõe a atenção.” (KANT, 2002, p. 69).

Kant também traz à discussão a necessidade da obediência como formadora do caráter

da criança, principalmente no âmbito da escola, “porque prepara a criança para o respeito às

leis que deverá seguir corretamente como cidadão, ainda que não lhe agradem. Deve-se,

portanto, submeter as crianças a uma certa lei necessária.” (KANT, 2002, p. 77-78).

Como já dito anteriormente, a partir do século XVIII a infância começa a ocupar um

lugar de fundamental importância para a família e para a sociedade. Este ser de pouca idade

começa a ser pensado como alguém que tem necessidades, tanto de lugar, como de tempo,

espaço e cuidados diferenciados, começando assim, a adquirir contornos do que mais tarde

evoluiu para o que hoje chamamos infância.

Na França do século XIX, por exemplo, as crianças eram vistas como um assunto que

preocupava toda a sociedade e essa reforçava a ideia de que os filhos não pertenciam única e

exclusivamente aos pais, já que eram considerados o futuro da nação. Essa “intromissão” da

sociedade nesse âmbito familiar provocou inúmeros atritos entre essas duas instâncias.

(VEIGA, 2007). É um século marcado por uma maior valorização da escola e como afirma

Gouvea (2008, p.101), “a escola afirmar-se-ia como espaço privilegiado de formação de um

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indivíduo civilizado. Ambos os elementos: criança e escola redefiniram-se a partir de tal

relação. A escola moderna (re)inventa a criança e vice-versa.”

O filósofo alemão Walter Benjamin traz importantes contribuições para a discussão do

universo infantil, no século XX. Para ele, a infância é constituinte da condição humana e

capacita o ser humano para alcançar a linguagem e sua autonomia. Muhl expõe de uma forma

muito clara as ideias de Benjamim sobre a infância, que predominaram na cultura ocidental.

A criança, assim como o jovem, é um ser em si, que tem sua própria forma de compreender e experimentar o mundo, e que a restauração de vida infantil é condição indispensável para o restabelecimento de uma vida humana digna. Ser criança, assim como ser jovem, significa estar vivendo uma experiência de vida singular e única, cujas marcas se mantêm pela vida afora. A infância, portanto, não pode ser considerada como um mero momento de passagem para a vida adulta, mas é a condição primeira e insuperável da produção do significado da existência, na qual continuamos sempre enredados. (MUHL, 2005, p. 299-300).

Para Benjamin, as concepções de infância provenientes dos tempos passados mantidas

e até mesmo aprofundadas em diversos estudos, não condizem com a realidade infantil já que,

a “criança exige dos adultos explicações claras e inteligíveis, mas não explicações infantis.

[...] A criança aceita perfeitamente coisas sérias, mesmo as mais abstratas e pesadas, desde

que sejam honestas e espontâneas.” (BENJAMIN, 1986, p. 236-237).

Walter Benjamin defende que a criança é também sujeito lúdico, que se constitui e

procura sua significação nas práticas culturais. Assim sendo, a criança é resultado da

construção histórica e cultural da sociedade na qual está inserida. O brinquedo apresenta-se

como um objeto culturalmente produzido que, na sociedade capitalista, aparece

descaracterizado na sua singularidade. Diante disso, a criança lança mão do brinquedo e dá a

ele uma nova valorização e o ressignifica quando, por exemplo, o desmonta para se apossar

dele, conseguindo assim, ver além das aparências, o que lhe possibilita estabelecer uma

relação íntima, afetiva e de maior aproximação com o brinquedo.

Pelo fato de a criança ser essencialmente lúdica, ela utiliza o brincar como um

aprendizado sociocultural e, quando cria seus próprios brinquedos, registra neles suas

histórias e a história de suas famílias. Pode-se dizer que o brincar desvela uma cultura, e pelo

fato da criança ser um sujeito cultural, o seu brinquedo se mostra com marcas do real e do

imaginário vividos por ela. Ela se utiliza da imaginação para transformar todo e qualquer

objeto em brinquedo. Benjamin inclusive discorre sobre a importância da repetição nos jogos

e brincadeiras realizados pelas crianças.

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A grande lei que, acima de todas as regras e ritmos particulares, rege a totalidade do mundo dos jogos: a lei da repetição. Sabemos que para a criança ela é a alma do jogo; que nada a torna mais feliz do que o ‘mais uma vez’. [...]. E, de fato, toda e qualquer experiência mais profunda deseja insaciavelmente, até o final de todas as coisas, repetição e retorno, restabelecimento da situação primordial da qual ela tomou o impulso inicial. [...]. Para ela, porém, não bastam duas vezes, mas sim sempre de novo, centenas e milhares de vezes. (BENJAMIN, 2002, p. 101).

Ao traçar a história do brinquedo, Benjamin destaca que, a partir da segunda metade

do século XIX, ocorre uma significativa mudança na forma dos brinquedos, que deixam de

ser miniaturas. “Uma emancipação do brinquedo põe-se a caminho; quanto mais a

industrialização avança, tanto mais decididamente o brinquedo se subtrai ao controle da

família, tornando-se cada vez mais estranho não só às crianças, mas também aos pais.''

(BENJAMIN, 2002, p. 91-92).

[...] para o educador o adulto era o ideal proposto como modelo às crianças. De qualquer modo, esse racionalismo hoje tão ridicularizado, que vê na criança um pequeno adulto, tinha pelo menos o mérito de compreender que a seriedade é a esfera adequada à criança. Em contraste, com o advento dos grandes formatos, aparece no brinquedo o “humor” subalterno, como expressão daquela insegurança típica do burguês em seu convívio com as crianças. A jovialidade devida à consciência de culpa vem à tona nas ridículas distorções que exageram o tamanho dos brinquedos. (BENJAMIN, 1986, p. 251)

Pertinente a observação de Benjamin ao dizer que, com o advento da industrialização,

ocorre uma transformação do brinquedo, e isso marca o distanciamento entre as crianças e

seus pais que, anteriormente a esse momento histórico, se juntavam para produzir os

brinquedos. O autor inclusive deixa registrado quais eram esses objetos com que as crianças

tanto gostavam de brincar.

Madeira, ossos, tecidos, argila, representam nesse microcosmo os materiais mais importantes, e todos eles já eram utilizados em tempos patriarcais, quando o brinquedo era ainda a peça do processo de produção que ligava pais e filhos. Mais tarde vieram os metais, vidro, papel e até mesmo o alabastro [...]. Conhecemos muito bem alguns instrumentos de brincar arcaicos, que desprezam toda máscara imaginária (possivelmente vinculados na época a rituais): bola, arco, roda de penas, pipa – autênticos brinquedos, ''tanto mais autênticos quanto menos o parecem ao adulto''. Pois quanto mais atraentes, no sentido corrente, são os brinquedos, mais se distanciam dos instrumentos de brincar; quanto mais ilimitadamente a imitação se manifesta neles, tanto mais se desviam da brincadeira viva. (BENJAMIN, 2002, p. 92-93)

Quando a criança imita certas ações pode-se dizer também que essa imitação é

também criação, porque ao mesmo tempo que a criança imita, ela inventa, além de construir

sua própria identidade, ou seja, a imitação não é pura e simplesmente uma maneira de se

reproduzir determinada situação, mas uma forma da criança identificar-se com aquele

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momento para que haja a compreensão. “A criança quer puxar alguma coisa e se transforma

em cavalo, quer brincar com areia e se transforma em pedreiro, quer se esconder e se

transforma em bandido ou policial.” (BENJAMIN, 2002, p. 93). A faculdade mimética está

presente no comportamento da criança quando ela se relaciona com o mundo e se identifica

com as coisas ou se transforma nelas no momento da brincadeira.

Para Benjamin, a mímesis é uma capacidade humana que concretiza a nossa inserção

no mundo por meio da percepção e da linguagem. A capacidade mimética se mostra como

aquela capaz de identificar e produzir semelhanças com o intuito de se compreender e ordenar

o mundo, para assim dar-lhe um sentido.

Um olhar lançado à esfera do ‘semelhante’ é de importância fundamental para a compreensão de grandes setores do saber oculto. Porém esse olhar deve consistir menos no registro de semelhanças encontradas que na reprodução dos processos que engendram tais semelhanças. A natureza engendra semelhanças: basta pensar na mímica. Mas é o homem que tem a capacidade suprema de produzir semelhanças. [...] Os jogos infantis são impregnados de comportamentos miméticos, que não se limitam de modo algum à imitação de pessoas. A criança não brinca apenas de ser comerciante ou professor, mas também moinho de vento e trem. (BENJAMIN, 1986, p. 108).

O brinquedo traz em si a representação de determinadas realidades, isto é, algo

presente no lugar de algo. É como se dissesse que, dentre os vários objetivos que o brinquedo

tem, um deles é dar à criança um substituto dos objetos reais para que possa manipulá-los. O

brinquedo aparece como um estimulante concreto que desencadeia o fluir do imaginário

infantil. Benjamin reforça, no entanto, que infelizmente os adultos não conseguem ter a

sensibilidade suficiente para perceber a gama de objetos que estão espalhados e disponíveis

em toda a parte, que atraem a atenção das crianças e as levam de uma forma lúdica a construir

o seu mundo.

Crianças são especialmente inclinadas a buscarem todo local de trabalho onde a atuação sobre as coisas se processa de maneira visível. Sentem-se irresistivelmente atraídas pelos detritos que se originam da construção, do trabalho no jardim ou na marcenaria, da atividade do alfaiate ou onde quer que seja. Nesses produtos residuais elas reconhecem o rosto que o mundo das coisas volta exatamente para elas, e somente para elas. Neles, estão menos empenhadas em reproduzir as obras dos adultos do que em estabelecer uma relação nova e incoerente entre esses restos e materiais residuais. Com isso as crianças formam o seu próprio mundo de coisas, um pequeno mundo inserido no grande. [...] A criança consegue lidar com os conteúdos do conto maravilhoso de maneira tão soberana e descontraída como o faz com retalhos de tecidos e material de construção. Ela constrói o seu mundo com os motivos do conto maravilhoso, ou pelo menos estabelece vínculos entre os elementos do seu mundo. (BENJAMIN, 2002, p. 57-58).

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Essas observações de Benjamin sobre a infância trazem à memória os escritos do

poeta francês Charles Baudelaire que compara o interesse, a sensibilidade e a curiosidade do

artista com uma criança quando ele afirma que

a criança goza da faculdade de se interessar vivamente pelas coisas, mesmo pelas mais triviais em aparência. [...]. A criança vê tudo como novidade; está sempre embriagada. Nada se parece mais com o que chamamos de inspiração do que a alegria com a qual a criança absorve a forma e a cor. [...], a sensibilidade ocupa quase todo o seu ser. [...] curiosidade profunda e alegre que é necessário atribuir o olho fixo e animalescamente extático das crianças diante do novo, qualquer que seja ele. (BAUDELAIRE, 1993, p. 233).

Para Benjamin, a criança lida com a leitura da mesma forma que os materiais que

encontra, uma vez que ela participa da estória, dialoga com as personagens. “Diante de seu

livro ilustrado, a criança [...] vence a parede ilusória da superfície e, esgueirando-se por entre

tecidos e bastidores coloridos, adentra um palco onde vive o conto maravilhoso.” (2002, p.

69). É a fantasia que abre a possibilidade de a criança entrar nas coisas, nas estórias, enfim,

dar asas à sua imaginação com criatividade, para que ela possa ter um conhecimento melhor

de si e do mundo no qual ela está inserida.

Ao falar de estórias, Benjamin demonstra em seus escritos toda a sua preocupação

com o desgaste da tradição oral. Ele analisa que a experiência individual que era transmitida

de geração em geração, através de histórias, provérbios contados pelos mais velhos aos mais

jovens, passava a adquirir um sentido no interior de uma experiência coletiva que iluminava

novas práticas sociais. Para ele, a modernidade chega para instalar uma nova concepção de

tempo, provocando o enfraquecimento e até mesmo a perda de sentido da experiência

proveniente de uma coletividade.

Sabia-se exatamente o significado da experiência: ela sempre fora comunicada aos jovens. De forma concisa, com a autoridade da velhice, em provérbios; e forma prolixa, com a sua loquacidade, em histórias; muitas vezes como narrativas de países longínquos, diante da lareira, contadas a pais e netos. Que foi feito de tudo isso? Quem encontra pessoas que saibam contar histórias como elas devem ser contadas? Que moribundos dizem hoje palavras tão duráveis que possam ser transmitidas como um anel, de geração em geração? Quem é ajudado, hoje, por um provérbio oportuno? Quem tentará, sequer, lidar com a juventude invocando sua experiência? (BENJAMIN, 1986, p. 114)

Benjamin constata que o ser humano mudou sua percepção de si e também do mundo.

Ele acredita que, “não se deve imaginar que os homens aspirem a novas experiências. Não,

eles aspiram a libertar-se de toda experiência, aspiram a um mundo em que possam ostentar

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tão pura e tão claramente sua pobreza externa e interna.” (1986, p. 118). No entanto, essa

perda da experiência, segundo Benjamin, não é de todo negativa, uma vez que ela abre um

campo de possibilidades que impulsiona as pessoas para frente, para um recomeço.

Se Benjamin demonstra sua preocupação quanto à perda da experiência, na

modernidade o mesmo se dá quanto à arte de narrar. Se para ele somos pobres em

experiência, também somos “pobres em histórias surpreendentes. [...] quase nada do que

acontece está a serviço da narrativa, e quase tudo está a serviço da informação. [...]. A

narrativa não se entrega. Ela conserva suas forças e depois de muito tempo é capaz de se

desenvolver.” (BENJAMIN, 1986, p. 203-204).

Philippe Ariès reforça as ideias de Benjamin quando comenta que

a criança deve ser considerada, da mesma forma que o jovem, como um ser que está numa relação de interdependência com o adulto, não na sua dependência ou subserviência. [...], devemos lembrar que a criança não é a humanidade em sua totalidade e, assim como o jovem e o adulto, é parte constituinte de uma totalidade antropológica que denominamos “ser humano”. Ela, como processo vital em realização, expressa dimensões profundamente significativas da experiência humana em sua totalidade; além de guiada pelas forças do amor e do desejo, é guiada pela linguagem e pela história: a criança também é história e memória da forma humana de ser no mundo. (MUHL, 2005, p. 300).

A infância precisa ser vista e entendida não como “ausência de voz [...], uma carência

do ser humano. Ela é condição. Não há como abandonar a infância, não há ser humano

inteiramente adulto.” (KOHAN, 2003, p. 245).

Como se percebe, a maneira como a infância é vista atualmente é consequência das

constantes transformações pelas quais passou ao longo da história, sendo de extrema

importância conhecer essa trajetória para compreender a infância hoje.

Um outro passo será dado no sentido de se compreender o histórico da infância

especificamente no Brasil, porque esses conteúdos uma vez explicitados fornecerão elementos

mais consistentes para uma análise das pesquisas que foram feitas com alunos de dez anos de

escolas confessionais cristãs com o intuito de investigar a formação do imaginário religioso

infantil. Por que traçar essa panorâmica da infância no Brasil? Os motivos são dois. O

primeiro, para compreender o contexto no qual os avós, pais, professores, padres/pastores

estavam e estão inseridos para tentar entender que influências todas essas pessoas receberam,

já que não se pode deixar de lado que todos trazem uma história de vida e uma bagagem

cultural que serão transmitidas e decisivas para a formação das gerações futuras. O outro

motivo é para melhor compreender a infância nos dias de hoje.

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2.3 A infância no Brasil

No Brasil, nos últimos anos, o estudo da história da infância tem tido um impulso

enorme. Diversos trabalhos apontam o universo infantil dentro do contexto sócio-cultural

brasileiro, assim como a noção de infância ao longo do tempo. Porém, é a partir dos anos 80,

que um estudo mais sistemático e problematizado da infância ganha corpo, em decorrência

das produções acadêmicas dos vários cursos de pós-graduação.

Quando se fala das crianças brasileiras, fala-se de diversidade. Crianças que

frequentam a escola e outras que, na impossibilidade de estudar, ingressam no mercado de

trabalho; inúmeras que perambulam pelas ruas enquanto outras vivem em condomínios

fechados; aquelas que entram no mundo do crime e das drogas e outras que se preocupam em

levar uma vida saudável. Nunca na história tantos especialistas do campo da psicologia,

antropologia, medicina, sociologia e educação se uniram para desvelar o universo infantil na

tentativa de se delinear características do ser criança hoje. Todo esse trabalho é válido, mas

não se pode perder de vista que as crianças permanecem únicas em suas individualidades e

diferenças. Iniciativas no combate ao trabalho infantil, na diminuição da mortalidade das

crianças, programas de incentivos governamentais para se evitar a evasão escolar, dentre

outras, estão todos os dias na mídia, mas não necessariamente na prática. Pode-se dizer que,

nos últimos anos, percebe-se, no Brasil, um olhar mais atento sobre a realidade infantil.

Muitas mudanças ocorreram ao longo da história e continuam acontecendo, mas ainda é

preciso vencer muitos preconceitos e concepções truncadas.

A história sobre a criança feita no Brasil, assim como no resto do mundo, vem mostrando que existe uma enorme distância entre o mundo infantil descrito pelas organizações internacionais, pelas não governamentais e pelas autoridades, daquele no qual a criança encontra-se quotidianamente imersa. O mundo que a ‘criança deveria ser’ ou ‘ter’ é diferente daquele onde ela vive, ou no mais das vezes, sobrevive. O primeiro é feito de expressões como ‘a criança precisa’, ‘ela deve’, ‘seria oportuno que’, ‘vamos nos engajar em que’, até o irônico ‘vamos torcer para’. No segundo, as crianças são enfaticamente orientadas para o trabalho, para o ensino, para o adestramento físico e moral, sobrando-lhes pouco tempo para a imagem que normalmente a ela está associada: do riso e da brincadeira. (DEL PRIORE, 2004, p. 8).

No entanto, ao longo da história brasileira, inúmeras crianças passaram de ‘invisíveis’

a pequenas ditadoras enquanto outras permanecem à margem da nossa sociedade, num lugar

em que o poder público não alcança e nem faz questão de alcançar. Que percurso foi feito

para se chegar a tal situação aqui no Brasil? Como entender as nossas crianças hoje? São

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alguns dos questionamentos que precisam ser feitos para compreender a realidade infantil

brasileira.

Situações de exploração, abandono e desprezo deixaram marcas na infância brasileira.

A criança está presente no processo de exploração da força de trabalho, desde a colonização,

no século XVI, quando meninos eram recrutados a contra gosto em Portugal para trabalharem

nas embarcações lusitanas como grumetes ou pajens, em direção à Terra de Santa Cruz. Esses

meninos eram “selecionados” entre nove e dezesseis anos de idade, ou até mais novos. As

meninas também, em menor número, embarcavam nessas viagens. Elas eram as chamadas

órfãs “Del Rei” porque viviam nos orfanatos, eram pobres, brancas, com a idade entre

quatorze e dezessete anos, e que eram enviadas à Terra de Santa Cruz para se casarem com

homens da baixa nobreza portuguesa. Nessas viagens, essas crianças eram mal alimentadas,

comendo muitas vezes as sobras, em condições de higiene precárias e sofrendo diversos tipos

de violência, tanto física quanto sexual. Tudo isso somado fez com que várias morressem

antes de chegarem à Colônia.

A história do cotidiano infantil a bordo das embarcações portuguesas quinhentistas foi, de fato, uma história de tragédias pessoais e coletivas. A história das crianças, de qualquer idade, nas naus do século XVI só pode ser classificada, portanto, como uma história marítima trágica, ou se preferirem como uma história trágico-marítima. (RAMOS, 2004, p. 49).

Ainda no século XVI, por volta do ano de 1550, os jesuítas aportaram no Brasil com o

objetivo de ensinar os meninos a lerem e a orarem. Quando aqui chegaram, se depararam com

os índios, e se empenharam na evangelização católica dos nativos, com muitas dificuldades.

“A criança indígena, muitas vezes entregue pelos próprios pais aos padres da Companhia de

Jesus, era considerada o “papel branco” no qual se inscreviam a luta contra a antropofagia, a

nudez e a poligamia.” (CHAMBOULEYRON, 2004, p. 61).

No período colonial, as crianças, independentes de serem brancas ou escravas, eram

tratadas com muito carinho pelos adultos. “Enquanto pequeninos, filhos de senhores e

escravos compartilham os mesmos espaços privados: a sala e as camarinhas. A partir dos sete

anos, os primeiros iam estudar e os segundos trabalhar.” (DEL PRIORE, 2004, p. 101). No

entanto, alguns moralistas da época recriminavam o excesso de mimo, que eles acreditavam

que poderia prejudicar as crianças. Para esses, a verdadeira educação deveria passar pelos

castigos físicos, atitudes essas já corriqueiras desde o século XVI, quando eram amplamente

utilizadas pelos jesuítas.

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As escolas no Brasil eram em pequeno número, administradas pelos jesuítas, além de

serem instituições direcionadas para um grupo bastante seleto, a elite brasileira. O ensino

público só foi instalado em meados do século XVIII, e mesmo assim, de maneira bastante

deficitária.

Cartilhas de alfabetização e ensino da religião eram comumente usadas, tanto no aprendizado a domicílio, quanto naquele público. [...], tais cartilhas voltavam à carga sobre tudo o que dizia respeito à vida espiritual. A escola deveria ter um crucifixo diante do qual, ao entrar, as crianças se persignavam, ajoelhando e benzendo-se, pois ‘o sinal da santa cruz é o mais forte para vencer as tentações do inimigo comum’: o terrível e maldoso Satã. Os mestres tinham que ensinar as crianças a rezar o Pai-nosso, Ave Maria, [...] os símbolos da fé e rudimentos de teologia. [...]. Cabia aos mestres incentivar e controlar a confissão mensal de seus alunos, bem como a sua participação nas procissões do Santíssimo Sacramento, com cantos de “bendito e louvado”. Orações para serem ditas antes e depois das refeições também era assunto de ensino. (DEL PRIORE, 2004, p. 100-102).

Entre os séculos XVI e XVIII, com a nova visão que se criou em torno da criança, que

já não era vista como um “adulto em miniatura”, “vimos surgir uma preocupação educativa

que traduzia-se em sensíveis cuidados de ordem psicológica e pedagógica.” (DEL PRIORE,

2004, p. 105). “A formação de uma criança acompanhava-se também de certa preocupação

pedagógica que tinha por objetivo transformá-la em um indivíduo responsável. Humanistas

europeus como Erasmo e Vicente Vivès já tinham dado as pistas desta ‘educação básica’.”

(DEL PRIORE, 2004, p. 100).

No século XVIII, nas correspondências das autoridades locais dirigidas à metrópole,

pouco ou quase nada se mencionava sobre a realidade infantil brasileira na região das minas,

uma vez que os interesses eram outros, tais como o fisco e problemas que porventura

poderiam prejudicar os governantes.

Foi na época do Brasil Império, no século XIX, que a infância adquiriu a sua

importância como uma etapa da vida, com suas especificidades.

Para a mentalidade oitocentista, a infância era a primeira idade da vida e delimitava-se pela ausência de fala ou pela fala imperfeita, envolvendo o período que vai do nascimento aos três anos. Era seguida pela puerícia, fase da vida que ia dos três ou quatro anos de idade até os dez ou doze anos. No entanto, tanto infância quanto puerícia estavam relacionadas estritamente aos atributos físicos, fala, dentição, caracteres secundários femininos e masculinos, tamanho, entre outros. Por outro lado, o período de desenvolvimento intelectual da criança era denominado meninice, cujo significado relacionava-se às ações próprias do menino, ou ainda, à falta de juízo numa pessoa adulta. É neste jogo, de termos e significados, que se entrevê um conjunto de princípios e preceitos que nortearam as representações simbólicas e os cuidados em relação às crianças e aos adolescentes na sociedade oitocentista. (MAUAD, 2004, p. 140-141).

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No século XIX, as crianças originárias de uma classe mais pobre eram enviadas para

trabalhar nas lavouras, enquanto as crianças da elite brasileira tinham à sua disposição

professores particulares. Essa situação se manteve ao longo do século XIX, sendo que a classe

mais pobre continuava a ver no trabalho para os seus filhos ‘a melhor escola’, e com isso,

nenhuma escolarização era oferecida a essas crianças. “Assim, o trabalho, como forma de

complementação salarial para famílias pobres ou miseráveis, sempre foi priorizado em

detrimento da formação escolar”, enfatiza Del Priore (2004, p. 10-11). Com a chegada dos

imigrantes ao Brasil, no final do século XIX, a história se repete. As crianças, como mão de

obra mais barata, ingressam nas incipientes indústrias têxteis e cumprem uma jornada

estafante de trabalho superior a 11 horas diárias.

No entanto, nem todas as crianças ingressavam no mercado de trabalho. Várias se

enveredavam pelas atividades ilegais, como roubo, furto, prostituição e mendicância, como

meio de sobrevivência ou para o sustento de suas famílias, aumentando as estatísticas de

criminalidade no final do século XIX e início do século XX.

Assim, a República que se instaurava tinha inúmeros problemas de ordem social a combater, resultado daquela repentina expansão urbano-industrial. [...]. As medidas tomadas pelas autoridades caminhavam no sentido de reprimir a vadiagem, a embriaguez, a mendicância e a prostituição, ou seja, combater tudo o que não se enquadrava na lógica da produção e do trabalho, por meio do arrefecimento do controle social. (SANTOS, 2004, p. 228).

O Estado passou assim, a assumir as questões educacionais, de saúde e a tarefa de

punir crianças e adolescentes delinquentes. Passetti (2004, p. 349) constata que, “durante o

século XX, em nome da preservação da ordem social, da educação estatal obrigatória, da

necessidade de integrar crianças e jovens pobres pelo trabalho, o Estado também passou a

zelar pela defesa da família monogâmica e estruturada.”

No contexto, especificamente no final do século XIX e nas três primeiras décadas do

século XX, ocorreu um movimento a favor da infância, que começou a ver nas crianças uma

promessa para o futuro. Assim a infância, em dado momento histórico, se revelava como um

problema social, que precisava ser resolvido pelo país. Era necessário moldá-la de acordo com

o projeto que levaria o Brasil ao seu ideal de nação, e esse ideal passava pela transformação

do Brasil numa nação culta, moderna e civilizada. “Crianças mimadas, crianças açoitadas,

tanto umas como outras eram os dominadores no século XIX e começo do século XX. Vimos

assim a criança sair do anonimato e da indiferença das idades remotas e tornar-se a criatura

mais preciosa, mais rica de promessas e de futuro.” (EINAUDI, 1997, p. 369).

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No Brasil, em relação à infância, não se pode negar que se avançou com discussões e

leis, vale aqui ressaltar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado em 1990, mas

ainda há muito que mudar e muito que fazer. Na visão de muitos autores, a criação do ECA é

um marco no que diz respeito ao reconhecimento e valorização da infância por parte das

políticas públicas. Segundo Passetti (2004, p. 366), “a criança e o jovem se transformam em

prioridades de Estado. A legislação pretende protegê-los da família desestruturada e dos

maus-tratos que venham sofrer; quer garantir educação, políticas sociais, alimentação e bases

para o exercício da cidadania.” Infelizmente, várias leis que foram criadas no Brasil com

esses objetivos, não foram efetivadas, ou seja, não foram incorporadas à prática social, sendo

continuadamente desrespeitadas, muitas vezes pelos próprios governos ou pela Justiça.

A criança está imersa num universo que possui as suas especificidades, já que não é

ela que relata e nem dá voz à sua história.

A criança tem uma produção simbólica diferenciada, em que o mundo adulto constitui a fonte de sua experiência social e material de suas formas de expressão. Mesmo sendo um sujeito ativo no processo de socialização, a criança tem uma peculariedade (sic), advinda de seu lugar no mundo social. Nas interações com os adultos, mediadas por produtos culturais a ela dirigidos, a criança recebe, significa, introjeta e reproduz valores e normas, ou habitus, tidos como expressões da verdade. A criança é depositária e destinatária dos discursos e práticas produzidos sobre a infância, não existe um sujeito criança anterior ou externo a tal produção. (GOUVEA, 2008, p. 111).

A relação entre imaginação e infância abre perspectivas de compreensão da formação

da imagem religiosa na criança, o que permite um campo maior de investigação numa

determinada etapa de desenvolvimento infantil, que nesse estudo específico é a faixa etária de

dez anos.

Em termos piagetianos, a imagem não é um elemento do pensamento humano em si mesma, nem uma continuação direta da percepção: ela é um símbolo do objeto e, como tal, não se manifesta ao nível da inteligência sensório-motora, mas, por outro lado, converge numa explicação lógica das coisas, no 4º estágio de desenvolvimento (estádio das operações formais – 11/12 a 15/16 anos). (MAGALHÃES, 2003, p. 403).

É nesse estádio de operações formais que o processo de simbolização ocorre junto à

compreensão do algoritmo. O pensamento se liberta do real e caminha em direção à

construção de teorias e reflexões.

No capítulo que se segue, outros elementos serão postos no sentido de se entender a

imaginação simbólica e o desenvolvimento da moralidade em crianças na faixa etária de dez

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anos, tendo como base os trabalhos de Piaget e Kohlberg, com o intuito de se compreender a

formação do imaginário religioso infantil.

Aqui uma indagação faz-se pertinente: Como se constrói o conhecimento? As teorias

de Jean Piaget fornecerão pistas para se entender o desenvolvimento cognitivo da criança,

especificamente aquelas de dez anos. Outra questão: Como acontece a construção da

consciência moral nas crianças? Para se tentar responder a esse questionamento serão

relatados os estudos de Piaget e Kohlberg nessa área.

Jean Piaget e Lawrence Kohlberg permitem-nos entender não só a constituição dos elementos próprios das vontades autônoma e heterônoma, mas também o processo de desenvolvimento dessas vontades ao longo da vida dos indivíduos, por meio dos processos educativos formais e informais experienciados por crianças, jovens e até mesmo adultos. [...]. Piaget e Kohlberg concordam em que não há nenhuma realidade moral inata. (MARQUES, 1998, p. 8)

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3 CONHECENDO A CRIANÇA DE DEZ ANOS

No cotidiano de nossas vidas e, sobretudo, em nossas vivências religiosas, estamos

entranhados num universo de imagens, símbolos e de outras representações que se revestem

de determinados significados que dão sentido à nossa existência, mostrando e indicando uma

realidade invisível que nos transcende. Os símbolos se revelam como a primeira e a principal

forma de expressão religiosa, uma vez que o ser humano só consegue compreender e

expressar a sua fé utilizando-se do visível para falar do invisível, do presente para falar do

ausente, do humano para falar do divino, do imanente para falar do transcendente. Como

afirmou tão bem o teólogo Paul Tillich (1974, p. 30 e 33), ao dizer que, “a linguagem da fé é a

linguagem dos símbolos. [...] A fé, como a condição em que se está tomado por aquilo que

nos toca incondicionalmente, não conhece outra linguagem a não ser a do símbolo.”

Para Durand, o animal humano é funcionalmente cultivável devido ao seu “grande

cérebro” e isto é o grande diferenciador entre uma criança e um animal, por exemplo. Vários

trabalhos nessa área reforçam que o homo sapiens se distingue de outros animais pelo fato de

ele utilizar a sua capacidade reflexiva, que é uma atividade indireta e que, portanto, não se

caracteriza nem pelo imediatismo e muito menos pela segurança.

A sociedade e a sua consciência, que é a cultura, é, para o homem, uma forma simbólica duplamente necessitada pelos caracteres sociáveis do animal humano, tão desprovido de instintos de subsistência, e pelas qualidades de mediatização reflexiva do seu ‘grande cérebro’. Este fenômeno da interpretação do comportamento e dos dados culturais é permitido pelo fenômeno geral da neotenia humana, a saber, que o cérebro humano vem ao mundo imaturo e incompleto. Enquanto um jovem chimpanzé termina o seu crescimento cerebral nos doze meses que se seguem ao nascimento, são precisos seis anos no mínimo, e depois ainda dez a doze anos, para que o cérebro humano se desenvolva. Dito de outro modo, não há desenvolvimento do cérebro sem ‘educação’ cultural. (DURAND, 1996, p. 81-82).

Assim sendo, poderíamos dizer que a criança se apresenta com uma ‘imaginação

restringida’, uma vez que o imaginário se encontra reprimido, estereotipado e refreado pela

grande imaturidade psicofisiológica da criança humana, e o que permite a reflexão

simbolizante que é determinada pelas instituições de aprendizagem, as valorizações dos pais e

até mesmo os jogos são os processos elaborados lentamente da distanciação do mundo.

Para Durand (1996, p. 81),

não é senão com a aculturação que surge plenamente “o atlas do imaginário” [...]. É com a arte, a filosofia e a religião que a consciência simbólica atinge o seu nível mais

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elevado de funcionamento. A obra de arte, o sistema filosófico, o sistema religioso e acrescentemos-lhes o sistema das instituições sociais, constituem paradigmas de alta frequência simbólica. [...] as figuras que eles veiculam e de que são tecidos, podem ser, inesgotavelmente, ‘retomadas’, ‘interpretadas’, traduzidas sem que o sentido se esgote.

Para uma melhor compreensão do processo de formação do imaginário religioso das

crianças de dez anos, faz-se imprescindível entender o simbolismo presente nessas crianças

dessa faixa etária, além dos valores que constituem a sua consciência moral.

3.1 O desenvolvimento cognitivo piagetiano

O biólogo suíço Jean Piaget exerceu grande influência nos campos da psicologia e da

pedagogia. Dedicou parte da sua vida à análise da evolução do pensamento infantil, na

tentativa de se descobrir como o ser humano constrói o seu conhecimento. “Realizou

inúmeros estudos empíricos sobre o pensamento da criança, a linguagem, a percepção e a

memória.” (MUSSEN et al, 1995, p. 237). Piaget sustenta que a origem do conhecimento

está no próprio sujeito, ou seja, o pensamento lógico não é inato, muito menos algo que se

apresenta externo às pessoas, mas ele é primordialmente construído na interação homem-

objeto. Para se confirmar tal teoria, ele observava crianças brincando e registrava com

riqueza de detalhes as palavras utilizadas por elas, além das suas ações e processos de

raciocínio. A partir da observação cuidadosa de seus próprios filhos e de outras crianças,

chegou à conclusão que em muitas questões importantes as crianças não pensam como os

adultos. O fato dessas crianças não possuírem certas habilidades, faz com que sua maneira

de pensar seja diferente, não somente em grau, mas também em classe. A teoria do

desenvolvimento cognitivo defendida por Piaget é uma teoria de etapas que pressupõe que

os seres humanos passam por uma série de mudanças ordenadas e previsíveis. Para ele, a

vida aparece como uma criação ininterrupta de formas cada vez mais complexas, com uma

progressiva adaptação ao meio exterior. Nos seus estudos, ele afirma que a inteligência é a

capacidade que cada um possui de se acomodar ao meio e, assim sendo, o processo

cognitivo teria início a partir do nascimento da criança, passando por estágios, que

culminariam no nível adulto do raciocínio lógico.

A criança é tida como um ser dinâmico, que a todo o momento interage com objetos e

pessoas, ou seja, a realidade a sua volta. Essa interação com esse meio leva a criança a

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construir estruturas mentais e a utilizar maneiras de fazê-las funcionar. Assim sendo, a

construção do conhecimento se dá não somente através das informações que a criança

retira do meio e nem tampouco daquilo que ela recebe das outras pessoas, mas se apresenta

como uma combinação, um resultado de toda essa interação, na qual se pressupõe que o

sujeito se mostre ativo no sentido de compreender o mundo que o cerca, além de procurar

respostas para os seus inúmeros questionamentos. É aquele sujeito que aprende a partir de

suas ações sobre os objetos presentes no mundo, que consegue construir suas próprias

categorias de pensamento, concomitantemente, com a organização de seu próprio mundo.

Para Piaget, essa interação, esse desenvolvimento humano se orienta por dois princípios

básicos que são a organização interna e a adaptação ao meio. A adaptação, definida por

Piaget, como o próprio desenvolvimento da inteligência, envolve dois mecanismos que são

distintos, mas que não se pode separá-los, além de se complementarem, que são a

assimilação e a acomodação.

As crianças organizam sua experiência em estruturas cognitivas tais como a operação, uma manipulação de ideias que pode ser realizada de forma reversível. Ao interagir com o meio ambiente, elas adaptam aquelas estruturas em resposta a novas experiências. O processo de adaptação ocorre através de processos de assimilação (usando ideias ou conceitos previamente adquiridos para entender os novos) e a acomodação (modificando conceitos existentes em resposta às demandas do meio ambiente). O resultado desses processos é um estado temporário de equilíbrio ou estabilidade cognitiva. (MUSSEN et al, 1995, p. 261-262).

Os processos de equilibração funcionam como um mecanismo que organiza as

estruturas cognitivas no sentido de proporcionar-lhes uma coerência para assim dar

condições à pessoa de construir a sua forma de adaptação à realidade. Esse conceito de

equilibração pressupõe mobilidade e dinamismo, uma vez que para adquirir o

conhecimento, a pessoa se depara com inúmeras encruzilhadas cognitivas que vão exigir-

lhe uma prontidão no sentido de resolvê-las. Para Piaget, “todos os organismos lutam pelo

equilíbrio. Quando o equilíbrio cognitivo é perturbado - por exemplo, quando alguma coisa

é encontrada – os processos de assimilação e acomodação funcionam de modo a

restabelecê-lo.” (MUSSEN et al, 1995, p. 241).

Para aprender é preciso, pois haver o desafio que causa o desequilíbrio inicial das estruturas mentais, levando a pesquisar, experimentar, discutir, refletir, interagir e, por fim, compreender – chegando à construção de um novo conceito (reequilibração). Este novo equilíbrio, de nível superior, será ponto de partida para outras aprendizagens, num processo sucessivo e indissociável de assimilações e acomodações. (ANDRADE; OLIVEIRA; OLIVEIRA, 1997, p. 24).

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É interessante dizer que os desequilíbrios cognitivos são menos comuns com o passar

do tempo, já que se pressupõe que as pessoas vão adquirindo uma bagagem maior de

conceitos e entendimentos e, consequentemente, a probabilidade de se confrontar com

situações novas é menos frequente.

A teoria do desenvolvimento pensada por Piaget tem como eixo principal os estágios,

que neste caso possuem duas características que o definem, “o pensamento em diferentes

estágios é qualitativamente diferente e os estágios ocorrem numa ordem invariável.”

(MUSSEN et al, 1995, p. 258). Piaget considera seis estágios ou períodos de

desenvolvimento responsáveis pelo surgimento das estruturas do processo cognitivo

sucessivamente construídas.

1º. O estágio dos reflexos, ou mecanismos hereditários, assim como também das primeiras tendências instintivas (nutrições) e das primeiras emoções. 2º. O estágio dos primeiros hábitos motores e das primeiras percepções organizadas, como também dos primeiros sentimentos diferenciados. 3º. O estágio da inteligência senso-motora ou prática (anterior à linguagem), das regulações afetivas elementares e das primeiras fixações exteriores da afetividade. Estes três primeiros estágios constituem o período da lactância (até por volta de um ano e meio a dois anos, isto é, anterior ao desenvolvimento da linguagem e do pensamento). 4º. O estágio da inteligência intuitiva, dos sentimentos interindividuais espontâneos e das relações sociais de submissão ao adulto (de dois a sete anos, ou segunda parte da “primeira infância”). 5º. O estágio das operações intelectuais concretas (começo da lógica) e dos sentimentos morais e sociais de cooperação (de sete a onze-doze anos). 6º. O estágio das operações intelectuais abstratas, da formação da personalidade e da inserção afetiva e intelectual na sociedade dos adultos (adolescência). (PIAGET, 1987, p. 13).

Importante ressaltar que essas construções sucessivas permanecem nos estágios

anteriores como se fossem subestruturas, sobre as quais se constroem as novas características

do estágio subsequente, ou seja, “em cada estágio, novas capacidades cognitivas diferentes e

mais adaptativas são acrescentadas àquilo que foi alcançado previamente.” (MUSSEN et al,

1995, p. 242). Piaget verificou em seus estudos que as idades cronológicas em que os estágios

de desenvolvimento acontecem variam de uma criança para outra e até mesmo de uma

sociedade para outra. No entanto, a ordem em que os estágios aparecem é constante para todas

as sociedades estudadas.

Embora a ordem na qual os estágios emergem não varie, há grandes diferenças individuais na velocidade com a qual as crianças passam por eles. Então, as idades associadas aos vários estágios são aproximadas ou médias. Algumas crianças alcançam um determinado estágio precocemente, outras, muito mais tarde. (MUSSEN et al, 1995, p. 242).

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Para Piaget, a inteligência surge bem anterior à linguagem, ou seja, antes do

pensamento interior que utiliza os signos verbais. Essa inteligência é prática, uma vez que está

ligada à manipulação de objetos e se utiliza de percepções e movimentos ao invés de utilizar

as palavras e conceitos. A linguagem aparece no mesmo nível de desenvolvimento que o jogo

simbólico, a imitação diferenciada e sem dúvida a imagem mental enquanto imitação

interiorizada. As crianças usam a linguagem com o intuito de comunicar suas necessidades,

sendo que essa linguagem as ajuda a compreender a sociedade na qual estão imersas e

estabelecer relações com as pessoas. É num contexto de imitação que se adquire a linguagem

e esse fator imitativo parece ser muito importante, porque se a aprendizagem da linguagem

fosse determinada somente por condicionamentos, ela deveria acontecer muito mais cedo.

Podemos considerar que a linguagem é fundamental na formação do pensamento e constitui

uma das manifestações da função simbólica e seu desenvolvimento é dominado pela

inteligência em seu funcionamento total.

As crianças na idade de dez anos, que são os sujeitos desse estudo, se encontram no

estágio que Piaget classifica como “pensamento operacional concreto ou estágio das

operações lógico-concretas.” É neste estágio em que se reorganiza verdadeiramente o

pensamento, uma vez que no estágio anterior as crianças são sonhadoras, muito imaginativas

e criativas. É a partir desse estágio das operações concretas que as crianças começam a ver o

mundo com mais realismo, deixando de confundir o real com a fantasia. É neste estágio que a

criança adquire a capacidade de realizar operações, entendendo operação como uma ação

interiorizada que é realizada no pensamento e constituída de várias ações que podem ser

reversíveis e voltar ao ponto de partida.

Piaget ressalta que no período dos sete aos oito anos ocorre uma modificação quanto

ao simbolismo lúdico, assim como a socialização geral cujos efeitos são notados tão

frequentemente sobre o pensamento.

Do ponto de vista das relações interindividuais, a criança, depois dos sete anos, torna-se capaz de cooperar, porque não confunde mais seu próprio ponto de vista com o dos outros, dissociando-os mesmo para coordená-los. Isto é visível na linguagem entre crianças. As discussões tornam-se possíveis, porque comportam compreensão a respeito dos pontos de vista do adversário e procura de justificações ou provas para a afirmação própria. As explicações mútuas entre crianças se desenvolvem no plano do pensamento e não somente no da ação material. A linguagem “egocêntrica” desaparece quase totalmente e os propósitos espontâneos da criança testemunham, pela própria estrutura gramatical, a necessidade de conexão entre as ideias e de justificação lógica. (PIAGET, 1987, p. 43).

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Não se pode deixar de apontar a contribuição de Piaget para o estudo da socialização,

do simbolismo e da afetividade humana. Na concepção desse autor, a socialização é a

possibilidade de o indivíduo trocar e compartilhar, efetivamente, significados e de submeter-

se racionalmente às regras morais. Seus trabalhos trazem uma proposta de um novo olhar

sobre o simbolismo lúdico e a vida afetiva. O simbolismo lúdico é a expressão de

assimilações deformantes por parte do sujeito que se encontra centrado nos seus interesses e

desejos. Existe consciência na medida em que o sujeito consegue diferenciar os significantes

simbólicos e os significados subjacentes. Por outro lado, a inconsciência aparece na medida

em que não acontece a distinção dos elementos do processo da significação simbólica. A

indiferenciação ocorre justamente porque o sujeito se confunde com o objeto a ser assimilado,

assim como acontece no sonho e no devaneio. Pode-se dizer que quanto mais os significados

escapam à compreensão do sujeito maior a inconsciência. Ainda segundo o autor, na fase de

sete a oito anos e onze a doze anos, o declínio evidente do simbolismo acontece em prol dos

jogos de regras e das construções simbólicas cada vez menos deformantes e mais próximas do

trabalho seguido e adaptado.

Os jogos de regras são jogos de combinações sensório-motoras (corridas, jogos de bola de gude ou com bolas, etc.) ou intelectuais (cartas, xadrez, etc.), com competição dos indivíduos (sem o que a regra seria inútil) e regulamentados quer por código transmitido de gerações em gerações, quer por acordos momentâneos. Os jogos de regras podem ter origem quer em costumes adultos que caíram em desuso (de origem mágico-religiosa, etc.), quer em jogos de exercício sensório-motores que se tornaram coletivos, quer, enfim, em jogos simbólicos que passaram igualmente a coletivos mas esvaziando-se, então, de todo ou parte do seu conteúdo imaginativo, isto é, de seu próprio simbolismo. (PIAGET, 1978b, p. 184-185).

Os desenhos, os trabalhos manuais, as representações teatrais, dentre outros, aparecem

com mais frequência e com mais qualidade. “Pode-se dizer, com efeito, que quanto mais a

criança se adapta às realidades físicas e sociais, menos se entrega às deformações e

transposições simbólicas, visto que, em vez de assimilar o mundo ao seu eu, submete

progressivamente, pelo contrário, o eu ao real.” (PIAGET, 1978b, p. 186).

Neste período, a criança já consegue realizar operações, mas precisa da realidade

concreta para realizar as mesmas, ou seja, tem que ter a noção da realidade concreta para que

seja possível efetuar as operações. As inúmeras noções que a criança constrói, tais como

substância, peso, volume, série, classificação, operações numéricas, dentre outras, se dão a

partir da ação dos sujeitos sobre os objetos reais, uma vez que a inteligência é concreta e, por

isso, dizemos que o seu pensamento é descritivo e intuitivo, já que parte do particular para o

geral. “Os famosos experimentos de Piaget sobre a conservação demonstram três aspectos do

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pensamento operacional concreto: reversibilidade das operações mentais, descentração e

substituição dos julgamentos perceptuais pelos lógicos.” (MUSSEN et al, 1995, p. 245).

Uma realização característica desse estágio é a capacidade de se envolver em operações mentais que sejam flexíveis e plenamente reversíveis. [...]. Crianças no estágio operacional concreto são capazes de descentração, ou seja, elas concentram sua atenção em diversos atributos de um objeto ou de um acontecimento simultaneamente e entendem as relações entre dimensões ou atributos. [...]. As crianças deixam de se basear em informações perceptuais e passam a usar princípios lógicos. Um princípio lógico importante é o princípio da identidade, que estabelece que os atributos básicos de um objeto não mudam. [...]. O princípio de equivalência é intimamente relacionado com o princípio de identidade. (MUSSEN et al, 1995, p. 245).

Somente a título de ilustração, dentro dos estudos piagetianos foi realizado um

experimento em que o pesquisador mostrava às crianças dois copos idênticos com quantidade

de líquidos iguais e depois despejava esse líquido em um outro copo mais alto. Ao serem

indagadas sobre o volume do líquido presente nos copos, as crianças do estágio pré-

operacional não conseguiam perceber que a quantidade era a mesma independentemente do

formato do copo. Já as crianças do estágio operacional concreto já entendiam que a

quantidade permanecia a mesma, já que dominavam a noção de volume, peso, dentre outras.

Uma parte fundamental do experimento é perguntar à criança por que a quantidade é igual ou diferente. Uma criança no estágio operacional concreto pode dizer: “Se você derramasse o líquido de volta ao primeiro copo, ele pareceria ter a mesma quantidade outra vez” (reversibilidade) ou, “O segundo é mais alto, mas também é mais fino” (descentração, relações entre dimensões) ou, “Você não tirou nada, então a quantidade deve ser a mesma” (regra de identidade lógica). (MUSSEN et al, 1995, p. 245).

Nesta fase a criança possui uma lógica operacional que faz surgir uma construção da

realidade que é cada vez mais ordenada, previsível e temporalmente linear. A criança é capaz

de criar e usar esquemas de classificação e seriação.

A seriação, que é a capacidade de dispor objetos de acordo com uma dimensão quantificada; o pensamento relacional, a capacidade de avaliar o fato de que muitos termos se referem a relações, e não a qualidades absolutas; e a inclusão de classe, a capacidade de avaliar o fato de que alguns conjuntos de categorias se enquadram em outros, bem como a percepção de que os objetos podem pertencer a mais de uma categoria ou relação de cada vez. (MUSSEN et al, 1995, p. 262).

Vale pontuar que a lógica operacional desta fase permanece concreta, uma vez que a

elaboração e o uso das operações nascem da ação sobre objetos e pessoas concretamente

presentes, visíveis e em interação com eles. É como se dissesse que a mente operacional

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concreta reflete com as operações do pensamento lógico, mas ainda não reflete sobre essas

operações. O pensamento operacional concreto está voltado para a realidade.

Apesar das crianças do período operacional concreto terem avançado

significativamente em relação ao período anterior no que diz respeito à capacidade de

raciocinar e resolver problemas, não se pode deixar de considerar que essas crianças

continuam centrando a sua atividade mental em objetos concretos, uma vez que elas não

conseguem raciocinar sobre abstrações, situações hipotéticas ou imaginárias, condições essas

que, segundo Piaget, pertencem ao estágio posterior que é o das operações formais. É nesse

estágio que ocorre o desenvolvimento da capacidade de raciocinar sobre problemas

hipotéticos, problemas reais, ou seja, a criança é capaz de refletir sobre as possibilidades bem

como sobre os fatos. Como diz Mussel (et al, 1995, p. 249), “o estágio de operações formais é

a busca sistemática de soluções. Diante de um problema novo, um adolescente tenta

considerar todos os meios possíveis de resolvê-lo e verifica a lógica e a eficiência de cada

um.” Os adolescentes desse estágio pensam sobre os seus próprios pensamentos e investigam

prováveis inconsistências e até enganos que porventura surjam. Percebe-se que as crianças de

dez anos ainda não dão conta de tais complexidades.

A criança do período operacional concreto começa progressivamente a desenvolver a

capacidade de se colocar no lugar do outro. Nesta fase deixa de existir monólogo passando

para um diálogo interno. O pensamento é cada vez mais estruturado devido ao

desenvolvimento da linguagem. A criança possui uma maior capacidade de concentração e

consegue ficar algum tempo interessada em realizar determinada tarefa. Piaget constatou em

suas observações que, as crianças desse estágio apresentam “um duplo progresso:

concentração individual, quando o sujeito trabalha sozinho e colaboração efetiva quando há

vida comum.” (PIAGET, 1987, p. 43).

À medida que o indivíduo constrói estruturas operatórias, conceitos e relações espontâneas, toma consciência das mesmas e designa-as por meio de palavras, ou seja, o pensamento torna-se verbalizado e os contatos sociais são facilitados. [...]. Essas trocas sociais através da linguagem vão favorecer cada vez mais o choque do eu com o outro, fazendo a criança tomar consciência de si – eu subjetivo – e de suas ideias, fazendo-a deixar de considerar sua visão do mundo como a única possível, para confrontá-la e, talvez, coordená-la com a de outras pessoas. (FARIA, 1998, p. 50-51).

A imitação acontece dependendo da necessidade que a criança tem para a elaboração

de seus trabalhos e, neste caso específico, a imitação submete-se à inteligência, resultando na

chamada imitação refletida. Segundo Piaget (1978a, p. 24),

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é o degrau onde as lacunas próprias à natureza mesma das operações concretas começam a fazer sentir em certos setores, sobretudo no setor da causalidade, e onde estes novos desequilíbrios preparam de algum modo o reequilíbrio do conjunto que caracterizará o estágio seguinte e do qual se apercebem às vezes alguns esboços intuitivos.

Desde que nasce, a criança encontra-se em constante processo de desenvolvimento e

sua interação com o meio físico e social possibilita que ela adquira conhecimentos que são

aceitos pela sociedade na qual está inserida. Esta apropriação de conhecimento se dá tanto

pelas relações estabelecidas no ambiente familiar, escolar e na sociedade como um todo. O

ingresso da criança no universo moral se dá pela aprendizagem de diversos valores e deveres

a ela impostos tanto pelos pais quanto por outros adultos. Através das diversas experiências,

em que os fatores biológicos, sociais e psíquicos fazem parte, a criança vai se apropriando das

normas e valores presentes na sociedade, formando assim a sua consciência ou juízo moral,

como por exemplo, não mentir, não pegar as coisas dos outros, não utilizar nenhum tipo de

violência. Não se trata de um acontecimento imediato, da noite para o dia, mas de um

processo que vai ocorrendo durante toda a fase da infância. Assim sendo, é importante

conhecer como se dá essa construção da moralidade no sentido de se entender melhor as

crianças, principalmente as da faixa etária de dez anos, que são os sujeitos desse estudo.

3.2 O juízo moral sob a ótica de Piaget

O fato de se compreender como se dá o processo de desenvolvimento do juízo moral

nas crianças, abre um grande leque de oportunidades para que essas desenvolvam uma

autonomia que as capacite a desenvolver uma consciência ativa para que saibam agir em

todos os momentos da vida. Os estudos sobre desenvolvimento moral procuram entender

como o sujeito internaliza e assume para si os padrões sociais de maneira a respeitar as regras

e tê-las como guia de conduta pessoal. Piaget não se debruçou somente no estudo do

desenvolvimento intelectual das pessoas, mas também procurou entender como se processa o

desenvolvimento da moralidade. Segundo ele, “a moralidade infantil é o produto de uma

atividade da criança que, em contato com o meio social, re-significa os valores, os princípios

e as regras que lhe são apresentadas.” (LA TAILLE, 2006, p. 96). Para que a criança consiga

fazer a ressignificação desses valores, parte-se do princípio de que é necessário um certo

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desenvolvimento cognitivo, uma vez que determinadas estruturas mentais já precisam estar

construídas, além, é claro, da motivação.

O desenvolvimento cognitivo constitui, para Piaget, uma condição necessária ao desenvolvimento moral, [...] mas não é suficiente, haja vista tantos casos de sujeitos extremamente autônomos do ponto de vista cognitivo, porém, falta-lhes o mínimo de moral concebível em suas atitudes. (TOGNETTA, 2003, p. 39).

Para ele, a evolução da moralidade parte dos jogos de regras, uma vez que toda

moralidade possui regras estabelecidas. Assim sendo, seu estudo da evolução da moralidade

humana se embasa na observação dos jogos coletivos de regras.

Alguns autores defendem que Piaget divide o desenvolvimento moral em três estágios:

anomia, heteronomia e autonomia. No entanto, outros estudiosos de Piaget acreditam que esse

desenvolvimento moral piagetiano pode ser dividido em quatro estágios, que são o de anomia,

o de heteronomia, o de semi-autonomia e o de autonomia. É essa segunda opção, com o

desenvolvimento moral em quatro estágios, que será considerada neste trabalho.

Anomia- até 2 ou 3 anos (período sensório-motor). É pré-moral, caracterizando-se pelo egocentrismo e por uma desobediência natural. A criança é incapaz de praticar regras, porque não as compreende. Heteronomia – dos 3 aos 7 anos (período pré-operatório). Caracteriza-se por uma dependência do adulto [...]. Ela ainda não compreende as regras, mas pode obedecê-las e praticá-las. Semi-autonomia – dos 6/7 aos 11/12 anos (período operatório-concreto). A criança já tem alguma compreensão do moral e do lógico e pode perceber a relatividade de certos conceitos. A criança não tem muito claro o que seja a justiça, mas pode distinguir um ato justo de um injusto. Autonomia – a partir dos 12 anos (estágio operatório-formal). Consiste na capacidade de autogovernar-se, pela interiorização consciente e reelaboração das regras de conduta. (ANDRADE; OLIVEIRA L.; OLIVEIRA M., 1997, p. 49-50).

Em 1932, Piaget publica o livro “O julgamento moral na criança”, em que ele faz

diversos estudos de casos com as crianças nos diferentes estágios de desenvolvimento.

Observando o comportamento das crianças em jogos comuns e suas opiniões sobre as regras

que deveriam orientar estas brincadeiras, Piaget percebeu que, em um primeiro momento, as

crianças exercitam seus sentidos, sem que sigam propriamente qualquer regra. Um pouco

mais adiante, as crianças começam a seguir regras fixadas pelos adultos, mas se comportam

egocentricamente e, muito comumente, jogam sozinhas. Do ponto de vista do juízo moral,

Piaget, em seus inúmeros experimentos com casos hipotéticos e reais, perguntava às crianças

quem tinha feito a coisa pior: um menino que havia quebrado 12 copos, sem querer ou outro

menino que havia quebrado um copo intencionalmente. Na fase pré-operacional, as crianças

respondiam que o primeiro havia feito algo mais grave, porque “12 copos eram mais do que

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um”. No período operacional concreto, as crianças já haviam evoluído para a compreensão

moral que separa consequências e intenções. Para essas crianças, o garoto que quebrou um só

copo, mas fez de propósito, incorreu em algo mais grave. Neste período, as crianças passam a

ter um interesse social, a colaborar umas com as outras e já entendem que os jogos possuem

regras que devem ser observadas para que eles possam “dar certo”.

A criança do período operacional concreto que se encontra no estágio moral da semi-

autonomia já interiorizou algumas regras sociais e morais e, por isso, as cumpre

deliberadamente para se proteger. A criança entre os sete e doze anos começa a demonstrar

novos sentimentos morais, melhor organização da vontade, sendo que tudo isso propicia a ela

um salto qualitativo no que diz respeito à sua vida afetiva. “Por volta dos dez-doze anos,

invocam, em geral, contra a mentira, razões que se reduzem a isto: a veracidade é necessária à

reciprocidade e ao acordo mútuo.” (PIAGET, 1977, p. 148). É nesta fase que a criança

começa a dar grande valor ao grupo de pares, por exemplo, começa a gostar de sair com os

amigos, adquirindo valores tais como a amizade, companheirismo, partilha, etc., começando,

inclusive, a aparecerem os líderes.

Assim sendo, desenvolve-se uma capacidade que tem grande relevância para o

desenvolvimento social e moral. Ao compor um universo físico mais estável e previsível a

criança começa a levar em consideração diferenças de perspectivas entre ela e os outros.

Trata-se, agora, não só de disputar com os companheiros, mas ainda e, principalmente, de regulamentar a partida através de um conjunto sistemático de leis que asseguram a mais completa reciprocidade nos meios empregados. Portanto, o jogo tornou-se social. [...]. Anteriormente, cada um jogava para si. Cada um procurava, na verdade, imitar o jogo dos mais velhos e dos iniciados. Porém isso se verificava mais para alimentar a satisfação, ainda toda pessoal, que se experimenta ao se sentir membro de uma comunidade mística, cujas instituições sagradas são transmitidas pelos mais velhos a partir de um passado longínquo, do que para sustentar o desejo real de cooperar com o parceiro ou com quem quer que seja. [...]. Entretanto, essa cooperação permanece em parte no estado de intenção. [...]. Assim é que, durante o presente estágio, na própria criança, chega-se, quando muito, a se formar uma “moral provisória”, transferindo-se para mais tarde o cuidado de se constituir um código e uma jurisprudência. (PIAGET, 1977, p. 39-40).

As crianças desse período veem as regras do jogo não mais, sagradas, impostas pelos

adultos, como uma lei exterior, mas como a consequência de uma livre decisão que deve ser

respeitada, uma vez que é consentida. Seria a cooperação, o respeito mútuo, esse proveniente

de uma relação entre iguais, e a autonomia suplantando o egocentrismo e a coação do estágio

anterior. A partir dos dez, onze anos, a criança toma consciência da regra, da razão de ser das

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leis. “A regra torna-se, para ela, condição necessária do entendimento.” (PIAGET, 1977, p.

61).

Nos dizeres de Anália Faria (1998, p. 55), Piaget acredita que

a partir do período operacional concreto, a existência de interesses comuns, verificada nas conversas entre crianças de idades aproximadas, favoreça a tomada de consciência do pensamento e a expressão verbalizada, portanto, leve ao declínio do egocentrismo. Esta ajuda pode ocorrer, também, a partir do convívio da criança com o adulto, em situações em que haja intervencionismo positivo.

O intervencionismo positivo feito pelo adulto seria no sentido de ajudar a criança a

perceber a necessidade de “pensar sobre o pensar”. Isto daria condições de a criança dominar

tanto o produto quanto o mecanismo do pensamento, além das suas verbalizações. O contato

das crianças com outras crianças leva, com a idade, ao que Piaget chama de “desaparecimento

progressivo do conformismo”.

[...] o fato de que nossas crianças, crescendo, participam de um número cada vez maior de tradições locais. [...], que há outros costumes além daqueles com os quais está habituado, trava conhecimento com crianças de outras escolas, que o libertam de seu conformismo estreito, e, deste modo, se estabelece uma fusão entre clãs até então mais ou menos isolados. Por outro lado, crescendo, a criança escapa, progressivamente, de seu círculo familiar e, como assimila, no início, as regras do jogo aos deveres prescritos pelos adultos, quanto mais escapar ao conformismo familiar, tanto mais sua consciência da regra será transformada. (PIAGET, 1977, p. 90).

Piaget afirma que as regras sociais, quer sejam linguísticas, morais, religiosas,

jurídicas, dentre outras, não são constituídas, transmitidas ou conservadas devido à

hereditariedade biológica, mas sim por meio das pressões externas que os indivíduos exercem

uns sobre os outros. Para ele, as crianças são influenciadas pelos adultos desde pequenas e são

submetidas às múltiplas disciplinas. Elas não têm convicções já formadas a respeito da origem

das regras e suas ideias constituem apenas indícios de sua atitude profunda. “As regras não

aparecem na consciência da criança como realidades inatas, mas como realidades transmitidas

pelos mais velhos e às quais, desde a mais tenra idade, ela deve se conformar graças a uma

adaptação sui generis.” (PIAGET, 1977, p. 162-163).

Assim sendo, as crianças nesta fase estão conscientes dos interesses, necessidades e

reivindicações das outras pessoas e precisam levá-los em consideração. Segundo Faria (1998,

p. 56),

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no plano social e moral, os grupos de discussão entre as crianças começam a favorecer não só a objetivação do eu e do pensamento, mas também o questionamento da validade e das consequências das normas sociais. A partir desta fase, as normas precisam ser aceitas para orientarem condutas sociais autênticas.

As regras são de suma importância para a criança aprender a desenvolver o juízo

moral. É através delas que aprendem que tudo na vida tem limites, e que todos possuem

direitos e deveres, desenvolvendo assim o sentimento do dever e do bem. O sujeito, quando

aprende a respeitar as regras, desenvolve a prática do juízo moral que é a disciplina e o

respeito mútuo. As crianças reconhecem que é preciso estarem preparadas para a

reciprocidade, uma vez que é necessário que os outros concordem ou cooperem para que elas

consigam alcançar seus próprios objetivos. Sabe-se que

a teoria piagetiana sobre a aprendizagem moral possibilita a compreensão do modo que se processa a assimilação de valores ético-morais ao longo da vida dos indivíduos, bem como possibilita o entendimento dos elementos que compõem o universo das condutas heterônomas e autônomas. [...]. Kohlberg avança e dinamiza a formulação piagetiana do desenvolvimento moral. Sua construção dos subestádios permite-nos compreender o paralelismo, as imbricações e ambiguidades dos elementos de autonomia e heteronomia, presentes nos processos de desenvolvimento moral de crianças e jovens. (MARQUES, 1998, p. 10-11).

3.3 O desenvolvimento da consciência moral segundo Kohlberg

A obra de Lawrence Kohlberg tem exercido uma enorme influência na teoria e nas

práticas educacionais em todo o mundo. Deste modo pode-se afirmar que:

As primeiras intervenções educativas realizadas, a partir de uma perspectiva cognitivo-evolutiva, para favorecer o desenvolvimento moral, baseiam-se na criação de conflitos e na estimulação do processo de adoção de perspectiva através do procedimento da discussão moral, na linha do trabalho de Kohlberg. (DÍAZ-AGUADO; MEDRANO, 1999, p. 38).

Kohlberg assinala que a teoria de desenvolvimento da consciência moral, baseada nas

contribuições de Piaget, caminha no sentido de que a criança constrói ativamente seu senso

moral em relação com o mundo que experimenta e segundo determinadas estruturas

invariantes e progressivas de moralidade. Após entrevistas, Kohlberg percebeu que a intuição

de Piaget sobre a existência de estágios de desenvolvimento do juízo moral estava correta, e

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como um continuador do trabalho piagetiano, elaborou uma teoria mais complexa sobre o

tema.

Como resultado da sua pesquisa, esse estudioso distingue três níveis de

desenvolvimento da consciência moral nos seres humanos, com base nas investigações

anteriores de Jean Piaget: nível pré-convencional, convencional e pós-convencional. O pré-

convencional pode ser caracterizado pela reciprocidade das perspectivas de ação dos

participantes, em que só podem se tornar moralmente relevantes as ações concretas e as

consequências de ações ou sanções. No segundo nível, a moralidade se manifesta na

tendência do indivíduo em se identificar com sua própria comunidade, de modo que identifica

as normas morais corretas com as vigentes. No terceiro nível, a pessoa é capaz de distinguir as

normas comunitárias, convencionalmente estabelecidas, dos princípios universalistas de

justiça que lhe permitem avaliar o grau de moralidade das normas de qualquer comunidade,

inclusive a sua.

No nível pré-convencional (até 9/10 anos) o julgamento se baseia nas consequências físicas dos atos, pois a criança, egocêntrica, não tem noção de grupo, não está, ainda, preocupada com a convenção estabelecida, nem considera as intenções. No convencional (de 9/10 anos até 14/15 anos) há a descoberta e a valorização do grupo e o sentimento de pertença a este grupo, pela descentração. [...]. No pós-convencional (de 14/15 anos em diante) supera-se a convenção estabelecida, pela aceitação consciente das regras interiorizadas; a moralidade baseia-se no contrato social democraticamente aceito e em princípios éticos. (ANDRADE; OLIVEIRA L.; OLIVEIRA M., 1997, p. 53-54).

Para se chegar à definição dos estágios de desenvolvimento moral, Kohlberg realizou

uma pesquisa com 75 rapazes, de classe média, moradores da zona urbana de Chicago, que

foram divididos em três grupos etários de 10, 13 e 16 anos. Nesse estudo, foi utilizado o

método de entrevistas em que o pesquisador apresentava dilemas morais hipotéticos aos

jovens e lhes pedia que julgassem os dilemas e dessem justificativas das suas respostas. Essas

entrevistas davam aos entrevistados a possibilidade de responder livremente além de poderem

fazer perguntas no sentido de se ter respostas adicionais e, diante disso, as justificativas que

eram dadas possuíam um maior esclarecimento. O que Kohlberg e Piaget investigam é o

julgamento moral ou o raciocínio e não, a conduta moral.

O raciocínio moral se diferencia de outros tipos de raciocínio social por orientar-se para os valores e não para os fatos, por tratar sobre o que se deve ou não se deve fazer, sobre o que se considera justo ou injusto, em lugar de limitar-se a descrever o que sucede ou pode suceder. [...]. Kohlberg realizou sua investigação, fixando-se na estrutura de raciocínio e sempre sobre os mesmos valores que se apresentam ao sujeito já estruturados. Os valores utilizados foram: leis e regras, vida, consciência, castigo e

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justiça, autoridade, contrato, direitos civis, etc. Sua atenção se dirigiu à estrutura de raciocínio, não ao conteúdo, de maneira que em sua teoria cada estágio reflete a forma de pensar sobre um conteúdo moral. (DÍAZ-AGUADO; MEDRANO, 1999, p. 34 e 42).

Vale frisar, no entanto, que as pesquisas realizadas por esses estudiosos mostraram que

há uma relação entre os níveis do julgamento moral e a conduta moral, ou seja, pessoas que se

encontram nos níveis mais altos possuem uma tendência de um melhor comportamento moral

do que os que se encontram nos níveis mais baixos. Fala-se de uma tendência porque uma

pessoa pode ter todo um raciocínio embasado na moralidade, mas não possuir uma conduta

moral e nem se deixar guiar por princípios morais.

Ambos estão de acordo em que elementos próprios à autonomia e à heteronomia compõem a moral dos indivíduos na sociedade, mas diferem sobre qual etapa ou momento do desenvolvimento eles se processam. Enquanto Piaget postula que a aprendizagem de valores iniciada na infância evolui dos elementos próprios da heteronomia para os elementos da autonomia, Kohlberg afirma que ao longo do desenvolvimento moral indivíduos vivenciam elementos próprios da autonomia e da heteronomia, de forma concomitante, em todos os estádios de desenvolvimento. (MARQUES, 1998, p. 8).

De acordo com a teoria da evolução da moralidade desenvolvida por Kohlberg e seus

colaboradores, o desenvolvimento da capacidade de julgamento moral efetua-se da infância

até a idade adulta, passando pela adolescência, segundo um modelo invariante. No que se

refere aos estágios, pode-se dizer que são evolutivos, no sentido de que o segundo estágio

sempre representa uma maior complexidade de raciocínio, desenvolvimento e organização do

que o primeiro. Vale aqui uma ressalva de que Kohlberg em seus estudos não estava alheio à

possibilidade de que outros fatores poderiam intervir nesses níveis de evolução da moralidade.

Kohlberg citado por Tognetta (2003, p. 42) afirma que, “estamos de acordo de que sua

construção está, muito provavelmente, influenciada por suas relações com a emoção,

imaginação e sensibilidade moral, e alertamos a quem está interessado em fazê-lo, que

investigue essas relações.”

Para Kohlberg, os estágios são invariáveis, hierárquicos e universais. Os fatores

culturais podem interferir na rapidez com que esses estágios mudam, além das possíveis

diferenças quanto à idade que as crianças alcançam cada estágio, mas não se modifica a

sequência que eles aparecem, ou seja, os estágios possuem uma sequência invariável, mas isso

não quer dizer que as pessoas alcançam cada estágio na mesma idade, o que não acontece são

os saltos, já que a pessoa não chega ao estágio 4, por exemplo, sem passar pelo estágio 3.

Desta maneira,

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a perspectiva social do nível pré-convencional [...], é a de um indivíduo em relação a outros indivíduos, que se orienta em função das consequências imediatas de seus atos. [...]. As regras e expectativas sociais são, todavia, externas ao eu. A perspectiva social do nível convencional [...], é a de um membro da sociedade, que se orienta em função das expectativas dos demais ou da manutenção do sistema social como um todo. A perspectiva social pós-convencional [...], orienta-se para a construção de princípios morais autônomos que permitirão chegar a uma sociedade ideal; vai, portanto, mais além da sociedade. (DÍAZ-AGUADO; MEDRANO, 1999, p. 29).

La Taille (2006, p. 101-102) complementa a análise desses estágios dizendo que

no nível pré-convencional, a criança responde a regras culturais e rótulos de bom e ruim, de certo e errado, mas interpreta tais rótulos em termos de consequências, sejam físicas ou hedonísticas, da ação (punição, recompensa, troca de favores), ou em termos da força física de quem enuncia as regras e rótulos. [...]. No nível convencional, a manutenção das expectativas da família, grupo ou nação do indivíduo é percebida enquanto valiosa por si só, sem relação com consequências imediatas e óbvias. [...]. No nível pós-convencional, há um esforço claro para definir valores e princípios morais que tenham validade e aplicação, independentemente da autoridade dos grupos ou das pessoas que os adotam, e independentemente da própria identificação do indivíduo com tais grupos.

As pesquisas feitas por Kohlberg apontam, por exemplo, que nas famílias em que a

criança é mais ouvida, cujas ideias são mais levadas em consideração, e os problemas que

surgem no dia a dia são colocados em debate, inclusive com a participação da criança nessas

discussões, facilita-se o desenvolvimento moral, principalmente se os desfechos dessas

conversas forem acompanhados por boas argumentações. Díaz-Aguado e Medrano (1999, p.

113) reafirmam isso dizendo que

a partir da perspectiva de Kohlberg, o grupo de iguais não é uma condição necessária para o desenvolvimento da autonomia, como o considerava Piaget, senão uma excelente oportunidade, uma oportunidade entre outras, para adotar um papel social. O importante para o desenvolvimento da criança não seria tanto uma relação específica com sujeitos de sua mesma idade, como a oportunidade de estabelecer um tipo distinto de relações e desempenhar, por conseguinte, distintos papéis; embora seja certo que a eficácia destas experiências dependerá da reciprocidade que seja permitida em tal processo.

Kohlberg avança mais na discussão desses níveis de moralidade e divide cada um

desses níveis em dois estágios, perfazendo um total de seis estágios do desenvolvimento

moral.

O estágio um (moralidade heterônoma) caracteriza-se por sua total unilateralidade. [...]. O valor das pessoas se considera de forma categórica em função de suas qualidades físicas. [...]. O indivíduo do estágio um é incapaz de diferenciar perspectivas nos dilemas morais. O sujeito do estágio dois (moralidade do

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intercâmbio) compreende que cada pessoa tem seus próprios interesses e que esses podem estar em conflito com os interesses dos demais. [...], fazendo-o adotar uma perspectiva moral hedonista e relativista, segundo a qual a forma melhor de resolver os conflitos é através de intercâmbios instrumentais diretos e concretos, tratando os interesses de cada indivíduo de forma estritamente igual. No estágio terceiro (moralidade da normativa interpessoal) [...], adotando a perspectiva de uma terceira pessoa. Isso permite superar o individualismo instrumental e construir um conjunto de normas compartilhadas que se espera todos cumpram. O indivíduo do estágio quarto (moralidade do sistema social) adota a perspectiva de um membro da sociedade baseada em uma concepção do sistema social como um conjunto consistente de códigos e procedimentos que se aplicam imparcialmente a todos os seus membros. A perspectiva do estágio cinco (moralidade dos direitos humanos) vai mais além da sociedade; é a de um agente moral racional que conhece valores e direitos universalizáveis [...]. Orienta-se mais para a criação de uma sociedade ideal. O estágio sexto caracteriza-se por adotar uma perspectiva sócio-moral que idealmente todos os seres humanos deveriam adotar para com os outros como pessoas livres, iguais e autônomas. (DÍAZ-AGUADO; MEDRANO, 1999, p.30-31).

As crianças que são objeto do presente estudo, que estão na faixa etária de dez anos, se

encontram, de acordo com a teoria de Kohlberg, no nível pré-convencional, no estágio dois:

moralidade individualista-instrumental. Neste nível, o sujeito não consegue tomar consciência

de que outros pontos de vista existem, uma vez que ele se encontra centrado em suas próprias

perspectivas, e a sociedade como um todo não é alvo de suas preocupações, assim sendo, é

um nível com características subjetivas.

Kohlberg citado por James Fowler (1992, p. 64) diz que

a pessoa cujo julgamento moral está predominantemente no estágio dois não é menos auto-interessada do que a pessoa do estágio um. Num sentido especial, podemos dizer que ela é mais auto-interessada. Ao conseguir diferenciar a sua perspectiva da dos outros e de coordená-la com a dos outros, podemos dizer que as pessoas no estágio dois estão mais claramente conscientes de seus próprios interesses e desejos e, em consequência, são mais efetivamente capazes de persegui-los. As diferenças em relação ao egocentrismo do estágio um, todavia, são bastante significativas.

O divisor de águas entre o estágio um e o dois, é a descoberta de que os conflitos de

interesses não precisam, necessariamente, ter uma solução unilateral através da obediência ou

castigo, mas que as pessoas têm seus interesses próprios que podem ou não coincidir com o

do outro e toda essa tomada de consciência faz com que haja uma compreensão de que as

ações morais necessitam de reciprocidade. “No estágio II, já há referência à relação específica

entre duas pessoas, mas não transcende ao grupo.” (TOGNETTA, 2003, p. 41). Quando

surgem os conflitos em que os interesses individuais estão em jogo, “o sujeito do estágio dois

propõe soluções de estrutura individualista instrumental: através de intercâmbios de serviços

e/ou tratando os interesses de cada pessoa de forma estritamente igual.” (DÍAZ-AGUADO;

MEDRANO, 1999, p. 74).

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Quando se fala de justiça nessa faixa etária, percebe-se a existência da reciprocidade,

ou seja, a troca de favores. As entrevistas realizadas com crianças do estágio dois, apontaram

para uma “concepção de justiça como intercâmbio instrumental de favores [...] tanto nos

dilemas hipotéticos como no dilema real.” (DÍAZ-AGUADO; MEDRANO, 1999, p. 74). Essa

reciprocidade do estágio dois leva a uma orientação hedonista e individualista e os que se

encontram nesse estágio defendem que direito é seguir as regras quando for de seu interesse

imediato. O direito para esses é agir para satisfazer os interesses e necessidades próprias,

ações essas que produzem prazer e um ganho imediato, além de deixar que os outros façam o

mesmo, uma vez que acreditam que cada um deve perseguir seus próprios objetivos. Nesse

ponto, aqueles que estão nesse estágio, procuram reduzir a um patamar mínimo as

consequências negativas que porventura venham recair sobre eles. Os raciocínios que

acontecem embasados nessa ótica individualista e concreta fazem com que o dever moral seja

analisado de maneira relativa por aqueles que se encontram nesse estágio dois.

Ao discorrer sobre o desenvolvimento cognitivo e moral das crianças, surge a

compreensão de que é necessário analisar também a dimensão da fé que faz parte do ser

humano como um todo. Essa fé não deve ser separada da vida, tratada como algo

compartimentado, mas sim como uma dimensão que proporciona esperanças para se lidar com

as vicissitudes da vida.

Assim como o desenvolvimento cognitivo e moral se estruturam em estágios, de

acordo com a compreensão piagetiana e kohlberguiana, pode-se também falar de uma fé que

também se constitui de estágios nos quais o ser humano passaria por eles ao longo de sua

vida? James Fowler defende que sim.

Ao nascer, somos dotados com capacidades inatas para a fé. A maneira pela qual essas capacidades são ativadas e crescem depende grandemente de como somos recebidos no mundo e do tipo de ambiente em que crescemos. A fé é interativa e social, requer comunidade, linguagem, ritual e alimentação. A fé também é moldada por iniciativas que vêm de além de nós e de outras pessoas, iniciativas de espírito ou graça. A maneira pela qual essas iniciativas são reconhecidas e expressas em imagens, ou despercebidas e ignoradas, afeta poderosamente a configuração da fé em nossa vida. (FOWLER, 1992, p. 10-11).

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3.4 A fé mítico-literal das crianças de dez anos

James Fowler baseando-se nos trabalhos de evolução cognitiva e moral desenvolvidos

por Piaget e Kohlberg, descreve estágios evolutivos da fé. Ele defende que a fé sustenta a

formação de crenças, valores, significados, além de dar coerência e direção à vida das

pessoas, ligando-as à confiança mútua e à lealdade.

Os estudos de Fowler são importantes para a educação religiosa, pois possibilitam o respeito, tanto ao processo individual de evolução da religiosidade quanto à construção pessoal da maturidade da fé ao longo da vida. Deve-se considerar que a descrição dos estágios que ele elaborou não é prescritiva, nem definidora. A vida ainda apresenta mistérios insondáveis. (ANDRADE; OLIVEIRA L.; OLIVEIRA M., 1997, p. 89).

Fowler desenvolve sete estágios na capacitação para a fé cristã que se relacionam entre

si de modo hierárquico e sequencial, cuja ordem se mostra ascendente. A mudança de uma

fase para a outra pode ser demorada e difícil, exigindo reconstruções e conversões. Cada

estágio tem como base o anterior, e não se avança para o estágio subsequente se a fase em que

se encontra não foi bem vivida, ou seja, muda-se de estágio quando se toma consciência das

limitações da fase anterior.

Os estágios evolutivos da fé segundo Fowler (1992, p. 100) seriam: “fé indiferenciada

(lactância); fé intuitivo-projetiva (primeira infância); fé mítico-literal (anos escolares); fé

sintético-convencional (adolescência); fé individuativo-reflexiva (início da fase adulta); fé

conjuntiva (meia- idade e depois); fé universalizante.”

As crianças de dez anos que estão sendo analisadas nesse trabalho se encontram,

segundo Fowler, no estágio da fé mítico-literal (de sete a doze anos). O autor diz:

A criança de dez anos constrói um mundo mais ordenado, confiável e temporalmente linear. Capaz de raciocínio indutivo e dedutivo, a criança de dez anos tornou-se um jovem empirista. Enquanto a criança intuitivo-projetiva (do estágio anterior) funde fantasia, fato e sentimento, a criança mítico-literal (fase dos dez anos) trabalha árdua e eficazmente para distinguir o real do faz-de-conta. Dentro do âmbito de sua capacidade de investigar e testar, este jovenzinho irá insistir na demonstração ou apresentação de provas para pretensões de fato. A criança operacional concreta não deixa de ser imaginativa ou capaz de uma vida de fantasia altamente desenvolvida, mas os produtos da imaginação são confinados mais ao mundo da brincadeira e serão submetidos a formas mais lógicas de escrutínio antes de serem admitidos como parte do que a criança “conhece”. [...] O grande dom para a consciência que surge neste estágio é a capacidade de narrar a própria experiência. No tocante ao nosso interesse primário na fé, podemos dizer que o desenvolvimento do estágio mítico-literal traz consigo a capacidade de ligar nossas experiências, formando sentido, por intermédio de estórias. (FOWLER, 1992, p. 118).

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59

Para as crianças de dez anos, Deus continua sendo entendido de maneira concreta,

com imagens antropomorfas e mágicas. Elas começam a perceber as diferenças entre o natural

e o sobrenatural. Neste estágio a criança assume para si as estórias, crenças, dramas, mitos e

observâncias que simbolizam pertença à sua comunidade e dão coerência à experiência. As

crenças recebem uma interpretação literal, assim como as regras e atitudes morais. Os

símbolos são compreendidos como unidimensionais e literais em seu sentido. O surgimento

de operações concretas faz com que as crianças de dez anos tenham um controle e

ordenamento da composição imaginativa do mundo. A fé intuitivo-projetiva, própria do

estágio anterior, cede lugar a uma construção mais linear e narrativa de coerência e sentido.

Elas encontram na estória o principal meio de dar unidade e valor à experiência. As estórias

que são contadas com riquezas de detalhes possuem personagens que são investidos de

simbolismo e dramaticidade. Entretanto, as crianças nesta idade não conseguem tomar

distância das estórias e dar a elas significados refletidos e conceituais. O sentido é

comunicado pela narrativa e está preso nela. Nesse estágio de fé, o meio social em que a

criança vive é de suma importância, já que a mudança para o estágio seguinte se dá a partir do

momento em que a criança começa a refletir sobre os significados das imagens. Ainda

segundo este autor,

o pensamento operacional concreto traz novas capacidades. A convergência da reversibilidade do pensamento com a assunção da perspectiva do outro, combinada com uma melhor compreensão das relações causa-efeito, significa que estão no lugar as peças necessárias para que as crianças se apropriem das estórias ricas que ouvem e as recontem. Mais do que isso, existem as condições para elas começarem a contar estórias autogeradas que tornam possível conservar, comunicar e comparar as suas experiências e significados. Esta capacidade para a narrativa e o interesse por ela torna a criança em idade escolar particularmente atenta às estórias que conservam as origens e a experiência formativa dos grupos familiar e comunitário aos quais ela pertence. (FOWLER, 1992, p. 119).

O fato de as crianças desse estágio mítico-literal serem capazes de assumir a

perspectiva de outras pessoas, criarem um mundo baseado em equidade, aqui entendida como

troca instrumental, ou seja, todas as pessoas têm o mesmo direito, sem distinção, além de uma

concepção de justiça que tem como base a reciprocidade, faz com que elas também adquiram

a capacidade de construir a ideia de um Deus que é limitado de poder, que pode errar,

características essas que muitas vezes são próprias dos membros da família e das pessoas à

sua volta. Fowler alerta que tudo isso pode trazer consequências um tanto quanto indesejáveis.

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60

As limitações da literalidade e uma excessiva dependência da reciprocidade como princípio para construir um ambiente último podem resultar ou em um perfeccionismo supercontrolador e empolado ou “justificação pelas obras”, ou em seu oposto, um humilhante senso de maldade, assumido por causa de maus tratos, negligência ou o patente desfavor da parte de outros significativos. (FOWLER, 1992, p. 129).

A partir do momento em que as crianças desse estágio começam a perceber as

contradições implícitas nas estórias, elas começam a refletir sobre os significados e o

literalismo desmorona. Isso faz com que surja uma nova presunção cognitiva que levará a

criança a ter uma desilusão em relação aos professores, educadores e aos ensinamentos

anteriores. É esse o fator que desencadeará a transição para o estágio três. Esse estágio, no

entanto, não se apresenta como objeto do presente estudo.

3.5 A compreensão do desenvolvimento moral lança luzes sobre a formação do

imaginário religioso

Entender como acontece o desenvolvimento da moralidade no ser humano é de

fundamental importância para a compreensão de quais valores fazem parte do universo

infantil, porque acredita-se que serão esses que, a priori, farão parte do processo constitutivo

do imaginário das crianças e, no caso específico desse estudo, do imaginário religioso das

crianças de dez anos.

Após discorrer sobre as teorias piagetiana e kohlberguiana sobre o desenvolvimento

moral e seus desdobramentos, além dos estágios evolutivos da fé, surgem alguns

questionamentos. Um deles seria se todas as crianças necessariamente teriam um “despertar

do senso moral”. Yves de La Taille defende com muita clareza que todas as crianças possuem

algo latente que proporciona esse “despertar da moralidade”. “Como não se trata de um

potencial exclusivamente determinado pela maturação biológica, a qualidade das relações

sociais desempenha papel da maior relevância.” (LA TAILLE, 2006, p. 132).

Como pontuado por La Taille, o despertar da moralidade depende também do meio no

qual cada um se encontra inserido, ou seja, das diversas instituições responsáveis direta e

indiretamente por esse despertar, tais como a família, as instituições religiosas e escolares,

enfim, a sociedade como um todo.

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Mas o que é moral? Quais seriam os pontos de convergência e divergência entre a

religião e a moral? Compreender as etapas do desenvolvimento moral realmente traz

elementos para se entender a formação do imaginário religioso infantil?

Diferentemente do animal, o homem se encontra numa variedade de relações com o

mundo exterior, seja com a intenção de conhecê-lo, transformá-lo ou simplesmente admirá-lo.

Seu comportamento diversificado acontece devido à variedade e diversidade das suas

necessidades especificamente humanas. Dentre essa diversificação de comportamentos, pode-

se ressaltar o comportamento religioso, que consiste na relação do ser humano com um ser

transcendente, sobrenatural ou Deus.

Estas inúmeras relações do ser humano com o mundo provoca também uma diversidade

de relações e de comportamentos entre as pessoas, seja no campo econômico, político,

jurídico, moral, etc. Assim sendo, o ser humano muda o seu comportamento de acordo com o

objeto com o qual entra em contato, seja ele a natureza, as obras de arte, Deus, as outras

pessoas, ou conforme a necessidade humana que precisa ser atendida, e nesse caso pode ser

uma determinada ordem social que precisa ser mantida ou transformada.

“O termo ‘moral’ vem do latim mos ou mores que remete a ‘hábitos’. Esses hábitos são

adquiridos no decorrer do existir dos sujeitos no mundo. Daí o caráter histórico da formação

moral.” (FERREIRA, 2001, p. 30). Desta maneira,

a moral foi e é entendida como um fenômeno que comporta algumas, várias ou todas estas características: a moralidade é o âmbito da realização da vida boa, da vida feliz, tanto se a felicidade é entendida como prazer (hedonismo) como se é entendida como auto-realização (eudemonismo). A moralidade é o ajustamento a normas especificamente humanas. A moralidade é a aptidão para a solução pacífica de conflitos, quer em grupos reduzidos, quer em grandes grupos, como o país em que se vive ou todo o planeta. A moralidade é a assunção das virtudes próprias da comunidade a que se pertence, assim como a aptidão para ser solidário com os membros de tal comunidade (comunitarismo). A moralidade é a assunção de alguns princípios universais que nos permitem avaliar criticamente as concepções morais dos outros e também da própria comunidade. (CORTINA; MARTÍNEZ, 2005, p. 31).

Pelo fato de a moralidade se apresentar como um fenômeno bastante complexo, ela

precisa ser vista sob diferentes pontos de vista, como elucidado nos dizeres que

todas as concepções morais expõem certos preceitos, normas e princípios como obrigatórios para todo o conjunto de temas morais. Essa dimensão prescritiva da moralidade corresponde à intenção orientadora que toda moral concreta possui. Mas o fato de a moral se manifestar – não só, mas também – como um código de normas, como um conjunto de prescrições, provoca em muitas pessoas uma certa confusão entre as normas morais e outros tipos de normas ( jurídicas, religiosas, sociais, técnicas, etc. ) que frequentemente apresentam os mesmos conteúdos. (CORTINA; MARTÍNEZ, 2005, p. 39).

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62

Após esses esclarecimentos, serão traçadas algumas considerações no sentido de se

identificar semelhanças e divergências nos âmbitos normativos da moral e da religião.

A questão moral está presente em qualquer que seja a crença, religiosa ou não, uma

vez que todas crenças trazem em seu bojo elementos valorativos que dizem respeito a

determinados aspectos da vida, e que a partir desses, são estipulados princípios e normas que

se encarregam de orientar as ações do ser humano. As grandes religiões, como o cristianismo,

o judaísmo, o islamismo possuem um sistema de doutrinas morais muito bem estruturado.

O crente de determinada religião recebe – personalizando-a, aceitando-a em consciência como sua própria – a concepção moral do grupo religioso a que pertence, e com ela assimila também um determinado código de normas que para ele terá a dupla condição de código religioso (prescrições que procedem da divindade por meio da revelação e do magistério dos hierarcas) e de código moral (prescrições para orientar a ação que podem ser consideradas racionalmente exigíveis a toda pessoa enquanto tal). [...] embora muitos crentes não tenham consciência da dupla dimensão (religiosa e moral) que possui o código pelo qual regem a sua conduta, de fato existe uma diferença entre a auto-obrigação que corresponde à aceitação das regras enquanto religiosas (auto-obrigação que desaparece se o crente abandona essa religião concreta ou qualquer tipo de religião) e a auto-obrigação que se baseia na mera racionalidade da prescrição (auto-obrigação que não desaparece mesmo que o crente abandone a religião, pois as regras que podem ser consideradas racionalmente exigíveis obtêm sua obrigatoriedade não da crença em uma autoridade divina, e sim da própria consciência humana). (CORTINA; MARTÍNEZ, 2005, p. 42).

Deve-se ter claro que as religiões não são somente um código moral, mas vão além

disso, já que essas se constituem como uma certa maneira de entender o transcendente e o

modo de se relacionar com ele. Assim sendo, certos preceitos que estão contidos no código

moral religioso e possuem um aspecto especificamente religioso, não podem ser enquadrados

dentro das prescrições morais propriamente ditas, mesmo que o seguidor de determinada

religião a considere tão importante como todas as outras.

Uma ressalva precisa ser feita para lembrar que nem toda concepção moral está

atrelada a crenças religiosas. Se o comportamento moral e o religioso articulavam-se

historicamente, e articulam-se ainda em nossos dias, não se deduz que a moral precise

permanecer necessariamente dependente da religião. Isso faz parte de um passado, em que as

questões morais, na maioria das vezes, ficavam sob a responsabilidade das religiões e seus

dirigentes que se incumbiam de ditar normas morais para os seguidores da religião, tentando

inclusive, influenciar aqueles que não faziam parte do “rebanho”.

Mas, em rigor, os preceitos de uma moral religiosa só são obrigatórios para os fiéis da religião em questão. Portanto, uma moral comum exigível a todos, crentes e não-

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crentes, não pode ser uma moral confessional, nem tampouco belicosamente laicista (isto é, oposta à livre existência dos tipos de moral de inspiração religiosa), mas precisa ser simplesmente laica, isto é, independente das crenças religiosas mas não contraposta a elas. (CORTINA; MARTÍNEZ, 2005, p. 43).

Interessante não perder de vista que os diversos tipos de moral que compõem uma

sociedade pluralista podem e devem manter uma moral cívica que possua princípios que

possam ser colocados em comum, em que todas as pessoas sejam respeitadas e tenham seus

direitos garantidos.

Embora a moral imprima um caráter peculiar à regulamentação moral das relações entre

os homens, não se pode dizer que a vida moral sofreria perturbações sem a religião. Se no

passado Deus era o fundamento e a garantia da vida moral, hoje em dia são inúmeros aqueles

que procuram no próprio homem o seu fundamento e a sua garantia. Assim sendo, vários

princípios e valores morais, tais como a solidariedade, a compaixão, não necessariamente são

oriundos de motivações religiosas.

A partir de tudo que foi exposto, acredita-se que é importante a compreensão do

desenvolvimento da moralidade no ser humano no sentido de se conhecerem possíveis valores

que já podem estar presentes em determinada faixa etária, para que assim mais elementos

sejam postos para a investigação do imaginário religioso infantil, uma vez que não existe um

mecanismo em que se possa separar aonde determinada norma foi aprendida e em que

momento ela foi internalizada. Como relata Cortina e Martinez (2005, p. 40)

as normas morais conotam um tipo de obrigação “interna”, uma auto-obrigação que alguém reconhece em consciência, ou seja, como conteúdo normativo que alguém se impõe a si mesmo, independentemente da origem efetiva da norma. Não importa se aprendemos a norma moral na família, na escola ou na rua; também não importa se a norma em questão pertence a uma tradição religiosa ou a uma tradição laica. O importante é que alguém aceita a norma voluntariamente e a considera uma obrigação, a ponto de, se ceder à tentação de infringi-la, surgir um sentimento de auto-recriminação ou remorso.

A dimensão religiosa da pessoa é, por certo, no amplo leque das qualidades humanas,

a faceta mais abrangente do homem. Nela o ser humano pode se pronunciar como ser político,

se realmente estiver empenhado misticamente na busca do bem coletivo e do bem-comum,

consolidando-se, desta forma, como ser ético-transformador; poderá pronunciar-se como ser

lúdico-festivo-celebrativo, amante da beleza e da comunhão que o realiza no universo da

estética e da espiritualidade. Como um ponto mais alto de sua vocação permanente de

superação dos limites e das incertezas espácio-temporal, a pessoa humana sempre esteve e

estará em busca do sentido maior da vida e da morte. É aqui que entra, de maneira mais

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radical, a dimensão mística da condição espiritual humana que, para tornar-se explicitamente

acolhida, necessita ser cultivada. Por isso formar a pessoa como ser humano integral deve ser

preocupação permanente de todos aqueles que fazem da educação um estilo de vida e uma

missão libertadora.

A educação da religiosidade deve ser buscada por toda educação que, consciente e

decididamente, se insere na perspectiva da educação da liberdade. Essa precisa ser mais do

que um princípio que une os homens entre si e em Deus, mais do que doutrinas e ideias,

precisa trabalhar em prol da prática da justiça, do exercício da liberdade na solidariedade, em

vista da comunhão.

Após o embasamento teórico desenvolvido nos dois primeiros capítulos, acredita-se

que já existam elementos que dão condições de se analisar a pesquisa de campo que foi

realizada junto às crianças de dez anos, alunas de escolas confessionais cristãs, uma católica e

outra protestante, que possuem o Ensino Religioso na sua grade curricular. O capítulo três

apresenta os gráficos com os resultados da pesquisa, juntamente com a análise dos mesmos.

Espera-se que a pesquisa feita junto aos alunos, se mostre uma ferramenta eficaz no sentido

de complementar a teoria exposta anteriormente e que, juntas, proporcionem uma maior

compreensão de como se dá a formação do imaginário religioso infantil, além das possíveis

influências da família, da escola e das instituições religiosas nesse imaginário das crianças de

dez anos.

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4 A FORMAÇÃO DO IMAGINÁRIO RELIGIOSO INFANTIL

O ser humano de qualquer tempo, raça, ou cultura traz, dentro de si, o desejo de

transcender, de estar em contato com realidades espirituais. Este dado da existência humana

faz parte da essência, da história da humanidade. A escola, por sua vez, espaço de elaboração

da experiência humana, não pode deixar esta dimensão de lado. No entanto, Sant’Anna (2001,

p.158) alerta que

a criança quando nasce num meio cultural que não lhe propicia condições de conceituar o imaginário por si mesma, irá recebê-lo passivamente da sociedade que a cerca. Sabe-se que é através do diálogo que se começa a valorização da cultura do educando. Suas concepções, suas crenças devem ser o ponto de partida do processo educativo. É importante mostrar que a tendência, hoje em dia, é passar às mãos dos profissionais da educação e das autoridades eclesiásticas a responsabilidade pelo Ensino Religioso. Embora essas pessoas sejam importantes na formação integral da criança, não se pode transferir para elas toda essa incumbência; os pais, a família, de um modo geral, têm a primazia.

Como a criança de dez anos analisa a importância da família na formação do seu

imaginário religioso? As instituições religiosas representadas por padres/pastores contribuem

também para a formação desse imaginário religioso infantil? Quais seriam as contribuições

das escolas confessionais cristãs e especificamente da disciplina do Ensino Religioso para a

formação desse imaginário? Será que a disciplina do Ensino Religioso precisa buscar novos

caminhos para contribuir de maneira mais eficaz na formação deste imaginário religioso?

A pesquisa de campo que será descrita a seguir tentará clarear esses questionamentos e

preocupações.

4.1 Traçando um perfil das escolas pesquisadas

As duas escolas confessionais cristãs que foram escolhidas para a pesquisa estão

localizadas na cidade de Belo Horizonte, na região centro-sul da capital. Em ambas, a

disciplina do Ensino Religioso consta da grade curricular obrigatória, sendo uma aula

semanal, ministrada por um(a) professor(a) especializado(a), que possui formação específica

para a área e trabalha unicamente com a disciplina do Ensino Religioso na escola.

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Ao analisar o programa anual da disciplina, referente ao 5º ano do Ensino

Fundamental I, percebe-se que nas duas escolas se trabalha o cristianismo como eixo

condutor. Na escola confessional católica é utilizado um livro didático, cujo conteúdo se

constitui da História da Salvação, com início no Antigo Testamento, abordando as passagens

de Abraão e Sara, de Moisés, os dez Mandamentos, até culminar na pessoa de Jesus Cristo.

Vale ressaltar que todos esses conteúdos são atualizados para os dias de hoje. Trabalha-se,

também, com os valores cristãos que contribuem para a boa convivência entre as pessoas, tais

como o respeito, a amizade, o amor, dentre outros, além de outras temáticas consonantes com

o ano litúrgico cristão, assim como Quaresma, Páscoa e Natal. No caso específico dessa

escola, o tema da Campanha da Fraternidade é bem explorado.

Na escola confessional protestante não há um livro didático, mas se procura trabalhar

com a Bíblia com uma grande frequência. O conteúdo trabalhado com as crianças de dez anos

é bem parecido com o da escola confessional católica, mas com um maior aprofundamento no

Antigo Testamento, principalmente com a utilização de vários filmes bíblicos.

Antes de se iniciar a análise dos gráficos propriamente dita, é preciso dizer que a

questão de gênero entre os quinze alunos entrevistados de cada uma das escolas pesquisadas,

não forneceu nenhum dado que mereça um maior aprofundamento. Tanto na escola católica

quanto na protestante, os questionários foram analisados separando meninas e meninos,

somente para investigar essa questão, na tentativa de se perceber diferenças nas respostas, mas

não surgiu nenhum elemento interessante que se faz necessário destacar.

4.2 Resultados e análises do questionário3 respondido pelos alunos da escola confessional

católica escolhida para a pesquisa

Os gráficos que aparecem nesta análise da escola confessional católica são resultantes

da pesquisa de campo feita para o presente estudo, além dos gráficos que foram obtidos no

trabalho realizado no ano de 2004, para efeito comparativo. Importante ressaltar que as duas

últimas perguntas não fizeram parte do trabalho de 2004.

3 Segue no apêndice o modelo de questionário utilizado na pesquisa junto aos alunos

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a) Os anos na escola

Sobre o tempo que estudam na escola, constatou-se que, no ano de 2009, a maioria

(86%) está na instituição desde a 1ª série, de acordo com a nomenclatura antiga, que

corresponde ao Fundamental de oito anos, ou seja, esses alunos que são sujeitos dessa

pesquisa ingressaram nessa escola aos sete anos de idade. Portanto, são alunos da instituição

há quatro anos. Constata-se que todos os alunos estão na escola há pelo menos dois anos, já

que os dados demonstraram que 7% das crianças pesquisadas entraram para a escola no 2º ou

no 3º ano. Nenhum aluno, de acordo com a pesquisa, ingressou na escola no ano anterior.

Pelos dados, percebe-se que os alunos, pelo tempo que estão na escola, já têm condições de

dar respostas mais consistentes, uma vez que já conhecem a instituição escolar e a disciplina

Ensino Religioso no mínimo há dois anos. Esses dados não diferem muito daqueles coletados

na pesquisa de 2004, conforme gráficos abaixo:

0%7%7%

86%

0%

1 ano2 anos3 anos4 anos5 anos

Gráfico 1: Há quanto tempo você estuda no colégio? - 2009

Fonte: Dados da pesquisa

3%

3%

5%

89%

1 ano2 anos3 anos4 anos

Gráfico 1: Há quanto tempo você estuda no colégio? - 2004

Fonte: Dados da pesquisa

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b) A religião professada

Quando perguntados sobre a religião professada, 86% se declararam católicos, 7% são

evangélicos e outros 7% se declararam de outra religião, sendo essa o espiritismo. Dentre os

alunos pesquisados, nenhum deles se declarou judeu e nem se declarou como não tendo

religião. Os resultados se mostram bastante coerentes, uma vez que, em uma instituição

escolar confessional católica, pressupõe-se que tenha entre seus alunos, uma grande maioria

que professa a religião católica. Esses dados são muito parecidos com os obtidos na

monografia realizada no ano de 2004.

86%

7%

0%

7%

0%

CatólicaEvangélicaJudaicaOutraNenhuma

Gráfico 2: Qual a sua religião? - 2009

Fonte: Dados da pesquisa

87%

6%

0%

4%

3%

CatólicaEvangélicaJudaicaOutraNenhuma

Gráfico 2: Qual a sua religião? - 2004

Fonte: Dados da pesquisa

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c) A percepção de Deus

Ao serem questionados sobre quem é Deus para eles, 60% disseram acreditar que

Deus é o pai de todas as pessoas. 20% possuem a ideia de que Deus é uma força superior.

Outros 13% se declararam que acreditam que Deus é um amigo e 7% concebem Deus como o

criador do mundo. Vale ressaltar que nenhum aluno, dentre os pesquisados, declarou não

acreditar na existência de Deus. O fato de as crianças de dez anos possuírem a ideia de Deus

como pai de todas as pessoas reforça a tese defendida por James Fowler que as crianças dessa

faixa etária conseguem perceber elementos antropomórficos na imagem de Deus, ou seja,

trazem para Deus as características percebidas nos pais ou nas pessoas à sua volta. A opção

‘criador do mundo’ que aparece com uma preferência inexpressiva, mesmo sendo muito

trabalhada nos conteúdos da disciplina de Ensino Religioso, vem reforçar as características

humanas que as crianças de dez anos atribuem a Deus.

Comparando esses dados com aqueles obtidos no estudo realizado em 2004, percebe-

se que o “pai de todas as pessoas” também apareceu em primeiro lugar, mas com percentual

menor, “força superior”, “amigo” e “criador do mundo” obtiveram percentuais que diferem de

maneira significativa da pesquisa atual.

60%

7%

13%

20%0%

Pai de todas as pessoas

Criador do mundo

Amigo

Força superior

Para mim, ele não existe

Gráfico 3: Quem é Deus para você? - 2009

Fonte: Dados da pesquisa

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70

41%

21%

21%

16%1%

Pai de todas as pessoasCriador do mundoAmigoForça superiorPara mim, ele não existe

Gráfico 3: Quem é Deus para você? - 2004

Fonte: Dados da pesquisa

d) A morada de Deus

Quando foram perguntados onde eles imaginam que Deus mora, 60% disseram que é

no coração, 33% acreditam que é em todo lugar e 7% responderam que eles acreditam que

Deus mora no céu. Interessante ressaltar que nenhum dos alunos marcou a opção de que Deus

está presente nas coisas que eles possuem e também nenhum disse que Deus mora em lugar

nenhum. Observe-se que estes dados demonstram a proximidade que eles acreditam ter com

Deus, uma vez que a maioria diz que Deus mora no coração. O fato de um percentual de

alunos relativamente baixo acreditar que Deus mora no céu reforça a maturidade das crianças

dessa faixa etária que não mais defendem a ideia de um Deus que é o ‘papai do céu’.

Provavelmente coração e céu para essas crianças já conotam distâncias. Ao acreditarem que

Deus mora no coração talvez seja indício de que esse Deus é próximo, está dentro deles,

morando no coração, um Deus que se mistura às pessoas da família e aos amigos. O fato de

um percentual significativo acreditar que Deus mora em todo lugar pode ser um sinalizador de

que eles creem que esse Deus é criador de tudo e de todos que estão à nossa volta.

Na pesquisa realizada em 2004 houve uma inversão de opiniões. O mora “no coração”

apareceu como segunda opção e o “em todo lugar” foi a opção que apareceu com um maior

percentual. “No céu” permaneceu como o terceiro mais marcado e “nas coisas que possuo”

também não foi marcado por nenhum aluno.

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71

7%

60%

33%

0%0%

No céu

No coração

Em todo lugar

Nas coisas que possuo

Em lugar nenhum

Gráfico 4: Onde você acha que Deus mora? - 2009

Fonte: Dados da pesquisa

9%

27%

61%

0%

1%

2%

No céuNo coraçãoEm todo lugarNas coisas que possuoEm nenhum lugar

Gráfico 4: Onde você acha que Deus mora? - 2004

Fonte: Dados da pesquisa e) Onde mais se ouve falar de Deus

Com relação ao local onde eles mais ouvem falar de Deus, 79% disseram ser na Igreja.

Em casa, na casa dos avós e na escola tiveram 7% das opiniões dos alunos cada uma delas.

Nenhum aluno, dentre os pesquisados, disse que dificilmente ouvia falar de Deus.

Esse ouvir falar de Deus na Igreja vai de encontro com os dados obtidos no Gráfico

10, que mostra uma maioria frequentadora da Igreja semanalmente. Mas será que essas

crianças somente vão à Igreja para ouvir falar de Deus, porque para rezar não é o maior

objetivo, como se verá no Gráfico 8. Por outro lado, os dados se mostraram surpreendentes já

que em casa e na casa dos avós apareceram percentuais pouco significativos, uma vez que são

pais e avós os maiores influenciadores na formação religiosa dos entrevistados, como será

visto no Gráfico 9. Será que a família deixa para a Igreja a tarefa de falar sobre Deus?

Esse resultado obtido nessa pergunta vem reforçar a importância que a Igreja tem na

construção da imagem de Deus para o universo infantil. Talvez a maneira que se fala de Deus

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72

na Igreja, na pessoa do padre/pastor, não seja eficaz para exercer uma influência religiosa

sobre os entrevistados, como será visto no Gráfico 9.

Novamente esses dados se mostram muito parecidos com a pesquisa de 2004 em que

60% dos alunos disseram ouvir falar mais de Deus na Igreja, 16% na escola, 14% na casa dos

avós e 10% em casa.

7%

7%

7%

79%

0%

Em casa

Na casa dos avós

Na Escola

Na Igreja

Dificilmente ouço falar de Deus

Gráfico 5: Onde você mais ouve falar de Deus? - 2009 Fonte: Dados da pesquisa

10%

14%

16%60%

0%

Em casa

Na casa dos avós

Na Escola

Na Igreja

Dificilmente ouço falar de Deus

Gráfico 5: Onde você mais ouve falar de Deus? - 2004

Fonte: Dados da pesquisa

f) O que mais se admira em Deus

No que diz respeito à admiração que eles têm por Deus, 54% destacaram o “seu

amor”. 33% acreditam ser o “seu perdão” e 13% a “sua justiça”. Causa uma certa estranheza

nenhum aluno dizer que é o poder de Deus que ele admira. Mais uma vez percebe-se que as

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73

crianças de dez anos que estão sendo entrevistadas conseguem construir a perspectiva de Deus

com riqueza de detalhes e elementos presentes na condição humana, que são o amor, o perdão

e a justiça. O fato de o ‘poder de Deus’ não ter sido citado reforça a teoria de que ao construir

a perspectiva de Deus a criança credite a Ele também a limitação, própria de pessoas que

estão à sua volta, como parentes e amigos.

Trazendo os dados da monografia de 2004, o amor e o perdão apareceram

praticamente empatados com 40%. A justiça com 14% e somente 3% disseram ser o poder de

Deus.

Analisando esses dados atuais com os anteriores, acredita-se que para essas crianças

uma das imagens que elas possuem de Deus é que Ele é amor e que também perdoa quando se

erra. Certamente é isso que as crianças desejam na sua convivência com as pessoas.

0%

54%

13%

33%

0%

Seu poderSeu amorSua justiçaSeu perdãoNão acredito em Deus

Gráfico 6: O que você mais admira em Deus? - 2009

Fonte: Dados da pesquisa

3%

42%

14%

40%

1%

Seu poder

Seu amor

Sua justiça

Seu perdão

Não acredito em Deus

Gráfico 6: O que você mais admira em Deus? - 2004

Fonte: Dados da pesquisa

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g) Quando se lembra mais de Deus

Ao serem questionados sobre os momentos que elas se lembram mais de Deus, 74%

dos entrevistados disseram ser na alegria, e o mesmo percentual de 13% na tristeza e quando

eles veem a natureza. Interessante notar que nenhuma criança diz lembrar de Deus quando se

relaciona com as pessoas, talvez porque elas não vejam Deus nas pessoas, porque o que Deus

tem, na concepção das crianças, são características humanas. Importante ressaltar que o fato

de a lembrança de Deus estar associada à alegria, vai de encontro com a admiração que elas

têm por Deus devido ao seu amor. O ‘ver a natureza’ e se lembrar de Deus reforça a ideia de

um Deus que é criador e que mora em todo lugar, como foi mostrado nos Gráficos 3 e 4.

Outro ponto para se destacar é em relação à tristeza. Acredita-se que elas lembram de Deus

nesse momento não porque ele traz a tristeza, mas porque ele é o ser capaz de ajudar a vencer

o momento difícil e mais uma vez reforça a ideia de um Deus próximo, como a família e os

amigos.

Na pesquisa de 2004, a alegria apresentou um percentual menor, em torno de 50%,

25% disseram ser na tristeza, 16% no medo e 9% na dor (essas duas últimas opções não

apareceram na pesquisa atual).

74%

0%

13%

0%

13%

Na alegria

Em momento algum me lembro deDeusNa tristeza

Quando me relaciono com aspessoasQuando vejo a natureza

Gráfico 7: Em que momentos da sua vida você se lembra mais de Deus? - 2009

Fonte: Dados da pesquisa

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75

49%

9%

25%

16%1%

Na alegria

Na dor

Na tristeza

No medo

Nunca me lembro de Deus

Gráfico 7: Em que momentos da sua vida você se lembra mais de Deus? - 2004

Fonte: Dados da pesquisa h) A conversa com Deus

Para 74% dos entrevistados a conversa com Deus acontece quando eles rezam ou oram

em casa. 13% disseram ser pelo pensamento e outros 13% quando eles rezam ou oram na

Igreja.

Quando a grande maioria dos alunos diz conversar com Deus quando reza ou ora em

casa, abre-se uma possibilidade de influência dos pais nos momentos de oração em família.

No entanto, este dado é conjectural, pois ignora-se se tal momento de oração em casa

acontece em família ou se a criança reza sozinha.

Uma constatação que causa surpresa se refere ao rezar ou orar na Igreja, que aparece

com um percentual relativamente baixo, uma vez que os entrevistados vão à Igreja com uma

frequência semanal surpreendente, como poderá ser visto no Gráfico 10. O que os

entrevistados fazem na Igreja? Será que só ouvem o que falam de Deus, como foi mostrado no

Gráfico 5? Será que as orações que são feitas na Igreja não favorecem uma conversa das

crianças com Deus?

No estudo realizado em 2004, o “rezar ou o orar em casa” também apareceu com o

maior percentual, dentre os entrevistados, 46%. No entanto, a opção “com o coração”, que

não consta da pesquisa atual, teve 34% da opinião dos alunos e 12% “rezar ou orar na Igreja”.

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76

74%

13%

13%

0%

0%

Rezando ou orando em casa

Pelo pensamento, emsilêncioRezando ou orando na Igreja

Pela imaginação - sonhos

Não acredito que Deus existe

Gráfico 8: Como você conversa com Deus? - 2009 Fonte: Dados da pesquisa

46%

34%

12%

7% 1%

Rezando ou orando em casa

Com o coração

Rezando ou orando na Igreja

Pela imaginação - sonhos

Não acredito que Deus existe

Gráfico 8: Como você conversa com Deus? - 2004

Fonte: Dados da pesquisa

i) A influência na formação religiosa

Quando perguntados sobre quem mais influencia na sua formação religiosa, 60%

disseram ser os pais e 40% os avós. Um dado importante que merece ser ressaltado é que

padres/pastores não foram citados por nenhum aluno, dentro do universo pesquisado, fato que

causa estranheza, já que as escolas são confessionais e os padres/pastores estão presentes no

seu dia a dia. Mais intrigante ainda, é o fato de os professores, que na pesquisa se falou de

maneira geral e não especificamente do professor de Ensino Religioso, nem sequer terem sido

mencionados como influenciadores da formação religiosa dos alunos entrevistados. O fato de

somente ter aparecido pais e avós como aqueles que influenciam a formação religiosa de seus

filhos, reforça a hipótese de que a família é a maior responsável pela formação do imaginário

religioso de seus filhos. Por outro lado, não é em casa e nem na casa dos avós que os

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entrevistados mais ouvem falar de Deus, como mostrado no Gráfico 5. Como os pais e avós

influenciam nessa formação religiosa? Se não é falando de Deus, será através de determinados

rituais que pais e avós utilizam e que são decisivos nessa formação religiosa?

Na pesquisa de 2004, pais (com a opção mãe e a opção pai) e avós apareceram como

os maiores influenciadores, mas os professores também foram citados por 13% dos

entrevistados. A opção padres/pastores não constava da pesquisa, o que na ocasião foi

detectado como um item que seria importante de ser considerado num estudo posterior. Para

surpresa, eles não foram citados por nenhum entrevistado na pesquisa atual como aqueles que

influenciam a formação religiosa das crianças, e não é porque essas crianças não vão à Igreja

com frequência, porque vão sim, como veremos no Gráfico 10.

60%

0%

40%

0%

0%

Pais

Mãe

Avós

Padres/pastores

Professores(as)

Gráfico 9: Quem mais influencia sua formação religiosa? - 2009

Fonte: Dados da pesquisa

20%

39%

26%

2%

13%

Pai

Mãe

Avós

Tios/tias

Professores(as)

Gráfico 9: Quem mais influencia sua formação religiosa? - 2004

Fonte: Dados da pesquisa

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j) Com que frequência se vai à Igreja

A análise do gráfico abaixo surpreende pelo fato de mais da metade dos entrevistados,

53%, afirmar que vai à Igreja “uma vez por semana”. 33% disseram ir “somente em

casamentos e batizados” e “uma vez por mês” e “duas vezes por mês” aparecem com 7% cada

uma. Nenhum entrevistado disse “nunca” ir à Igreja.

O que se faz necessário salientar é o fato de 53% dos entrevistados dizerem que vão à

Igreja “uma vez por semana” e, como uma frequência tão significativa não é suficiente para

que os padres/pastores exerçam a sua influência na formação religiosa das crianças que estão

presentes na Igreja, como foi mostrado no gráfico anterior? Será que a linguagem utilizada

por eles não é adequada para as crianças? Será que a liturgia deveria ser ainda mais

apropriada para as crianças?

Comparando os dados da monografia de 2004 com a pesquisa atual, percebe-se que a

quantidade dos que dizem frequentar “uma vez por semana”, 51%, é praticamente a mesma da

pesquisa atual. A opção “somente casamentos e batizados” dobrou seu percentual em relação

à de 2004, que foi de 15%. As outras opções “uma vez por mês” e “duas vezes por semana”

reduziu pela metade se comparadas com a pesquisa anterior. No trabalho anterior, 5% dos

alunos entrevistados afirmaram “nunca” ir à Igreja.

53%

7%7%

33%

0%

1 vez por semana

1 vez por mês

2 vezes por mês

Somente em casamentose batizadosNunca

Gráfico 10: Com que frequência você vai à Igreja? - 2009

Fonte: Dados da pesquisa

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79

51%

18%

11%

15%

5%

1 vez por semana

1 vez por mês

2 vezes por mês

Somente em casamentose batizadosNunca

Gráfico 10: Com que frequência você vai à Igreja? - 2004

Fonte: Dados da pesquisa

k) A concepção de Deus para a família

Ao serem perguntados sobre quem é Deus para a sua família, a maioria, 80%, diz

acreditar que Deus é “aquele que nos aceita como somos”. 13% disseram que a sua família

acredita que Deus é “aquele que vê tudo” e 7% afirmam que Deus é “aquele que decide o

nosso destino”. Interessante notar que ninguém marcou que a família possui a visão de um

Deus castigador, principalmente pelo fato de os avós apresentaram um percentual bem

expressivo quando os alunos foram questionados sobre quem mais influencia na formação

religiosa deles, como mostrado no Gráfico 9. A pergunta que se faz é se os avós continuam

passando essa ideia de um Deus que castiga e as crianças não a aceitam e consequentemente

não a trazem para a vida delas, ou se realmente aconteceu uma mudança na visão dos avós no

que diz respeito a esse Deus que não castiga, mas ama, dado esse que se comprova no Gráfico

6, quando a maioria dos alunos entrevistados disseram que a sua maior admiração em relação

a Deus, está no seu amor. Talvez seja esse o motivo de 80% dos entrevistados dizerem que a

família acredita que Deus é “aquele que nos aceita como somos”, porque ama a todos, como

mostrado no gráfico abaixo.

Comparando esses dados com os da monografia de 2004, não se percebem grandes

diferenças nos percentuais obtidos.

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80

13%

0%

80%

7%

0%

Aquele que vê tudo

Aquele que castiga

Aquele que nos aceita comosomosAquele que decide o nossodestinoMinha família não acredita emDeus

Gráfico11: Em sua opinião, quem é Deus para a sua família? - 2009

Fonte: Dados da pesquisa

13%

0%

70%

16%1%

Aquele que vê tudo

Aquele que castiga

Aquele que nos aceita comosomosAquele que decide o nossodestinoMinha família não acredita emDeus

Gráfico 11: Em sua opinião, quem é Deus para a sua família? - 2004

Fonte: Dados da pesquisa

l) A visão de Deus apresentada na escola

Ao serem perguntados sobre a visão de Deus apresentada na escola, 53% disseram que

é a mesma da família e 40% que essa visão é muito parecida. Somente 7% disseram que

escola e família divergem completamente quanto à visão de Deus.

Pode ser que esses dados venham confirmar que os pais fizeram a opção por essa

escola confessional católica, devido ao fato de eles confiarem que a escola transmite uma

visão de Deus que está de acordo com aquilo que eles passam e acreditam que deva ser

passado para os seus filhos, quando o assunto é Deus e os valores cristãos.

Os dados da pesquisa de 2004 comparados com os atuais não se diferem praticamente

em nada.

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53%

7%

40%

0%

0%

A mesma da família

Completamente diferente

Muito parecida

Nenhuma visão de Deus foiapresentada pela escolaNão aprendi nada sobre Deus naescola

Gráfico 12: A visão de Deus apresentada na escola é? - 2009

Fonte: Dados da pesquisa

46%

4%

48%

1%

1%

A mesma da família

Completamente diferente

Muito parecida

Nenhuma visão de Deus foiapresentada pela escolaNão aprendi nada sobre Deus naescola

Gráfico 12: A visão de Deus apresentada na escola é? - 2004

Fonte: Dados da pesquisa m) O que pedir a Deus

Perguntados sobre o que mais gostariam de pedir a Deus, 40% disseram ser “que ele

abençoasse a minha família”, 33% “que ele protegesse todas as pessoas” e 27% gostariam de

pedir a Deus “que ele me ajudasse a ser cada dia melhor”. Interessante notar que ninguém

gostaria de pedir dinheiro para a família.

Ao analisar os dados que são apresentados no gráfico abaixo, percebe-se nos

entrevistados uma predominância do sair de si e levar em consideração o outro, seja esse da

família ou não, aqui ressaltando a capacidade que as crianças dessa faixa etária já possuem de

assumir a perspectiva do outro. A confiança de que Deus é amor, como mostrado no Gráfico

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82

6, e nos aceita como somos, conforme Gráfico 11, faz com que eles possuam o desejo de

serem cada dia melhores com a ajuda de Deus.

Essa pergunta não consta no trabalho de 2004.

0%

40%

0%27%

33%

Não existe nada que eu gostariade pedir a Deus

Que ele abençoasse a minhafamília

Que ele ajudasse a minha família ater muito dinheiro

Que ele me ajudasse a ser cadadia melhor

Que ele protegesse todas aspessoas

Gráfico 13: O que você mais gostaria de pedir a Deus? - 2009

Fonte: Dados da pesquisa

n) Como a escola ajuda a acreditar em Deus

Como mais uma ferramenta para analisar o papel da escola na formação do imaginário

religioso de seus alunos, foi perguntado como a escola os ajuda a acreditar em Deus, e aqui os

dados surpreenderam.

59% disseram que as aulas de Ensino Religioso são determinantes nesse ponto. 27%

assinalaram que os momentos de oração promovidos pela escola é o que mais os ajuda a

acreditar em Deus. Somente 7% disseram ser “através dos exemplos dos professores e

funcionários” e o mesmo percentual de 7% acreditam que a presença dos padres na escola é o

que os ajuda a acreditar em Deus. Talvez os padres apareçam com uma votação tão

inexpressiva devido ao fato de estarem pouco presentes no dia a dia da escola.

Os dados que aparecem no gráfico abaixo delega uma grande responsabilidade à

disciplina do Ensino Religioso, que trabalha em seu conteúdo com uma concepção de Deus

que talvez os alunos se identifiquem com ela. Isso, no entanto, não é suficiente para os

professores influenciarem na formação religiosa de seus alunos que foram entrevistados, já

que no Gráfico 9 nenhum aluno, dentre os entrevistados, disse serem os professores aqueles

que influenciam sua formação religiosa. Levando-se em conta o fato de a escola ser

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confessional católica, esse dado causa estranheza já que a maioria diz que são as aulas de

Ensino religioso que mais os ajudam a acreditar em Deus na escola. Por que será que o(a)

professor(a) de Ensino Religioso não é capaz de influenciar na formação religiosa dos alunos

que foram entrevistados? O discurso do(a) professor(a) é ineficaz? Ou será que a quantidade

de aula semanal, que nessa escola específica é somente uma, não é suficiente para exercer

influência na formação religiosa dos alunos, enquanto que pais e avós possuem um maior

contato com eles?

Constatou-se que os momentos de oração na escola são importantes para trabalhar a

ideia de Deus, uma vez que um percentual bem significativo de alunos afirmou serem esses

momentos os que mais os ajudam a acreditar em Deus quando estão na escola. Vale aqui

ressaltar que, nesta escola específica, esses momentos de oração reúnem todos os alunos e

professores, porém, são bem esporádicos e nem sempre os padres estão presentes.

Como a escola ajuda você a acreditar em Deus? é uma pergunta que não consta da

pesquisa de 2004.

7%

0%

59%

27%

7% Através dos exemplos dos professorese funcionáriosNão ajuda em nada

Nas aulas de religião

Nos momentos de oração na escola

Pela presença dos padres/pastores

Gráfico 14: Como a escola ajuda você a acreditar em Deus? - 2009

Fonte: Dados da pesquisa 4.3 Resultado e análise do questionário respondido pelos alunos da escola confessional

protestante escolhida para a pesquisa

Ao analisar os dados obtidos na pesquisa realizada na escola confessional protestante,

faz-se necessário ressaltar que na monografia feita em 2004 foram entrevistados somente

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alunos de dez anos de uma escola confessional católica, portanto, os dados que serão

mostrados nessa análise são somente do ano de 2009.

No trabalho realizado em 2004, quando da análise dos gráficos, sentiu-se a falta de

mais uma escola confessional que tivesse a disciplina Ensino Religioso na sua grade

curricular, mas que não fosse outra católica, para que assim, novos elementos pudessem ser

trazidos para a investigação tais como, a presença dos pastores na escola e um possível

conteúdo de Ensino Religioso diferenciado. Diante disso, optou-se por uma escola

confessional protestante.

a) Os anos na escola

Quando os alunos foram perguntados sobre o tempo que estudam na instituição, 46%

disseram há dois anos, 27% estudam no colégio há cinco anos, levando-se em conta a nova

nomenclatura com o fundamental de nove anos. 18% responderam ter ingressado na

instituição escolar no início do ano e 9% disseram estudar no colégio há quatro anos.

Pelos dados obtidos constata-se que os alunos entrevistados já possuem certo

conhecimento da instituição e da disciplina do Ensino Religioso, uma vez que a grande

maioria está na escola há mais de dois anos.

18%

46%0%

9%

27%

1 ano2 anos3 anos4 anos5 anos

Gráfico 1: Há quanto tempo você estuda no colégio? - 2009

Fonte: Dados da pesquisa

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b) A religião professada

Os alunos foram solicitados a responderem sobre a religião que professam. 55%

disseram ser católicos e 45% evangélicos. Do universo entrevistado nenhum se declarou judeu

ou pertencente a outra religião.

Note-se que nessa escola confessional protestante percebe-se uma pequena diferença

entre os que se declaram católicos e os que se declaram evangélicos. Pensou-se a princípio

que, pelo fato de a instituição escolar ser de confessionalidade protestante, a maioria dos

alunos seriam evangélicos, mas os dados mostram exatamente o contrário, como pode ser

verificado no gráfico abaixo:

55%45%

0%

0%

0%

CatólicaEvangélicaJudaicaOutraNenhuma

Gráfico 2: Qual a sua religião? - 2009

Fonte: Dados da pesquisa c) A percepção de Deus

Ao serem questionados sobre quem é Deus para eles, pouco mais da metade (55%)

afirmou que Deus é o criador do mundo, 27% que ele é o pai de todas as pessoas.

As opções ‘amigo’ e ‘força superior’ tiveram 9% cada uma. Nenhum aluno disse

acreditar na inexistência de Deus.

Existe a possibilidade de esses dados terem influência do programa de Ensino

Religioso trabalhado no 5º ano. Ao analisar o conteúdo programático da disciplina verifica-se

que, especificamente na escola pesquisada, a maior ênfase é dada ao Deus do Antigo

Testamento ou 1º Testamento, um Deus criador do mundo, como aparece no Gênesis, e um

Deus que é pai, que está presente ao longo da história da humanidade, que caminha e cuida do

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seu povo, como tão bem retrata o livro do Êxodo. Pode ser que essas imagens de Deus

trabalhadas na disciplina tenham influenciado nas respostas dos alunos entrevistados.

27%

55%

9%9% 0%

Pai de todas as pessoas

Criador do mundo

Amigo

Força superior

Para mim, ele não existe

Gráfico 3: Quem é Deus para você? - 2009

Fonte: Dados da pesquisa d) A morada de Deus

Foi pedido aos alunos que respondessem onde eles acreditavam que Deus morava. A

maioria (55%) disse que Deus morava no coração, 36% acham que ele mora em todo lugar e

9% acreditam que Deus reside no céu. O item ‘lugar nenhum’ não foi marcado, já que todos

acreditam na existência de Deus, como foi mostrado no gráfico anterior. Mais uma vez os

dados comprovando, como na escola confessional católica, que as crianças de dez anos

pesquisadas trazem para Deus características humanas, Ele é próximo, como a família e as

pessoas que estão à sua volta.

9%

55%

36%

0%0%

No céu

No coração

Em todo lugar

Nas coisas que possuo

Em lugar nenhum

Gráfico 4: Onde você acha que Deus mora? – 2009

Fonte: Dados da pesquisa

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e) Onde mais se ouve falar de Deus

Quando questionados onde eles mais ouviam falar de Deus, 82% afirmaram ser na

Igreja. As opções ‘na escola’ e ‘em casa’ tiveram 9% cada uma. Surpreendente constatar que

nenhum dos entrevistados marcou ‘casa dos avós’. Como era de se esperar, a opção

‘dificilmente ouço falar de Deus’ não foi assinalada por nenhum aluno.

Novamente aparece a Igreja como o local onde a grande maioria dos entrevistados

ouve falar de Deus, o que vem reforçar mais uma vez a importância que essa instituição

religiosa tem quando apresenta e dá a conhecer Deus para os seus fiéis e, nesse caso

específico, para as crianças.

9%

0%

9%

82%

0%

Em casa

Na casa dos avós

Na Escola

Na Igreja

Dificilmente ouço falar de Deus

Gráfico 5: Onde você mais ouve falar de Deus? - 2009 Fonte: Dados da pesquisa

f) O que mais se admira em Deus

Foi perguntado aos alunos o que mais eles admiravam em Deus e a maioria (55%)

respondeu que era o seu amor. 36% disseram ser o seu perdão e 9% declararam que era o seu

poder. Entre os entrevistados, nenhum respondeu ser a justiça o que mais admiravam e mais

uma vez ninguém disse não acreditar em Deus.

O fato de grande parte dos alunos admirar Deus pelo seu amor pode ser que tenha

relação com o Deus que a maioria afirma ser criador do mundo, de acordo com o Gráfico 3.

Um Deus que criou tudo porque ele ama a humanidade. Também é um Deus admirado porque

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perdoa, ele é pai de todos. Importante reforçar os elementos antropomórficos creditados a

Deus por essa faixa etária de dez anos, como ressalta James Fowler. Certamente dos pais e

amigos as crianças esperam o amor e o perdão. A limitação também faz parte da condição

humana razão pela qual somente 9% dos entrevistados assinalaram admirar em Deus o poder.

9%

55%0%

36%

0%

Seu poderSeu amorSua justiçaSeu perdãoNão acredito em Deus

Gráfico 6: O que mais você admira em Deus? - 2009

Fonte: Dados da pesquisa g) Quando se lembra de Deus

Quando perguntados a respeito dos momentos que eles mais se lembravam de Deus,

62% afirmaram que era na alegria. 23% disseram ser na tristeza e 15% responderam que era

nos momentos em que eles viam a natureza. Nenhum dos entrevistados disse ser quando se

relacionavam com as pessoas. Ninguém também disse lembrar de Deus em momento algum.

Pode ser que a opção ‘alegria’ esteja ligada ao fato de um Deus que é admirado por

amar, perdoar as pessoas e proporcionar a elas momentos de alegria.

62%

0%

23%

0%

15%

Na alegria

Em momento algum me lembro deDeusNa tristeza

Quando me relaciono com aspessoasQuando vejo a natureza

Gráfico 7: Em que momentos da sua vida você se lembra mais de Deus? - 2009

Fonte: Dados da pesquisa

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h) A conversa com Deus

Aos entrevistados foi solicitado que dissessem como eles conversavam com Deus.

42% responderam que era rezando ou orando em casa. 33% disseram ser pelo pensamento,

em silêncio. Já 25% dos alunos afirmaram que a sua conversa com Deus acontecia quando

eles rezavam ou oravam na Igreja. Nenhum dos entrevistados disse ser pela imaginação-

sonhos e ninguém disse não acreditar na existência de Deus.

Quando os entrevistados afirmam que conversam mais com Deus quando rezam ou

oram em casa do que na Igreja, pode ser que esse fato tenha ligação com a frequência dessa

conversa com Deus em casa que tem grandes possibilidades de ser diária e na Igreja não,

conforme se verá no Gráfico 10. Por outro lado, eles mais ouvem falar de Deus na Igreja,

como foi visto no Gráfico 5, mas não é nesse local que eles mais conversam com Deus. Será

que falta nas missas ou nos cultos momentos de uma conversa com Deus?

42%

33%

25%

0%

0%

Rezando ou orando em casa

Pelo pensamento, emsilêncioRezando ou orando na Igreja

Pela imaginação - sonhos

Não acredito que Deus existe

Gráfico 8: Como você conversa com Deus? - 2009 Fonte: Dados da pesquisa

i) A influência na formação religiosa

Quando perguntados sobre quem mais influencia sua formação religiosa, 55%

responderam que eram os pais, 18% disseram ser a mãe e o mesmo percentual de 18%

afirmaram que eram os padres/pastores. Somente 9% acreditam que são os avós que mais

exercem influência sobre sua formação religiosa. Para os entrevistados os professores(as) não

influenciam na sua formação religiosa.

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Interessante notar que os padres/pastores foram citados pelos entrevistados como

influenciadores da formação religiosa com um percentual superior ao dos avós. Aqui neste

ponto é preciso dizer que, ao analisar os questionários, entre os entrevistados que acreditam

ser os padres/pastores os maiores influenciadores na formação religiosa, há aqueles que se

declaram católicos e também os que se declaram evangélicos.

Mais uma vez os pais aparecem como os maiores influenciadores da formação

religiosa de seus filhos.

55%

18%

9%

18%0%

Pais

Mãe

Avós

Padres/pastores

Professores(as)

Gráfico 9: Quem mais influencia sua formação religiosa? - 2009

Fonte: Dados da pesquisa j) Com que frequência se vai à Igreja

Ao serem perguntados com que frequência eles vão à Igreja, 64% responderam que

vão uma vez por semana, 18% somente em casamentos e batizados. 9% disseram que era uma

vez por mês e também 9% afirmaram nunca ir à Igreja. A opção duas vezes por mês não foi

assinalada por nenhum dos entrevistados.

O percentual de frequência à Igreja semanalmente é bem significativo, o que reforça

os dados do trabalho feito em 2004 e os dados da escola confessional católica do presente

estudo. Eles vão muito à Igreja e é nesse local que eles mais ouvem falar de Deus, conforme

foi mostrado no Gráfico 5.

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91

64%9%

0%

18%

9%

1 vez por semana

1 vez por mês

2 vezes por mês

Somente em casamentose batizadosNunca

Gráfico 10: Com que frequência você vai à Igreja? - 2009

Fonte: Dados da pesquisa

k) A concepção de Deus para a família

Foi pedido aos entrevistados que eles dissessem quem era Deus para a sua família. A

grande maioria (75%) afirmou que Deus para a sua família é aquele que nos aceita como

somos. 17% acreditam ser aquele que decide o nosso destino e 8% acham que Deus para a sua

família é aquele que vê tudo. Nenhum dos alunos acha que a família tem uma concepção de

Deus como aquele que castiga. Também ninguém disse que a família não acredita em Deus.

Se Deus é admirado pelo seu amor, conforme visto no Gráfico 6, deve ser também por

isso que ELE nos aceita como somos. Características que os entrevistados identificam na

família e nas pessoas à sua volta eles também reconhecem em Deus, o que é próprio da fé

mítico-literal, da faixa etária de dez anos, de acordo com Fowler. O Deus poderoso não causa

grande admiração e talvez por isso pouquíssimos entrevistados acreditam que a família possui

a ideia de um Deus que vê tudo e decide o destino das pessoas.

8%

0%

75%

17%0%

Aquele que vê tudo

Aquele que castiga

Aquele que nos aceita comosomosAquele que decide o nossodestinoMinha família não acredita emDeus

Gráfico 11: Em sua opinião, quem é Deus para a sua família? - 2009

Fonte: Dados da pesquisa

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l) A visão de Deus apresentada na escola

Qual a visão de Deus que a escola apresenta foi a pergunta feita aos alunos. 64%

acreditam que essa visão é muito parecida com aquela que a família possui. 27% disseram que

a visão de Deus passada pela escola é a mesma da família e 9% responderam que a escola

apresenta uma visão de Deus que é completamente diferente daquilo que a família passa.

Nenhum aluno respondeu que a escola não tinha apresentado nenhuma visão de Deus e

também ninguém disse não ter aprendido nada sobre Deus na escola.

Os entrevistados acreditam que a escola e a família passam praticamente a mesma

ideia de Deus.

27%

9%64%

0%

0%

A mesma da família

Completamente diferente

Muito parecida

Nenhuma visão de Deus foiapresentada pela escolaNão aprendi nada sobre Deus naescola

Gráfico 12: A visão de Deus apresentada na escola é? - 2009

Fonte: Dados da pesquisa

m) O que pedir a Deus

Quando questionados sobre o que mais gostariam de pedir a Deus, 64% responderam

que gostariam que Deus abençoasse a sua família. 27% pediriam a Deus que ele os ajudassem

a ser cada dia melhores e 9% disseram que pediriam que ele protegesse todas as pessoas.

Ninguém disse que pediria a Deus muito dinheiro para a sua família e nem disseram não ter

nada a pedir a Deus.

Mesmo com todos os apelos da sociedade capitalista, nenhum dos entrevistados pediu

a Deus dinheiro para sua família. Eles querem que Deus abençoe sua família, faça com que

eles sejam melhores e também proteja todas as pessoas. É um Deus do ‘ser’, não do ‘ter’.

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93

0%

64%

0%

27%

9%

Não existe nada que eu gostariade pedir a Deus

Que ele abençoasse a minhafamília

Que ele ajudasse a minha família ater muito dinheiro

Que ele me ajudasse a ser cadadia melhor

Que ele protegesse todas aspessoas

Gráfico 13: O que você mais gostaria de pedir a Deus? - 2009

Fonte: Dados da pesquisa n) Como a escola ajuda a acreditar em Deus

Quando perguntados sobre como a escola os ajuda a acreditar em Deus, a grande

maioria (73%) disse ser nas aulas de religião. 18% acham que nos momentos de oração na

escola e 9% responderam ser através dos exemplos de professores e funcionários. Nenhum

aluno disse ser pela presença dos padres/pastores. Também ninguém afirmou que a escola não

ajuda em nada no que se refere a acreditar em Deus.

Novamente as aulas de Religião na escola confessional possuem uma importância

muito grande para os entrevistados. É através dela que a crença em Deus se torna mais forte.

Após verificar o conteúdo programático utilizado na disciplina de Ensino Religioso da escola

pesquisada, acredita-se que ele contempla elementos que favorecem essa crença em Deus.

Os entrevistados acreditam que os momentos de oração na escola são importantes, e

no caso específico da escola pesquisada são momentos que acontecem toda semana, com a

participação de todos os alunos e professores, tendo sempre a presença do pastor.

Os exemplos dos professores e funcionários, aqui incluindo o(a) próprio(a)

professor(a) de Ensino Religioso, são pouco significativos no que diz respeito a ajudar os

alunos a acreditarem em Deus.

Segundo os entrevistados, o fato de se ter pastores no meio escolar não é determinante

para que eles acreditem em Deus.

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9%

0%

73%

18%0%

Através dos exemplos dos professorese funcionáriosNão ajuda em nada

Nas aulas de religião

Nos momentos de oração na escola

Pela presença dos padres/pastores

Gráfico 14: Como a escola ajuda você a acreditar em Deus? - 2009

Fonte: Dados da pesquisa

O fato de as escolas pesquisadas serem confessionais cristãs e terem o Ensino

Religioso dentre as disciplinas ministradas nesse ambiente, não foi suficiente para que os

alunos entrevistados assinalassem a escola como sendo aquela que influencia na formação

religiosa. Existe a possibilidade de que o motivo esteja no conteúdo e na metodologia

utilizados pela disciplina que, no caso específico desse estudo, é o 5º ano do ensino

fundamental I, no qual estão as crianças de dez anos. De posse do programa desenvolvido

pelas escolas pesquisadas, constatou-se que a disciplina trabalha o universo religioso, que se

apresenta constituído de imagens abstratas, sem levar em consideração que a criança de dez

anos raciocina a partir de situações concretas.

Diante disso, acredita-se que é preciso adequar conteúdos e metodologias utilizados na

disciplina de Ensino Religioso para se trabalhar a formação religiosa das crianças de dez anos

de um modo mais prazeroso e realmente eficaz.

A maneira como se trabalha a disciplina de Ensino Religioso no 5º ano do Ensino

Fundamental I é mais apropriada para as crianças da fase seguinte, que já saíram do concreto

e foram em direção ao estágio das operações abstratas. Que conteúdos e metodologias seriam

mais apropriados para se trabalhar com as crianças de dez anos na disciplina de Ensino

Religioso não se apresenta como objeto do presente trabalho, mas constitui-se numa questão

para ser melhor aprofundada futuramente.

Após analisar todos os dados originados da pesquisa de campo, é o momento de se

tecerem as considerações finais, mostrando as confirmações ou não, das hipóteses levantadas

que motivaram esse estudo, além de, na medida do possível, propor caminhos e quem sabe

levantar novos questionamentos e inquietações que motivarão um maior aprofundamento da

temática do imaginário religioso infantil num estudo posterior.

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5 CONCLUSÃO

A presente dissertação possibilitou que melhor se compreendesse o período da

infância, principalmente no que diz respeito às crianças da faixa etária de dez anos. Para isto,

trabalhou-se com as teorias de alguns estudiosos desta temática, além de uma pesquisa de

campo.

Os trabalhos de Piaget contribuíram no sentido de se entender o desenvolvimento

cognitivo das crianças e, para esse estudo específico, a criança de dez anos. Segundo ele,

essas crianças se encontram em um estágio operacional concreto cuja atividade mental está

focada sobre os objetos concretos, uma vez que elas ainda não possuem a capacidade de

raciocinar a partir de abstrações e/ou situações imaginárias. No entanto, já se percebe nessas

crianças de dez anos construções simbólicas menos deturpadas e alguns indícios que apontam

na direção da intuição. No campo da moralidade, Piaget enquadra as crianças de dez anos no

estágio da semi-autonomia, uma espécie de transição para o estágio da autonomia, já que elas

possuem uma compreensão parcial daquilo que é moral e lógico, além de começarem a

entender que alguns conceitos são relativos.

O estudioso Kohlberg, que também analisa o desenvolvimento moral, defende que a

criança de dez anos se encontra no nível pré-convencional, em que há uma preocupação com

as consequências físicas dos atos praticados, além de uma certa desconsideração no que diz

respeito ao que é estabelecido pelo grupo. De acordo com os três níveis de moralidade

estabelecidos por esse pesquisador, as crianças dessa faixa etária procuram satisfazer seus

próprios interesses e as regras são seguidas quando as favorecem. No entanto, encontram-se

em uma fase de transição para o nível convencional.

Outro teórico que contribuiu para esse estudo foi James Fowler com seus estágios da

fé. Para ele, as crianças de dez anos são imaginativas no campo da brincadeira. A concepção

que essas crianças têm de Deus se encontra em um plano concreto, inclusive delegando a Ele

traços antropomorfos. Além disso, Fowler acredita que as crenças recebem uma interpretação

literal por parte dessas crianças. Baseando-se nesses três teóricos, pode-se dizer que essas

crianças que são objeto do presente estudo encontram-se no estágio concreto, mas em um

momento de transição, de passagem para o estágio das abstrações. A pesquisa de campo que

também foi utilizada nesta dissertação trouxe grandes contribuições no sentido de se abrirem

possibilidades para a compreensão das teorias trabalhadas, além de levantar questionamentos

para possíveis estudos posteriores.

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Sabe-se que o ser humano é um animal simbólico e que seu mundo não se constitui

somente de elementos racionais. As imagens também fazem parte desse universo humano, ou

seja, símbolos que constituem o mundo simbólico e estão presentes nas diversas esferas da

vida humana. Se a criança é um ser que vive em relação com as pessoas e o ser humano está

imerso num mundo de símbolos, é pertinente afirmar que os grupos de convívio da criança

transmitem também para ela símbolos que serão constituintes de sua memória, instituidores

do seu imaginário. No entanto, essa simbolização só acontece quando a criança consegue

refletir sobre as imagens recebidas, que são símbolos dos objetos. Essa reflexão só é possível,

de acordo com as teorias desenvolvidas no presente estudo, no estágio das abstrações, estágio

esse que as crianças de dez anos ainda não se encontram. O imaginário religioso se constitui

de imagens que não são absolutamente apresentáveis e estão no nível das abstrações. Conclui-

se, portanto, que a formação efetiva desse imaginário religioso acontece no estágio das

abstrações, que é posterior ao estágio concreto no qual as crianças de dez anos se encontram.

Para que o imaginário religioso se forme, é preciso que o ser humano tenha a capacidade de

reflexão, de percepção de incoerências e de uma explicação mais lógica das coisas, e essas

características fazem parte do estágio das abstrações.

A hipótese levantada nesse trabalho de que a família é a que mais influencia a

formação religiosa das crianças de dez anos foi comprovada na pesquisa, o que vem confirmar

a tese de doutoramento da professora Dra. Vera Lúcia Lins Sant’Anna, que aponta a família

como aquela que possui a primazia na formação das crianças. Os dados obtidos das duas

escolas pesquisadas mostraram que são os pais e os avós os maiores influenciadores. Na

pesquisa ficou demonstrado que o ambiente familiar possui a prioridade na formação religiosa

de seus filhos, mas as imagens que efetivamente irão compor o imaginário religioso dessas

crianças aparecerão no estágio das abstrações. Esse fato, no entanto, não diminui a

importância da família no que diz respeito à formação religiosa de seus filhos, uma vez que se

acredita que tal formação será a base, uma preparação para o imaginário religioso que se

constituirá no estágio posterior. Esse protagonismo familiar em relação à formação religiosa

parece ser bem perceptível para as crianças de dez anos, mais do que as escolas confessionais

e as instituições religiosas, conforme demonstraram os dados da pesquisa.

A instituição religiosa também foi mencionada nas hipóteses como uma importante

formadora do imaginário religioso das crianças de dez anos. O que ficou demonstrado através

dos estudos realizados para a concretização dessa dissertação, é que a instituição religiosa

também não forma o imaginário religioso das crianças de dez anos porque, como já foi

amplamente explicitado, esse imaginário religioso se sustenta no estágio das abstrações,

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estágio esse que sucederá o estágio concreto no qual as crianças de dez anos se enquadram.

No entanto, os dados da pesquisa mostraram que mais da metade das crianças entrevistadas

disseram frequentar a Igreja uma vez por semana e, ao serem questionadas em que local elas

mais ouviam falar de Deus, a maioria afirmou ser na Igreja. No entanto, esses dois dados não

foram suficientes para os alunos considerarem a instituição religiosa, na pessoa do

padre/pastor, uma influenciadora da sua formação religiosa. Acredita-se que a presença tão

significativa das crianças na Igreja, como mostrado na pesquisa, não está sendo devidamente

aproveitada pela instituição religiosa que perde uma oportunidade ímpar de oferecer

elementos para a formação religiosa dessas crianças, elementos esses que serão importantes

na preparação do imaginário religioso que será formado no estágio posterior.

A outra hipótese aqui apontada foi a contribuição da escola para a formação do

imaginário religioso das crianças de dez anos. Certamente que a escola, assim como a família

e a instituição religiosa contribuem no que diz respeito ao imaginário, mas no caso específico

do imaginário religioso, que lida com um universo de imagens abstratas, pode-se afirmar a

dificuldade de se contribuir na formação desse imaginário religioso na faixa etária de dez

anos, que é o estágio das operações concretas. Foi constatado através da pesquisa que, em

ambas as escolas, os professores pouco influenciam na formação religiosa de seus alunos, o

que pode ser demonstrado através de um percentual inexpressivo nas duas escolas

pesquisadas. Mesmo as escolas tendo um professor específico para o Ensino Religioso, isso

não foi determinante para mudar a situação acima. Os dados da pesquisa mostraram que a

maioria dos alunos entrevistados disseram que a escola os ajuda a acreditar em Deus através

das aulas de “religião”, mas isso mostrou-se insuficiente para influenciar em sua formação

religiosa.

Mesmo assim, algumas indagações podem ser levantadas: Que valores os professores

de escolas confessionais estão transmitindo para seus alunos que não são suficientes para dar-

lhes uma formação religiosa? Será que os valores são passados pelos professores, mas nessa

faixa etária específica de dez anos, em que a família tem a supremacia em fornecer elementos

para a formação religiosa das crianças, pouca importância se dá ao que é transmitido pelos

professores? Esses questionamentos merecem ser objeto de um estudo posterior, talvez se

utilizando de um método mais abrangente, a ser explicitado em ocasião oportuna.

Outro quesito que surgiu quando se optou por trabalhar com crianças de dez anos foi a

questão de gênero. Para isso, dentre o universo total de alunos entrevistados nas duas escolas,

procurou-se equalizar a quantidade de meninas e meninos. Antes de se analisar os dados da

pesquisa com o universo total de alunos de cada escola, foi feita uma tabulação dos dados

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separando os questionários por sexo, somente com o intuito de descobrir se na faixa etária de

dez anos conseguem-se perceber diferenças nas respostas das meninas e dos meninos. Após a

análise dos dados, concluiu-se que as respostas apresentadas não mostram uma diferenciação

significativa de gênero no universo das crianças de dez anos. Acredita-se que a visão

diferenciada entre meninos e meninas na nossa cultura, aparecerá no estágio seguinte do

desenvolvimento infantil.

Enfim, espera-se que este trabalho tenha contribuído na compreensão da criança de

dez anos e despertado em pais, professores, educadores e padres/pastores a necessidade de

contribuir de maneira mais decisiva para a formação religiosa dessas crianças, na certeza que,

assim, estão propiciando a elas um melhor embasamento para o imaginário religioso cuja

formação já se vislumbra em um futuro muito próximo. Os desafios são vários, mas não

podemos nos furtar de nossas responsabilidades, principalmente quando o assunto nos remete

às crianças.

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APÊNDICE A - Questionário aplicado aos alunos

Sexo: Feminino ( ) Masculino ( )

Para cada pergunta marque somente uma alternativa:

1. Há quanto tempo você estuda no colégio? a) 1 ano b) 2 anos c) 3 anos d) 4 anos e) 5 anos

2. Qual a sua religião? a) Católica b) Protestante. ___________________ c) Judaica d) Nenhuma e) Outra. Qual? _________________

3. Quem é Deus para você? a) Amigo b) Criador do mundo c) Força superior d) Pai de todas as pessoas e) Para mim, ele não existe

4. Onde você acha que Deus mora? a) Em lugar nenhum b) Em todo lugar c) Nas coisas que possuo d) No céu e) No coração

5. Onde você mais ouve falar de Deus? a) Dificilmente ouço falar de Deus b) Em casa c) Na casa dos avós d) Na escola e) Na Igreja

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6. O que você mais admira em Deus? a) Não acredito em Deus b) Seu amor c) Seu perdão d) Seu poder e) Sua justiça

7. Em que momentos da sua vida você se lembra mais de Deus? a) Em momento algum me lembro de Deus b) Na alegria c) Na tristeza d) Quando me relaciono com as pessoas e) Quando vejo a natureza

8. Como você conversa com Deus? a) Não acredito que Deus existe b) Pela imaginação – sonhos c) Pelo pensamento, em silêncio d) Rezando ou orando em casa e) Rezando ou orando na Igreja

9. Quem mais influencia sua formação religiosa? a) Avós b) Mãe c) Padres/ pastores d) Pais e) Professores

10. Com que frequência você vai à Igreja? a) 1 vez por semana b) 1 vez por mês c) 2 vezes por mês d) Somente em casamentos e batizados e) Nunca

11. Em sua opinião, quem é Deus para a sua família? a) Aquele que castiga b) Aquele que decide o nosso destino c) Aquele que nos aceita como somos d) Aquele que vê tudo e) Minha família não acredita em Deus

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12. A visão de Deus apresentada na escola é: a) A mesma da família b) Completamente diferente c) Muito parecida d) Não aprendi nada sobre Deus na escola e) Nenhuma visão de Deus foi apresentada pela escola

13. O que você mais gostaria de pedir a Deus? a) Não existe nada que eu gostaria de pedir a Deus b) Que ele abençoasse a minha família c) Que ele ajudasse a minha família a ter muito dinheiro d) Que ele me ajudasse a ser cada dia melhor e) Que ele protegesse todas as pessoas

14. Como a escola ajuda você a acreditar em Deus? a) Através dos exemplos dos professores e funcionários b) Não ajuda em nada c) Nas aulas de religião d) Nos momentos de oração na escola e) Pela presença dos padres/pastores

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