Intervenção
Psicológica
com Crianças
Maltratadas
Mestrado Integrado em Psicologia
4º Ano / 2º Semestre
Docente: Luiza Nobre Lima
Uma investigação qualitativa
Intervenção Psicológica com Crianças Maltratadas 2
Estórias e projetos de vida de
adolescentes institucionalizados
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Questões de investigação (1)
Como são as estórias de vida dos adolescentes institucionalizados?
Que significado assume nas suas estórias a experiência da institucionalização?
Que projectos formulam os adolescentes para a sua vida futura?
Estarão os adolescentes institucionalizados temporalmente mais orientados para o passado do que para o futuro?
Qual o impacto que tem para os adolescentes contar a sua estória de vida, incluindo nesta o seu passado, mas também o seu futuro?
Enquadramento social
Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (2001)
• Medida de protecção: Acolhimento prolongado em Instituição
• Necessidade de definir em tempo útil projecto de vida que
promova a desinstitucionalização
Intervenção Psicológica com Crianças Maltratadas 4
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Pressuposto teórico
A identidade do indivíduo é uma construção
narrativa, na medida em que resulta da
internalização da estória que o indivíduo
elabora a partir da sua vida (Dan McAdams)
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Metodologia
Amostra
• 17 adolescentes (8 rapazes e 9 raparigas)
• Idade ≥ 15 anos (média=16,7 anos; DP=0,92)
• Tempo mínimo de permanência na instituição = 5 anos
(média=9 anos; DP=3,56)
Metodologia de análise qualitativa, Grounded
Theory
• Entrevista (as 7 memórias mais importantes; “Que
significado tem tido na tua vida estares a viver no lar?”)
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A experiência da
institucionalização
“Entrada na Instituição (ter a noção de que iria iniciar uma
nova vida, num novo ambiente)”
Marco na estória de vida;
Ponto de viragem na trajectória de vida e na própria identidade
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A experiência da
institucionalização
Fases de adaptação ao acolhimento prolongado:
(Não)Aceitação
Revolta
Resignação
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1. Fase de (Não)Aceitação
Fase muito curta
Reacção positiva, mas temporária, de aceitação: expectativa de que a mudança implica melhoria das condições de vida
“ Mas lembro-me de ficar contente porque foi marcante... foi porque vivi aí uns anos menos bons, porque, pronto, não tinha ninguém para me dar atenção. ”
Reacção de não aceitação: desespero, aflição “ ...foi muito difícil, acredite. ...lembro-me de ‘tar no
quarto a chorar e, tipo, ‘tava bué mal... ”
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1. Fase de (Não)Aceitação
Episódios:
• Momento da retirada
• Chegada à Instituição
• Acolhimento
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2. Fase de Revolta
Fase muito longa e difícil
Não aceitação / incompreensão do facto de viverem separados dos pais
Forte sentimento de REVOLTA “ Uma pessoa que ‘tá sempre nestas situações, sempre
sempre ‘tá revoltado, sempre sempre revoltado. ”
Intensificação do desejo de saírem da instituição “ Eu pensava sempre porque é que eu ‘tou aqui?
Eu quero me ir embora, eu quero me ir embora. ”
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2. Fase de Revolta
Desejo permanente de regressarem à família “ Eu, eu fartava-me de chorar, chorar,
só queria a minha família, só queria a minha família ”
Tristeza / Solidão / Abandono / Descontrolo
Idealização da família
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2. Fase de Revolta
Episódios:
• Desmembramento das fratrias
• Rotatividade dos cuidadores
• Negligência e desrespeito (ex.: racismo) por parte dos
cuidadores
• Relações conflituosas e de mau trato por parte dos jovens
mais velhos da Instituição
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3. Fase de Resignação
Passagem do tempo
Constatação de que condições de vida da família não se alteraram
Novas capacidades cognitivas trazidas pela adolescência
Racionalização da experiência de institucionalização
Melhor futuro: o pretexto
“ Enquanto nós estávamos em casa e ‘tava ... o nosso futuro ‘tava assim um pouco vago, um pouco nublado porque, pronto,nós estávamos lá e viemos para cá, é porque aconteceu alguma coisa de mau, alguma coisa ‘tava mal e então o futuro se calhar iria ser diferente ”
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3. Fase de Resignação
Argumentos:
• Permanecer na família teria implicado futuro menos favorável e menos ambicioso
• Instituição oferece possibilidade de atingir níveis de escolaridade mais elevados, melhor formação, melhor adaptação e inserção na sociedade
Novo discurso sobre a Instituição
• Fonte de suporte/segurança/afecto • Proporcionou experiências que favoreceram auto-
conhecimento • Ajudou a desenvolver consciência moral • Nela se estabeleceram relações interpessoais significativas –
Amizade; “nova família”
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3. Fase de Resignação
Atenuação do sentimento de revolta
Antevisão da saída
• ameaça, preocupação e reserva
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Reflexões finais
Adaptação ao acolhimento prolongado: um processo de luto?
Acolhimento Prolongado Luto
(Não)Aceitação Choque e negação
Revolta Protesto
Desespero e desorganização
Resignação Reorganização
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Reflexões finais
Prosseguir com a investigação neste domínio, ampliando o conhecimento sobre o processo de adaptação à vida na instituição
Apoio psicológico efectivo, regular e prolongado no tempo; suporte no trabalho de luto
• Trabalho de história de vida (de onde venho... para onde posso ir)
Avaliação rápida do potencial da família para a mudança e consequentemente, eventual revisão da medida.
Promover práticas de cuidado institucional mais securizantes, mais modeladoras de comportamentos positivos e adequados
Promover o desenvolvimento e enriquecimento do capital social das crianças e jovens institucionalizados
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Questões de investigação (2)
Como são as estórias de vida dos adolescentes institucionalizados?
Que significado assume nas suas estórias a experiência da institucionalização?
Que projectos formulam os adolescentes para a sua vida futura?
Estarão os adolescentes institucionalizados temporalmente mais orientados para o passado do que para o futuro?
Qual o impacto que tem para os adolescentes contar a sua estória de vida, incluindo nesta o seu passado, mas também o seu futuro?
Theoretical assumption
About TIME PERSPECTIVE Nuttin and Lens (1985) distinguished:
Zimbardo & Boyd – time perspective
Trommsdorf ; Seginer – time orientation
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Time
Attitude
Time
Perspective
Time
Orientation
Extension, density,
degree of structuration, level
of realism
Preferential
direction in a subject´s behavior
and thought
Theoretical assumption
Time orientation
• Degree of involvement of an individual, at a given moment of his life, with the different temporal zones (DeVolder, 1979)
• Orientation to the past associated with: • Negative consequences for identity formation (Rappaport et al,
1985)
• Experience of traumatic events (Lomranz et al, 1985; Holman & Silver, 1998)
• Depression (Habermas et al, 2007)
• Child abuse (Klein & Janoff-Bulman, 1996)
• Orientation to the future associated with better outcomes even in children and adolescents raised in at risk environments (Wyman et al, 1992; Quinton, Pickles, Maughan and Rutter, 1993)
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Theoretical assumption
Future Time Perspective
• In adolescence future time perspective emerges as a
developmental task (Nurmi, 1993)
• Adolescents establish their personal goals for the future by
comparison with the developmental tasks they must realize at
a certain age and with the transitions in the roles they play
over time
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Social Frame
Main aspects
• Institutional care – protection measure with wider expression in Portugal
• The waiting time for a possible return to the family is usually so long that leaving the institution often happens only with the autonomy of the youngster
• Adolescents live their moratorium period in Institutions, where they should develop a life project
• The life project of the adolescents in care, which encloses a future time dimension, is a legal responsibility of the Institution
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Methodology
Instruments
• Semi-structured Interview Guide (second part oriented to explore the future dimension of the adolescents’ time perspective)
• 1. Have you ever thought how your future will be? Can you describe it to me?
• 2. What do you do to make real your hopes for the future? And to avoid that your fears become real?
• 3. Did your life at Home help you discover what you want for your future?
• Temporal Orientation Scale [TOS] (Holman, 1996; Portuguese version: Nobre Lima, 2008)
• Factor 1 – Present (α = 0.67)
• Factor 2 – Past (α = 0.72)
• Factor 3 – Future (α = 0.66)
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Methodology
Instruments (TOS cont.)
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Methodology
Procedures
• Qualitative Interview:
• Audio recorded in the institutions
• Transcribed from audio records
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Results (1)
Temporal Orientation
• Hypotheses: Institutionalized adolescents are more oriented towards the past than the present or the future time
Table 1 – Mean and standard deviation of the sample for each factor of the TOS
• Past-present (Z = 1.667, p = 0.096)
• Past - future (Z= 0.262, p = 0.794)
• Present - future (Z = 0.504, p = 0.614)
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No statistical differences were found
Results (2)
Future Time Perspective (FTP)
• Projects
• Having a job (10).
• Having a house (8).
• Leaving the Institution (5).
• Carrying on with studies (11).
• Profession (10).
• Hobbies (3).
• Family (13).
• Providing social support (3).
• Having their own business (3).
• Living in another country (3).
• Traveling (2).
• Other projects (6).
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Results (3)
FTP
• Fears
• Life outside the institution
• Being not able to live on their own ( “Not being able to, not being able to do this transition well, from the Institution to the outside.” )
• Not finding a job to assure minimum conditions to live properly ( “not having a job one day and living in the street.” ).
• Need for livelihood could prevent from attaining some goals , like carry on studying
• For themselves, for their fragility; afraid of making the mistake of “not taking the opportunities that people give me”
• Loosing their bonding figures
• “being alone”
• “dying”
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Results (4)
FTP
• Actions leading to the accomplishment of projects
• “Studying”
• Something that depends upon:
• their commitment ( “I – Look, what do you try to do for your
projects to come true? L – I work for it. I – And how do you work
for it? L – [silence]” )
• their determination ( “And having determination, I think so too” )
• their effort ( “I have to work hard at school” )
• not involving themselves in risky behaviours
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Results (5)
FTP
• Actions leading to the accomplishment of projects
These adolescents identify attitudes as potential ways of accomplishing their projects, but do not refer any actions they
performed that could translate those attitudes, showing difficulties
in instrumentalizing their ideas
( “I – You say you want to take the course to become a
pastrycook, want to have a profession, you want children, want to
live with someone. What do you try to do in your daily life to make
sure that these things will happen? N – I don’t know... I hardly
think.” )
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Results (6)
FTP
• Support from the Home to accomplish projects
• Development of self-competences to manage daily life: “they teach how to cook”, “doing laundry and those things. Cleaning the house”; “they teach us to set the table, to eat, doing the dishes too, doing the cleaning and all that”
• Teach how to use services, like health care or social security
• Help with the school path and with choice of a profession
• For some, support was scarce or none:
( “I – And they help you to think about the future? P – Sometimes. When you get here you hardly have any time to talk to the Doctors. You get here, there’s almost no one here. And when, when you catch the Doctors here, after five minutes they’re already leaving! You hardly have any time to talk.” ).
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Results (7)
FTP
• Feelings regarding the future:
• “fear”
• “anguish”
• “concern”
• “sadness”
• “anxiety” for the closeness of the future
• “happiness”
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Discussion
Time Orientation
• No differences were found between attention given to past, present
and future by the institutionalized adolescents
• One important limitation was the size of the sample and the
consequent use of non-parametric statistical tests that have a
smaller discriminating power
FTP
• Strong reluctancy in talking about the future
• The issue of being capable of having a livelihood in the post-
institutional period plays a central role in the perspective of the future
of these adolescents
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Discussion
FTP (cont.)
• Adolescents showed a perspective of the future not very dense, with little structure and more imagined than active or motivational
• Their FTP is dominated by the need to ensure an autonomous livelihood - job, place to live – and by a family
• Regarding the pursuit of school and the profession, the adolescents revealed very little commitment to accomplish it; they recognize their own inertia
• Family projects are also very idealized
• Their future time attitude reveals a state of dormancy, a torpor that paralyses them and prevents them from acting
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Discussion
• Childhood and Youth Homes, need to organize themselves as a way to lessen and compensate the weaknesses that children carry over to this new context, thus becoming a facilitator in the achievement of the adolescents’ future projects
• There are 2 future projects that must cross paths: the project that the Institution must find and which has the scope of the protection measures presented by the law as an alternative, and the project that the adolescent himself creates for his future life and which is much broader and encompassing than the previous
• These Institutions should enable adolescents for this team work, concerning this enablement to the discovery of these vocations and interests, the promotion of personal skills for exploration, self-construction, and decision, which give the adolescents conditions to discover their motivations and skills
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Dados científicos sobre o cérebro, o
trauma, o desenvolvimento e o
comportamento inadaptativo
Como são as crianças e jovens que
chegam aos CAT e LIJ?
Emocionalmente desreguladas
Cognitivamente pouco competentes
Com alterações do comportamento
úteis e adaptativas em modo de sobrevivência
mas
disfuncionais e disruptivas em contextos estruturados e saudáveis e desadaptativas em termos desenvolvimentais
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Acolhimento e projeto de vida:
Desafios
• Definir um projeto de vida para estas crianças/jovens: o duplo desafio da tomada de decisão e do processo
• Tomada de decisão: que projeto? • ANTES
• Avaliação imediata e multidimensional do desenvolvimento das crianças/jovens
• Avaliação do potencial de mudança das famílias
• Avaliação da rede de suporte da criança
• DEPOIS
• Planear a sua implementação
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Acolhimento e projeto de vida:
Desafios
DEPOIS:
• Envolver a criança/jovem na prossecução deste projeto;
o que é que isto significa? • orientá-los de forma competente e motivada para o futuro
o que é que isto implica? • Promover novos vínculos que sejam fonte de segurança e confiança • Ajudá-los a desenvolver a sua literacia emocional
• Ensiná-los a utilizar estratégias cognitivas para resolverem problemas e fazerem escolhas ativas e conscientes, isto é, torná-los mais competentes
• Trabalhar o processo de luto pela “perda” da família e as experiências traumáticas de modo a conseguirem resignificar a história subjetiva de vida
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Intervenção reparadora: ACOLHIMENTO TERAPÊUTICO
Acolhimento e projeto de vida:
Desafios do acolhimento terapêutico
O que caracteriza as instituições de acolhimento de crianças e jovens em
risco
que funcionam bem e revelam conseguir bons resultados?
O estudo e as reflexões de James Anglin
Intervenção Psicológica com Crianças Maltratadas 40
Acolhimento e projeto de vida:
Desafios do acolhimento terapêutico
Os processos psicossociais básicos
As dinâmicas da interação
A organização
Intervenção Psicológica com Crianças Maltratadas 41
DOR, NORMALIDADE E A LUTA PELA COERÊNCIA O
contributo da investigação de James Anglin
Processos psicossociais
básicos (J. Anglin)
Congruência ao serviço do
superior interesse das
crianças
Ambiente extra-
familiar
Resposta
à
dor
Sensação
de
normalidade
Intervenção Psicológica com Crianças Maltratadas 42
Dinâmicas da interação (J.
Anglin)
1. Ouvir e responder com respeito
• Dignidade; valor pessoal
2. Comunicar uma postura de compreensão
• Sentido e racionalidade
3. Construir comunicação e relações empáticas
• Sentimento de pertença e ligação aos outros
4. Estabelecer estrutura, rotinas e expectativas
• Sentido de ordem e previsibilidade
5. Inspirar compromisso
• Sentido de valor, lealdade e continuidade
6. Oferecer suporte emocional e desenvolvimental
• Sentido de cuidado e mestria
7. Desafiar o pensamento e a acção
• Sentido de potencialidade e capacidade
8. Partilhar poder e tomada de decisão
• Sentido de poder pessoal e discernimento
9. Respeitar o tempo e espaço pessoais
• sentido de independência
10. Descobrir e desvendar o potencial dos jovens
• Sentido de esperança e oportunidade
11. Providenciar recursos
• Sentido de gratidão e generosidade
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Acolhimento e projeto de vida:
Desafios do acolhimento terapêutico
• Desafio organizacional: ter uma ideia clara …
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Visão:
Missão:
Valores:
Garantir a todo o momento o
superior interesse das crianças e
jovens em acolhimento
Crianças e jovens
saudáveis que
prosperam no sentido de
uma adultez competente
O cuidado prestado
baseia-se no conhecimento
científico sobre os impactos
do trauma
Acolhimento e projeto de vida:
Desafios do acolhimento terapêutico
• Desafio organizacional: ter a ideia clara que …
• A intervenção só é verdadeiramente reparadora, se
todos os elementos da organização – do Diretor
Técnico à empregada de limpeza – souberem como
se procede ao acolhimento terapêutico e, de facto,
de forma sintónica, acolherem as crianças e jovens
desse modo.
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Acolhimento e projeto de vida:
Desafios do acolhimento terapêutico
Desafio organizacional:
DEFINIÇÃO DE OBJETIVOS
- Composição de equipas técnicas e educativas
- Selecção dos elementos que integram estas equipas
- Formação e acompanhamento de técnicos e educadores
- Definição do trabalho de equipa e do trabalho individual
- Programação de rotinas
- Organização do grupo das crianças/jovens
- Ligação à comunidade, etc
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Acolhimento e projeto de vida:
Desafios do acolhimento terapêutico
Ainda desafio do acolhimento institucional:
Planeamento sustentado da saída da Instituição:
o trabalho de continuidade com estes jovens
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Referências
Nobre Lima, L. (2009). Estórias e projetos de vida de adolescentes institucionalizados. Tese de doutoramento não publicada. Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Coimbra
Nobre Lima, L. (2013). Temporal orientation and Future Time Perspective of Adolescents in Institutional Care. In M. P. Paixão, J. T. Silva (Coord.), V. Ortuño, & P. Cordeiro, (Eds.) International Studies in Time Perspective (p.33-50) Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra.
Anglin, J. (2002). Pain, normality and the struggle for conguence. NY: Routledge
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