Sete anos de pastor Jacob servia Labão, pai de Raquel, serrana bela; Mas não servia ao pai, servia a ela, E a ela só por prémio pretendia. Os dias, na esperança de um só dia, Passava, contentando‐se com vê‐la; Porém o pai, usando de cautela, Em lugar de Raquel lhe dava Lia. Vendo o triste pastor que com enganos Lhe fora assim negada a sua pastora, Como se a não Ivera merecida, Começa de servir outros sete anos, Dizendo: — Mais servira, se não fora Pera tão longo amor tão curta a vida!
Camões
Camões e a pintura
William Dyce, Jacob conhece Raquel (1850)
Elementos que compõem a imagem
• Em destaque: • Duas personagens ‐ um homem e
uma mulher; • Um muro/Uma fonte em pedra e
um pote para ir buscar água (pertença da mulher);
• Em segundo plano, ao fundo: • Uma edificação à esquerda em
tons terra; • Montanhas à direita;
• Cenário campestre com um rebanho de ovelhas;
Caracterização das personagens em destaque
• Homem: • Indumentária de pastor; • Curva‐se perante a mulher amada,
numa a?tude servil, com os joelhos ligeiramente fle?dos como quem se vai ajoelhar;
• Olhar apaixonado e sorriso franco; • Agarra a mão da mulher amada e
coloca‐a sobre o peito em sinal de amor. O outro braço encontra‐se sobre os ombros da personagem feminina;
• Pequeno apontamento vermelho nas suas vestes – símbolo do amor que sente por ela;
Caracterização das personagens em destaque
• Mulher: • Indumentária simples de pastora ou
mulher do campo humilde; • Descalça – símbolo da sua simplicidade e
humildade; • Posição recatada do rosto que não
enfrenta/olha diretamente para o homem amado;
• Leve inclinação do corpo que se afasta da personagem masculina, embora lhe dê a mão e permita que esta seja colocada junto ao coração do pastor;
• Cabelo apanhado como sinal de recato; • Pequeno apontamento vermelho nas suas
vestes (lenço na cabeça) – símbolo do amor que sente por ele;
• Supostamente vai à fonte (já que tem o pote junto de si), a?vidade Tpica das donzelas da época camoniana;
• Loura, de tez nívea, graciosa, ideal de mulher petrarquista.
Parte superior da pintura (símbolo da espiritualidade, do mundo inteligível) • Existe a aproximação _sica, real das personagens, o que exprime o desejo do pastor de efeIvar
o seu amor; • Representação de um céu sem nuvens e por isso promissor de uma ascensão conseguida.
Parte inferior da pintura (símbolo da materialidade, do mundo sensível) • Existe uma separação _sica das personagens, embora a posição do pastor indique uma tentaIva
de aproximação e de subserviência; • Representação do rebanho como pano de fundo e que simultaneamente preenchem o espaço
de separação entre os amantes. (Se por um lado o rebanho mantem a separação, por outro lado permite a aproximação, já que este encontro amoroso acontece durante a aIvidade laboral da personagem masculina.
Parte esquerda da pintura (símbolo do presente ou
passado recente) • Posição do pastor de
subserviência; • Representação do
rebanho; • Imagem ao longe de uma
edificação senhorial; • No presente/Passado
recente, Jacob trabalha como pastor, cuidando de um rebanho de ovelhas, numa aItude servil perante o seu senhor;
• “Sete anos de pastor Jacob servia/Labão”.
Parte direita da pintura (símbolo do futuro)
• Rosto do pastor que expressa o amor imenso que sente pela personagem feminina;
• Mãos enlaçadas sobre o coração do pastor como símbolo desse amor presente e futuro, já que se encontram cortadas pela linha verIcal;
• Presença integral de Raquel, como a pessoa que se deseja no futuro e pela qual se fazem sacri_cios no presente;
• “...a ela só por prémio pretendia”;
• “...na esperança de um só dia”.
Sete anos de pastor Jacob servia Labão, pai de Raquel, serrana bela; Mas não servia ao pai, servia a ela, E a ela só por prémio pretendia. Os dias, na esperança de um só dia, Passava, contentando‐se com vê‐la; Porém o pai, usando de cautela, Em lugar de Raquel lhe dava Lia. Vendo o triste pastor que com enganos Lhe fora assim negada a sua pastora, Como se a não Ivera merecida, Começa de servir outros sete anos, Dizendo: — Mais servira, se não fora Pera tão longo amor tão curta a vida!
Camões
Camões e a pintura
William Dyce, Jacob conhece Raquel (1850)
O quadro Jacob conhece Raquel de William Dyce espelha na perfeição o conteúdo do poema “Sete anos de pastor Jacob servia” de Camões. A perseverança daquele que ama verdadeiramente é representada no poema através da recriação do episódio bíblico de Jacob que compromete‐se com Labão em trabalhar para si como pastor durante sete anos, a fim de poder casar com sua filha Raquel. Jacob “passava” “os dias” “na esperança de um só dia”, o dia em que finalmente poderia casar com a mulher amada, no entanto passado esse tempo, Labão concedeu‐lhe a sua outra filha (Lia). Jacob comprova o seu profundo e verdadeiro amor por Raquel, sendo persistente e comprometendo‐se a trabalhar mais sete anos para que o seu desejo fosse alcançado. Este episódio é representado na pintura através de um possível encontro entre os dois intervenientes que revelam o seu amor através da sua expressão corporal, na medida em que Jacob encontra‐se numa posição de subserviência e total dedicação à mulher amada, e Raquel, para além de ser a representação da mulher ideal petrarquista, tão cara a Camões, mostra o recato próprio de uma donzela da época, através da ligeira inclinação do seu corpo que se afasta do dele. A presença do rebanho é também crucial para contextualizar toda esta situação de enamoramento e de sacri_cio do pastor, rebanho esse que simultaneamente os aproxima e os afasta, na medida em que Jacob está perto dela pois trabalha como pastor para o seu pai, mas são igualmente os, afinal, catorze anos de trabalho que os mantêm separados, separação essa visível na parte inferior do quadro, relaIva ao mundo real. O amor infinito de Jacob por Raquel está bem patente na parte direita do quadro através da expressão facial e olhar apaixonado do pastor e das mãos enlaçadas sobre o seu coração como símbolo desse amor presente e futuro, já que se encontram cortadas pela linha verIcal. A presença integral de Raquel, como a pessoa que se deseja no futuro e pela qual se fazem sacri_cios no presente é a comprovação de que “...a ela só por prémio pretendia” e que a vida de Jacob exisIa “...na esperança de um só dia”, o dia em que finalmente pudessem viver maritalmente. Em suma, tanto na poesia de Camões, como na pintura de William Dyce, o amor verdadeiro é posto em evidência através de um episódio que comprova a sua grandeza e plenitude.
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