UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
JOÃO JOSÉ BATISTA FILHO
SOLANO TRINDADE: A ESCRITA NA PELE.
JOÃO PESSOA - PB
2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
SOLANO TRINDADE: A ESCRITA NA PELE
Dissertação elaborada por João José
Batista Filho e apresentada ao Programa
de Pós-Graduação da Universidade
Federal da Paraíba para a obtenção do
grau de Mestre em Letras.
Área de Concentração: Literatura e
Cultura.
Linha de Pesquisa: Estudos Comparados.
Orientadora: Profª. Dra. Elisalva de
Fátima Madruga Dantas.
JOÃO PESSOA – PB
2009
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TERMO DE APROVAÇÃO
JOÃO JOSÉ BATISTA FILHO
SOLANO TRINDADE: A ESCRITA NA PELE.
Dissertação aprovada em: _____/_____/2009.
BANCA EXAMINADORA:
_______________________________________________________________
Profª. Dra. Elisalva de Fátima Madruga Dantas
(Orientadora)
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Milton Marques Júnior
(Examinador)
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Waldeci Ferreira Chagas
(Examinador)
_______________________________________________________________
Profª. Dra. Genilda Azerêdo
(Suplente)
4
DEDICATÓRIA
Ao meu grande amigo Prof. José Vieira da
Costa, de saudosa memória, pelo
incentivo e incondicional apoio a mim
dispensado neste mister e por tudo que
representou em minha vida profissional.
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AGRADECIMENTOS
Minha especial gratidão a Deus em quem creio firmemente, que por
intermédio do Seu Filho Jesus Cristo me deu força e capacidade para alcançar este
objetivo.
À minha mãe Maria Batista de Assis, exemplo de vida e dedicação, pelo
apoio e incentivo constantes.
A Liliane de Albuquerque Barbosa Batista, companheira incansável de
todos os momentos, e aos meus filhos Adamms Batista Albuquerque e Aisllan
Batista Albuquerque que muito contribuíram para que chegássemos a este estágio.
À minha orientadora Profª. Dra. Elisalva de Fátima Madruga Dantas pelo
apoio, amizade, incentivo permanente e incomum dedicação.
À Profª. Ms. Bernardina Santos Araújo Sousa, Diretora-Presidenta da
Autarquia Educacional de Belo Jardim – AEB, pelo apoio e incentivo que nos
dispensa em nossa qualificação profissional.
À Profª. Dra. Zuleide Duarte pelo apoio e indicações bibliográficas.
Ao Prof. Dr. Iêdo de Oliveira Paes pelo apoio e indicações bibliográficas.
Ao Prof. Dr. Milton Marques Júnior pelo apoio, amizade e permanente
incentivo.
Aos membros da Banca Examinadora da Defesa, por haverem aceito o
convite para analisar e opinar sobre nossa dissertação.
Aos meus irmãos, irmã pelos constantes votos de apoio e incentivo.
Ao meu cunhado Carlos Alberto Maciel pelas palavras de incentivo.
Aos professores, que ministraram as disciplinas do Mestrado, pela
cordialidade com que nos trataram.
Aos colegas do Mestrado que dividiram conosco os momentos de labuta e
prazer na intensa e satisfatória caminhada do curso.
A todos que direta ou indiretamente contribuíram conosco para que
obtivéssemos o êxito desejado na finalização deste trabalho de pesquisa.
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HOMENAGEM ESPECIAL
À minha orientadora ─ Profª. Dra. Elisalva
de Fátima Madruga Dantas, pelo carinho,
amizade, dedicação, disponibilidade, além
da segura e atenciosa orientação.
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HOMENAGEM PÓSTUMA
Ao meu pai João José Batista, que Deus
o chamou para si, pois se estivesse entre
nós estaria se regozijando com mais um
triunfo por mim conquistado.
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Não faremos lutas de raças, porém
ensinaremos aos irmãos negros que não
há raça superior, nem inferior, e o que faz
distinguir uns dos outros é o
desenvolvimento cultural. São anseios
legítimos a que ninguém de boa fé poderá
recusar cooperação.
Solano Trindade
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RESUMO
O presente trabalho consiste em uma leitura crítica da obra poética de Solano Trindade, tendo como objetivo primeiro verificar como se dá na sua poiesis a representação do negro, tomando como fundamento básico para as análises realizadas, além das modernas teorias críticas relacionadas com a questão da identidade nacional, as propostas defendidas pelo movimento da Negritude no concernente à afirmação do ser negro e pelo Modernismo Brasileiro no referente à sua preocupação com o resgate e valorização da cultura afro-brasileira, responsável, juntamente com a indígena, pela formação da nossa identidade cultural e que foram recalcadas por imposição da cultura colonizadora que a elas se sobrepôs. Palavras-chave: NEGRO, NEGRITUDE, RESILIÊNCIA, AFIRMAÇÃO.
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RESUMEN
Este trabajo es una lectura crítica de la obra poética de Solano Trindade, con el principal objetivo de ver cómo su poiesis produce en la representación del pueblo negro, teniendo cómo base fundamental para el análisis llevado a cabo, y crítica de las modernas teorías relativas a la cuestión de la identidad nacional, las propuestas defendidas por el movimiento de la Negritud en la declaración sobre el ser negro, y el Modernismo Brasileño en relación con su preocupación por el rescate y la valoración de la cultura afro-brasileña que es responsable, junto con los indígenas, por la formación de nuestra identidad cultural y que fueron reprimidos por la cultura de la coacción colonizadora que se superponen a ellas.
Palabras clave: NEGRO, LA NEGRITUD, LA RESISTENCIA, AFIRMACIÓN.
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 12
2. O NEGRO: DE OBJETO A SUJEITO. 15
3. SOLANO TRINDADE: O HOMEM, A OBRA E A CRÍTICA 37
3.1 O HOMEM 37
3.2 O POETA E SUA OBRA 39
3.3 A CRÍTICA 51
4. A NEGRITUDE SERENA E VITORIOSA DE SOLANO TRINDADE 58
4.1 A EPOPEIA NEGRA 59
4.2 A PASSAGEM DO INTERIOR TENEBROSO AO POÉTICO 73
4.3 O DESCORTINAR DO PRECONCEITO CONTRA O NEGRO 77
4.4 A RE-HUMANIZAÇÃO DO NEGRO 79
4.5 A CONSCIÊNCIA DA PERTENÇA 82
5. CONCLUSÃO 85
REFERÊNCIAS 91
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1. INTRODUÇÃO
O século XX trouxe para os estudos literários a ênfase na representação
do negro que, após passar por um longo processo de assimilação da cultura do
branco, em detrimento da sua, vítima que fora de uma literatura pseudocientífica
forjada pela ideologia colonial, volta-se à herança sociocultural de seus ancestrais
para negar a negação branca opressora. A esse retorno, Munanga (1988, p. 6)
chama de “Negritude”. Porém, vale ressaltar que esse movimento de regresso às
origens fora iniciado com o pan-africanismo, predecessor da negritude, que consiste
no ideal de unidade dos povos da África e, como a própria negritude, fundamenta-se
principalmente no postulado de uma identidade cultural própria, comum a todos os
negros e seus descendentes.
Os ventos do porvir desejante de uma raça, antes invisibilizada pelas
circunstâncias políticas e sociais, começam a soprar a partir das Américas,
inicialmente com os norte-americanos W.E.B Du Bois e Langston Hughes que,
segundo Munanga (1988, p. 36) são “o Pai da Negritude e o representante do
movimento conhecido sob o nome de Renascimento Negro, respectivamente.”
Os ecos da Harlem Renaissance, movimento norte-americano de
afirmação dos valores negros, fortemente influenciado pela obra “Almas Negras” do
sociólogo afro-norte-americano Du Bois, chegam à França onde em Paris, na
década de trinta, após acalorados debates no Quartier Latin, um grupo de
intelectuais africanos e caribenhos, radicados na capital francesa, mirando-se no
exemplo dos escritores americanos integrados ao movimento Renascimento Negro,
fazem eclodir o Movimento da Negritude, cujas aspirações consistem na recusa a
assimilação dos valores impostos pelo branco, fazendo com que o intelectual
assuma sua cor, raça e torne-se, portanto, o porta-voz dos anseios dos irmãos
oprimidos pelo neocolonialismo europeu na África. Dentre os artífices da Negritude
destacamos o poeta martiniquense Aimé Césaire, que fizera uso do termo pela
primeira vez, em 1939, no seu poema narrativo “Caderno de um retorno ao país
Natal”, publicado em 1944 (Teodoro, 1988, p. 32), o guianense Léon Damas e o
senegalês Léopold Sédar Senghor que foram, também, responsáveis pela fundação
da revista Étudiant Noir, que re-erguera a bandeira de luta da extinta Légitime
Défense, reagrupando todos os estudantes negros em Paris, sem distinção de
origem.
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Na esteira dos movimentos que apregoaram a busca de uma “identidade
própria como o conjunto de valores culturais do mundo negro, exprimidos na vida,
nas instituições, nas obras” (Senghor, IN: Munanga, 1988, p. 45), surgem no Brasil,
dentre outros, a Frente Negra Brasileira de 1930. Embora poetas e escritores como
Domingos Caldas Barbosa, Luiz Gama, a quem Zilá Bernd (1988, p. 44) considera
um caso especial de “Negritude antes do tempo”, Castro Alves, Lima Barreto, Cruz e
Souza tenham se voltado para o negro, em suas obras, é em Solano Trindade que
as propostas da Negritude irão ressoar de modo vigoroso. Sua obra dialoga com a
do cubano Nicollás Guillén, autor da obra poética considerada a mais representativa
do negrismo hispano-americano; com a de Langston Hughes, representante do
movimento Renascimento Negro e com as dos afro-falantes, Marise Condé, Jamaica
Kincaid, a americana Toni Morrison, bem como os africanos autores da lusofonia
José Craveirinha, Mia Couto, Luandino Vieira, dentre outros.
É a convicção da representatividade da poesia de Solano Trindade para a
literatura negra brasileira que estudaremos a obra Cantares ao Meu Povo, à luz das
modernas teorias críticas que se fundam na busca da identidade nacional. Entre
outros autores, recorremos aos estudos críticos de teor comparativo e
socioestilístico-cultural, desenvolvidos por Antonio Candido, Benedita Damasceno,
Elisalva Madruga, Édouard Glissant, David Brookshaw, Heloisa Gomes, Kabengele
Munanga, Oswaldo de Camargo, Pires Laranjeira, Rita Chaves, Roger Bastide, Zilá
Bernd entre outros.
No primeiro capítulo, para melhor situar a obra de Francisco Solano
Trindade e mostrar a sua importância para a consolidação entre nós, das propostas
negritudinistas, procede-se a uma retrospectiva da história literária brasileira,
centrando nossa atenção nos poetas que, ao longo dela, elegeram o negro como
tema de sua poesia, desde Domingos Caldas Barbosa, poeta árcade ao modernista
Solano Trindade.
No segundo capítulo, visando a uma maior compreensão do fazer poético
de Solano Trindade e da sua repercussão no cenário literário brasileiro,
desenvolvemos, ainda que de forma panorâmica, considerações gerais em torno do
poeta, de sua obra e de sua fortuna crítica.
No terceiro capítulo, tendo em vista o objetivo primeiro da dissertação –
verificar como se dá a representação do negro na obra de Solano Trindade –
procedemos, com base, sobretudo nas propostas da Negritude, à análise dos
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poemas escolhidos e extraídos da obra Cantares ao Meu Povo, buscando captar,
através dos seus aspectos estéticos e ideológicos, o que neles se apresentam como
elementos concretizadores dessas propostas, no que dizem respeito especialmente
ao ideal de reterritorialização e de respeito à alteridade, na perspectiva da
construção de uma identidade própria do afro-brasileiro.
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2. O Negro: de objeto a sujeito.
Uma literatura não surge do acaso, sempre traz no seu bojo resquícios de
outra ou outras literaturas e traduz, de forma mais ou menos sutil, as manifestações
da vida social em determinada época. É partindo dessas premissas que
submergimos no mundo da produção literária de escritores negros, antes
invisibilizados pelas circunstâncias políticas e sociais, à procura da gênese da
negritude tão propalada a partir do século XX.
Na Literatura Brasileira, o negro só recentemente vem ocupando o lugar
que lhe é de direito. A luta pela inserção do indivíduo negro no cenário literário
nacional vem, desde os primórdios de sua formação, atravessando dificuldades
quase intransponíveis.
Durante todo o período colonial, a imagem do negro teve sua visibilidade
ofuscada, no mundo das letras, por estar indissoluvelmente associada ao trabalho
servil. É como se o negro, ao cruzar os mares em emigração forçada, tivesse
deixado na costa africana todo o seu cabedal cultural.
Desse período destacam-se os poetas Inácio José de Alvarenga Peixoto
e Domingos Caldas Barbosa, em cujas obras já se tem a presença do negro, embora
cercado de estereótipos por todos os lados e, por isso mesmo, ainda configurado de
forma incipiente.
Segundo Roger Bastide (1973, p. 117), “O único poeta que glorifica os
escravos, no século XVIII, Inácio José de Alvarenga Peixoto, apenas divisa neles
soberbos animais para o labor”, conforme o comprovam os versos: “escravos duros
e valentes, / fortes braços feito ao trabalho”.
O mito do negro fisicamente forte se constitui em mais um dos inúmeros
estereótipos a ele atribuídos, que o acompanhará durante toda a sua trajetória no
período colonial e para além dela, colocando-o apenas afeito aos trabalhos manuais,
negando-lhe quaisquer capacidades, inclusive a de preservação da sua
ancestralidade cultural.
No que concerne a Domingos Caldas Barbosa, assim se expressa
Oswaldo de Camargo (1987, p. 27), “Hoje, no entanto, o único poeta do século XVIII
que resiste ser citado, como escritor negro, à força do texto é Domingos Caldas
Barbosa”.
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Como poeta negro, entre outras composições suas, são sempre incluídos
em antologias e compêndios os versos de Lundum de Cantigas Vagas. O lundum,
em termos poéticos, se constitui na principal força de expressão da cultura afro-
brasileira no período colonial. Originalmente era uma dança erótica de origem bantu,
também chamada “umbigada” que sofrera o peso da censura e fora transformada
em canção para abolir sua coreografia “escandalosa”. A poesia que dele emana
remete à simplicidade da poética trovadoresca e suas cantigas. Foram exatamente
as modinhas ou cantigas brasileiras, introduzidas em Lisboa por Caldas Barbosa,
cantadas ao som de viola e divulgadas em todas as classes sociais, tanto em
Portugal, como no Brasil que o tornaram a primeira forma de poesia negra nacional,
aceita pelas camadas sociais do país.
Os versos abaixo citados pertencem ao Lundum de Cantigas Vagas e são
representativos da influência do linguajar africano cuja ressonância, não só na
sociedade brasileira como na lusitana, deu invulgar notoriedade ao poeta Domingos
Caldas Barbosa.
“Xarapim eu bem estava Alegre nesta aleluia Mas para fazer-me triste Veio Amor dar-me na cuia (.......................................) Se visse o meu coração Por força havia ter dó Porque o Amor tem posto Mais mole que quingombó”.
(Barbosa, Vol. II, 1944, p. 15)
O poeta das modinhas e lunduns contribui de maneira significativa para a
poesia brasileira, graças à espontaneidade com que soube expressar em versos,
seus anseios e tormentos, esperanças e emoções.
Apesar da referência feita ao negro e à sua cultura nos poemas de
Alvarenga Peixoto e Domingos Caldas Barbosa, ainda é ínfima sua aparição nesta
primeira literatura brasileira, cujo fazer era regido pelos pressupostos estéticos e
ideológicos do Arcadismo. Neste ambiente, o negro não fora assunto poético e por
isso merecera pouca atenção dos poetas da época.
É a partir da segunda metade do século XIX que o negro, após uma dupla
transposição no espaço e no tempo, torna-se assunto poético e passa a despertar o
interesse de poetas, dramaturgos e romancistas que motivados pelas discussões
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acaloradas de todos os segmentos da sociedade a respeito do abolicionismo,
ocupam-se, com mais frequência, em tornar visível a figura do negro, embora ainda
carregando o estigma da escravidão com toda a carga preconceituosa que dela
advém.
Antes de a campanha abolicionista tomar o tom acalorado que motivou os
escritores canônicos da época, a voz negra ecoou fortemente através dos versos
satíricos do poeta negro, Luiz Gonzaga Pinto da Gama, que se mostrara grande
defensor da causa abolicionista. Luiz Gama fora, indubitavelmente, o primeiro
escritor a trazer a imagem do negro para a literatura, contrariando a idéia vigente de
inferioridade do negro. Luiz Gama além da quebra dos padrões poéticos tradicionais
exalta sua africanidade numa prova incontestável de que era movido pela
consciência da pertença.
O poeta Luiz Gama nos legou, como obra principal, o volume intitulado
“Primeiras Trovas Burlescas de Getulino”, do qual existem quatro edições, datadas
de 1859, 1861, 1904 e 1944. As duas primeiras edições foram publicadas pelo autor
e as outras são póstumas.
Como poeta lírico, Luiz Gama é o primeiro negro brasileiro a cantar seu
amor por uma mulher negra, conforme se observa no poema “Meus Amores”:
“Meus amores são lindos, cor da noite Recamada de estrelas rutilantes; São formosa crioula ou Thétis negra, Tem por olhos dois astros rutilantes (...................................................) A cabeça envolvida em núbia trunfa Os seios são dois globos a saltar; A voz traduz lascívia que arrebata, ─ É coisa de sentir, não de contar”
(Gama, 1904, p. 160-161)
Ao exaltar a beleza da mulher negra por meio de uma linguagem rica e
sensual, o poeta acaba por revelar a assimilação da ideologia dos detratores de sua
raça, cuja ideologia resultava em deformações redutoras da figura da mulher negra,
em oposição às “virtudes superiores” da mulher branca.
As expressões utilizadas pelo poeta com o intuito de enfatizar os traços
fenotípicos da mulher negra são extremamente libidinosas como podemos observar,
principalmente, nos três últimos versos que compõem a segunda estrofe do poema:
“Os seios são dois globos a saltar; / a voz traduz lascívia que arrebata, / — É coisa
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de sentir, não de contar”. Essa libidinosidade empregada na tessitura do poema
revela, curiosamente, que o poeta corrobora, ainda que inconscientemente, os
estereótipos de que fizera uso o branco opressor.
No poema “A Bodarrada”, nome pelo qual se populariza sua sátira “Quem
sou eu?”, Luiz Gama demonstra ser um homem do seu tempo, preocupado com a
realidade que o circunda, ao assumir, com invulgar firmeza de personalidade, o
epíteto que lhe fora lançado como desairoso de “negro ou bode” e o reverter para
aqueles que o lançaram, satirizando o ideal de nobreza e de pureza de sangue de
uma sociedade canhestra, afeita aos estereótipos que têm por finalidade precípua
distorcer a imagem do negro, impedindo sua ascensão social e consequentemente
sua visibilidade enquanto sujeito de sua história.
É com a “A Bodarrada” que Luiz Gama provoca os meios sociais, políticos
e clericais do Brasil católico-feudal-escravocrata da época:
“Se negro sou, ou sou bode, Pouco importa. O que isto pode? Bodes há de toda a casta, Pois que a espécie é muito vasta... Há cinzentos, há rajados, Baios, pampas e malhados Bodes negros, bodes brancos, E, sejamos todos francos, uns plebeus e outros nobres bodes ricos, bodes pobres Bodes sábios, importantes, E também alguns tratantes... Aqui, nesta boa terra, Marram todos, tudo berra”
(Gama, 1904, p. 112-113)
O poema “A Bodarrada” é composto por 138 versos nos quais Luiz Gama
usa, de forma sarcástica, as mais diversas acepções populares da palavra “bode”,
dentre as quais aquelas tão recorrentes na gíria brasileira como, segundo Heloisa
Toller Gomes (1988, p. 39), “mestiço, mulato e também indivíduo libidinoso, sátiro.”
Os versos supracitados são representativos do momento de maior
criticidade do poema. É através deles que o eu lírico, usando de um humor bastante
irreverente e um estilo solto e espontâneo, denuncia, com ferina ironia, a hipocrisia
racial reinante no país e desmistifica todos os que se veem e são vistos como a elite
social brasileira e o querem inferior.
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O final do poema, simultaneamente, jocoso e cáustico, como é próprio da
sátira, traz uma acirrada crítica ao contexto social da época, como bem atestam os
versos abaixo:
“Haja paz, haja alegria Folgue e brinque a bodaria, Cesse, pois a matinada, Porque tudo é bodarrada!!”.
É através da voz poética de Luiz Gama que a figura do negro aparece, no
cenário da literatura brasileira, como elemento que contribui de maneira eficaz na
formação étnica, social e econômica da paisagem humana nacional, deixando
marcas indeléveis que possibilitaram sua visibilidade, não como simples coadjuvante
em cena, mas como protagonista de sua história.
Nas últimas décadas do século XIX, motivada pela efervescência do
movimento abolicionista, o negro passa a ser uma presença mais constante no
cenário literário brasileiro. Porém, vale ressaltar que mesmo em meio às acaloradas
discussões abolicionistas, escreve-se mais sobre a escravidão do que sobre o
negro. Era a instituição servil que estava em xeque, não a pessoa do negro
escravizado.
Neste contexto o negro permanece sem voz, na “castiça” sociedade da
época, tendo em vista que na maioria das vezes era o autor branco quem “fazia
falar” o negro que imaginava existir e estava ávido por confirmar.
A atitude tomada pelo autor branco, respaldada pelo racialismo romântico
leva a uma visibilidade bastante distorcida e estereotipada desse mesmo negro.
O negro, nas obras do autor oitocentista, mesmo quando idealizado como
tipo mais ou menos benevolente, figura sempre imerso em visões preconceituosas
que têm o intuito de ostentar o conforto da sensação da própria superioridade
vivenciada pelo indivíduo branco.
Nesse momento conturbado de nossa literatura, surge o poeta Antônio
Frederico de Castro Alves, que segundo Oswaldo de Camargo (1987, p. 46), “É a
voz, a consciência, o espírito do movimento abolicionista”. O poeta romântico e
condoreiro, hugoano convicto, com Navio Negreiro e Vozes d’África, tornou-se o
poeta revolucionário por excelência do movimento abolicionista brasileiro.
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Não se pode negar que o grande salto da figura do negro como assunto
poético, na literatura brasileira, se processara através da poesia abolicionista de
Castro Alves, embora parte da crítica veja, nessa poesia, uma atitude paternalista e
piedosa por parte do poeta em relação ao negro, o que o coloca como um dos
poetas românticos que não consegue passar à margem da atitude racial
predominante na literatura brasileira da época, o racialismo romântico.
Diante da polêmica criada em torno da poesia arrebatada de Castro
Alves, Heloisa Toller Gomes (1988, p. 68), assim se posiciona:
Desprende-se dos poemas abolicionistas de Castro Alves uma convicção indignada da causa dos escravos que vai além de mera atitude paternalista e piedosa. O tratamento da escravidão assume aqui, uma dimensão inusitada, na ousadia com que são questionados valores antes intocados ─ se não em nossa literatura como um todo, decerto em nosso romantismo. Referimo-nos à radicalidade de seu ataque à escravidão que não se evade de atingir a pátria e a própria religião. Isso sucede exatamente em “O Navio Negreiro” e “Vozes d’África”.
Uma outra polêmica que se instala diz respeito à atualidade histórica do
poema “O Navio Negreiro”, cujo motivo central ─ o tráfico de escravos ─ já houvera
sido extirpado há mais de uma década de sua publicação em 1868. Todavia vale
salientar que, em 1850, fora abolido o tráfico negreiro em águas internacionais, o
que não se configura em realidade nacional.
A atualidade do poema “O Navio Negreiro” tem sua razão de ser pela
temática abordada que não se prende, simplesmente, à viagem marítima do navio
negreiro e sim a sua imagem central, através da qual dramatiza todo o problema da
escravidão. Heloisa Toller Gomes (1988, p. 69), ratifica esse pensamento ao afirmar:
“O tema do poema é mais do que a cena dantesca a bordo abarcando a escravidão
no seu todo, a degradação à pessoa humana e o ultraje à própria natureza”.
Polêmicas à parte, o poema “O Navio Negreiro” se nos apresenta como
sendo mais ousado do que a poesia abolicionista de outras literaturas. Castro Alves
consegue, através da robustez de sua poesia, nacionalizar “O Navio Negreiro” que
descreve, conforme atestam os versos:
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“E existe um povo que a bandeira empresta P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!... E deixa-a transformar-se nessa festa Em manto impuro de bacante fria!... Meu Deus! meu Deus! Mas que bandeira é esta, Que impudente na gávea tripudia?!... Silêncio!... Musa! Chora, chora tanto Que o pavilhão se lave no teu pranto...” (Castro Alves, 1997, p. 23)
A impudência de que trata a voz poética não se refere apenas aos
escravistas, mas atinge a pátria no seu todo, aqui representada pelo degradado
pavilhão nacional:
“Auriverde pendão de minha terra, Que a brisa do Brasil beija e balança Estandarte que a luz do sol encerra, E as promessas divinas da esperança... Tu, que da liberdade após a guerra, Foste hasteado dos heróis na lança, Antes te houvessem roto na batalha, Que servires a um povo de mortalha!...” (Castro Alves, 1997, p. 23)
“O Navio Negreiro” é o mais conhecido poema abolicionista de Castro
Alves, pois em sua tessitura poética, à maneira cinematográfica, se abre com uma
tomada panorâmica: “ ’STAMOS em pleno mar...”, aproxima-se do alvo na terceira
parte: “Mas que vejo eu ali ... que quadro de amarguras! / Que cena funeral!... Que
tétricas figuras! / Que cena infame e vil!... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!” e
numa espécie de zoom, focaliza o navio na quarta parte: “Era um sonho dantesco...
o tombadilho / Que das luzernas avermelha o brilho, / Em sangue a se banhar. / Tinir
de ferros ... estalar do açoite ... / Legiões de homens negros como a noite, /
Horrendos a dançar...” No segmento final, o tom do poema muda, a denúncia deixa
de ser generalizada e dirige-se à conscientização do Brasil, país que causa
vergonha aos filhos seus pela prática da escravidão:
“Existe um povo que a bandeira empresta P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!... ............................................................. Meu Deus! Meu Deus! Mas que bandeira é esta, Que impudente na gávea tripudia?!...” (Castro Alves, 1997, p. 23)
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Os discursos pseudojustificativos sempre embasaram as tomadas de
decisões da sociedade escravocrata, tanto no que diz respeito ao flagelo do negro,
quanto à manutenção da instituição servil de que era fiel representante.
Um desses discursos ─ o bíblico ─ ganha peso entre os escravistas por
“justificar”, via religião, o princípio de inferioridade do negro em relação ao branco. A
explicação religiosa advém do mito camítico entre os hebreus, o qual parte da idéia
de que a raça negra é maldita por descender de Cam, um dos filhos de Abraão por
ele amaldiçoado, que fará eclodir a simbologia de cores na qual a cor preta
representa uma mancha moral e física, a morte e a corrupção, enquanto a branca
remete à vida e à pureza.
A poesia de Castro Alves não ficou alheia às questões religiosas e sua
abordagem, nesse aspecto, fora, também, mais ousada do que seus
contemporâneos brasileiros e estrangeiros. Em “Vozes d’África”, sua indignação é
tão efusiva que chega às raias do herético. O poeta não se contenta simplesmente
em atacar a hipocrisia religiosa responsável pelo endosso ou, quando menos, pela
omissão diante do crime escravista e volta-se contra o próprio Deus, ao indagar:
“Não basta inda de dor, ó Deus terrível?! É pois teu peito eterno, inexaurível De vingança e rancor? E que é que fiz, senhor? Que torvo crime Eu cometi jamais, que assim me oprime Teu gládio vingador?!” (Castro Alves, IN: Moisés,1983, p.187)
Após questionar o abandono divino de dois mil anos e sua vingança
contra o negro africano, o eu lírico põe em xeque o próprio dogma da salvação, ao
afirmar:
“Cristo! embalde morreste sobre um monte... Teu sangue não lavou da minha fronte A mancha original.”
(Castro Alves, IN: Moisés,1983, p.187)
O crítico Antonio Candido (1959, p. 276), observou sobre Castro Alves:
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Castro Alves se tornou o poeta por excelência do escravo, ao lhe dar não só um brado de revolta, mas uma atmosfera de dignidade lírica. Não é só o escravo surrado a suplicar clemência que emerge de seus versos, mas também — e principalmente — o ser humano ultrajado prestes a se voltar contra os algozes.
As palavras do crítico Antonio Candido encontram eco na temática do
poema “Bandido Negro” no qual há uma mescla de elementos dramáticos,
narrativos, históricos e fantásticos, que o deixa com feições de uma balada,
conforme o demonstram as estrofes abaixo:
Bandido Negro
Corre, corre, sangue do cativo Cai, cai, orvalho de sangue Germina, cresce, colheita vingadora A ti, segador a ti. Está madura. Aguça tua fouce, aguça, aguça tua fouce. (E. Sue, Canto dos filhos de Agar.)
Trema a terra de susto aterrada.... Minha égua veloz, desgrenhada, Negra, escura nas lapas voou... Trema o céu ... ó ruína! ó desgraça! Porque o negro bandido é quem passa. Porque o negro bandido bradou: Cai, orvalho de sangue do escravo, Cai, orvalho, na face do algoz. Cresce, cresce, seara vermelha, Cresce, cresce, vingança feroz. (....................................................) Somos nós, meu senhor, mas não tremas, Nós quebramos as nossas algemas P’ra pedir-te as esposas ou mães. Este é o filho do ancião que mataste. Este — irmão da mulher que manchaste... Oh! não tremas, senhor, são teus cães. (....................................................) Trema o vale, o rochedo escarpado, Trema o céu de trovões carregado, Ao passar da rajada de heróis, Que nas águas fatais desgrenhadas Vão brandindo essas brancas espadas, Que se amolam nas campas de avós. (....................................................) (Castro Alves, IN: Gomes, 1988, p.73-74)
Temos nos versos do poema “Bandido Negro”, a contextualização da
escravidão e o anúncio da vingança vindoura. A musicalidade do poema é marcada
pelo refrão que, permeia todo o poema, e ao mesmo tempo dá ritmo, sintetiza,
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assinala e reitera a mensagem de saudação à revolta não em favor do negro, mas
de autoria deste.
A figura do negro, na poesia abolicionista de Castro Alves, notabiliza-se
por sua dignidade humana e, sobretudo, por sua potencialidade de ação diante do
próprio destino e do futuro. Em Castro Alves o negro deixa de ser estereotipado para
assumir feições verdadeiramente humanas, passando de objeto a artífice de sua
própria história.
Heloisa Toller Gomes (1988, p. 77), afirma:
Diferentemente de seus contemporâneos românticos, Castro Alves não produziu uma poesia apenas abolicionista, denunciando os males da escravidão. Sua poesia chama a atenção para o homem que existe por detrás do escravo. A figura do negro, nos versos de Castro Alves, transcende os estereótipos e desponta com todo o vigor e a beleza da dignidade humana.
A miserabilidade do negro desterrado e marcado pelo estigma da
escravidão e da discriminação tem lugar, também, na poesia parnasiana de Lúcio de
Mendonça. Rompendo com o preciosismo e frieza formal dos parnasianos, o poeta,
em meio a suas descrições e sátiras, publica “A Besta Morta”, poema no qual
destaca o aspecto deplorável acima mencionado, conforme o demonstram os versos
abaixo:
“Na senzala, no chão, numa esteira amarela, Jaz o filho de Cam, o maldito. É um velho no mal coberto ombros os vestígios do relho traçaram-lhe a cruz — a única que o vela. Cruza no peito as mãos roídas do trabalho Sobram do cobertor os grossos pés informes. Dorme, descansa enfim, que do sonho em que dormes Já não pode acordar-te a sanha do vergalho!”
(Lúcio de Mendonça, 1902, sn)
Em “A Besta Morta” verificamos que a voz poética, já no primeiro verso da
primeira estrofe do fragmento, indica, minuciosa e gradativamente, através de
lexemas e expressões não generalizantes, a redução, o estreitamento do espaço
físico ocupado pelo negro: “Na senzala, no chão, numa esteira amarela,” fato
incomum até meados do século XX, na poética nacional e, principalmente, na
incipiente poesia africana. No segundo verso: “Jaz o filho de Cam, o maldito.”, o eu
lírico alude ao mito camítico e nos remete à explicação de ordem religiosa de que a
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raça negra, por descender de Cam, filho de Noé, é amaldiçoada por Deus, não
podendo assim, o negro fugir dos desígnios da providência que chegam a ele em
forma de castigo. Nos dois últimos versos da estrofe o eu poético traça o perfil da
miserabilidade que assola o negro desterrado e denuncia a conivência da igreja para
com os estereótipos e os maus-tratos sofridos pelo negro alegando que: “a única
cruz que o vela”, fora traçada pelo relho.
Na segunda estrofe o eu lírico evidencia as marcas da desterritorialização
do negro através da dupla deformação por ele sofrida quando da emigração forçada.
A primeira deformação causada pelo extenuante trabalho atribuído ao negro, única
coisa que lhe sobra, uma vez que o branco opressor o via apenas como corpo
laboral: “cruza no peito as mãos ruídas do trabalho / sobram do cobertor os grossos
pés informes”. A segunda deformação é, sem sombras de dúvida, psicológica e
advém da impossibilidade da realização do sonho de reterritorialização só possível
através da fuga das fugas, a morte: “Dorme, descansa enfim, que o sonho em que
dormes / já não pode acordar-te a sanha do vergalho!”.
Uma outra fenda que vislumbramos na produção poética parnasiana, por
tratar da temática negra, é a figura de Raimundo Correia com o soneto “Banzo”, no
qual o poeta, fugindo à imparcialidade própria dessa corrente estética, denuncia os
maus-tratos sofridos pelo negro enquanto atrelado ao trabalho servil e sem
perspectivas de alcançar sua reterritorialização:
“Visões que n’alma o céu do exílio incuba, Mortais visões! Fuzila o azul infando... Coleia, basilisco de ouro, ondeando O Niger... Bramem leões de fulva juba... Uivam chacais... Ressoa a fera tuba Dos cafres, pelas grotas retumbando, E a estralada das árvores, que um bando De paquidermes colossais derruba... Como o guaraz nas rubras penas dorme, Dorme em nimbos de sangue o sol oculto... Fuma o saibro africano incandescente... Vai coa sombra crescendo o vulto enorme Do baobá... E cresce n’ alma o vulto De uma tristeza, imensa, imensamente...”
(Raimundo Correia, IN: Moisés, 1983, p. 212)
O simbolismo, por sua vez, nos legou a figura exponencial do poeta João
da Cruz e Sousa, que segundo Brookshaw (1983, p. 155-156):
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Sofreu grande influência do Simbolismo alemão, bem como da filosofia pessimista de Schopenhauer, foi o primeiro grande poeta negro do Brasil, Cruz e Sousa, o representante mais famoso de seu país do Simbolismo do século XIX.
Cruz e Sousa realiza uma poesia de extrema habilidade técnica e
sensibilidade acurada.
O Simbolismo que notabilizara Cruz e Sousa é de cores trágicas. Em sua
poesia, o branco em consonância com o viés espiritualista da estética simbolista
remete para a esterilidade, a frialdade, a morte. Entretanto nos leva a pensar
também numa cultura europeizada, cristã, enquanto signo de brancura e pureza. Já
o preto, representado pela lama, pelo limo, pela volúpia, pela noite, associa-se ao
pecado, ao inferno, ao caos original, mas também à vida, à fertilidade, à força
criadora que deriva de dor e sofrimento.
Cruz e Sousa introjeta os preconceitos tradicionais referentes à dicotomia
de branco e preto da cultura européia o que o faz aceitar os estereótipos do branco
em relação à sua raça. Uma prova clara e inequívoca dessa assimilação é o fato de
Cruz e Sousa fazer da mulher branca um símbolo de suprema beleza e
espiritualidade, e criar, a partir dela, algo correlativo para sua própria autoaversão,
conforme atestam os versos do poema “Deusa Serena”:
Deusa Serena “Espiritualizante Formosura Gerada nas Estrelas impassíveis, Deusa de formas bíblicas, flexíveis, Dos eflúvios da graça e da ternura. Açucena dos vales da Escritura, De alvura das magnólias marcessíveis Branca Via - Láctea das indefiníveis, Brancuras, fonte de imortal brancura. Não veio, é certo, dos pauis da terra Tanta beleza que o teu corpo encerra, Tanta luz de luar e paz saudosa... Vem das constelações, do azul do Oriente, Para triunfar maravilhosamente da beleza mortal e dolorosa.”
(Cruz e Sousa, 1961, p. 83)
Em contrapartida, ao símbolo de suprema beleza e espiritualidade que a
mulher branca representa, o poeta descreve a mulher negra como sendo o símbolo
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da paixão e da fraqueza carnal, e o mundo do instinto pagão, aquele destinado à
mortalidade, segundo o comprovam os versos extraídos do poema “Afra”:
“Ressurge dos mistérios da luxúria, Afra, tentada pelos verdes pomos, Entre os silfos magnéticos e o gnomos Maravilhosos da paixão purpúrea. Carne explosiva em pólvoras e fúria De desejos pagãos, por entre assomos Da virgindade ─ casquinantes momos Rindo da carne já voltada à incúria.”
(Cruz e Sousa, 1961, p. 81)
É inegável que a força, a beleza e o brilho da obra de Cruz e Sousa
tenham surgido da tensão entre as duas culturas por ele exploradas, a européia na
qual o poeta submerge em assimilação por ser a cultura do branco e a africana que
corresponde a sua ascendência.
A tentativa de ocultação de sua ascendência africana rende a Cruz e
Sousa severas críticas, inclusive oriundas de intelectuais de sua raça que, viam nele
um poeta encastelado numa torre de marfim, mantendo-se distante de suas próprias
origens e dos problemas sociais que o circundavam.
No que concerne às críticas feitas ao poeta, Benedita Gouveia
Damasceno (2003, p. 49) afirma que:
A crítica de sua época não percebeu que o poeta era a síntese de uma cultura negra que lutava por se afirmar no mundo dos brancos. Embora a sensibilidade de então ainda não tivesse forças para romper a escala de valores predominantes, sua poesia tem um significativo lado noturno. Aqui o negro se faz beleza, sublimando o penoso sentimento de frustração e emparedamento que tragicamente expressa.
Ainda no que diz respeito às críticas sofridas pelo poeta, Zilá Bernd (2003,
p. 108-109), assim se posiciona:
Bastaria o poema “Crianças Negras”, de O livro derradeiro, para desfazer os clichês que por longo tempo pairaram sobre Cruz e Sousa, acusando-o de alienação à causa negra e de voltar as costas à campanha abolicionista.
De fato, ao nosso ver, esse poema se não desfaz de todo às críticas feitas
a João da Cruz e Sousa no que diz respeito aos traços europeizantes de sua
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Poiesis, atenua consideravelmente, o que é dito acerca da inserção da figura do
negro em sua poesia e de sua postura frente a essa questão.
Os versos abaixo transcritos pertencem ao poema “Crianças Negras”, de
O livro derradeiro, e são representativos da preocupação do poeta com o futuro:
“Para cantar a angústia das crianças! Não das crianças de cor de oiro e rosa, Mas dessas que o vergel das esperanças Viram secar, na idade luminosa. Das crianças que vêm da negra noite, Dum leite de venenos e de treva, Dentre os dantescos círculos do açoite, Filhas malditas da desgraça de Eva.”
(Cruz e Sousa, 1993, p. 378-380)
Os versos acima atestam ainda que o poeta não consegue se
desvencilhar do seu profundo pessimismo, evidenciado a partir de um vocabulário
que denota a angústia e a dor de existir, conforme as palavras que compõem o
último verso do fragmento “Filhas malditas da desgraça de Eva”, que, por sua vez,
alude ao mito, anteriormente já referido, oriundo da Bíblia, de que os negros eram
descendentes de Cam, a raça amaldiçoada por Deus.
Tal pessimismo, eivado do desespero que prenuncia Augusto dos Anjos,
reaparece em seu poema “Vida Obscura” no qual fica patente a sensação de
impotência e um sentimento conformado de derrota.
“Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro Ó ser humilde entre humildes seres Embriagado, tonto de prazeres, O mundo para ti foi negro e duro Atravessaste no silêncio escuro A vida presa a trágicos deveres E chegaste ao saber de altos saberes Tornando-te mais simples e mais puro Ninguém ti viu o sentimento inquieto, Magoado, oculto e aterrador, secreto, Que o coração te apunhalou no mundo. Mas eu que sempre te segui os passos Sei que cruz infernal prendem-te os braços E o teu suspiro como foi profundo”.
(Cruz e Sousa, 1923, p. 305)
Sobre este poema, Benedita Gouveia Damasceno (2003, p. 49) ressalta
que:
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Este clima é criado por vogais fechadas predominantes evidenciando o lado escuro do poema e representa o sentimento de um negro que, apesar de ter atingido o ideal de cultura da sociedade, se sente um pária incompreendido e preterido.
Roger Bastide (1973, p. 68), em um de seus “Quatro estudos sobre Cruz
e Sousa: A nostalgia do branco”, mais propriamente naquele que tem como título, “A
Poesia Noturna de Cruz e Sousa” declina que:
Cruz e Sousa trouxe à Literatura uma nova concepção dessa poesia noturna; certamente orquestrou temas antigos, mas também acrescentou-lhe novos, pretendeu ir, como ele próprio disse, “até a uma nova e inédita interpretação visual da cor negra”. Se conseguiu atingi-la foi por ter “pensado a noite” como africano.
Nos últimos momentos do século XIX, manifestou-se uma insatisfação no
domínio da Filosofia, da Ciência e da Arte, um anseio de libertação integral do
passado imediato. Eram os ecos da modernidade que chegavam com o início do
século XX, e encontravam a Literatura Brasileira em plena fase de transição, com
traços parnasianos e simbolistas sobrepondo-se uns sobre os outros. Estas e outras
tendências menores fomentavam o advento do Modernismo que eclodira em 1922,
durante a Semana de Arte Moderna.
Os poucos estudiosos da poesia negra no Brasil são unânimes em afirmar
que fora o Modernismo a válvula propulsora para o desabrochar de uma poesia
negra genuinamente nacional.
Um dos motivos da importância do Modernismo para a poesia negra
brasileira consiste na sua proposta, fulcral, de voltar-se para o resgate das nossas
raízes, para o desrecalcamento das culturas indígena e africana que estão na base
de nossa construção identitária. As quebras de paradigmas propugnadas pela
estética modernista propiciaram, também, a eclosão do verso livre, o qual, segundo
Roger Bastide (1973, p. 105), “libertava o gênio africano, impaciente e loquaz, da
prisão das técnicas”.
É incontestável que os modernistas apregoavam a revitalização das
culturas primitivas do Brasil. Todavia, trazendo no seu bojo correntes diversas e até
mesmo antagônicas entre si, o Modernismo Brasileiro tem seus princípios iniciais
desvirtuados por correntes literárias, como o verde-amarelismo, que permeado por
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uma visão reacionária camuflava a verdadeira realidade brasileira, negando a
existência, dentro dela, de quaisquer preconceitos, inclusive mistificando a questão
do negro. Em seu manifesto os verde-amarelos entre outras afirmações
enganadoras, diziam: “Não há entre nós preconceitos de raça. Quando foi o 13 de
maio, havia negros ocupando já altas posições no país” (Teles, 1973, p. 235).
Observamos que embora a estética modernista permitisse uma maior
abertura no que concerne à inserção e afirmação de setores considerados
marginais, pelas estéticas anteriores, dentre os quais se colocava a poesia negra,
essa abertura não se configura, efetivamente, em realidade nacional. É irrefutável,
no entanto, a liberdade que o Modernismo proporcionara ao poeta de basear-se em
seus próprios sentimentos e experiências, como mananciais, inesgotáveis, de
inspiração, desvencilhando-lhe das amarras, moldes e temas estabelecidos a priori,
o que acrescenta novas chances à introdução da temática negra e, mesmo assim,
não se ouve misturada às vozes de Mário de Andrade, Menotti Del Picchia, Oswald
de Andrade, Jorge de Lima e, depois, Jorge Amado ─ dentre tantos outros artífices
do Modernismo brasileiro ─ a voz do negro que, após a morte de Cruz e Sousa, em
1898, mergulhara em um silêncio que perdurara por quase três décadas até o
aparecimento, para o mundo das letras nacionais, do poeta Lino Guedes em 1926.
Surgido em pleno período modernista, Lino Guedes é visto por David
Brookshaw (1983, p. 177), como: “o primeiro poeta negro do Brasil a experimentar e
expressar conscientemente a alma de seu povo”. A consciência de negritude do
poeta é ratificada por Oswaldo de Camargo (1987, p. 75), ao dizer: “Lino Guedes foi
o primeiro poeta negro que neste século, como escritor, se aceitou negro e publicou
as ‘consequências’”.
Consonante com as propostas modernistas, a tessitura poética de Lino
Guedes é forjada numa linguagem simples, direta e consciente, chegando ao ponto
do prosaico e traz, no seu bojo, uma regularidade rítmica que lembra as baladas da
literatura de cordel. Todavia há um propósito moral por detrás dos temas de sua
obra, o de denúncia dos problemas e relações raciais do negro brasileiro.
A linguagem direta e consciente que embasa a poesia negra de Lino
Guedes é considerada de pouco substrato africano por Roger Bastide. Para este, a
gênese e originalidade da poesia afro-brasileira consistem, justamente, naquele
“africanismo repelido, relegado ao inconsciente, e dele saindo, apesar de tudo,
disfarçado sob as mais sutis metamorfoses” (Roger Bastide, 1973, p. 107).
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Benedita Gouveia Damasceno (2003, p. 69), explica a falta do africanismo
na poesia de Lino Guedes, ao relatar:
o africanismo de certos autores negros brasileiros ficou em tal profundidade que é raro descobri-lo, oculto que está pelo domínio da cultura branca. Ora, se estes autores tinham por meta a ocultação de sua cor através da poesia, e até mesmo fazia desta uma forma de embranquecimento, não poderiam seus poemas serem tão originais assim.
Embora falte o substrato do africanismo reclamado por Roger Bastide, a
poesia de Lino Guedes se mostra bastante inovadora na forma de abordagem da
temática negra, inovação inclusive, reconhecida pelo próprio Roger Bastide quando
afirma que sua poesia vem “revelar um caráter diferente da poesia negra, [...] que
contradiz a opinião corrente” (Roger Bastide, 1973, p. 107).
O traço diferencial de que trata Roger Bastide prende-se ao fato de Lino
Guedes, através de sua poética, apontar como solução para acabar com o
estereótipo da licenciosidade do negro, a moralidade individual segundo os padrões
burgueses. Esta solução é definida por Roger Bastide como: “o puritanismo do
negro” (Roger Bastide, 1973, p. 107).
Lino Guedes acredita que a regeneração da raça negra passa,
necessariamente, pela prática de uma severa moral puritana, conforme atestam os
versos abaixo, extraídos de sua obra “Negro Preto Cor da Noite”:
“Negro preto cor da noite nunca te esqueças do açoite que cruciou tua raça. Em nome dela somente faze com que nossa gente um dia gente se faça Negro preto, negro preto, sê tu um homem direito como um cordel posto a prumo! É só do teu proceder que, por certo há de nascer a estrela do novo rumo”
(Guedes, 1936, sn)
Em “Negro Preto Cor da Noite”, logo nos primeiros versos da primeira
estrofe, a voz poética faz uma retrospectiva dos maus-tratos sofridos pelo negro
estigmatizado pela escravidão alertando: “nunca te esqueças do açoite / que cruciou
tua raça.”, e nos versos seguintes busca sensibilizá-lo para que seja solidário a sua
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raça, que aspira à alteridade através da ascensão aos padrões morais da burguesia:
“faze com que nossa gente / um dia gente se faça”. Na segunda estrofe o eu lírico
reitera a idéia da ascensão por intermédio da assimilação do padrão moral burguês,
deixando claro que no Brasil, a luta racial assumira o aspecto de uma oposição entre
duas morais, ou entre a moral apregoada pelo branco opressor e a imoralidade
atribuída ao negro pelo seu algoz que o levará, forçosamente, à prática da severa
moral puritana, defendida por Lino Guedes, como forma de o negro ascender à elite
social do país, conforme atestam os versos: “É só do teu proceder / que, por certo há
de nascer / a estrela do novo rumo”.
É lúcida a opinião de Roger Bastide no que concerne ao puritanismo que
caracteriza a poesia de Lino Guedes, o que explica, por exemplo, o porquê do poeta,
em seu livro “Urucungo”, retornar à temática do escravo sofredor, poetizando sobre
as duas personagens clássicas do folclore escravo, Pai João e Mãe Preta,
representados como o casal ideal, devotados um ao outro apesar de serem
vendidos separadamente, trabalhadores, patriotas, prudentes e calmos, qualidades
que deveriam ser imitadas por todos os que pertenciam à geração do poeta. A
afeição de Pai João à Mãe Preta é descrita em “Vigília de Pai João”, quando este
relata sua fuga e a causa principal de sua repentina volta ao cativeiro:
“E que vale a liberdade Se então a felicidade Nos nega tudo, porém? Se a gente tendo alegria, E tudo mais que queria Se sente só, sem alguém? E apesar de estar gozando A liberdade, chorando, Voltei ao terceiro dia Ao seio da minha gente... Não pude riscar da mente O vulto de Mãe Maria”
(Guedes, 1938, sn)
No poema “Vigília de Pai João”, em sua primeira estrofe, o eu lírico
questiona o valor da liberdade obtida, após se evadir do cativeiro, e hesita em
permanecer gozando dessa liberdade tendo em vista que, uma vez insurgente, não
pode vivenciá-la em consonância com a felicidade por ela proporcionada: “E que
vale a liberdade / Se então a felicidade / Nos nega tudo, porém?”. Um outro aspecto
que fundamenta a hesitação do eu poético, em permanecer livre, é o fato de sua
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liberdade, da maneira como fora conseguida, representar uma ruptura com as
qualidades a ele atribuídas pela classe senhorial de “humilde e manso” (Trindade,
1961, p. 42), mas não uma oportunidade de compartilhar com sua gente o grande
feito, levando-o à paradoxal e angustiante situação de viver a liberdade em solidão,
o que reduz significativamente sua façanha, pois a liberdade para o negro, só
representa a realização de um feito heróico se conquistada coletivamente, conforme
evidenciam os versos: “Se a gente tendo alegria, / E tudo mais que queria / Se sente
só, sem alguém?”.
Os versos da segunda estrofe são representativos da volta do eu lírico,
embora relutante, ao regime de subserviência em que vivia: “E apesar de estar
gozando / A liberdade, chorando, / Voltei (...)”, o eu poético deixa transparecer que
as qualidades a ele atribuídas de modéstia e prudência são retomadas e
preservadas como relíquias indispensáveis à base de uma regeneração social entre
os negros que os levaria à verdadeira liberdade. É usando de prudência que a voz
poética afirma: “Voltei ao terceiro dia / Ao seio da minha gente...”, o uso das
reticências no final do quarto verso da segunda estrofe, assinala uma inflexão de
caráter emocional do eu lírico que, ao usar a expressão generalizante “minha gente”,
faz pairar, sobre sua decisão de voltar, certa dúvida em relação à gente para quem
está voltando, dúvida somente dissipada no final do poema quando de forma
enfática declina: “Não pude riscar da mente / O vulto de Mãe Maria.”
Assim como o fizera no poema ”Negro Preto Cor da Noite” Lino Guedes
volta a enfocar o puritanismo, por ele apontado como forma de regeneração da raça
negra, em “O poema das mãos enegrecidas”:
“O neto de Pai João, Logo após a Abolição Não pensou em se vingar De quem tanto o escravizara, Daquele que o obrigara Rudemente a trabalhar. Despovoada a senzala Recebeu em sua sala, Cavalheiresco e amigo, E ao seu algoz penitente Estende a mão sorridente: Divirta-se aqui comigo!
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E o neto de Pai João Sofreu a desilusão De ficar por toda a vida ─ Como a pedir uma esmola Para a mísera sacola, ─ Com sua mão destendida...”
(Guedes, 1936, p. 59)
Na primeira estrofe de “O poema das mãos enegrecidas”, a voz poética
nos remete às virtudes atribuídas, pelo branco opressor, ao clássico casal de
escravos Pai João e Mãe Preta, virtudes estas transmitidas àquele que representa a
geração jovem que se seguiu à Abolição: “O neto de Pai João”, a quem caberia
tomar a iniciativa de fazer algo para acabar com a lassidão de seus pais. Porém, “O
neto de Pai João,” no afã de provar, ao opressor, sua firmeza de caráter acaba por
perdoá-lo: “O neto de pai João, / Logo após a Abolição / Não pensou em se vingar /
De quem tanto o escravizara”. Essa atitude revela, além da firmeza de caráter do
negro, sua capacidade de se solidarizar, inclusive, com o seu algoz e detrator de sua
ancestralidade.
Na segunda estrofe a voz lírica desprovida de quaisquer sentimentos de
retaliação contra seu algoz e julgando não mais haver litígios entre opressor e
oprimido, o “Recebeu em sua sala, / cavalheiresco e amigo”. Todavia, na medida em
que “Estende a mão-sorridente” ao opressor, o eu lírico trai a si mesmo e a toda sua
gente que vê, neste gesto, ruir o sonho de reterritorialização ficando “com sua mão
destendida...” à mercê do paternalismo de seus antigos senhores, conforme atestam
os versos quatro e cinco da terceira estrofe do poema: “— como a pedir uma esmola
/ para a mísera sacola, —“.
O puritanismo de Lino Guedes leva-o também a explorar, nos seus textos
poéticos, os padrões morais da sociedade, aos quais o negro deve se submeter
como forma de afirmação. Entre esses padrões comportamentais destaca-se o
casamento, conforme se pode ver no poema “Remédio Único”:
“Unicamente, Dictinha, Por sermos pretos, que horror!
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Muita gente com malícia Vê nosso sincero amor; Faz ainda comentários Que nos enche de pavor ─ Negro, só dá para escândalos! Ao depois de namorar Acorda um dia qualquer E vai junto cohabitar... Por um trono, uma princesa Foi essa gente trocar!... Mas com o nosso casamento Farta-se-á a exigente Sociedade, Dictinha; Salvemos, pois nossa gente! Dando a ela o que já lhe sobre, Que é um nome bem decente!”
(Guedes, 1927, sn)
Esse viés puritanista da obra de Lino Guedes motivou a crítica de muitos
dos seus contemporâneos negros por considerá-lo afastado dos objetivos e dos
sentimentos de sua gente. Pesam contra o poeta o seu tom de resignação, a falta de
revolta social ou cultural, deixando entrever uma adesão aos postulados da
burguesia.
Apesar das acusações de certo escapismo no que dizia respeito à luta
social do afro-brasileiro, Oswaldo de Camargo (1987, p. 76), afirma que:
Lino merece ser lembrado sobretudo pela atitude transbordada em poesia. E essa atitude foi histórica. Vale por isso: porque seus versos, no comum estreitos (geralmente em redondilhas maiores), são a revelação e a fixação de um momento importante da coletividade negra, pós-Abolição. Foi Lino que reatou, na literatura que hoje o negro escreve, a possibilidade de uma dicção afro-brasileira, 28 anos após a morte de Cruz e Sousa. Foi ele que, escritor, se situou como negro, quando havia apenas silêncio. Vale, e fica por isso.
Estudos literários dão conta de que as histórias da literatura, de uma
forma geral, são pródigas em arranjos, classificações, rupturas, rotulações que
explicam, ou se aventuram a explicar, os diversos quadros, panoramas, cenas e
autores que constituem o universo literário de um país. Inúmeras dessas histórias,
justamente por essa necessidade premente de classificar, ordenar, rotular, cometem
alguns exageros, alguns enganos, algumas injustiças que acabam por determinar
uma época, um movimento ou mais comumente um autor e sua obra. Solano
Trindade é um exemplo notório de como uma tentativa apressada de definição pode
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legar a um autor, no contexto literário de determinada época, lugar aquém e
insuficiente para si e para sua obra.
Francisco Solano Trindade, pouco conhecido no meio acadêmico, é o
poeta que melhor traduz o espírito da Negritude brasileira das décadas de 40/50 do
século XX, sem, entretanto alcançar a notoriedade merecida. A coletânea de
poemas “Cantares ao Meu Povo” (1961) reúne vinte anos de sua produção poética.
O título da obra já sinaliza o compromisso, assumido pelo menestrel, para com a
vida do seu povo. O eu lírico da enunciação se identifica com os irmãos de cor negra
não só do Brasil, África ou das Américas, mas com os negros do mundo inteiro, o
que explica o desejo do poeta de “unir o universal ao Regional” (Trindade, 1981, p.
8)
A consciência da pertença e a busca incessante pela reterritorialização do
negro afro-brasileiro fazem com que sua poesia libertária negue quaisquer
processos de assimilação da cultura ocidental que sirva de pretexto para a solução
dos problemas da gente negra, numa prova clara e inequívoca de que o poeta não é
a favor de uma “simples” mudança dentro de uma classe étnica, fato comum à
época, mas contra a manutenção do status quo que continuava invisibilizando o
negro, não permitindo que este retomasse o contato com a sua ancestralidade
cultural.
Os estudos sobre o poeta em tela e, especificamente sobre sua obra,
serão desenvolvidos nos capítulos subsequentes.
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3. Solano Trindade: O homem, a obra e a crítica.
3.1 O Homem
Poeta, pintor, teatrólogo, cineasta, ator e folclorista Francisco Solano
Trindade nasceu no dia 24 de julho de 1908, no bairro de São José, em Recife,
Pernambuco. Seu pai o sapateiro Manuel Abílio, era filho de negra com branco, e
sua mãe, a quituteira Merença (Emerenciana), filha de negro com índia.
Solano Trindade não se aprofundou nos estudos, fazendo apenas, o
propedêutico, o que equivale hoje ao ensino médio, e um ano de desenho no Liceu
de Artes e Ofícios. Casou-se com Maria Margarida, converteu-se ao protestantismo.
Foi diácono presbiteriano. Nessa época, escreveu seus primeiros poemas,
publicados numa pequena revista do Colégio 15 de Novembro, de Garanhuns. Eram
poemas místicos, que falavam do Gólgota, de Tiago e de João Evangelista.
É a partir de 1930 que começa a compor poemas afro-brasileiros e, já
integrado nesta corrente, participa em 1934 do I e II Congressos Afro-Brasileiros, em
Recife e Salvador. Em 1936, funda a Frente Negra Pernambucana e o Centro de
Cultura Afro-Brasileiro com vários artistas da época, dentre os quais Ascenso
Ferreira, o pintor Barros (o mulato) e o escritor José Vicente Lima. A finalidade do
Centro de Cultura era divulgar os intelectuais e artistas negros. Dessa maneira foram
publicados os seus Poemas Negros.
Solano Trindade parte para Belo Horizonte, onde ficou pouco tempo.
Depois chega ao Rio Grande do Sul, demora-se em Pelotas, onde fundou, em 1940,
com o poeta Balduíno de Oliveira, o Grupo de Arte Popular. Foi sua primeira
tentativa de criar um teatro do povo.
Volta para o Recife e, em 1942, estava no Rio de Janeiro. Filia-se ao
PCB, onde se reunia com intelectuais e militantes no Bar Vermelhinho, em frente à
Associação Brasileira de Imprensa – ABI. No mesmo ano, e ainda no Rio de Janeiro
resolveu expor sua pintura, quadros com motivos populares.
Em 1944, publica o livro “Poemas D’uma Vida Simples”, onde se encontra
o seu declamadíssimo poema “Tem gente com fome”. Sempre ligado às artes,
participou do II Congresso de Escritores e em 1945, funda O Comitê Democrático
Afro-Brasileiro, com Raimundo Souza Dantas, Aladir Custódio e Corsino de Brito.
Depois juntou-se a Haroldo Costa para formar o Teatro Folclórico Brasileiro. Daí,
38
sairia, em 1949, a famosa “Brasiliana”, grupo de dança brasileira que bateu recorde
de apresentação no exterior, com a entrada do diretor Askanasi, Solano se afastou
porque o grupo estilizou-se e perdeu sua autenticidade.
Em 1950, junto com sua esposa, coreógrafa e terapeuta ocupacional
Margarida Trindade e o sociólogo Edson Carneiro, transformou um dos seus sonhos
em realidade, fundando o TPB, Teatro Popular Brasileiro, cujo elenco era formado
por domésticas, operários, estudantes e comerciários.
No ano de 1954, vai a São Paulo pela primeira vez para, com o Teatro
Popular Brasileiro, participar das comemorações do IV Centenário da cidade. No ano
seguinte, sempre com o TPB, Solano viajou à Europa, onde dá espetáculos de canto
e dança, além de participar do Concurso Internacional de Danças Populares, do qual
sai vencedor.
Em 1958, edita seu livro de poemas Seis Tempos de Poesia, com prefácio
de Carlos Burlamáqui Kopke; três anos mais tarde, Solano Trindade publica, pela
Editora Fulgor, aquele que viria a ser seu quarto livro Cantares ao meu povo, editado
em julho de 1961, com apresentação do poeta e jornalista Carlos de Freitas.
Os anos seguintes à publicação de “Cantares ao meu povo”, reservam
algumas surpresas desagradáveis ao poeta. Em 1965, seu quarto e último filho,
Francisco Solano Trindade Filho, contava apenas 19 anos, quando foi morto numa
prisão da ditadura militar, por pertencer ao Grupo dos 11 de Brizola. Em 1969,
Solano Trindade começou a adoecer, estado que se agravou em 1970 com a morte
de Lycia, sua companheira. Em 1971, a arteriosclerose já estava num estado
bastante adiantado e Solano Trindade era cuidado – tendo em vista que a doença
paralisara seu corpo – por sua filha, a pintora Raquel Trindade, e pelo escultor
Vicente de Paulo.1
Em 1973, Raquel foi para o Rio e pediu à sua mãe, Margarida, que o
levasse para o Rio também. Margarida atende ao pedido da filha, levando-o para
sua casa de Jacarepaguá. Solano contrai uma pneumonia e é internado por
Margarida e sua filha Godiva em uma clínica de Santa Tereza, Rio de Janeiro, onde
vem a óbito em 20 de fevereiro de 19742, sendo sepultado em Jacarepaguá.
1 Os dados bibliográficos foram retirados da obra de Solano Trindade: O Poeta do Povo. 2 Em Oswaldo de Camargo a data da morte é 19 de fevereiro de 1974. Entretanto, optamos pela data apresentada em Solano Trindade O Poeta do Povo, obra organizada por sua filha Raquel Trindade.
39
3.2 O poeta e sua obra
Forjada em uma linguagem simples carregada de emoção, a poesia de
Solano Trindade tem como proposta principal a valorização do ser negro.
O caráter humanístico e libertário da poesia de Francisco Solano Trindade
tem como foco central a problemática do negro e se apresenta, segundo bem o
observa Brookshaw, como sendo: “uma poesia escrita por um negro a favor de
negros, mas, acima de tudo, contra a desumanidade da opressão, seja exercida por
brancos ou negros” (Brookshaw, 1983, p. 183).
Na sua tessitura, a poesia de Solano Trindade, além das reivindicações
de raça, é marcada, também, pelas reivindicações de classe, fruto de seu
engajamento ao marxismo, que o impulsiona a fazer uma poesia de protesto contra
as injustiças sociais provocadas pelo sistema capitalista. O poeta acredita que no
Brasil, além de o negro viver emparedado pelos preconceitos e estereótipos, ainda
sofre as conseqüências econômicas impostas pelo Capitalismo, que também
inviabilizam sua ascensão social.
Em ”Conversa com Luci”, o poeta deixa claro que o obstáculo à ascensão
do negro não se restringe só à cor, mas também à situação econômica:
“Luci você não pode entrar para a Universidade de Alabama. Outros negros, em outros países do mundo, não podem entrar em universidades, querida. Nós aqui também temos dificuldade de entrar em universidades, não pela cor, querida, mas pelo dinheiro. Aqui não há “color line”, menina, mas vivemos na linha do dólar, amor.”
(Trindade, 1961, p. 84)
“Conversa com Luci”, é um poema narrativo, escrito em primeira pessoa,
característica peculiar à poética de Solano Trindade, no qual a voz lírica, aborda, já
em seus primeiros versos, a problemática da acessibilidade do negro às
Universidades norte-americanas, conforme atestam os versos: “Luci você não pode
entrar / para Universidade de Alabama”. O que obstaculariza a entrada de Luci para
Universidade de Alabama é a chamada “color line”, a linha de cor que funcionava,
40
antes do Ato dos Direitos Civis de 1964 que dissolvera as leis “Jim Crow” nos EUA,
como instrumento, poderoso, de negação à ascensão social do afro-norte-americano
impossibilitando-o, não só de ingressar nas Universidades, como também de exercer
funções permissíveis apenas ao indivíduo de cor branca.
Nos versos seguintes, a priori, a voz poética se solidariza com a
estudante norte-americana universalizando a situação do negro: “Outros negros, /
em outros países do mundo, / não podem entrar em universidades, / querida.”, em
seguida nacionaliza a problemática do negro para abordar, também, os obstáculos
encontrados pelo afro-brasileiro que anseia ingressar na Universidade. Se nos EUA
a exclusão se dá através da “color line”, no Brasil ocorre por falta de condições
financeiras conforme denuncia a voz lírica nos versos: “Nós aqui também / temos
dificuldades de entrar em universidades, / não pela cor, querida, / mas pelo
dinheiro.”, e conclui em tom crítico: “Aqui não há “color line”, menina, / mas vivemos
na linha do dólar / amor.”
O poeta torna-se o mais ilustre representante de um humanismo universal
através do qual apregoava o fortalecimento da solidariedade negra.
Envolto pelos ideais marxistas, Solano Trindade aponta como solução
para os males étnico-sociais do Brasil, a implantação de uma política que acene com
a igualdade social, a valorização do proletariado e o apoio às populações mais
esquecidas. Servem de incentivo aos anseios de igualdade e fraternidade social do
poeta, os festivais dos quais participara, ativamente, em Varsóvia, Polônia e
Tchecoslováquia onde presenciara a hibridação cultural através da mistura de “todas
as cores” e de “todas as raças”.
“gente de todas as cores e de todas as raças todos cantando uma canção de paz.”
(Trindade, 1961, p. 85)
Como podemos observar, o poema “Conversa com Luci”, desnuda o
mundo do negro sob a perspectiva do olhar do próprio negro conforme denota a
identificação do eu lírico, assinalada no poema, pela inserção da primeira pessoa do
plural: “Nós aqui também”.
Solano Trindade acredita que o papel sociopolítico do poeta deve ser “a
defesa das tradições culturais do seu povo e a luta por um mundo melhor” (Trindade,
41
1961, p. 25). Por assim pensar, o poeta se insurge contra a poesia hermeticamente
cifrada e destinada apenas a um grupo de iniciados, e declara:
Sem querer discutir o valor dos herméticos “concretistas”, “neo- concretistas”, “dadaístas” etc. (eruditos donos da cultura ocidental), prefiro levar ao meu povo uma mensagem simples, em vez de uma mensagem cifrada para um grupo de intelectuais. (Trindade, 1961, p.25)
No poema “Advertência”, o poeta volta a fazer restrições a uma arte
enclausurada nela mesma:
“Há poetas que só fazem versos de amor Há poetas herméticos e concretistas enquanto se fabricam bombas atômicas e de hidrogênio enquanto se preparam exércitos para guerra enquanto a fome estiola os povos...”
(Trindade, 1961, p. 196)
O encastelamento da arte é caricaturado agressivamente por Solano
Trindade, para o qual, a poesia deveria ser simples “como a própria vida” (Trindade,
1961, p. 19) e, a ela estar ligada, focando assim, as questões inerentes à realidade
social. Nada tendo a ver, portanto, com uma poiesis de cunho apolítico. Comprova
essa afirmação o poema “F. da P.”, que mais parece uma profissão de fé.
“Amor um dia farei um poema como tu queres dicionário ao lado um livro de vocabulário um tratado de métrica um tratado de rimas terei todo o cuidado com os meus versos Não falarei de negros de revolução de nada que fale do povo Serei totalmente apolítico no versejar... Falarei contritamente de Deus do presidente da República como poderes absolutos do homem Neste dia amor Serei um grande F. da P.”
(Trindade, 1961, p. 67)
42
Nesse poema, o eu poético ao prometer, de forma irônica, que um dia fará
um poema cuja tessitura poética passará, necessariamente, por tudo o que há de
mais canônico em termos estruturais, desde o linguajar, passando pelos tratados de
métrica e rimas, tendo, ainda, muito cuidado com seus versos, revela uma posição
contrária a uma poesia que não contemple, com simplicidade, as questões que
emergem da vida social.
Percebe-se que a voz poética habilmente sugere, pela entoação do
poema, o contrário do que os lexemas expressam, o que fica nítido, principalmente,
nos versos cinco e seis da segunda estrofe: “Serei totalmente apolítico / no
versejar...”, as reticências no final do sexto verso evidenciam o pensamento irônico e
sarcástico do eu lírico em relação à prática da arte pela arte.
Um outro aspecto que reforça o tom de sarcasmo, fortemente encontrado
no poema, reside no fato de o sujeito lírico preferir as iniciais F. da P., a recorrer à
obscenidade do sintagma por elas formado, uma vez que, de forma magistral, as usa
não só para intitular o poema, mas também para declinar, em seus últimos versos,
como irá se sentir no dia em que cumprir o que prometera: “Neste dia amor / Serei
um grande F. da P.”.
A propósito Zilá Bernd (2003, p. 154) ressalta que no poema em questão,
Solano Trindade “rompe com os padrões tradicionais das literaturas ditas “ex-
-cêntricas”, em uma negação à cópia”.
A multifacetada poesia social de Solano Trindade leva-o também a
abordar as questões de cunho religioso, o que o faz, com o intuito de preservar a
integridade cultural de seu povo através da religião de seus ancestrais.
A propósito, Benedita Gouveia Damasceno (2003, p. 76) salienta que:
“Ele é contra a manifestação elitista que obrigou o negro a pintar de branco os seus
santos, os seus deuses, e deseja de volta a pureza do culto legado pelos africanos,
e que não mais se encontra”. Os versos do poema “Deformação” são
representativos desse desejo:
“Procurei no terreiro os Santos D’África e não encontrei Só vi os santos brancos me admirei...”
(Trindade, 1961, p. 46)
43
E depois de interrogar um negro sobre o sumiço dos Santos pretinhos e
ficar sabendo que Ogum é São Jorge e Iemanjá é Nossa Senhora da Conceição, o
eu lírico exclama:
“— Basta Negro! Basta de deformação.”
(Trindade, 1961, p. 46)
O poeta, entretanto, não desconhece as causas que fomentaram a
deformação da religião negra. O negro sempre fora obrigado a assimilar a cultura
religiosa do branco em detrimento do seu cabedal religioso e, nesse processo, é
forçado por imposição dos senhores ou, como até muito recentemente, pela
sistemática perseguição policial aos terreiros, a reverenciar “Deus de branco” para,
de certa forma, poder através da transfiguração de seus Santos manter viva a
pureza do culto legado pelos africanos. O poema “Batucada” denuncia a violentação
espiritual do negro:
“(...........................) Sei que negro está chorando porque negro sente dor porque negro inda se esconde pra adorar o seu senhor (.........................) porque a polícia prende negro que adora o Senhor... Branco adora o Deus que quer Mas negro não pode não tem que adorar Deus de branco ou senão vai pra prisão”
(Trindade, 1961, p. 47)
A docilidade poética e estética de Solano Trindade advém dos ideais
modernistas da primeira fase, o que segundo Benedita Gouveia Damasceno (2003,
p. 79), “lhe possibilitou tornar-se um poeta popular, usando frases e expressões
retiradas da linguagem coloquial”.
Identificado com esses ideais, a exemplo de Mário de Andrade que
acredita “que o lirismo, nascido no subconsciente, acrisolado num pensamento claro
ou confuso, cria frases que são versos inteiros, sem prejuízo de medir tantas sílabas,
com acentuação determinada” (Andrade, 1987, p. 63) Solano Trindade defende
44
também a não repressão do impulso lírico e a liberdade de expressão, conforme se
pode ver no poema “Estética”:
“Não disciplinarei as minhas emoções estéticas deixá-las-ei à vontade como o meu desejo de viver... É grande o espaço Embora se criem limites... Basta somente Que eu sofra a disciplina da vida Mas a estética Deve ser sempre liberta”
(Trindade, 1961, p. 188)
Nessa linha de aproximação com os modernistas, principalmente com
Mário de Andrade para quem “a gramática apareceu depois de organizadas as
línguas” (Andrade, 1987, p. 73) Solano Trindade não se subordina às amarras da
gramática normativa:
“Senhora gramática perdoai os meus pecados gramaticais. Se não perdoardes senhora eu errarei mais”.
(Trindade, 1961, p. 189)
Outros recursos estilísticos presentes de modo constante na poética de
Solano Trindade são a enumeração, a repetição, a onomatopéia e as reticências.
No poema “Rio”, a utilização da enumeração, nos versos que
compreendem a segunda estrofe, produz um efeito de flashes cinematográficos,
através dos quais o poeta acentua o dinamismo da vida moderna das grandes
cidades, pela sobreposição de imagens:
“(....................................................) Nunca me banhei no Copacabana Nunca fui ao Corcovado Nunca fui ao Pão de Açúcar Por tudo quanto é sagrado”
(Trindade, 1958, p. 25)
45
Em “Macumba”, cujo título representa uma designação genérica dos
cultos sincréticos animistas e fetichistas, principalmente de influências africanas, o
poeta usa o recurso da enumeração, acentuando com ele os ritmos negros, que se
manifestam em escala ascendente, quando da realização de seus cultos, em
terreiros ou ar livre, com danças, cânticos e oferendas rituais, ao som de
instrumentos de percussão, dando assim, um novo significado à memória gestual do
corpo negro, promovendo a ressignificação e preservação do cabedal cultural e
religioso dos seus antepassados.
“Noite de Iemanjá negro come acaçá noite de Iemanjá filha de Nanan negro come acaçá veste seu branco abebé Toca o aguê o caxixi o agôgô o engona o gã o ilu o lê o roncô o rum o rumpi Negro pula negro dança negro bebe negro canta negro vadia noite e dia sem parar pro corpo de Iemanjá pros cabelos de Iobá do Calunga do mar” (........................)” (Trindade, 1961, p. 134)
Os versos do poema “Macumba”, demonstram que Solano Trindade
tentou reverberar o rufar dos tambores em sua poética, a qual, carinhosamente,
Roger Bastide denominou “como uma mistura de “xangô” e Marx (Roger Bastide, IN:
Raça e Cor na Literatura Brasileira, 1983, p. 186). Vale a pena salientar que:
46
Para Trindade, entretanto, a experiência puramente sentimental provocada pelos tambores exercia a mesma função do sexo: a vitalidade que comunicava era fonte de inspiração poética, sendo a poesia, por sua vez, uma forma de apresentar uma mensagem social revolucionária. (Brookshaw, 1983, p. 186)
A propósito, Sartre (1978, p. 104-105) ressalta que: “Existe, com efeito,
uma negritude objetiva que se expressa através dos costumes, das artes, dos cantos
e das danças das populações africanas. [...] O ato poético é então uma dança da
alma”.
No poema “Tem gente morrendo, Ana”, o poeta usa, desta feita, o recurso
da anáfora, repetindo de forma obsessiva e a expressão “tem gente morrendo” para
designar os mais diversos tipos de morte que atingem a sociedade, em seus mais
diferentes aspectos:
“Tem gente morrendo No seco Nordeste Tem gente morrendo Nas secas estradas Tem gente morrendo De fome e de sede Tem gente morrendo Ana Tem gente morrendo Tem gente morrendo Nos campos de guerra Tem gente morrendo Nos campos de paz Tem gente morrendo De escravidão Tem gente morrendo Ana Tem gente morrendo Tem gente morrendo De angústia e de medo Tem gente morrendo De falta de amor Tem gente morrendo De ódio e de dor Tem gente morrendo Ana Tem gente morrendo
47
Tem gente morrendo Nas prisões infectas Tem gente morrendo Porque quer trabalho Tem gente morrendo Pedindo justiça Tem gente morrendo... Ana Tem gente morrendo...” (Trindade, 1961, p. 103-104)
O poema “Tem gente morrendo, Ana”, nos remete, a partir do seu título,
ao caráter universalizante da poética social de Solano Trindade que, sem alimentar
ódios, tampouco desesperos, canta a dor e o desajuste social em forma de
sentimento. No poema o eu poético denuncia, através do verso-refrão “tem gente
morrendo”, a miserabilidade daqueles que continuam a morrer vítima do descaso, do
preconceito, em suas diversas acepções e, consequentemente, da injustiça social
que se faz presente não só, “No seco do Nordeste” como também nas outras regiões
do país onde há gente sofrendo e morrendo: “De escravidão”, “De angústia e medo”,
“Nas prisões infectas”, comprovando assim o caos social de um país que insiste em
não ouvir a denúncia, feita pelo eu lírico da enunciação, de que: “Tem gente
morrendo / Pedindo justiça”.
O poeta, por vezes, utiliza de forma concomitante, os recursos da
enumeração, da repetição e da onomatopéia. No poema “Tem gente com fome” é
possível observar o emprego, simultaneamente, dos recursos estilísticos acima
citados:
“Trem sujo da Leopoldina correndo correndo parece dizer tem gente com fome tem gente com fome tem gente com fome Piiiiii estação de Caxias de novo a dizer de novo a correr tem gente com fome tem gente com fome tem gente com fome
48
Vigário Geral Lucas Cordovil Brás de Pina Penha Circular Estação da Penha Olaria Ramos Bom Sucesso Carlos Chagas Triagem, Mauá trem sujo da Leopoldina correndo correndo parece dizer tem gente com fome tem gente com fome tem gente com fome Tantas caras tristes querendo chegar em algum destino em algum lugar Trem sujo da Leopoldina correndo correndo parece dizer tem gente com fome tem gente com fome tem gente com fome Só nas estações quando vai parando lentamente começa a dizer se tem gente com fome dá de comer se tem gente com fome dá de comer se tem gente com fome dá de comer Mas o freio de ar todo autoritário manda o trem calar Psiuuuuuuuuu”
(Trindade, 1961, p. 65-66)
O poema “Tem gente com fome”, resulta de uma simbiose feita por
Solano Trindade entre a poesia e a experiência vivida, tendo em vista que, quando
morava no Rio de Janeiro o poeta: “Todos os dias tomava um trem de subúrbio para
Caxias, e essa vida de vai e vem calou tanto em seu espírito que sua poesia chegou
a adquirir um ritmo de trem correndo nos trilhos” (Carlos de Freitas, IN: Trindade,
1961, p. 13). O dia-a-dia o fez acompanhar de perto a realidade de: “tantas caras
tristes”, o que o motivou a submergir, como sempre o fizera em sua poética, no
social e usar, magistralmente, os recursos estilísticos para relatar o cotidiano da
49
periferia das cidades pelas quais o trem passava. O poeta se comporta como um
repórter a colher notícias nos becos marginalizados das cidades que compreendem
o percurso, feito por ele, diariamente, a bordo do “Trem sujo da Leopoldina”.
A primeira estrofe do poema obedece, exatamente, ao ritmo de um trem
em movimento “Tem gente com fome / tem gente com fome / tem gente com fome”,
evidenciando, na mesma estrofe, a utilização de dois recursos estilísticos, o
onomatopeico e, consequentemente, a repetição.
Inicialmente as onomatopeias, utilizadas pelo eu poético, sugestionam
sons e imagens, que imitam o sacolejar do trem, o som das rodas sobre os trilhos,
ou o ruído férreo e metálico nasalizados das engrenagens, responsáveis pela
locomoção dos vagões, fazendo as rodas girarem, pesadamente, sobre os trilhos,
mas também, são veículos de pesadas denúncias sociais feitas pelo eu lírico da
enunciação: “Tem gente com fome / tem gente com fome / tem gente com fome”.
Porém, é nos versos da penúltima estrofe do poema, na chegada do trem às
estações, que a voz poética usa o recurso onomatopeico para, agora, sugerir a
resolução do problema da “fome que estiola os povos” (Trindade, 1961, p. 196), pois
o trem “lentamente começa a dizer / se tem gente com fome / dá de comer / se tem
gente com fome / dá de comer”, até ser interrompido pelo freio da censura que se
encontra nos três versos finais do poema e: “todo autoritário / manda o trem calar /
Psiuuuuuuuuu”. A enumeração se faz presente na terceira estrofe do poema e
revela os locais que subsidiam o eu poético com as informações relativas ao flagelo
da fome, através da miserabilidade de suas personagens, caracterizadas nos versos
da quarta estrofe: “Tantas caras tristes / querendo chegar / em algum destino / em
algum lugar”. Vale ressaltar ainda que, as repetições observadas ao longo do
poema, além de servirem como fonte de denúncias, são também responsáveis pelo
acentuado ritmo musical a ele conferido.
No poema “A musa e a poesia”, a utilização das reticências, nos versos
finais das estrofes que o compõem, revelam a preocupação do poeta com a
estabilidade das musas e, consequentemente, com o entusiasmo criador, com a
inspiração de onde brota a arte de conhecer-se para além dos próprios limites, a
poesia:
“É necessário criar muitas musas para que a poesia não pare...
50
As musas não são estáveis e a poesia é permanente... A função do poeta é construir a musa é material de construção que o poeta transforma em monumento...”
(Trindade, 1961, p. 158)
Em “A Musa e a Poesia”, o eu lírico associa a criação poética à existência
de cada uma das nove divindades gregas que presidiam às artes liberais, como
forma de chamar a atenção para que o entusiasmo criador da poesia não venha
fenecer, conforme atestam os versos do primeiro dístico: “É necessário criar muitas
musas / para que a poesia não pare...”
No segundo dístico do poema, o eu lírico ao se referir, no primeiro verso,
à fugacidade das divindades da inspiração poética, estabelece um paradoxo com o
segundo verso que trata da perenidade da poesia. O paradoxo se instaura entre a
instabilidade da inspiração criadora da arte poética e a efetiva permanência da
poesia: “As musas não são estáveis / e a poesia é permanente...”.
É, porém, no terceto que finaliza o poema que, a voz poética alerta, para
o momento divino do poeta, quando este, no estado de êxtase, transforma a musa,
fonte de inspiração, na obra que se destina a transmitir à posteridade sua memória
histórica e de toda uma geração da qual fora agente de transfiguração, conforme
evidenciam os versos: “A função do poeta é construir / a musa é material de
construção / que o poeta transforma em monumento...”.
51
3.3 A crítica.
A fortuna crítica existente sobre a obra do poeta Francisco Solano
Trindade é ínfima, se comparada à relevância de sua poética para a literatura
brasileira, principalmente no que concerne à representação do negro e sua
ascensão, na poesia, como sujeito poético. Muito nos surpreende que obras
recentes como “Literatura Política Identidades” de Eduardo de Assis Duarte,
considerada obra de referência para os Estudos Afro-Brasileiros, não façam
qualquer menção ao nome de Francisco Solano Trindade que fora um baluarte na
defesa da causa negra no Brasil.
Dentre os críticos que se aperceberam da grandiosidade poética de
Solano Trindade, destacam-se nomes como do poeta e jornalista Carlos de Freitas
que, na apresentação do livro Cantares ao Meu Povo, assim se refere à poesia de
Francisco Solano Trindade: “A poesia que o consagrou como um dos maiores
poetas negros da América é voz humana de dor contra injustiças e males que neste
momento atingem a brancos e pretos.” (Carlos de Freitas, IN: Trindade, 1961, p. 16),
e, o mesmo Carlos de Freitas aludindo à percepção poética de Solano Trindade
declara: “Sua intuição poética o aproxima, na forma, a pesquisadores como Péricles
Eugênio da Silva Ramos e Mauro Mota, que atingem grande força de expressão com
uma linguagem poética nova, vigorosa, usando palavras aparentemente sem vigor.”
(Carlos de Freitas, IN: Trindade, 1961, p. 19).
Outros grandes nomes da crítica se incumbiram de analisar a obra de
Solano Trindade, a exemplo de David Brookshaw que compara a forma de
abordagem da poesia de Lino Guedes, o qual aspirava à liberdade de sua raça
mediante a adoção dos valores burgueses brancos, com a abordagem sociopolítica
da poesia de Solano Trindade. No que concerne à comparação, Brookshaw (1983,
p.183) afirma: “A poesia de Trindade, por outro lado, é marxista em sua identificação
com todos os oprimidos, sejam negros ou brancos”. Brookshaw estabelece ainda
outras comparações da obra de Solano Trindade com outros grandes nomes do
cenário literário nacional e internacional.
Tomando por base o cenário literário nacional, Brookshaw compara o
idealismo de Solano Trindade ao idealismo de um dos maiores vultos do
Modernismo Brasileiro, o baiano Jorge Amado, ao declarar: “Seu idealismo lembra o
de Jorge Amado em seus primeiros romances, e, na verdade, ambos os escritores
52
alcançaram o clímax de sua conscientização política na década de 1940, durante a
ditadura de Getúlio Vargas.” (Brookshaw, 1983, p. 183).
No cenário internacional, segundo ainda Brookshaw, a comparação se
estabelece com a figura exponencial, do cubano Nicolás Guillén, conforme atesta a
afirmação abaixo:
Tão significativamente como Guillén,Trindade era um expoente de um humanismo universal através do qual via o fortalecimento da solidariedade negra. Sua conscientização era aquilo que Jakson denomina de “negritude da síntese” uma conscientização negra que aspira à integração mas sem perder sua dignidade cultural negra.” (Brookshaw, 1983, p. 183-184)
E, ainda em tom comparativo, Brookshaw aproxima a temática afro-
brasileira da poesia de Solano Trindade à temática de Nicolás Guillén, ao mencionar:
“Trindade incorporou temas afro-brasileiros em sua poesia e nela tentou reproduzir o
ritmo do tambor, como Guillén e os demais poetas afro-antilhanos estavam fazendo.”
(Brookshaw, 1983, p. 185-186).
Solano Trindade não passara incólume aos ideais transformadores da
estética modernista e, quebrando os cipós que atavam a poesia nacional, faz uma
poética voltada para o mundo social, de verificação e visualização do negro e seus
problemas, como ser individual ou social.
Em sua obra “O Negro escrito”, Oswaldo de Camargo tece um pequeno
comentário, crítico, concernente à obra de Solano Trindade, no qual declina:
Solano foi o que captou o espírito do Movimento de 1922. Poeta social, lírico, engajado. Anti-Lino Guedes, em muitos aspectos. Foi o poeta negro de várias gerações e é o mais estudado de todos. Aqui, o seu rumo estético: ‘Não disciplinarei / as minhas emoções estéticas/ deixá-las-ei à vontade / como o meu desejo de viver...’. (Oswaldo de Camargo, 1987, p. 80)
Dentre as vozes recentes que se aperceberam da significativa
contribuição dada, pela obra do poeta Solano Trindade às letras modernas
nacionais, destaca-se Benedita Gouveia Damasceno que, no seu livro “Poesia Negra
no Modernismo Brasileiro”, após analisar alguns de seus principais poemas, cuja
temática remete à Negritude, assim o define:
53
Solano Trindade pode ser definido como um símbolo de coesão étnico-social. Sua poesia não é um grito de revolta mas o humilde registro de protesto e sua forma estética não é a preconizada por muitos para a verdadeira poesia. Deixou entretanto um registro vivo da visão do mundo do afro-brasileiro. (Damasceno, 2003, p. 81).
O trecho de um editorial da publicação do Centro de Cultura Afro-
Brasileiro, fundado em 1936, pelo poeta Solano Trindade juntamente com Ascenso
Ferreira e José Vicente Lima, ratifica o pensamento de Benedita Damasceno: “Não
faremos lutas de raças, porém ensinaremos aos irmãos negros que não há raça
superior, nem inferior, e o que faz distinguir uns dos outros é o desenvolvimento
cultural”. (Trindade, 1999, p. 18). O que a leva a concluir dizendo: “Assim, sua busca
de identidade termina na reafirmação da cor e dos valores negros, não buscando a
luta de raças, mas a integração pelo desenvolvimento cultural.” (Damasceno, 2003,
p. 81).
Encontramos outras notas e opiniões sobre a obra do poeta Francisco
Solano Trindade no livro intitulado “Solano Trindade: O Poeta do Povo”, que fora
organizado pelos seus filhos Raquel, Godiva e Liberto Solano Trindade, editado pela
Cantos e Prantos Editora Ltda. São Paulo, 1999. Nesta obra vozes potentes e
profundas fazem ecoar, além fronteiras, o nome do poeta Solano Trindade.
A propósito Vicente Lima (IN: Solano Trindade: O poeta do povo, 1999, p.
29-30) declara: “Solano Trindade é o chefe do movimento modernista na poesia afro-
brasileira. Os seus poemas regionalistas têm um sabor muito humano e universal e
é, ao mesmo tempo, o despertar do Negro no Brasil.”
Corsino de Brito ao opinar sobre a grandiosidade poética de Solano
Trindade o faz colocando-o como um dos maiores poetas do Novo Mundo: “Solano
Trindade com Pablo Neruda formam uma dupla ‘diferente’ na poesia americana; são
os maiores poetas no Novo Mundo [...].” (Corsino de Brito, IN: Solano Trindade,
1999, p. 28-29).
Abdias Nascimento (IN: Solano Trindade: O poeta do povo, 1999, p. 29)
comenta:
54
Entre os raros poetas negros que conheço neste Brasil mestiço, Solano Trindade é o que melhor me satisfaz. Porque Solano Trindade não se encerrou na torre de marfim da arte pura e tampouco escreveu poesia negra com linguagem de “negro-branco”, desses que se envergonham de abordar o típico das gafieiras e das macumbas como legítimas expressões do anseio estético e da misteriosa espiritualidade negra. Ele é Negro, sente como Negro, e como tal cantou as dores, as alegrias e as aspirações libertárias do afro-brasileiro. Para mim Solano Trindade é o brado da raça, o maior poeta Negro do Brasil contemporâneo.
Sérgio Milliet, por sua vez, enaltece a luta do poeta Solano Trindade na
busca da independência cultural do Negro em nossa terra, ao dizer que: “poucos
fizeram tanto quanto ele pelo ideal da valorização do negro.” (Sérgio Milliet, IN:
Solano Trindade: O Poeta do Povo, 1999, p. 31). No que concerne à obra de Solano
Trindade, Sérgio Miliet em comentário feito em 1961, quando da publicação do livro
“Cantares ao meu povo”, escreveu:
Ei-lo que se lança novamente à poesia e o faz dentro do mesmo espírito de antes: o da tomada de consciência disso a que Sartre chamou de “Negritude”. E temos a glorificação da mulher de pele escura, da ternura, da alegria, da vitalidade da raça, mas também de seus anseios, de seus ideais. Não se trata apenas de mais um livro de poesias: trata-se também de um depoimento apaixonado e vibrante. (Sérgio Milliet, IN: Solano Trindade: O Poeta do Povo, 1999, p. 31-32).
O poeta Nestor de Holanda ao se debruçar na análise mais acurada do
livro “Poemas D’uma Vida Simples”, uma das primeiras obras do poeta Solano
Trindade, declara:
Para mim, o Poeta não se revela na vastidão de sua Obra nem no que de prosódico e prolixo existir no seu trabalho, revela-se num nada, numa frase apenas, numa síntese. Senti o Poeta Solano na expressão da Negra: “Servi de Amor”. Senti o poeta Solano, quando ele, pedindo perdão à “Senhora Gramática” pelos seus “Pecados Gramaticais”, pediu a “Benção à Dindinha Lua” [...] “O Poema das Marias” é o maior livro de Solano Trindade. Nele há a revelação completa do Poeta! Sentimento imponente, alma, poesia enfim. Em nenhum outro trabalho o autor é tão majestoso como nesse. Mas há também grandes realizações estéticas no livro de Solano Trindade. “O Canto da Liberdade” é uma delas. “Convocação”, lembrando Whitman, falando-nos de um “Profundo Amor de Camarada”, é outra; e muito grande, também, é o “Mulher Barriguda”. (Nestor de Holanda, IN: Solano Trindade: O Poeta do Povo, 1999, p. 33).
E conclui entusiasticamente:
Nenhum outro preto no Brasil cantou a raça com tamanho sentimento nem tamanha angústia. [...] A cor preta no Brasil está tendo agora, com o surgimento de Solano, o seu primeiro Poeta nato, o seu primeiro cantor
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Negro, Solano Trindade é o maior preto que a poesia negra possui. (Nestor de Holanda, IN: Solano Trindade: o Poeta do Povo, 1999, p. 34).
Arthur Ramos, a exemplo de Nestor de Holanda, analisa a obra “Poemas
D’uma Vida Simples”, do poeta Solano Trindade, e declara:
Somente agora posso aperceber o privilégio de conhecer o seu delicioso “Poemas D’uma Vida Simples”. O negro brasileiro tem hoje em você o seu grande intérprete lírico, sua Poesia de fundo folclórico e social é o complemento indispensável à Obra dos sociólogos brasileiros e negros. (Arthur Ramos, IN: Solano Trindade: O Poeta do Povo, 1999, p. 34).
As declarações da crítica, de modo geral, dando conta de que fora
Francisco Solano Trindade um dos expoentes da estética modernista nacional, deve-
se, a priori, ao fato de o poeta haver introjetado os ideais de liberdade soprados
pelos fortes ventos do Modernismo Brasileiro e suas transformações estruturais no
campo da produção literária e, a posteriori, ter feito uma poesia de reconhecida
qualidade, dentro dos padrões da estética modernista, sempre alicerçada nos
princípios sociais e de consciência da pertença. Solano Trindade escolhera como
pedra basilar de sua tessitura poética, um dos três objetivos principais da negritude
que fora:
Lutar pela emancipação de seus povos oprimidos e lançar o apelo de uma revisão das relações entre os povos para que se chegasse a uma civilização não universal como a extensão de uma regional imposta pela força — mas uma civilização do universal, encontro de todas as outras, concretas e particulares. (Munanga, 1988, p. 43-44)
Eis o caráter humanístico da obra de Solano Trindade que, apesar de
fazer uma poesia de negação à negação branca, busca o respeito à alteridade. Vale
a pena ressaltar que:
Solano Trindade faz poesia sem complexos. Não é um poeta perdido num mar de angústias, cantando ‘uma injustiça profunda e sem remédio, que só ele sente por ser posto à margem da vida e da injustiça humana, vítima de um estado extremo de negação do homem pelo homem’ (Carlos de Freitas, IN: Trindade, 1961, p. 17)
É neste aspecto que consiste a grandiosidade de sua abordagem poética,
o que o faz um dos principais vultos da Negritude brasileira, reconhecido, inclusive
pelo renomado antropólogo Roger Bastide que, após analisar alguns poemas que o
próprio Solano Trindade o enviara para apreciação, assim se manifesta:
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O senhor faz dos seus versos uma arma, um toque de clarim, que desperta as energias, levanta os corações, combate por um mundo melhor. Quanto a mim, aprecio esses Poemas que realizam uma síntese entre o passado e o futuro, entre as aspirações de reis proletarizados e as canções do folclore, entre o amor moderno, à sombra das chaminés de usina, e o amor místico, sob o olhar dos Orixás. (Roger Bastide, IN: Solano Trindade: O Poeta do Povo, 1999, p. 31).
O poeta Carlos Drummond de Andrade, a exemplo de Roger Bastide,
analisa a força poética que envolve os versos de Solano Trindade e,
conscientemente, ratifica as palavras elogiosas do ilustre antropólogo, ao declarar:
A leitura de seus versos deu-me confiança no poeta que é capaz de escrever “Poema do Homem” e “O canto dos Palmares”. Há nesses versos uma força natural e uma voz individual, rica e ardente, que se confunde com a voz coletiva. (Drummond, IN: Solano Trindade: O Poeta do Povo, 1999, p. 36).
Recentemente, com organização de Zilá Bernd, fora publicado o livro
“Americanidade e transferências culturais”, trazendo um artigo de Liliam Ramos da
Silva com o título “Consciência Negra e Americanidade: o diálogo identitário de
Nicolás Guillén e Solano Trindade”. O referido artigo objetiva relacionar a poesia
negra e a questão identitária com o ideologema da americanidade, passando,
necessariamente, pelo viés dos estudos da negritude como afirmação da identidade
negra.
Ao comparar a obra do cubano Nicolás Guillén cuja poética é considerada
a mais representativa do negrismo hispano-americano, tendo em vista que não se
limita apenas à função linguística do poema, uma vez que também demonstra
preocupação em vincular a realidade ao texto, com a de Solano Trindade, Lílian
Ramos ressalta que este é:
Poeta da resistência negra por excelência, pois dedicou sua vida e arte à causa da liberdade, ao combate das injustiças sociais e à valorização da cultura negra, identificando-se com todos os oprimidos, sejam negros ou brancos. (Liliam Ramos, IN: Bernd, 2003, p. 153).
Para a autora em foco:
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Os poetas analisados mostram toda sua força poética em versos que tentam fazer com que não haja mais exclusões e que o binarismo branco/negro desapareça. [...] O sentimento de pertença à América está presente nas obras de Guillén e Trindade na medida em que os poetas rompem com os modelos europeus, passando a orgulhar-se de sua cor e sem recusar a abertura ao outro. (Liliam Ramos, IN: Bernd, 2003, p. 164).
58
4. A Negritude Serena e Vitoriosa de Solano Trindade.
A estrutura da poesia negra faz-se a partir de uma atitude construtiva de
reconciliação dialética onde a (re)conquista da posição de sujeito da enunciação
viabilizará a re-escrita da obliterada memória histórica do negro, partindo do ponto
de vista do próprio negro, fazendo com que este ascenda da posição de objeto ou,
melhor, daquele de quem se fala e passe a ser aquele que fala.
A obra poética de Francisco Solano Trindade caminha nessa perspectiva
de transposição posicional do negro ao fazer reverberar a voz da raça, uma vez que
não se refere apenas ao particular, ao local, mas trata de questões universais da
condição humana a partir de uma especificidade. Seus poemas são representações
literárias do sentimento de dor e do lamento do negro desterrado e estigmatizado
pela escravidão.
A responsabilidade que o poeta assume de se tornar porta-voz de seu
povo e conclamar a união de todos em prol da causa negra, inseri-o na melhor
tradição da literatura negra brasileira e latino-americana que, segundo Zilá Bernd
(1988, p. 79), “desde 1920 tem produzido, em sua quase totalidade, uma poesia
comprometida com a reversão da situação na qual a cor negra ainda é percebida
como um estigma”. A posição assumida pelo poeta se evidencia nos poemas de
resistência e luta que compõem o primeiro caderno da obra Cantares ao Meu Povo,
merecendo especial destaque os poemas: Canto dos Palmares, Navio Negreiro,
Civilização Branca, Quem tá gemendo? e Sou Negro, os quais analisaremos ao
longo deste capítulo.
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4.1 A EPOPEIA NEGRA CANTO DOS PALMARES Eu canto aos Palmares sem inveja de Virgílio de Homero e de Camões porque o meu canto é o grito de uma raça em plena luta pela liberdade! Há batidos fortes de bombos e atabaques em pleno sol Há gemidos nas palmeiras soprados pelos ventos Há gritos nas selvas invadidas pelos fugitivos… Eu canto aos Palmares odiando opressores de todos os povos de todas as raças de mão fechada contra todas as tiranias! Fecham minha boca Mas deixam abertos os meus olhos Maltratam meu corpo Minha consciência se purifica Eu fujo das mãos Do maldito senhor! Meu poema libertador é cantado por todos, até pelo rio. Meus irmãos que morreram muitos filhos deixaram e todos sabem plantar e manejar arcos; muitas amadas morreram mas muitas ficaram vivas, dispostas a amar seus ventres crescem e nascem novos seres.
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O opressor convoca novas forças vem de novo ao meu acampamento… Nova luta. As palmeiras ficam cheias de flechas, os rios cheios de sangue, matam meus irmãos, matam minhas as amadas, devastam os meus campos, roubam as nossas reservas; tudo isto, para salvar a civilização e a fé… Nosso sono é tranqüilo mas o opressor não dorme, seu sadismo se multiplica, o escravagismo é o seu sonho os inconscientes entram para seu exército… Nossas plantações estão floridas, nossas crianças brincam à luz da lua, nossos homens batem tambores, canções pacíficas, e as mulheres dançam essa música… O opressor se dirige a nossos campos, seus soldados cantam marchas de sangue. O opressor prepara outra investida, confabula com ricos e senhores, e marcha mais forte, para meu acampamento! Mas eu os faço correr… Ainda sou poeta meu poema levanta os meus irmãos. Minhas amadas se preparam para a luta, os tambores não são mais pacíficos, até as palmeiras têm amor à liberdade… Os civilizados têm armas e têm dinheiro, mas eu os faço correr…
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Meu poema é para os meus irmãos mortos. Minhas amadas cantam comigo, enquanto os homens vigiam a Terra. O tempo passa sem número e calendário, o opressor volta com outros inconscientes, com armas e dinheiro, mas eu os faço correr… O meu poema libertador é cantado por todos, até pelas crianças e pelo rio. Meu poema é simples, como a própria vida, nascem flores nas covas de meus mortos e as mulheres se enfeitam com elas e fazem perfume com sua essência… Meus canaviais ficam bonitos, meus irmãos fazem mel, minhas amadas fazem doce, e as crianças lambuzam os seus rostos e seus vestidos feitos de tecidos de algodão tirados dos algodoais que nós plantamos. Não queremos o ouro porque temos a vida! e o tempo passa, sem número e calendário… O opressor quer o corpo liberto, mente ao mundo e parte para prender-me novamente… ─ É preciso salvar a civilização, Diz o sádico opressor…
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Eu ainda sou poeta e canto nas selvas a grandeza da civilização ─ a Liberdade! Minhas amadas cantam comigo, meus irmãos batem com as mãos, acompanhando o ritmo da minha voz…. ─ É preciso salvar a fé, Diz o tratante opressor… Eu ainda sou poeta e canto nas matas a grandeza da fé ─ a Liberdade… Minhas amadas cantam comigo, meus irmãos batem com as mãos, acompanhando o ritmo, da minha voz!... Saravá! Saravá! Repete-se o canto do livramento, já ninguém segura os meus braços… Agora sou poeta, meus irmãos vêm ter comigo, eu trabalho, eu planto, eu construo, meus irmãos vêm ter comigo… Minhas amadas me cercam, sinto o cheiro do seu corpo, e cantos místicos sublimizam meu espírito! Minhas amadas dançam, despertando o desejo em meus irmãos, somos todos libertos, podemos amar! Entre as palmeiras nascem os frutos do amor dos meus irmãos, nos alimentamos de fruto da terra, nenhum homem explora outro homem… E agora ouvimos um grito de guerra, ao longe divisamos as tochas acesas, é a civilização sanguinária, que se aproxima.
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Mas não mataram meu poema. Mais forte que todas as forças é a Liberdade… O opressor não pôde fechar minha boca, nem maltratar meu corpo, meu poema é cantado através dos séculos, minha musa esclarece as consciências, Zumbi foi redimido… (TRINDADE, 1961, p. 29 a 35)
O poema em causa, já a partir do título, nos remete à resistência do ser
negro. Cantar essa resiliência é o motivo maior que impulsiona a sua criação.
Como é sabido Palmares, para além de uma região de palmeiras, designa
sobretudo, em termos históricos o local para onde fugiam os negros na sua luta pela
liberdade, liderados por Zumbi, o qual, à semelhança de outros grandes nomes da
História da humanidade, fora por muito tempo ─ na História brasileira ─ recordista de
vitórias militares contra o sistema escravocrata dominante.
O poema apresenta-se estruturado em primeira pessoa. Os verbos no
presente levam a tessitura do texto à temporalidade presente. É composto de cento
e noventa e três versos assimétricos, livres e oscilantes no que concerne à
extensão. Versos longos e curtos distribuídos em vinte e seis estrofes, também
oscilantes em tamanho, permeados de uma logopeia que se faz presente desde a
primeira estrofe.
A alusão aos clássicos, Virgílio, Homero e Camões, com a qual o eu lírico
inicia o poema, mais do que uma reverência a esses mestres da literatura clássica,
serve para aumentar a importância do canto que será entoado em louvor da raça
negra e de sua heroicidade. Além disso, o recurso à intertextualidade aproxima o
poema do mesmo patamar daqueles com os quais dialoga.
A segunda estrofe do poema enfatiza a luta pela liberdade sonhada e
seus percalços, o que demanda uma constante vigília por parte dos palmarinos, os
quais atentos aos perigos que os ameaçam estão sempre recorrendo à tradição do
tambor para alertar a nação, conforme assinalam os primeiros versos dessa estrofe:
“Há batidos fortes / de bombos e atabaques / em pleno sol”.
Observe-se que a aliteração neles presente reitera a energia, o vigor
dessa comunicação feita em defesa do território. De modo gradativo, os versos
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seguintes expressam, por sua vez, o sofrimento do negro que adentra aos
“palmares” em busca de refúgio: “Há gemidos nas palmeiras / soprados pelos ventos
/ Há gritos nas selvas / invadidas pelos fugitivos...” Os gemidos e gritos, de que fala
o eu lírico nos versos supracitados, são reflexo da vida dos fugitivos que ao se
rebelarem contra os maus-tratos dos senhores a quem estavam subordinados,
passaram a ser caçados e uma vez encontrados, pelo capitão-do-mato, muitas
vezes um negro que “assimilara” a cultura do branco opressor, eram submetidos às
mais diversas atrocidades, enfatizadas pelo não dito do último verso, quando através
das reticências, esses gritos parecem ficar reverberando no ar.
A terceira estrofe amplia o espírito de luta dos versos da estrofe inicial na
medida em que ultrapassando as fronteiras dos Palmares o canto expressa uma luta
contra todos os opressores: “Eu canto aos Palmares / odiando opressores / de todos
os povos / de todas as raças / de mão fechada / contra todas as tiranias!”. Ao se
colocar em defesa “de todos os povos” e “de todas as raças”, verificamos que há no
eu lírico a emergência de uma consciência crítica do modelo rizomático, termo
expresso por Édouard Glissant, em 1990, no qual se insere o princípio de identidade
em expansão, sem, no entanto, desrespeitar o conceito de alteridade.
A quarta estrofe apresenta uma peculiaridade: é a única, em todo o
poema cujos versos aparecem iniciados por maiúsculas. A iniciativa tem o intuito de
chamar a atenção para as convicções da voz poética que, em sua busca de
representar a negritude, padece dos mais diversos tipos de torturas, oriundas do
“Maldito senhor”, na tentativa de calar sua voz e neutralizar seus movimentos:
“Fecham minha boca / Mas deixam abertos os meus olhos / Maltratam meu corpo /
Minha consciência se purifica / Eu fujo das mãos / Do maldito senhor!” É a
resistência negra, diante das tentativas de sufocamento dos ideais da negritude, que
emana do tilintar dos grilhões que aprisionam os corpos, mas não conseguem deter
a marcha da conscientização da pertença de um povo que se irmana a outros na
construção de uma identidade própria.
A quinta estrofe, a segunda maior do poema, contém doze versos, dos
quais os três primeiros falam de forma inconteste do ideal de liberdade, defendido
unanimimente pelos palmarinos: “Meu poema libertador é cantado por todos, / até
pelo rio.” Ao recorrer à prosopopeia incluindo o rio na adesão à luta pela liberdade, o
eu lírico acentua com esse procedimento essa unanimidade.
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Do quarto ao sétimo verso, a voz poética continua mostrando que, apesar
de vidas serem ceifadas, a resistência persiste. Os descendentes dos herois que
tombaram em combate sabem retirar da terra a subsistência e consequentemente
honrar seus antepassados, dando continuidade à luta, como evidenciam os versos:
“Meus irmãos que morreram / muitos filhos deixaram / e todos sabem plantar / e
manejar arcos”.
Os versos que se seguem aludem, principalmente, ao negro não apenas
como corpo laboral, mas também como corpo amoroso, gerador de vidas, a partir do
qual a vida, apesar de “Severina”, promove sua renovação, conforme evidenciam os
versos finais da estrofe, referentes ao nascimento de novos seres: “seus ventres
crescem / e nascem novos seres”,
Ao nos debruçarmos na análise da sexta estrofe, a maior do poema,
contendo quinze versos, percebemos que os três versos iniciais fazem alusão a mais
uma irrupção do opressor às terras ocupadas pelos insurgentes negros: “O opressor
convoca novas forças / vem de novo / ao meu acampamento...”, Diante desse fato,
novo banho de sangue é inevitável, pois a recepção ao invasor não será amistosa,
nem poderia sê-lo: “As palmeiras / ficam cheias de flechas, / os rios cheios de
sangue”. Dos versos oito ao onze da mencionada estrofe, segue-se o relato da
barbárie: “matam meus irmãos, / matam as minhas amadas, / devastam os meus
campos, / roubam as nossas reservas;” Porém, é nos versos que finalizam a estrofe
que a voz poética pontua ironicamente o porquê de tantas atrocidades cometidas,
impunimente, pelo invasor, ao denunciar: “tudo isto, / para salvar / a civilização / e a
fé...”.
Na sétima estrofe, observa-se o contraste existente entre as ações do
povo palmarino e as do opressor, quando logo no primeiro verso da estrofe, lê-se:
“Nosso sono é tranqüilo”, acentuando dessa forma a tranqüilidade de consciência
dos palmarinos em oposição à daqueles outros empenhados no processo de
desterritorialização do negro: “Mas o opressor não dorme, / seu sadismo se
multiplica, / o escravagismo é o seu sonho”. Os dois últimos versos da estrofe
supracitada denunciam a alienação de muitos que aderem a esse violento processo.
É quando a voz poética se manifesta, em tom crítico, dizendo: “Os inconscientes /
entram para seu exército...”.
Os versos que compõem a estrofe oito, dando continuidade à oposição
iniciada na anterior, assinalam, por sua vez, a pacificidade dos palmarinos. Nela, o
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eu lírico se regozija com a fertilidade dos campos, o que podemos depreender do
adjetivo “floridas” empregado para caracterizar as plantações; com a atmosfera feliz
do seu habitat, advinda da referência às brincadeiras das crianças, ao toque dos
tambores, à dança, à música, a tudo, enfim que remete à vida, no sentido mais
pleno.
Com relação ao toque do tambor, vale assinalar a diferença entre este e
aquele que aparece na segunda estrofe do poema. Lá o ritmo frenético dos
tambores ─ “(...) batidos fortes / de bombos e atabaques” ─ acentuados inclusive
pela aliteração, se encontram vinculados a uma série de elementos negativos:
gemidos, gritos, deixando entrever uma atmosfera disfórica; enquanto nos versos da
oitava estrofe, o que se entrevê é uma realidade eutópica, calcada na alegria e na
paz. Já a dança e a música que aparecem nos últimos versos, pelo seu caráter
sedutor e erótico, reforçam a vida que pulsa nessa estrofe.
Por sua vez a nona estrofe promove a quebra da euforia e tranquilidade
palmarina, expressa na estrofe anterior, colocando novamente em evidência o
opressor e sua maldade, ao mostrar que este prepara uma nova incursão a terras
insurgentes. Vejam-se, nesse sentido, os versos abaixo que representam a
preocupação do eu lírico: “O opressor se dirige / a nossos campos, / seus soldados /
cantam marchas de sangue.” O último verso dessa estrofe é representativo do ideal
de aniquilamento do opressor, tendo em vista que suas investidas cobrem de vidas
ceifadas os campos férteis dos Palmares.
Em continuidade à anterior, na décima estrofe, temos reiterada a
preocupação do eu lírico, no que concerne à movimentação feita por seu inimigo,
que arregimenta forças para expatriar o povo insurreto: “O opressor prepara outra
investida, / confabula com ricos e senhores, / e marcha mais forte, / para meu
acampamento!”. Porém, o eu poético se mantém firme em seus propósitos de lutar
pelo sonho de liberdade de seu povo e singulariza esta luta tornando-se, ele mesmo,
o centro da resistência negra ao declarar: “Mas eu os faço correr...”, numa prova,
inequívoca, de que não há arrefecimento dos ânimos.
A décima primeira estrofe nos remete, inicialmente, aos versos exortativos
da quinta estrofe do poema quando o eu lírico afirma: “Meu poema libertador / é
cantado por todos, / até pelo rio.” Percebemos que nela a atitude do eu poético é
reiterada ao declarar: “Ainda sou poeta / meu poema / levanta os meus irmãos.”
Todavia, os versos seguintes se relacionam de forma antitética com os últimos da
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oitava estrofe. Desta feita, ao invés de dançarem, as mulheres se preparam para a
luta. Os tambores não mais são pacíficos e o belicismo de novo se instaura. Os dois
últimos versos da décima primeira estrofe reafirmam o ideal de resistência: “até as
palmeiras / têm amor à liberdade...”. Logo fica claro que a voz lírica usa, de forma
coerente, a antítese para representar, com fidelidade, as oscilações existentes no
que diz respeito a tempos de paz e guerra, conforme visto na análise da décima
primeira estrofe, em confronto com versos da quinta e oitava estrofes.
Na décima segunda estrofe, a ironia que permeia os últimos versos da
sexta estrofe é retomada pelo eu lírico que novamente volta a criticar a “civilidade” e
o “poder” da classe dominante: “Os civilizados têm armas,”. Ao mesmo tempo que
denuncia o poderio bélico do opressor, o eu poético, ironicamente, o chama de
“civilizado”, tão “civilizado”, que reduz todo o seu poder argumentativo às armas e ao
poder aquisitivo como expressa o segundo verso da estrofe: “e têm dinheiro,”.
Entretanto, o poder bélico e econômico do opressor não minam a resistência do eu
poético que, como fizera na estrofe dez, singulariza a resistência e impinge nova
derrocada ao branco opressor.
Na décima terceira estrofe, o discurso crítico cede lugar ao elegíaco.
Voltando-se para os seus, a voz poética homenageia aqueles que tombaram em
combate, ou seja, em luta pela liberdade. A resiliência negra mais uma vez se impõe
e enquanto as amadas acompanham a voz poética no canto elegíaco, os homens
vigiam a Terra com o intuito, primeiro, de não permitir que o inimigo surpreenda-os,
num ataque fulminante, apossando-se definitivamente da terra, cuja significação
maiúscula é reiterada até na própria grafia do substantivo.
A resiliência é corroborada na estrofe seguinte pela repetição do verso: “mas
eu os faço correr...”, com o qual se encerram também a décima e décima segunda
estrofes. Além dessa resistência, os versos da décima quarta estrofe ressaltam
ainda, a atemporalidade da luta constantemente renovada, ressaltando o
permanente espírito destruidor dos dominadores: “O tempo passa / sem número e
calendário, / o opressor volta / com outros inconscientes, / com armas / e dinheiro,”.
Na décima quinta estrofe o eu lírico traz reiterado o ideal de liberdade, já expresso
em estrofes anteriores ao afirmar: “O meu poema libertador / é cantado por todos,”.
E para marcar a idéia de totalidade que envolve o processo não só inclui as
crianças, assinalando desse modo a sua continuidade, como mais uma vez, invoca a
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natureza, através da retomada da imagem do rio, presente no terceiro verso da
quinta estrofe.
A décima sexta estrofe se inicia com o eu lírico afirmando: “Meu poema é
simples, / como a própria vida,”. Por ser um amante da vida, da liberdade e a elas se
agarrar com a humildade que notabiliza as grandes personagens que defendem,
arraigadamente, aqueles que vivem num tempo quase sempre desfavorável, a voz
poética acredita ser o poema personificação de sua própria vida. O terceiro e quarto
versos fazem menção à heroicidade dos insurgentes mortos em combate, aos quais
a voz lírica dá um tom enfático dizendo: “nascem flores / nas covas de meus
mortos”. Nos quatro versos finais da estrofe, a ênfase incide nas mulheres que,
diferentemente dos momentos de guerra, agora se encantam com as flores,
tumulares, e delas extraem o perfume: “e as mulheres / se enfeitam com elas / e
fazem perfume / com sua essência...”. A atitude das mulheres deve-se ao respeito e
veneração pelos heróis que tombaram em nome da liberdade de seu povo.
À semelhança da oitava estrofe, a décima sétima também remete a um
tempo de euforia, bonança e trabalho enfatizado pela voz lírica ao nos informar da
beleza dos canaviais: “Meus canaviais / ficam bonitos,”. Nela o eu lírico tece
comentários sobre os afazeres dos seus irmãos e amadas: “Meus irmãos fazem mel,
/ minhas amadas fazem doce,”. A euforia fica por conta das crianças: “e as crianças /
lambuzam seus rostos / e seus vestidos / feitos de tecidos de algodão”. Porém, é
nos dois últimos versos da estrofe que a ênfase ao trabalho se faz notar mais
fortemente, quando o eu lírico ressalta que o algodão que servira para a confecção
da indumentária das crianças, fora retirado dos seus próprios algodoais: “tirados dos
algodoais / que nós plantamos”. Esse relato visa acabar com o mito do negro
indolente, pois é preciso reconhecer: “às vezes o negro trabalhava pouco. Mas isso
não era preguiça, e sim uma resistência, uma rebelião diante do trabalho desumano,
forçado e sem remuneração, uma revolta passiva.” (Munanga, 1988, p. 22).
A estrofe de número dezoito traz claramente, em seus dois primeiros
versos, a simplicidade que permeia as ações da “nação” palmarina, expressa pela
voz poética ao declarar: “Não queremos o ouro / porque temos a vida!”. Percebemos
que, para o eu lírico, mais valioso que o ouro é um outro bem de que ele ainda não
dispõe, que é a liberdade, bandeira de luta sua e de seu povo, uma vez que o único
bem de que dispõem é a vida e não a têm em plenitude porque lhes falta a
liberdade. No terceiro e quarto versos o eu poético faz uma reiteração da
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atemporalidade da luta pelo ideal de liberdade, expresso nos dois primeiros versos
da décima quarta estrofe ao afirmar: “e o tempo passa, / sem número e
calendário...”. Os versos finais da estrofe em análise denotam, mais uma vez, o não
arrefecimento do opressor no que concerne ao seu ideal de escravização, que não
visa apenas o ouro “rejeitado” pela voz lírica, mas também tolher a liberdade dos
insurgentes, tornando-os, simplesmente, corpo laboral a serviço da concretização do
sonho de uma sociedade canhestra e excludente, conforme denuncia a voz poética:
“O opressor quer o corpo liberto, / mente ao mundo, / e parte para / prender-me
novamente...”.
A décima nona e a vigésima primeira estrofes são formadas por dísticos.
Os versos iniciais dos referidos dísticos reproduzem de forma direta, pela primeira
vez, ao longo do poema, o discurso senhorial ( - É preciso salvar a civilização,” “ – É
preciso salvar a fé,”), já ironicamente denunciado de modo indireto pelo eu lírico nos
versos finais da sexta estrofe (“tudo isto,/ para salvar/ a civilização/ e a fé...”), Já os
últimos, trazendo de volta a voz do eu lírico, assinalam a desconstrução desse
discurso, acentuando o seu viés hipócrita. Observe-se que o eu lírico manifesta sua
repulsa às prerrogativas do opressor, cognominando-o de sádico e de tratante.
Como é sabido o adjetivo sádico, designa, dentre outras acepções,
aquele que se regozija com o sofrimento alheio, o que se aplica, perfeitamente, às
mesquinhas atitudes tomadas pelo opressor, tornando-o, pela forma brutal como
trata o negro, algoz de toda uma raça.
Já o adjetivo tratante, ao mesmo tempo em que remete para pessoa
velhaca não cumpridora das promessas feitas, também tem entre suas acepções a
de pessoa traficante, o que se coaduna com a figura do opressor.
Desse modo, com esses adjetivos fica ressaltada a fragilidade
argumentativa do opressor, sempre pautada em discursos pseudojustificativos, com
o intuito de jogar o negro à margem da história.
Na vigésima estrofe a altivez e altruísmo do eu lírico são reiteradas
quando este anuncia: “Eu ainda sou poeta / e canto nas selvas / a grandeza da
civilização ─ a liberdade!”. Os três primeiros versos dessa estrofe ecoam como
resposta ao discurso pseudojustificativo utilizado pelo opressor. Neles a voz lírica,
num tom altivo, contra-argumentando a justificativa do opressor, sinaliza para a
verdadeira civilização, cujo alicerce é a liberdade. Vale salientar que a altivez do eu
lírico em nada se assemelha à arrogância e presunção do opressor, o que se
70
comprova no modo elegante de a voz poética utilizar os pronomes possessivos,
inicialmente para denotar familiaridade e não simplesmente posse, conforme
atestam, principalmente, o quarto e o quinto versos: “Minhas amadas cantam comigo
/ meus irmãos / batem com as mãos”, só apenas no último verso o eu lírico usa o
pronome para denotar um certo sentimento de liderança ao marcar o ritmo do canto
através da impostação de sua voz: “acompanhando o ritmo / da minha voz...”.
Na vigésima segunda estrofe ao anunciar: “Eu ainda sou poeta / e canto
nas matas / a grandeza da fé ─ a Liberdade...”, o eu lírico, como já o fizera nos três
primeiros versos da vigésima estrofe, manifesta-se de forma contestatória ao tirânico
discurso do opressor que, no primeiro verso da vigésima primeira estrofe, pela
segunda vez, tenta justificar a crudelidade de suas ações perante o negro dizendo:
“─ É preciso salvar a fé”. Observamos que, neste caso, o opressor recorre ao
instrumento da evangelização com o objetivo de destruir, em nome da fé, os valores
espirituais e culturais, autênticos do negro, tornando-o vulnerável aos seus
desígnios. Todavia, a voz lírica retruca a argumentação do opressor ao declarar, no
terceiro verso da estrofe em tela, que canta: “a grandeza da fé ─ a Liberdade...”. A
declaração da voz poética desmonta o bem arquitetado plano do opressor, tendo em
vista que põe a liberdade como condição sine qua non a quaisquer pretensões de
“civilidade” e “religiosidade” pretendidas por ele. Os últimos cinco versos desta
estrofe são uma reiteração do que fora expresso, pela voz lírica nos últimos cinco da
vigésima estrofe.
Na vigésima terceira estrofe a voz poética promove o resgate de seus
valores espirituais e culturais autênticos quando traz, já no primeiro verso, uma
saudação típica dos cultos afro-brasileiros: “Saravá! Saravá!”. No segundo e terceiro
versos a voz lírica alude a mais um dos elementos de afirmação da negritude - o
canto - desta feita “(...) o canto / do livramento”, que, uma vez entoado, simboliza o
ideal de liberdade que emana do povo palmarino. No quarto e quinto versos ao
declarar: “já ninguém segura / os meus braços...”, percebemos que a voz poética faz
uso do rito, elemento específico de comunicação com o sobrenatural, que é
enriquecido, em sua execução, com acompanhamento de músicas, canto e danças,
sendo que o canto é o centro aglutinador do tema essencial do rito, numa
demonstração de fé no legado dos mananciais de religiosidade que permeiam a
cultura afro-brasileira. Nos versos finais da estrofe, a voz lírica se refere, de forma
implícita, ao Orixá Ogum, principalmente, nos versos que dizem de suas habilidades
71
como guerreiro, defensor dos oprimidos, forjador de instrumentos e agricultor, ao
revelar: “Agora sou poeta, / meus irmãos vêm ter comigo, / eu trabalho, / eu planto, /
eu construo, / meus irmãos vêm ter comigo...”. É, portanto, esta “a grandeza da fé” a
que se refere o eu lírico no terceiro verso da estrofe anterior, a liberdade de cultuar
seus Orixás sem ser por isso penalizado.
A vigésima quarta estrofe é um tributo à liberdade em suas múltiplas
acepções. Nela encontramos a liberdade religiosa que a voz poética tanto ambiciona
quando nos versos três e quatro diz: “e cantos místicos / sublimizam meu espírito!”,
ou ainda a liberdade dos desejos: “Minhas amadas dançam, / despertando o desejo
em meus irmãos, / somos todos libertos, / podemos amar!”, o que nos remete ao
Cântico do cânticos quando após o cortejo nupcial, um canto de amor do esposo
exalta o fascínio e esplendor do corpo feminino, expressão da beleza espiritual e
corporal, interior e física. O sujeito lírico sintetiza no último verso da estrofe o que
venha a ser a liberdade ao declarar: “nenhum homem explora outro homem...”.
Temos neste verso, as palavras serenas de um eu lírico que sente a desigualdade e
tenta mudar os rumos de um jogo quase sempre vencido pelo mais forte.
Na vigésima quinta estrofe, penúltima do poema, a voz poética alerta para
uma nova incursão do opressor dizendo: “E agora ouvimos um grito de guerra, / ao
longe divisamos / as tochas acesas,”. Esta constante preocupação do eu lírico com
as investidas do opressor justifica a saudação aos Orixás e, principalmente, a
entoação do “Canto do livramento” presentes nos versos iniciais da vigésima terceira
estrofe, quando o eu lírico assim se expressa: “Saravá! Saravá! Repete-se o canto /
do livramento,”. Em seguida a voz poética tece um comentário em tom irônico ao
declarar: “é a civilização sanguinária, / que se aproxima”. O tom, assumido pela voz
poética, nos remete à estrofe dezenove do poema, quando em seu primeiro verso o
opressor diz: “─ É preciso salvar a civilização.”, numa tentativa de silenciar a voz
negra que busca “a grandeza da civilização ─ a Liberdade!”, nem que seja
necessário encharcar os canaviais nordestinos com o sangue dos insurgentes que
clamam por vida em plenitude.
Nos dois primeiros versos da vigésima sexta estrofe, última do poema, ao
afirmar: “Mas não mataram / meu poema.”, o sujeito lírico mostra-se exultante
porque o opressor não conseguira, apesar de tantas atrocidades cometidas contra
seu povo, fazer silenciar seu “poema libertador”, assim denominado nos primeiros
versos da quinta e décima quinta estrofes, numa prova inconteste de que a semente
72
de liberdade lançada, pela voz poética, no solo da esperança da “nação” palmarina,
crescera, frutificara e se fortalecera irrigada pelo sangue de quantos tombaram em
sua defesa, conforme ressalta a voz poética nos versos: “Mais forte / que todas as
forças / é a Liberdade...”. Os versos seis, sete e oito falam da resistência negra ao
proclamarem “O opressor / não pôde fechar minha boca / nem maltratar meu corpo”,
reiterando assim o que desde o início do poema vem sendo demonstrado no tocante
ao insucesso das operações contra o negro desferidas.
Muito mais do que um canto, o poema “Canto dos Palmares” é um grito
poético, através do qual se percebe uma intenção artística impulsionada por um
espírito de denúncia, de valorização do ser negro, de exaltação de sua resistência. A
afirmação do eu lírico de que “minha musa / esclarece as consciências, / Zumbi foi
redimido...”, a nosso ver, ressalta a importância desse canto como instrumento de
redenção de um povo.
73
4.2 A PASSAGEM DO INTERIOR TENEBROSO AO POÉTICO NAVIO NEGREIRO Lá vem o navio negreiro Lá vem ele sobre o mar Lá vem o navio negreiro Vamos minha gente olhar... Lá vem o navio negreiro Por água brasiliana Lá vem o navio negreiro Trazendo carga humana... Lá vem o navio negreiro Cheio de melancolia Lá vem o navio negreiro Cheinho de poesia... Lá vem o navio negreiro Com carga de resistência Lá vem o navio negreiro Cheinho de inteligência...
(TRINDADE, 1961, p.44)
No poema “Navio Negreiro”, cujo título representa uma analepse da
fragmentada memória histórica da raça negra, Francisco Solano Trindade submerge
nas “águas do tempo” com a finalidade, precípua, de garimpar os fragmentos dessa
memória e refundir, com a bigorna da ancestralidade de sua gente, as fraturas
históricas que ocorreram na vida do negro africano desterrado, a partir do exato
instante do seu embarque nos tumbeiros, em travessia forçada, rumo ao Novo
Mundo.
Compõem o poema dezesseis versos heptassílabos, distribuídos,
equitativamente, em quatro estrofes, permeados de uma fanopeia que se faz
presente desde os primeiros versos da primeira estrofe. Quanto à natureza suas
rimas são consoantes. Já no que diz respeito à disposição se apresentam como
sendo entrecruzadas e obedecem ao esquema rímico ab, ab. A musicalidade do
poema deve-se, principalmente, às anáforas e repetições que o permeiam e
favorecem ao ritmo melodioso do canto e da declamação.
A tessitura do poema apresenta ainda predominância da função
expressiva, característica peculiar à poética de Solano Trindade que sempre alterna
entre o “eu” e o “nós”. O predomínio dos verbos que compõem a estrutura do
poema, no presente do indicativo, presentifica a narrativa fazendo emergir do
74
ostracismo a obliterada memória histórica da ancestralidade do eu lírico da
enunciação.
Diferentemente de “O Navio Negreiro”, o mais conhecido poema
abolicionista de Castro Alves que, como já assinalamos, em sua tessitura poética, à
maneira cinematográfica, se abre com uma tomada panorâmica: “STAMOS em
pleno mar...”, aproxima-se do alvo na terceira parte: “Mas que vejo eu ali... que
quadro de amarguras!” e, numa espécie de zoom, focaliza o navio na quarta parte, o
poema “Navio Negreiro” de Francisco Solano Trindade é uma narrativa in media res
e, por esse motivo, tem sua dramaticidade comprimida. Nele, o relato histórico é feito
a partir do trânsito de chegada do navio, o que fica evidente já no verso de abertura
da primeira estrofe, quando o eu lírico, em terra firme, o vislumbra e, sem aludir a
quaisquer episódios que antecederam à travessia, o anuncia: “Lá vem o navio
negreiro”. A falta de alusão aos fatos anteriores à travessia confirma a existência de
espaços vacantes na memória histórica do afro-brasileiro estigmatizado pelo
fantasma da escravidão. A visão, ainda que distante, do “Navio Negreiro” passará a
ser a temática principal da narrativa tendo em vista que o verso inicial do poema se
fará sempre presente, em forma de refrão, no primeiro e terceiro versos de todas as
estrofes, sendo responsável pela reverberação das vozes afro-descendentes que
permeiam cada um dos dezesseis versos do poema, imprimindo uma atmosfera
sonora e musical à narração.
No segundo verso da estrofe: “Lá vem ele sobre o mar”, o eu poético
visualiza o navio como que a deslizar sobre o curso da história da raça negra.
Porém, é no quarto verso da estrofe: “Vamos minha gente olhar...”, que a voz lírica
insere-se definitivamente no contexto da narrativa e, usando uma linguagem
persuasiva, conclama a gente negra a olhar aquele navio que também é seu, pois
traz, a bordo, a dor, o lamento e o banzo vivenciados pelos irmãos que povoam seus
porões e sofrem toda sorte de estereótipos, preconceitos e humilhações. O brado da
voz poética é uma prova clara e inequívoca de que a poesia negra é antes de tudo
“uma tomada de consciência. [...] esta poesia que parece de início racial é finalmente
um canto de todos e para todos” (Sartre, 1978, p. 92).
Na segunda estrofe, em seus dois primeiros versos, “Lá vem o navio
negreiro / Por água brasiliana”, a voz lírica traça a rota da escravidão, evidenciando
a mancha indelével que enodoa a história brasileira, decorrente do fato de a nação,
com a finalidade precípua de atender à cobiça senhorial, fomentar o degradante
75
comércio de seres humanos, conforme atesta o último verso da estrofe: “Trazendo
carga humana...”. A carga, pois, trazida pelo navio, não é uma carga qualquer, mas
sim uma carga de seres humanos, em nada inferiores aos demais, apesar de assim
serem considerados pelo branco opressor que os vê: “como mercadoria de baixo
preço” (Trindade, 1961, p. 42), O adjetivo “humana”, empregado para determinar a
carga, acentua a barbaridade do tráfico.
Segundo Sartre (1978, p. 95), “a consciência de raça centra-se sobretudo
na alma negra, ou melhor, [...] em certa qualidade comum aos pensamentos e
condutas dos negros, que se chama a negritude”. É buscando entender melhor a
alma, os pensamentos e a conduta dos antepassados para refundir a memória
histórica de sua gente que, nos primeiros versos da terceira estrofe, o eu lírico volta
ao porto e faz emergir um navio negreiro que flutua nas revoltas águas do passado
histórico, rememorando o infortúnio que vitimou sua ancestralidade: “Lá vem o navio
negreiro / Cheio de melancolia”.
Reiterando esse anseio de refundição, os últimos versos da estrofe, “Lá
vem o navio negreiro / Cheinho de poesia...”, rompem com as vozes poéticas
anteriores por descortinarem de modo inesperado um outro lado do navio negreiro –
o poético — obscurecido pelo lado tenebroso tão decantado por poetas como Castro
Alves. Essa imprevisibilidade além de ser um traço privilegiado pela estética
modernista, em termos ideológicos imprime um novo significado ao navio negreiro, o
qual é reiterado pelos segundo e quarto versos da última estrofe do poema.
No segundo verso, a ressignificação se efetiva pela referência à carga de
resistência, trazida pelo navio, imprimindo assim àquela carga humana, um valor
nunca destacado pelas vozes poéticas anteriores: o da resiliência da raça negra.
Já no quarto verso, essa ressignificação emerge da menção à capacidade
intelectiva do negro, advinda do sintagma “Cheinho de inteligência...” Ao fazer essa
observação, o eu poético promove a desmistificação da imagem do negro como ser
apenas fisicamente forte, o que se constituíra em mais um dos inúmeros
estereótipos a ele atribuídos.
Percebemos assim que, em decorrência da consciência de pertença do
eu poético, o poema “Navio Negreiro”, de Solano Trindade, se diferencia dos
poemas anteriores que versam sobre o assunto, por divisar no tenebroso universo
interior do navio negreiro, os valores desse povo tão vilipendiado, ressaltando-lhe a
firmeza, a resistência e, sobretudo, a inteligência, trazendo à tona um outro olhar
76
sobre a obliterada história da raça negra. O negro agora se faz notar pela resistência
à assimilação e, principalmente, pela inteligência.
Vale a pena ressaltar que o serpentear melódico do poema é ritmado não
só pelo verso-refrão, mas também pelas constantes inflexões de natureza emocional
do eu poético, marcadas através do uso das reticências que se nos apresentam,
sempre no último verso de cada estrofe, em forma de espiral, ora assinalando o tom
de melancolia sofrida pelo eu lírico e as vozes afro-descendentes por ele
representadas, como o fizera no último verso da primeira estrofe: “Vamos minha
gente olhar...”, ora desnudando o interior do “Navio Negreiro” que vem “Trazendo
carga humana...”, mas que acima de tudo, vem: “Cheinho de poesia...” e,
incontestavelmente, “Cheinho de inteligência...”.
77
4.3 O DESCORTINAR DO PRECONCEITO CONTRA O NEGRO
CIVILIZAÇÃO BRANCA LINCHARAM um homem entre os arranha-céus (li num jornal) procurei o crime do homem o crime não estava no homem estava na cor de sua epiderme... (TRINDADE, 1961, p. 37)
O poema “Civilização Branca” apresenta, a partir do título, uma prolepse
da violência do branco opressor contra o negro desterrado, vítima da exploração da
força de trabalho e de toda sorte de estereótipos e preconceitos.
A tessitura do poema apresenta-se estruturada em primeira pessoa. O
poema é composto de seis versos assimétricos, distribuídos em apenas uma estrofe,
que representam a espontaneidade da elocução forjada numa linguagem que
valoriza a oralidade e o vocabulário simples, característico do fazer poético de
Solano Trindade. Sua estrutura verbal, apesar de estar no pretérito perfeito e
imperfeito, atualiza a questão do preconceito velado que a sociedade asfáltica nutre
com relação ao afro-brasileiro.
A indeterminação contida no primeiro verso do poema denuncia o
descaso da sociedade “castiça” para com aqueles que não cerram fileira em defesa
de seus sórdidos interesses. Na denúncia do sujeito lírico: “LINCHARAM um
homem”, percebemos que todo o sintagma é indeterminado, o que referenda o
descaso da sociedade em relação ao ocorrido, pois não há como determinar quem
executou a ação verbal, tampouco precisar quem a sofreu, tendo em vista que o
artigo indefinido um, cuja capacidade estilística está na imprecisão que transmite às
representações, não permite esclarecer quem fora a pessoa vitimada. A
indeterminação do primeiro verso é extensiva ao segundo, desta feita a preposição
entre, normalmente usada como instrumento de ligação das partes do discurso,
passa a não precisar onde acontecera o assassínio, embora, determine o contexto
social da ocorrência: “entre os arranha-céus”, espaço, normalmente, ocupado pela
“civilização branca”, no qual o negro ainda hoje não é de todo incluído, por questões
econômicas, sociais e raciais. O terceiro verso do poema traz reiterada a
indeterminação observada nos primeiros versos, tendo em vista que o eu lírico
quando afirma: “(li num jornal)”, também não precisa, com maiores detalhes, até pela
78
limitação dos parênteses, a fonte que veiculara a notícia, reforçando a idéia de
banalização de um fato que se tornara corriqueiro no cotidiano dos grandes centros.
Prova disso é que a voz poética tomara conhecimento do fato através de um jornal,
cujo nome sequer é ventilado, como também não se declina o nome do homem,
negando-lhe a identidade, princípio basilar da negritude.
O poema muda de tom quando a partir do quarto verso o sujeito lírico
assume a investigação do crime que o homem cometera, para merecer tamanha
punição: “Procurei o crime do homem”, e, por incrível que pareça, não encontra nada
que desabone a conduta da vítima.
As perquirições do eu lírico têm seu desenlace nos últimos versos do
poema, quando este conclui que: “O crime não estava no homem / estava na cor de
sua epiderme...”. Nesses versos se concentra toda a carga semântica do poema,
deixando claro quão preconceituosa é a “Civilização Branca”. Como podemos
observar através das perquirições do sujeito lírico, o poema “CIVILIZAÇÃO
BRANCA” traz à tona uma dessas situações de linchamento que continuam a
acontecer, contra o homem de cor ─ entenda-se negro ─ sem que os culpados
sejam devidamente punidos, mesmo porque:
No Brasil, o preconceito contra o negro existe, mas é sempre negado, porque a maioria das pessoas é preconceituosa, mas não admite claramente. [...] reconhece-se a existência do racismo contra os negros, mas a população não se aceita discriminadora, porque acredita que racistas são outros, os americanos e os brancos da África do Sul. Essa incapacidade de nos ver como realmente somos reforça um tipo de racismo camuflado. (Maria Nazareth Fonseca, 2000, p. 98-99).
79
4.4 A RE-HUMANIZAÇÃO DO NEGRO
QUEM TÁ GEMENDO? Quem tá gemendo Negro ou carro de Boi? Carro de Boi geme quando quer Negro não Negro geme porque apanha Apanha pra não gemer Gemido de negro é cantiga Gemido de negro é poema Geme na minhalma A alma do congo Do Níger da Guiné De tôda a África enfim A alma da América A alma Universal Quem tá gemendo Negro ou carro de Boi? (TRINDADE, 1961. p. 36)
O poema nos chama a atenção por apresentar um título em forma
interrogativa, a qual se repete no primeiro e último versos, acrescida de uma
alternativa, e por representar, ao mesmo tempo, uma prolepse da violência do
branco opressor, contra o negro desterrado e estigmatizado pela escravidão.
A tessitura poética do texto apresenta-se estruturada em primeira pessoa.
O poema é composto de dezesseis versos livres, distribuídos em cinco estrofes, que
traduzem o sentimento de dor e lamento do negro que passara pelo processo de
desterritorialização e que vem, desde os tempos dos tumbeiros, sofrendo o
apagamento cultural imposto pela classe senhorial que o vê como apenas afeito aos
trabalhos braçais. Sua estrutura verbal, no presente do indicativo, presentifica o
angustioso lamento, que permeia o poema do primeiro ao último verso.
A alternativa contida no segundo verso do poema, invisibiliza a condição
humana do negro, na medida em que o aproxima não só de um “carro de boi”, mera
ferramenta de trabalho, o que implica uma reificação do ser negro, como do próprio
animal, o que resulta na sua animalização. Observa-se que os vocábulos “negro” e
“boi” aparecem sempre no poema grafados com maiúsculas, o que os coloca
80
estilisticamente em um mesmo plano de importância, acarretando com isso a
animalização do homem e a humanização do carro de boi.
Divergindo da primeira, a segunda estrofe, já a partir do verso inicial
introduz a diferença. Neste verso, fica claro que há uma certa comodidade da
ferramenta de trabalho em relação ao negro, pois segundo o sujeito lírico: “Carro de
Boi geme quando quer”. Nos terceiro e quarto versos, o verbo gemer faz alusão ao
negro que, diferentemente do “Carro de Boi”, “(...) geme porque apanha / apanha pra
não gemer”.
É porém, no verso: “Negro não”, segundo da estrofe em tela e o mais
curto do poema, que recai a maior carga semântica, tendo em vista que é neste
onde o sujeito da enunciação sintetiza toda a estigmatização, invisibilidade, dor e
lamento do negro, decorrentes das agressões a que é submetido. Um exemplo
marcante dessa violência está nas intermináveis sessões de tortura aplicadas ao
negro através da pauleira:
A pauleira começava tão logo o africano era capturado ou comprado ao soba.[...] Ele apanhava durante a comprida viagem até o litoral. Apanhava no depósito mantido pelos agentes (pombeiros ou tangomaos, assim se chamavam). Apanhava no convés dos navios, durante a travessia do Atlântico (cerca de três meses). Apanhava no mercado, à espera dos fazendeiros compradores. E seguia apanhando durante toda a sua existência de escravo (Santos, 1985, p. 8 - 9).
No dístico que forma a terceira estrofe, verifica-se que houve a
ressignificação da ação de gemer, uma vez que o gemido do negro não é mais um
som indistinguível, confundível com o do boi ou do carro de boi. Entretanto, apesar
dos maus-tratos sofridos, o negro mostra-se resiliente não permitindo o sufocamento
dos ideais da Negritude que emanam do tilintar dos grilhões que aprisionam o seu
corpo, mas não conseguem deter a marcha inexorável da conscientização da
pertença,tampouco calar o brado de um povo que se irmana a outros na construção
de uma identidade própria, pois conforme afirma o sujeito lírico: “Gemido de negro é
cantiga / gemido de negro é poema”. Cantiga e poema são veículos que,
indubitavelmente, inspiram os ideais de resistência, de solidariedade e de irmandade
racial entre os povos, na busca consciente do respeito à alteridade, elemento básico
à eclosão de uma cultura rizomática. E como expressão artística do homem, essas
81
formas restabelecem de modo inegável a humanidade do negro, antes visto só sob o
prisma da animalização e da reificação.
Na quarta estrofe, o verbo gemer volta a ser mencionado pelo sujeito
lírico, agora numa dimensão bem mais ampla, para reafirmação da pertença, por
extrapolar o nível do nacional e remeter para o supranacional evidenciando a
identificação desse sujeito com os negros de todo o mundo, pois geme, em sua
alma, “A alma do Congo / Do Níger da Guiné / De toda a África enfim / A alma da
América / A alma Universal”. É a consciência do sujeito poético de que a condição
sine qua non para evidenciar sua luta na busca do respeito à alteridade e,
consequentemente, à hibridação cultural é fazer reverberar o gemido do negro,
cantando a saga de seu povo, pois é sabedor de que uma vez silenciado o seu
cantar, sua cultura, memória e afeto pela pertença, fatalmente, estará fadado ao
esquecimento e esvaziamento espiritual num curto espaço de tempo. Consiste
nesse fato o motivo de a voz lírica conclamar a união de todos os povos para resistir
ao limbo de exílios e de preconceitos, forjados pela hipocrisia dos discursos
pseudojustificativos que há muito vêm alimentando e recriando formas de ocultação
e aprisionamento psicológico e social contra o negro.
A última estrofe do poema, apesar de estruturalmente ser igual à primeira,
semanticamente, em decorrência do que foi mostrado nas estrofes anteriores,
desfaz qualquer dúvida sobre o agente do gemido: o negro e não o carro de boi.
Aqui os gemidos são de um povo que sempre vivera à margem da cidadania
sofrendo toda sorte de negação e busca irmanado, como fora anteriormente citado,
reverberar os gemidos de uma raça para não deixar cair no ostracismo o sonho de
uma identidade própria. A propósito Brookshaw (1983, p. 184) afirma:
Quem tá gemendo?, um dos mais famosos poemas de Trindade [...], resume esta mensagem de irmandade universal de forma afirmativa sem, entretanto, deixar de lado as qualidades tradicionais de humor e pathos que tanto fazem parte da poesia afro-brasileira.
82
4.5. A CONSCIÊNCIA DA PERTENÇA
SOU NEGRO Sou Negro meus avós foram queimados pelo sol da África minh`alma recebeu o batismo dos tambores atabaques, gonguês e agogôs Contaram-me que meus avós vieram de Loanda como mercadoria de baixo preço plantaram cana pro senhor do engenho novo e fundaram o primeiro Maracatu. Depois meu avô brigou como um danado nas terras de Zumbi Era valente como quê Na capoeira ou na faca escreveu não leu o pau comeu Não foi um pai João humilde e manso Mesmo vovó não foi de brincadeira Na guerra dos Malés ela se destacou Na minh´alma ficou o samba o batuque o bamboleio e o desejo de libertação... (TRINDADE, 1961, p. 42)
O poema, a partir do título remete a uma narrativa de viés autobiográfico
sem entretanto perder de vista a memória coletiva, norteada fortemente pela
consciência da pertença. Nele, o sujeito lírico submerge nas nascentes de sua
ancestralidade para fazer uma simbiose da tradição oral com a escrita, seguindo o
curso histórico de seus avós e, finalmente, retorna ao tema inicial da transfusão
psíquica da África à alma do negro brasileiro.
O poema apresenta-se estruturado em primeira pessoa. É composto de
vinte e sete versos assimétricos, distribuídos em cinco estrofes, cuja estrutura
verbal, fixada no pretérito, reforça o tom memorialista que o permeia, permitindo ao
eu lírico da enunciação traçar um perfil do afro-brasileiro para afirmar sua posição de
negro, conforme se observa em seu verso de abertura quando o sujeito poético traz
83
reiterada a consciência da pertença, a qual já se fizera presente no título do poema
― “Sou Negro”.
Nos segundo e terceiro versos, o sujeito lírico evoca sua ancestralidade,
nas pessoas de seus avós, acentuando a origem africana, apresentando-se, pois
como um afro-descendente.
Nos versos finais da estrofe, o eu lírico da enunciação ritualiza a memória
histórica e a identidade cultural de seus ancestrais, bem como de todo o povo
africano, reafirmando os seus valores culturais ao fazer referência a aspectos da
religiosidade e da musicalidade próprios desse universo: “minh’alma recebeu o
batismo dos tambores / atabaques, gonguês e agogôs”.
Na segunda estrofe, tem-se mapeada a geografia da escravidão, através
das referências à origem dos antecedentes do eu lírico, como forma de melhor
precisar, por meio do enfoque de um dado particular, a origem de seus ancestrais,
fato que acontece nos dois primeiros versos da estrofe: “Contaram-me que meus
avós / Vieram de Loanda”. No terceiro verso, o eu poético enfatiza o perverso
processo de reificação pelo qual passara todo africano desterritorializado e portador
do estigma da escravidão que, como seus avós, fora considerado: “Como
mercadoria de baixo preço”. O quarto verso expressa a condição que o negro ocupa
ao fazer a emigração forçada e passar a ser visto apenas como corpo laboral:
“plantaram cana pro senhor do engenho novo”. Porém, o último verso da estrofe é
representativo da resiliência do negro desterrado que, apesar dos maus-tratos
sofridos, também trabalha com afinco na preservação do seu cabedal cultural em
detrimento à assimilação dos ideais de seu algoz: “e fundaram o primeiro Maracatu”.
Há nas duas estrofes seguintes uma mudança de perfil histórico, na qual
a bravura e destreza da ancestralidade do sujeito lírico recebem maior enfoque, o
que se evidencia quando ao referir-se a seus avós, o eu poético, para além de
relatar seus feitos, o faz valendo-se de expressões populares, como: “escreveu não
leu / o pau comeu” e de fatos históricos como a Guerra dos Malês. Tem-se assim um
avô que se contrapõe àquele decantado no mito do “Pai João” americanizado, tão
presente nos poemas de Jorge de Lima. Diferente deste, protótipo do negro serviçal
que acatara de forma pacata o apagamento cultural, o avô mencionado no poema é
representado como símbolo da resistência negra à assimilação cultural imposta
pelos segmentos da sociedade escravocrata da época. O mesmo se pode dizer da
avó, cujo caráter guerreiro evidenciado nos últimos versos da quarta estrofe: “Na
84
guerra dos malés / ela se destacou”, contrapõe o modelo da Mãe Negra, decantada
pelo seu servilismo.
O legado recebido dos ancestrais africanos permanece na memória do
sujeito lírico, conforme o demonstram os últimos versos do poema, em que se
percebe a retomada da musicalidade, tanto em termos conteudísticos, pela
nomeação de manifestações da música e da dança, como em termos formais, pela
sonoridade advinda das aliterações, numa perfeita homologação entre o dizer e o
fazer, acentuando com esse procedimento ainda mais a questão da resiliência negra
que tanto marca a poesia de Solano Trindade.
85
5. CONCLUSÃO
Ao nos debruçarmos na análise da obra de Solano Trindade percebemos
que sua poética é o resultado de uma decantada experiência de tradição e ruptura
que a modernidade literária instaura. Em termos ideológicos e estéticos, ela reflete
também a adesão do poeta às propostas da negritude no que diz respeito à
resistência ao processo de negação do povo negro, advindo sobretudo da
desterritorialização, animalização e reificação, a que era submetido em sua
experiência diária, na construção de uma identidade própria, marcada pela
afirmação do ser negro.
Como vimos, só a partir da segunda metade do século XIX, após uma
dupla transposição no espaço e no tempo, o negro vem ocupando o lugar que lhe é
devido no cenário literário nacional, tornando-se assunto poético e passando a
despertar o interesse de poetas, dramaturgos e romancistas que motivados pelas
discussões acaloradas de todos os segmentos da sociedade a respeito do
abolicionismo, ocupam-se, com mais frequência em tornar visível a figura do negro,
embora ainda sob o estigma da escravidão e de toda a carga preconceituosa que
dela advém.
É através da voz poética de Luiz Gama, defensor da causa abolicionista,
que a figura do negro aparece, no cenário literário brasileiro, contrariando a ideia
vigente de inferioridade, não mais como simples coadjuvante em cena, mas como
protagonista da história de um povo. Ainda que sob outro ponto de vista, não se
pode negar a importância da poesia abolicionista de Castro Alves, por meio da qual
o negro também assoma à literatura brasileira.
Poetas como Lúcio de Mendonça, Raimundo Correia e principalmente
Cruz e Souza abordaram, em suas obras poéticas, a causa negra, no entanto sem
causar grande ressonância no que concerne à visibilidade da figura do negro no final
do século XIX. Todavia, é em pleno período modernista que surge Lino Guedes “o
primeiro poeta negro do Brasil a experimentar e expressar conscientemente a alma
de seu povo” (Brookshaw, 1983, p. 177). Através de uma poesia forjada numa
linguagem, bem ao gosto da estética em vigor, o referido poeta volta a inserir no
cenário da moderna Literatura Brasileira a figura do negro, que ficara no ostracismo,
durante quase três décadas, desde a morte de Cruz e Souza em 1898 até a
aparição, para o mundo das letras, do próprio Lino Guedes em 1926.
86
É, porém, Francisco Solano Trindade, poeta contemporâneo de Lino
Guedes, quem melhor traduz o espírito da Negritude brasileira das décadas de
40/50 do século XX.
Solano Trindade atravessa o rio da memória histórica do afro-brasileiro,
cujas águas, ora mansas, ora tumultuosas, o levam a criar uma poética de rara
intensidade dramática, de força e intrepidez que, além de colocar o negro como
assunto poético no Modernismo Brasileiro, revela o desejo de reterritorialização do
afro-brasileiro o que, indubitavelmente o torna, um dos mais dignos representantes
da resistência negra brasileira.
Homem do seu tempo, consciente de seu pertencimento à raça negra,
Solano Trindade assumiu a responsabilidade social de lutar pela cidadania, pela
igualdade e pelo respeito e reconhecimento da nação, no que concerne ao trabalho
e, principalmente, ao legado cultural de seus ancestrais, pedras fundamentais para
edificá-la desde a colônia ao Império e deste à República.
De alma buliçosa Solano Trindade não mediu esforços para combater as
teorias racistas e a exploração do homem pelo homem, como comprovam, dentre
outras realizações suas, a fundação da Frente Negra Pernambucana e o Centro de
Cultura Afro-Brasileira, cuja finalidade era divulgar os intelectuais e artistas negros.
No que diz respeito à sua obra, depreende-se que, por ser estruturada
numa linguagem simples, combatente e carregada de emoção, confunde-se com sua
própria existência, uma vez que o humanismo e a preocupação social nela presentes
são traços predominantes da personalidade do autor, que o poeta transfere para o
seu fazer poético.
A poesia de Solano Trindade além das reivindicações de raça é marcada
pelas reivindicações de classe, fruto do seu engajamento ao marxismo, que o
impulsiona a fazer uma poesia de protesto contra as injustiças sociais, provocadas,
principalmente, pelo sistema capitalista, um dos responsáveis pela não ascensão
social do afro-brasileiro.
Para Solano Trindade, até o velho e sujo trem da Estrada de Ferro
Leopoldina não se cansava de protestar e na onomatopeia do seu cansado ritmo
denunciava: “tem gente com fome / tem gente com fome / tem gente com fome.”
(Trindade, 1961, p. 65).
Só um ouvido de artista perceberia o grito revoltado de fome da
locomotiva, mas só um artista revolucionário saberia transformar aquele grito em
87
poesia e luta, antes mesmo de o freio autoritário da “máquina” o fazer silenciar ─
“Psiuuuuuuuuu”. (Trindade, 1961, p. 66).
Apesar da relevância da produção literária de Solano Trindade no
contexto sociopolítico e econômico do Modernismo Brasileiro, não houve, por parte
da crítica especializada, um estudo mais acurado sobre sua obra. A falta dessa base
teórica, imprescindível ao conhecimento literário, aliada à necessidade premente, da
própria crítica, de classificar, ordenar, rotular autor e obra, legaram ao poeta lugar
aquém e insuficiente para si e sua obra.
Dentre os poucos críticos que se aperceberam da grandiosidade da obra
do poeta em tela e contribuíram para sua reduzida fortuna crítica, destacam-se
nomes como do poeta e jornalista Carlos de Freitas, David Brookshaw, Oswaldo de
Camargo, Benedita Gouveia Damasceno, Roger Bastide, Carlos Drummond de
Andrade e Zilá Bernd.
A análise que empreendemos dos poemas de Solano Trindade, só
reitereram para nós essa grandiosidade. São poemas que nos falam da fraturada
memória histórica do negro, procedendo ao resgate dessa memória, na busca
incansável da reconstrução da identidade cultural e da emancipação social da
coletividade negra, à procura do respeito à alteridade que lhe fora negada, desde os
primórdios da formação do povo brasileiro; poemas que retomando temáticas
anteriormente exploradas, a exemplo do Navio negreiro, decantado por poetas como
Castro Alves, se apresentam sob outro olhar, carregado de humanização, permitindo
divisar no tenebroso universo interior do navio negreiro, os valores do povo negro,
ressaltando-lhe a firmeza, a resistência e, sobretudo, a inteligência, ressignificando
desse modo a obliterada história da raça negra; poemas questionadores do
preconceito, da discriminação, da injustiça, da animalização, da coisificação a que é
submetido o negro, na busca incessante da reafirmação de sua pertença, seja no
âmbito nacional, seja no supranacional, na medida em que foca também a situação
dos negros espalhados pelo mundo; poemas empenhados no resgate da
ancestralidade negra, na revisão da história negra, no seu redimensionamento,
através da exaltação de figuras exemplares, por meio da simbiose da tradição oral
com a escrita; poemas que falam da diáspora, responsável pelo sentimento de
fragmentação do Ser Negro, do sentido de pertencimento ou não pertencimento à
determinada raça e lugar, suscitando uma crise identitária na vida do afro-brasileiro.
Fato que leva Francisco Solano Trindade, um dos mais inquietos literatos do seu
88
tempo, a pautar sua obra em um humanismo universal, através do qual, seguindo os
princípios do movimento da Negritude, vislumbra o fortalecimento da solidariedade
negra, no desejo de fazer com que o negro se autorreconheça como negro,
desvelando o orgulho de sê-lo, o que o levará a descobrir os movimentos interiores
que determinam o Ser em relação a si mesmo e ao Cosmos, remetendo-o à máxima
grega estampada no pórtico do templo de Apolo: “Conhece-te a ti mesmo”.
Observa-se, portanto, que sem concessões ao pitoresco, a força da
poética de Francisco Solano Trindade está no tema e, sobretudo, na maneira de
tratá-lo, lançando mão de uma simplicidade de linguagem, explorando um
vocabulário afro-brasileiro, apropriando-se da musicalidade negra, imprimindo aos
seus poemas um ritmo, uma sonoridade, uma semântica condizente com as
propostas negritudinistas de revalorização das raízes culturais africanas.
Desse modo, corroboramos a percepção de Solano Trindade como um
literato universalista que produz seus questionamentos a partir das problemáticas
aparentemente regionais ou nacionais, revelando os “segredos” da própria
existência do afro-brasileiro e sua obliterada memória histórica.
Imbuído do desejo de que nossa leitura provoque um interesse cada vez
maior pela obra do poeta, concluímos este trabalho, com o qual, mesmo consciente
de suas limitações, esperamos ter contribuído para a ampliação da sua fortuna
crítica.
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