UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE
CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
MESTRADO ACADÊMICO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA - PROPGEO
JUNIA DE CÁSSIA FERREIRA FIRMEZA
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA PAISAGEM SERRANA DE
MARANGUAPE - CE
FORTALEZA – CE
2015
1
JUNIA DE CÁSSIA FERREIRA FIRMEZA
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA PAISAGEM SERRANA DE MARANGUAPE - CE
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado,
do Programa de Pós-Graduação em Geografia
– PROPGEO, do Centro de Ciências e
Tecnologia da Universidade Estadual do
Ceará, como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Geografia.
Prof. Orientador: Dr. Otávio José Lemos
Costa.
FORTALEZA – CE
2015
2
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Estadual do Ceará
Sistema de Bibliotecas
Z
Firmeza, Junia de Cássia Ferreira.
Representações sociais da paisagem serrana de Maranguape
– CE [recurso eletrônico] / Junia de Cássia Ferreira
Firmeza. – 2015.
1 CD-ROM: il.; 4 ¾ pol.
CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho
acadêmico com 109 folhas, acondicionado em caixa de DVD
Slim (19 x 14 cm x 7 mm).
Dissertação (mestrado acadêmico) – Universidade Estadual
do Ceará, Centro de Ciências e Tecnologia, Programa de Pós-
Graduação em Geografia, Fortaleza, 2015.
Área de concentração: Análise Geoambiental e Ordenamento
de Territórios de Regiões Semi-áridas e Litorâneas.
Orientação: Prof. Dr. Otávio José Lemos Costa.
1. Representações sociais. 2. Fenomenologia. 3.
Percepção. 4. Paisagem. 5. Lugar. I. Título.
3
4
AGRADECIMENTOS
A Deus pelo dom da inteligência e da palavra e pela possibilidade de alcançar esta titulação.
Aos meus pais, Fernando da Penha (in memoriam) e Maria Cândido, pela presença constante
e apoio incondicional.
Ao meu esposo Airton Firmeza por me apresentar à Maranguape.
Ao professor Dr. Otávio José Lemos Costa pela disposição, paciência e ajuda intelectual ao
me orientar neste percurso.
Ao professor Dr. Edson Vicente da Silva, pela presteza de aceitar o convite para compor a
banca examinadora.
As professoras Dra. Cláudia Maria Magalhães Grangeiro e Dra. Tereza Maria de Jesus Ponte
Carvalho, pela amizade, incentivo e importantes contribuições acadêmicas.
A professora Denise Bomtempo pelo apoio nos momentos iniciais de grandes incertezas
acadêmicas para composição desta dissertação.
Aos inestimáveis professores Dr. Francisco José da Silva pelo incentivo nesta caminhada
acadêmica e Dr. Raimundo Santiago dos Santos pelas sábias palavras.
Aos meus queridos companheiros de turma: Adriana, Débora, Evelise, Francisco Leandro,
Graziele, Leandro Cavalcante, Luciano, Jáder Ribeiro, Rafael, Rafaela, Washington e Sahra.
Ao corpo docente e técnico-administrativo do Mestrado Acadêmico em Geografia, em
particular às secretárias Adriana e Júlia.
As pessoas que gentilmente participaram desta pesquisa.
Enfim, agradeço a todos que contribuíram direta e indiretamente para este trabalho
dissertativo.
5
Dedico este trabalho aos meus pais, Fernando
(in memoriam) e Maria, pelo eterno e sincero
apoio, zelo e amor no decorrer da minha vida.
Às minhas filhas, Jordanya e Jocasya, e ao
meu neto João Victor, como contribuição para
um futuro melhor em que a intelectualidade
não sobrepuje o amor e o respeito ao homem e
à natureza.
6
Tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por
ciência, eu o sei a partir de uma visão minha
ou de uma experiência do mundo sem a qual
os símbolos da ciência não poderiam dizer
nada [...] Retornar às coisas mesmas é
retornar a este mundo anterior ao
conhecimento do qual o conhecimento sempre
fala. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 3).
7
RESUMO
A Geografia é uma ciência que se preocupa em estudar a organização e a reorganização do
espaço pelo homem recorrendo a informações que sintetizem leituras das paisagens e seus
movimentos. A paisagem por sua vez, apresenta-se como resultado de um movimento
temporal e espacial que vai construindo uma combinação dinâmica de elementos da natureza
e da sociedade nos quais vão se transformando ao longo de um processo histórico. Nessa
perspectiva, o objetivo geral desta pesquisa foi compreender o fenômeno das representações
sociais inseridas no contexto da paisagem serrana de Maranguape (CE). Os objetivos
específicos foram: caracterizar a paisagem serrana de Maranguape em seus aspectos
socioambientais e inserir a problematização das representações sociais no processo
investigativo em que se formularam as bases naturais e sociais da paisagem em estudo.
Analisar os conceitos do senso comum através das representações sociais da paisagem
possibilita pensar o espaço geográfico com a aproximação dos conhecimentos elaborados
pelas experiências e vivências da realidade local. Estabelecer relações entre sociedade e
paisagem é entender que esta interação constrói o espaço vivido. O método empregado na
pesquisa foi o fenomenológico-hermenêutico, pois possibilita a experiência íntima do sujeito
com o objeto de estudo. Para obtenção de dados utilizou-se além da pesquisa bibliográfica, a
técnica verbal, baseada em entrevistas abertas com roteiro mínimo. Na avaliação dos
resultados foi observado o conteúdo das entrevistas e o comportamento do entrevistado
considerando os momentos em que expressaram as emoções, que não puderam ser captadas
nas palavras. A análise do discurso possibilitou o entendimento do sentido que os moradores
locais deixam explícito nas falas numa aproximação de como se constrói ou se reconstrói a
paisagem do lugar, interpretada pelas palavras que expõem também, as contradições e
conflitos dessa realidade. Os resultados da pesquisa possibilitaram a compreensão da
construção das práticas cotidianas nas representações sociais da paisagem. Pôde-se concluir
que, as diferenças afetivas dos indivíduos com o lugar provocam uma diferenciação quanto ao
uso que se faz da serra, que tem íntima relação com as formas de uso e ocupação do solo. Para
aqueles moradores antigos a paisagem serrana é um complemento de suas vidas, é a sua
própria casa, pois os remete a lembranças de momentos felizes da infância e da juventude.
Esse sentimento é semelhante aos das crianças que veem à serra como um quintal, com
brincadeiras e frutas abundantes. Para entrevistados jovens e adultos a paisagem serrana de
Maranguape os esconde da vida, pois não lhes dá outra perspectiva que não seja a agricultura,
segundo estes a paisagem natural não serve se não for bem aproveitada com outras formas de
8
renda para os residentes locais. Estes aspectos permitem observar como a paisagem pode ter
significados e interesses diversos que merecem atenção especial para implantação de políticas
públicas conciliadas à proteção ambiental que atendam as perspectivas dos indivíduos ali
residentes.
Palavras chave: Representações sociais. Fenomenologia. Percepção. Paisagem. Lugar.
9
ABSTRACT
The Geography is a science that is concerned to study the organization and reorganization of
space by man using information to summarize readings of landscapes and their movements.
The landscape in turn, is presented as a result of temporal and spatial movement that builds a
dynamic combination of elements of nature and of society in which are transformed over a
historical process. From this perspective, the objective of this research was to understand the
phenomenon of social representations within the context of the mountainous landscape of
Maranguape (CE). The specific objectives were: to characterize the mountainous landscape of
Maranguape in its social and environmental aspects and insert the questioning of social
representations in the investigative process in which formulated the natural and social bases of
the landscape under study. Observing, understanding and analyzing the concepts of common
sense through the social representations of the landscape allows thinking the geographical
space with the approach of the knowledge produced by the experiments and experiences of
the local reality. Establishing relations between society and landscape is to understand that
this interaction builds living space. The method used in the study was the phenomenological-
hermeneutic because it enables the intimate experience of the subject to the object of study.
For data collection was used in addition to literature, verbal technique, based on open
interviews with minimum script. In assessing the results noted the contents of the interviews
and the respondent's behavior considering the times that expressed the emotions that could not
be captured in words. A discourse analysis allowed the understanding of the direction that the
locals leave explicit in speeches in approaching how to build or rebuild the landscape of the
place, interpreted by the words that expose too, the contradictions and conflicts that reality.
The survey results enabled the apprehension of the meaning of words as the understanding of
the construction of their daily practices in the social representations of the landscape. It could
be concluded that the emotional differences of individuals with the place cause a
differentiation as to the use made of the mountain, which has a close relationship with forms
of land use and occupation. For those who own vacation homes the natural landscape is a
magnet for leisure and idleness. As for former residents of the mountain landscape is a
complement of their lives, it's your own home, because refers to memories of happy times of
childhood and youth. This feeling is similar to children who come to saw as an amusement
park only with jokes and abundant fruit. for adults interviewed the mountainous landscape of
Maranguape small mountain hide from life, is that it gives them another perspective other
than agriculture, according to this point, the natural landscape is of no use if it is not
propperly good in use with other forms of income for local residents. These aspects allow us
to observe how the landscape can have different meanings and interests that deserve special
attention to implementation of public policies reconciled with environmental protection that
meet the perspectives of individuals living there.
keywords: Social representations. Phenomenology. Perception. Landscape. Place.
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Foto 1 - Vista panorâmica da Serra de Maranguape ........................................................... 30
Foto 2 - Foto de casa de veraneio no alto da serra .............................................................. 75
Foto 3 - Guabiraba ............................................................................................................ 78
Foto 4 - Conversa embaixo de uma árvore na Estrada do Pirapora. .................................... 78
Foto 5 - A Comunidade dos Marianos ............................................................................... 79
Foto 6 - Lixo que se mistura com a água do rio no Salto dos Peixes .................................. 80
Foto 7 - Entrada da comunidade Salto dos Peixes .............................................................. 81
Foto 8 - No Salto dos Peixes presença de encanação clandestina despejando água servida
no rio ................................................................................................................... 82
Foto 9 - Rua da comunidade do Salto dos Peixes .............................................................. 83
Foto 10 - Sr. Luiz orgulhoso do lugar em que vive ............................................................ 84
Foto 11 - Bananeiras plantadas em meio à vegetação nativa da serra ................................. 85
Foto 12 - Laura em meio às fruteiras que plantou .............................................................. 86
Foto 13 - Laura e seu avô cuidando da pequena lavoura .................................................... 87
Foto 14 - Crianças brincando no rio Pirapora .................................................................... 88
Foto 15 - Pousada de propriedade da Sra. “Ana” ............................................................... 89
Foto 16 - Vista lateral da pousada a 400 m de altitude na Serra de Maranguape. Estrada
do Gavião......................................................................................................... 90
Foto 17 - Maranguape vista da Pousada na Estrada do Gavião........................................... 91
Foto 18 - Visão panorâmica do pátio interno da Pousada ................................................... 91
Foto 19 - Estrada do Pirapora. Local de devoção aos orixás .............................................. 92
Foto 20 - Carla e sua criança em meio à vegetação que circunda sua casa ......................... 93
Mapa 1 – Mapa de localização de Maranguape – CE ......................................................... 24
Mapa 2 – Mapa político de Maranguape – CE ................................................................... 25
Quadro 1 – Categorias principais encontradas nas entrevistas ............................................ 96
Quadro 2 - Subcategorias encontradas da paisagem serrana de Maranguape ...................... 96
11
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 12
2. CONTEXTUALIZAÇÃO SOCIOESPACIAL DE MARANGUAPE ....................... 24
2.1 MARANGUAPE: COMPREENDENDO A HISTÓRIA DO LUGAR ......................... 26
2.2 PADRÃO FISIOGRÁFICO DA PAISAGEM SERRANA DE MARANGUAPE ........ 29
3. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: UMA ABORDAGEM CONCEITUAL ............... 40
3.1. CONCEITO DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ...................................................... 40
3.2. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E A GEOGRAFIA .................................................. 55
4. DISCUTINDO PAISAGEM, PERCEPÇÃO E LUGAR ............................................... 60
4.1. PAISAGEM ENQUANTO CONCRETUDE DO ESPAÇO ........................................ 60
4.2. PERCEPÇÃO ............................................................................................................ 68
4.3 PAISAGEM, PERCEPÇÃO E LUGAR ...................................................................... 71
5. O OBJETO DA PESQUISA ....................................................................................... 74
5.1. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA PAISAGEM SERRANA DE
MARANGUAPE.. ............................................................................................................ 74
5.2 ANÁLISE E RESULTADO DAS ENTREVISTAS..................................................... 76
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 99
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO............................................................................. 102
APÊNDICE A- GUIA DE ENTREVISTAS COM PALAVRAS GATILHO ............... 109
12
1. INTRODUÇÃO
Compreender as representações sociais enquanto elementos simbólicos significa
verificar a maneira pela qual os indivíduos através de palavras e gestos se identificam e se
relacionam com seu entorno. Dessa forma, objetos, pessoas, símbolos e por extensão a
paisagem refletem possibilidades para compor o quadro das representações sociais. Nas
palavras, as representações sociais se utilizam da linguagem oral ou escrita para expressar
seus pensamentos, suas opiniões sobre determinado fato ou objeto. As mensagens daí
originadas passam a ser construídas socialmente, a partir de situações reais e concretas
vivenciadas por aqueles que as emitem.
Para que se possa utilizar o termo “representações sociais” é imprescindível a
análise contextual em que os indivíduos estão inseridos, sendo necessário entender como estas
representações sociais são construídas ao longo do tempo pelas mensagens deixadas pelos
indivíduos e suas diferenças culturais, socioeconômicas, étnicas que compõem uma paisagem.
Sabe-se que estudar o fenômeno das representações sociais da paisagem exige
mais do que a percepção simplista da visualização. Exige também, uma ampliação desta
percepção, numa procura da compreensão de mensagens deixadas numa determinada
realidade, observando suas diferenças, dificuldades e até o entendimento crítico acerca da
realidade.
A compreensão das representações sociais permite então, entender o discurso do
indivíduo e confrontá-lo com a prática cotidiana. A paisagem que se discute é vista sob a ótica
de que tem íntima relação com os sujeitos que a compõem, tendo em vista que são eles, que
de certa forma, a constroem e a reconstroem num dinamismo que pode justificar o valor que
dão ao lugar.
O recorte empírico desta pesquisa foi a Serra de Maranguape situada no município
homônimo nas comunidades de: Guabiraba, Riacho Pirapora, Salto dos Peixes, Marianos e no
alto da serra com moradores locais. A paisagem serrana abordada foi aquela a partir da cota
de 100 m. de altitude em relação ao nível do mar, tendo em vista que se trata de uma área
protegida por lei desde 1993, na qual as comunidades ali instaladas tiveram que se adaptar a
essa condição mudando hábitos e costumes.
13
Cabe ao olhar geográfico, compreender a paisagem que ali se manifesta em seus
aspectos naturais e sociais pela formação cognitiva e pelo imaginário coletivo sobre a
paisagem como elemento da afetividade com o lugar e como reflexo da produção e
reprodução do espaço.
Nessa perspectiva de análise, entende-se que o sujeito ao formar sua própria
representação sobre um objeto, o adequa ao seu próprio comportamento, pela sua história e
seu contexto social. A partir da compreensão de que as representações sociais possibilitam
interpretar e pensar as posições dos indivíduos frente as suas realidades cotidianas, as ações
de um indivíduo não apenas nos permite concluir suas concepções de mundo, mas nos
permite também deduzir suas orientações para a ação. Isso nos permite formular a seguinte
problematização: como se constrói a base natural e social da paisagem através da percepção
das representações sociais como indicadores das práticas cotidianas?
As representações sociais são conhecimentos práticos, do senso comum, que
oferecem sentido aos objetos ou situações que representam a realidade pela atividade mental
dos indivíduos ou grupos, de modo a fixar suas posições acerca dos objetos e das situações
cotidianas que lhes dizem respeito. Neste direcionamento, constrói-se a hipótese pela qual os
moradores que vivem na Serra de Maranguape estabelecem uma relação com a paisagem,
delineando atitudes e percepções em seu contexto natural e social que orientam os elementos
que compõem a realidade das comunidades que ali residem.
Esta proposta de pesquisa teve como objetivo geral compreender o fenômeno das
representações sociais inseridas no contexto da paisagem na Serra de Maranguape (CE) a
partir do entendimento daquele espaço como lugar experienciado e vivido. Como objetivo
específico buscou-se caracterizar a paisagem serrana de Maranguape em seus aspectos
socioambientais; inserindo a problematização das representações sociais no processo
investigativo.
Observar, perceber e analisar conceitos, como o de paisagem, sob a perspectiva
das representações sociais oferece a possibilidade de refletir sobre o conhecimento do espaço
geográfico através do conhecimento da realidade local. Estabelecer relações entre sociedade e
paisagem é entender que esta interação constrói o espaço em que se vive. Por isso que neste
projeto se enfatiza o estudo da paisagem serrana de Maranguape a partir da compreensão das
estratégias de sobrevivência das comunidades levando em consideração tanto os aspectos
naturais quanto os sociais atrelados ao fenômeno das representações sociais.
14
Na contextualização de seus conceitos chave a Geografia se preocupa em
compreender a organização e a reorganização do espaço pelo homem. Trabalha com
diferentes linguagens e imagens recorrendo a informações que sintetizem diversos tempos que
façam da espacialização uma referência da leitura das paisagens e seus movimentos. Para a
Geografia, a paisagem é um conceito chave, que identifica o espaço em um determinado
contexto histórico, pois quando se deseja abordar o pensar e o agir dessas comunidades
serranas refletidos na criação e recriação das paisagens, procura-se desvendar a subjetividade
que se esconde por traz de cada prática do homem na produção do espaço (PISSINATI;
ARCHELA, 2009).
Entende-se ser necessário observar que a paisagem. Não é um amontoado de
elementos naturais e culturais que se arranjam no espaço. A paisagem se apresenta como
resultado de um movimento temporal e espacial que vai construindo uma combinação
dinâmica de elementos da natureza e da sociedade, os quais vão se transformando ao longo de
um processo histórico.
A observação e a interpretação da ação da sociedade com relação à paisagem
possibilita a compreensão da trama que envolve as relações entre sociedade e natureza e que
estão objetivadas no espaço. Isso contribui para uma compreensão do mundo e configura,
portanto, uma representação socioespacial da paisagem na qual está vinculada à percepção.
Neste sentido:
A dimensão da paisagem é a dimensão da percepção, o que chega aos
sentidos. Por isso, o aparelho cognitivo tem importância crucial nessa apreensão, pelo fato de que toda nossa educação, formal ou informal, é feita
de forma seletiva, pessoas diferentes apresentam diversas versões do mesmo
fato. (SANTOS, 1988, p. 62)
A percepção sobre o modo de vida do indivíduo é permeada de aspectos
comportamentais correlacionados com as emoções, pensamentos e ações, assim como
também, com as práticas ambientais traduzidas pelo equilíbrio dos elementos espaciais
dispostos no meio correspondendo à própria natureza e ações humanas que estão refletidas
nas paisagens.
Essa percepção contém uma linha de argumentação pautada na existência real do
indivíduo, que diz respeito não só à produção material de suas necessidades, mas também às
ideias, ambas provenientes de suas relações com a natureza e com seus entes sociais. É nessa
valorização da apropriação do espaço pela sociedade que reside a forma singular da
15
interpretação geográfica da paisagem e outras áreas do conhecimento. Ao geógrafo cabe ler a
sociedade pela paisagem que esta produz, pois na paisagem está contida a história da relação
sociedade-natureza.
Este trabalho aborda a paisagem como concretude do espaço. É uma pesquisa de
caráter qualitativo fundamentado na metodologia fenomenológica. O método fenomenológico
permite “uma reflexão filosófica interpretativa ou compreensiva sobre os símbolos e os mitos
em geral” (SPOSITO, 2004, p. 25). Compreender as representações sociais da paisagem sob o
arcabouço metodológico fenomenológico-hermenêutico possibilita a experiência íntima do
sujeito com o objeto de estudo, além de ser o método que melhor se adéqua para se trabalhar
em recortes pequenos como na Serra de Maranguape.
Na perspectiva fenomenológica a materialidade do espaço é dotada de
significações específicas para cada indivíduo, que caracterizam a objetividade, mas que
também, são compartilhadas por vários indivíduos, configurando a subjetividade. Tentando
transpor o dualismo entre os modos subjetivo e objetivo de compreensão da experiência
encontra-se o método fenomenológico.
Muitos estudos fenomenológicos enfatizam a natureza dialógica das relações
entre as pessoas e os lugares ... Os fenomenologistas afirmam teoricamente que esses ambientes (environments) ("worldlt) têm um papel dinâmico na
experiência humana mas, inclusive na prática, eles implicitamente submetem
este dinamismo ao diálogo no qual aos agentes humanos atribuem
significado. (BUTTIMER, 1985: 284).
O método fenomenológico contribui para desvendar o diálogo entre os indivíduos
e a subjetividade do seu mundo que se refletem na paisagem serrana de Maranguape. As
características ambientais e culturais da serra provocam no morador experiências e vivências
que compõem essa subjetividade e que, tem a possibilidade de serem desvendadas pelo
método fenomenológico.
A diferença essencial deste método em relação a outros métodos de investigação
está pautada na distinção entre comportamento e experiência, isto é, na relação do corpo e da
mente e a relação da pessoa e o mundo, concordando com Buttimer (1982, p. 176-177) que
diz: “A pessoa (corpo, mente, emoção, vontade) e mundo estão engajados nos processos e
padrões observáveis no comportamento evidente”.
A leitura fenomenológica de mundo é entendida no contexto pelo qual a
consciência é revelada. O mundo se encontra ancorado num passado e direcionado para um
16
futuro, é um horizonte compartilhado, no qual cada indivíduo o constrói de um modo
singular. Os indivíduos investigados nesta pesquisa, uma vez conscientes do mundo vivido e
experienciado apreendem os horizontes compartilhados do mundo de outras pessoas, como
nas comunidades serranas de Maranguape.
A Fenomenologia ao propiciar condições e forças que se unem na experiência
humana do mundo,convida os indivíduos a buscarem denominadores comuns nas
experiências uns com os outros a partir das suas próprias experiências. Estas condições são
encontradas nas facetas rotineiras da vida cotidiana, no conceito fenomenológico e
existencialista do mundo vivido, no vasto campo das vidas individual e coletiva do sujeito.
Para Husserl (1986) a Fenomenologia é uma volta ao mundo vivido, ao mundo da
experiência, o ponto de partida de todas as ciências e propõe-se a descrever o fenômeno, e não
explicá-lo ou buscar relações causais, volta-se para as coisas mesmas como elas se
manifestam.
Essa ideia de mundo vivido surge como faceta anterior a reflexão, que são dadas
como certas pela experiência diária, na qual os significados não são questionados e
determinantes do comportamento. Trata-se de um procedimento para descrever o mundo
cotidiano do homem, a partir da experiência imediata, suas ações, lembranças, desejos e
percepções. O espaço nesta concepção é um “[...] conjunto contínuo e dinâmico, no qual o
experimentador vive, desloca-se e busca um significado. É um horizonte vivido ao longo do
qual as coisas e as pessoas são percebidas e valorizadas” (SCHRAG apud BUTTIMER, 1982,
p. 174).
A partir deste contexto de experiência de sujeitos cognoscentes organizados em
sociedade, o espaço social, torna-se o palco material e objetivo das relações sociais, que é
construído subjetivamente, na região, no lugar, na paisagem da serra de Maranguape, como
exemplos.
Diante da escolha de tal método, a abordagem qualitativa é a mais adequada nesta
dissertação. A metodologia qualitativa teve origem nos estudos antropológicos e sociológicos
da década de 1930, pelos ingleses Sidney e Beatrice Webb, com a obra Methods of social
study, na qual fazem investigações empíricas sobre a história laboral e as condições da vida
dos pobres em Londres.
No entanto, já se observava a presença desta metodologia na “Escola de Chicago”
(1910), nos Estados Unidos, na década de 1910 por iniciativa de sociólogos preocupados em
17
compreender os problemas enfrentados pela cidade, devido a uma rápida expansão urbana e
crescimento demográfico provocado pelo acelerado desenvolvimento industrial das grandes
cidades do Centro-Oeste norte americano (AGUIAR, 2011).
Somente a partir da década de 1960, quando um contexto de mudanças sociais
iniciadas na Europa ao se espalharem pelo mundo, fez surgir a mobilização de grupos
minoritários reivindicando direitos sociais, políticos, sexuais e de gênero o que contribuiu
para que a abordagem qualitativa nas pesquisas sociais se tornasse uma metodologia
apropriada para essa compreensão.
A escolha da abordagem qualitativa foi motivada pela possibilidade de
interatividade entre sujeito/objeto, pois ao ir à busca das representações sociais da paisagem
num determinado espaço é necessário que haja integração entre pesquisado e pesquisador. No
caso da serra em estudo, esta abordagem permitiu o entrosamento da pesquisadora com a
população das comunidades locais, favorecendo a confiança e consequentemente, a fluidez
das informações a respeito do objeto da pesquisa. Porém, com o devido cuidado para que a
pesquisadora não se tornasse apenas o sujeito que foi recolher dados daqueles que estão ali
dispostos a fornecê-los, de modo que se evite o esquema estímulo-resposta. Daí porque se ter
escolhido também a associação de livres palavras.
Segundo Spink (2004), existem três formas de obtenção de dados que são mais
usuais: as técnicas verbais, baseadas usualmente em entrevistas abertas e com roteiro mínimo;
as de associação livre a partir de palavras-estímulo, de caráter menos hermenêutico; e as
técnicas projetivas, ou não verbais, como o desenho. Nesta pesquisa foi utilizada a entrevista
aberta com roteiro mínimo, e a de livre associação, não se limitando às perguntas, podendo
envolver outros assuntos relacionados à pesquisa de acordo com o entrevistado e os fatos que
têm a revelar.
A associação livre de palavras é uma técnica projetiva desenvolvida por Jung e
adaptada para a Psicologia Social por Di Giacomo. É uma investigação aberta utilizada
atualmente com o intuito de evidenciar universos semânticos, por meio da evocação de
respostas procedente de estímulos indutores (NÓBREGA; 2003). Os estímulos indutores
serra, paisagem e lugar foram utilizados neste estudo para evidenciar o universo dos sujeitos.
Nesse sentido, deve-se atentar para dois aspectos importantes para uma avaliação
mais eficiente dos resultados da entrevista: o conteúdo da entrevista e o comportamento do
entrevistado. O conteúdo da entrevista é formado pelo conjunto de dados relatados sobre o
18
objeto pesquisado. Já o comportamento constitui a maneira como o entrevistado age durante a
entrevista, são considerados os momentos que expressam as emoções, que não podem ser
captadas em palavras.
Para Sá (1998, p. 71/72):
A quantidade e a forma das informações sobre o objeto, assim como o meio
pelos quais elas se tornam acessíveis para o sujeito, o grau de interesse
intrínseco ou externo que o objeto desperta e a necessidade mais ou menos premente de seu conhecimento para o grupo são variáveis que certamente
afetarão – e por isso poderão explicar, pelo menos parcialmente – o conteúdo
e a estrutura da representação.
A partir desse entendimento, os métodos de estudo em representações sociais se
apresentam de forma diversa, cabe destacar as duas perspectivas mais comuns que são a
ênfase nas condições de produção e o uso de material espontâneo. A ênfase nas condições de
produção do resultado do material coletado diz respeito ao entendimento ou não do
conhecimento apenas no âmbito cognitivo e procura compreender as condições sociais que o
engendram, o contexto de onde ele surge, circula e se transforma.
O uso de material espontâneo se volta para a manifestação das informações
dialógicas que formam e reformam as representações, sejam aquelas introduzidas por
questões, expressas livremente em entrevistas ou já cristalizadas em produções sociais, como
livros, documentos e mídia escrita, por exemplo (SÁ, 1998).
As entrevistas ocorreram no período de fevereiro de 2014 a março de 2015, com
pequenos intervalos ocasionados pelo período chuvoso que dificultou a visita a alguns
trechos, como na comunidade dos Marianos, Salto dos Peixes e nas porções mais altas da
serra, devido aos desmoronamentos de encostas.
O contato com os sujeitos se deu em suas próprias residências, ao ar livre nos
momentos de lazer e trabalho. As entrevistas realizadas com os moradores da Serra de
Maranguape possibilitaram tanto a apreensão do sentido das falas quanto à compreensão da
construção de suas práticas cotidianas através das observações da ancoragem e da objetivação
propostas por Moscovici (2009) nas representações sociais da paisagem.
De acordo com Nóbrega (2002), a associação livre de palavras é uma técnica
projetiva desenvolvida por Jung e adaptada para a Psicologia Social por Di Giacomo. É uma
investigação aberta utilizada atualmente com o intuito de evidenciar universos semânticos,
por meio da evocação de respostas procedente de estímulos indutores (NÓBREGA; 2003). Os
19
estímulos indutores serra, paisagem e lugar foram utilizados neste estudo para evidenciar o
universo dos sujeitos.
Nesse sentido, deve-se atentar para dois aspectos importantes para uma avaliação
mais eficiente dos resultados da entrevista: o conteúdo da entrevista e o comportamento do
entrevistado. O conteúdo da entrevista é formado pelo conjunto de dados relatados sobre o
objeto pesquisado. Já o comportamento constitui a maneira como o entrevistado age durante a
entrevista, são considerados os momentos que expressam as emoções, que não podem ser
captadas em palavras.
Para Sá (1998, p. 71/72):
A quantidade e a forma das informações sobre o objeto, assim como o meio pelos quais elas se tornam acessíveis para o sujeito, o grau de interesse
intrínseco ou externo que o objeto desperta e a necessidade mais ou menos
premente de seu conhecimento para o grupo são variáveis que certamente afetarão – e por isso poderão explicar, pelo menos parcialmente – o conteúdo
e a estrutura da representação.
Para compreensão das informações a partir das falas dos indivíduos escolheu-se a
análise de conteúdo, que se resume na descrição de dados simbólicos a partir de unidades de
registro do texto. Na análise de conteúdo há uma reunião dos dados segundo um significado
comum de primeira ordem (dados brutos) e sua associação a categorias de análise relativas,
concordantes com a problemática da pesquisa (SOUZA FILHO, 2004). O autor articulando a
análise de conteúdo com a teoria moscoviciana.
A análise do discurso nesta argumenta que:
Em Psicologia Social, a abordagem das representações sociais adota a
Análise de Conteúdo aberta para observar o conhecimento informal em
relação a objetos específicos. Neste último caso, o analista não só procura inferir elementos de conteúdo isolados e combinados, como se faria em
qualquer análise de comportamento e estrutural, mas, igualmente, considera-
os como expressão da autonomia cognoscitiva do sujeito, que também procura transformar a realidade social e natural. (SOUZA FILHO, 2004, p.
322)
A dissertação possibilitou o entendimento do sentido que os moradores da Serra
de Maranguape deixam explícito ou implícito em seus discursos numa aproximação de como
se constrói ou se reconstrói a paisagem do lugar, interpretados pelas palavras que expõem
também, as contradições e conflitos dessa realidade, como nos diz Minayo (2004). A
20
explicação de fenômenos e conceitos dessa paisagem através das falas pode ser considerada
um modo puro e sensível das ideologias dentro das relações sociais que deixam à mostra essa
construção coletiva da paisagem.
As falas mostram a cultura que permeia o contexto social, as intenções e as
práticas dos indivíduos nas relações sociais, daí o reconhecimento de que isso não é tarefa
fácil, mas ao realizar a análise em si, pretende-se interpretar e captar o sentido não aparente
das falas. Para isso, pretende-se criar um conjunto de categorias das palavras que surgirem
com maior frequência. Segundo Abric (1994) essa categorização possibilitará a verificação
de que realmente se tratam de elementos que fazem parte da representação social em estudo.
Bardin (1992) sugeriu seis etapas sucessivas que em relação à estratégia de
observação de material simbólico a partir de dados brutos: a pré-análise, a codificação, a
categorização, o tratamento de dados, a inferência e a interpretação dos dados.
A pré-análise, em que o analista intui quais seriam os parâmetros e variáveis de
relevância para a existência de uma dada problemática social, fazendo as considerações
básicas para a obtenção do material que constituirá uma amostra; a codificação, ou escolha do
tipo de recorte ou unidade de registro simbólico às quais se adequarão o material levantado,
incluindo-se nesse momento a definição de categorias e a quantificação destas; a
categorização, atividade de classificar os conjuntos de elementos diferenciados de acordo com
características simbólicas definidas através de analogias genéricas; o tratamento de dados,
basicamente estatístico; a inferência, em que se sintetiza o resultado do tratamento.
Rey (2002) aponta que muitos dados são produzidos por meio do contato entre
campo/sujeitos/objeto, havendo interação entre estes elementos, se rompe o esquema
estímulo-resposta, principalmente ao se trabalhar com sujeitos, pois, a singularidade é
marcada pela subjetividade social e pessoal destes.
É justamente esta subjetividade que, em momentos pode até se mostrar
contraditória, possibilita observar como os indivíduos veem o mundo, como criam e
transformam o espaço, como produzem e como se apropriam da terra, que vão se refletindo na
paisagem permeada pela realidade que vai se concretizando e se exteriorizando de cada
indivíduo. Diante deste enfoque, a abordagem qualitativa possibilita que se compreenda
aquilo que o indivíduo diz, mas principalmente, como ele o faz, considerando, neste caso dos
moradores da Serra de Maranguape, tanto as emoções quanto os significados que dão ao seu
mundo, ao seu lugar.
21
Neste tipo de abordagem o trabalho empírico é tido como o momento da
construção teórica e não somente da coleta de dados, da classificação e análise destes para que
somente após se transformarem em teoria. Na abordagem qualitativa tanto a teoria quanto a o
trabalho empírico são processos dinâmicos, continuamente construídos. De acordo com Rey
(2002, p. 65): “A teoria não representa uma dimensão supra-individual capaz de tornar algo
sagrado, mas uma ferramenta do pensamento a ser questionado, o que por sua vez conduz a
novas ideias”. Dessa forma os dados coletados podem se tornarem constructos teóricos.
O estudo de caso de acordo com Yin (2001, p. 19), “é a estratégia ideal para o
pesquisador que tem pouco controle sobre os fatos e quando o foco se encontra em fenômenos
contemporâneos inseridos em algum lugar da vida real”. Assim, a opção pelo estudo de caso
surgiu do desejo de se compreender fenômenos sociais complexos, pois permite que na
investigação se preservem as características e significâncias dos fenômenos da vida real.
Nesse sentido, a Serra de Maranguape, não foi vista como foco em si, mas como referência
para se detectar o fenômeno das representações sociais da paisagem, numa espacialização do
objeto de estudo.
A dimensão do espaço vivido, do lugar, através da valoração subjetiva do afetivo
representada na paisagem sob a ótica fenomenológica permite a descrever o objeto e suas
relações a partir do ponto de vista individual. Para Bourdieu (1979) é através da capacidade
de produzir práticas e objetos passíveis de classificação e capacidade de apreciar e diferenciar
essas práticas e objetos que se origina o mundo social das representações, o espaço dos estilos
de vida.
Nesta pesquisa seguiram-se os seguintes procedimentos metodológicos:
- Levantamento bibliográfico, que foi realizado sempre que necessário no decorrer
da pesquisa em bibliotecas, sites oficiais da CAPES, CNPq e em publicações que tratem do
assunto. Os procedimentos do trabalho de gabinete foram: análise e catalogação do material
escolhido; elaboração do roteiro de pesquisa, juntamente com o orientador, assim como a
escolha da população e elaboração do guia de entrevista; busca de material fotográfico
anterior a esta pesquisa, assim como a elaboração de novos materiais; análise dos dados
obtidos; diagnóstico da pesquisa; elaboração preliminar dos resultados da pesquisa.
- O trabalho empírico se constituiu de fases ou momentos: no primeiro momento
foi realizado contato com os 30 (trinta) indivíduos escolhidos aleatoriamente e como critério
de inclusão foi que o indivíduo seja morador da serra. Em um segundo momento se deram as
22
entrevistas com as devidas anotações buscando a produção de dados nas percepções dos
indivíduos. Alguns equipamentos também auxiliaram na coleta de dados como: de áudio
(gravadores) e de imagens (câmera fotográfica) de modo a possibilitar melhor captação de
informações e a compreensão das formas de pensar e agir destes indivíduos.
Os procedimentos do método fenomenológico de acordo com Martins (1992) são
a descrição fenomenológica e a redução fenomenológica. A descrição fenomenológica terá
início com uma descrição da situação vivida no cotidiano. O pesquisador obterá depoimentos sobre o
que está diante dos seus olhos, tal como aparece. Esses depoimentos descrevem “a presença do
dado”, não a sua existência (Husserl, 1986). É importante a atitude fenomenológica adotada
pelo pesquisador, que lhe permite abertura para viver a experiência de uma forma tal qual
como ele se mostra pelo entrevistado, ou seja, de forma gestáltica. Assim, se buscará a
compreensão do significado das palavras e gestos na sua totalidade, apresentada pelos
indivíduos da Serra de Maranguape tentando isolar todo e qualquer julgamento pré-
estabelecido que interfira na descrição do fenômeno pesquisado, a representação social da
paisagem.
Esse procedimento teve como objetivo deixar de lado todo e qualquer
pensamento, concepções, julgamentos pré-concebidos para ressaltar aqueles dos sujeitos da
pesquisa. Dessa forma, ao se trabalhar com a descrição do fenômeno, pode-se captar sua
essência, a parte mais invariável da experiência entre os indivíduos, contextualizada na Serra
de Maranguape, o que se persegue nesta pesquisa.
A redução fenomenológica diz respeito a análise crítica das informações colhidas.
A partir da descrição no seu formato original, que será devidamente indicada como a fala do
sujeito para análise da experiência vivida, sem interferência de pensamentos pessoais ou
teóricos que no momento interferem no rigor do ouvir a descrição. Feito isto, será realizada
uma categorização dos dados da descrição, identificando no discurso do sujeito palavras
significativas e mais prevalentes buscando a compreensão do significado que nelas estão ou
não contidos.
Para melhor organização das informações esta dissertação encontra-se dividida em
quatro partes. A primeira parte compreende a parte introdutória na qual é justificado o
arcabouço teórico que irá compor o objeto, bem como será evidenciado a problematização,
hipótese, objetivos e justificativa, faz-se também, a abordagem do método e dos
procedimentos metodológicos da pesquisa que guiaram os trabalhos de gabinete e de campo.
Justifica-se a abordagem do método fenomenológico, que se mostrou adequado e apresenta-se
23
o instrumento de coleta de dados, a entrevista aberta, enfocando a importância da escuta das
falas dos sujeitos, e ainda aponta a análise do discurso para a compreensão das informações
colhidas nestas falas.
Na segunda parte faz-se a apresentação do lócus da pesquisa através de uma
abordagem contextualizada de Maranguape numa incursão a sua história, abordando o início
do seu povoamento, seus aspectos demográficos e a influência da industrialização na sua
urbanização, com enfoque na Serra que tem o mesmo nome do município. No que diz respeito
à serra, mostra-se seus aspectos ambientais e humanos apresentando as comunidades que se
inserem nesta.
Na terceira parte busca-se realizar uma prospecção teórica sobre a Teoria das
Representações Sociais, no esteio teórico a partir de autores como Serge Moscovici (2009,
1994, 1984, 1978 e 1961), das ideias de psicologia coletiva de Durkhiem (1983) e a
abordagem geográfica das representações sociais com autores como Tuan (1980, 1983), Kozel
(2002), Bailly (1986). Discute-se a categoria geográfica paisagem, desde sua ligação com a
pintura de lugares até a paisagem cultural nos dias atuais através dos estudos de autores como:
Bertrand (1971), Ab’Sáber (2005), Sauer (1998), dentre outros.
Na quarta discute-se o objeto da dissertação, no qual através da análise do real,
procura-se projetar os resultados da pesquisa no bojo das representações sociais da Serra de
Maranguape. Nesta parte evidencia-se o que foi colhido das falas dos indivíduos sobre as
representações sociais da paisagem do lugar a partir das suas vivência e experiências
cotidianas de pertencerem a um ambiente tão rico pelos seus dotes naturais, ao mesmo tempo
em que se observa a pobreza financeira e material local.
24
2. CONTEXTUALIZAÇÃO SOCIOESPACIAL DE MARANGUAPE
O presente capítulo apresenta o município de Maranguape (Mapa 1) em seu
contexto socioespacial. Maranguape está situada no nordeste do Estado do Ceará, no sopé da
serra homônima, a 30 km distante de Fortaleza. Possui uma área de 654,8 km².
MAPA 1 - Localização de Maranguape na Região Metropolitana de Fortaleza, com
destaque para a Serra de Maranguape
Ao norte, Maranguape limita-se com Caucaia e Maracanaú; ao sul com Caridade,
Palmácia e Guaiúba; a leste com Guaiúba, Maracanaú e Pacatuba e a oeste com Pentecoste e
Caridade. O município tem 120.405 habitantes distribuídos nos distritos de Amanari,
Tanques, Cachoeira, Ladeira Grande, Lagoa do Juvenal, Papara, Manoel Guedes, Penedo,
Itapebussu, Sapupara, Jubaia, Antônio Marques, Vertentes do Lajedo, Umarizeiras, Lages e
São João do Amanari (BRASIL/IBGE, 2013). (Mapa 2)
25
MAPA 2 – Mapa político do município de Maranguape – CE.
Fonte: IPECE. 2002.
26
2.1 MARANGUAPE: COMPREENDENDO A HISTÓRIA DO LUGAR
Segundo o historiador cearense Juarez Leitão (2008) existem controvérsias sobre
a denominação Maranguape, havendo concordância apenas quanto a sua origem ser tupi-
guarani. A primeira versão, a que tem menos adeptos, argumenta que o vocábulo seria mara
(árvore), angai (de nenhuma maneira) e guape (comer). Dessa forma o resultado seria: árvore
que não se come. Uma segunda versão diz que a palavra Maranguape se origina da expressão
indígena maramonhang, que quer dizer guerreiro, sabedor de guerra. Uma terceira, que é a
defendida por José de Alencar, diz que Maranguape ou maraguaba quer dizer: árvore ou fruto
que se come. De acordo com Leitão (2008), o historiador João Brígido, após analisar todas as
versões anteriores, conclui que Maranguape é a unção de mara e goá, que quer dizer vale da
batalha.
A tradição local diz que Maranguape teria sido um chefe indígena, grande
guerreiro que, após liderar por muitos anos sua tribo da nação Potiguara, velho e cego,
abandonou o litoral e recolheu-se ao sopé da serra, até que um dia se deixou devorar por
formigas pretas e seu corpo foi encontrado posteriormente completamente deteriorado.
As origens civilizadoras do município datam do século XVII, quando a frota de
Matias Beck, composta de três iates e outras embarcações menores, chegou ao Ceará,
conduzindo aproximadamente 298 homens, entre soldados, índios e negros escravos. O
capitão holandês fundou na baía de Mucuripe, construindo o Forte Schoenenborch, na foz do
rio Pajeú, em cujo entorno se desenvolveu o povoado que mais tarde seria a vila de Fortaleza
de Nova Bragança (MARANGUAPE, 2014).
Ao tomarem conhecimento da existência de minas de prata na região, mais
exatamente no monte Itarema, atual Serra da Aratanha, que ficava nas proximidades de onde
acampavam e também da Serra de Maranguape, se aproveitaram da hostilidade dos índios
locais, os potiguaras, para com os portugueses, por meio de promessas e presentes,
conseguiram o apoio dos indígenas para conseguir indicação precisa do local exato onde se
encontravam as cobiçadas jazidas e assim explorar o que se anunciava como uma riqueza da
terra. Dessa forma, no período de 1649 a 1654, período da permanência dos holandeses no
Ceará, se deu a extração da prata de modo a compensar os gastos com a mineração. No
entanto, o baixo valor da prata, o volume extraído e os gastos em reagentes que se tinha para
apurá-la não compensava pelo baixo valor de venda na Europa (LEITÃO, 2008).
27
Com a expulsão dos holandeses do Brasil, a presença do homem branco nas terras
do atual município de Maranguape, foi suspensa por um longo período, para recomeçar
somente no início do século seguinte com as primeiras concessões de sesmarias feitas pela
Coroa Portuguesa. Segundo Leitão (2008), os beneficiários foram: Pedro da Silva e Antônio
Moraes (1707), Jorge Silva (1711), Capitão Soares de Oliveira (1717) e José Gonçalves
Ferreira Ramos e Felipe Lourenço (1790). Apesar das concessões, nem todos assumiram as
terras coo foi o caso de José Paes de Sousa, que em 1731, recebeu do Coronel José Vitoriano
Borges da Fonseca, então governador da Província do Siará-Grande, a sesmaria de três léguas
de terra no serrote de Gereraú e nunca a assumiu.
Revisitando ando a história do Ceará encontram-se registros de que em 1707,
Gabriel da Silva Lago concedeu aos índios de Parangaba a exploração das sobras de terra que
existiam desde a Lagoa do Caracu (Aracuzinho), passando pela Serra de Sapupara até as
encostas da Serra de Maranguape. Em 1718, o Capitão-Mor Manuel da Fonseca Mota
concedeu a posse de terras na Serra de Maranguape aos índios de Parangaba. Em 1722,
Manuel Fonseca concedeu terras para o cultivo na Serra de Pitaguari, Pacatuba e Sapupara ao
chefe e moradores da Aldeia Nova. Curioso na história do Estado, melhor dizendo, não
somente na história do Ceará, mas no país todo, que essas concessões foram dadas aos
verdadeiros donos da terra, os indígenas, como uma benevolência a estes. (BRASIL, 2014)
O povoamento de Maranguape se deve ao emigrante português Joaquim Lopes de
Abreu, com o pedido à Capitania do Siará-Grande de três léguas de terra, no que hoje é a
cidade de Maranguape, para erguer um engenho de açúcar. Assim, já casado e com uma
numerosa família, nos primórdios do Século XIX, em concordância com a Coroa Portuguesa,
entrou no domínio de algumas sesmarias incorporando-as a outras anteriormente compradas,
acrescentando ao cultivo da cana de açúcar, o de café.
Maranguape surgiu do arruamento à margem do riacho Pirapora, no que hoje se
chama de Outra Banda, local em que construiu uma capela para atender aos anseios religiosos
dos moradores (convocados por Joaquim Lopes de Abreu para trabalhar nas atividades
agrícolas, especialmente na cultura do café).
A qualidade natural de suas terras passou a interessar as autoridades da Província,
até que em 1760, João Baltazar Homem de Magalhães, Capitão-Mor, criou o Distrito de
Maranguape, pertencente aos domínios de Fortaleza. Já no período de 1851 a 1852 a produção
de café da Província era obtida quase toda nas serras de Maranguape.
28
Em 1875, Maranguape tem forte impulso econômico com a inauguração da linha
férrea da Estrada de Ferro Baturité, que funcionou até sua desativação em 1963. Na segunda
metade do século XIX, mais uma leva de portugueses iniciam mais uma atividade econômica,
a plantação de cana-de-açúcar e a produção de cachaça.
Maranguape por ser uma das mais antigas cidades da Região Metropolitana de
Fortaleza tornou-se investidora de incentivos fiscais para absorção de novas indústrias. A
chegada de indústrias na sede do município contribuiu grandemente para a aceleração da
urbanização e expansão comercial. Segundo o IBGE (2013) o município conta com uma
população estimada de 120.405 habitantes, em 2010 era de 113.561, distribuídos numa aterá
de 590 km2, com uma densidade demográfica de 192.19 habitantes por km
2. O Atlas Brasil
2013 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento diz que seu Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é de 0,659 em 2010.
O censo demográfico de 2010 aponta para uma população total de 113.561
habitantes, sendo que destes 56.619 são homens e 56.942 são mulheres. Dos habitantes do
sexo masculino encontram-se 3.866 crianças de 1 a 4 anos; e 6.242 com idade de 10 a 14
anos; são 6.033 homens de 15 a 19 anos de idade, de 20 a 34 anos de idade são 15.818 e de
70 a 99 anos somam 2.213 homens. De toda a população masculina predominam uma
população jovem na faixa escolar e outra adulta quase nos mesmos índices, sendo forte
indicador de demanda por emprego. Os índices apontam para outras demandas também, como
escolas e atendimento de saúde. Quanto à população feminina, o município conta com 56.942
mulheres, sendo que, 3.508 estão na faixa etária entre 1 a 4 anos; 5.599 de 10 a 14 anos de
idade; de 15 a 19 anos de idade são 5.858; de 20 a 34 anos são 15.751 e de 70 a 99 anos são
2.695. Da população feminina 12.827 da área rural e 44.115 da área urbana.
De acordo com estes dados estatísticos, se observa que a população feminina é
pouco superior à masculina. Prevalecem as mulheres na fase adulta, ficando logo atrás a
população jovem e infantil. As mulheres predominam nos empregos das indústrias locais,
como as do setor de peças íntimas femininas, confecções de roupas e bordados. A distribuição
populacional de Maranguape mostra um índice urbano maior que o rural. O aumento da
população urbana é justificado pela expansão industrial e do setor de serviços do município
desde os anos de 1970, quando são oferecidos mais empregos e surgem mais atrações na
cidade. No entanto, nas visitas preliminares desta pesquisa ao município e às comunidades
serranas em particular, percebeu-se que na população rural a pobreza predomina, bem como
os agrupamentos subnormais com a ocupação indevida de encostas.
29
Em linhas gerais, deve-se às características geográficas e topográficas, o sítio de
Maranguape, localizado entre a serra, a oeste, e as fazendas, terras institucionalmente
indisponíveis, riachos e córregos, a leste, produz um tipo de desenvolvimento linear, sentido
norte-sul. O elemento ordenador deste desenvolvimento é a rodovia CE-065, que liga
Fortaleza ao município e, no sentido sul, vai conectando seus 17 distritos, chegando até
Canindé e Palmácia.
2.2 PADRÃO FISIOGRÁFICO DA PAISAGEM SERRANA DE
MARANGUAPE
Anteriormente à presença do homem a natureza já havia se manifestado em sua
plenitude caracterizando a paisagem natural, moldada pelos significativos processos naturais
os quais são responsáveis pela produção e distinção originais dessa paisagem pela superfície
terrestre. A cobertura vegetal é o que mais marca o aspecto visual de cada paisagem, é o
elemento natural mais frágil e dependente dos demais, assim como das atividades humanas de
produção e reprodução do espaço, daí porque a cobertura vegetal poder ser considerada a
síntese da paisagem. Ela depende do solo e do clima, que com seus vários elementos,
favorecem ou impedem o desenvolvimento de determinada cobertura vegetal. No entanto, a
vegetação não depende unicamente destes dois elementos, depende sim, dos vários elementos
que compõem o ambiente podendo adaptar-se a ele adquirindo características próprias, ou
sofrer danos irreversíveis, dependendo de suas particularidades, da força e da continuidade
das intervenções nela realizadas.
A descrição da paisagem física da Serra de Maranguape assume forma própria de
enclave úmido numa região semiárida. Um dos fatores que mais contribuem para seu desenho
é o clima, que é o Tropical Quente Úmido. As serras úmidas cearenses apresentam melhores
condições naturais no contexto semiárido, são consideradas área de exceção ou enclave
paisagístico. A Serra de Maranguape é composta por um pequeno maciço residual cristalino
que se destaca, topograficamente, entre a depressão sertaneja e a superfície dos tabuleiros pré-
litorâneos. Seu ponto mais alto é a Pedra da Rajada com 920 metros de altitude, nas
coordenadas 3°53'44,2"S e 38°43'20,8"W. Nessa área de farta vegetação tem-se um
verdadeiro remanescente de Mata Atlântica. A figura a seguir mostra uma visão panorâmica
da Serra de Maranguape.
30
FOTO 1- Vista panorâmica da Serra de Maranguape. Outubro/2013
.
A Serra de Maranguape apresenta particularidades morfológicas e ambientais
semelhantes aos demais maciços úmidos e subúmidos do Ceará. Caracteriza-se por relevo
acidentado e declividades acentuadas. Sua superfície topograficamente elevada de relevo
serrano está submetida à influência de mesoclimas de altitude, contrastando com a paisagem
semiárida do interior cearense. Tem solos predominantemente argissolos, a boa fertilidade
destes são favorecidas pelas chuvas abundantes e regulares. Possui clima bem diferenciado do
conjunto do Estado do Ceará e as melhores condições de umidade atmosférica com
pluviometria mais alta. Estas condições favorecem a formação de florestas com espécies de
elevado porte no alto das encostas e no topo da serra favorecendo agricultura diferenciada,
porém com certo cuidado (CEARÁ/SEMACE, 2005).
A serra por reunir aspectos naturais próprios de maciços subúmidos possui uma
Área de Proteção Ambiental da Serra de Maranguape (APA da Serra de Maranguape) criada
pelo Poder Público Municipal a partir da Lei Nº 1168, de 08 de julho de 1993, visando um
31
melhor controle sobre o ecossistema da serra. A APA tem por objetivos específicos proteger
as comunidades bióticas nativas, as nascentes, as vertentes e os solos além de proporcionar à
população da área métodos e técnicas apropriadas ao uso do solo, de maneira a não interferir
no funcionamento dos refúgios ecológicos e desenvolver junto a comunidade uma consciência
ecológica e conservacionista. Apesar de ter sido criada em 1993, somente a partir de 1998
iniciaram-se as ações para a implantação da referida APA com a criação do Comitê Gestor em
junho de 1999, que é responsável pelo seu gerenciamento.
De acordo com o Zoneamento Ambiental e Plano de Gestão da APA da Serra de
Maranguape (CEARÁ/SEMACE, 2002), as feições da paisagem serrana local mostra um
relevo montanhoso, entre 45 a 74% de declividade, cujo solo com gradiente textural
considerado alto, em que o teor de argila do B é elevado em relação ao do A, permitem
afirmar que os processos erosivos se mostram como maior fator de limitação. Dessa forma,
nas vertentes íngremes da serra não se deve utilizar agricultura, principalmente com culturas
anuais que favorecem a esses processos e em particular a bananeira. Isso ocorre devido a
dificuldade de mecanização do solo e sua alta susceptibilidade à erosão.
A fitoecologia da Serra de Maranguape, de acordo com Silva e Fernandes
(CEARÁ, 2002) recebe influência das brisas marinhas no sentido SE, ESE e E favorecendo a
umidade. O clima e o solo, dadas as variações altimétricas, estabelecem uma zonalidade
altitudinal que determina a fisionomia e a composição florística vegetacional e as formas de
uso e ocupação do solo. A fisionomia permite identificar três conjuntos florísticos: Arboreto
Climático Estacional Caducifólio representado pela Caatinga, Arboreto Climático Estacional
Semicaducifólio representado pela mata seca e o Arboreto Climático Perenifólio, representado
pela Mata úmida.
A serra possui um forte potencial ecológico e turístico, dadas suas características
naturais. Ao passo em que esta oferece um ambiente propício para moradia e lazer, estimulou
ocupações e práticas de uso do solo indevidas intervindo na paisagem natural da serra.
A Serra de Maranguape apresenta características morfológicas e ambientais semelhantes aos demais maciços úmidos e subúmidos do Ceará. [...] as
intervenções antrópicas, relacionadas com desmatamento das encostas e
chuvas torrenciais, originou movimentos de massa em diversos pontos das
vertentes, provocando a remobilização do solo, deslizamentos e desmoronamentos. (MEIRELES, 2007, p. 161)
32
Nesta Serra predomina ainda o cultivo de banana. A intensificação desta cultura
acompanhada de queimadas e desmatamentos para outros fins acarretam sérios problemas
ambientais como erosão do solo e deslizamentos de encostas em períodos chuvosos. Esta
cultura se apresenta tanto em locais não indicados como nas vertentes, assim como também
em locais de terreno plano, onde a terra é bastante explorada também, com a agricultura de
subsistência contribuindo para a degradação ambiental.
Também faz parte desta paisagem serrana os sítios, pousadas e alguns
aglomerados humanos que formam pequenas comunidades ou núcleos como são chamados
administrativamente no município. Destas, as mais representativas são: do Alto dos Marianos
e os Estevãos, e como os nomes indicam, estes núcleos foram formados a partir da instalação
de antigas famílias que com o passar dos anos não se desfizeram de suas propriedades,
formando assim, um aglomerado de famílias conforme seu crescimento. Essas atividades
humanas deixam marcadas suas impressões em meio à paisagem natural como, por exemplo,
modificando o sistema de drenagem pela construção de pequenas barragens artificiais e
piscinas naturais, principalmente por pousadas e o clube Cascatinha.
SOUZA (2014, s/p.) ao falar da sistemática desestruturação dos macrodomínios
naturais, em particular nas serras úmidas, afirma que se pode observar a presença de:
Desmatamentos desordenados e sem critérios conservacionistas; ocupação de vertentes sem qualquer obediência ao Código Florestal; erosão dos solos;
degradação da vegetação de nascentes fluviais; colmatagem de fraturas e
comprometimento da recarga dos aquíferos; empobrecimento da biodiversidade; uso indiscriminado de agrotóxicos; descaracterização das
paisagens serranas, dentre outros.
Apesar desses aspectos negativos que, também caracterizam a paisagem serrana
de Maranguape, ela ainda se encontra em bom estado de conservação, graças à criação da
Área de Proteção Ambiental da Serra de Maranguape em 1993 e aos apelos das comunidades
mais antigas e ambientalistas frente aos problemas ambientais que já se observava.
O escritor maranguapense José Aurélio Saraiva Câmara registrou a paisagem da
Serra de Maranguape nas seguintes palavras:
A serra é fértil e bela. De Fortaleza ela é vista esbatendo ao longe seu perfil
anguloso, azulado no horizonte, inspiradora talvez da evocação romântica de
Alencar numa página que lembra todas as serras do Ceará. Cortada de
córregos que serpenteiam entre árvores seculares, está hoje entremeada de sítios aprazíveis onde se erguem belas vivendas da burguesia rica de
Fortaleza. A temperatura é amena e a vegetação é verde, há relativa
33
abundância de água. Comoas outras serras do estado, é um hiato na
paisagem seca do Ceará. Sua floresta, no princípio do século, era vasta e
exuberante. Contudo, por sobre a serra e suas encostas, ainda avulta o verde das maçarandubas, dos jatobás, das canafístulas, das tatajubas, dos cedros
escassos e dos angicos frondosos, entre os quais se entremeiam o amarelo e
o roxo dos paus d’arco senhoriais. Esse império verde se derrama pelo sopé
da serra, balizando a zona formada pelas terras ricas dos aluviões que as águas arrastam das encostas. (CÂMARA, 1999, p.11)
A Serra de Maranguape, rica de natureza e inspiradora de poetas, possibilitou a
Catulo da Paixão inspiração para escrever a conhecida canção “Luar do Sertão” perpetuada na
voz do sanfoneiro Luiz Gonzaga. A explicação para tal canção segundo o autor (apud
LEITÃO, 2008) é esta:
“Quase todos os domingos ia à Maranguape, ao sítio do velho José de Moura,
sertanejo muito estimado e divertido, onde se reuniam grupos de moças e rapazes
em animados piqueniques. Foi nessas reuniões na casa do velho Moura que
aprendi a tocar violão. A natureza exuberante da Serra de Maranguape, com suas
matas verdejantes, com suas cascatas rumorejando, com seus pássaros em festa,
foi minha maior fonte de inspiração. O vulto azul daquela serra com seu dorso
arqueado fixou-se indelevelmente na minha retina. A cidade, nesse tempo, não
possuía iluminação e as suas noites de luar eram deslumbradas. Foi pensando nas
noites enluaradas de Maranguape que escrevi ‘Luar do Sertão’”.
LUAR DO SERTÃO
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão.
Oh! que saudade do luar da minha terra
Lá na serra branquejando folhas secas pelo chão
Este luar cá da cidade tão escuro
Não tem aquela saudade do luar lá do sertão.
34
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão.
Se a lua nasce por detrás da verde mata
Mais parece um sol de prata prateando a solidão
E a gente pega na viola que ponteia
E a canção e a lua cheia a nos nascer do coração.
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão.
Mas como é lindo ver depois por entre o mato
Deslizar calmo, regato, transparente como um véu
No leito azul das suas águas murmurando
E por sua vez roubando as estrelas lá do céu.
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão.
Leitão (2008, p. 26) ainda registra a poesia de Pedro Mavignier, advogado e
boêmio da cidade:
MARANGUAPE
Na divisão das terras existentes
foi pródiga demais a Natureza,
legando rios, mares, ilhas, montes
e sol e mar distante na grandeza.
Porções de terra em desiguais partilhas
tanto ao poente como no levante,
destaca-se ganhando vulto em milhas
Mas sem a graça natural constante.
35
A nossa Maranguape, com duas serras
que além se elevam, invejando as terras
que não lograram tão real beleza,
ficou lá nas alturas, soberana,
tendo no verde eterno de liana
os dois tronos iguais da natureza.
Merece destaque também, a palavras do trovador maranguapense Moreira Lopes:
MARANGUAPE
Estou cheio de lembrança
Do Maranguape querido
De meu tempo de criança,
Um feliz tempo vivido,
Lá de cima da colina
Posso ver meu Maranguape...
A beleza me fascina,
Não há nada que me escape.
É mais que um belo jardim
Nossa querida cidade...
E exala olor de jasmim
Pra nossa felicidade.
Pra nossa felicidade,
Esta terra fabulosa
Desnuda toda bondade
De sua gente garbosa.
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De sua gente garbosa.
Feliz e sempre a trovar
Oferecendo uma rosa
Para o trovador sonhar.
Lembro do banho nas piscinas
Em Maranguape, na serra,
E o sorriso das meninas
Com a alegria que ele encerra.
Maranguape, que beleza,
Sua serra é majestosa
E exprime toda grandeza
Sesta terra fabulosa.
Que a nós todos faz bem
É contente a beleza
Que só Maranguape tem
Por causa da sua natureza.
A nossa Mãe-natureza
Caprichou naquela serra
Dando-lhe intensa beleza
Jamais vista nesta terra.
É tão linda nossa serra,
Depois de chuvas intensas
Que até o verde que encerra,
A alimentar nossas crenças!
No leito do Gavião,
Em minha terra querida,
Inspirei meu coração
Pra fazer trova sentida.
Eis minha terra querida,
Maranguape, meu torrão,
Que faz feliz minha vida,
E alegra meu coração.
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A Maranguape querida
É perto de Fortaleza,
Sua serra consolida
Nosso amor à
natureza.
As condições ambientais, culturais e econômicas de Maranguape favorecem
também diversão para todos os gostos:
Trilha ecológica do Sítio São Paulo: são percorridos 5 km durante 6
horas pelos pontos: Parque Rio Gavião, cachoeira do Sítio Jenipapeiro,
espécies de Pau Alho, mirante do Sítio São Paulo, cachoeira da Pousada
Serra Verde, cachoeira do Sítio São Paulo, Cruzeiros (Militão e Gentil).
Trilha ecológica da Pedra da Rajada: está 900 m de altitude nesta trilha
percorrem-se 14 km em 8 horas pelos pontos: Cruzeiros (Militão e Gentil),
Orquidário Dr. Pompeu, Pousada Serra Verde, Mirante da Linha, mata
úmida, cachoeira dos Mouras, Mirante da Pedra da Rajada.
Fazenda Nazaré: oferece trilhas para passeios de charretes e/ou cavalos
marchadores; passeio de barco apreciando bucólica paisagem; Visita
externa à indústria de queijos, acompanhada por uma degustação na
lojinha da fábrica; visitas à horta caseira, criação de bovinos, ovinos e
suínos.
Pousadas: Pousada Maranguape (no Centro de Maranguape); Pousada
Encanto da Serra a 400 m de altitude, localiza-se na Estrada do Cruzeiro,
Serra do Gavião; Acampamento Vale do Vento (na Ladeira Grande);
Pousada Tom Feliz (ao pé da serra); Pousada Pirapora (na Estrada
Pirapora).
Clubes: Cascatinha Park Hotel (na Estrada Gavião, com chalés e parque
aquático com piscinas naturais); Clube de Voo Livre de Maranguape;
Selva Paintball (em Salto dos Peixes); Pesque - Pague Barreto (na Ladeira
Grande).
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Y-Park e Museu da Cachaça: onde funcionou a primeira unidade de
produção de cachaça Ypioca. Possui um acervo arquitetônico e cultural do
século XIX, oferece atrações como tirolesa, passeios de caiaque, arco e
flecha, escalada, entre outras.
Outro atrativo são os eventos culturais como: Festa de São Sebastião (20
de janeiro), Carnaval das Cinzas (fevereiro), Farinhada e Cavalgada -
Cachoeira (em março - sábado que antecede o dia 19 de março), Festival
do Feijão verde - Cachoeira (abril), Festival Nacional do humor (agosto),
Festival junino (junho), Festa de Santa Ana - Cacimbão (16 a 26 de julho),
Feira de Artesanato (agosto), Dia da Independência (7 de setembro), Festa
de Nossa Senhora da Penha (8 de setembro), Vaquejada - Itapebussu (fim
de setembro), Festa de São Miguel - Itapebuçu (29 de setembro), Festa de
Nossa Senhora do Rosário - Umarizeiras (7 de outubro), Dia do Município
(17 de novembro), Parada Pela Diversidade Sexual de Maranguape (último
domingo de novembro), Festa de Santa Luzia - Lages (3 a 13 de
dezembro), Corrida de Jumentos em Lages, Réveillon da cidade (31 de
dezembro), Festejos do Distrito de Tanques 11 á 21 de Setembro (Terceiro
Sábado do Mês de Setembro), Festa de Santa Terezinha - 1º de Outubro,
Festa de Nossa Senhora da Conceição (28 de Nov. a 08 de Dez) - Paróquia
de Tabatinga.
Maranguape hoje se apresenta multifacetada. Se, há algum tempo atrás somente a
beleza cênica das áreas urbanas e da serra, o clima ameno, a vida calma, seus belíssimos
artesanatos em barro e bordados chamavam atenção, na atualidade incorporaram-se a estes,
atrações esportivas, culturais e a presença de outras indústrias além da precursora Ypioca,
tem-se no setor calçadista a americana Dakota, a Liko – Nordeste e Paema embalagens, entre
outras dos setores eletroeletrônico e químico que dão ao município maior valor
socioeconômico com a empregabilidade da população local.
A estrutura origina-se das atividades econômicas ligadas aos períodos históricos
da cultura do algodão, do café e dos engenhos de cana-de-açúcar. Por conta do
desenvolvimento físico à margem da serra ocorre com frequência a presença de açudes
criados para armazenar águas das encostas. Estes açudes, Amanari, Vila Nova, Escorrego,
39
Bragantino e Penedo têm muita importância em relação ao lazer das populações ao redor,
como também dos habitantes da sede. Cumprem também funções ligadas à pesca e à irrigação
de pequenas agriculturas. Hoje, Maranguape tem como atividades principais a cultura de
subsistência, pesca em açudes, além do cultivo da fruticultura e da floricultura.
A conservação da natureza é uma das prioridades destacadas nos Projetos
Estruturantes de Maranguape, com a proposição do Parque Ecológico do Rio Pirapora e a
implantação da Área de Proteção Ambiental de Maranguape. A sequência de povoados
residentes na serra faz parte da sua beleza paisagística além da recreação à margem dos
açudes e de alguns exemplos de arquitetura tradicional da região, originários do período
econômico do algodão, do café e dos engenhos. Podem ser citados também, o tradicional
Museu da Cachaça, o patrimônio cultural de Maranguape e das tradições do artesanato.
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3. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: UMA ABORDAGEM CONCEITUAL
Neste capítulo será discutida a Teoria das Representações Sociais que surgiu na
Psicologia Social de Durkheim. Sérge Moscovici, criador da teoria, buscou explicar os
fenômenos humanos a partir de uma perspectiva coletiva sem, no entanto, perder o enfoque da
individualidade. Mostra-se aqui que as representações sociais apresentam-se como uma
maneira de interpretar e pensar a realidade cotidiana através de dois processos: o da
objetivação e o da ancoragem.
3.1. O CONCEITO DE REPRESENTAÇÃO SOCIAL
As representações sociais são uma abordagem psicossocial do conhecimento que
busca uma compreensão do homem na sua totalidade, ou seja, enquanto ser pensante age e
sente por meio de uma relação dialética com o meio circundante. Sá (2004, p. 19) entende
representações sociais como um termo que: “[...] designa tanto um conjunto de fenômenos
quanto o conceito que os engloba e a teoria construída para explicá-lo, identificando um vasto
campo de estudo psicossociológicos”.
A Teoria das Representações Sociais na área da psicologia social foi proposta por
Serge Moscovici, tendo como ponto de partida o conceito de “representações coletivas” de
Durkheim. Pode-se separar em duas fases os estudos sobre Representações. Na primeira,
destacam-se: Simel, Weber e Durkheim. Para Simel, a representação possibilitava as ações
recíprocas entre os indivíduos; para Weber ela era o que impulsionava a ação dos indivíduos,
em um saber comum com poder de antecipar e prescrever o comportamento dos indivíduos
(OLIVEIRA, 2004).
Émile Durkheim, porém, foi o precursor do conceito de representações
coletivas. Para Durkheim (1978), a ciência ao estudar as representações, deveria separar o
indivíduo e o social, para compor um todo, entendia também, que as regras que
comandavam a vida individual não seriam as mesmas que regem a vida coletiva, isso é, a
regra das representações individuais não são as mesmas das representações coletivas.
Segundo ele, deveria se reconhecer a diferença entre o individual e o coletivo, tendo em
vista que, a base da representação individual seria a consciência própria de cada um. Daí ser
41
ela subjetiva, flutuante e perigosa à ordem social. Porém, a base da representação coletiva
era a sociedade como um todo e, assim, seria impessoal e ao mesmo tempo permanente,
assegurando dessa forma, o elo inseparável entre os indivíduos e a harmonia da sociedade.
Serge Moscovici, psicólogo social francês, trouxe uma discussão que dava outro
valor ao conceito de representações coletivas proposto por Durkheim. Moscovici substituiu o
termo representações coletivas por representações sociais. Tinha a preocupação em
compreender como os grupos sociais, seus atos e ideias (ou imagens) constituíam e
transformavam a sociedade. Essa relação passou a ser perseguida por ele desde 1961, com a
publicação de sua tese de doutorado, reeditada e revisada em 1976, intitulada “Psychanalyse,
son image et son publique”.
Nesse estudo Moscovici, parte do princípio de que o conhecimento tanto é
produto quanto processo de construção do indivíduo que se transforma com o tempo. Existem
também as resistências em aceitar novos conhecimentos no que se chama de círculos fechados
de algumas ciências, assim como para a sua aceitação em domínio público mais amplo. A
diferença está no contexto de sua produção, a resistência a novas concepções encontra seu
embate pelos pressupostos teóricos e metodológicos, que em função destes mesmos
conseguem ser superados nos domínios públicos.
Segundo Moscovici (1961) essa resistência ocorre de acordo com os critérios
culturais, daí o porquê da existência das diferenciações de um grupo e outro, fazendo com que
o conhecimento se apropriasse de formas e significados multifacetados, observando-se o
modo pelo qual ocorre o processo de difusão, propaganda e renovação temática, teórica e
metodológica da psicologia social.
Moscovici passava a estudar as várias maneiras pelas quais a psicanálise era
percebida ou representada, difundida na sociedade parisiense através de uma rica discussão
sobre a relação entre linguagem e representação, entre o individual e o social. As conclusões
deste trabalho tiveram novos adeptos.
A segunda fase de estudos sobre as representações coletivas se deu com as
pesquisas de Lewy-Bruhl, Piaget e Freud, nas quais se valorizava mais à dinâmica dessas
representações do que ao seu caráter coletivo. Piaget seguiu Durkheim concordando que há
evolução nas formas de representação; Levy-Bruhl entendia que propagação entre os variados
segmentos culturais da sociedade. É justamente esse conhecimento que passa a ser criado e
42
recriado graças aos sistemas próprios de valor que Moscovici chamou de representações
sociais.
Essa era a discussão da socialização da psicanálise através de uma psicologia do
conhecimento, na qual os fenômenos, o conceito e a teoria das Representações Sociais só
podem ser bem apreendidas, no contexto de um processo em que uma mesma cultura pode
criar diferentes representações, logo não existiriam empréstimos ou substituições entre elas,
mas sim, saltos ou revoluções.
Para Lewy-Bruhl o que importava era a coerência dos sentimentos, raciocínios e
movimentos da vida mental coletiva, assim os indivíduos sofriam influências da sociedade na
qual se inserem daí por que demonstram sentimentos comuns, entendidos como
representação. Na concepção de Lewy-Bruhl a diferença entre uma sociedade e outra não é o
grau de inteligência de seus membros, mas sim o tipo de lógica de que cada uma se utiliza
para pensar sua realidade concreta. As representações coletivas dele obedecem leis da
participação e ele não acreditava que as explicações puramente lógicas, mas si Apesar de
seus estudos de certa forma, superarem Durkheim, acabou por criar outra oposição que seria
entre os mecanismos lógicos e psicológicos das representações (OLIVEIRA, 2004).
No que diz respeito aos estudos de Piaget em suas pesquisas as diferenças entre
as crianças e os adultos não se tratavam de competência, mas de diferentes formas de pensar.
Quanto às diferenciações lógicas das formas de pensar entre diferentes tipos de sociedades.
Transfere para o indivíduo o princípio de Lewy-Bruhl, contribuindo assim, para o
entendimento acerca dos aspectos psíquicos da representação social. Piaget preocupou-se com
os aspectos lógicos e biológicos do desenvolvimento da criança (MOSCOVICI, 1989).
Já quanto aos estudos de Freud, ao desenvolver pesquisas sobre paralisia histérica
e tratamento psíquico, preocupava-se em como as representações passam do coletivo para o
individual, assim como também, em como o social intervém na representação individual. Para
Moscovici Freud foi o responsável por trazer à tona a interiorização que transforma o
resultado coletivo em dado individual e marca o caráter da pessoa. Dessa forma, o caráter
seria a expressão de teorias geradas pelas crianças, começando na família sendo,
paulatinamente, substituídas por outras, ao passo em que as crianças vão ampliando suas
relações sociais.
Estes estudiosos preocupavam-se mais com o caráter coletivo das representações
do que propriamente com seu conteúdo ou sua dinâmica. Com a negação das explicações
43
essencialmente sociais de Durkheim e das essencialmente cognitivistas, de Piaget passava a se
firmar as ideias sobre Representações Sociais de Moscovici (FARR, 1994).
As ideias de Moscovici sobre o assunto não pairavam num consenso de aceitação.
Um dos mais importantes seguidores desse pensamento renovador da psicologia social de
Moscovici sobre a Teoria das Representações Sociais foi o inglês Robert Farr, que a
considerava como crítica da natureza individual de alguns estudos ingleses e americanos da
época. Foi o estudo conjunto de Moscovici e Farr em 1984 que possibilitou maior propagação
dessa teoria.
Leme (2004, p. 48) explica que:
A divulgação um tanto tardia da obra de Moscovici em língua inglesa despertou dois tipos de reação: críticas mais ou menos severas a diferentes
aspectos da teoria e tentativas seja de assimilação seja de contraste com
outras teorias e conceitos que vinham sendo desenvolvidos paralelamente, como cognição social, protótipo, esquema, atitudes, atribuição, etc.
Ao estudar a epistemologia do fenômeno das representações, Moscovici (1989)
considera que, apesar das contribuições dos estudos realizados por outras ciências como a
sociologia, a antropologia, a psicologia clínica e a social, mostram resultados fragmentados
por pertencerem a outros domínios específicos, que por vezes passavam do caráter coletivo
das representações à sua dinâmica, em outras vezes passavam dos fundamentos psíquicos às
origens e interiorização dos mesmas. Porém, não havia preocupação com a comunicação e
esta é que possibilita os indivíduos dirigirem-se a algo de individual passando a se tornar
social e vice-versa.
As limitações da inflexibilidade da própria concepção de representação e o caráter
disperso das pesquisas realizadas pelas diferentes ciências fizeram com que Moscovici (1989)
afirmasse que, assim como a sociologia, a antropologia e a psicologia social, contribuem
sobremaneira com o estudo das representações, pois para ele, se as representações são criadas
no social e reelaboradas pelo indivíduo, não são seus fundamentos que merecem interesse,
mas sim as interações entre o individual e o social.
Farr (1994) aponta as diferenças entre a forma sociológica de psicologia social,
que caracteriza a Teoria das Representações Sociais de Moscovici, e as predominantes nos
Estados Unidos da América, sintetizando os níveis de teorização em psicologia social, a partir
das contribuições de Wundt, Durkheim, Le Bon, Freud, Saussure, Mead, Mac Dougall e F. H.
44
Allport. De acordo com Farr (1994) foram as pesquisas destes estudiosos que contribuíram
para a modernização da psicologia social através da Teoria das Representações Sociais.
Moscovici (1994), afirma que o social coexiste com o sujeito e que o sujeito só
existe no social. Esse foi o ponto inicial dos seus estudos para a formulação da Teoria das
Representações Sociais. O novo nesta teoria, porém, não estaria em reconhecer a interação
entre o indivíduo e o meio, mas sim a interface dessa relação. Segundo ele, a representação é
uma construção individual, mas de origem social, com destino social.
Isso posto, o ponto da questão não era estudar um ou outro viés da relação entre
sujeito e meio social, nem constatar que, nessa relação o indivíduo vai ampliando suas
capacidades cognitivas e motoras, por exemplo. Era importante entender o dinamismo
existente nessa relação, entender como o social interfere na elaboração das representações
sociais dos indivíduos e como estas interferem na elaboração das representações sociais do
grupo ao qual pertencem.
A compreensão acerca da paisagem da serra que tem um indivíduo local pode
influenciar e se cristalizar em um grupo social, mas como as representações que se possam
fazer acerca disso, podem também modificar-se por se tratar de um processo dinâmico, o
pensamento social interfere no individual e vice-versa. A resistência ao que se mostra novo
ocorre no campo individual através de suas experiências práticas cotidianas, mas no campo da
coletividade, ela ocorre por outros motivos como a diversidade cultural, por exemplo. Nessa
compreensão, pode-se dizer que, pelo o entendimento e a percepção da paisagem expressos
nas representações sociais pode diferenciar de indivíduo para indivíduo e de grupo para
grupo, num embate à resistência ou aceitação de novas concepções acerca dessa mesma
paisagem de acordo com o valor que dão a ela.
A discussão sobre o indivíduo e o individual do coletivo com abordagem
sociológica que pautaram os estudos de Moscovici acerca das Representações Sociais foi o
diferencial considerado como avanço, em relação às abordagens unilaterais da psicologia e da
sociologia que predominavam até meados do século XX.
Denise Jodelet ao se interessar pelo fenômeno das representações tornou-se uma
das principais colaboradoras e difusora das ideias de Moscovici. Jodelet (1989) considera que
a representação social refere-se à maneira como os sujeitos sociais apreendem os
acontecimentos da vida cotidiana, as informações do contexto em que vivem, os
acontecimentos, as pessoas, como exemplos. Dizem respeito aos conhecimentos do senso
45
comum que são acumulados a partir das experiências, das informações, saberes e modelos de
pensamento que o indivíduo recebe e transmite através da tradição, da educação e da
comunicação social.
Provavelmente, esse pensamento de Jodelet possa explicar o porquê das diferentes
formas de pensar e agir de indivíduos de diferentes contextos sócio, culturais e ambientais
acerca da compreensão da paisagem, tendo em vista que os conhecimentos apreendidos e
disseminados sobre a realidade cotidiana tem íntima ligação com o processo de socialização
dos indivíduos. Dessa forma, explicaria também, se as representações sociais da paisagem da
Serra de Maranguape pelos moradores locais diferem daquelas que não moram no lugar. O
trabalho empírico mostrará ou não.
As representações sociais são parte da realidade entendida como grupal.
Funcionam coletivamente pelas interações e comportamentos e as novas e velhas
representações surgem mediadas pelo que Moscovici chama de “flutuação de sistemas
unificadores”, que nada mais são que as ciências, as religiões e as ideologias sociais. “Em
outras palavras, existe uma necessidade contínua de re-constituir o ‘senso comum’ ou a forma
de compreensão que cria o substrato das imagens e sentidos, sem a qual nenhuma coletividade
pode operar” (MOSCOVICI, 2009, p. 48, destaque do autor).
As variadas formas de perceber a paisagem da Serra de Maranguape pertencem
aos conhecimentos acumulados, transmitidos cotidianamente pelo senso comum, que passam
a ser apropriadas, assimiladas e refletidas pelos sujeitos sociais, transformando-as ou somente
reproduzindo-a. Assim, as representações sociais dessa paisagem se inserem num dinâmico
processo, no qual prevalece tanto a perspectiva coletiva, quanto a interação cognitiva, que
permitem a comunidade local perceber e interpretar a paisagem, de acordo com seus
conhecimentos.
Entende-se que os fenômenos de representação social espalham-se pela cultura,
nas instituições, nas práticas sociais, nas comunicações interpessoais e de massa e nos
pensamentos individuais. São, por natureza, difusos, fugidios, multifacetados, em constante
movimento e presentes em inúmeras instâncias da interação social. Esses fenômenos são
construídos nos universos consensuais de pensamento, que por sua vez são regidos pela lógica
natural ou senso comum, nos quais a participação é livre.
A hipótese central das Representações Sociais de Moscovici é de que estas se
desenvolvem justamente com o propósito de transformar algo não familiar em familiar, por
46
meio de dois processos: a objetivação e a ancoragem. Estes processos mostram a
interdependência entre atividade psicológica e as suas condições sociais de exercício, isto é,
como o social se transforma em representação e como esta transforma o social.
Moscovici (2009) aponta dois mecanismos, baseados na memória e conclusões
passadas, responsáveis em transformar o não familiar em familiar, ou seja, por criar as
representações sociais nesse processo é a objetivação e a ancoragem.
Chama-se de objetivação a função de duplicar um sentido por uma figura,
materializar um objeto abstrato e naturalizá-lo. Para Sá (2004) Ela é o processo que torna
concreto, por intermédio de uma figura, a ideia de um objeto. Já a ancoragem é o processo de
incorporação do aspecto não familiar dentro de uma rede de categorias que permita que ele
seja comparado com elementos típicos dessas categorias. Assim, ancorar tem o significado de
classificar, que ocorre de acordo com as escolhas de paradigmas existentes com os quais se
compara o objeto em processo de representação. Porém, Sá (2004, p. 39) chama atenção:
[...] não se trata observe-se de uma operação lógica de análise da proporção de características que o novo objeto tenha em comum com os objetos de
classe. O que se põe em jogo é uma comparação generalizadora ou
particularizadora, pelas quais se decreta que o objeto se inclui ou se afasta da categoria com base na coincidência/divergência em relação a um único ou
poucos aspectos salientes que definem o protótipo. A lógica natural em uso
nos universos consensuais preside o processo.
Nesse sentido, ao construir e reconstruir a ideia de paisagem na Serra de
Maranguape os sujeitos sociais os fazem a partir das práticas e conhecimentos cotidianos
ligados a um processo no qual existe uma interação entre o individual e o social, entre o
indivíduo e a sociedade que rejeita ou aprova as representações sociais que se fazem da
paisagem, a partir da compreensão social e histórica destas mesmas representações, tendo em
vista que estas são processos percebidos de forma plural e não de maneira única.
Transformar algo não familiar em algo familiar refere-se às novas descobertas ou
teorias, invenções e desenvolvimento técnico-científico, inovações, entre tantas outras coisas.
Nas sociedades modernas o novo é comumente criado pelos universos reificados da ciência,
da tecnologia ou das profissões especializadas.
Pela objetivação se tenta reabsorver um excesso de significações, materializando-
as. A quantidade de significantes e indícios que um determinado grupo utiliza pode se tornar
47
de tal maneira abundante que os sujeitos, frente a esta situação, procuram combatê-la tentando
ligar as palavras a coisas. É a dimensão imagética da Representação Social.
As representações sociais tratam do universo de opiniões construídas,
reelaboradas e redimensionadas pelos indivíduos, sobre um determinado objeto social, de
acordo com a história de vida de cada um. Para Moscovici (1978, p. 65):
[...] a estrutura de cada representação aparece desdobrada; possui duas faces tão pouco dissociáveis como o verso e o reverso de uma folha de papel: a
cara figurativa e a cara simbólica. Dizemos que:
Representação = Figura/Sentido, o que significa que a representação faz com que à figura corresponda um sentido e a todo sentido corresponda uma
figura.
É através do esclarecimento da ligação entre a objetivação e a ancoragem que se
pode compreender determinados comportamentos, tendo em vista que, o núcleo figurativo da
representação depende da relação que o sujeito mantém com o objeto e da finalidade da
situação. Assim, no interior de uma comunidade, de acordo com suas experiências e tradição,
a veiculação das concepções acerca de objetos da realidade se torna tão íntima em todos os
seus membros que acabam por se deixarem levar e a se comportarem, diante de determinados
objetos, de acordo com as representações atribuídas pelo grupo àquele objeto.
Jodelet (1989) aponta outra característica advinda da relação entre ancoragem e
objetivação, é o fato de que ao materializar mentalmente um objeto, na forma de
representação social, esse se cristaliza e é traduzido em operações de pensamento e ação na
interação cotidiana com o mundo. Entretanto, é preciso considerar que o fato das
representações sociais terem origem nas condições socioestruturais e sociodinâmicas de um
grupo, não impede que os indivíduos deem a essas representações um toque singular, uma vez
que cada um está sujeito a experiências particulares, embora faça parte de um mesmo grupo
social, o que, por sua vez, possibilita percepções e apreensões diferenciadas de um objeto, em
relação a outros indivíduos de seu grupo.
Sendo assim, cada indivíduo vai formando um sistema de pensamento
diferenciado acerca da paisagem da Serra de Maranguape, ao mesmo tempo, coerente com o
sistema de pensamento do grupo ao qual pertence. Esse sistema de pensamento é utilizado,
tanto pelo indivíduo quanto pelo grupo, como referência para a interação positiva, ou
negativa, de um novo objeto. Daí a afirmação de Jodelet de que há sempre um sistema de
48
representação antigo, algo já pensado, latente ou manifesto, que em contato com outros
sistemas de pensamento sofre seus efeitos mudando seu conteúdo e suas percepções.
As representações sociais acerca da paisagem serrana de Maranguape vão além da
ideia distorcida de achar que esta é somente a expressão objetiva da natureza, como se os
indivíduos não fizessem parte dela construindo-a e reconstruindo-a, os pensamentos acerca da
paisagem local podem ser modificados pela influência de grupos ou pessoa com perspectivas
e compreensão de vida bem diferenciadas das suas, principalmente se estes se encontrarem
em um outro patamar de conhecimentos, sob uma nova ótica impregnada de ideologias.
A ancoragem assegura a ligação entre a função cognitiva, base da representação, e
a sua função social, bem como fornece à objetivação os elementos imaginativos para servir na
elaboração de novas representações. A ancoragem, assim, é o outro lado da moeda em relação
à objetivação. Ajusta o objeto representado à realidade da qual ele foi tirado, promovendo a
constituição de uma rede de significações em torno do objeto e orientando as conexões entre
ele e o meio social. Assim, o objeto, via representação social, passa a ser um instrumento
auxiliar para a interpretação da realidade.
A objetivação é um processo de construção formal de um conhecimento, pelo
indivíduo. Fazem parte desse processo: a seleção e descontextualização, a formação do núcleo
figurativo e a naturalização (JODELET, 1989).
A seleção e descontextualização é um fenômeno que ocorre pelos critérios
culturais, tendo em vista que em uma sociedade de classes, nem todos os grupos têm o mesmo
acesso às informações. Logo, as mesmas são apreendidas pelo público de forma fragmentada,
distorcida da sua origem, porém acessível ao conhecimento popular.
O núcleo figurativo está relacionado ao processo psíquico interno pelo qual o
indivíduo vai a busca de tornar um fato, objeto ou até o conhecimento novo, em algo familiar,
que faça sentido ao referencial que traz consigo, mas através da criação de uma visão do
objeto que também faça sentido com sua visão de mundo.
A naturalização surge da formação do núcleo figurativo possibilitando ao indivíduo
materialização dos elementos das ciências em elementos da sua realidade de senso comum.
Ao naturalizar os esquemas conceituais o indivíduo lhes dá uma realidade própria, com
significado próprio de acordo com as suas capacidades de compreensão e suas necessidades
de descartar qualquer contradição que possa enfraquecer a base de suas representações sociais
que já estão formadas e enraizadas.
49
No entendimento de Costa ( 2011, p. 158):
Embora, o processo de objetivação e ancoragem constitua formas antípodas, uma vez que o primeiro materializa uma abstração e o segundo atribui
significado a um determinado objeto, ambos têm em comum operarem
características do sujeito representando desta forma a posição social e as relações sociais em que estão inseridas bem como a forma de perceberem o
mundo.
Nesse entendimento, as Representações Sociais guiam o modo de pensar e de
definir os diferentes aspectos do cotidiano na Serra de Maranguape, pois no senso comum
encontra-se o conteúdo das representações sociais da paisagem local. É nesse conhecimento
vulgar que se revelam as formas de conhecimentos socialmente elaboradas e partilhadas pelos
indivíduos com objetivos práticos e que contribui entre outras coisas, para a construção de
uma realidade comum aos grupos das comunidades locais num conjunto social, orientando,
organizando e intervindo nas identidades pessoais e sociais.
Deve-se considerar que as representações sociais são especificações que se
representam de algo ou alguém é especificar a representação de alguma coisa ou de alguém
através de símbolos e interpretações em suas relações, nas formas de conhecimento, nas
linguagens, comportamentos e saberes em seus contextos e nas condições que são produzidos.
As representações sociais ultrapassam a ciência ou a filosofia, pois são elaboradas
coletivamente em um determinado contexto, possibilitando a familiarização com o novo,
passando a introduzi-lo no seu cotidiano, favorecendo a interação social. Elas passam a
identificar-se com a própria realidade social, que ao mesmo tempo em que se modifica e
evolui mostra-se muito segura para os sujeitos que nela atuam. As representações sociais não
são assim uma repetição do objeto, estão mais para uma atividade mental que reelabora
conceitos e entendimentos a partir das relações que o sujeito mantém com o objeto e com os
grupos sociais aos quais pertence.
Pode-se observar que tanto os estudos de Moscovici quanto os de Jodelet
conduzem ao entendimento de que as representações sociais são a construção formal do
conhecimento e a objetivação orienta as percepções e os julgamentos do indivíduo em uma
realidade socialmente construída. No entanto, somente a objetivação não garante a inserção
orgânica desse conhecimento, o processo de ancoragem, dialeticamente com a objetivação,
é que garante esta inserção, ao articular as três funções fundamentais da representação da
realidade: função cognitiva de integração da novidade; função de interpretação da realidade
e função de orientação das condutas e das relações sociais (JODELET, 1989).
50
Jodelet pontua três fases nesse processo de objetivação: 1) a construção seletiva ou
seja, o processo, no qual, diante de um objeto, o sujeito busca informações e saberes a seu
respeito. (2) a esquematização estruturante, onde uma estrutura imaginante reproduz uma
imagem conceitual capaz de tornar-se uma imagem coerente e de fácil comunicação em que o
sujeito, nesse processo, consegue apreendê-lo, de forma individual, em seus sistemas de
relações; 3) a naturalização, com o resultado dos outros dois, temos o núcleo figurativo que
permite que cada um dos elementos seja concretizado, tornando-se um “ser da natureza”.
Para Moscovici (2009), no que se refere ao processo de ancoragem não se pode
deixar de falar que ele se decompõe em duas modalidades: como consignação de sentido e
como instrumento do saber.
A ancoragem como consignação de sentido, diz respeito ao jogo de significações
externas que se manifestam sobre as relações estabelecidas entre os diferentes elementos da
representação. Os conteúdos de uma representação estão vinculados à significação que um
dado objeto, fato, fenômeno ou ideia tem para determinados grupos sociais (MOSCOVICI,
2009). Daí porque que a um mesmo objeto podem possuir registros de diferentes perspectivas,
com diferentes sistemas de valores ou de contravalores, dependendo da inserção social e
cultural dos indivíduos.
A ancoragem como instrumento do saber é uma modalidade que permite
compreender como os elementos da representação não só exprimem relações sociais, mas,
também contribuem para construí-las (MOSCOVICI, 2009). Isso ocorre porque a
representação criada no grupo serve a seus agentes como instrumento de referência. Permite
comunicar e influenciar todos que compartilham de seu grupo, tornando assim, elementos
da representação social para compreender a realidade daquele grupo.
A respeito da organização interna das representações sociais, Abric (1994) faz
considerações importantes ao dizer que, toda representação social organiza-se em torno de
um núcleo central unificador que dá sentido ao conjunto de uma representação e de alguns
elementos periféricos, que dão flexibilidade à mesma.
O núcleo central diz respeito às representações construídas a partir de condições
históricas particulares de um grupo social. As representações construídas pelo grupo em
função do sistema de normas ao qual o mesmo está sujeito que, por sua vez, estão
relacionadas às condições históricas, sociológicas e ideológicas desse grupo (ABRIC,
1994).
51
Já os elementos periféricos dizem respeito às adaptações individuais destas
representações, em função da história de vida de cada membro desse mesmo grupo. Nesse
entendimento, o núcleo central atua como elemento que une e fixa as representações sociais
que foram construídas por determinado grupo; já os elementos periféricos são verdadeiros
sistemas permitem certa flexibilidade às mesmas diante de elementos novos, que por sua
vez, são acionados para realizar as devidas "adaptações". Dessa forma, pode-se evitar que o
significado central das representações, para aquele grupo, seja colocado em questão
(ABRIC, 1994).
Abric (1994, p. 4) argumenta que:
O sistema central é, portanto, estável, coerente, consensual e historicamente definido. O sistema periférico, por sua vez, constitui o
complemento indispensável do sistema central do qual ele depende. Isso
porque, se o sistema central é essencialmente normativo, o sistema periférico, por sua vez, é funcional. Isto quer dizer que é graças a ele que a
representação pode se ancorar na realidade do momento.
Essa compreensão é importante quando se busca descobrir caminhos possíveis
de provocar modificações das representações sociais de determinado grupo, por se entender
que representam um obstáculo para o desenvolvimento de práticas sociais alternativas às
que estão em vigor.
Na Serra de Maranguape os indivíduos criam suas representações sobre a
paisagem de acordo com as experiências que mantêm com ela, das comunicações às quais
estão expostos no lugar e de crenças particulares herdadas. Assim, para conhecê-las é
necessário identificar os elementos cognitivos que fundamentaram as representações
criadas, como os estereótipos, os protótipos e os scripts.
Para Moliner (1996, p.4) os estereótipos são: “Um conjunto de categorias
atribuídas aos membros de uma mesma categoria por uma grande proporção de membros de
outra categoria”. Os protótipos são consequência da organização categorial da informação
recebida por um grupo sobre determinado objeto, dizem respeito ao: “Um conjunto de
dimensões descritivas, uma categoria que agrupa objetos considerados como equivalentes
do ponto de vista destas dimensões” e os scripts são determinadas condutas que se
desenvolvem pelos grupos, frente a situações frequentes em seu meio, que se tornam
prescritivas do comportamento de seus membros, sempre que se encontrarem diante dessas
situações.
52
Segundo estas condições de emergência de uma representação social apontada
por Moliner (1996), mesmo que os sujeitos se vejam cotidianamente diante de objetos que
lhes são desconhecidos, não quer dizer que sejam geradores do fenômeno representacional.
Apenas objetos que ele chama de "polimorfos", aqueles que podem aparecer sob diferentes
formas na sociedade, e que provocam a necessidade de ser representados. No entanto, essa
representação é sempre produzida pelo coletivo, não qualquer grupo, mas sim para aqueles
que criam objetos comuns ao seu cotidiano.
Para o estudo das representações sociais o grupo não é limitado a um conjunto
de indivíduos unidos pela interdependência ou por objetivos comuns, mas sim a um
conjunto de indivíduos que mantém determinada relação com o objeto de representação,
seja porque é parte de sua existência, ou porque não tem como ignorá-lo. No caso em
estudo, as representações sociais que os fazem moradores da Serra de Maranguape dizem
respeito não a objetivos comuns, mas pelas relações estabelecidas com a paisagem serrana,
que pode aparecer sob várias perspectivas como, por exemplo: ora pode aparecer como
lembrança de um passado agradável, ora como lembrança desagradável de um passado
longínquo ou não, mas que pode servir de referências comuns.
Isso justifica a necessidade de alguns grupos construírem sua própria
representação, ao serem colocados diante de determinados objetos, ancorando-os em
sistemas de normas e valores culturais próprios de sua cultura, de sua tradição (valor
d’enjeu social) nos quais se apoiam para garantir sua identidade enquanto grupo e a coesão
entre os seus membros. “Essa necessidade identitária encontra sua justificativa apenas na
interação do grupo com outros grupos [...] o valor utilitário do objeto se funda sobre a
inserção deste objeto em uma dinâmica social" (MOLINER, 1996, p.9).
Para o autor, só é possível compreender o valor de enjeu de determinado objeto
para determinado grupo, quando se examinam as relações que esse grupo estabelece com
outros grupos. Para Moliner, a emergência de uma representação social está diretamente
condicionada à existência de um objeto polimorfo e que tenha um valor de enjeu para um
determinado grupo, que por sua vez, está em constante interação com outros grupos.
Moliner (1996) chama atenção para grupos ortodoxos e/ou submetidos a
intervenções de instâncias superiores (como as políticas religiosas, por exemplo)que
controlam e regulam a conduta dos indivíduos de forma sistemática:
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[...] a presença e a ação eficaz de sistemas de controle e de regulação em
uma situação social [...] impede, a nosso ver, o aparecimento do processo
representacional, favorecendo a emergência da elaboração ideológica ou científica [...], portanto, a ausência do sistema ortodoxo é a quinta
condição de emergência da representação social. (MOLINER, 1996,
p.10)
Quanto à organização da representação e seus processos de transformação,
Abric (1994) nos dá importantes contribuições ao considerar que, quando atores sociais são
levados a desenvolver práticas sociais em contradição com o seu sistema de representação,
podem interpretar a situação de duas formas diferentes (cada uma aponta para um tipo de
transformação possível): 1) aqueles que podem considerar que o retorno às práticas antigas
é possível; 2) aqueles que podem considerar que o retorno às práticas antigas é impossível.
No que diz respeito à primeira forma Abric (1994, p.6) afirma: “os elementos
novos e discordantes vão ser integrados nas representações por uma transformação do
sistema periférico, enquanto o núcleo central da representação permanece estável e
insensível a estas modificações”. Quanto à segunda forma, Abric (1994, p.6) diz: “[...] três
grandes tipos de transformação são possíveis: transformação ‘resistente’; transformação
progressiva e transformação brutal”.
A transformação resistente, diz respeito ao surgimento no sistema periférico de
‘esquemas estranhos’ que permitem modificações, também periféricas, que não
comprometem o sistema central, esses esquemas só permitem uma mudança mais radical se
multiplicados várias vezes; já quanto à transformação progressiva, trata-se de uma mudança
progressiva do próprio núcleo da representação, é a construção de uma nova representação,
na medida em que as práticas novas não sejam totalmente contraditórias com o núcleo
central já cristalizado; e a transformação brutal refere-se à possibilidade de uma mudança
por meio de uma estratégia radical: nas palavras de Abric (1994, p. 6-7), “colocando em
questão diretamente a significação central da representação sem possibilidade de recorrer
aos mecanismos defensivos os quais o sistema periférico pode lançar mão”.
Guimelli (1994) também dá importantes contribuições sobre a dinâmica das
representações sociais ao argumentar a possibilidade de mudanças de uma representação
social sobre determinado objeto, segundo ele, isso tem íntima relação com o significado que
novas interpretações a respeito desse mesmo objeto tenham para determinado grupo. Um
grupo só vai sentir a necessidade de reconstruir a representação que criou sobre determinado
objeto, quando perceber que, se não o fizer, perderá o controle da situação, o que
54
possibilitará o surgimento de novos eventos suscetíveis de ameaçar sua organização atual,
colocando em risco a identidade e a coesão entre seus membros.
Quando determinado grupo se vê forçado pelas circunstâncias, vai se adaptando
progressivamente, ajustando as novas práticas às anteriores, no entanto isso não significa
que o núcleo central de sua representação sobre um objeto seja, necessariamente,
transformado. Isso vai depender do grau de contradição que essas novas práticas estejam em
relação às práticas antigas do indivíduo e/ou grupo, bem como da forma como as mudanças
ocorridas são percebidas pelos sujeitos.
Nessa compreensão, quando os sujeitos entendem que são irreversíveis as
mudanças provocadas na Serra de Maranguape, seu ambiente considerado natural, em
função de novas práticas, o processo de transformação das representações torna-se
inevitável. Mas se forem consideradas mudanças passageiras, com probabilidades de
retornar às práticas antigas, depois de algum tempo, as representações são modificadas
apenas superficialmente.
Quando os moradores serranos compreendem que não se deve desmatar e
construir nas encostas porque experienciaram que, em períodos chuvosos pode haver
desmoronamentos causando sérios danos, entenderão que essa mudança de práticas será
permanente, pois o ambiente mostrou-se propício a isto, não há como mudar, Mas, se a
construção for em local mais propício, o local desmatado poderá ser compensado pelo
replantio de novas árvores, numa espécie de compensação ambiental, o “mal” será encarado
como passageiro.
Estas considerações sobre as representações sociais permitem perceber que,
embora uma representação se construa em torno de objetos precisos, reais ou imaginários,
não podem ser apreendidas no isolamento ou na dicotomia entre o que se pretende captar e
analisar e o viver concreto dos sujeitos. O ser humano caracteristicamente é dotado de
capacidades dentre as quais, a de criar e de sentir objetos, fatos, relacionamentos pessoais
repletos de imagens e significados. Esse processo em que ocorrem as imagens e os
significados forma as representações sociais. Dessa forma, as representações sociais se
apresentam como produto e como processo, ou seja, como conjunto de ideias, conceitos,
mitos, estereótipos e valores, por exemplo, e como também, um ato de conhecer, de criar e
recriar um dado objeto.
55
3.2 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E A GEOGRAFIA
As representações sociais são construídas à partir das práticas sociais no espaço
vivido pelos sujeitos, que vem a ser um objeto da representação. Este espaço, conhecido e
recriado torna-se um objeto social de debate na Geografia, tendo em vista que é considerado
um conjunto de espaços superpostos no território que engloba todos estes espaços. Assim,
todo o conjunto faz parte do objeto das representações sociais do espaço em geografia seja
como processo, que faz referência às representações simbólicas e imagéticas associando as
situações de aprendizagem, ou como produto traduzido pelas imagens estruturadas entre o
simbólico e o real.
As representações sociais são construídas a partir das práticas sociais no espaço
vivido pelos sujeitos, nos lugares. Todo lugar é valorizado de acordo com os atributos sociais
e espaciais que se refletem nas práticas e aspirações humanas, e o conhecimento geográfico se
inicia pela subjetividade que lhe permite a seleção de certos elementos dos lugares ou a
especialização da própria ciência geográfica.
Todos os lugares são pequenos mundos: o sentido do mundo, no entanto,
pode ser encontrado explicitamente na arte mais do que na rede intangível
das relações humanas. Lugares podem ser símbolos públicos ou campos de
preocupação (fields of care), mas o poder dos símbolos para criar lugares depende, em última análise, das emoções humanas que vibram nos campos
de preocupação. (TUAN, 1980, p. 421)
Na Geografia as representações sociais aparecem nos anos 80 nos trabalhos de
Guérin, (1985), Gummuchian, (1985, 1989) e Bailly, (1986) sob a influência de Kant, para
estes autores a Geografia consiste nas representações de objetos, de práticas e de processos
espaciais graças aos conceitos evolutivos (ROSADO, 2009). No entanto Kozel (2002) nos diz
que foi Audgier (1986) o primeiro geógrafo a aplicar as representações sociais no campo
educacional.
Kozel diz que as representações sociais para a Geografia são:
[...] um tipo de linguagem, portanto, uma construção sígnica, um produto
social oriundo da construção social. A inter-relação entre os indivíduos é perpassada pelos valores, cujos significados são construídos pelos discursos
ou “dialogismos” que, ao serem incorporados, se constituem em signos que
se transformam em enunciados ou representações. (KOZEL, 2002, p. 229)
56
A partir dos estudos das representações sociais a Geografia busca nas ciências
afins servir-se de noções capazes de explicar a complexidade dos fenômenos, e esta
interdisciplinaridade não é nova nesta ciência, pois já dizia La Blache (1982, p. 37), “A
Geografia é considerada como se alimentando nas mesmas fontes de fatos da Geologia, da
Física, das Ciências naturais e [...] das Ciências Sociológicas”.
Na Geografia as representações sociais descrevem a experiência humana no
espaço, auxiliada pela Fenomenologia, considerando o mundo vivido como o substrato da
experiência. Essa concepção surgiu com a Geografia Humanística, a partir do
descontentamento de alguns geógrafos com o uso dos modelos mecanicistas e cientificistas da
Nova Geografia. Foi assim, na Fenomenologia que se encontrou diferentes modos de analisar
e conceitualizar que possibilitasse uma reflexão sobre o significado experiencial da ocupação
do espaço.
As representações na geografia voltadas para o comportamento humano surgiram
no início do século XX, com trabalhos sobre os deslocamentos dos homens no espaço. Sob
esta ótica, tratam-se de representações coletivas do espaço que explicam os laços criados com
os territórios e dando sentido aos lugares. No entanto, foi apenas na década de 1930 com os
estudos de Skinner sobre estímulo - resposta, que se passou a fazer relação entre o estímulo do
ambiente e o comportamento do homem. Dessa forma tomava forma o enfoque ambientalista,
tendo como base a análises do comportamento dos indivíduos vinculando os aspectos físicos
do ambiente natural e o ambiente vivido.
Kevin Lynch foi um dos representantes desse pensamento analisando o papel de
elementos externos e as propriedades geométricas utilizadas nas práticas humanas. Seus
estudos apontavam para uma valorização do processo de apreensão do indivíduo e dos
elementos visualizados e retidos na memória, recuperados através dos mapas mentais. Além
disso, Lynch foi o precursor ao estudar o espaço dentro do território representado e praticado
pelo homem tornando-se referência para a análise do espaço urbano, dadas as percepções e
representações socioespaciais dos seus usuários. Infelizmente faltou a esses estudos o
dimensionamento social, cultural e ideológica da percepção ambiental (BAILLY, 1986).
Outro referencial da Geografia Humanística no século XX foi Carl Sauer.
Desenvolveu uma abordagem simples para descrição da paisagem e negando o uso de
modelos científicos. Outro precursor foi David Lowenthal, com os estudos da percepção do
entorno, através da experiência subjetiva e a afetividade dos lugares. Essa nova forma de se
57
observar a Geografia, através da Psicologia Comportamental e da Cultura a partir do conceito
de gênero de vida, explicava os lugares e não o homem na sua região cultural, ou seja, não
abordavam as relações sociais, apesar das paisagens refletirem a organização socioespacial.
Com o movimento de renovação de conceitos e filosofia na Geografia, na década
de 1970, houve a consolidação da Geografia Humanista, quando passou a ter identidade
própria. A territorialidade e o comportamento dos indivíduos com o meio ambiente passaram
a ser temas de pesquisas aproximando os fundamentos orgânicos, cognitivos, afetivos e
simbólicos da identificação dos indivíduos com o lugar. Neste contexto, cabe ressaltar os
estudos de Edward Relph, Yi-Fu Tuan, Anne Buttimer, esta última concebe o espaço na
seguinte expressão: “[...] constituído como um mosaico de lugares especiais, cada qual
estampado pela vontade, valor e memória humana” (BUTTIMER, 1982, p. 177). A Geografia
Humanista assim vai à busca da compreensão de como as atividades e os fenômenos
geográficos revelam a qualidade da conscientização humana e a compreensão do mundo real.
Deve-se a Anne Buttimer a ligação entre a Geografia e a fenomenologia. Seus
estudos voltados para a perspectiva fenomenológica indicavam que cada indivíduo teria um
lugar natural considerado, que seria o início de seu sistema de referências pessoais. Tal lugar é
definido pela associação de espaços circundantes, isto é por uma série de lugares que se
fundem em regiões significativas, cada qual com uma estrutura apropriada e orientada em
relação a outras regiões.
Conforme Holzer (1997), a fenomenologia passa a se achar um aporte para
estudos geográficos com aspectos subjetivos da espacialidade, a partir de Edward Relph,
sendo que o método fenomenológico teria utilizado para a descrição rigorosa do mundo
vivido da experiência humana e, através da intencionalidade, reconhecer as essências da
estrutura perceptiva.
Sob o viés humanista, deve-se interpretar a experiência dos indivíduos no seu
lugar sobre a paisagem na Serra de Maranguape desvendando suas elaborações de conceitos,
símbolos e desejos captando o valor que dão ao lugar e ao sentimento de pertencimento a este.
Considera-se então, que a abrangência dos fenômenos, assim como os acontecimentos e as
experiências humanas são assim transpostas nas paisagens. Daí o entendimento de que a
paisagem serrana não se refere somente aos elementos naturais, mas também, a um meio
humanizado, a um território vivido por grupos de pessoas, a um lugar de criação e recriação
que se renova permanentemente. As representações na Geografia através do caráter humanista
procuram compreender como as vivências dos indivíduos se relacionam com a elaboração das
58
imagens mentais da paisagem, que influenciam as práticas socioespaciais que modificam o
espaço vivido do homem.
Segundo Bailly (1986), as imagens mentais são as representações das informações
conceituais (ligadas à memória) e da experiência perceptiva (ligada à percepção), Assim, as
representações são referências na reconstrução das percepções, e na elaboração de novas
relações e experiências anteriores. A Geografia das Representações procura ultrapassar as
análises das formas e funções do espaço e introduz a afetividade e o simbolismo na
interpretação das práticas cotidianas, a partir do uso das representações mentais e do
imaginário, nos estudos da densidade das relações tecidas entre o homem e o seu território.
Cabe lembrar os estudos de Moscovici (1978) que dizem que as relações entre
espaços e representações, só se tornam possíveis a partir da análise dos processos cognitivos,
que tratam dos mecanismos de aquisição, de representação dos objetos e suas transformações
em conhecimentos úteis para nossos julgamentos e decisões. O ato de representar um objeto,
então, não consiste em simplesmente reproduzi-lo, mas reconstituí-lo, transformando-o.
lembrando o conceito de Moscovici (1978, p. 28), a representação social é “um corpus
organizado de conhecimentos e uma das atividades psíquicas graças às quais os homens
tornam inteligível a realidade física e social, inserem-se num grupo ou numa ligação cotidiana
de trocas, e liberam os poderes de sua imaginação”.
A Geografia das Representações, portanto, a partir da noção fenomenológica de
mundo vivido, procura revelar as experiências do vivido através de informações individuais e
subjetivas, considerando as noções de espaço vivido e espaço percebido. Assim, as
representações do espaço podem ir além da simples percepção do ambiente real, referindo-se
também a espaços não percebidos atualmente ou a espaços imaginários. As noções de espaço
envolvem um complexo de ideias, que se distanciam das concepções de espaços que abarcam
apenas a sua materialidade enquanto objeto das relações sociais, e aproxima-se da perspectiva de
um espaço social, que relaciona o objetivo e o subjetivo, a partir de uma análise intersubjetiva da
realidade.
Nesse sentido, o espaço traz consigo os sentidos de sua organização ao mesmo
tempo em que dá visibilidade aos indivíduos e suas memórias, culturas, classes sociais e
atitudes. Daí Sposito (2004) dizer que o espaço como fenômeno deve ser percebido como
objeto de manifestação do seu sentido e como estrutura que reúne existência e significação,
homem e mundo.
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As representações sociais passam então, a serem construídas à partir das práticas
sociais no espaço vivido pelos indivíduos, logo este espaço torna-se um objeto da
representação. Este espaço conhecido e recriado torna-se um objeto social considerado como
um conjunto de espaços que se encontram em espaços de vidas, representados e também, na
noção de território que engloba estes espaços. Tudo isso junto faz parte do objeto das
representações sociais do espaço na Geografia seja como processo, referindo-se às
representações mentais que unem as situações de aprendizagem, ou como produtos traduzidos
pelas imagens que se estruturam entre o simbólico e o real.
O espaço tem em si sentidos que organizam e dão visibilidade especificamente
aos indivíduos. Nessa perspectiva valoriza-se a experiência individual ou coletiva tentando
compreender as formas de sentir das pessoas em relação aos seus lugares, como nos diz
Christofoletti (1985, p.22):
[...] para cada indivíduo, para cada grupo humano, existe uma visão do
mundo, que se expressa através das suas atitudes e valores para com o
quadro ambiente. É o contexto pelo qual a pessoa valoriza e organiza o seu espaço e o seu mundo, e nele se relaciona] As noções de espaço e lugar
surgem como muito importantes para esta tendência geográfica. O lugar é
aquele em que o indivíduo se encontra ambientado no qual está integrado.
Ele faz parte do seu mundo, dos seus sentimentos e afeiçoes; é o "centro de significância ou um foco de ação emocional do homem.
Assim, a afetividade dá ao lugar outro significado que não seja a referência de
toda e qualquer localidade, mas significâncias afetivas para um indivíduo ou grupo de
indivíduos. Tuan (1980) ao tentar estruturar estudos relacionados com a percepção, atitudes e
valores ambientais, propôs o termo Topofilia, que segundo ele são “todos os laços afetivos
dos seres humanos com o meio ambiente material” (TUAN, 1980, p. 107). O autor chama a
atenção para as relações biológicas existentes entre os órgãos dos sentidos, os gêneros das
pessoas e os espaços destacando a influência fundamental das culturas sobre as percepções.
Assim, compreende-se que as pessoas, mesmo dotadas de órgãos sensoriais inerentes a todo
ser humano, têm percepções diferentes de mundo de acordo com a cultura na qual estão
inseridas.
Ao vislumbrar a paisagem serrana de Maranguape, encontram-se como exemplos
de topofilia diferentes formas de ver a serra. Ela pode ser vista pelo seu aspecto cênico de
belezas naturais para alguns possuidores de casa de veraneio, ou pela ótica de alguns
moradores locais que experimentam outros sentimentos como a afetividade com o lugar
vivendo seu cotidiano ali. São exposições de relações emocionais com seu lar.
60
4. DISCUTINDO PAISAGEM, PERCEPÇÃO E LUGAR
Paisagem é um termo de significados múltiplos e de vários sentidos. Pode exprimir
tudo àquilo que os olhos alcançam, assim como também, pode exprimir a produção e a
representação do espaço. Nessa perspectiva, a paisagem não pode ser vislumbrada somente
sob os aspectos naturais e culturais que se materializam no ambiente, observados pelos
sujeitos ou pela coletividade, nela se inserem também, além do pictórico, os valores, as
crenças e as ideologias também fazem parte dela, mesmo que de forma implícita ou
explicitamente.
Estando inserida em um contexto socioespacial, a paisagem pode estar associada ao
fenômeno das representações sociais a partir do entendimento de que, as representações são
imagens construídas sobre o real, criadas a partir das relações do indivíduo no seu grupo
social, num determinado espaço. Nesta perspectiva, apresentamos este capítulo inserindo na
paisagem serrana de Maranguape no contexto da Teoria das Representações Sociais como
possibilidade de compreender como as comunidades locais criam e recriam a paisagem
cotidiana ao estabelecer suas estratégias de sobrevivência.
4.1 PAISAGEM ENQUANTO CONCRETUDE DO ESPAÇO
A definição simplista da paisagem não dá conta da complexidade que o termo
abrange. Chantal & Raison (1986, p.158) afirmam que: “em torno deste vocábulo, inçado de
tantas inspirações existenciais quando de significados científicos, se realize uma síntese eficaz
das relações dialéticas entre natureza e sociedade”. Para geografia a paisagem é um conceito-
chave, um dos temas clássicos da investigação, a partir do qual se pode construir
diversificadas abordagens, as mais ricas possíveis para a nossa ciência.
Paisagem conforme o interesse do que é objeto ou uma maneira como se encara a
própria noção de paisagem torna-se diferente. Um geógrafo ou outro profissional de ciências
distintas ao observar e discutirem diante da mesma paisagem, provavelmente cada um a
mostrará sobre diferentes abordagens, de acordo com a visão de cada um e seus preceitos
metodológicos.
61
No decorrer do desenvolvimento da história da Geografia e da evolução do
pensamento filosófico que a envolve, em alguns momentos a paisagem foi relegada a segundo
plano dada a valorização dos conceitos de região, espaço, território e lugar, considerados mais
adequados às necessidades contemporâneas (CORRÊA e ROSENDAHL, 1998).
De acordo com Moraes (1993), o termo “paisagem” recebeu significados variados
ao longo de vários séculos. A paisagem foi alocada como lugar de contemplação. Na
Antiguidade Clássica, a paisagem aparecia nos estudos de Heródoto e Estrabão com a
descrição dos mundos naturais e sociais de suas andanças, que para eles seria a prática de uma
descrição da paisagem, necessária portanto, ao reconhecimento da Geografia do mundo
conhecido.
Foi nas discussões modernas da ciência geográfica, que o termo paisagem foi
delineando sua definição nesta ciência passando a ser um de seus objetos de estudo. Surgiu no
pensamento naturalista do século XIX, cujo primeiro método no estudo da paisagem consistia
no reconhecimento, na descrição e na classificação, contribuindo com as correntes teóricas e
escolas que valorizavam o Determinismo ou o Possibilismo. Incitado pela Revolução
Industrial e pela lógica capitalista, o conceito viveu a influência do materialismo histórico e
chega aos dias atuais como algo fluido, no sentido de não ser único, acabado e rígido, sem
necessariamente obedecer à lógica de uma única escola ou corrente teórica específica
(MENESES, 2002).
Atribui-se a Alexander von Humboldt, naturalista europeu, a difusão da ideia de
paisagem na Geografia, esta enquanto uma ciência de síntese da paisagem que deveria ser
descrita e representada. Para Humboldt o geógrafo deveria contemplar a estética da paisagem,
e o observador seria capaz de apreender todos os elementos desta paisagem, registrá-los e
representá-los filtrados pelo pensamento lógico. A paisagem assim era entendida como as
feições morfológicas, fitofisionômicas, topográficas, hídricas e geológicas nas quais o homem
atuava, sendo que ele não era elemento constituinte e importante na paisagem, mas apenas um
coadjuvante em meio à natureza (MORAES, 1993).
Ratzel, em meados do século XIX na Alemanha, surgiu com a Antropogeografia,
na qual a ciência geográfica incluiria o homem em seus estudos. Naquela obra, Ratzel definiu
como objeto da Geografia o estudo da influência que as condições naturais exerciam sobre o
homem. Para Ratzel, o território representaria as condições de trabalho e existência de uma
sociedade. A paisagem na Antropogeografia de Ratzel continuava a ser o ambiente natural,
62
mas agora este ambiente incluía o homem, e todas suas reações e acontecimentos relacionados
a ele eram também naturalizados (MORAES, 1993).
Em oposição a essa teoria de Ratzel, ainda no século XIX, surgiu a teoria de Vidal
de La Blache, que concebia o homem como hóspede antigo de vários pontos da superfície do
planeta, que em cada lugar se adaptou ao meio que o envolvia através das técnicas, hábitos,
usos e costumes, que lhe permitiram utilizar os recursos disponíveis, que compunham o que
ele chamou de “gênero de vida” (MORAES, 1993).
A Geografia Humana foi entendida como uma geografia de paisagem, concepção
de relação entre homem e natureza e não de uma relação entre homens. As técnicas eram
entendidas como instrumentos, não como processo, de produção e o que interessaria à análise
seria o resultado da ação humana na paisagem. Paisagem assumia o significado de ambiente.
La Blache admitia que havia influência do meio sobre o homem, mas que o sucesso do
homem neste meio se relacionava à maneira e à medida que o homem conseguisse dominar e
administrar o ambiente, ou seja, a paisagem e o homem se relacionavam em um caráter
funcionalista.
No século XX, várias correntes teóricas surgiram na Geografia. Algumas
correntes, na tentativa de rompimento com as teorias anteriores consideradas tradicionais,
outras apenas buscavam complementar as antigas abordagens com conceitos revistos e
métodos novos. A ruptura proposta, no entanto, era vista muito raramente nas correntes
geográficas, mesmo com as críticas das escolas ditas modernas a suas antecessoras. O que se
observa é que neste momento não houve o rompimento definitivo com as antigas premissas,
não houve inovação, nem originalidade. Assim, a década de 1950 para Geografia foi
caracterizada por essa crise que exigia que o conhecimento geográfico não apenas descrevesse
o mundo, mas explicasse suas dinâmicas e configurações.
Ainda no século XX com o desenvolvimento da Geografia Humana continua a
discussão sobre as relações entre sociedade, ambiente natural e cultura, na qual o conceito de
paisagem humanizada passou a ser objeto de investigação da Geografia (ZANATTA, 2007).
Os estudos sobre a paisagem nesse momento tiveram expressiva contribuição de Carl Sauer,
fundador da Escola de Berkeley nos Estados Unidos e que propôs a chamada Geografia
Cultural, desenvolvida e trabalhada na Europa há trinta anos e surgida no Brasil a partir do
final da década de 1980.
63
Carl Sauer propôs o estudo das paisagens culturais, defendendo ser de
competência da Geografia a “análise das formas que a cultura de um povo cria, na
organização de seu meio” (MORAES, 2001, p.86).
O foco dos estudos de Sauer eram principalmente as intervenções do homem
sobre a fauna e a flora. O homem, entendido como sujeito modificador do espaço, era o
delimitador de territórios, com capacidade de manipular o meio ambiente, através de seu
contexto cultural e histórico. Definiu paisagem ao escrever The Morfology of Landscape
(1925), como o conjunto das formas naturais e culturais associadas. Paisagem então seria o
resultado ao longo do tempo, de um agente, a cultura, sobre o quadro natural, daí por que ela
deveria ser entendida em sua totalidade, já que os objetos da paisagem se inter-relacionam e
que, a realidade não seria expressa no estudo isolado dos elementos que a compõem (SAUER,
1998).
Em meio a um contexto de grandes transformações sociais, culturais e econômicas
ocorridas nas décadas de 1960 a 1970 no Brasil e no mundo foram o cenário para o
surgimento de outras correntes geográficas e com elas, novos significados para a paisagem: a
Geografia Teorética, a Geografia Humanista e a Geografia Crítica.
A Geografia Teorética/Pragmática, ou a Nova Geografia, surgida no Brasil nas
décadas de 1960 a 1970, utilizava como método de análise modelos matemáticos e
estatísticos, que seriam representações das estruturas fundamentais da organização da
paisagem, que passava a ser entendida como resultado da integração entre os aspectos físicos
da paisagem e o uso que o homem faz deste espaço. As análises apresentavam-se ainda sob os
vieses positivista e também determinista. Nesta abordagem teórica, a Geografia passa a ser
considerada como ciência social e como uma ciência espacial, o que fez com que o conceito
de paisagem fosse subjulgado ao conceito de espaço, que alcançou o nível de conceito-chave
na Geografia (CORRÊA, 2008).
A Geografia Crítica baseia-se no método filosófico materialismo histórico e
dialético, com uma característica marcante: a preocupação em ser crítica e atuante. Busca a
superação quanto ao estudo dos padrões espaciais, analisando primeiramente os processos
sociais para associá-los com os espaciais, para isso interessa-se pelos modos de produção pois
as formações espaciais estão estreitamente relacionadas com o modo de produção. Teve como
representantes, além de outros, David Harvey, Yves Lacoste e Milton Santos.
64
No contexto da análise crítica do espaço, Santos (2002, p.103), estabelece a
distinção epistemológica entre espaço e paisagem. Segundo ele: “A paisagem é um conjunto
de formas que, num dado momento, exprime as heranças que representam as sucessivas
relações localizadas entre homem e natureza. O espaço são as formas mais a vida que as
anima”. O autor compara os dois conceitos afirmando que a paisagem é transtemporal, tendo
em vista que ela aproxima objetos do passado e do presente numa construção transversal.
Enquanto que o espaço é sempre o presente, trata-se de uma construção horizontal, uma
situação única: “A paisagem é história congelada, mas participa da história viva. São suas
formas que realizam, no espaço, as funções sociais”. (SANTOS, 2002, p. 107)
A paisagem é possuidora de um caráter histórico em suas distintas materialidades
presentes. Para Santos (2002), as contradições se realizam dialeticamente entre espaço e
sociedade,
Não existe dialética possível das formas enquanto formas. Nem a rigor entre
paisagem e sociedade. A sociedade se geografiza através das formas,
atribuindo-lhe uma função que vai mudando ao longo da história. O espaço é a síntese sempre provisória entre o conteúdo social e as formas espaciais. A
contradição é entre sociedade e espaço. (SANTOS, 2002, p.109)
Quando são atribuídos conceitos de boa, ruim e bela, por exemplo, à paisagem,
esta se transforma em espaço geográfico. A Serra de Maranguape tem certo valor para as
comunidades ali instaladas, ela não é vislumbrada somente pela sua forma ou beleza naturais,
nela está contida a história passada e presente dos indivíduos que ali vivem e convivem.
Nessa perspectiva, Corrêa e Rosendahl (1998) argumentam que o tempo é uma
variável fundamental para a análise da paisagem seja ela cultural ou geográfica, pois ela
resulta da ação, ao longo do tempo, da cultura sobre a paisagem natural. Assim, no decorrer
do tempo, as histórias individuais e coletivas que estão embutidas na paisagem, passam a
compor o conteúdo social da serra dando-lhe forma e conteúdo.
A cultura tem íntima relação com o sistema de representações, de significações,
de valores que dão origem a uma identidade manifestada por intermédio das construções
compartilhadas socialmente e expressas no espaço. A cultura em um sentido antropológico
mais amplo representa os modos de vida de uma sociedade, incluindo-se a produção de
objetos materiais (dentro de um sistema cultural de valores morais, éticos, hábitos e
significados expressos nas práticas sociais), um sistema simbólico (mitos e ritos unificadores)
65
e um sistema imaginário, que serve de liame aos dois últimos, constituindo-se no locus da
construção da identidade espacial de um grupo. (ZANATTA, 2007).
Para Corrêa (2003, p.13), o conceito de cultura,
[...] é liberado da visão supra-orgânica e do culturalismo, na qual a cultura é vista segundo o senso comum e dotada de poder explicativo. É vacinado
também contra a visão estruturalista, na qual a cultura faria parte da
“superestrutura”, sendo determinada pela “base”. A cultura é vista como um
reflexo, uma mediação e uma condição social. Não tem poder explicativo, ao contrário, necessita ser explicada.
Na década de 1970, a discussão da noção de paisagem, sua evolução na Geografia
e a sistematização do conceito de geossistema para compor o método de análise da paisagem
foram a base, no Brasil, para os esforços de análises integradas na tentativa de articular o
maior número possível de correlações dos diferentes atributos na estrutura de uma paisagem.
O fato da análise integrada da paisagem considerar a dimensão natural e social dos sistemas
paisagísticos possibilita avaliar como acontece a interação sociedade-ambiente nos diferentes
espaços.
George Bertrand (1971) dá uma grande contribuição sobre o conceito de paisagem
através do estudo geossistêmico, no qual a paisagem é numa determinada porção do espaço, o
resultado da combinação dinâmica, de elementos físicos, biológicos e antrópicos que reagem
dialeticamente uns sobre os outros, tornando-a um conjunto único e indissociável, uma análise
em várias dimensões em perpétua evolução. A partir deste estudo, a paisagem passou a ser
entendida de forma global e sistêmica. Neste período tentava-se um entendimento de que a
Geografia Humana e a Física deveriam trabalhar conjuntamente de modo que fosse possível
abarcar forma e conteúdo do espaço geográfico.
Outra importante contribuição foi a de Ab’Sáber ao tratar dos domínios
morfoclimáticos definindo paisagem como herança também com enfoque natural e social:
[...] paisagem é sempre uma herança. Na verdade, ela é uma herança em todo
o sentido da palavra: herança de processos fisiográficos e biológicos, e
patrimônio coletivo dos povos que historicamente as herdaram como território de atuação de suas comunidades. (AB’SÁBER, 2005, p.9)
Nas décadas de 1970 e 1980, paralelamente à Geografia Crítica, foi se
desenvolvendo a Geografia Humanista e Cultural, assentadas na fenomenologia e no
existencialismo, que deram outro enfoque aos estudos geográficos e ao conceito de paisagem.
66
Ao retomar a matriz historicista, na subjetividade, intuição, nos sentimentos, na experiência,
no simbolismo e na contingência, privilegiou o singular e a compreensão como fundamento
de inteligibilidade do mundo real. Nessa fase, houve uma revalorização dos conceitos de
paisagem e de região. O lugar, no entanto, passou a ser o conceito-chave e o espaço, passou a
ser entendido como “espaço vivido” (CORRÊA, 2008, p.31-35).
A Geografia Humanista tem como base os trabalhos realizados por Yi-Fu Tuan,
Anne Buttimer e Edward Relph, entre outros. A perspectiva da Geografia Humanista prioriza
as relações subjetivas do homem com o espaço e o ambiente. Estuda o cotidiano para
compreender os valores e atitudes das pessoas sobre o espaço e o ambiente em que vivem. A
partir destas perspectivas a Geografia Humanista passava a encontrar aporte na
fenomenologia, pois tinham em comum o conceito de mundo como conjunto de vivências
individuais e subjetivas dos sujeitos.
Embora possuísse raízes mais antigas, em Kant e em Hegel, os significados
contemporâneos da fenomenologia são atribuídos à Edmund Husserl. A fenomenologia
permite à Geografia Humanística valorizar a percepção do indivíduo por meio de suas
experiências.
A fenomenologia passou a fazer parte nas discussões geográficas com o intuito de
traduzir os significados dos fenômenos dando conta da percepção e da visão cultural do
conceito de paisagem. Nessa perspectiva, a subjetividade tornou-se elemento fundamental na
relação entre o ser humano, seu espaço e a paisagem, demonstradores da experiência vivida
dos sujeitos como forma de configuração da realidade.
Segundo Castro (2002), a necessidade de uma Nova Geografia Cultural trouxe
novamente à discussão o conceito de paisagem. Passou a ser revestida de novos conteúdos,
graças à ampliação das explicações sobre ela ao ter incorporada as noções de percepção, de
representação, de imaginário e de simbolismo. Essa nova dimensão geográfica da cultura
recolocou o homem no centro de suas preocupações, como produtor e produto de seu próprio
mundo. É nesta perspectiva que o presente estudo sobre as representações sociais da paisagem
serrana de Maranguape serão analisadas, nas quais os pensamentos individuais e coletivos,
transformados em práticas cotidianas podem se apresentar explícita ou implicitamente nesta
paisagem.
Em termos metodológicos, após longos períodos de reformulação, a Geografia
Cultural propõe que a paisagem deve ser lida e interpretada, neste sentido a prática descritiva
67
da paisagem é substituída por uma que é interpretativa. A paisagem é considerada como o
lugar e o produto em que as relações entre homens e entre homem/meio ocorrem. Nesta
abordagem, as paisagens falam dos homens que as modelam e que as habitam atualmente, e
daqueles que lhes precederam, informam sobre as necessidades e os sonhos de hoje, e sobre aqueles de
um passado muitas vezes difícil de datar (CLAVAL, 2001, 15).
Denis Cosgrove, ainda na década de 1970, dá interessante contribuição sobre os
aspectos culturais e simbólicos embutidos na paisagem, com uma nova abordagem aos
estudos geográficos substituindo os ideais positivistas anteriores. Segundo ele, caberia ao
geógrafo um esforço para mostrar que a Geografia existe para ser apreciada, pois:
[...] as paixões inconvenientemente, às vezes assustadoramente
poderosas, motivadoras da ação humana, entre elas as morais,
patrióticas, religiosas, sexuais e políticas. Todos sabemos quão
fundamentalmente estas motivações influenciam nosso
comportamento diário. [...] Contudo na geografia humana parecemos
intencionalmente ignorá-las ou negá-las. [...] Nossa geografia deixa
escapar muito do significado contido na paisagem humana tendendo a
reduzi-la a uma impressão impessoal de forças demográficas e
econômicas. (COSGROVE, 1999, p.97)
Nesse entendimento, o autor chama atenção para que ao fazer a interpretação das
paisagens humanas deveriam ser utilizadas as mesmas capacidades com as quais se analisar
um romance, um poema, um filme ou um quadro, numa compreensão de que a paisagem
expressa as ações e relações humanas. Esta por sua vez, composta por camadas de
significados, dando um caráter humano e social à ciência geográfica.
Ao trazer a cultura para os estudos geográficos Cosgrove argumenta que ela tem
íntima relação com o poder, pois revela as relações de dominação e de opressão. Nas palavras
do autor:
Um grupo dominante procurará impor sua própria experiência de mundo,
suas próprias suposições tomadas como verdadeiras, como a objetiva e válida cultura para todas as pessoas. O poder é expresso e mantido na
reprodução da cultura. Isto é melhor concretizado quando menos visível,
quando as suposições culturais do grupo dominante aparecem simplesmente como senso comum. Isto é as vezes chamado de hegemonia cultural. Há,
portanto, culturas dominantes e subdominantes ou alternativas, não apenas
no sentido político, mas também em termos de sexo, idade e etnicidade. (COSGROVE, 1999, p.104-105).
68
As paisagens entendidas como verdadeiras da vida cotidiana são portadoras de
significados, e cabe à Geografia decodificá-las. As simbologias expressas na paisagem quase
sempre são reprodução de normas culturais que estabelecem valores de grupos dominantes na
sociedade. Esta é uma maneira crítica e original para se trabalhar a paisagem, incorporando a
dimensão simbólica.
.
4.2 PERCEPÇÃO
O termo percepção é originado do latim perception. Comumente encontram-se
várias definições sobre percepção, tais como: ato ou efeito de perceber; combinação dos
sentidos no reconhecimento de um objeto; recepção de um estímulo; faculdade de conhecer
independentemente dos sentidos; sensação; intuição; ideia; imagem; representação intelectual.
Assim, a partir dessas definições, pode-se dizer que seus conceitos vão desde a recepção de
estímulos até a intuição, a ideia e a imagem, que são categorias perfeitamente distintas no
discurso filosófico (SCHULTZ & SCHULTZ, 2009).
De acordo com os autores, um dos mais famosos estudiosos do processo de
percepção foi Kant e segundo ele, quando percebemos aquilo que chamamos de objeto,
encontramos os estados mentais que parecem compostos de partes e pedaços. Tais elementos
são organizados obedecendo a um sentido, e não meramente por meio de processos de
associação (SCHULTZ & SCHULTZ, 2009).
No processo de percepção, a mente cria uma experiência completa. Assim, pode-
se dizer que, a percepção não é uma impressão passiva e uma combinação de elementos
sensoriais, trata-se de uma organização ativa dos elementos, de modo a formar uma
experiência coerente, daí sua aproximação com a fenomenologia. Nessa perspectiva, a
experiência não é analisada, nem reduzida aos seus elementos, ou abstraída de alguma forma
artificial. Envolve uma experiência de senso comum, sem tendência.
A relação da percepção com a fenomenologia influenciou a renovação da
Geografia Cultural na qual natureza, sociedade e cultura passam a ser tratadas como
fenômenos complexos sobre os quais só se obtém respostas a partir de experiências que se
apresentam e conforme o sentido que as pessoas dão à sua existência. Para Holzer (1996),
essa renovação da Geografia Cultural, iniciou-se na década de 1960 com as discussões de
69
John K. Wright, David Lowenthal sobre o fato de que a Geografia deveria abarcar os vários
modos de observação, o consciente e o inconsciente, o objetivo e o subjetivo, o fortuito e o
deliberado, o literal e o esquemático.
Em 1974, ao tentar estruturar o setor de estudos relacionados com a percepção,
atitudes e valores ambientais, Yi-Fu Tuan propôs o termo Topofilia definindo-o como "o elo
afetivo entre a pessoa e o lugar ou quadro físico".
Na década de 1970, de acordo com Holzer (1996), Yi Fu Tuan lança o livro
Topofilia, sob a influência do filósofo francês Gaston Bachelard e sua obra A Poética do
Espaço (1951), no qual propõe que a Geografia volte-se a um novo pensar sobre a relação do
homem com o mundo em que vive. Ao tentar estruturar o setor de estudos relacionados com a
percepção, atitudes e valores ambientais, Yi-Fu Tuan propôs o termo Topofilia definindo-o
como "o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou quadro físico". Nessa perspectiva, para Tuan o
lugar remete ao espaço do cotidiano, do vivido, do percebido. Desta forma, atribui grande
ênfase na experiência sensorial por parte dos habitantes do lugar. Na serra de Maranguape o
lugar poderia assim ser explicado somente pela percepção ou elos que os habitantes possuem
com o lugar.
Anne Buttimer também foi importante nessa discussão que, no entendimento de
Oliveira (2001) foi fundamental para a constituição da Geografia Humanista a partir de seu
olhar crítico de caráter sociológico na Geografia considerando o existencialismo e o
fenomenologismo.
Lívia de Oliveira, com seus estudos sobre percepção do meio ambiente e sua forte
ligação com os estudos de Tuan, foi a pioneira dos estudos sobre percepção no Brasil. Em
1996, Lívia organizou, junto com o arquiteto Vicente Del Rio, uma obra que marcou a
consolidação dos estudos sobre Percepção do Meio Ambiente no país. Na década de 1990 a
Geografia Humanista passa a ter maior atenção dos geógrafos no país, coincidindo com o
renascimento dos estudos culturais, de forma renovada. Embora a Geografia Cultural
mantenha uma individualidade em relação à Geografia Humanista, suas raízes são claramente
as mesmas e há uma coexistência profícua e íntima entre as disciplinas (HOLZER, 1992).
Foi nesse contexto que se deu o ressurgimento da perspectiva cultural na
Geografia, denominada como uma nova Geografia Cultural ou Geografia Fenomenológica,
como denominou Edward Relph a partir de suas reflexões em Merleau-Ponty e Bachelard, o
70
que pode ser encontrado na sua obra Place and Placelessness, de 1976, Geografia da
Percepção, Geografia Humanística ou, enfim, Geografia Humanista (OLIVEIRA, 2001).
A Fenomenologia propõe o modo intersubjetivo ou modo fenomenológico,
visando transpor o dualismo entre os modos subjetivo e objetivo de compreensão da
experiência. Neste intuito, esforça-se para desvendar o diálogo entre os indivíduos e a
subjetividade do seu mundo. A diferença essencial em relação aos métodos convencionais de
investigação, centra-se na distinção entre comportamento e experiência, isto é, na crítica
fenomenológica de duas questões: a relação do corpo e da mente e a relação da pessoa e o
mundo.
Sob a ótica da fenomenologia no espaço de Merleau-Ponty, “[...] o sujeito é uma
subjetividade encarnada e o sujeito da experiência é o corpo fenomênico inseparavelmente
ligado ao mundo” (SANTAELLA, 1988, p.30). Esse enfoque de estudo da Geografia tem
como premissa que, cada indivíduo possui uma percepção do mundo que se expressa
diretamente por meio de valores e atitudes para com o meio ambiente.
Segundo Holzer (1996, p. 12), a inserção da fenomenologia nos estudos de percepção
ambiental é utilizada na intenção de se fazer uma descrição rigorosa do mundo vivido da
experiência humana. O espaço vivido é uma categoria fundamental nos estudos de geografia
humana. É somente na redescoberta desses modos de viver e de se relacionar com a natureza,
o lugar habitado e a coletividade que se pode ancorar uma postura sensível e pró-ativa e uma
discursividade enraizada, crítica, capaz de gerar o comprometimento das pessoas, focos das
metas da educação ambiental.
A dimensão da percepção ambiental destaca-se como um mecanismo de compreensão
da realidade considerando, inclusive, possíveis distorções de interpretação que envolvem os
sentimentos individuais quando se faz a leitura da realidade, num determinado tempo
histórico. Dessa forma, o que os sujeitos percebem pertence ao mundo ‘real’ compartilhado
pelo grupo; no entanto, independente da vontade individual o ambiente está sujeito a
mudanças e transformações.
Retomando os estudos do início da década de 1970 sobre percepção, é relevante
lembrar do grupo Man and Biosphere – 13 (MAB) na UNESCO, que neste período passa a
disseminar pesquisas sobre a Percepção do Meio Ambiente, enfatizando o estudo da
percepção do meio ambiente como fundamental para a gestão de lugares e paisagens que
tinham importância para a humanidade. O objetivo do MAB era o estudo das relações entre as
71
populações e o meio ambiente em diversas cidades em torno do mundo, distribuídas em um
conjunto de 40 países, entre elas a cidade de Porto Alegre (MELO, 2005, p. 9150).
Oliveira (2001) chama atenção para as categorias espaço, lugar e paisagem, que
no decorrer da década de 1970, passam a ter uma abordagem centrada na dimensão humana: o
conceito de paisagem não se restringiria ao âmbito da natureza, mas envolveria o ser humano
com consciência, afetividade e conhecimento crítico; espaço seria definido como espaço
vivido e lugares, como dimensão existencial e perceptiva. Essas categorias redefinidas seriam
o cerne de uma geografia não positivista, que havia então se denominado Geografia
Humanística.
4.3 PAISAGEM, PERCEPÇÃO E LUGAR
O ambiente percebido assume diferentes formas, construídas a partir do que
usualmente chamamos de pontos de vista ou conteúdo cultural dos indivíduos e grupos
sociais. O significado e a importância atribuídos às coisas percebidas variam de pessoa para
pessoa e/ou de grupo para grupo, de acordo com sua experiência no espaço cotidiano, com a
vivência de um determinado lugar ou lugares.
Para Tuan (1983), o conceito de lugar passa a ser compreendido como uma
categoria da Geografia que transcende a delimitação espacial de uma porção de terra e está
contemplada numa dimensão subjetiva das mentes, memórias e histórias de vida onde existe
uma relação emocional entre sujeitos. O espaço transforma- se em lugar quando passa a
adquirir definição e significado. Assim, o espaço é um símbolo comum de liberdade no
mundo ocidental e o espaço fechado e humanizado é lugar. Nessa perspectiva, o homem
constrói referenciais afetivos com o lugar desenvolvidos ao longo da vida a partir da
convivência. Esses lugares, por sua vez, possuem um conjunto de sensações emotivas, daí
podem ser considerados seguros e/ou protegidos (TUAN, 1983).
Sob a ótica fenomenológica, o lugar é estudado a partir das relações e ligações
subjetivas que são estabelecidas entre o sujeito e o espaço. Para Tuan (1980), o espaço vem a
ser mais abstrato que o lugar à medida que se passa a conhecê-lo melhor e o dotar de valor e
significado. Lugar é o espaço de realização da vida como produção e reprodução das relações,
do espaço vivido, da afetividade, que segundo Carlos (2007, p. 15): “[...] o lugar guarda uma
dimensão prático-sensível, real e concreta que a análise, ao poucos, vai revelando”.
72
O lugar encarna as experiências e aspirações das pessoas. O lugar não é só um
fato a ser explicado na ampla estrutura do espaço, ele é a realidade a ser esclarecida e
compreendida sob a perspectiva das pessoas que lhe dão significado (TUAN, 2011).
A dimensão da paisagem, segundo Santos (1988), é dada pela dimensão da
percepção, daquilo que chega aos sentidos do homem, pois a paisagem é tudo aquilo que
nossa visão pode abarcar numa composição de volumes, cores, movimentos, sons, odores,
por exemplo, sendo no entanto, ao mesmo tempo, produto da materialização das ações dos
indivíduos no espaço. A paisagem configura-se então, como um conjunto heterogêneo de
formas naturais e artificiais no qual deve ser considerada a complexidade dos processos
sociais e a sucessão histórica dos modos de produção.
No estudo sobre a paisagem serrana de Maranguape, esta foi percebida pela
relação do indivíduo com o lugar e seu conteúdo cultural, e pelas contradições entre os
interesses dos grupos que compõem as comunidades residentes no lugar, independente das
diferentes posições sociais. No ambiente serrano de Maranguape a paisagem que se vê
degradada ou conservada, por exemplo, tem íntima relação com o coletivo, com a percepção e
o comportamento dos diferentes indivíduos, seus valores e experiências construídos no lugar.
O componente psicológico permeia a relação do homem e um lugar,
independentemente da extensão ou do tempo uma carga afetiva tem o efeito de aproximar ou,
ao contrário, de afastar. De acordo com Tuan (1983), essa relação do indivíduo com o lugar é
elaborada através da construção de uma relação sentimental que ele mantém nesse espaço,
colorindo-o e o sentido através das emoções derivadas de amor, orgulho, saudade, sensação
de riscos, de perigo devido à violência, consubstanciando-se na topofilia e topofobia.
Ao observar e ao interpretar a ação dos indivíduos na paisagem serrana de
Maranguape tem-se a possibilidade de decodificá-la nas relações entre sociedade e natureza
que se materializaram ali, permitindo uma aproximação do real através da compreensão de
mundo destes indivíduos. A representação socioespacial da paisagem vincula-se assim, à
percepção, à primeira impressão que se tem da realidade observada:
A dimensão da paisagem é a dimensão da percepção, o que chega aos
sentidos. Por isso, o aparelho cognitivo tem importância crucial nessa
apreensão, pelo fato de que toda nossa educação, formal ou informal,
é feita de forma seletiva, pessoas diferentes apresentam diversas
versões do mesmo fato. (SANTOS, 1988: 62)
73
A percepção sobre modo de vida dos indivíduos da serra de Maranguape refletida
na paisagem, traz consigo aspectos do comportamento destes, que se entrelaçam com suas
emoções, seus pensamentos e ações, assim como também, com as práticas ambientais
traduzidas pelo equilíbrio ou desequilíbrio dos elementos espaciais dispostos no lugar, que
correspondem à própria natureza e ações humanas. Essa percepção contém uma argumentação
fundamentada na existência real do indivíduo, na produção material de suas necessidades e
nas ideias que surgem de suas relações com a natureza, com o grupo social em que está
inserido, e até mesmo com seu pensamento sobre sua própria natureza.
Compreende-se que quando se analisa a paisagem no contexto cotidiano, ela
revela as representações da natureza e dos seus significados pelos indivíduos, passando a dar
vida a uma identidade socioespacial. Vitte (2007, p. 71) afirma que: “Por meio do conceito de
paisagem, o imaginário social transforma culturalmente a natureza, ao mesmo tempo, que os
sistemas técnicos agregam ao território as formas-conteúdo da paisagem constituída por
representações sociais”.
A percepção da paisagem que se tem hoje, depende de muitos elementos que se
juntam ao longo da vida. E, compreendendo que a percepção muda para cada indivíduo,
muitas construções que se fazem sobre paisagem podem ser representadas, seja a partir de
imagens, sons, leituras, como exemplos. Ela não é constituída somente por nossas memórias,
mas também por estratos de terra. Simon Schama ao escrever sobre a constituição da
paisagem enquanto formas de percepção humana e também de lembranças diz que:
[...] conquanto estejamos habituados a situar a natureza e a percepção
humana em dois campos distintos, na verdade eles são inseparáveis. Antes
de poder ser um repouso para os sentidos, a paisagem é obra da mente. Compõe-se tanto de camada de lembranças quanto de estratos de rochas.
(SCHAMA, 1996, p. 17).
Nessa perspectiva, a paisagem além de abarcar aspectos geográficos e territoriais,
passa de objeto de pura observação particular para além dos horizontes, pois ela amplia a
compreensão das formas de produção, reprodução e transformação do espaço.
74
5. O OBJETO DA PESQUISA
Neste momento da dissertação encontram-se as entrevistas realizadas com os
residentes da serra de Maranguape, realizadas em seu meio natural. Na análise buscou-se o
confronto do real com o teórico, buscando evidências nos estudos de vários autores que
estabeleçam relações com as representações sociais destes moradores sobre a serra.
5.1 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA PAISAGEM SERRANA DE MARANGUAPE
A paisagem tem suas características em diferentes espaços e infinitas variações do
aspecto visível que, se olhada atentamente deixa perceber aquilo que se encontra camuflado a
olho nu. A primeira impressão acerca da paisagem serrana de Maranguape mostra uma visão
que encanta visitantes e residentes. Sua beleza natural parece uma explosão de verde com
diferentes matizes que, ao lado dos córregos de água transparente, das coloridas flores com
seus odores característicos, sem contar com os animais e suas sonorizações tornam-se convite
para deitar-se no solo e contemplar o misto que se forma de beleza e calmaria. Por isso, se vê
neste lugar sítios, casas e pousadas dispostos em locais estratégicos da serra tornando-se
também parte desta paisagem. (Figura 2)
Os indivíduos que residem nas comunidades presentes no lugar também fazem
parte desta paisagem ao deixarem suas marcas expressas nas construções, que vão se tornando
pequenas à medida que a família cresce. Suas marcas podem ser também observadas nas
pequenas lavouras que sustentam a família quer no consumo diário, quer na comercialização
do pouco que sobra. A reunião de familiares e amigos em frente de casa ao terminar o dia, é o
momento para conversa sobre vários assuntos, contação de histórias, anedotas, enfim, é o
momento de descontração e de discussão acerca dos problemas cotidianos.
O lugar nessa perspectiva aproxima-se do sentido que Sauer lhe deu. Ele superou
a ideia estritamente locacional de lugar para embutir o contexto subjetivo e cultural. A
paisagem serrana de Maranguape em suas particularidades naturais e sociais vai se
desvendando aos poucos nas palavras de seus moradores.
Foram entrevistados 30 moradores da serra nas localidades de Guabiraba,
Pirapora, Serra do Gavião, Salto dos Peixes e Marianos, indicadas no mapa 2 em anexo. São
locais predominantemente habitados por parentes. Guabiraba é o único lugar visitado
75
considerado um bairro de Maranguape apesar de já estar na subida da serra. Trata-se de uma
vila na qual as pessoas adquiriram seus imóveis através de compra. Trata-se de um lugar de
clima agradável, boa vizinhança distribuída em 10 casas uma ao lado da outra; neste lugar os
moradores criaram um espaço social com banho natural e local para churrascos,
confraternizações ou simplesmente para contemplação da natureza na parte baixa do terreno
na qual passa uma pequena cachoeira.
FIGURA 2 – Foto de casa de veraneio no alto da serra em meio à vegetação
exuberante. Mar./2015
Na comunidade da Estrada do Pirapora foram visitadas sete casas em que
predominavam algum parentesco como pais, filhos, netos e bisnetos. Localiza-se logo após a
Guabiraba. É um local de fácil acesso, não possui saneamento básico, mas existe a coleta do
lixo duas vezes por semana. Nesta comunidade de casas simples, percebe-se uma preocupação
com o meio ambiente por praticarem algumas ações como, utilização de locais próprios para o
despejo dos resíduos sólidos, e limpeza ao redor da cachoeira sempre após o final de semana,
quando visitantes a utilizam, porém as águas servidas são despejadas no próprio quintal, longe
do rio.
76
O Salto dos Peixes é formado por um pequeno núcleo de moradores também ligados
por parentesco, como também na comunidade dos Marianos. Estão localizados em uma
porção mais inclinada da serra, onde sofrem com deslizamentos, em períodos chuvosos. Não
contam com rede de saneamento básico, possuem coleta de lixo duas vezes por semana,
insuficiente para a quantidade de resíduos descartados pelas comunidades, o que dificulta a
salubridade do lugar.
Na Serra do Gavião situada a 500m de altitude foram visitados 2 sitiantes e os
donos de uma pousada. Neste lugar a vegetação é mais densa e em meio a elas se vêm poucas
residências e pousadas. Apesar de não haver saneamento básico municipal, os moradores se
responsabilizam pela destinação correta das águas servidas e dos resíduos sólidos.
5.2 ANÁLISE E RESULTADO DAS ENTREVISTAS
Foram entrevistados 30 moradores da serra de Maranguape, no entanto levou-se
em consideração somente as falas de 15 sujeitos, tendo em vista que foi percebido que se
iniciava uma saturação de informações. Nas entrevistas ou conversas, propriamente ditas, fez-
se a associação livre de palavras utilizando as palavras estímulos, como serra, paisagem e
lugar para deixar o entrevistado à vontade e as informações fluírem.
As verbalizações originadas das entrevistas foram transcritas e em seguida,
organizadas pela técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (1992), obedecendo as
seguintes etapas:
1a) A pré-análise, na qual se dá a organização dos dados. Iniciou-se com a
transcrição na íntegra das 30 entrevistas realizadas com moradores da serra, seguida da leitura
destas entrevistas.
2a) Exploração do material que consiste na codificação destas entrevistas que
Bardin (1992), descreve como a fase de transformação dos dados brutos do texto mediante
recorte, agregação e enumeração, com o objetivo de descrever as características contidas nas
entrevistas. O recorte ocorre para escolha das unidades de registro (a unidade escolhida foram
as palavras serra, paisagem e lugar) e unidade de contexto.
3a) A terceira fase compõe a categorização quando foram agrupadas as unidades e
posteriormente, realizou-se a descrição das categorias.
77
Neste estudo, a partir das falas, sentimentos e percepções foram evidenciadas
quatro categorias principais, pois delas foram consideradas outras como secundárias: Casa,
Lugar, Vida e Natureza. As categorias secundárias foram, por exemplo, lar, lugar bonito,
sobrevivência e verde
A técnica de análise de conteúdo desenvolvida por Bardin (1992) tem como objetivo
compreender criticamente, o sentido das comunicações, seu conteúdo manifesto ou latente, as
significações explicitas ou ocultas. Nas visitas e conversas evidenciou-se que a Serra de
Maranguape assume o papel afetivo do conceito de lugar como no relato do Sr. Antunes,
morador da Guabiraba:
“A serra é o meu lugar, Olhe, nasci em Maranguape, mas despertei pra
vida aqui neste lugar. Tive uma vida muito agitada, trabalhando muito. Quando casei e
comprei esta casa, tive meus filhos e os criei aqui, amando este lugar. Vejo a serra como
minha casa. Confortava-me voltar do trabalho, sentar com a família no final da tarde e
admirar a natureza como se fosse um pedaço do paraíso. Hoje, ainda penso assim, este
cantinho que preparamos ali na cachoeira (figura 3) é como se fosse parte de nós mesmos, a
água que corre é como se fosse o sangue nas nossas veias e a paisagem que se vê é o reflexo
de nós mesmos. Ela é a porta do paraíso porque ela nos dá só o que é bom: a água, a
sombra, as frutas, o sossego, a alegria, não tem som de carro, nem a agitação da cidade. Só
ouço os sons dos bichos, o barulho da cachoeira, o ventinho frio antes de cair a noite mais
fresca ainda. Não tem lugar melhor no mundo inteiro. Me considero até um bicho do mato,
um bicho dessa serra. Aqui fiz um cantinho prá aproveitar melhor essa beleza, armo uma
rede e fico admirando meu paraíso”.
Sr. Cláudio, da Estrada do Pirapora, com 77 anos diz que:
“Sou natural de Maranguape, nasci na cidade, casei e decidi morar na
serra. Sempre fui apaixonado por este lugar e assim escolhi aqui para começar minha
família. Quando faltava o alimento em casa, era a serra quem me dava. Daqui também eu
tirava até lenha prá fazer o fogo. Nesse lugar brinquei nestas árvores com meus filhos, netos
e agora com os bisnetos, a água fria da cachoeira leva tudo de ruim que a gente tem. A serra
é meu aconchego, meu lugar. Juntamente com Deus ela é minha providência.” (Figura 4)
78
FIGURA 3– Guabiraba. Outubro/2014
FIGURA 4– Conversa embaixo de uma árvore na Estrada do Pirapora. Fev./2015
79
Sob esta ótica o lugar nos remete a Tuan (1979), ao dizer que o lugar é uma
entidade única, específica, possuidora de história e significado originadas pelas experiências e
aspirações das pessoas. O lugar não diz respeito somente à situação locacional, “ele é a
realidade a ser esclarecida e compreendida na perspectiva das pessoas que lhe dão
significado." (TUAN, 1980: 387).
O Sr. Cláudio retrata a serra como seu lugar. As experiências do morador serrano
preenchem o lugar lhe dando significação própria. Daí observar outra perspectiva acerca do
lugar, como nos disse Ana Maria, 31 anos, que nasceu e mora na serra, na comunidade dos
Marianos. (Figura 5):
“A natureza desse lugar parece que vai engolir a gente. Todas essas plantas
parece separar a gente do mundo. A serra prá mim é sinônimo de abandono, porque não
temos nada aqui. Tudo é sempre difícil, não se tem emprego, não se tem escola, transporte
então, é mais difícil ainda. Porque não se constrói escola pra gente de cima da serra? As
crianças correm perigo pra ir à escola, elas têm que atravessar um rio, que com as chuvas
fica mais perigoso. O sustento aqui em cima a gente só consegue se for plantando algo, sendo
empregado nos sítios ou com sorte, na cidade. Aqui pode ser bonito, mas é ruim prá viver.”
FIGURA 5 – A Comunidade dos Marianos
80
Na mesma perspectiva, encontra-se nas palavras da Sra. Belinha, 67 anos,
moradora do Salto dos Peixes, uma concordância do não gostar de viver na serra:
“Nasci, me criei e envelheci aqui. Acho que também vou morrer aqui!
Minha infância foi difícil comecei a trabalhar criança. Enquanto meus irmãos e meus primos
tinham tempo prá correr, prá ir por rio, eu tinha que trabalhar. A serra me faz lembrar dos
tempos difíceis prá mim, quando precisava caçar e tirar frutas dela prá complementar a
comida que era pouca pra uma família de 11 pessoas. Nesse ponto, fazer isso não era só uma
obrigação, mas também um momento que eu aproveitava prá brincar um pouco. A serra
assim, é um lugar de lembranças, mais tristes do que alegres, por isso nada me agrada morar
aqui, minhas lembranças não são boas, sem contar com o lixo que vem dos moradores dessa
parte mais alta, é só sujeira tanto no quintal quanto na frente de casa. Até mesmo na entrada
da comunidade se pode ver a imundície. “Nem uma fruteira posso plantar quintal,no pouco
espaço que tenho planto um pezinho de acerola, uma bananeirazinha e o riacho que passa
aqui só traz sujeira dos parentes e dos outros que moram mais em cima, é esgoto, é lixo. Essa
é a paisagem da serra com a qual convivo, é feia, é poluição!.” (Figuras 6 e 7)
FIGURA 6 – Lixo que se mistura com a água do rio no Salto dos Peixes. Fev./2014
81
FIGURA 7 – Entrada da comunidade Salto dos Peixes. Mar./2015
.
As experiências amargas desta moradora reforçam a ideia de lugar experienciado
e vivido de Hurssel (1986), na qual a compreensão do modo de vida do indivíduo está por
toda extensão dos aspectos comportamentais, que por sua vez, estão inter-relacionados com as
emoções, pensamentos e ações.
Nessa perspectiva, pode-se dizer que também têm íntima relação com as práticas
ambientais, que passam a ser traduzidas pelo equilíbrio ou não dos elementos espaciais,
arranjados fisionomicamente no meio correspondendo à própria natureza e às ações humanas
que estão refletidas na paisagem serrana de Maranguape.
Na perspectiva fenomenológica a materialidade do espaço é dotada de significações
específicas para cada indivíduo. No caso de Ana Maria e da Sra. Belinha as significações
caracterizam a objetividade individual de cada uma, mas que ao serem também
compartilhadas por outros indivíduos, passam a configurar a subjetividade tendo em vista que
cada um tem sua explicação própria para tal entendimento.
82
Na serra, nos locais em que existem maior concentração humana, é comum os
moradores reclamarem da falta de saneamento básico tendo em vista problemas ambientais e
de saúde pública que passam a fazer parte do cotidiano dos indivíduos. A paisagem que se
apresenta na qual a vegetação exuberante circunda é a de esgotos clandestinos, crianças
brincam na rua como se fora a extensão de suas casas, em meio a águas servidas de forte odor.
(Figuras 8 e 9)
FIGURA 8– No Salto dos Peixes presença de encanação clandestina despejando água
servida no rio
É comum nas casas dos moradores de menor poder aquisitivo o despejo de suas
excreções nos fundos ou frentes das casas deixando-os a céu aberto e com o mau cheiro no ar,
como se pode ver o esgoto correndo ao ar livre na rua.
83
FIGURA 9- Rua da comunidade do Saltos dos Peixes com água suja correndo a céu
aberto e crianças brincando ao redor
No entanto, moradores do riacho Gavião, como o Sr. Cláudio, apesar dessa prática
ser normal, ele, seus parentes (o parentesco é comum nestas comunidades serranas) e poucos
vizinhos amigos utilizam o que chamam de “garajau”, espécie de cercado montado pelo Sr.
Nêgo para descartar seus resíduos sólidos e aguardar o carro da coleta que vem duas vezes por
semana. Segundo eles, compreendendo a importância de cuidar da serra também estão
cuidando da saúde.
O Sr. Luiz Carlos, 53 anos (Figura 10), vizinho do Sr. Cláudio diz que:
Sou do sertão de Canindé, cresci vendo o chão e as plantas secas. Quando
surgiu a oportunidade de morar aqui na serra, não pensei duas vezes. Sonhava em viver num
lugar assim, rodeado de verde, ouvindo o canto dos passarinhos, da água caindo nas
corredeiras no quintal de casa. A vida aqui é muito diferente, é melhor. Aqui é um lugar
84
sagrado pra mim porque daqui posso tirar meu sustento plantando, vendendo, como e bebo
dessa dádiva de Deus. A gente que vive aqui é abençoado porque de tudo tem se a gente
quiser [...]. A serra é para mim a realização de um sonho.
FIGURA 10–Sr. Luiz (orgulhoso do lugar em que vive)
Lembrando Corrêa e Rosendahl (1998, p. 29), que ao tratar da paisagem dizem
que seu conteúdo, “é encontrado, portanto, nas qualidades físicas da área que são importantes
para o homem e nas formas do seu uso da área, em fatos de base física e fatos da cultura
humana”. A serra de Maranguape para esses moradores assume uma expressão qualitativa,
quando são somados todos os recursos naturais que o homem tem a sua disposição, e no que
diz respeito à cultura, conforme o entendimento de Corrêa e Rosendahl (1998) percebe-se
uma paisagem cujas marcas deixadas pela ação do homem podem ser vistas também nas
plantações de banana, características da Serra de Maranguape. (Figura 11)
85
FIGURA 11– Bananeiras plantadas em meio à vegetação nativa da serra
As formas de perceber e compreender os símbolos de uma paisagem tornam um
mesmo lugar diferente para qualquer observador, pois revelam percepções que vão do espaço
material ao imaginário, abrigando paisagens que se tornaram interiorizadas pela afetividade,
significando uma interrelação dos elementos naturais e os construídos. Dessa forma, pode ser
usada como exemplo a ação de uma garota de 10 anos, que será chamada de Laura, moradora
do Pirapora, que nas horas de folga, principalmente no final de semana, entra no verde da
serra com outras crianças e semeia árvores nativas ou não, fruteiras de preferência (Figura 12)
Segundo ela:
“[...] é pra dar mais beleza a serra, sem contar que é mais fruta para comer
quando elas crescerem”. Sua percepção sobre a paisagem tem íntima relação com sua
experiência vivida, com os exemplos e ensinamentos do avô. “Se a gente continuar a plantar
nunca vai acabar, nem as frutas, nem as outras plantas”.
86
FIGURA 12– Laura em meio as fruteiras que plantou. Mar./2015
São fatos corriqueiros que mostram como os espaços vão se criando e envolvendo
o grupo social orientando-os para uma prática. Percebe-se que o lugar na concepção destes
moradores reveste-se de uma forte subjetividade tornando-o um espaço cognitivo e afetivo.
Nessa perspectiva, a fenomenologia de Hussel favorece a compreensão das relações
estabelecidas entre o sujeito, o ambiente serrano de Maranguape e seu grupo social, que vão
se refletindo na paisagem. No entendimento de Laura:
“Paisagem é essa natureza. Amo viver aqui na serra, apesar da dificuldade
de ir para a escola, para a cidade. Gosto de subir no pé de seriguela e ficar só olhando as
plantas. Quando meu avô vai para o roçado, se puder, vou também, é legal plantar (Figura
13)! Gosto também do rio, a água e bem geladinha. Não gosto quando no final de semana
sempre vem gente de fora e faz a maior sujeira, não dá nem pra chegar perto do rio. É até
perigoso porque tem bebedeira. Mas, quando eles vão embora a gente vai e limpa tudo, tira
garrafa, copo e até resto de comida. As pessoas não entendem que além de sujar deixa feia a
87
paisagem. A serra é tão importante prá mim, é como se fosse o quintal onde brinco, pego
fruta, tomo banho no rio, por isso que a gente cuida ”.
FIGURA 13– Laura e seu avô cuidando da pequena lavoura. Mar./2015
Ao descrever a paisagem segundo a concepção de Laura, percebe-ser como se
produz o sentido dos fenômenos facilmente entendido pela sua ligação com o ambiente, pela
manifestação mental dos problemas encontrados e a manifestação consciente voltada para a
ação criada a partir do senso comum. Essa descrição é própria, proporcionada pelo sentido
pessoal de mundo.
Nesta mesma concepção as palavras de duas crianças moradoras da serra, Joaquim
e Pedro, 10 e 9 anos respectivamente, no banho de cachoeira (Figura 14) diziam:
Joaquim: “A serra é só brincadeira. Subo nas árvores, brinco no rio, na
cachoeira. É muito bom. Aqui é só alegria. Gosto de ver as plantas, os passarinhos, a água.
88
Nas brincadeiras finjo que sou um cavaleiro protegendo meu castelo. Quando tudo está seco
não é tão bom, porque as águas ficam só nas piscinas das casas ricas”.
Pedro: “Aqui na serra é muito bom prá mim, é o lugar onde eu e os outros
brincamos. Não quero sair daqui. Aqui é nosso quintal, aqui ficam nossos brinquedos, a
gente brinca, corre, pula, toma banho no rio, come manga, é bom demais! Muitas vezes a
gente foge de casa prá cá. Eu me sinto feliz por morar aqui. Só tem coisa boa”.
FIGURA 14- Crianças brincando no rio Pirapora
A paisagem para a Sra. Ana, proprietária de uma pousada, privilegiadamente
situada no alto da serra (Figura 15 e 16), embute sentimentos agradáveis pelo lugar, bem
como também como uma oportunidade de fonte de renda. Para ela a paisagem desse lugar é:
89
“Como um espelho mágico que revela imagens presentes, mas com o poder
de relembrar situações que muito marcaram minha vida, o cheiro dessa vegetação se
confunde na memória com o dos banhos dos meus filhos. Se você me perguntar que cheiro
seria esse, posso até lhe dizer quais produtos usava, mas os que me vêm mais forte são os do
cheiro das plantas, das jaqueiras, mangueiras, dos ipês, do mato. Quando a neblina não
permite ver a paisagem, me lembra o aconchego dos cobertores e o mingau fervendo que os
meninos esperavam na cama. É isso que essa paisagem me traz, lembranças de um passado
bem longe”.
FIGURA 15– Pousada de propriedade da Sra. “Ana”. Mar./2015
Paisagem nesse contexto, não se limita aos aspectos visíveis, ela remete aos
aspectos relacionados aos sentidos. A reflexão vai surgindo entre pensamentos e sentimentos,
em fragmentos da memória. Continua a Sra. Ana:
90
“Cada um de meus filhos plantou uma árvore perto de casa. Quando se
foram para Fortaleza, nas horas de saudade olho pra elas como se fossem eles. Hoje fiz da
minha casa uma pousada, foi uma forma de ter mais uma fonte de renda e de também estar
acompanhada de quem gosta de verde, sossego, cheiro de mato, neblina, cachoeira, enfim, de
quem gosta da serra como eu e meu filho Júnior”.
FIGURA 16– Vista lateral da pousada a 400 m de altitude na Serra de Maranguape.
Estrada do Gavião. 2014
Júnior, 47 anos, filho da Sra. Ana, diz que a serra é sua vida. A serra foi e ainda é
seu sustento. Segundo ele:
“Não me vejo fora daqui, a não ser para resolver alguma coisa. Gosto de
olhar a paisagem. Sinto-me personagem de uma história em que eu sou o rei e minha mãe a
91
rainha. A serra é o meu reino onde as árvores são meus súditos que me dão na mão o que
preciso: comida, água e ar puro. Sempre foi assim, daqui meus pais vendiam bananas para
nos sustentar, meu pai faleceu, meus irmãos foram embora e eu fiquei com a mamãe,
continuando a vender bananas até a construção da pousada. Assim, a serra foi e ainda é meu
sustento”, provavelmente por isso que eu tenho tanto amor por este lugar”.
A visão que se tem a partir desta pousada é de profunda beleza (Figuras 17 e 18).
FIGURA 17- Maranguape vista da Pousada na Estrada do Gavião. Mar./2015
FIGURA 18- Visão panorâmica do pátio interno da Pousada, Mar./2015
92
Outro aspecto da paisagem serrana foi captado na entrevista com Sr. Pedro, “Pai
de Santo”, 52 anos, morador da serra, segundo ele,
“A serra é onde eu me encontro com meus orixás. Essa calma e natureza
bela me chamaram atenção pra vir prá cá, pois me ajuda a receber orientações dos caboclos
e também a agradecer os pedidos alcançados fazendo os despachos, minhas obrigações, sem
ninguém para perturbar. Só saio daqui muito raramente, só quando falta alguma coisa em
casa. Não me sinto só, porque neste ambiente tenho certeza que estou bem com meus orixás e
com as pessoas que recorrem a mim e a eles (os orixás) para fazer algum trabalho, que pode
ser para arranjar emprego, para o marido não deixar a mulher e até mesmo para o marido
deixar a família para ficar com a ‘outra’. Eu digo que hoje a serra é minha sobrevivência
porque depois que mudei prá cá aumentaram meus clientes. Junto da natureza da serra,
encontro paz com meus orixás.” (Figura 19)
FIGURA 19- Estrada do Pirapora. Local de devoção aos orixás. 2015
93
Carla, 20 anos, nasceu e viveu até o momento na serra. Para ela, a serra foi seu
berço e “parece que vai ser meu caixão”. O motivo dessa desilusão se dá pela falta de
perspectiva, pois ainda não terminou o ensino médio e já tem uma criança de 1 ano. Para ela:
“A serra é um lugar de lembranças boas, quando ainda era criança junto
com meus irmãos e primos. As árvores eram nossas casas. E hoje eu vejo a serra assim, como
meu berço onde nasci, como minha casa, onde ainda moro com minha família e
provavelmente meu caixão, porque não acredito que vou sair daqui prá cidade, por exemplo.
Infelizmente, a beleza da serra não dá prá sustentar agente aqui. Os mais novos como eu, não
querem viver só do pouco que a agricultura dá, e apesar daqui ser um lugar muito bom
porque é bonito e calmo é péssimo pra se viver porque até pra comprar um arroz ou uma
farinha que falte tem que descer a serra, geralmente a pé, porque não se tem dinheiro para
pagar táxi ou mototáxi. Tudo é muito difícil aqui: escola e médico principalmente. Por isso
que eu digo: a serra é meu berço, minha casa e será meu caixão, não tenho perspectiva de
sair daqui.”. (Figura 20)
FIGURA 20 - Carla e sua criança em meio à vegetação que circunda sua casa
94
A paisagem de acordo com as qualidades simbólicas que a reproduzem e a
sustentam, passa a assumir um significado social pelos moradores. O locus desta pesquisa
situa-se dentro de uma área de Proteção Ambiental (APA) e pela ótica desta moradora
percebe-se um entendimento dual sobre esta APA: espaço social delimitado e definido por leis
e como lugar experienciado e vivido.
As palavras a seguir mostram o sentimento de Carla sobre o fato de morar em
uma área protegida por lei.
“Nos tempos do meu avô e de meus pais, ainda se plantava, se fazia um
carvão, as fruteiras davam mais frutas em lugar mais baixo, agora ficam na parte mais alta
da serra onde é mais difícil de pegar e isso porque agora aqui é uma área protegida. Pelo
que eu vejo, protegida só contra a gente pobre porque tem gente com mais dinheiro que
continua fazendo coisa errada, paga multa e pronto. A gente não tem dinheiro para pagar,
tem que viver assim, com mais dificuldade. Assim a serra prá mim é lugar de dificuldade para
o pobre e de facilidade para o rico.”
Nessa perspectiva, Pedro, 23 anos, morador do Salto dos Peixes, diz que:
“A serra é minha casa. Aqui é um lugar de paz, de amor, é o meu lugar.
Faço parte dessa natureza porque moro e convivo aqui. Desfruto da beleza da vegetação, do
ar puro, das frutas em abundância, do rio. Só não é felicidade total porque morando aqui
também vejo o rio represado nas piscinas dos donos de pousada e nas casas ricas, mais em
cima da serra. Já aqui embaixo, principalmente no período de seca, como passamos agora,
só nos resta doença trazida com os mosquitos que ficam nas águas enlamaçadas dos rios”.
Os moradores da serra, como atores sociais, fazem leituras de suas paisagens,
fazendo novas interpretações dela a cada experiência vivida, em novas percepções e
demonstrações de suas realidades espaciais. O discurso dos moradores Carla e Pedro deixa
claro suas percepções de desvantagem quanto à apropriação da terra, aquele que tem mais
recursos financeiros pode utilizá-la como melhor lhe convém, mesmo que contrariando a
95
legislação para áreas protegidas, enquanto que o menos favorecido a respeitam por obrigação
de cidadania e por medo de pagar multas sem poder.
Nessa perspectiva Relph (1976) mostrava em seus estudos que a paisagem é um
modo especial de compor, estruturar e de dar significado a um mundo externo, cuja história
tem que ser entendida em relação à apropriação material da terra. Trata-se da territorialização
da natureza pelo homem como bem nos diz Henrique (2014, p. 21):
A modificação do mundo natural em território humano, legitimada pelas
necessidades, requerimentos, desejos e esperanças dos homens, pode ser vista tanto como um projeto de emancipação coletiva, como pela realização
do conforto na vida individual.
Genoíno, 38 anos, morador dos Marianos, ao falar da paisagem local diz que:
“[...] A serra mexe comigo, sua paisagem me traz sentimentos de alegria ao
mesmo tempo em que me dá tristeza. Alegria, porque me lembro do namoro às margens do
rio, da felicidade que eram as brincadeiras e os beijos na água. Tristeza pelo amor que se
acabou e que não botei outro no lugar. Sempre que volto ao rio ainda me dá vontade de
chorar. Assim, a serra prá mim é saudade!”
De acordo com os processos de ancoragem e objetivação de Moscovici,
compreende-se que a ideia de paisagem serrana, no processo de ancoragem, comumente se
confunde com a de natureza, de exuberância do verde, no entanto os sentimentos que a
envolve aponta para outras perspectivas que passam a redefinir a paisagem, no que se chama
de objetivação.
À medida que os moradores compreendem a serra como espaço da própria
identidade e cultura suas relações com ela vão se intensificando provocando processos de
construção e reconstrução da paisagem fazendo surgir as representações, tais como seu lugar,
sua casa, de natureza, de vida, demonstradas no quadro 1.
No entanto foi observado também nas falas mais representativas do grupo outras
palavras pertencentes ao sistema de representações de significados, de acordo com as
identidades que se manifestaram nas construções compartilhadas socialmente e expressas
espacialmente, conforme o quaro 2.
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QUADRO 1– Categorias principais encontradas nas entrevistas
PAISAGEM SERRANA DE MARANGUAPE Lugar
QUADRO 2– Subcategorias encontradas da paisagem serrana de Maranguape
CASA Lar - Berço - Aconchego - Quintal
Lugar bonito - de paz e de amor - lugar ruim prá viver
LUGAR protegido por lei - de abandono - de carência - de lembrança de
tempos difíceis - de realização de um sonho - lugar de encontro
com o religioso.
VIDA Sobrevivência - Fonte de Renda - Sustento - Morte.
NATUREZA Verde - Vegetação - Sujeira - Paisagem Poluída - Paraíso - Sossego -
Alegria - Amor.
Casa
Lugar
Vida
Natureza
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Nesse contexto, a cultura que permeia tais identificações representa todo o modo
de vida do grupo que inclui a produção de objetos materiais, seus valores morais, éticos,
hábitos e significados expressos nas práticas sociais, inclui também, mitos e ritos religiosos
além de um sistema imaginário, que serve de nexo para a construção da identidade espacial do
grupo.
Daí recorrermos a Corrêa (2003, p.13) para deixar claro o conceito de cultura:
[...] é liberado da visão supra-orgânica e do culturalismo, na qual a cultura é
vista segundo o senso comum e dotada de poder explicativo. É vacinado também contra a visão estruturalista, na qual a cultura faria parte da
‘superestrutura’, sendo determinada pela ‘base’. A cultura é vista como um
reflexo, uma mediação e uma condição social. Não tem poder explicativo, ao contrário, necessita ser explicada.
Tais categorias compõem neste estudo, a estrutura das representações sociais que
nada mais é do que a aproximação de toda imagem a uma ideia e vice versa (MOSCOVICI,
2003). A paisagem serrana de Maranguape passa a ser um conteúdo vivo, como uma visão
particular de seus moradores sobre o que veem, que desperta seus interesses, desinteresses,
sentimentos bons e ruins revelados em cada fala de acordo com o que a paisagem apresenta-se
e pela forma individual de interpretá-la: casa – berço, lugar protegido por lei – lugar de
carência, vida - morte, natureza – paisagem poluída.
As identidades são dinâmicas (HALL, 2001) construídas socialmente e assumem
um sentido para com o indivíduo através da linguagem e sistemas simbólicos representativos
e possuem relação direta com o ambiente. Nessa perspectiva, Moser (2005) ao discutir sobre
psicologia ambiental argumenta que o ambiente veicula significações, porquanto a visão da
natureza humana se exprime na maneira como o espaço é moldado, e a partir desse molde, o
espaço construído retorna para os indivíduos com identidades e papeis sociais ressignificados,
pois, “[...] uma vez que os lugares têm um passado que contribui para a sua interpretação
atual, e um futuro que é suscetível de nos guiar em nossas ações por meio de nossas
representações antecipatórias” (MOSER, 2005, p. 282).
No decorrer deste estudo um questionamento muito frequente se referia à
representatividade da fala do indivíduo em relação ao grupo. Nesse momento se faz
necessário lembrar Bourdieu (1972), quando na definição do conceito de habitus, dizia que a
identidade de condições de existência tende a produzir sistemas de disposições semelhantes,
através de uma harmonização objetiva de práticas e obras.
98
Quando se buscou compreender as representações sociais da paisagem serrana na
Serra de Maranguape pôde-se ver que, por meio das particularidades das práticas sociais de
cada morador entrevistado, mesmo que sem saber ou querer os mostravam como produtor e
reprodutor de um modo de agir.
Ao discutir a teoria das representações sociais Abric (2006) elenca quatro funções:
a função de saber, a identitária, a de orientação e a função justificadora. A função de saber
relaciona-se às compreensões da realidade; a função identitária, além de definir os moradores
da serra como pertencentes ao lugar, também permite a proteção das características próprias
desse grupo. A função de orientação guia os comportamentos e práticas do grupo; e a função
justificadora justificam-se as posições e comportamentos do grupo.
Nessa perspectiva, as representações sociais dos moradores serranos de
Maranguape surgiram de suas reconstruções mentais elaboradas pautadas na consciência
expressas pelas palavras e atos ou pelas experiências, aos quais esses moradores atribuíam um
significado, de acordo com sua percepção sobre si e sobre o lugar que originavam
comportamentos e atitudes. A esse processo pode-se chamar de objetivação e ancoragem, pois
na ancoragem os objetos novos são classificados e alinhados com o conhecimento prévio. Na
objetivação, entendida como a materialização de um conceito, se reproduz uma ideia abstrata
em imagem.
Na ancoragem, fase simbólica das representações, é possível interpretar e
assimilar os elementos familiares, classificando-os e dando nomes a eles. Na objetivação, fase
figurativa das representações, encontram-se os resultados da capacidade que o pensamento e a
linguagem que os moradores têm de materializar o abstrato, possibilitando-lhes formular
novos conceitos baseados nas informações existentes.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
As representações sociais são externalidades do visível que parecem invisíveis,
mas contextualizadas no espaço habitado por afetividade, por intimidade, por experiências de
vida. Daí porque se dizer que as representações sociais são construções de visão de mundo,
em que o espaço em diferentes temporalidades vai assumindo o sentido de lugar.
A visão fisionômica da paisagem é a primeira aproximação da realidade, é o que
nos aparece, e as paisagens assumem uma função de acordo com as condições que lhes são
propícias do lugar, que pode ser estética, política, econômica, histórica ou cultural, de modo a
determinar uma organização ou funcionalidade.
Nessa perspectiva a pesquisa permitiu obter elementos para responder à questão
de pesquisa formulada e para atingir os objetivos propostos. Possibilitou identificar outros
aspectos que poderão ser objetos de maior profundidade analítica, em futuras pesquisas.
Os resultados da pesquisa possibilitaram a apreensão do sentido das falas quanto à
compreensão da construção de suas práticas cotidianas nas representações sociais da
paisagem. As diferenças afetivas dos indivíduos provocam uma diferenciação quanto ao uso
que se faz do extrato físico da serra. Isso tem íntima relação com as formas de uso e ocupação
do solo.
Para aqueles que possuem casas de veraneio a paisagem natural é um atrativo para
o lazer e o ócio. Para moradores antigos da serra a paisagem é um complemento de suas vidas,
pois os remete a lembranças de momentos felizes da infância e da juventude, como banhos
nas cachoeiras e brincadeiras entre a vegetação mais abundante que na atualidade.
Para entrevistados adultos, o espaço serrano de Maranguape poderia ser mais
explorado com recursos para fonte de renda que não fosse a agricultura. Segundo estes a
paisagem natural não tem grande serventia se não for transformada com a criação de pousadas
além das existentes, clubes e outros que pudessem oferecer renda para os residentes locais.
Ao se estudar as representações sociais da paisagem serrana de Maranguape
pode-se perceber que no que diz respeito à paisagem existe uma interdependência ou
objetivos comuns entre seus moradores, pois fazem parte cotidianamente dela conscientes
ou não.
100
Na perspectiva cultural a paisagem é sempre uma herança que se manifesta
como testemunho de uma objetividade que vai surgindo das subjetividades próprias do ser
humano, tendo em vista, que a realidade geográfica nos conduz às múltiplas dimensões do
vivido, que ultrapassam os limites territoriais para muito além das suas interações implícitas
relativas à matéria, à concretude do espaço. A paisagem assim assume o caráter de imagem
cultural, na qual se deixa representar ou simbolizar em tudo que circunda os moradores
serranos.
A paisagem não se restringe apenas como substrato e meio, mas expande-se em
significados ao incorporar o sentido de fonte de vida, de aconchego, de alegria, de religião,
como pensam os moradores entrevistados, estabelecendo relações existenciais entre o
indivíduo e o “seu” lugar.
Em alguns momentos das entrevistas a serra foi tratada como uma área
protegida por lei, a maioria dos entrevistados desconhecia o fato, mas dois dos entrevistados
comentaram que as exigências legais na serra somente eram para os pores, pois aqueles
moradores com mais recursos financeiros, ao serem confrontados com alguma
irregularidade, são multados e ao pagarem a multa resolvem o problema. Isso mostra que
algumas pessoas observam, percebem e cuidam menos de seu espaço de vida,
desconsiderando e desvalorizando-o. Enquanto que a minoria conhece e valoriza o espaço
em que se vive, compreendendo que isso é a base para uma relação mais sustentável com a
natureza, e consequentemente melhorando a qualidade de vida. Assim é importante que as
pessoas (re) conheçam o lugar em que vivem para que possam atribuir maior valor ao seu
espaço.
Ao analisar a paisagem ao seu redor, algo que se mostra tão comum e familiar já
não é atribuído tanta importância. No entanto, as vivências de cada um e as múltiplas
percepções quando compartilhadas, possibilitam um olhar crítico sobre os componentes
espaciais presentes na paisagem.
As peculiaridades da paisagem serrana de Maranguape mostram como certos
grupos atribuíram significados diferentes a cada elemento do ambiente. Um rio pode ser o
passado e o presente de brincadeiras, mas também é uma barreira que dificulta ou
impossibilita o acesso, principalmente em período chuvoso. A neblina que, ao mesmo tempo
em que representa o perigo na estrada, representa também a acolhedora lembrança do calor da
cama em tempos passados, Os arranjos de sentidos são feitos pelas culturas, em suas
singularidades individuais e coletivas. A paz e a beleza natural que enche os olhos e acalma a
101
alma, também representam agradecimentos e súplicas com a espiritualidade representados por
deuses e orixás.
A coexistência dos aspectos naturais da serra com a presença do ser humano
produz diferentes objetivações e ancoragens através dos diferentes modos de vida, sem
desconsiderar suas relações íntimas com o lugar. Isso nas representações sociais é identificado
nos padrões gerais do imaginário dos indivíduos serranos através de atitudes, falas, símbolos
que traduzem suas condutas, seus desejos e necessidades, aceitações e reprovações a partir da
sua relação com a serra.
Essa identificação dá uma visão do espaço vivido numa desigualdade de tempos,
na qual se percebe uma superposição de ideias e sentimentos, que de acordo com cada
indivíduo, as aproximam ou as distanciam. Assim, o modo de vida, as emoções e
pensamentos dos indivíduos moradores da Serra de Maranguape se justificam pela paisagem
que se lhes apresenta.
A paisagem expressa nas falas dos indivíduos é mostrada sob vários aspectos que
não são somente os saudáveis, encontramos paisagens insalubres contrastando com as fontes
de água limpa e com a riqueza da fauna e até mesmo da beleza do relevo da serra. Essas
paisagens surgiram como os esgotos a céu aberto pela a falta de saneamento básico, o lixo
jogado nas margens dos rios e na estrada nas comunidades mais populosas, como o Salto dos
Peixes em particular.
Por fim, as falas e silêncios dos indivíduos entrevistados acerca da paisagem
serrana de Maranguape na perspectiva da fenomenologia e das representações sociais
mostraram a compreensão da paisagem local composta pelo imaginário e percepção dos
indivíduos aliados as suas práticas espaciais vivenciadas na relação com a natureza e uns com
os outros.
Essas dimensões da paisagem ultrapassaram o aspecto visual e as relações entre os
moradores e o ambiente, pois permitiram observar como a paisagem pode ter significados e
interesses diversos e que merecem atenção especial para implantação de políticas públicas que
atendam as perspectivas dos indivíduos ali residentes conciliadas à proteção ambiental que o
lugar exige.
102
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108
APÊNDICE
109
APÊNDICE A- GUIA DE ENTREVISTAS COM PALAVRAS GATILHO
Comunidade:_______________________________________________
Dia:___________________
Nome: ____________________________________________________ Idade:____________
1. Há quanto tempo reside no local?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
______
2. Possui filhos? Todos moram no local?
___________________________________________________________________________
3. O que lhe chamou atenção para morar na Serra de Maranguape?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
4. O que o Sr. (a) entende por paisagem desse lugar?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
5. O que lhe chama atenção na paisagem desse lugar?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
6. O que considera positivo e negativo na paisagem da Serra?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
6. Já pensou ou pensa em sair daqui? Por que?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________