Download pdf - Lucia Leao

Transcript
Page 1: Lucia Leao

7/29/2019 Lucia Leao

http://slidepdf.com/reader/full/lucia-leao 1/7

O universal no imaginário sistêmico das poéticas cartográficas: aclopamentos e desvios nos processos

de criação transmidiáticos

Lucia Leãoi 

Resumo: As poéticas cartográficas, compreendidas enquanto processos de visualização dinâmicos de

bancos de dados digitais caracterizam práticas de produção de sentido e organização esquemática nociberespaço. Também denominados mapas da informação, esses projetos, devido sua naturezamultidisciplinar, são discutidos em diferentes campos da ciência como a carto-semiótica, o info-design eas teorias da informação. O exercício de estruturação do pensamento em diagramas conceituais, noentanto, é algo que acompanha os procedimentos cognitivos da humanidade e são observáveis emdiferentes períodos da cultura. Através das interações com os sistemas de visualização, é possívelperceber diferentes níveis de complexidades, relações inesperadas entre os dados, extrair reflexõespessoais e desenhar resignificações. Objetiva-se neste artigo analisar a presença e a busca pelo universalsistêmico no cenário das produções transmidiáticas. Palavras-chaves: Processos de Criação nas Mídias; Arte e tecnologia; Imaginário; Cartografias digitais,visualização de dados, universal.

 Abstract: The poetic cartographies, understood as dynamic data visualization processes, characterize frequent practices of meaning production and schematic organization into cyberspace. Also called 

information maps, these projects, because of its multidisciplinary nature, are discussed in different areas

of research such as semiotics, info-design and information theory. The exercise of structuring the thought 

into conceptual diagrams, however, is something that accompanies the cognitive procedures of 

humanity and that can be observable in different periods of culture. Through interactions with

visualization systems, it is possible to see different levels of complexity, unexpected relationships among

the data, extract personal reflections and design meanings. The main objective of this article is to

analyze the presence and the search for the systemic universal in the context of transmedia productions.

Keywords: Creative Processes in Media; Art and technology; Data visualization; Imaginary; Digital 

Cartographies.

Nada é fixo para aquele que alternadamente pensa e sonha. (Bachelard, 1991:95)

Introdução

Visualização do conhecimento, mapas dinâmicos de bancos de dados digitais e design da informação sãoprocessos criativos que permeiam o ciberespaço. As poéticas cartográficas caracterizam práticas deprodução de sentido que buscam organizar dados complexos. Também denominados visualização dedados (em inglês, “data visualization”), ou visualização da informação (“information visualization”,abreviado em “infovis”), esses projetos buscam desenvolver maneiras visuais de representação de umgrande número de dados. Devido sua natureza multidisciplinar, são discutidos em diferentes campos doconhecimento como a comunicação, a carto-semiótica, as ciências cognitivas, o info-design e as teoriasdas mídias.

As aplicações desses sistemas de visualização se estendem para praticamente qualquer campo depesquisa. Nas Ciências Sociais, por exemplo, os processos de visualização desempenham papelfundamental no entendimento de padrões e comportamentos. As redes sociais online, com suaspráticas e milhares de membros, geram e disponibilizam numerosos dados. São os sistemas devisualização que auxiliam as pesquisas na organização e compreensão desses dados.

Os bancos de dados são elementos distintivos da linguagem das novas mídias (Manovich, 2001). Como já discutimos anteriormente, o exercício de estruturação de dados em mapas, tabelas, gráficos ediagramas, é algo que acompanha os procedimentos cognitivos da humanidade. Meios que auxiliam aexpansão das capacidades cognitivas, as representações visuais são encontradas em diferentes períodosda cultura (Leão, 2003).

Page 2: Lucia Leao

7/29/2019 Lucia Leao

http://slidepdf.com/reader/full/lucia-leao 2/7

Consideramos as cartografias informacionais como processos de criação transmidiáticos à medida queoperam nas convergências das mídias (Jenkins, 2008). Como veremos, as cartografias informacionais sãoprocessos que necessariamente hibridizam linguagens e meios diversos (textos, imagens, fotografias,diagramas, áudio, vídeos, entre outros). Nas cartografias de dados, os processos de convergênciamidiática são realizados a partir de protocolos das tecnologias digitais, mas não se restringem a isso.Para compreendermos as dimensões midiáticas que orbitam nos processos de convergência, é

necessário que pensemos cada mídia envolvida como um sistema cultural. Na definição de Gitelman em“Always already new” (2008):

I define media as socially realized structures of communication,where structures include both technological forms and theirassociated protocols, and where communication is a cultural practice,a ritualized collocation of different people on the same mental map,sharing or engaged with popular ontologies of representation(2008:7).ii 

Na rica discussão empreendida por Manovich (2010) em seu artigo “o que é visualização”, os processosde infovis são mapeamentos de dados discretos que resultam em uma imagem. O que há de especial arespeito das imagens produzidas através desse processo de mapeamento é que são meios de descobrirestruturas de grandes volumes de dados. Nesse sentido, Manovich aponta que os infovis secaracterizam por adotar uma metodologia de redução de dados e privilegiam variáveis espaciais noprocesso de mapeamento:

By employing graphical primitives (or, to use the language of contemporary digital media, vector graphics), infovis is able to revealpatterns and structures in the data objects that these primitivesrepresent. However, the price being paid for this power is extremeschematization… They all use spatial variables (position, size, shape,and more recently curvature of lines and movement) to represent

key differences in the data and reveal most important patterns andrelations. This is the second (after reduction) core principle of infovispractice as it was practiced for 300 years - from the very first linegraphs (1711), bar charts (1786) and pie charts (1801) to theirubiquity today in all graphing software such as Excel, Numbers,Google Docs, OpenOffice etc. (Manovich, 2010)iii 

No desenvolvimento de seu artigo, Manovich descreve um tipo especial de visualização que opera semreduzir os dados. Nessa metodologia, popularizada a partir dos desenvolvimentos tecnológicos recentes,o rico conjunto de propriedades dos objetos de dados são preservados à medida que as visualizaçõessão criadas diretamente. Nesses procedimentos, são visualizadas propriedades como interatividade,animação e também as conexões entre os objetos. Manovich denominou esse método de “visualização

direta”. 

Para a discussão presente, optamos por considerar os processos de produções em interfaces gráficasinterativas que acoplam meios variados (imagens, textos, diagramas, vídeos, etc.) que, devido suanatureza de convergência, podem ser situados naquilo que Jenkins denominou transmidiáticos (2008).Os estudos de casos que apresentamos no decorrer do artigo foram realizados a partir de uma visão emrede e em constante transformação, tal como apresenta Salles (2006).

O objetivo dos processos de visualização de dados é desenvolver métodos e técnicas de representaçãovisual que aumentem a comunicação e a compreensão de dados complexos ou volumosos. Os projetosde visualização de dados são compostos por três etapas: a coleta de dados, programação deferramentas para visualização de dados e programação de aplicações de visualização interativa.

Na pesquisa realizada por Manuel Lima, presente no site Visual Complexityiv

e também em seu livro(2010), os projetos de visualização da informação estão organizados nas categorias: assunto, método de

Page 3: Lucia Leao

7/29/2019 Lucia Leao

http://slidepdf.com/reader/full/lucia-leao 3/7

visualização, “trend”, ano e autores. Em “trend”, Lima apresenta projetos que se utilizam deprocedimentos de mash-ups de sistemas como YouTube, Flickr, Google Maps, etc. Na taxonomiafundada nos métodos de apresentação estão listados: globo em 3D, diagramas de arco, árvore,convergência radial, redes radiais segmentadas, entre outros. Ben Fry, Valdis Krebs, Santiago Ortiz, W.Bradford Paley, Martin Wattenberg, Stephen G. Eick, Burak Arikan, Chris Harrison, Graham J. Wills,Jeffrey Heer, Marcos Weskamp, Aaron Siegel, Alex Adai, Boris Muller são nomes que figuram na lista de

autores “tops” de Lima.

Através das interações com os sistemas de visualização, é possível perceber diferentes níveis decomplexidades, relações inesperadas entre os dados, extrair reflexões pessoais e desenharresignificações. Objetiva-se neste artigo analisar a presença e a busca pelo universal sistêmico nocenário das visualizações. Partimos da constatação de que o universal se manifesta nos processoscartográficos que buscam organizar uma grande quantidade de dados em um sistema de visualização.Façamos agora uma reflexão acerca dos sentidos do universal no imaginário.

Imagens do universal: uma busca mitohermenêutica

O universal permeia a cultura contemporânea e emerge como sonho de totalidade em um cenário

povoado pela imensidão de dados digitais. Assustadora e mutante, a imensidão composta porgigantescas quantidades de dados se assemelha a um ser vivo, em constante metamorfose. Nessesonho, a busca pela compreensão do infinitamente grande vem acompanhada pelo desejo de atribuirsignificado. Como nos fala Bachelard: “O valor de uma imagem mede -se pela extensão de sua aureolaimaginária. Graças ao imaginário, a imaginação é essencialmente aberta, evasiva” (1990:1). Noimaginário sistêmico das redes, o universal é sempre rizomático e se desvela em múltiplas faces: listasde favoritos, assinaturas de atualizações, enciclopédias...Como imagem de totalidade, o universal retoma propostas da gestalt e do holismo, e nos convida acompreender o “todo”. Fundada no fato de que o princípio operacional do cérebro tem uma naturezaholística, a teoria da gestalt propõe que o todo tem uma natureza diferente da soma de suas partes.Como nos fala Arnheim (1980):

No ensaio que deu à teoria da Gestalt seu nome, Christian Von

Ehrenfels demonstrou que se doze observadores escutassem cadaum dos doze tons de uma melodia, a soma de suas experiências nãocorresponderia à experiência de alguém que a ouvisse inteira.

Vejamos agora as imagens do universal através de um olhar da Mitohermenêutica, que, segundoFerreira Santos, consiste em:

... um trabalho filosófico de interpretação simbólica com cunhoantropológico que visa compreender as obras da cultura a parti dostraços míticos e arquetipais captados através de arranjos narrativosdas suas imagens e símbolos na busca dinâmica de sentidos para aexistência (2004:91).

Uma pesquisa sobre as imagens do universal nos leva ao encontro da carta de número 21 do Tarô,denominada “O Mundo”. É importante notar que existem diferentes baralhos de Tarô e que cada umapresenta imagens próprias. No entanto, os sentidos inscritos em suas imagens são bastante similares.Para o presente artigo, utilizamos o Baralho de Marselha. Símbolo das estruturas equilibradoras, a cartado Mundo, segundo a classificação isotópica das imagens de Gilbert Durand, é uma imagem que se situano sistema sintético. Na sistematização das imagens que impregnam a civilização, Durand apresenta osprincípios do regime diurno (razão, distinção) e princípios do regime noturno (emoção, mistura). Naunião desses dois princípios opostos, o sistema sintético evoca imagens de cooperação e sinergia(Durand, 2002).

Na carta do Mundo, a imagem de um ser andrógino aparece ao centro da imagem. Ao redor do corpo,uma guirlanda o circunda. Em cada um dos cantos da carta, quatro figuras representam imagens como

Page 4: Lucia Leao

7/29/2019 Lucia Leao

http://slidepdf.com/reader/full/lucia-leao 4/7

um anjo sobre uma nuvem, uma águia, um leão e uma vaca (ou um cavalo, em alguns baralhos).Seguindo uma leitura de perspectiva mitohermenêutica, esses elementos se referem aos quatroelementos do universo: o anjo sobre uma nuvem, expressa o elemento água; o ar é indicado pela águia;o fogo vem na forma de um leão; e a terra na imagem do cavalo ou da vaca. Os quatro elementossimbolizam também as quatro direções da bússola e conjungados revelam a harmonia cósmica. A idéiade totalidade está indicada também pela coroa de folhas que enlaça a figura humana.

Observando a imagem humana, podemos refletir sobre os sentidos da androginia, sobre a integraçãodos dois sexos em um único ser. Normalmente vistos apenas como princípios opostos, o andrógino nosapresenta a união do masculino e feminino. Nessa imagem, as polaridades se conectam de formacomplementar, equilibrada: “é que o andrógino, microcosmo de um ciclo em que as fases se equilibramsem que nenhuma seja desvalorizada em relação à outra, é, no fundo, justamente um “símbolo deunião” (Durand, 2002:292). 

Além disso, podemos ver que um dos pés da figura está elevado, indicando movimento. Assim, podemosrelacionar esse corpo jovem ao centro com a idéia de dança, uma dança em movimento perpétuo. Umabusca arqueológica nos sentidos do movimento perpétuo e da eterna mutação nos insere na segundadimensão imaginária do universal. Nesse sentido, o universal se revela como aquilo que está sempre em

movimento, eterno fluir, nunca inerte. Ao imaginar esse eterno movimento, a figura de um círculo queroda, que gira, nos remete às antigas reflexões sobre o tempo. Como se sabe, os babilônicos já usavamo círculo para medir o tempo. Na alquimia, o círculo é um dos símbolos fundamentais, imagem deunidade. Geometricamente, todos os pontos são eqüidistantes do centro e isso remete a idéia dereencontrar-se no ponto central. Não por acaso, o universal também aparece na imagem do círculo quegira incessantemente e, nessa interpretação, o tempo é algo infinito, cíclico, uroboros e serpente que serenova. Como aponta Durand: “O círculo, onde quer que apareça, será sempre símbolo da totalidadetemporal e do recomeço” (Durand, 2002:323). Além disso, podemos associar o círculo à imagem do “tai-gi-tu dos chineses, no qual os dois princípios, yin e yang, se engendram reciprocamente” (Durand,2002:325). E, nesse sentido, são símbolos que se situam como “estrutura sintética, uma estrutura deharmonização de contrários” (Durand, 2002:346). 

A terceira dimensão dos sentidos do universal que gostaremos de explorar diz respeito à idéia de

iluminação, entendimento. Na carta do Mundo, essa idéia está expressa na visualização dos quatroelementos primordiais, que formam a figura de um quadrado, e sua relação com o elemento circular daguirlanda. Como um mapa de conhecimento, a carta do Mundo sintetiza e apresenta os movimentosque levam do quadrado ao círculo. Busca ancestral, também presente na imagem da man dala, “aquadratura do círculo” evoca um tipo de compreensão elevada, quase impossível de ser alcançada.Podemos associar esse tipo de entendimento à idéia de “iluminação pelos sentidos” desenvolvida porMaffesoli em “Elogio da Razão Sensível”. Para o pensador francês, o sensível é elemento central no atode conhecimento e, portanto, é preciso integrar abstração e conceitos à função cognitiva ligada aoprazer estético:

...o intelectual deve saber encontrar um modus operandi que permitapassar do domínio da abstração ao da imaginação e do sentimento

ou, melhora ainda, de aliar o inteligível ao sensível (Maffesoli:2008:196).

Em síntese, as imagens do universal que irão nos auxiliar nas reflexões sobre as cartografias dociberespaço são: totalidade (compreendida como união de opostos complementares); eterna mutação(compreendida como processos transformativos dinâmicos e cíclicos); e entendimento (pensado tantoem termos de insight como de construção de conhecimento).

Estudos de casos

Vejamos agora alguns exemplos de cartografias poéticas que tratam do universal. O recorte escolhidopara análise compreende projetos que utilizam tecnologias computacionais na criação derepresentações visuais com objetivo de amplificar a cognição.

Page 5: Lucia Leao

7/29/2019 Lucia Leao

http://slidepdf.com/reader/full/lucia-leao 5/7

Em essência, essas cartografias poéticas são processos mediados por sistemas computacionais quetransformam grande quantidade de dados abstratos em uma representação visual, em geral, dinâmica einterativa. As visualizações, à medida que são meios de comunicação visuais, desvelam estruturas epadrões, auxiliam reflexões de caráter explicativo e relacional; estimulam descobertas, e favorecem odiscernimento. Como afirmaram Card, Mackinlay e Shneiderman (1999:6): "O propósito de visualizaçãoé o insight, e não as imagens"v.

“The World by National Geographic” projeto da Stamen Designvi, é um aplicativo para IPad que traz oglobo terrestre como interface para cartografias de diferentes partes da Terra. Desenvolvidos pelaequipe da tradicional revista, os mapas do projeto são extremamente cuidadosos e precisos. Os mapas eas referências podem ser visualizados em diferentes estilos e tamanhos. Além disso, imagens em altaresolução (de 600 a 2400 dpi) possibilitam aproximações e visualizações de detalhes. Uma questão queacompanha o sentido de universal diz respeito às características das propriedades locais e globais(Petitot, 1985). Em geral, pensadas como propriedades opostas, a busca pelo universal nas cartografiasde dados permite uma conjunção dos aspectos globais e locais. Nesse projeto específico, é possívelacessar dados do globo terrestre como um todo quando se aciona a interface central do sistema. Navisualização que privilegia o olhar macroscópico, temos a possibilidade de compreender ascaracterísticas globais, mas, no entanto, não temos como acessar detalhes à medida que uma das

características do global é a redução de detalhes (Leão, 1999). A conjunção das propriedades globais elocais ocorre a partir do momento em que o interator decide se aprofundar na navegação e clica empontos específicos do globo. Com esse tipo de interação, o visitante acessa as propriedades locais doponto geográfico escolhido, e, nesse sentido, o projeto da Stamen Design possibilita que articulaçõescognitivas das complexidades dos dois sistemas.

O segundo projeto que iremos discutir também traz a questão do universal pensada enquantoorganização de dados massivos através de uma representação visual. “Gapminder World: Wealth &Health of Nations”vii permite a visualização de dados de todos os países do mundo a partir de umainterface gráfica. Em um primeiro olhar, o projeto nos lembra os diagramas bidimensionais compostospor um eixo vertical e outro horizontal que costumam ser usados para apresentar dados relacionais. Omapeamento dos dados segue uma lógica fácil de ser detectada e que traduz os países em esferascoloridas de tamanhos diversos. As cores indicam o continente no qual o país se situa e os tamanhosapontam para o número populacional. No eixo horizontal estão alocados os dados referentes aosvalores da renda per capita dos países, enquanto que o eixo vertical refere-se a número de anos deexpectativa de vida. Um menu situado na lateral direita é meio de acesso aos países através de uma listaordenada de maneira alfabética. Ao se selecionar o nome de um país, a esfera correspondente érealçada no diagrama.

No processo de interação, percebe-se que as relações bidimensionais entre saúde e riqueza das naçõespodem se associar a uma terceira dimensão referente a outros gráficos que são acessados pela linha dotempo. O projeto também possibilita que se assista a uma animação que percorre as transformaçõesdos dados em uma narrativa cronológica que compreende o período de 1800-2009. Uma terceira formade acessar visualmente ao banco de dados se relaciona a um tipo de navegação em profundidade. Nessainvestida, o interator clica sobre uma das esferas coloridas e acessa a dados referentes a um país. Ao

clicar nos eixos (vertical e horizontal) é possível acessar as fontes dos dados. Um menu alocado na parteinferior possibilita a visualização de trajetórias (trails) de um país selecionado. E, finalmente, oGapminder também oferece a opção de se visualizar os mesmos dados a partir de uma interface domapa mundi. Nessa opção, uma imagem transparente do mapa acopla informações de localizaçãogeográfica às anteriores.

O terceiro projeto que escolhemos para análise exemplifica os acoplamentos e desvios que permeiam abusca pelo universal nas aplicações de info-design. Metáforas de constelações são as imagens quedesvelam diferentes visualizações de dados em “Universe: Revealing our Modern Mythology”viii (2007).Concebido por Jonathan Harrisix, o projeto utiliza o banco de dados de notícias mundiais em tempo realda empresa Daylifex. Baseado na idéia de  Zeitgeist   – espírito do tempo, “Universo” é um sistema devisualização de dados que permite a exploração do imaginário coletivo das redes informacionais. Ao

mesmo tempo, possibilita a exploração das mitologias individuais, à medida que também disponibiliza avisualização de constelações pessoais, geradas com base nos interesses e curiosidades do interator.Vejamos como esses dois movimentos se conjugam. Uma primeira aproximação com o sistema nos leva

Page 6: Lucia Leao

7/29/2019 Lucia Leao

http://slidepdf.com/reader/full/lucia-leao 6/7

a uma interface que nos convida a explorar “o universo de...” A visita inicia com opções de linksorganizados nas categorias: pessoas ( people), lugares ( places), conceitos (concepts), além de um quadrocom escolha livre. O visitante também recebe sugestões para escolha ( Angelina Jolie, New York City,

climate change etc). Ao se clicar em uma das opções, o aplicativo carrega os dados referentes à escolhafeita. Nessa etapa da navegação, vemos uma tela com imagem em movimento de estrelas com umaestrela maior ao centro e é possível também escolher um período de dados (ontem, semana passada,

mês passado, ano passado). Cada estrela representa um dado - notícia, citação, imagem. Ao mover ocursor através do “espaço celeste”, aparecem linhas que indicam as conexões entre os dados, formandoconstelações. Quando uma das constelações é selecionada, se movimenta para o centro da tela e enviaas demais para a sua órbita.

Outras nove opções de visualizações dinâmicas são possíveis através dos “Stages”xi: Estrelas, Formas,Segredos, Estórias, Declarações, Instantâneos, Superstars, Configurações e Tempo. Pensado a partir daescolha do usuário, o projeto estabelece representações de universos que se relacionam a temasespecíficos e cada um dos “palcos” busca dados de uma natureza e propicia relações específicas. O palco“Estrelas” apresenta um campo de pontos (estrelas) que se relacionam com o objeto escolhido parabusca. Assim, o projeto também é um tipo de busca de dados que apresenta como resposta um maparelacional de temas. O palco “Formas” aciona uma série de palavras que se formam pela união de

pontos e remetem a idéia de constelação. As palavras geradas se relacionam com ocorrências denotícias que se vinculam ao tema e surgem de forma dinâmica . O palco “Segredos” também parte deuma busca referente ao tema e apresenta as mesmas palavras do palco anterior em uma visualizaçãolinear seqüencial que indica em escala de tamanho as ocorrências. O palco “Estórias” busca dados denatureza narrativa e os apresenta visualmente. O palco “Declarações” resgata dados referentes aafirmações ditas. O palco “Instantâneos” busca especificamente imagens, enquanto que “Superstars” extrai dados a respeito de pessoas, lugares, empresas, equipes e organizações. O palco “Tempo” mostracomo o “universo escolhido” evoluiu ao longo de horas, dias, meses e anos. É interessante observartambém que o usuário escolhe os limites do universo a ser gerado ao definir os parâmetros de busca.Nesse sentido, o universo criado pode ser amplo e geral ou específico, particular e local.

Considerações finais

Nesse artigo, trouxemos o universal enquanto imagem tríplice de busca e valoração dos sentidos datotalidade; constante mutação e entendimento. Os estudos de casos que realizamos vitalizam asnuances do universal. Conforme sugerimos, o universal se apresenta em projetos cartográficos dociberespaço que buscam organizar grandes volumes de dados, ou seja, os sistemas de visualizaçãodinâmicos. No primeiro caso apresentado, “The World by National Geographic”, o sentido de busca pelouniversal se manifesta na sua forma mais imediata: uma representação do globo terrestre. Vimos quenesse projeto as propriedades globais e locais são visualizadas de forma complementar. Na confluênciadessas características, um tipo de compreensão complexa pode emergir. No segundo caso discutido,“Gapminder World: Wealth & Health of Nations”, o universal se desvela em camadas de informaçõesque podem ser visualizadas de maneiras dinâmicas e complementares, acoplando características comomutação no tempo e informações de localização geográfica. No terceiro caso estudado, “Universe:Revealing our Modern Mythology”, observamos características como a complementaridade das visões

local/global e o acoplamento de dimensões mutacionais no tempo e espaço, presentes os projetosanteriores. Entretanto, ao permitir visualizações a partir das escolhas do usuário, “Universe” rompe coma idéia de um universal hegemônico, generalizado e trabalha com a idéia de desvio.Assim, os aclopamentos e desvios se manifestam nos processos de criação transmidiáticos quecaracterizam as cartografias informacionais. Nessa leitura por imagens, nosso texto foi em busca denovos entendimentos do universal e, para isso, contou com o auxílio das metáforas. Como afirmouMaffesoli: “É possível que a metáfora seja a mais capacitada para perceber o aspecto matiz ado de ummundo marginal cujos desdobramentos ainda são imprevisíveis” (1998:147). 

Em resumo, o imaginário sistêmico se manifesta nos projetos de visualização de dados de três maneiras:como imagem de totalidade ao integrar características locais e globais; como imagem em constantetransformação ao acoplar as dimensões de tempo e espaço; como imagem de insight e conhecimento

ao possibilitar visualizações individualizadas, particulares, desviantes, que emergem das escolhas dousuário e desvelam trajetórias cognitivas em busca de entendimento.

Page 7: Lucia Leao

7/29/2019 Lucia Leao

http://slidepdf.com/reader/full/lucia-leao 7/7

Referências bibliográficas

ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão craidora. São Paulo: Pioneira/EDUSP,1980.BACHELARD, Gaston. O ar e os sonhos. São Paulo: Martins Fontes, 1990.BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. Rio de Janeiro, Bertrand do Brasil, 1991.

CARD, Stuart, Jock Mackinlay, Ben Shneiderman. Readings in Information Visualization: Using Vision toThink. São Francisco: Morgan Kaufmann Publ., 1999.DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. Trad. Hélder Godinho. São Paulo: MartinsFontes, 2002.FERREIRA SANTOS, Marcos. Crepusculário: conferências sobre mitohermenêutica e educação emEuskadi. São Paulo: Zouk, 2004.GITELMAN, Lisa. Always Already New: Media, History and the Data of Culture. Cambridge: The MITPress, 2008.JENKINS, H. (2008). Cultura da convergência. São Paulo: Aleph.LEÃO, Lucia. O labirinto da hipermídia. São Paulo: Iluminuras, 1999.LEÃO, Lucia. Cartografias em mutação: por uma estética do banco de dados. In: Lucia Leão. (Org.).Cibercultura 2.0. São Paulo: U.N. Nojosa, 2003.

LIMA, M. Visual Complexity: Mapping Patterns of Information. Nova York: Princeton Architectural Press,2011.MAFFESOLI, Michel. Elogio da Razão Sensível. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.MANOVICH, Lev. The Language of New Media. Cambridge: The MIT Press, 2001.MANOVICH, Lev. What is visualization? Disponível em: <http://manovich.net/2010/10/25/new-article-what-is-visualization/>. Acesso em 01/09/2011.PETITOT, Jean. Local/global. In Enciclopédia Einaudi, vol 4. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda,1985, pp.11-71.SALLES, C. A. Redes da criação: construção da obra de arte. Vinhedo: Horizonte, 2006.

i Lucia Leão é professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo. É autora de vários livros, entre eles: O labirinto da hipermídia e O chip e o caleidoscópio. É Pós Doutora em Artes pelaUNICAMP e Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. [email protected]. [email protected] "Eu defino mídia como estruturas de comunicação realizadas socialmente, sendo que essas estruturas incluem as formas

tecnológicas e seus protocolos associados; e a comunicação é uma prática cultural, uma colocação ritualizada de pessoasdiferentes compartilhando um mesmo mapa mental, ou envolvidos com ontologias populares de representação ".iii "Com o emprego de primitivas gráficas (ou, para usar a linguagem contemporânea da mídia digital, gráficos vetoriais), os infovis

são capazes de revelar padrões e estruturas nos objetos de dados que representam essas primitivas. No entanto, o preço a serpago por esse processo é a esquematização extrema ... Todos eles usam variáveis espaciais (posição, tamanho, forma e, maisrecentemente curvatura de linhas e movimento) para representar as principais diferenças nos dados e revelar padrões maisimportantes e relações. Este é o segundo princípio fundamental (após a redução) da prática infovis como é praticada há 300 anos -a partir dos gráficos de linha (1711), gráficos de barras (1786) e diagramas pizza (1801) - até hoje e sua onipresença pode ser vistaem softwares gráficos tais como Excel, Numbers, Google Docs, OpenOffice, etc."iv  http://www.visualcomplexity.com/vc/ v “The purpose of visualization is insight, not pictures”. vi http://content.stamen.com/vii

http://www.gapminder.org/viii “Universo: revelando nossa moderna mitologia”, In: http://universe.daylife.com/  ix

http://number27.org/x

http://www.daylife.com/xi Escolhemos traduzir o termo em inglês “stage” por palco.