UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE ENFERMAGEM DE RIBEIRÃO PRETO
MARCELA JUSSARA MIWA
Com o poder nas mãos:
um estudo sobre johrei e reiki
Ribeirão Preto
2012
MARCELA JUSSARA MIWA
Com o poder nas mãos:
um estudo sobre johrei e reiki
Tese apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Ciências, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Psiquiátrica Linha de pesquisa: Estudos sobre a conduta, a ética e a produção do saber em saúde Orientadora: Profa. Dra. Maria Cristina Silva Costa
RIBEIRÃO PRETO
2012
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E A DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS
DE ESTUDO E DE PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Miwa, Marcela Jussara Com o poder nas mãos: um estudo sobre johrei e reiki. Ribeirão
Preto, 2012. 123 p. : il. ; 30 cm Tese de Doutorado, apresentada à Escola de Enfermagem de
Ribeirão Preto/USP. Área de concentração: Estudos sobre a conduta, a ética e a produção de saber em saúde.
Orientadora: Costa, Maria Cristina Silva. 1. Terapias Complementares. 2. Etnografia. 3. Comunidade.
FOLHA DE APROVAÇÃO
MIWA, Marcela Jussara
Com o poder nas mãos: um estudo sobre johrei e reiki
Tese apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Ciências, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Psiquiátrica Linha de pesquisa: Estudos sobre a conduta, a ética e a produção do saber em saúde Orientadora: Profa. Dra. Maria Cristina Silva Costa
Aprovada em: ____/____/______
Banca Examinadora
Prof(a) Dr(a).:____________________________ Instituição: _________________________
Julgamento:______________________________ Assinatura: ________________________
Prof(a) Dr(a).:____________________________ Instituição: _________________________
Julgamento:______________________________ Assinatura: ________________________
Prof(a) Dr(a).:____________________________ Instituição: _________________________
Julgamento:______________________________ Assinatura: ________________________
Prof(a) Dr(a).:____________________________ Instituição: _________________________
Julgamento:______________________________ Assinatura: ________________________
Prof(a) Dr(a).:____________________________ Instituição: _________________________
Julgamento:______________________________ Assinatura: ________________________
DEDICATÓRIA
A todos que, apesar de tudo, continuam
acreditando no amor, no respeito e na gratidão.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente à Escola de Enfermagem Ribeirão Preto /USP e a CAPES
por viabilizarem a concretização desse estudo.
Contudo, os principais incentivadores e mantenedores dessa pesquisa foram meus pais
Teresa e Kazuo. Foi através de sua fé e confiança em meu trabalho que extraí as forças
necessárias para prosseguir com o doutorado e não abandonar esse percurso, como várias
vezes cogitei.
Expresso minha sincera gratidão aos voluntários do Núcleo de Reiki Clara de Assis
por me receberem de forma tão afetuosa, permitindo que eu participasse do serviço e pela
confiança e disponibilidade em compartilhar suas histórias de vida. Da mesma forma
agradeço aos membros da Igreja Messiânica Mundial de Ribeirão Preto e ao ministro André
que aceitaram a minha presença na instituição, dando-me total liberdade para efetuar minha
pesquisa de campo, além da disposição em elucidar minhas dúvidas, concederem entrevistas e
fornecerem informações sobre ritos e costumes da doutrina.
Mesmo morando e trabalhando em outra cidade, jamais rompi os laços que me
prendem à cidade de Campinas/SP e região, não apenas pela sensação de familiaridade por ter
morado tanto tempo no lugar, mas, sobretudo, pelas pessoas que se encontram por lá. Em
Campinas, quero manifestar meu carinho e gratidão a três amigos: Juliana Dominguez e
Karina Silveira – pelos anos de convivência, conversas e risos; e a Sandro Barbosa pelos
devaneios e especulações filosóficas, estimulando em mim o “processo de pensar”.
Em Jundiaí, registro aqui minha devoção a meu irmão Fernando pelo incentivo e pela
“escuta amorosa” com que encarou meus desabafos de problemas pessoais e profissionais; e à
minha cunhada Michelle, pelo afeto e por estimular em mim a “vontade de saber”,
apresentando assuntos diferentes daqueles que eu acostumava estudar.
Em Valinhos, quero explicitar meu desvelo a Héllen Ono e Heloísa Ono: primas,
amigas e confidentes. Em Vinhedo agradeço enormemente a Lívia Bernardo e sua mãe Ione
pelo acolhimento e pelo estímulo para prosseguir na carreira acadêmica, amenizando meu
sofrimento durante o período de dúvidas e incertezas que vivenciei entre o término do
mestrado e início do doutorado.
Sobre a cidade de Ribeirão Preto, agradeço a todos os funcionários da Escola de
Enfermagem Ribeirão Preto/ USP pela eficiência e respeito com que me atenderam, gostaria
de registrar dois nomes importantes durante meus estudos na instituição: Adriana Borela e
Flávia Martins, pela paciência e auxílio para resolver questões burocráticas.
Entre os colegas de pós-graduação, gostaria de ressaltar a importância de Silvana Leite
que ao compartilhar seus questionamentos, leituras e informações, levou-me a compreender
melhor o método etnográfico. E de Patrícia Nagliate que, por meio de seu carinho e amizade,
amenizou minha solidão durante o processo de redação e finalização da tese.
Aos professores, gostaria de registrar minha gratidão a três pessoas que “tocaram”
meu percurso acadêmico, são elas: prof. Dra. Lídia Rossi, prof. Dra. Sônia Vilella e prof. Dra.
Toyoko Saeki.
E como não poderia deixar de ser, necessito manifestar minha sincera admiração a
dois “doces entes” que tive a oportunidade de conhecer e aprender na minha trajetória
acadêmica. Ao primeiro “doce ente”, meu reconhecimento à prof. Dra. Amnéris Maroni, que
em ocasião anterior, já a elegi como minha “mestra intelectual”, que através de sua
perspicácia soube extrair de mim a capacidade para a pesquisa, o gosto pelo conhecimento e a
facilidade com as palavras.
E o segundo “doce ente”, tão importante quanto o primeiro, é a minha orientadora de
doutorado, prof. Dra. Maria Cristina Silva Costa, que aceitou a empreitada de me conduzir
pela trilha etnográfica e, por meio das oportunidades pedagógicas que me ofereceu, fez-me
descobrir uma nova faceta até então ignorada que é o “prazer por ensinar”.
.
A exigência de atenção de um relato etnográfico
não repousa tanto na capacidade do autor em captar fatos primitivos
em lugares distantes e levá-los para casa como uma máscara ou um entalho,
mas no grau em que ele é capaz de esclarecer o que ocorre em tais lugares,
para reduzir a perplexidade
Clifford Geertz
RESUMO
MIWA, M.J. Com o poder nas mãos: um estudo sobre johrei e reiki. 2012. 123f. Tese (Doutorado) – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2012. Os movimentos contraculturais, desencadeados principalmente nos anos de 1960/70, ao questionarem a sociedade tecnocrata-capitalista e incentivarem uma maior politização da vida social, possibilitaram ampliação da abertura para debates e tensões que afetaram as instituições sociais vigentes, contestando paradigmas consagrados. Tal fato permitiu uma (re)valorização e, até mesmo, reapropriação (ou criação) de perspectivas holísticas em relação ao corpo e à saúde, e a inclusão de outras dimensões explicativas, além das oferecidas pela racionalidade biomédica. Com a maior aceitação das práticas alternativas ou complementares, abriu-se espaço para a retomada de antigos métodos de cura através das mãos, entre elas, as que não necessitam de toque direto entre “curador” e paciente, como reiki e o johrei da Igreja Messiânica Mundial. Este estudo teve como objetivo apreender e interpretar os significados de reiki e johrei, considerando os arcabouços técnicos e conceituais sobre os quais estão alicerçados. Assim como, compreender como elas afetam o comportamento de seus praticantes e suas relações sociais. Para interpretar tais significados e experiências foram adotados os referenciais da antropologia interpretativa de Clifford Geertz e o método etnográfico. A pesquisa realizou-se em dois campos distintos, um Núcleo de Reiki e a Igreja Messiânica Mundial, ambos em Ribeirão Preto,SP , no período de outubro de 2009 a janeiro de 2012. Participaram deste estudo 15 reikianos como sujeitos principais e 5 frequentadores da Núcleo, como sujeitos secundários; mais 14 messiânicos, sujeitos principais e 5 frequentadores da Igreja, como sujeitos secundários. Os dados foram coletados por meio de observação participante, entrevistas semiestruturadas e diário de campo. Os principais resultados indicam que a crença no poder curativo nessas energias, reiki e johrei, aparece como principal sustentação de sua eficácia. Tanto os ensinamentos da Igreja Messiânica, como os ensinamentos e teorias associados ao reiki, foram capazes de fornecer novos sentidos para questões ou problemas desses sujeitos, modificando comportamentos como humor, agressividade, tolerância e sociabilidade, possibilitando a emergência de uma “identidade holística” e a configuração de novas “comunidades de encantamento” em torno dessas duas práticas. Palavras-chave: Terapias complementares. Etnografia. Comunidade.
ABSTRACT
MIWA, M.J. Powerful hands: a study of johrei and reiki. 2012. 123p. Dissertation (Doctoral) - University of São Paulo at Ribeirão Preto College of Nursing, Ribeirão Preto, 2012. Countercultural movements, initiated mainly in the 60’s and 70’s, questioned the capitalist-technocratic society and encouraged greater politicization of social life, enabling the extension of the debates and tensions that affected the existing social institutions, refuting established paradigms. This fact allowed a (re)valuing and even reappropriation (or creation) of holistic perspectives regarding the body and health, and the inclusion of other explanatory dimensions, beyond the ones offered by biomedical rationality. With an increased acceptance of alternative or complementary practices, there was more space for the return of ancient healing methods through hands, among them, those that do not require direct touch between "healer" and patient, such as reiki and johrei, of the World Messianic Church. This study aimed to recognize and interpret the meanings of reiki and johrei, considering the technical and conceptual frameworks upon which they are based, as well as to understand how they affect the behavior of its practitioners and their social relations. In order to interpret these meanings and experiences, Clifford Geertz’s interpretive anthropology and the ethnographic method were adopted as frameworks. The research was carried out in two sites, a Reiki Center and the World Messianic Church, both in Ribeirão Preto, state of São Paulo, Brazil, from October 2009 to January 2012. The study included 15 reiki practitioners as main subjects and 5 frequenters of the Center, as secondary subjects; 14 messianic as main subjects, and 5 frequenters of the Church, as secondary subjects. Data were collected through participant observation, semi-structured interviews and field diary. The main results indicate that belief in the healing power of these energies, reiki and johrei, is the main support of their effectiveness. Both the Messianic Church doctrine as well as the doctrine and theories associated with reiki, were able to provide new meanings to issues or problems of these subjects, modifying behaviors such as mood, aggressiveness, tolerance and sociability, allowing for the emergence of a "holistic identity" and the setting of new "communities of enchantment" regarding these two practices. Keywords: Complementary therapies. Anthropology, Cultural. Community.
RESUMEN
MIWA, M.J. Con el poder en las manos: un estudio sobre johrei y reiki. 2012. 123h. Tesís (Doctorado) - Escuela de Enfermería de Ribeirão Preto de la Universidad de São Paulo, Ribeirão Preto, 2012. Los movimientos contraculturales, iniciados principalmente en los años 1960 y 70, que cuestionan la sociedad tecnocrática-capitalista e incentivan una mayor politización de la vida social, hicieron posible la ampliación de la apertura para debates y tensiones que afectaron a las instituciones sociales vigentes, contestando los paradigmas establecidos. Este hecho permitió una (re)valorización y, aún, la reapropiación (o creación) de perspectivas holísticas en relación al cuerpo y a la salud, y la inclusión de otras dimensiones explicativas, más allá de las ofrecidas por la racionalidad biomédica. Con la creciente aceptación de las prácticas alternativas o complementarias, se abrió espacio para el retorno a los antiguos métodos de curación a través de las manos, entre ellas, aquellas que no requieren toque directo entre el "sanador" y el paciente, como el reiki y el johrei de la Iglesia Mesiánica Mundial. Este estudio tuvo como objetivo comprender e interpretar los significados de reiki y johrei, considerando los marcos técnicos y conceptuales sobre los que se basan. Busca también entender cómo ellas afectan el comportamiento de sus practicantes y sus relaciones sociales. Para interpretar estos significados y experiencias, se adoptaron los referenciales de la antropología interpretativa de Clifford Geertz y el método etnográfico. La investigación se llevó a cabo en dos locales, un Centro de Reiki y en la Iglesia Mesiánica Mundial, los dos en Ribeirão Preto, estado de São Paulo, Brasil, entre octubre de 2009 y enero de 2012. En el estudio participaron 15 practicantes de reiki como sujetos principales y 5 frecuentadores del Centro, como sujetos secundarios; 14 mesiánicos, sujetos principales, y 5 frecuentadores de la Iglesia, como sujetos secundarios. Los datos fueron recolectados a través de observación participante, entrevistas semi-estructuradas y diario de campo. Los principales resultados indican que la creencia en el poder curativo de estas energías, reiki y johrei, aparece como el principal soporte de su eficacia. Tanto las enseñanzas de la Iglesia Mesiánica, como las enseñanzas y teorías relacionadas con el reiki, fueron capaces de ofrecer nuevos significados para cuestiones o problemas de estos sujetos, modificando comportamientos como el humor, la agresividad, la tolerancia y la sociabilidad, lo que permite el surgimiento de una "identidad holística” y la configuración de nuevas "comunidades de encantamiento" en torno a estas dos prácticas. Palabras clave: terapias complementarias. Antropología Cultural. Comunidad.
LISTA DE FIGURA
Reiki escrito em kanji ....................................................................................................... 33
Mikao Usui........................................................................................................................ 34
Símbolo 1: Choku Rei....................................................................................................... 39
Símbolo 2: Sei he ki.......................................................................................................... 39
Símbolo 3: Hon sha ze sho nen......................................................................................... 40
Símbolo 4: Dai koo myo ................................................................................................... 40
Símbolo 4: Dai koo myo ................................................................................................... 41
Imagem 1 – Entrada de acesso ao núcleo de Reiki ........................................................... 45
Imagem 2 – Placa com o nome da núcleo......................................................................... 45
Imagem 3 – Área de espera dos atendimentos.................................................................. 46
Imagem 4 – Sala de entrada .............................................................................................. 46
Imagem 5 – Cozinha do núcleo ........................................................................................ 47
Imagem 6 – Armários da cozinha do núcleo .................................................................... 47
Imagem 7 – Mantimentos doados ..................................................................................... 47
Imagem 8 – Sala de atendimento ...................................................................................... 48
Imagem 9 – Quadro de auriculoterapia............................................................................. 48
Imagem 10 – Reiki sobre o coração e face ....................................................................... 51
Imagem 11 – Reiki nas laterais da cabeça e diafragma .................................................... 51
Imagem 12 – Reiki na nuca e testa ................................................................................... 52
Imagem 13 – Reiki nas laterais do pescoço ...................................................................... 52
Imagem 14 – Reiki na região genital (chakra básico)....................................................... 52
Imagem 15 – Reiki nos joelhos......................................................................................... 52
Imagem 16 – Reiki nos pés............................................................................................... 52
Imagem 17 – Reiki nos chakras cardíaco e básico ........................................................... 52
Símbolo da Igreja Messiânica........................................................................................... 62
Meishu-Sama .................................................................................................................... 63
Imagem 18 – Ohikari ........................................................................................................ 65
Imagem 19 – Fila para outorga ......................................................................................... 67
Imagem 20 – Outorga ....................................................................................................... 67
Imagem 21 – Messiânicos ministrando johrei .................................................................. 69
Imagem 22 – Gratidão diária ............................................................................................ 71
Imagem 23 – Gratidão mensal .......................................................................................... 71
Imagem 24 – Gratidão especial......................................................................................... 71
Imagem 25 – Construção do Protótipo do Paraíso............................................................ 71
Imagem 26 – Placa com o nome da Igreja........................................................................ 77
Imagem 27 – Entrada da Igreja......................................................................................... 77
Imagem 28 – Entrada da Igreja......................................................................................... 77
Imagem 29 – Balcão de recepção ..................................................................................... 77
Imagem 30 – Estante de bolsas e entrada do salão ........................................................... 77
Imagem 31 – Supremo Deus............................................................................................. 78
Imagem 32 – Altar ............................................................................................................ 78
Imagem 33 – Meishu-Sama .............................................................................................. 78
Imagem 34 – Do fundo do salão para o altar .................................................................... 79
Imagem 35 – Do altar para o fundo do salão .................................................................... 79
Imagem 36 – Meishu-Sama rindo..................................................................................... 80
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABMC Associação Brasileira de Medicina Complementar
IMM Igreja Messiânica Mundial
IMMB Igreja Messiânica Mundial do Brasil
MTC Medicina Tradicional Chinesa
Núcleo Núcleo de reiki Clara de Assis
OMS Organização Mundial de Saúde
PNPIC Plano Nacional de Práticas Integrativas de Complementares
SINTE Sindicato dos Terapeutas
TMO Transplante de Medula Óssea
TT Toque Terapêutico
UTI Unidade de Terapia Intensiva
SUMÁRIO
1 – INTRODUÇÃO ................................................................................................................16 2 – OBJETIVOS .....................................................................................................................20 2.1 – Objetivo geral ..................................................................................................................20
2.2 – Objetivos específicos.......................................................................................................20
3 – REVISÃO DA LITERATURA .......................................................................................21 3.1 – Energização pelas mãos...................................................................................................21
3.2 – Pesquisas científicas sobre johrei e reiki .........................................................................26
4 – REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO .......................................................28 4.1 – Definição do campo e escolha dos locais de pesquisa.....................................................28
4.2 – O método etnográfico e o trabalho antropológico ...........................................................28
4.3 – Campo, sujeitos e técnicas da pesquisa ...........................................................................29
4.4 – Aspectos éticos ................................................................................................................32
5 – APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ..........................................33 5.1 – Reiki ................................................................................................................................33
5.1.1 – A história do reiki .........................................................................................................34
5.1.1.1 – Os símbolos ...............................................................................................................38
5.1.1.2 – A iniciação.................................................................................................................41
5.1.2 – O núcleo Clara de Assis................................................................................................42
5.1.2.1 – A casa do núcleo Clara de Assis................................................................................44
5.1.2.2 – Os atendimentos ........................................................................................................49
5.1.3 – Aprendendo a “tolerância” ...........................................................................................53
5.1.3.1 – Voluntários ................................................................................................................54
5.1.3.2 – As entrevistas com os rekianos..................................................................................54
5.2 – Johrei ...............................................................................................................................62
5.2.1 – A história do Johrei ......................................................................................................63
5.2.1.1 – Ohikari .......................................................................................................................65
5.2.1.2 – A Outorga ..................................................................................................................66
5.2.1.3 – Ministrar johrei ..........................................................................................................68
5.2.1.4 – Gratidão .....................................................................................................................70
5.2.1.5 – Sonen .........................................................................................................................73
5.2.1.6 – Sorei-Saishi................................................................................................................74
5.2.2 – A Igreja Messiânica Mundial do Brasil em Ribeirão Preto..........................................75
5.2.2.1 – Prece matinal .............................................................................................................81
5.2.2.2 – Marcha do johrei........................................................................................................83
5.2.2.3 – Culto mensal ..............................................................................................................84
5.2.3 – Exercitando a Gratidão .................................................................................................86
5.2.3.1 – As entrevistas com os membros ................................................................................87
5.3 – Reiki e Johrei ...................................................................................................................95
5.3.1 – Racionalidade terapêutica e racionalidade religiosa.....................................................95
5.3.2 – Reiki como busca do self e Johrei como busca da fé ...................................................97
5.3.3 – Reiki como complementar e Johrei como alternativo ..................................................99
6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................103 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................106 APÊNDICES .........................................................................................................................117 APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido............................................117
APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Informado para uso de imagem.............118
APÊNDICE C – Instrumento para coleta de dados – roteiro de entrevista............................119
ANEXOS ...............................................................................................................................120 ANEXO A – Aprovação do Comitê de Ética EERP – USP...................................................120
ANEXO B – Aprovação do Comitê de Ética EERP – USP ...................................................121
ANEXO C – Amatsu- Norito .................................................................................................122
ANEXO D – Oração dos messiânicos....................................................................................123
Introdução | 16
1 – INTRODUÇÃO
Os movimentos contraculturais, desencadeados principalmente entre as décadas de
1960/1970 (SADER, 1988; BARROS, 1997), ao questionarem a sociedade tecnocrata-
capitalista, possibilitaram maior abertura para debates e tensões relativos às instituições
sociais vigentes, contestando paradigmas consagrados e contribuíram para a emergência de
novas ideologias, permitindo, inclusive, uma (re)valorização de conceitos, práticas e, até
mesmo, sujeitos marginalizados (como resgate de uma consciência ecológica, o feminino,
espiritualidade e filosofias orientais).
A contracultura afetou o campo da saúde no momento em que questionou concepções
como “saúde”, “doença”, “sofrimento”, “vida e morte”, buscando outras dimensões
explicativas além das oferecidas pela racionalidade biomédica. Tal fato contribuiu
imensamente para a reapropriação (ou criação) de perspectivas holísticas e até mesmo
místicas, no que se refere ao corpo e ao estado de saúde; a princípio, com um caráter mais
alternativo, ou paralelo, à racionalidade biomédica, e em um segundo momento, como uma
ação voltada à integralização e complementar à medicina convencional (BARROS, 2002).
No Brasil, as terapias complementares e integrativas ganharam reforço dentro da
medicina convencional com a aprovação da Política Nacional de Práticas Integrativas e
Complementares no SUS, a PNPIC, publicada na forma de Portarias Ministeriais n° 971 em
03 de maio de 2006, e n° 1.600, de 17 de julho de 2006.
Esta política atende, sobretudo, à necessidade de se conhecer, apoiar, incorporar e implementar experiências que já vêm sendo desenvolvidas na rede pública de muitos municípios e estados, entre as quais destacam-se aquelas no âmbito da Medicina Tradicional Chinesa – Acupuntura, da Homeopatia, da Fitoterapia, da Medicina Antroposófica e do Termalismo-Crenoterapia. (BRASIL, 2008: 5)
Defendendo a prevenção, promoção, manutenção e recuperação da saúde, garantindo a
integralidade na atenção à saúde, além de disponibilizar “serviços antes restritos a práticas de
cunho privado” (BRASIL, 2008: 5-6).
Essa medida do governo, embora focada nas cinco práticas acima mencionadas, abriu
precedentes para maior aceitação, tanto da população como de profissionais de saúde, em
relação às terapias complementares e integrativas.
Introdução | 17
Outro movimento, que emergiu dentro da própria medicina, em meados de 1960, liderado pela dame Cicely Saunders, na Inglaterra, que fortaleceu as práticas terapêuticas complementares e espirituais, foi representado pelos Cuidados Paliativos. Segundo a Organização Mundial de Saúde, OMS:
Cuidado Paliativo é a abordagem que promove qualidade de vida de pacientes e seus familiares diante de doenças que ameaçam a continuidade da vida, através de prevenção e alívio do sofrimento. Requer a identificação precoce, avaliação e tratamento impecável da dor e outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual. (OMS, 2002 apud CUIDADO PALIATIVO, 2008: 16)
Os Cuidados Paliativos utilizam a intervenção “clínica e terapêutica nas diversas áreas de conhecimento da ciência médica” (CUIDADO PALIATIVO, 2008: 19), no entanto, inovam no momento em que reconhecem a importância dos aspectos psicossociais e espirituais no cuidado1. Esse apoio, ou assistência espiritual não está atrelado necessariamente à religião e pode ser oferecido por capelães ou cuidadores preparados para atender pessoas de qualquer credo, com ética e respeito pelo paciente e pelo espaço que o hospital oferece.
No caso de ministração de rituais e sacramentos típicos de cada crença, o capelão do hospital deverá orientar quanto aos limites e conveniência em fazê-los naquele contexto e obter a permissão do hospital, nos casos que podem extrapolar os limites da enfermaria do paciente. (CUIDADO PALIATIVO, 2008: 89)
Além de abrirem espaço para a abordagem da questão espiritual, alguns hospitais ainda admitem o uso de terapias complementares no tratamento de seus enfermos, como no caso do Centro Infantil Boldrini2, em Campinas-SP que, desde 2002, aceita voluntários para aplicarem reiki nos pacientes e/ou acompanhantes. O reiki foi introduzido primeiramente no programa de Cuidados Paliativos, como terapia complementar, depois passou a ser oferecido a todos os pacientes do hospital, incluindo UTI (unidade de terapia intensiva), TMO (transplante de medula óssea) e recepção. Os pré-requisitos para ser admitido como voluntário reikiano são: ter, no mínimo, 24 anos e formação em Reiki Usui Tradicional certificada, além de preenchimento de questionário (sobre dados pessoais, a instituição Boldrini, os motivos para o voluntariado) e participação em curso de capacitação para o serviço voluntário.
1 Algumas definições e princípios dos Cuidados Paliativos: “promove o alívio da dor e de outros sintomas estressantes; reafirma a vida e vê a morte como um processo natural; não pretende antecipar e nem postergar a morte; integra aspectos psicossociais e espirituais ao cuidado; oferece um sistema de suporte que auxilie o paciente a viver tão ativamente quanto possível, até a sua morte; deve ser iniciado o mais precocemente possível, junto a outras medidas de prolongamento de vida, como a quimioterapia e a radioterapia, e incluir todas as investigações necessárias para melhor compreensão e manejo dos sintomas”. (CUIDADO PALIATIVO, 2008: 20) 2 www.boldrini.org.br (acessado em 04/07/2012)
Introdução | 18
Fora dos hospitais, o número de praticantes de terapias complementares e holísticas é
considerável. Em 2000, a Associação Brasileira de Medicina Complementar, ABMC, estimou
existir 50 mil terapeutas alternativos ou holísticos no país (BABENKO, 2004: 17). Em 2004, o
Sindicato dos Terapeutas Holísticos, SINTE, calculou cerca de 150 mil terapeutas alternativos (ou
complementares) no Brasil (idem: 64). A pesquisa que apresentou esses dados (BABENKO, 2008),
tanto da ABMC como do SINTE, apontou para a possibilidade de superestimação dos números.
Sendo assim, para a realização deste estudo, consultou-se novamente o Sindicato dos Terapeutas,
SINTE, sobre o número de praticantes de terapias complementares e dentre eles, quantos
praticavam reiki. A resposta obtida foi que, em 2012, há cerca de 150 mil profissionais atuantes em
terapias holísticas e cerca de 30% incluem reiki e similares dentre as técnicas que disponibilizam3. E
também foi enviado um e-mail para a Associação Nacional dos Terapeutas – Sociedade Brasileira
de Medicina Alternativa, solicitando o número total de terapeutas holísticos cadastrados, o número
de reikianos e de outros praticantes de terapias de energização pelas mãos, sem a necessidade do
toque, afiliados. Não obtivemos resposta.
Tudo isso evidencia a expansão e a importância das terapias holísticas e
complementares. No entanto, o que leva as pessoas a acreditarem em “curas” efetuadas pelas
mãos sem que ocorra, necessariamente, um contato direto com o corpo do receptor, como o
reiki, cura prânica, toque terapêutico, johrei, etc? Isto é, sem a intervenção física ou química
direta (agulhas na acupuntura ou óleos essenciais como os usados na aromaterapia)? Quem
são essas pessoas e em que elas acreditam?
Apesar de estarem embasadas em conceitos não reconhecidos pela racionalidade
biomédica, como “prana” ou “energia divina”, e algumas delas estarem atreladas a
concepções não-científicas - ou seja, fazem parte da esfera religiosa -, as técnicas de
energização pelas mãos podem ser classificadas como racionalidades, com homogeneidades,
regularidades e continuidades (WEBER, 1994: 18). Em outras palavras, existe uma
sistematização prático-conceitual em seus procedimentos, movida pela expectativa de
alcançar determinado fim ou valor, no caso, a cura ou alívio do sofrimento4.
Dentro dessa concepção weberiana de “racionalidades voltadas a um fim ou valor”,
podemos dividir as técnicas de energização pelas mãos em dois grupos. De um lado, situamos 3 Mensagem recebida por e-mail em 02 de julho de 2012. 4 Segundo Weber (1994: 15), existem dois tipos de ação racional que os sujeitos podem apresentar: uma é a “ação racional referente a fins” que pode ser determinada por “expectativas quanto ao comportamento de objetos do mundo exterior e de outras pessoas, utilizando essas expectativas como ‘condições’ ou ‘meios’ para alcançar fins próprios, ponderados e perseguidos racionalmente, como sucesso” ou ainda pode ser uma ação de “modo racional referente a valores” que é movido “pela crença consciente no valor – ético, estético, religioso ou qualquer que seja sua interpretação – absoluto e inerente a determinado como tal, independente do resultado”. Além disso, a ação social pode se dar de modo “afetivo”, ou ainda, “tradicional”.
Introdução | 19
as práticas de racionalidade terapêutica, que incluiriam, por exemplo, cura prânica, reiki e
toque terapêutico, que, apesar de privilegiarem acima de tudo o bem-estar/cura do sujeito,
operam dentro de uma racionalidade de mercado, isto é, foram “profissionalizadas” e atuam
predominantemente dentro do setor de venda de serviços, ocorrendo pagamento por cada
sessão de aplicação energética. De outro lado, as práticas de racionalidade religiosa, como o
johrei, mahikari, passe espírita e benzimento, em que o uso da técnica estaria pautado em um
valor ético-humanitário, sem finalidade de ganho material para aquele que aplica a energia,
com exceção do benzimento, que admite remuneração.
O presente estudo objetivou analisar os significados da “cura pelas mãos” no reiki e no
johrei. Por uma questão de relevância das práticas, viabilidade da pesquisa, optou-se por
restringir o foco da investigação a apenas duas práticas curativas que consistem em transmitir
energia pelas mãos, ante as várias modalidades existentes.
Objetivos | 20
2 – OBJETIVOS
2.1 – Objetivo geral
Interpretar os significados de johrei, prática da racionalidade religiosa, e de reiki, da
racionalidade terapêutica, considerando os arcabouços técnicos e conceituais sobre os quais
estão alicerçados.
2.2 – Objetivos específicos
• Resgatar a história de origem e visão de mundo que cada prática cria e reproduz, em
relação aos símbolos, valores e crenças;
• Identificar padrões de comportamento/pensamento de seus praticantes, bem como os
caminhos trilhados pelos neófitos para serem aceitos como legítimos praticantes;
• Comparar as técnicas/práticas, no intuito de localizar seus aspectos comuns e
peculiaridades;
• Identificar a possibilidade da construção de uma “identidade holística” pelos
praticantes.
Revisão da Literatura | 21
3 – REVISÃO DA LITERATURA
3.1 – Energização pelas mãos
Existem várias técnicas de energização pelas mãos e dentro de cada técnica podem
subsistir linhagens ou modalidades. Apresentaremos, a seguir, algumas das principais formas
de transmissão de energia pelas mãos.
Um dos grandes ícones da cura através das mãos é Jesus Cristo, considerado o “Filho
de Deus”. Episódios de cura de leprosos, paralíticos e perturbações psicológicas são
facilmente encontrados na bíblia. No entanto, pode-se argumentar: a figura de Jesus está
atrelada a todo um dogmatismo religioso, isto é, ele pode ter sido apenas uma construção de
“herói mistificado” (JUNG, 1993; CAMPBELL, 1994); o caráter fantástico de muitas
passagens bíblicas deixa margem a dúvidas e especulações5.
Durante o período da supremacia das monarquias europeias não são raros os relatos
acerca do “toque régio”. Existem estudos a respeito das curas “milagrosas” que os reis
efetuavam ao simplesmente tocarem seus súditos, fortalecendo a imagem de que o rei era de
fato um enviado ou representante, divino. Durante a Idade Média:
Em todos os países, os reis eram então considerados personagens sagradas; pelo menos em certos países, eram todos taumaturgos. Durante muitos séculos, os reis da França e os reis da Inglaterra (para usar uma expressão já clássica) ‘tocaram as escrófulas’: significando que eles pretendiam, somente com o contato de suas mãos, curar os doentes afetados por essas moléstias; acreditava-se comumente em sua virtude medical. Durante um período um pouco menos extenso, os reis da Inglaterra distribuíram a seus súditos, mesmo para além dos limites de seus Estados, anéis (os cramp-rings) que, por terem sido consagrados pelos monarcas, haviam supostamente recebido o poder de dar saúde aos epiléticos e de amainar as dores musculares. (BLOCH, 1993: 43)
No século XVIII, surgiu, na Europa, a polêmica figura de Franz Anton Mesmer (1734-
1815) e sua proposta de cura através do “magnetismo animal” (DARTON, 1988; PATTIE,
1994; WINTER, 1998). Esse magnetismo seria uma força produzida pelo sujeito, semelhante
ao campo magnético produzido por barras magnéticas. Mesmer não apresentou explicações
5 Como, por exemplo, as divergências e, até mesmo, contradições entre os evangelhos bíblicos e os considerados evangelhos apócrifos.
Revisão da Literatura | 22
detalhadas sobre esse conceito em suas publicações, limitando-se a afirmar que o magnetismo
animal existia e era eficaz no tratamento de doenças, uma vez que a doença era vista como má
circulação dos fluidos corporais e o magnetismo animal seria uma forma de desobstruir esses
congestionamentos energéticos, restaurando a saúde.
Na época, acadêmicos franceses propuseram-se a testar o método científico defendido
por Mesmer. Como não conseguiram comprovar a existência do magnetismo animal – talvez
pela falta de métodos e instrumentos adequados para tal estudo6 – houve uma intensificação
das perseguições e ataques ao mesmerismo e seus adeptos.
Já no século XX, vislumbrou-se uma maior abertura para a emergência de práticas
relacionadas à transmissão de energias sutis pelas mãos. Em um primeiro momento, essas
práticas foram classificadas como alternativas, operando na marginalidade do campo da saúde
e depois foram incorporadas e reclassificadas como terapias complementares ou integrativas.
Provavelmente uma das técnicas de energização mais conhecidas entre profissionais
de enfermagem seja o Toque Terapêutico (TT), que foi criado na década de 1970, por Dolores
Krieger, então professora de Enfermagem da Universidade de Nova York, e Dora Kunz. O TT
constitui, de acordo com uma de suas criadoras, uma forma de
interpretação criativa de vários antigos métodos de cura que tratam de conceitos como ‘imposição de mãos’, a ‘transferência de energia’ e o ‘curador interior’. (KRIEGER, 1995: 16)
Parte do princípio que os seres humanos são campos de energia contínua, simultânea e
encontram-se mutuamente interagindo com outros campos (humanos ou o ambiente). O
estado de doença ou dor é interpretado como um bloqueio no fluxo de energia do sujeito. A
função do praticante do TT é justamente reequilibrar esse fluxo. Para isso, após concentrar-se
no campo de energia em questão, o praticante utiliza suas mãos para simular uma “varredura”
pelo corpo do sujeito, remodelando o campo energético. A eficácia do TT contribuiu para
uma crescente adesão de profissionais da área da saúde, principalmente enfermeiros, em sua
maioria, norte-americanos. Em seu livro Toque Terapêutico – novos caminhos da cura
transpessoal (1998), Krieger, apresentou uma relação de 99 hospitais e instituições de saúde
onde o TT é praticado nos Estados Unidos, Canadá, Irlanda, Nova Zelândia e Gana. Além
disso, indica 83 escolas onde a técnica é ensinada. 6 Nos séculos XVI, XVII e XVIII questões relacionadas à energia sutil dos corpos eram desconsideradas e inconsistentes. Elas só conseguiram a ganhar espaço, no cenário científico, a partir do século XIX, com desenvolvimento de estudos sobre campos eletromagnéticos. E afirmaram-se como coerentes e relevantes, no século XX, quando a perspectiva mecanicista newtoniana sofreu profundos abalos em seus alicerces científicos com a construção da teoria da relatividade e teoria dos quanta. (CAPRA, 1982)
Revisão da Literatura | 23
Outra técnica que ganhou destaque dentro das práticas terapêuticas é a Cura Prânica.
Um dos seus principais divulgadores é o mestre Choa Kok Sui, que, no livro Cura Prânica
Avançada (1993), apresenta nomes de 44 países onde existe pelo menos um centro que
trabalha com a referida técnica.
A Cura Prânica é uma forma de tratamento de origem ancestral, que utiliza as mãos para curar. Da mesma forma que a Acupuntura, Do-in, Shiatsu e outras, ela basicamente atua tirando energia de onde há excesso (congestão), e colocando-a onde está em falta (exaustão); é feita, no entanto, sem que a pessoa seja tocada (a energia vital do paciente é trabalhada através do chamado corpo etérico, duplo etérico, ou corpo bioplasmático). Ao descongestionarmos e fortalecermos o corpo etérico, descongestionarmos e fortalecermos também o corpo físico. (SUI, 1993: 07)
Pela literatura sobre TT e Cura Prânica, pode-se concluir que o papel desempenhado
pelo praticante é decisivo para o “diagnóstico energético” realizado sobre as condições do
“paciente”. Dependendo das condições físicas ou emocionais, o praticante escolherá os
melhores movimentos ou pensamentos (como visualização de cores) para o tratamento.
Quando o paciente apresenta condições físicas desfavoráveis – como ter passado por cirurgia
considerada de alto risco, idade, ou gravidez – o praticante, tanto do TT ou da Cura Prânica,
pode optar por não aplicar sua técnica no momento, esperando que as condições do paciente
sejam melhores, ou então, ele pode recorrer ao uso de “energias mais suaves”. Como
recomenda Dolores Krieger:
Uma regra simples a ser observada é a seguinte: quanto mais doente estiver o paciente, mais moderado você deve ser na aplicação do Toque Terapêutico e menor deve ser o período da sua intervenção. Isto é, especialmente indicado, quando você trabalha com crianças pequenas, pessoas com lesões cerebrais ou pacientes sobre os quais pouco se sabe. (KRIEGER, 1995:136)
Além das duas técnicas acima mencionadas, existem outras práticas de energização
pelas mãos que trabalham o nível energético; contudo, a participação do curador (seu
diagnóstico e intenção) não é tão preponderante para a realização do tratamento. Nesses casos,
o praticante é entendido apenas como um canal de passagem da energia, um “facilitador” da
conexão entre o receptor e as energias sutis.
Um exemplo disso é o reiki, técnica que surgiu em 1922, com Mikao Usui no Japão.
Em linhas gerais7, para tornar-se reikiano é necessário submeter-se a “iniciação” comandada
por mestre habilitado, somente assim a pessoa é capaz de canalizar as energias sutis, sendo
7 Maiores detalhes sobre a técnica serão apresentados em capítulo posterior.
Revisão da Literatura | 24
que o organismo (físico ou sutil) do receptor quem irá determinar o quanto de reiki irá
“absorver”. Não existindo restrições para o uso de reiki, já que o corpo do paciente é
responsável em receber, ou não, as energias.
Uma cura acontece somente acontece se nos colocarmos de lado, deixando que o Reiki passe livremente, simplesmente escorrendo dentro de nós, atravessando-nos, passando através de nossas mãos, chegando ao outro ser que necessite dessa energia chamada luz ou energia criativa, ou ainda, energia cósmica. Assim a passagem energética se torna muito simples, muito concentrada, direta e eficaz. (RAMOS, 1995: 33)
Outra técnica que também independe das intenções do praticante é o Johrei, não
encontrando restrições para seu uso.
Como o Johrei não é resultante de nenhuma força humana, e sim, da canalização da Luz do Criador, não é necessário concentração para que ele possa recebido ou ministrado. Ao contrário, quanto mais se tirar a própria força, tanto do corpo como da mente, mais facilmente a energia do Johrei atuará. Por isso, não convém fazer coisa alguma enquanto se recebe ou ministra Johrei. (JOHREI CENTER, 2006: 21 – grifo do autor)
Diferentemente das demais técnicas já apresentadas, a prática do johrei está atrelada a
princípios religiosos; sendo um dos pilares da Igreja Messiânica Mundial (IMM)8, fundada em
1935, por Mokiti Okada, também conhecido como Meishu-Sama. O que chama mais atenção
na prática do johrei é a utilização da medalha ohikari para a canalização da energia, sem esse
objeto, o praticante torna-se impossibilitado de transmitir a energia, diferentemente do TT,
Cura Prânica e reiki em que o praticante independe de objetos específicos para trabalhar as
energias sutis.
Outra técnica muito parecida com o johrei é a “arte” Mahikari (“Luz Divina”)
(OKADA, 2004). Foi criada, em 1959, por Kotoma Okada (1901-1974). Seu fundador foi
formado pela Academia Militar do Exército e integrou o Regime de Infantaria da Guarda
Imperial japonesa. Em 1941, afastou-se de suas atividades militares devido a uma doença
incurável. Após o diagnóstico, passou a dedicar-se à espiritualidade e, em 1959, recebeu a
primeira de uma série de “revelações divinas” que o levariam a estabelecer a Sukyo Mahikari,
uma “organização espiritualista” para a prática da arte mahikari, um método de transmissão
de “luz divina” para a purificação do corpo, espírito, mente, entre outras coisas, como por
exemplo, alimentos. Não há empecilhos para sua prática.
8 Os outros dois pilares são: agricultura natural e o belo. Maiores detalhes sobre a técnica serão apresentados em capítulo posterior.
Revisão da Literatura | 25
Para canalizar energia, o praticante do mahikari, assim como no johrei, deve possuir
uma medalha, denominada omitama, sem a qual se torna incapacitado de trabalhar com
energia. Seus praticantes não associam mahikari diretamente a uma Igreja ou religião,
diferente do johrei da IMM: “Mahikari não é uma religião mas uma supra-religião pois
engloba ensinamentos de Economia, Agricultura, Educação, etc.” (OKADA, 2004: 107).
O passe espírita, por sua vez, consiste numa prática de transmissão de energia
vinculada a uma religião específica, o espiritismo. A doutrina espírita foi codificada pelo
francês Hippolyte Leon Denizard Rivail, também conhecido como Allan Kardec, após seus
estudos sobre as “mesas dançantes”, em meados do século XIX (KARDEC, 1993, 1999).
Conforme dados do Censo demográfico de 2010, a população adepta do espiritismo, no
Brasil, contabilizou cerca de 3.848.876 de pessoas (INSTITUTO BRASILEIRO DE
GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE, 2012). Para o espiritismo kardecista, a doença tem
origem espiritual e, para recuperar o equilíbrio do espírito e, consequentemente, obter a cura
de alguma enfermidade, recomenda-se o passe espírita (OLIVEIRA, 2001).
O benzimento (OLIVEIRA, 1983; MARTA, 1993) é uma prática popular de cura,
tradicional e bastante exercida no Brasil, que opera entre dois domínios: o da religião e o da
medicina popular. A bênção – também conhecida como “benzeção, imposição de mãos,
benzimento, passes” (OLIVEIRA, 1983: 24) – pode ser acompanhada de rezas, jaculatórias e
a invocação de santos, entidades protetoras; podendo-se usar como instrumentos: plantas,
massagens, chás, entre outros materiais (cinza, barbante, faca, etc.). As técnicas variam em
cada benzedor, dependendo do grupo de fé que o praticante segue. No entanto, mesmo se
dizendo adepto de alguma religião, ele atua de forma autônoma relativamente a essas
instituições.
Além disso, com o tempo, cada benzedor vai aprimorando suas técnicas, em parte por
“revelações” que recebe e experiências, em parte pela demanda de sua clientela. As regras de
pagamento podem ser explícitas (com valores fixados para cada tipo de atendimento) ou
implícitas (ficando a critério do cliente retribuir com alimentos) e há ainda aqueles que não
aceitam nenhum tipo de remuneração.
Há várias formas de descobrir-se benzedor, no geral isso ocorre através de uma
revelação (espíritos que aparecem) ou herança – algum benzedor mais experiente ensina um
noviço, isso acontece ou porque as pessoas envolvidas fazem parte de um mesmo grupo
familiar, ou então o benzedor decidiu transmitir seus conhecimentos ao perceber a interrupção
iminente de seus atendimentos (doenças, proximidade da morte, aviso das entidades para
parar com o ofício, ou mudança para outra localidade). Muitos benzedores acreditam que
Revisão da Literatura | 26
ensinar seus conhecimentos fora das circunstâncias mencionadas faz com que suas técnicas
percam o efeito. E acreditam no dom para tornar-se benzedor, assim, não é qualquer um que
pode exercer o ofício.
3.2 – Pesquisas científicas sobre johrei e reiki
Na primeira década do século XXI, despontaram várias pesquisas sobre a utilização de
reiki e seus possíveis benefícios. Entre os artigos analisados, muitos são estudos quantitativos
(MACKAY, 2004; CRAWFORD, 2006; POTTER, 2007; TSANG, 2007; ASSEFI, 2008;
BALDWIN, 2008), que tentam relacionar a prática terapêutica a situações diversas: efeito do
reiki no sistema nervoso autônomo, sua capacidade em diminuir estresse, ansiedade, fadiga
dor; contribuição da técnica para melhorar problemas de memória, etc. Como geralmente as
amostras são pequenas ou o experimento é de curto-prazo, os autores acabam sugerindo a
necessidade de pesquisas posteriores.
Foram encontrados também relatos de casos (La TORRE, 2005; BOSSI, 2008;
MORSE, 2011) e artigos que poderiam ser classificados como “teóricos”, pois apresentam
estudos sobre conceitos das terapias de biocampo, diferenças entre técnicas de energização ou
indica os aspectos positivos em associar reiki a algum tipo de tratamento (BURDEN, 2005;
VITALE, 2006; PIERCE, 2007). Dois artigos são de abordagem qualitativa: um pesquisou as
mudanças relatadas por cuidadores que foram iniciados em reiki, nível 1, como prática de
auto-cuidado (BRATHOVDE, 2006) e o outro, as experiências de enfermeiras que
participaram de grupos de tai chi, yoga, meditação e reiki (BONNIE, 2007); ambos sugerem a
necessidade de futuros estudos.
Sobre a literatura científica sobre reiki, destaca-se a pesquisa de Babenko (2004),
Reiki: um estudo localizado sobre terapias alternativas, ideologia e estilo de vida, etnografia
sobre “espaços alternativos” e praticantes de reiki realizada na cidade de Campinas-SP, tendo
como objetivo:
Investigar o modo pelo qual algumas técnicas e práticas alternativas, fundamentadas em concepções holistas de corpo, da doença e da própria “pessoa” (e, portanto, distintas às do modelo biomédico) vêm sendo incorporadas aos serviços oficiais de atendimento à saúde. (p. 107)
Revisão da Literatura | 27
Quanto ao johrei, se comparado ao reiki, o número de artigos e pesquisas relacionados
ao tema é consideravelmente menor. A maioria das pesquisas encontradas é quantitativa
(LAIDLAW, 2003, 2005, 2006; REECE, 2005; BROOKS, 2006; GASIOROWSKA, 2008) e
procura relacionar johrei a mudanças no humor, qualidade de vida e bem-estar. Um artigo é
de abordagem qualitativa (BENNETT, 2006) sobre a experiência da auto-hipnose ou johrei
em mulheres com reincidência de câncer de mama.
Um trabalho interessante foi o de Regina Matsue (2002) que apresentou estudo
comparativo entre os processos de adaptação e difusão da Igreja Messiânica Mundial no
Brasil e na Austrália. Segundo a autora, como os australianos compreendem “espiritualidade
separada da religião”, os missionários da IMM acabaram enfatizando o johrei “como uma
terapia alternativa, desvinculada do sentido religioso que este carrega no Brasil” (p.16). Até
mesmo a palavra “igreja” não agradou muito os australianos, dessa forma, em 2001, decidiu-
se mudar o nome da IMM para “Associação do Johrei”, na Austrália (p.14). O próprio Mokiti
Okada (Meishu-Sama) deixou de ser visto como “messias” e passou a ser entendido como
“terapeuta japonês” (p.16).
Referencial Teórico-Metodológico | 28
4 – REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
4.1 – Definição do campo e escolha dos locais de pesquisa
A princípio, o projeto de doutorado foi estruturado tendo em mente a cidade de
Campinas – SP, cidade onde a pesquisadora residia e onde já havia efetuado um pré-campo,
para averiguar a viabilidade do estudo e a participação de reikianos e messiânicos.
Todavia, como foi admitida como doutoranda na Escola de Enfermagem de Ribeirão
Preto/USP e mudando a residência para a nova cidade, a pesquisadora ponderou que o melhor
seria alterar o local da pesquisa para Ribeirão Preto, até mesmo cogitando a diminuição de
gastos que uma pesquisa em Campinas acarretaria.
No que diz respeito ao reiki, optou-se por estudar apenas o Núcleo de Reiki Clara de
Assis, em Ribeirão Preto, que foi apresentado por uma amiga da pós-graduação. O espaço
realiza um trabalho filantrópico, o que o aproxima do serviço prestado pelos messiânicos e
conta com a colaboração de vários voluntários reikianos. Além disso, os voluntários da casa
foram muito receptivos ante a proposta da pesquisa.
Quanto ao johrei, a pesquisadora foi recepcionada por membros da Igreja Messiânica
Mundial, do bairro Campos Elíseos, em Ribeirão Preto, que foram muito solícitos em atendê-
la e logo lhe agendaram uma entrevista com o ministro local. Na data agendada, os propósitos
da pesquisa foram apresentados e o ministro concedeu permissão para frequentar e pesquisar
o espaço sem objeções, colocando-se à disposição para auxiliar a pesquisadora e esclarecer
dúvidas.
4.2 – O método etnográfico e o trabalho antropológico
Define-se como etnográfico o método utilizado nesta pesquisa. Todavia, é necessário
esclarecer que se trata de uma etnografia fundamentada na teoria interpretativa de Geertz, que
remete, por sua vez, à hermenêutica moderna (GEERTZ, 1997; COSTA, 2002). Destaca-se,
Referencial Teórico-Metodológico | 29
portanto, a importância atribuída à interpretação de significado de ações, valores, crenças e
concepções a nortear este estudo.
Clifford Geertz define etnografia como uma “descrição densa” (GEERTZ, 1978:15),
uma descrição à procura de significados. Contudo, como realizar essa descrição? O que anotar
sobre o campo, como abordar os sujeitos e como trabalhar as entrevistas?
Roberto Cardoso de Oliveira, em seu texto O trabalho do antropólogo – olhar, ouvir,
escrever (OLIVEIRA, 1996), destaca as características da abordagem antropológica,
demonstrando a necessidade de treinar a “domesticação teórica do olhar” (p.15); o “ouvir”
complementando o primeiro; e o trabalho desenvolvido no momento de interpretar e relatar as
informações coletadas, que é o “o ato exercitado por excelência no gabinete” (p.22).
Como realizar isso na prática?
4.3 – Campo, sujeitos e técnicas da pesquisa
Assim como a metodologia da pesquisa para as Ciências Sociais – e para a
Antropologia – não se resume ao método, mas inclui, além do conjunto de técnicas utilizadas,
também a teoria (proposições, conceitos) que fundamenta a pesquisa, o campo da pesquisa
não se resume ao local onde ela se realizou. O campo da pesquisa diz respeito ao espaço,
porém envolve mais que isso: constitui um “recorte empírico da construção teórica elaborada
no momento” (MINAYO, 1999, p. 26). O campo da pesquisa corresponde, portanto, a um
recorte que fazemos da realidade empírica, de maneira a atingirmos o conhecimento de um
objeto de investigação construído teoricamente.
Sendo assim, o campo desta pesquisa envolve a análise interpretativa dos significados
da cura pelas mãos promovida por reiki e johrei, em espaços específicos nos quais a cura
acontece. A pesquisa tem como sujeitos principais voluntários aplicadores de reiki e
seguidores da Igreja Messiânica Mundial que ministram johrei. Como sujeitos secundários,
em interlocução com os principais, estão pessoas que buscam o reiki e o johrei para cura
(orgânica ou espiritual). Os locais onde a pesquisa se realizou são: o Núcleo de Reiki Clara de
Assis e a sede da Igreja Messiânica Mundial, ambos em Ribeirão Preto-SP.
As primeiras visitas ao grupo de reiki trouxeram inevitável tensão à etnógrafa iniciante,
preocupada em registrar mentalmente todas as características físicas do espaço, escutar o máximo
possível das conversas e buscar explicações para aquilo que não entendia. Tentava, discretamente,
Referencial Teórico-Metodológico | 30
anotar as informações no caderno de campo, procurando não chamar muita atenção dos
voluntários nem dos frequentadores da casa, para que não perdessem a “naturalidade”, muito
menos forçassem comportamentos visando agradar a “pesquisadora da USP”.
Inicialmente, a presença da pesquisadora foi motivo de grande curiosidade entre os
reikianos voluntários, o que a levou a relatar detalhes do projeto de pesquisa a cada um que
conheceu no Núcleo. Esclarecidas as dúvidas, bem como as intenções de sua presença, todos
se dispuseram a colaborar com o estudo.
A cada dia de visita ao campo (tanto de reiki quanto de johrei) foram redigidos
relatórios, como um diário ou caderno de campo, onde eram descritos o espaço e o número de
pessoas, relatados conversas, conceitos discutidos e comportamentos. Este hábito de manter
anotações diárias, característica do trabalho do antropólogo, facilitou muito no momento de
realizar a “descrição densa” almejada pela etnografia.
Além do diário de campo, técnica de importância indiscutível na pesquisa etnográfica,
o trabalho de campo iniciou-se com um período de observação que se estendeu durante todo o
tempo, tendo evoluído, posteriormente, para uma forma mais participante de observação de
práticas, rituais e hábitos. Tudo foi registrado minuciosamente nos cadernos de campo e,
depois, retomado para a análise dos significados buscada pela etnografia, de acordo com o
entendimento da Antropologia Interpretativa.
Sobre essa “forma mais participante de observação”, isso se deu de maneira um tanto
quanto inesperada para a pesquisadora. Quando iniciou sua pesquisa no Núcleo de Reiki Clara
de Assis, numa tentativa de facilitar as conversas e trocas de informação com os sujeitos
pesquisados, a pesquisadora mencionou ser iniciada em reiki, até o nível III, o que suscitou o
pedido dos reikianos voluntários para que colaborasse nos atendimentos do Núcleo.
A princípio a pesquisadora resistiu ao convite, alegando que isso poderia prejudicar o
andamento do estudo, entretanto, devido às insistências dos voluntários e almejando um maior
acesso à intimidade desses sujeitos, decidiu aceitar a proposta e se dispôs a ajudá-los nos
atendimentos. Assumiu a pesquisadora, dessa forma, o risco de transformar a observação
participante – técnica por excelência do método etnográfico – em “participação observante”,
criticada por Eunice Durham (DURHAM, 1986: 27). Postura talvez equivocada, mas que teve
o intuito (ou ingenuidade) de, assim como Favret-Saada9, reconhecer a importância dos
vínculos sociais e da afetividade para conseguir informações, materiais de pesquisa como 9 Favret-Saada (2005), no artigo “Être affecté” (Ser afetado) relata sua experiência de campo sobre feiticeiros no Bocage francês, onde decidiu sair da “observação” e aceitou participar da “rede particular de comunicação humana em que consiste a feitiçaria” (p. 157), estabelecendo uma “comunicação específica com os nativos: uma comunicação sempre involuntária e desprovida de intencionalidade, e que pode ser verbal ou não”. (p.159)
Referencial Teórico-Metodológico | 31
comentários ao “pé do ouvido” e expressões faciais de desagrado que só poderiam ser
compreendidas após certo período de convivência.
Quando partiu para a pesquisa na Igreja Messiânica, a pesquisadora procurou uma
forma de tornar-se mais próxima dos sujeitos, porém, como a possibilidade de atuar entre os
membros da Igreja parecia reduzida, já que não é messiânica, nem ministra johrei, a
pesquisadora optou por colaborar em atividades que atestassem a sua dedicação ao templo,
auxiliando na limpeza e na organização do lugar, como fazem os messiânicos. Para isso,
arrumou cadeiras, limpou mesas e varreu calçadas, ajuda recebida com satisfação por alguns
membros, havendo quem afirmasse que até o fim da pesquisa ela se tornaria uma messiânica.
Tanto no Núcleo de Reiki como na Igreja Messiânica, assim que a pesquisadora
percebeu que os sujeitos sentiam-se confortáveis para contarem sobre suas vidas, decidiu que
era hora de adotar a terceira técnica na pesquisa, a de entrevista em profundidade, ou
entrevista etnográfica, realizada por meio de um diálogo entre entrevistadora e entrevistados.
A partir de um roteiro simples, que apenas arrolou os assuntos a serem discutidos, a entrevista
assumia sempre um caráter dinâmico, seguindo o fluxo da fala, das interpretações,
explicações e recordações dos entrevistados.
Ao convidar as primeiras pessoas, surgiu um burburinho entre os sujeitos, queriam
saber como seria essa entrevista, quais seriam as perguntas, alguns tentaram se esquivar e
houve até quem explicitasse à pesquisadora sua tristeza por não ainda ter sido entrevistada
(sendo entrevistada posteriormente). Depois, aqueles que haviam dado seus depoimentos
acabavam por esclarecer e tranquilizar os outros, incitando-os a concederem as entrevistas.
As entrevistas duraram em média 40 minutos e foram realizadas no Núcleo de Reiki e
na Igreja Messiânica, durante os intervalos nos atendimentos e conforme a disposição do
entrevistado. Apenas uma pessoa, reikiana, pediu que a conversa se efetuasse em sua casa, o
que foi prontamente aceito.
Os critérios de inclusão dos sujeitos foram:
• Maiores de 18 anos;
• Aplicadores de reiki ou ministradores de johrei;
• Alfabetizados;
• Mentalmente orientados;
• Que aceitassem participar da pesquisa.
Referencial Teórico-Metodológico | 32
Devido a sua importância, como parceiros do diálogo sobre a “cura pelas mãos”,
foram entrevistados também frequentadores do Núcleo e da Igreja Messiânica, como sujeitos
secundários na pesquisa, adotando os mesmos critérios de inclusão utilizados com os sujeitos
principais.
No Núcleo de Reiki foram entrevistados 15 reikianos e 5 frequentadores. Na Igreja
Messiânica, 14 messiânicos e 4 frequentadores.
A maior dificuldade para a concretização deste trabalho foi, sem dúvida, fazer a
análise dos dados. Como qualquer análise de pesquisa qualitativa, demandou leituras e
releituras exaustivas dos registros dos cadernos de campo e das entrevistas transcritas, a busca
de semelhanças e diferenças entre os depoimentos, as práticas e rituais observados. A busca
de unidades de significados no material obtido na pesquisa de campo indicou os rumos que
deveria tomar a análise, em sua procura de contextualizar, culturalmente, as ações,
concepções, valores e rituais, por meio da apreensão dos significados das partes pelas relações
com o todo e do todo, pelas partes que o compõem, naquilo que se convencionou chamar de
“círculo hermenêutico” (GEERTZ, 1997; COSTA, 2002).
Geertz (1978) aponta para a necessidade de reconhecer que a exposição dos dados será
uma “construção das construções das outras pessoas” (p.19). Ou, em outros termos, uma
“tradução”, “mostrando a lógica das formas de expressão deles, com a nossa fraseologia”
(p.20). Isto é, diante de uma multiplicidade de estruturas complexas apresentadas no campo,
tentar “tornar assuntos obscuros mais inteligíveis” (p.227).
4.4 – Aspectos éticos
A pesquisa obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de
Enfermagem de Ribeirão Preto/USP, com o número 1047/2009. Para sua realização foi
respeitado o que rege a Resolução 196/96 sobre as exigências éticas de pesquisa com seres
humanos.
Todos os sujeitos entrevistados leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (em anexo).
Apresentação e Discussão dos Resultados | 33
5 – APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
5.1 – Reiki
Reiki escrito em kanji10
Rei = Universal
Ki = Energia Vital
Reiki é uma técnica de canalização energética visando o equilíbrio. Dessa forma, a
doença ou “problema” é interpretado como desequilíbrio ou bloqueio da energia do sujeito
(ser humano, animal ou planta). A técnica é dissociada de qualquer tipo de religiosidade,
apesar de trazer em seu cerne, concepções esotéricas. Não exclui a medicina convencional.
Necessita-se passar por uma iniciação de um mestre habilitado para tornar-se apto a
praticá-lo, isso vale para todos os níveis, inclusive para o “mestrado”. E não é o reikiano que
determina a quantidade de energia a ser doada, e sim o corpo de quem recebe.
A seguir, será contada brevemente a história do reiki no Japão, apresentando alguns de
seus símbolos e técnicas. Depois o foco será o núcleo de reiki Clara de Assis em Ribeirão
Preto, suas origens, a inserção da pesquisadora no campo, para, em seguida, trabalhar o
universo de significados apresentado pelos sujeitos entrevistados.
10 Kanji = ideograma japonês. Imagem retirada do site: http://www.sunshinereiki.ca/SRHWhatIsReiki.html (acessado em 15/05/2012)
Apresentação e Discussão dos Resultados | 34
5.1.1 – A história do reiki
Mikao Usui11
Segundo a bibliografia consultada (RAMOS12, 1995; MÜLLER13, 1997; PALOTTA14,
1999; De’ CARLI15, 2006), a história mais difundida sobre a técnica reiki é a seguinte:
Mikao Usui nasceu no Japão por volta de 1865, tornou-se um monge cristão e
professor de uma universidade em Kyoto (Japão). Durante discussão com um grupo de
alunos, estes questionaram se ele acreditava literalmente na bíblia, o que respondeu
afirmativamente. Os estudantes, então, quiseram saber por que não existiam outros curadores
como Jesus e como seria possível realizar as curas apresentadas na bíblia.
Sem saber a resposta, Mikao decidiu sair em busca de elucidações. Pediu demissão de
suas funções e em 1898 mudou-se para o EUA e estudou na Universidade de Chicago,
doutorando-se em línguas arcaicas. Não obtendo explicações satisfatórias para suas
indagações, retornou ao Japão para pesquisar os ensinamentos budistas e informações sobre as
curas realizadas por Buda. Peregrinou pelos mosteiros do país até encontrar um velho monge
que também se interessava pelo tema da cura, estudou escrituras antigas em japonês, depois
em chinês, até que resolveu pesquisar em língua sânscrita. Só então conseguiu localizar um
11 Imagem retirada da internet, http://www.pliniocutait.com.br/sobre_o_reiki.htm (acessado em 15/05/2012) 12 Em seu livro não fica claro se é mestre em reiki. Nasceu no Brasil e realiza palestras no país e na Itália. 13 Brigitte Müller redigiu o livro com o auxílio de Horst H. Günther. Ambos alemães, Müller é mestre desde 1983 e terapeuta naturalista, já Günther é mestre desde 1985 e realizam palestras em diversos países. 14 Cinira A. Palotta, brasileira, é mestra em reiki. Formada em biologia, trabalha com reiki desde 1993. 15 Johnny De’Carli , mestre reikiano, é engenheiro agrônomo, bacharel em Teologia, mestre em Ciência da Religião, pós-graduado em Terapias Naturais e Holísticas e professor universitário.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 35
antigo manuscrito que trazia símbolos sagrados e descrevia como Buda praticava suas curas.
Porém, Usui ainda não possuía o poder de cura.
Em 1922, Mikao isolou-se no monte Kuruma, no Japão, considerado uma montanha
sagrada e por lá permaneceu 21 dias jejuando e meditando. Levou consigo vinte e uma
pedrinhas para marcar o tempo, a cada dia que passava, dispensava uma pedrinha.
No vigésimo primeiro dia, teve uma visão onde vislumbrou bolhas coloridas contendo,
em seu interior, símbolos sagrados e compreendeu os significados e a utilização dos mesmos.
“Naquele momento, Mikao recebia a sua iniciação, o conhecimento de como utilizar o
símbolos e ativar o poder em outras pessoas, acessando assim o eficiente método de terapia
reiki.” (De’ CARLI, 2006: 35). Quando retornou do estado alterado de consciência, Usui
sentiu-se bem, cheio de energia, apesar dos 21 dias jejuando, e decidiu regressar ao mosteiro.
Durante a descida no monte Kuruma, Mikao bateu o pé em uma pedra e machucou o dedão,
que sangrou bastante. Ao levar suas mãos sobre o machucado, percebeu que logo a hemorragia
estancou e as dores passaram. Continuou caminhando e antes de chegar ao mosteiro, parou em um
albergue para fazer uma refeição. Notou que a filha16 do dono do estabelecimento apresentava o
rosto inchado e descobriu que a garota sentia dores de dente. Pediu permissão para toca em seu rosto
e após alguns minutos as dores e o inchaço desapareceram.
De volta ao mosteiro, Usui encontrou o velho monge acamado devido a uma forte
artrite. Foi visitá-lo para contar suas descobertas e ao colocar suas mãos sobre o enfermo, logo
as dores cessaram.
Mikao decidiu desenvolver um trabalho com a população carente e favelada de Kyoto,
curando e os incentivando a procurarem trabalho ao invés de mendigarem. Decorridos alguns
anos, constatou que muitos daqueles que ajudara, haviam retornado à mendicância e à
miséria. Havia curado sintomas físicos, contudo, não os ensinou a modificarem suas vidas.
A partir disso, deixou o trabalho com os pobres e resolveu ensinar a técnica para
aqueles interessados em saber mais. Passou a realizar palestras sobre o método reiki e a
ensinar seus discípulos e clientes a tratar a si mesmos e como alcançar a harmonia física,
mental e espiritual. Recomendando a observação de 5 princípios:
“Só por hoje Não se zangue Não se preocupe Expresse sua gratidão Seja aplicado em seu trabalho Seja gentil com os outros” (De’ Carli, 2006)
16 Müller e Ramos (1998) dizem que era a filha do dono do albergue (p.31), já De’Carli (2006) afirma que era sua neta (p.37).
Apresentação e Discussão dos Resultados | 36
Antes de falecer em 1926, Usui nomeou Chujiro Hayashi como seu sucessor.
Façamos uma pausa nessa história.
É importante registrar que há uma referência bibliográfica que contradiz boa parte
dessa narrativa.
Segundo Otávio Leal (2005)17, Usui baseou-se em técnicas da “Medicina Tradicional
Chinesa (MTC), chi-kung, taoísmo, budismo mahayana e, principalmente, na escola do
budismo Tendai, da qual era um seguidor” (p.24).
Quanto a Mikao ser um monge cristão, Leal afirma: “Sempre fiquei perplexo com
algumas histórias e com a falta de cultura geral de alguns iniciadores que ensinavam que Usui
era um monge cristão (praticamente impossível na época) que viajou ao Tibet (de avião em
1900?) ou ‘canalizou’ os símbolos (a maioria dos símbolos é do budismo Tendai)”. (p. 23)
Dessa forma, Leal discorda da passagem de Mikao no monte Kuruma, os 21 dias de
jejuns e meditação e o consequente estado alterado de consciência.
Sobre esses dados, não é intenção desta pesquisa entrar no mérito dessa discussão,
nem defender a veracidade de certos fatos históricos. O intuito é apenas trazer o conteúdo que
é transmitido entre a maioria dos reikianos.
Sendo assim, voltemos à narrativa sobre o método reiki.
Hayashi, oficial da marinha aposentado, continuou e conservou o método reiki, até
transmitir a sucessão a Hawayo Takata, responsável pela difusão do reiki no Ocidente.
Takata, descendente de japoneses, nasceu no Havaí – EUA, em 1898, e foi ao Japão
em 1936 para operar um tumor. Naquele país recusou a submeter-se a cirurgia e conheceu a
técnica reiki e após quatro meses de tratamento na clínica do senhor Hayashi, curou-se. Quis,
então, aprender o método, acompanhando Hayashi por quase um ano, praticando reiki todos
os dias. Depois foi iniciada no nível II e retornou ao Havaí, fundando a primeira casa de
atendimento em reiki, fora do Japão.
Hawayo encontrou-se outras vezes com Hayashi e tornou-se mestra em reiki. Por
causa da II Guerra Mundial, em 1940, Chujiro nomeou Takata sua sucessora. Esta tratou de
divulgar e praticar a técnica em seu país de origem e a partir de 1976 começou a preparar seus
alunos para se tornarem mestres. Takata faleceu em 1980. Sua neta Phillys Lei Furumoto
prometeu que continuaria fiel à tradição do reiki e em 1983 fundou a Reiki Alliance. A partir
17 Conforme a descrição encontrada no livro, Leal é formado em do-in, shiatsu, acupuntura, e medicina tradicional chinesa. Praticou caratê, kung-fu, chi-kung, tai chi chuan, yoga e aidô. Foi iniciado nas curas xamânicas, no tantra hindu, budismo japonês e tibetano, entre outros. Pesquisou as origens do Reiki na Índia, especialmente na técnica chakra prana, o iad yur ripui – imposição de mãos essênia; o ma’he’a – reiki xamânico, kundalini reiki.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 37
de então, formaram-se novos mestres, o método expandiu sua área de atuação e, além disso,
ocorreram algumas dissidências ao longo do percurso.
Segundo De’ Carli (2006), o reiki foi introduzido no Brasil em 1983, pelo mestre norte-
americano Stephen Cord Saiki, que ofereceu cursos do nível I e II, ministrados no Rio de Janeiro.
Por ora findamos as elucidações a respeito das origens do reiki. Entretanto, é
imprescindível dispensar alguns parágrafos sobre os níveis de iniciação, para fornecer uma
compreensão mais acurada quanto à técnica.
***
Para garantir a tradição e legitimidade da técnica ensinada, é comum o mestre de reiki
apresentar para os seus aprendizes a “linhagem” de reiki que segue, resgatando os nomes dos
mestres de seu mestre, chegando até Mikao Usui18.
Primeiramente, serão apresentados os níveis e os símbolos para facilitar a
compreensão da iniciação em reiki.
O nível I é conhecido como o Despertar.
Ao neófito são introduzidas noções sobre energia, os sete principais chakras19, suas
localizações no corpo físico, a história do reiki e suas utilizações e as posições das mãos
durante a aplicação. Qualquer pessoa pode ser iniciada no nível I. Depois de ser iniciado pelo
mestre, o sujeito já está apto para canalizar reiki para si e para outros. O sujeito pode passar a
sentir mais calor nas mãos ou leve formigamento nas palmas durante a aplicação da energia20.
Após a iniciação, o mestre alerta seus aprendizes sobre a possibilidade da energia reiki
atuar em seus corpos provocando uma “limpeza” nos canais energéticos, que pode durar em
média 21 dias (três dias para cada chakra), conhecido como expurgo. Nesse período, podem
ocorrer diarréia, suor, sonolência, sede, vômitos, etc. Alguns mestres recomendam, durante
esse tempo, auto-aplicação de reiki (colocando as mãos sobre os chakras), evitar a ingestão de
álcool e carne vermelha.
18 Tanto no curso de reiki nível I em Campinas-SP, que a pesquisadora participou em 2005, como também no curso do nível I e II oferecidos núcleo Clara de Assis, em Ribeirão Preto-SP, as mestras reikianas apresentaram a “linhagem” do reiki que seguiam. 19 Chakra = roda, ou círculo em sânscrito. Os chakras são considerados vórtices de energia, funcionando como “centro de intercâmbio entre as dimensões física e astral, e entre as dimensões astral e causal.” (MOTOYAMA, 2004: 20). Os sete principais são: Muladhara (região do cóccix); Svadhishthana (de 3 a 5 centímetros abaixo do umbigo); Manipura (ao redor do umbigo); Anahata (próximo ao coração); Vishuddi (na garganta); Ajna (entre as sobrancelhas); e Sahasrara (no alto da cabeça), (ver MOTOYAMA, 2004: 21 e 22). 20 De’Carli (2004) menciona outras sensações nas mãos, relacionadas ao reiki, como: frio, dor pontiaguda, repulsão (como se algo estivesse empurrando a mão para fora), forte atração magnética, etc. (p. 175)
Apresentação e Discussão dos Resultados | 38
O nível II é chamado de a Transformação.
É necessário ser iniciado no nível I para participar da segunda iniciação, mesmo que
tenha sido realizado por outro mestre. Nesse caso poderá ser solicitado ao aprendiz o
certificado de sua iniciação anterior. Entre um nível e outro, recomenda-se que, pelo menos,
se aguarde o período da “limpeza”, caso contrário, as reações podem ser muito fortes.
Diz-se que nesse nível são trabalhados aspectos mentais e emocionais do iniciante.
São transmitidos também três símbolos para dinamizar e potencializar a energia reiki. O
aprendiz passa por outra iniciação do mestre. E mais uma vez pode vivenciar a fase do
“expurgo”.
Existem controvérsias quanto a divulgação dos símbolos. Nos cursos que a
pesquisadora presenciou, tanto em Campinas, quanto em Ribeirão Preto, recomendou-se a não
exposição dos símbolos para pessoas não iniciadas no nível em questão. Uma das explicações
é que os símbolos poderiam trazer consequências nocivas para aqueles que não souberem
utilizá-los de forma adequada. O que contesta a afirmação que o reiki jamais causa danos21.
Segundo De’Carli (2006) os “símbolos não funcionam sem as devidas sintonizações
energéticas. Seria o mesmo que tentar ligar uma televisão, rádio ou geladeira sem conectá-los
a uma tomada” (p.219). Outros mestres não são tão rigorosos, tornando-se indiferentes
quanto sua publicidade.
Como os símbolos são facilmente encontrados em sites na internet, a pesquisadora
resolveu trazê-los para o corpo do texto, no intuito de enriquecer a exposição – apresentando
as desculpas para aqueles que defendem o sigilo.
5.1.1.1 – Os símbolos
A imagem do símbolo (yantra) pode ser mentalizada ou desenhada pelas mãos do
reikiano, respeitando a sequência e o sentido dos traços. Seu nome (mantra) deve ser repetido
três vezes. Dependendo da linhagem do mestre, os símbolos podem apresentar algumas
variações. Os apresentados a seguir são os mais usuais.
21 “Reiki é um método não polarizado e, portanto, sempre seguro e inofensivo, sem efeitos colaterais ou contra-indicações. Trata-se de um método sem conseqüências negativas, jamais causa danos.” (De’CARLI, 2006: 22)
Apresentação e Discussão dos Resultados | 39
Símbolo 1: Choku Rei
22
Serve como um amplificador de energia. Utilizado para proteção, limpeza e
transmutação energética. Sua cor é violeta.
Alguns mestres o ensinam já no nível I. Para a mestra que ministrou o curso de reiki
nível II, no núcleo Clara de Assis, em Ribeirão Preto-SP, essa antecipação do símbolo 1,
“para quem já trabalha com energia, tudo bem, porém, quem não trabalha é uma
potencialização muito grande do poder energético e isso pode trazer consequências ruins para
quem o utiliza”.
Símbolo 2: Sei he ki
23
Chamado entre os reikianos como o “dragão”. É utilizado para trabalhar o emocional e
o subconsciente. Sua cor é verde.
22 As setas e os números indicam a orientação e a sequência dos traços. Diane Stein (1998) o utiliza na forma inversa, isto é o traço n° 1 inicia-se pela direita. Essa forma invertida não é utilizado pelos reikianos do Núcleo. Imagem retirada do site http://reikinivel2.blogspot.com.br/2009/03/chi-ku-rei.html (acessado em 15/05/2012). 23 Imagem retirada do site http://luzcozmica.blogspot.com.br/2007/10/reiki-smbolos-sagrados.html (acessado em 15/05/2012)
Apresentação e Discussão dos Resultados | 40
Símbolo 3: Hon sha ze sho nen
24
Seu nome é traduzido como “nem passado, nem presente, nem futuro” (De’ CARLI,
2006: 231). Utilizado para romper com “tempo-espaço”, possibilitando ao reikiano praticar
tratamentos e energização à distância, atingindo situações presentes, pretéritas ou futuras. Por
exemplo: trabalhar traumas antigos, emitir reiki a uma pessoa que se encontra em outro país
ou, então, enviar energia para um evento que ainda se realizará (provas, apresentação, etc.) –
desejando a harmonia ou sucesso na situação.
Por apresentar mais traços, muitas pessoas levam mais tempo para memorizá-lo. Sua
cor é azul.
O nível III é conhecido como a Realização, alguns o denominam de 3-A. Neste nível
aprende-se um quarto símbolo.
Sua iniciação é vista como passo para a consciência e atuação planetárias, sendo
possível canalizar energia para multidões.
Símbolo 4: Dai koo myo
25
24 Imagem retirada do site http://templodeazkaban.blogspot.com.br/2011/11/simbolo-do-reiki-hon-sha-ze-sho-nen.html (acessado em 16/05/2012) 25 Imagem retirada do site http://www.marizarauber.com/simbolos.html (acessado em 15/05/2012).
Apresentação e Discussão dos Resultados | 41
Esse é o símbolo mais usual do nível III, sua cor é branca. Entretanto, é possível
encontrá-lo em outro formato, dependendo da linhagem do mestre:
26
Serve para acelerar a limpeza energética do ambiente, assim como abarcar grandes
grupos populacionais.
No nível mestre (ou 3-B), o aluno aprende como iniciar novos reikianos. Contudo, a
pesquisadora não conseguiu ter acesso à preparação desse nível e desconhece se há outros
símbolos27.
Os símbolos podem ser usados em sequência, desenhando “no ar” ou mentalizando o
símbolo 4, depois o 3, o 2 e, por fim o 1, sempre repetindo três vezes o nome de cada um. Ou
podem ser utilizados de forma isolada, por exemplo, se um reikiano quiser “limpar” o
ambiente, pode apenas gesticular o formato do símbolo 1 e mentalizar o nome choku rei, três
vezes. O emprego dos símbolos dependerá da intenção do praticante28. Em alguns casos, o
reikiano pode optar simplesmente em estender a mão em direção àquilo que deseja transmitir
energia, sem necessariamente, recorrer aos símbolos.
5.1.1.2 – A iniciação
Infelizmente a pesquisadora não teve acesso ao ritual, e seus procedimentos, de
iniciação dos neófitos. Nos cursos oferecidos pelo Núcleo, limitou-se a assistir às exposições,
26Imagem retirada do site http://www.reiki.info/Simboli-Reiki/Simboli-Reiki-Sbagliati.htm (acessado em 15/05/2012) 27 Diane Stein (1998) afirma que no mestre aprende-se o símbolo raku, semelhante ao desenho de um raio. Porém como não foram encontradas outras fontes que mencionassem o referido símbolo, preferiu-se o omitir. 28 Pode recorrer aos símbolos para melhorar a energia dos alimentos, remédios, ou para conseguir atravessar uma rua movimentada, ou em animais, plantas, ou para os fins já exemplificados no texto.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 42
das mestras, que antecediam o ritual. E em suas iniciações teve de permanecer com os olhos
fechados.
Para não ficar uma lacuna na descrição, apresenta-se um depoimento coletado por
Babenko (2004) para relatar como se desenrola a iniciação. Reproduzido na íntegra:
A primeira fase da iniciação consiste em o iniciado inspirar profundamente e reter a respiração de maneira a abrir o chakra coronário. O símbolo day-ko-myo é traçado em cima deste chakra. As mãos do iniciado são levantadas até a altura da testa e então o mestre sopra do chakra laríngeo até as extremidades da cabeça e das mãos. Outra vez o iniciado inspira profundamente e retém a respiração. Dessa vez três símbolos são traçados em cima da cabeça pela seguinte ordem: hon-sha-ze-sho-ne, sei-he-ki, cho-ku-rei. Novamente o mestre sopra do chakra laríngeo até as mesmas extremidades, só que agora as mãos do iniciado são baixas até o chakra coronário. Enquanto o iniciado novamente inspira, o mestre passa á frente do iniciado, pelo lado direito. A segunda fase implica em abrir as mãos da pessoa como um livro, traçar os mesmos símbolos sobre as palmas das mãos pela seguinte ordem: day-ko-myo, hon-sha-ze-sho-ne, sei-he-ki, cho-ku-rei, batendo três vezes em ambas as mãos, ou no peito se não for possível nas mãos. Em seguida as palmas das mãos são juntadas e sopradas, do chakra básico até o chakra cardíaco. Enquanto o iniciado inspira profundamente retendo a respiração, o mestre volta para trás do iniciado, também pelo lado direito. A terceira fase exige que se trace novamente o símbolo day-ko-myo sobre o chakra coronário. Em seguida, o mestre lentamente ergue as mãos do iniciado e sopra do chakra laríngeo até o chakra coronário. Depois, novamente o mestre sopra as mãos do iniciado, que devem ser colocadas sobre o chakra cardíaco e sobre o chakra do plexo solar. (p. 51-52)
Agora que os aspectos principais da técnica reiki foram apreciados, podemos passar
para o núcleo de reiki Clara de Assis.
5.1.2 – O núcleo Clara de Assis
O contato da pesquisadora com o reiki ocorreu em Campinas, por meio de uma
professora de japonês que conheceu na época em que fazia mestrado. Essa professora que
iniciou a pesquisadora nos dois primeiros níveis de reiki. Posteriormente, conheceu outros
praticantes dessa energia, assim como, mestres na técnica. Conforme exposto, anteriormente
na introdução, a intenção era efetuar os estudos em Campinas, contudo acabou mudando para
Ribeirão Preto, e a sua inserção no campo de reiki se deu por intermédio de uma amiga da
faculdade de Enfermagem. Logo que soube do projeto, essa amiga convidou a pesquisadora a
Apresentação e Discussão dos Resultados | 43
conhecer um núcleo de reiki que estava frequentando. Marcaram um dia e horário (outubro de
2009) e foram rumo ao que se tornaria um dos campos de pesquisa deste estudo – Núcleo de
Reiki Clara de Assis.
Desde a primeira visita ao lugar, foram relatadas as intenções de pesquisa no espaço.
A recepcionista da época juntamente com uma mestra reikiana concordaram com a presença
da doutoranda, incentivando-a a conhecer outros integrantes do lugar e convidaram-na a
participar dos cursos de iniciação na técnica oferecidos pelo Núcleo. Quando tomaram
conhecimento de que a pesquisadora já era iniciada em reiki, propuseram que ela também
fosse aplicar reiki como voluntária. Resistiu no começo, porém, vendo a movimentação, as
demandas dos frequentadores, e o trabalho dos integrantes do Núcleo, acabou cedendo e
passou a atuar no serviço voluntário, o que colaborou sobremaneira para que ganhasse
confiança dos membros da casa e tivesse acesso às suas práticas durante os atendimentos.
Organizou-se para comparecer ao Núcleo, principalmente, segundas e quintas-feiras à
tarde, quando há maior número de voluntários. Foi também, algumas vezes, nas sextas e
sábados de manhã.
Falemos então sobre a origem do núcleo.
***
Conforme o relato da própria fundadora, a história do Núcleo Clara de Assis
confunde-se com a organização de um grupo beneficente em prol de pessoas soropositivas
(AIDS), surgido em 1990. Esse grupo se reunia numa casa situada na rua Hermes Fontes –
Vila Seixas, em Ribeirão Preto-SP, que pertencia à fundadora do Núcleo, e ensinava trabalhos
manuais (artesanato) aos soropositivos e realizava bazares para vender os produtos. Apesar de
muitos dos seus membros terem vinculação com o espiritismo kardecista29, o núcleo era
“independente de raça ou religião”.
Por motivos de saúde, a fundadora do Núcleo participou do curso de reiki de uma
mestra que não morava em Ribeirão Preto. Como a mestre foi embora, tanto a fundadora
como outros iniciados em reiki decidiram se reunir para estudar sobre a técnica e trocar
experiências. Depois resolveram dedicar pelo menos um dia da semana para aplicar reiki
gratuitamente e passou-se a utilizar, com o aval dos diretores, o espaço do grupo Clara de
Assis. O reiki foi introduzido a partir de 1992 e se consolidou em 1993 no espaço.
29 Faz-se essa distinção, pois, notou-se que alguns entrevistados ao mencionarem a doutrina de Allan Kardec demonstraram a necessidade de afirmar que era diferente do espiritismo praticado na umbanda.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 44
Como o número de voluntários reikianos foi aumentando consideravelmente e o
público também30, notou-se a necessidade de encontrar um espaço próprio para o trabalho
com reiki. Como não conseguiram encontrar uma casa adequada, a fundadora decidiu doar a
casa da rua Hermes Fontes para o grupo Clara de Assis, instituindo-o como núcleo de reiki e
adquirindo caráter de utilidade pública.
O grupo, além de contar com o trabalho voluntário e não possuir fins lucrativos, ainda
monta cestas básicas com os alimentos doados pelos frequentadores do espaço e as distribui
para famílias necessitadas (grávidas, mulheres com o marido ou filhos presos, ou pessoas
doentes)31. Entre 1998 e 1999, o grupo ganhou um terreno, na rua Japurá – em Ribeirão Preto,
de uma instituição que fechou. A casa na rua Japurá foi construída com recursos levantados
por meio de almoços, jantares e venda de pizzas coordenados pelo grupo. A princípio
ofereceu-se corte de cabelo e pretendia-se fornecer cursos profissionalizantes, porém, por falta
de voluntários, a casa da rua Japurá restringiu-se a local de doação de cestas básicas.
Somado a isso, o grupo presenteia grávidas com enxoval de bebê; na época de natal
distribui cestas natalinas e monta “sacolas” de presente para crianças menores de 8 anos
(nessas sacolas pede-se para o colaborador um brinquedo, um calçado e uma roupa –
devidamente identificado com os números usados pela criança). Esses recursos dependem
somente das doações dos frequentadores e amigos da casa.
5.1.2.1 – A casa do núcleo Clara de Assis
A casa é consideravelmente grande, possui quatro quartos, um banheiro interno, dois
na área externa – um feminino e outro masculino –, uma cozinha e uma edícula (que já serviu
para uso de uma psicóloga voluntária, porém atualmente guarda equipamentos e objetos da
casa). A entrada de acesso ao local (imagem 1) é uma garagem com uma pequena placa
(aprox. 15x30cm) que traz o nome do núcleo (imagem 2).
30 Conforme relato da fundadora, o núcleo chegou a atender cerca de cinco mil pessoas em um ano. 31 Atualmente auxilia em torno de 40 famílias.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 45
32 Imagem 1 – Entrada de acesso ao núcleo de Reiki
Imagem 2 – Placa com o nome do Núcleo
Na parte coberta da garagem há umas 10 cadeiras de plástico distribuídas em torno das
paredes, para que os “pacientes” aguardem sua vez de receber reiki. No mesmo local há um
painel para pregar recados e informações. Encontram-se outros quadros, menores em relação
ao painel, com preces e dizeres positivos. Há também revistas, algumas da Seicho-no-ie33 e
uma pequena mesa onde se coloca um bule com chá preparado pelas organizadoras do núcleo,
para que os frequentadores se sirvam a vontade (imagem 3).
Cada pessoa que aparece pela primeira vez é solicitada a preencher uma ficha
cadastral, em uma sala de entrada (imagem 4). Essa sala é mobiliada com uma mesa, duas
cadeiras, um bebedouro, uma estante com livros para empréstimo, como uma biblioteca e na
parede há um quadro com a oração de São Francisco de Assis. Serve de recepção aos
32 Todas as imagens do Núcleo foram registradas pela pesquisadora. 33 Seicho-no-ie pode ser considerada uma filosofia ou religião japonesa, fundada por Masaharu Taniguchi, em 1° de março de 1930, no Japão. Segundo o site da instituição (www.sni.org.br) seicho-no-ie “é um ensinamento de amor que prega que o ser humano é filho de Deus, que o mundo da matéria é projeção da mente e, também, nos revela qual é a nossa verdadeira natureza. É uma filosofia que transcende o sectarismo religioso, pois acredita que todas as religiões são luzes de salvação que emanam de um único Deus”. Acessado em 01-10-09.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 46
pacientes e lugar onde se desenrolam conversas animadas entre voluntários e alguns
frequentadores. Por vezes, nos quartos de atendimento, é possível ouvir essas palestras.
Próxima à porta da cozinha (lado direto da recepção) há uma mesinha com uma
pequena caixa de madeira onde são depositados papéis – com nome endereço de pessoas –
para que recebam reiki à distância34. Ao lado da caixinha, há papéis pequenos e lápis.
Posteriormente foram colocados dois quadrinhos apoiados na mesa, um com retrato de Mikao
Usui e outro com reiki escrito em kanji. Acima da mesinha, preso à parede, há um quadro
(aprox. 50cmde altura por 30cm de largura) com a imagem de Jesus Cristo, com os dizeres:
“ressuscitei para ficar com vocês!”. Ao lado da porta do corredor há um painel de metal com
fotos de integrantes do núcleo.
Os dados que se pedem para o cadastro são: nome, data de nascimento, endereço,
telefone para contato e motivo de ir lá (se é por doença, apenas energização ou, como no caso
da pesquisadora, o interesse em estudar o lugar).
Imagem 3 – Área de espera dos atendimentos Imagem 4 – Sala de entrada
Para aqueles que procuram o serviço, solicita-se que colaborem doando um quilo de
alimento não perecível, que depois será distribuído como cesta básica a famílias carentes.
Pede-se que leve o próprio lençol para forrar a maca em que a pessoa deitará para receber
energia35.
34 Quando a caixinha fica cheia, queimam-se os papéis, sendo necessário renovar os pedidos. 35 Além de preencher uma ficha com os dados cadastrais, ganha-se uma ficha com as seguintes características: nome do núcleo, nome do freqüentador. Logo abaixo dos nomes há uma caixa com os dizeres “REIKI é uma técnica de cura pelas mãos, que leva ao bem estar físico e ao equilíbrio mental e emocional.” Embaixo da frase está escrito com letras em caixa-alta “comparecimento” e apresentam-se duas tabelas idênticas que especificam o dia, mês, ano e hora, com lacunas para serem preenchidas a mão. No fim das tabelas encontram-se duas solicitações “favor trazer lençol de tecido de cor clara (para seu uso)” e “favor trazer 1kg de alimento não perecível (para doar)”. Em seguida há um espaço para observações, a serem preenchidas pelos membros do núcleo.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 47
Pode ocorrer a pergunta: como esse núcleo se sustenta?
As despesas de manutenção da casa são quitadas por meio do dinheiro arrecadado com os
cursos de iniciação em reiki que oferece36; além de almoços que organiza e doações em dinheiro
que recebe. Também vendem camisetas com o logotipo da casa ou escrito reiki em kanji.
Pela sala de recepção, tem-se acesso aos quartos para aplicação de reiki. Um ao lado
esquerdo, geralmente utilizado pelo massagista voluntário e mais três situados no corredor à
direita. Na cozinha, onde se faz o chá para os frequentadores e onde também é utilizado como
espaço de sociabilidade e lanchinho dos voluntários, os armários são utilizados para guardar
os mantimentos doados (imagens 5, 6 e 7)37.
Imagem 5 – Cozinha do Núcleo
Imagem 6 – Armários da cozinha do Núcleo Imagem 7 – Mantimentos doados
36 Em junho de 2011, os valores cobrados para cada iniciação eram: nível I = R$150,00; nível II = R$250,00; nível III = R$350,00 e reciclagem (quando um reikiano assiste às explicações mas não é submetido à iniciação) = R$50,00. Não havia valores para curso de mestre, contudo, voluntários acreditavam custar mais de mil reais. 37Pelo menos às segundas e quintas, alguém sempre leva um lanche (bolo, torta, pães, biscoitos) para ser compartilhado com todos.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 48
Ao lado da porta da cozinha encontra-se o corredor que leva a outros três quartos. O
primeiro com apenas duas macas, sem divisórias (ver exemplo da imagem 8). No segundo há
uma maca e uma cadeira. A cadeira é utilizada para a aplicação de reiki com uma técnica mais
rápida do que quando é aplicado com o sujeito deitado na maca, chama-se “reiki especial”,
tema que será abordado mais adiante. No terceiro quarto, situado no fim do corredor, estão
dispostas três macas. Pode-se observar através da janela desse quarto a edícula.
Imagem 8 – Sala de atendimento Imagem 9 – Quadro de auriculoterapia
Em cada quarto pode-se observar quadros dos mais variados temas. Imagens de Jesus
Cristo, oração e imagem de São Francisco de Assis, desenho de pontos de auriculoterapia –
ramo da acupuntura que trabalha com meridianos na orelha – (imagem 9). Como também um
relógio de parede em cada quarto para marcar o tempo de reiki ministrado (no núcleo,
costuma-se canalizar a energia por cerca de três minutos em cada chakra, mas o tempo pode
variar conforme o voluntário e a necessidade do receptor). Tanto no corredor como nos
quartos utilizam-se lâmpadas de cor verde – cor que em cromoterapia é associada a cura.
Sempre se coloca música em ritmo lento.
O horário de funcionamento da casa é variado (ver quadro abaixo), assim como o
número de voluntários em cada dia. Nas segundas-feiras e quintas há uma média de 10
voluntários para atendimentos. Terça-feira, à noite, é o período de menor número de
reikianos, 3 a 4. Ao todo foi constatada a participação de 30 voluntários assíduos. Entre os
frequentadores (que vão receber reiki) a quantidade oscila de 15 a 20 pessoas por dia. Quando
a casa está com poucos “pacientes”, os voluntários aproveitam para aplicar reiki uns nos
outros.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 49
Dias da Semana
2ª : 14h às 17h 5ª : 14h às 16h
3ª : 17h às 19h 6ª : 9h às 11h e 17h às 19h
4ª : 17h às 19:30h Sábado: 9:30h às 11h Quadro de horário
Cerca de 935 pessoas cadastradas frequentaram a casa entre 2009 e 201038. Os
motivos que as levaram ali são os mais variados, passando por insônia, depressão, ansiedade,
soluço, câncer, hérnia de disco, problemas para engravidar, dores de cabeça, dores em geral
(costas, pernas, ombros, pescoço), etc. A população, em sua grande maioria, é adulta, contudo
crianças e adolescentes também frequentam o espaço levados pelos seus pais39. Frequentam
brancos e negros, com maior predominância de mulheres brancas. Durante o tempo de
pesquisa, não foi registrado nenhum descendente de japoneses aguardando para receber reiki.
Muitos dos reikianos da casa foram ao Núcleo, primeiramente, em busca de tratamento
para seus problemas (depressão, doenças, perda de entes queridos, etc.), só depois de sentirem
amenizar os sintomas é que resolveram passar pela iniciação e dedicar seu tempo ao serviço
voluntário. Entre os membros, a maioria é adulta, aposentada, com predomínio de mulheres
brancas. Negros reikianos são poucos. Das quatro mestras que trabalham no Núcleo, três
possuem ascendência nipônica.
5.1.2.2 – Os atendimentos
Antes de iniciar os atendimentos, os voluntários assinam num caderno de presença,
que fica no balcão abaixo da estante de livros. Depois formam uma roda na sala de recepção,
colocando no centro uma cadeira para sustentar a caixinha de madeira (para reiki à distância),
e efetuam o ritual de abertura. Algumas vezes convidam algum frequentador para participar,
entretanto, na maior parte das vezes, apenas reikianos participam.
38 As fichas foram analisadas entre os meses de junho e julho de 2010. Depois disso, pessoas deixaram de aparecer na casa e outras novas foram cadastradas. 39 Quando se trata de crianças, as sessões tendem a ser mais rápidas. Muitos reikianos acreditam que tanto crianças como animais captam a energia mais facilmente, pois, encontram-se mais próximos da própria essência. Por apresentarem menos “bloqueios” energéticos, a circulação do reiki é mais rápida, exigindo pouco tempo de aplicação. Não sei se essa fluidez na circulação energética sofre grandes modificações quando se trata de doenças, em crianças e animais.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 50
Nesse ritual as pessoas dão as mãos em posição alternada – a palma direita virada para
baixo e a palma esquerda virada para cima – dizem que “a direita doa energia e a esquerda
recebe”. Alguém da roda se voluntaria a proferir palavras para reflexão ou então, leem-se
trechos de um livrinho de auto-ajuda40. Em seguida, reza-se o Pai-Nosso41 e as pessoas
dispõem suas mãos sobre a caixinha, energizando-a. Passados alguns minutos nessa posição, o
grupo se abraça e quem “liderou” a prece, se encarrega de “puxar” o círculo de beijos.
Começa afirmando, à pessoa que se encontra à sua direita, que a ama e beija seu rosto. Essa
pessoa por sua vez faz a mesma coisa com quem está à sua direita. Quando a última pessoa
beija o “líder”, faz-se a mesma coisa no sentido inverso – afirma que ama a pessoa à esquerda
e beija o seu rosto.
Ninguém soube explicar de onde surgiu esse ritual, somente depois de muito tempo, a
pesquisadora conseguiu a seguinte informação com uma das mestras: o intuito era “quebrar o
gelo” entre as pessoas, de levá-las a superar suas barreiras e perceber que não dói expor os
sentimentos.
Dois voluntários manifestaram, durante as entrevistas, certo incômodo com essa
atitude de beijar e dizer que ama a outra pessoa e se questionavam a respeito da real
necessidade disso tudo.
Para encerrar o dia de atendimento, realiza-se ritual semelhante ao de abertura. As
diferenças são: palavras de agradecimento pelo êxito nas sessões, antes do Pai-Nosso; e a
ausência da caixinha no centro da roda.
Terminado o rito de abertura, os voluntários iniciam os atendimentos. Às vezes
atendem sozinhos, outras, em dupla ou em trio, dependendo da quantidade de reikianos e de
frequentadores. Quando a pessoa vai ao núcleo pela primeira vez, o reikiano que a recebe faz
uma pequena explanação sobre a energia reiki, mas não é sempre que isso acontece.
O receptor tira os sapatos, relógio, entre outros objetos de metal42, e deita-se de barriga
para cima, na maca (forrada com um lençol). O voluntário lava as mãos43 e se posiciona atrás
da cabeça do receptor. Geralmente se concentra por uns minutos (podendo fazer preces em
voz baixa)44 e inicia a sessão pousando as duas mãos sobre os olhos da pessoa, cobrindo sua
40 Livrinhos como: Ânimo de Lourival Lopes; Palavras de ânimo de Eguinaldo Gomes Rodrigues; Sementes de felicidade, Lourival Lopes; Minutos de sabedoria de C. Torres Pastorino e Preces espíritas, revisado por Wallace L. V. Rodrigues. 41 Às vezes pode-se acrescentar a prece Ave-Maria. 42 Ao ser questionada sobre o motivo de se retirar os metais, uma das mestras explicou que era para os metais não interferirem no fluxo energético. Nem todos os voluntários acreditam nisso. 43 Alguns voluntários levam as próprias toalhas e deixam no banheiro. 44 Observou-se uma vez um reikiano solicitando o auxílio de Bezerra de Menezes, médico falecido conhecido no meio espírita.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 51
face (imagem 10)45, depois vai mudando o lugar das mãos a cada três minutos em média. O
toque no corpo da pessoa não é necessário, mas alguns mestres alegam que confere maior
segurança para quem está recebendo. As mãos geralmente ficam com os dedos unidos, em
formato de concha. Conforme a explicação de uma mestra, as mãos em concha servem para
concentrar a energia.
A segunda posição das mãos é nas laterais da cabeça (imagem 11). Depois, a mão
direita fica sobre a testa e a esquerda sob a nuca (imagem 12). Em seguida as mãos ficam nas
laterais do pescoço (imagem 13). Essas são as quatro posições da cabeça.
No tórax, as mãos ficam sobre o coração (imagem 10), depois sobre o diafragma
(imagem 11), em seguida cobrindo a região da cintura e, para o reikiano não tocar o genital do
receptor, ele coloca as mãos da pessoa na região, e as suas mãos ficam por cima das mãos do
receptor (imagem 14). Na sequência as mãos repousam sobre os joelhos (imagem 15) e
descem para os pés (imagem 16). Por fim, colocam-se as mãos sobre o chakra cardíaco e o
chakra básico do receptor permanecendo nessa posição por mais alguns minutos (imagem 17).
Alguns finalizam a sessão, outros desenham símbolos sobre o corpo deitado e encerram o
procedimento, disso dependerá o nível do reikiano46.
Todo o procedimento demora em torno de trinta minutos, se o voluntário estiver
atendendo sozinho; quando a sessão é realizada em dupla, ou trio, de reikianos o tempo
diminui para 15 minutos. Esse é o padrão da casa, no entanto, pode-se solicitar que o receptor
vire-se com a barriga para baixo, para aplicar reiki em suas costas. Observou-se também que
alguns reikianos fazem massagens nos pés da pessoa, enquanto os energiza.
Imagem 10 – Reiki sobre o coração e face Imagem 11 – Reiki nas laterais da cabeça e diafragma
45 As pessoas fotografadas concordaram com o uso de suas imagens nesta pesquisa e assinaram o Termo de consentimento para uso de imagem. 46 Quando o atendimento é em dupla, um reikiano fica responsável pela parte da cabeça e outro com o tórax. Quando é em trio, um fica com a cabeça e os outros dois com o tórax, ou então, um na cabeça outro no tórax e o terceiro com as pernas. A organização do trio dependerá dos voluntários envolvidos.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 52
Imagem 12 – Reiki na nuca e testa Imagem 13 – Reiki nas laterais do pescoço
Imagem 14 – Reiki na região genital (chakra básico) Imagem 15 – Reiki nos joelhos
Imagem 16 – Reiki nos pés Imagem 17 – Reiki nos chakras cardíaco e básico
Ao terminar, o voluntário sai para lavar suas mãos no banheiro e permitir que o
receptor descanse um pouco. Alguns dormem nas macas e até roncam. Passados alguns
minutos, o reikiano retorna ao quarto para saber como está a pessoa atendida, acompanhando-
a a sala de recepção. Fica a critério do frequentador, marcar uma nova sessão ou não.
Notou-se que quando os voluntários, durante a sessão, mudavam a posição das mãos,
primeiro deslocavam uma das mãos e depois a outra, mantendo sempre contato com o corpo
da pessoa. A pesquisadora lembrou-se quando participou de um curso de massagem relaxante,
quando ainda morava em Campinas, em 2007. A professora do curso logo no primeiro dia,
quando explicava algumas manobras (movimentos de massagem) recomendou que quando os
massagistas estivessem se deslocando de um lado da maca para o outro, que mantivessem
Apresentação e Discussão dos Resultados | 53
sempre uma das mãos em contato com o massageado, para que o sujeito não tivesse a
sensação de abandono.
Existe outra modalidade de reiki praticada no núcleo, conhecido como “reiki
especial”47 que se aprende no curso de mestre. Segundo a informação de uma das mestras,
essa técnica é capaz de potencializar a energia em até cem vezes, dependendo da
receptividade do “paciente” e não são todas as linhagens de reiki que a praticam. Quando o
frequentador chega ao Núcleo, dependendo da queixa (como um caso mais grave de doença
ou extrema debilidade física), o recepcionista pode encaminhá-lo para o reiki especial. Alguns
frequentadores que já conhecem a técnica podem simplesmente pedir para receberem o reiki
especial, acrescentando justificativas para a escolha. No geral, as pessoas são encaminhadas
para o reiki “convencional”, isto é, deitadas na maca.
Infelizmente, pelo fato da doutoranda não ser mestre em reiki, não pode observar o
procedimento e quando se submeteu a ele teve de permanecer com os olhos fechados.
Para iniciar a energização, a mestra pede para relaxar na cadeira, fechar os olhos e
respirar fundo, três vezes. Com os olhos cerrados, percebem-se leves toques das mãos da
mestra nas costas, ombros, testa, tórax e abdômen. Cerca de três toques em cada região. O
procedimento dura cerca de 10 minutos. Em seguida, a mestra pede para respirar fundo mais
uma vez e abrir os olhos, indagando se a pessoa sente-se bem.
Qualquer pessoa que apareça no núcleo tem o direito de receber reiki, mesmo que a
casa esteja prestes a encerrar os atendimentos do dia. Conforme uma das mestras
Desde o momento que a pessoa aparece no núcleo, ela tem de receber atendimento, nem que forem cinco minutos de reiki, mas ela tem esse direito. Já existe tanta energia contra, para dificultar o acesso das pessoas ao reiki, que não podem ir embora sem serem atendidos no núcleo48
5.1.3 – Aprendendo a “tolerância”
Para efetuar uma “descrição densa” do campo de reiki, além de dispensar páginas
relatando minúcias do ambiente, os símbolos e rituais adotados, acredita-se ser importante
47 Para distinguir quem receberá reiki normal ou especial, as fichas dos frequentadores são identificadas com pequenos quadrados de papel de cores diferentes: rosa para reiki normal e verde para reiki especial. Em cada quadradinho há também um número para identificar a ordem de chegada do frequentador. 48 Informação anotada durante pesquisa de campo.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 54
dedicar atenção para os sujeitos que compõem esse campo, isto é, falar sobre suas
experiências biográficas e conhecimentos, para quem sabe, alcançar uma etnografia do
pensamento.
Segundo Azzan Junior:
“[...] etnografia do pensamento é um estudo sobre a intersubjetividade, sobre como estruturas de pensamento mudam, como províncias de pensamento são demarcadas, como as normas de pensamento são mantidas, como os modelos de pensamento são adquiridos, como o trabalho de pensamento é dividido.”(AZZAN, 1993:90).
Para tanto, retomam-se as duas questões etnográficas levantadas por Geertz: “como é
sua maneira de viver, de um modo geral?” e “quais são precisamente os veículo através dos
quais esta maneira de viver se manifesta?” (GEERTZ, 1997: 106)
5.1.3.1 – Voluntários
É interessante mencionar que, durante a pesquisa de campo, os integrantes do Núcleo
demonstraram desconhecer a trajetória de vida de cada um. Desconheciam a profissão, as
atividades que realizavam fora do serviço voluntário; por exemplo, achavam que um deles era
médico quando na verdade era formado em engenharia. Entre as mulheres, algumas sabiam
que as outras possuíam filhos ou netos. Contudo, a maioria ignorava os motivos que os
conduziu a casa do reiki.
Notou-se que após concederem as entrevistas e discorrerem sobre questões pessoais
(cônjuge ou filho doente, desentendimentos, dificuldades, etc.), alguns se sentiram mais à
vontade para relatar problemas familiares para outros voluntários.
Feita essa observação, passemos às entrevistas.
5.1.3.2 – As entrevistas com os rekianos
Antes de falarmos sobre os reikianos, considera-se relevante apresentar a conceituação
elaborada por Magnani (1999) sobre o movimento neo-esotérico:
Apresentação e Discussão dos Resultados | 55
‘neo esoterismo’ [...] entre outras características, se apresenta como uma busca de novos paradigmas de conhecimento, de uma espiritualidade independente de sistemas religiosos institucionalizados e de uma visão ‘holística’ do homem e da natureza, tendências de ampla circulação e visibilidade nos anos 80 e 90. (p. 7-8)
Identificando o público neo-esotérico como “de classe média, adulto e
majoritariamente feminino” (p. 110)
O público do Núcleo, coincidentemente, também se apresenta majoritariamente
feminino. Entre os voluntários há predominância de mulheres brancas, aposentadas. Dos 15
reikianos entrevistados (11 mulheres e 4 homens), 11 possuíam curso superior.
A espiritualidade independente também se apresenta entre os reikianos, mas esse tema
será tratado mais adiante.
Quanto a visão holística do homem e da natureza, podemos identificar entre os
voluntários do Núcleo os seguintes termos
Equilíbrio Energético
As literaturas pesquisadas sobre reiki (RAMOS: 1995; MÜLLER: 1997; PALOTTA:
1999; De’ CARLI: 2006) e as mestras, com quem a pesquisadora conversou, explicaram que
os males e sofrimentos dos sujeitos são oriundos de desequilíbrios ou “bloqueios” energéticos
gerados pelo próprio sujeito ou pelo ambiente. A atuação do reiki seria uma forma de
restaurar esse equilíbrio energético, e, a partir desse equilíbrio, o sujeito encontraria harmonia
e melhoras em suas condições de vida e saúde.
Entre todos os sujeitos entrevistados – 15 reikianos e 5 frequentadores – todos
relataram buscar a técnica para solucionar problemas (dor/sofrimento) particulares ou para
estabelecerem seu equilíbrio energético. As histórias trazem episódios de doenças físicas:
anemia, alergias, câncer, enxaqueca, desnutrição, Alzheimer (no sujeito ou parentes próximos
– irmãos ou pais); ou sofrimentos como depressão, ansiedade, problemas, perda de entes
queridos.
Contudo, no que diz respeito aos frequentadores, ou enquanto são frequentadores, os
sujeitos mantêm uma postura passiva em relação à responsabilidade de sustentar o equilíbrio,
atribuindo ao reiki essa responsabilidade. Eles são apenas pacientes do Núcleo. E os que se
tornaram reikianos?
Entre os reikianos voluntários, todos revelaram que desejaram a iniciação em reiki
depois dos benefícios que receberam com a técnica e decidiram trabalhar no Núcleo como
uma forma de retribuição, reforçada pela idéia de satisfação em fazer o bem.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 56
Sobre o voluntariado e a ideia de fazer o bem é interessante notar que talvez o
“trabalho no Núcleo”, termo usado pelos próprios reikianos, tenha se tornado uma forma de
revalorização de si através de sua “produtividade”, já que a grande maioria é aposentada e,
portanto, não mais “produtiva” para a esfera do trabalho. O tempo disponível dedicado ao
Núcleo é vivenciado como um compromisso que eles se programam para realizar entre “tantas
coisas que tem de fazer”, afirmando na sequência, “eu não paro em casa”, evidenciando uma
tentativa de demonstrar o quanto são atarefados.
Ao serem iniciados na técnica, os neófitos vivenciam a fase de expurgo, onde ocorre
uma “limpeza” no corpo físico, mental, emocional e energético (dependendo do nível da
iniciação – tema que já foi explicado anteriormente) para permitir um melhor fluxo de energia
no novo reikiano. Contudo depois de “limpos”, como manter-se em equilíbrio?
Quando indagados a respeito das modificações que ocorreram em suas vidas,
sobretudo nos padrões de comportamento, os reikianos afirmaram que não mudaram muito os
seus hábitos. Questionados sobre vícios, apenas 4 pessoas revelaram ingerir bebidas
alcoólicas socialmente, as demais não tocaram no assunto, nem nas entrevistas nem durante a
pesquisa de campo. Apenas uma reikiana era fumante. Quando indagada se o cigarro poderia
prejudicar o fluxo de reiki, ela respondeu que acreditava que não:
Mas quanto ao reiki, eu acho que não... não... porque eu sinto em mim mesma que eu melhoro, me melhoro aplicando reiki [...] se fosse assim [as mestras] já teriam me falado né... eu acho que pode interferir sim é no cheiro das mãos [...] o cheiro da minha roupa, na pessoa que a gente vai aplicar[...] (mulher, 55 anos, reikiana há 20 anos)
Na literatura não foi encontrado nada específico em relação a vícios, somente o
incentivo para largá-los no intuito de assegurar um maior equilíbrio interior.
Quanto à alimentação, a maioria respondeu não ter feito alterações no cardápio, exceto
duas pessoas que afirmaram diminuir o consumo de carne espontaneamente. Fato que diverge
do público neo-esotérico estudado por Magnani (1999) que procuram
uma dieta saudável pelo uso de produtos naturais livres de defensivos químicos, [apresentando] preferência por grãos e fibras em detrimento das proteínas de origem animal e produtos refinados. (p.119)
Nesse aspecto, os membros da Igreja Messiânica aproximam-se mais desse estilo neo-
esô, uma vez que o tema “alimentação” é destacado na instituição, fazendo parte de um dos
princípios da Igreja: Agricultura Natural. Entretanto, esse tema será trabalhado mais tarde.
Voltemos aos reikianos.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 57
Na bibliografia consultada, apenas Johnny De’Carli (2006) registrou algo sobre o
assunto
O reikiano que se alimenta de carne vermelha já arranha este Princípio do Reiki [compaixão pelos animais]. No futuro, quando a humanidade tiver mais discernimento intelectual e moral irá compreender que é grave delito devorar a carne de nossos irmãos ditos inferiores. (p.88)
Mestras reikianas sugeriram a abstenção de carne vermelha somente na fase do
expurgo (21 dias após a iniciação).
Algumas mulheres tornaram-se mais decididas, outras mais bonitas ou sentiram-se
rejuvenescidas. Todavia, as principais mudanças relatadas pelos entrevistados (reikianos e
frequentadores) foram de aspectos psico-emocionais, como redução da ansiedade,
consequente relaxamento, temas que despertaram a atenção de alguns estudiosos (MACKAY:
2004; POTTER: 2007; RAINGRUBER: 2007). Também mencionaram o aumento de
percepção e tolerância. Sobre esse último item, dispensaremos algumas linhas.
Passos para a alteridade
A tolerância foi destacada porque foi resposta unânime nas entrevistas com os
reikianos. Todos afirmaram que depois do reiki deixaram de se tão exigentes consigo e com
os outros, como também, deixaram de exercer tanto controle sobre suas vidas e de outras
pessoas próximas, melhorando, dessa forma, seus relacionamentos, principalmente os
familiares.
Eu fiquei mais calmo, menos agitado [...] minha esposa é mais devagar e eu não aceitava, agora eu já aceito, eu sei que ela tem o ritmo dela (homem, 50 anos, reikiano há 4 anos) O meu sentimento, ele melhorou [...] eu era muito apegado em coisas materiais, eu fui entendendo [...] considero que eu melhorei muito, até no entendimento com meus familiares [...] eu não posso modificar o mundo deles [...] antes do reiki eu não tinha esse conhecimento, então eu queria que eles fizessem do jeito que eu queria e não o que eles queriam. (homem – 68 anos, reikiano há 14 anos) Me sinto uma pessoa melhor... eu me tornei assim mais tolerante com as coisas, paciência que eu tenho. (mulher, 53 anos, reikiana há 5 anos)
Conseguiram efetuar o exercício de sair de uma concepção “narcisista”, onde o que
vale ou prevalece são as ditames e vontades do “ego” em que o outro se confunde com o
próprio eu, para uma posição de maior alteridade onde se reconhece o outro distinto e
Apresentação e Discussão dos Resultados | 58
autônomo, diferente de si49, melhorando, dessa forma, seus relacionamentos e expectativas
sociais.
Nesses casos, a visão holística da técnica pode ter contribuído para o desenvolvimento
dessa tolerância já que segundo o reiki, tudo é uma questão energética e, de certa forma, está
inter-relacionado. A própria raiva é compreendida como falta de energia. Seguindo as
explicações reikianas, podemos supor que se os iniciados em reiki são capazes de se
“conectar” com a “energia cósmica universal”, então eles dificilmente sofrerão déficits
energéticos, conseguindo apresentar uma vida mais equilibrada. Isso não significa que não
tenham problemas, muito menos que não adoeçam e nem se irritem (durante pesquisa de
campo, a pesquisadora presenciou várias reclamações sobre esses dois aspectos), a questão é
que eles passaram a interpretar as situações desagradáveis como energias “bloqueadas” ou
“desequilibradas” e quando se dão conta do ocorrido, valem-se da ferramenta reiki para
desbloquear e harmonizar as energias, enviando ou mentalizando os símbolos que aprenderam
nos cursos de iniciação na técnica. Sem contar que a manutenção do equilíbrio também
depende da autoconsciência e autocontrole. Essas duas características, autoconsciência e
autocontrole, estão presentes no ideário do público da Nova Era estudado por Heelas (1996) e
Amaral (2000), assunto que abordaremos mais adiante.
Além disso, para ajudar a tolerância, existem os 5 princípios, ensinados por Mikao
Usui, já apresentado anteriormente, mas que não é demasiado recordar:
Só por hoje Não se zangue Não se preocupe Expresse sua gratidão Seja aplicado em seu trabalho Seja gentil com os outros
Guiados por essas palavras, provavelmente os reikianos tentarão se controlar nos
momentos de ira e tentativa de imposição da própria vontade. Se lembrarem é claro.
Espiritualidade Independente
Recordando o estudo de Magnani (1999) em que afirma que o público neo-esô
apresenta uma “espiritualidade independente de sistemas religiosos institucionalizados” (p.7-
8), os reikianos do Núcleo aproximam-se desse aspecto.
49 Sobre “narcisismo” ver: Symington (2003) e Miwa (2010).
Apresentação e Discussão dos Resultados | 59
Nas entrevistas evidenciou-se forte sincretismo entre catolicismo e espiritismo
kardescista (quadros de São Francisco de Assis dividindo espaço com a biblioteca repleta de
livros de Chico Xavier ou assistir a missa a Santa Clara e se submeter a cirurgia espiritual).
As histórias são semelhantes, a formação inicial desenrola dentro da religião católica – por
influência familiar – e depois, já em uma fase de maior independência (juventude ou já
adultos) vão buscar conhecimento no espiritismo kardecista, frequentando centros espíritas e,
por vezes, atuando como médiuns. Apenas duas pessoas não mencionaram o catolicismo em
sua formação religiosa. Uma outra, afirmou ter frequentado centro de umbanda, de candomblé
e a Igreja Messiânica, no entanto, atualmente só vai a centro espírita. No geral, a religiosidade
dos voluntários pode ser sintetizada pela seguinte fala:
Hoje eu me considero a religião de Deus, do mundo (mulher, 55 anos, rekiana há 20 anos)
Porque mesmo havendo a menção predominante das duas religiões (católica e espírita)
os reikianos não se limitaram a buscar conhecimento apenas nessas doutrinas. Apresentam
grande interesse por temas diversos. Das filosofias orientais, esoterismo e terapias
complementares foram citados:
yoga (dois praticantes),johrei (seis afirmaram conhecer a técnica), tao, apometria50, rosa-cruz, aromaterapia, uso de pirâmides, técnica da polaridade51, constelação familiar, shiatsu, do-in, feng-shui, chi kung, seicho-no-ie, cura quântica, florais, acupuntura, cromoterapia, cura prânica, mãos sem fronteiras52, Academia Filosófica Cristã, ritual de Saint Germain e leituras de auto-ajuda.
50 Segundo Lucila Palacio, “A palavra Apometria quer dizer: Apo(além) e Metron (medida).Sua origem surgiu em 1965, no Hospital Espírita em Porto Alegre-RS, quando o Dr.Luiz Rodrigues aplicava uma técnica de tratamento diferente chamada “Hipnometria”.Depois [...]o termo Hipnometria foi trocado por Apometria, surgindo assim um dos mais importantes trabalhos da Medicina Espiritual e anímica [...]É uma nova proposta de cura espiritual buscando, com amor e respeito, desmistificar antigos conceitos arraigados na psique humana que impedem nossa evolução. [...]na Apometria Quântica são usadas as forças: energia cósmica,força mental,força física. [...]” Baseado no artigo publicado no “Relatório Final da Comissão Especial de Bioenergia”, no site: http://www.brasilholistico.com.br/colunas.asp?desc=&email=&cc=25&colunista=&cod_colunas=188 (acessado em17/01/2011) 51 Polaridade é uma terapia, baseada na Medicina Ayurvédica, que visa restaurar o equilíbrio do organismo restabelecendo a harmonia entre as energias positivas, negativas e neutras do sujeito. 52 Conforme o site da organização: “Mão Sem Fronteiras é uma organização não-governamental que atua em vários países. A sede mundial localiza-se na Espanha e, no Brasil, em Curitiba. Em nosso país, a Organização possui representantes e voluntários de diversos estados. Ensina uma técnica de tratamento feita com as mãos por meio de cursos práticos, denominada "Estimulação Neural®". A prática diária dos exercícios ensinados nos cursos comprovadamente aumenta a concentração, diminui níveis de stress e resulta em maior equilíbrio emocional”. Afirma que o tratamento traz benefícios como: fortalecimento do sistema imunológico; equilíbrio do sistema nervoso; regeneração celular; limpeza do sangue e estados de ânimo estáveis. http://www.maossemfronteiras.com.br/ (acessado em 17/01/2011).
Apresentação e Discussão dos Resultados | 60
Fato que os aproxima novamente do público neo-esotérico que é interessado “por
temas tão diversos, como filosofias orientais, ecologia, valorização do feminino, terapias soft”
(MAGNANI, 1999:18)
O caso mais curioso foi de uma frequentadora no núcleo que exerceu a função de
benzedeira católica por 30 anos (começou a fazer benzimento aos 14 anos), depois deixou a
prática para desenvolver trabalho em centro espírita e passou a frequentar o Núcleo, pois,
sentia-se debilitada com os trabalhos mediúnicos e após três anos apenas recebendo reiki
acabou iniciando-se na técnica sem abandonar o espiritismo.
Sobre o conhecimento dos voluntários, é interessante notar que não obstante a maioria
entrevistada ser mulher, dois homens relataram maior estudo em práticas esotéricas. Um
mencionou ter cursado apometria, cura quântica, teleatria53 e possuir vínculo com a sociedade
Rosa-Cruz. O segundo participou do ritual de Saint Germain, cursou cromoterapia, cura
prânica, “mãos sem fronteiras”, Tao, chi kung, Academia Filosófica Cristã, demonstrou
conhecimento sobre seichi-no-ie e afirmou usar pirâmides junto com reiki.
Com conseguem conviver com essa mistura de informações, por vezes tão
díspares?
Podemos compreender o comportamento, desses reikianos, retomando a ideia de
“pensamento mítico” elaborada por Lévi-Strauss (1989), na qual elementos díspares,
fragmentados, extraídos de diferentes conjuntos culturais são combinados em um tipo de
“bricolagem intelectual”, de composição heteróclita, sem contradições aparentes. Nas
palavras do referido autor:
Ora, é peculiar ao pensamento mítico, assim como ao bricolage no plano prático, e elaboração de conjuntos estruturados não diretamente com outros conjuntos estruturados mas utilizando resíduos e fragmentos de fatos – odds and ends, diria o inglês ou, em francês, dês brides et des morceaux – testemunhos fósseis da história de um indivíduo ao de uma sociedade. (LÉVI-STRAUSS, 1989: 37)
Entretanto, se conhecem tantos assuntos e técnicas, por que escolheram o reiki?
As três principais explicações entre os reikianos foram: foi a primeira técnica que
conheci; mais afinidade com o reiki do que com as outras técnicas e praticidade, já que não
precisavam fazer grandes mudanças em suas vidas para aderir ao reiki.
E por que continuam procurando tantas informações?
53 Nenhuma informação foi encontrada a respeito.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 61
Quando questionados se estavam satisfeitos com as suas vidas, onze responderam que
ainda precisavam melhorar muito – comportamento, disponibilidade de tempo, aceitar o outro
como ele é, etc.
Talvez a adesão ao Núcleo de Reiki tenha se constituído como uma possibilidade de
busca de si, de novos sentidos para suas vidas, de novas explicações para seus sofrimentos e
situações e, principalmente, de uma nova sociabilidade, mesmo que momentânea durante os
atendimentos e lanchinhos no Núcleo, já que uma das principais palavras associada ao
atendimento do Núcleo é acolhimento.
Dessa forma, poderíamos vislumbrar a emergência de uma nova identidade?
Lembremos Stuart Hall (1995), no que diz respeito da identidade no sujeito pós-
moderno
O sujeito pós-moderno, conceituado como isento de identidade fixa, permanente ou essencial [...] formada e transformada continuamente em relação às maneiras pelas quais somos representados e tratados nos sistemas culturais que nos circundam. Ela é histórica [...] O sujeito assume identidades diferentes em momentos diversos, identidades que não estão unificadas em torno de um ‘self’ coerente. Dentro de nós coexistem identidades contraditórias, pressionando em direções diversas. (p.12)
Como essas identidades são “bastante negociáveis e renegociáveis” para
recordarmos Bauman (2005:17), não seria demasiado pensar que esses voluntários
reikianos estejam construindo uma nova identidade – holística talvez – no momento em
que buscam mudanças em suas visões de mundo (por meio de leituras e cursos) e nos
comportamentos (tolerância, paciência, fazer o bem), impactando e modificando o cenário
social em que estão inseridos.
Todavia, pensemos no assunto em outro momento.
Primeiro, dispensemos algumas páginas sobre o johrei.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 62
5.2 – Johrei
54 Símbolo da Igreja Messiânica Mundial
Joh = Purificar
Rei = Espírito
Johrei é entendido como “purificação do espírito pela Luz de Deus” (IGREJA
MESSIÂNICA MUNDIAL DO BRASIL, 2004:16). Consiste em um método de canalização
de energia através de uma medalha denominada ohikari, outorgada pela Igreja Messiânica. O
johrei constitui um dos sustentáculos da Igreja Messiânica, juntamente com a agricultura
natural (alimentos orgânicos)55 e o belo56.
A energia johrei atua limpando o corpo físico e o espírito, purificando-os. Dores e
sofrimentos são vistos como formas de purificação física ou espiritual; dessa forma, o
atingido por eles, ao invés de se lamuriar, deve adotar uma postura de gratidão, entendendo-os
como manifestação da “graça divina”.
A postura contrária, isto é, com sentimento de queixa ou lamúrias, tende a aumentar as vibrações negativas criando mais ‘nuvens’ e ‘toxinas’ gerando assim mais sofrimento. O mesmo ocorre com a interrupção intencional do processo de eliminação, que apenas adiará a purificação. (Curso de formação de membros, 2004: 14)
54 Imagem retirada da internet, http://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_Messi%C3%A2nica_Mundial (acessado em 15/05/2012) 55 O criador da Igreja Messiânica, Meishu-Sama constatou que uso de fertilizantes ou produtos de origem animal intoxicam as plantas e o solo, fazendo com que os alimentos apresentem pouca energia vital. Para cultivar alimentos ricos em energia vital, de acordo com suas recomendações, esses deveriam receber somente com matéria orgânica vegetal. (JOHREI CENTER, 2006: 49-51) 56 “[...] desde que não ultrapassem as condições adequadas de cada indivíduo, as vestes, a alimentação e a moradia do homem devem ser utilizadas de maneira mais bela possível, porque isso está de acordo com a Vontade Divina”. NA acepção messiânica, o Belo não corresponde meramente a uma satisfação estética individual, mas, como também causa uma sensação agradável aos outros, equivaleria a “uma espécie de boa ação.” (JOHREI CENTER, 2006:52-53). O culto ao belo também pode ser exercitado através do ikebana, que é uma forma de arranjo floral muito apreciada no Japão.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 63
A última parte, embora aludindo ao uso de remédios, não significa que os messiânicos
sejam contra medicamentos. Os ensinamentos da Igreja recomendam apenas que seus adeptos
evitem o seu uso desnecessário.
A seguir, vejamos como a história da Igreja Messiânica e o johrei57 se entrelaçam,
desde o início.
5.2.1 – A história do Johrei
Meishu- Sama58
Mokiti Okada, também conhecido como Meishu-Sama (Senhor da Luz) é o fundador
da Igreja Messiânica Mundial. Ele nasceu em Tóquio, Japão, em 23 de dezembro de 1882, e
alcançou sucesso no mundo empresarial, demonstrando, ainda, habilidades artísticas. Conta
sua história que as inúmeras adversidades vividas, bem como seu inconformismo ante os
sofrimentos humanos motivaram-no para a busca da espiritualidade.
Em 1926, Okada entrou no estado Kenshinjitsu – “sólida consciência de tudo e de
inteligência esclarecida, estado em que é permitido conhecer o passado, o presente e o futuro
da humanidade” (cf. JOHREI CENTER, 2006: 44), algo parecido com “iluminação”. A partir
dessa data iniciou a prática do johrei. Porém, só formou ministrantes de johrei após a
fundação da Igreja.
57 As informações apresentadas baseiam-se nas publicações da Igreja Messiânica, como Princípios Messiânicos (2006) e Curso de formação de membros (2004). 58 Imagem retirada da internet, http://www.meishusama.org/ (acessado em 15/05/2012).
Apresentação e Discussão dos Resultados | 64
No dia 15 de junho de 1931, no Monte Nokoguiri – Japão, Meishu-Sama recebeu
revelações, o que ele mesmo denominaria de “transição da Era da Noite para a Era do Dia no
mundo espiritual” (cf. JOHREI CENTER, 2006: 45). Motivado por isso, em 1° de janeiro de
1935, fundou a Igreja Messiânica Mundial (IMM), em Tóquio, Japão. Seu objetivo era
construir o “Paraíso Terrestre”.
Esse “Paraíso Terrestre” ganhou protótipos, no mundo material, conhecidos como
Solos Sagrados. São lugares repletos de flores e espaços para acomodação (bancos no jardim
e lanchonete), abertos ao público em geral, podendo ser utilizados por instituições públicas,
privadas ou religiosas que queiram lá realizar cerimônias ou eventos. Os primeiros foram no
Japão: Solo Sagrado de Hakone (junho de 1953), Solo Sagrado de Kyoto (outubro de 1953) e
Solo Sagrado de Atami (dezembro de 1954). Depois foram construídos em outros países. No
Brasil, há o Solo Sagrado de Guarapiranga, em São Paulo. Sua construção iniciou-se em 1991
e sua cerimônia de inauguração ocorreu em novembro de 1995.
Esses espaços são mantidos mediante as doações e o trabalho dos membros da Igreja,
embora também aceitem doações de pessoas ou instituições que não sejam associadas a ela.
Somente funcionários desses espaços “sagrados” moram lá, de acordo com informações de
um membro da Igreja Messiânica Mundial da sede de Ribeirão Preto. O intuito da construção
é ser um exemplo de cidade da Nova Era, isto é, ser um espaço sustentável, que pratica
reciclagem, utiliza água de reuso e aquecedor solar.
A Igreja Messiânica Mundial foi introduzida no Brasil em 1955, por meio de
missionários japoneses (MATSUE, 2002:2). Assim que se instalaram no país, os missionários
formaram membros e os ensinaram a transmitir johrei. Atualmente há no Brasil três
“entidades messiânicas principais: a Igreja Messiânica Mundial do Brasil (IMMB), a
Fundação Mokiti Okada e a Korin Agricultura Natural” (JOHREI CENTER, 2006: 41).
Para “ministrar” o johrei e tornar-se membro efetivo da Igreja Messiânica, é
necessário participar da outorga, evento em que o neófito recebe a medalha denominada
ohikari. Diferentemente dos reikianos que se expressam dizendo “aplicar” reiki, os
messiânicos usam o termo “ministrar” johrei. Entre os membros da Igreja, não houve quem
explicasse a diferença no uso da linguagem, afirmando apenas ser esse o termo correto.
Certamente, a expressão utilizada pelos messiânicos indica o caráter de prática religiosa do
johrei (semelhante a ministrar um sacramento), que o reiki não tem. A vinculação do johrei à
religião evidencia-se na história da Igreja Messiânica e mantém-se em seus rumos
contemporâneos.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 65
5.2.1.1 – Ohikari
Essa medalha (imagem 18) é considerada sagrada e apenas seu detentor pode tocá-la.
Alguns adeptos da religião messiânica afirmam que a medalha não pode ser exibida, todavia,
um membro mostrou seu ohikari à pesquisadora, solicitando apenas para que não o tocasse.
Se o ohikari cair no chão, ou for tocado, ele deve ser reconsagrado em um ritual executado
pelo ministro local. O próprio messiânico é responsável pela limpeza seu ohikari. Os
membros da Igreja o usam, por baixo da roupa, pendurado no pescoço em uma corrente;
alguns ainda o envolvem em um saquinho branco para protegê-lo.
O ohikari é utilizado para ministrar o johrei individualmente (num rito que envolve
apenas ministrante e receptor) ou para o “autojohrei” (quando a pessoa ministra johrei em si
mesma). Já o johrei coletivo fica a cargo de membros de posições mais elevadas dentro da
Igreja. Nem todo ministro (responsável pela Igreja ou Johrei Center) é capaz de realizar johrei
coletivo. Segundo as explicações do ministro local, responsável pela Igreja Messiânica
Mundial do Brasil (IMMB) em Ribeirão Preto-SP
O ohikari é feito de titânio e é constituído de duas partes que juntas formam um câmara onde está a palavra Hikari microfilmada. Este microfilme vem do Japão onde Kyoshu-Sama consagra esta microfilmagem e aqui no Brasil, então, é "montado". O johrei para mais de uma pessoa só é possível para quem for graduado no nível de ministro adjunto ou dirigente, mais conhecido como reverendo. Os ministros adjuntos e reverendos possuem o Dai Komyo. Existem três tipos de ohikari. O ohikari propriamente dito, que é outorgado para os que se tornam membros, tem dentro dele a palavra Hikari, a segunda letra da Imagem de Deus do Altar. Temos o Komyo que é outorgado para os que atingiram a graduação de ministro assistente e que são a segunda e a terceira letra da Imagem e, por fim, o Dai Komyo que são a primeira, segunda e terceira letras da Imagem.
Imagem18 - Ohikari59
59 Imagem retirada do site http://www.geocities.jp/shumeimomo/ohikari.html (acessado em 15/05/2012).
Apresentação e Discussão dos Resultados | 66
Para as crianças, há uma medalha especial chamada shoko, assim descrito nas palavras
do ministro antes mencionado:
Basicamente o Shoko é uma medalha de proteção destinada a despertar a vontade do jovem de se tornar membro. Para recebê-la o jovem precisa ter no mínimo 4 anos e no máximo 11, pois aos 12 já é permitido receber o ohikari. Se os pais ou responsável for membro e o jovem tiver 10 anos cursando a quinta série já poderá receber o ohikari. Sua atuação é limitada e o material também é diferente do ohikari. O jovem que possui o shoko só pode ministrar johrei fora da Igreja, nos familiares e conhecidos a título de assistência religiosa. Não é permitido ministrar johrei na nave [salão] da Igreja ou em suas dependências com o shoko.
5.2.1.2 – A Outorga
A outorga é uma cerimônia relativamente simples e aberta ao público. Não são todos os
Johrei Centers que realizam a cerimônia, somente os locais considerados Centros de
Aprimoramento ou o Solo Sagrado. A outorga a que a pesquisadora assistiu foi na IMMB em Rio
Claro – SP, sede regional da instituição. O interessado passa por uma entrevista com o ministro,
da IMM da qual participa, que vai averiguar se a pessoa está pronta para receber a medalha. Se for
aprovada, precisa aguardar a próxima data do evento, que geralmente ocorre no segundo sábado
de cada mês, em um Centro de Aprimoramento da IMMB. Comumente quem vai receber o
ohikari conta com a presença de seus parentes, amigos e, se possível, do membro que o
encaminhou e o orientou na religião. A própria Igreja se encarrega de organizar “caravanas” para
a outorga, quando o número de “outorgados” é grande. Se o número for reduzido, os membros e
neófitos providenciam o transporte por meio de veículos particulares.
Para receber o ohikari, a Igreja solicita uma contribuição monetária60 ao neófito,
contudo, os membros afirmam que isso não se trata de pagamento pelo objeto, mas uma forma
de expressão de gratidão à instituição, e a Meishu-Sama, pela “graça” que a pessoa irá
receber. O interessado pode parcelar o pagamento. Alguns messiânicos sugerem, inclusive, a
realização de rifas para angariar a verba necessária. Se, por ventura, o sujeito decidir se
desligar da religião, ele deve devolver seu ohikari para a instituição.
Antes da entrega da medalha, há um cerimonial parecido com a Prece Matinal, as
orações Amatsu-Norito e Prece Messiânica (temas que serão abordados mais adiante), as 60 Em 2011, o mínimo era de R$300,00, sem máximo estipulado, dependendo somente do “sentimento” da pessoa, conforme informações fornecidas pelos seguidores.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 67
palmas, as reverências e “leitura de ensinamento”. A outorga do ohikari, sob todos os aspectos
observados, caracteriza-se como um importante ritual religioso da Igreja Messiânica.
As cortinas do altar fecham-se e uma fila de neófitos se forma diante do altar,
organizada de forma decrescente de idade (nas palavras de um membro “primeiro os mais
velhos”) (imagem 19)61. Atrás desses neófitos, pode-se formar outra fila, a dos
“reoutorgados”, membros que escolheram receber novamente a medalha - essa opção se dá
pelos mais variados motivos.
Imagem 19 – Fila para outorga Imagem 20 - Outorga
Quando reabrem as cortinas, há uma mesinha colocada no altar para apoiar a bandeja com
os ohikari. Chama-se a pessoa pelo nome inteiro. Esta sobe ao altar, fica diante do ministro
(vestido de terno e estola com detalhes dourados) que, segurando a medalha com as duas mãos,
inclina-se para frente quase tocando o objeto com a testa e, em seguida, o outorgado também se
inclina levemente para frente, momento em que o ministro coloca o ohikari em seu pescoço
(imagem 20). Feito isso, o “novo membro” sai pela lateral esquerda e senta-se mais uma vez.
Observando um membro que acompanhava uma neófita, notou-se que ambas
choraram após a outorga à última e agradeceram muito pela oportunidade que vivenciaram.
Encerradas a outorga e a reoutorga, retira-se a mesa, que continha a bandeja de
medalhas, apenas os novos membros são orientados a ficarem em pé e rezarem a “oração de
agradecimento” sob a liderança da “representante de novos membros”. Não fazem reverências
nem batem palmas. O restante do público permanece sentado.
Em seguida um “novo membro” é escolhido para ler seu depoimento de fé, em um
púlpito colocado no altar. Depois, um ministro profere palavras direcionadas aos novos
outorgados, associando o evento a renascimento e aconselhando-os a jamais esquecerem esse
dia. Ao terminar, todos batem palmas e são convidados a acompanhar o “Hino da Luz Divina”.
61 Imagens da outorga e da Igreja Messiânica foram fotografadas pela pesquisadora.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 68
O altar fica vazio. Terminado o hino, encerra-se a cerimônia. Finalmente, os recém outorgados
podem receber os parabéns de parentes e amigos e já estão aptos a ministrar o johrei.
Para tornar-se ministro o membro deve apresentar uma dedicação maior a IMM, não
apenas de estudos messiânicos, mas desenvolvendo trabalho de “missionário”62, por vezes,
tendo de morar em outras localidades. Nesse período, o candidato não recebe salário da
instituição, ficando sob sua responsabilidade procurar um emprego na cidade em que está
residindo. A outorga de ministro é realizada no Solo Sagrado e só depois que o membro
alcança esse posto, começa a ser remunerado pela IMM.
5.2.1.3 – Ministrar johrei
Para ministrar johrei, o messiânico senta-se diante do receptor. Ninguém precisa
retirar relógio nem anéis (seja quem ministra ou quem recebe), diferindo da conduta adotada
pelo pessoal do Núcleo de Reiki pesquisado. O ministro afirmou a necessidade de lavar as
mãos, contudo, durante pesquisa de campo, nunca se presenciou um messiânico dirigindo-se
ao banheiro, para lavar as mãos, antes ou depois de ministrar johrei, a não ser que estivesse
com as mãos imundas.
Se o messiânico não conhece o sujeito, pergunta o seu nome e orienta-o a “pedir
permissão para receber johrei”, ensinado (se for um neófito) a unir as palmas das mãos na altura
do peito e fazer uma reverência. Em seguida, o receptor pode ficar de olhos abertos ou fechados,
as mãos ficam livres para colocar onde quiser (comumente ficam pousadas sobre as coxas), só não
pode cruzar as pernas nem os braços. O ministrante eleva uma das palmas das mãos (mais ao
menos na altura do pescoço), com os dedos relaxados, em direção ao receptor. Quando cansa,
eleva a outra mão e descansa a primeira. Recomenda-se que ambos permaneçam em silêncio, em
atitude respeitosa63. Decorridos cerca de 4 minutos, o ministrante orienta o receptor a virar-se de
costas e assim ele permanece por mais 9 minutos (imagem 21).
62 Messiânicos sem essa pretensão de tornarem-se ministros também atuam como “missionários”, levando o johrei e praticando ações altruístas, fora da IMM. 63 Segundo o ministro da IMMB em Ribeirão Preto, a postura com que a pessoa ministra johrei também influencia. Se aplicar a energia de maneira meditativa e respeitosa, canalizará mais energia do que outro que ministra johrei conversando ou preocupado com outros assuntos. Até uma pessoa alcoolizada pode ministrar johrei, caso ela tenha uma atitude respeitosa e acredite no poder da energia. O importante é ter compaixão e desejo de ajudar. O tratamento com o ohikari também influencia. Quem o trata com reverência e o guarda em um lugar especial canaliza energia melhor do que aquele que trata de forma desajeitada.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 69
Imagem 21 – Messiânicos ministrando johrei
O messiânico pode tocar o ombro de quem recebe johrei ou falar-lhe baixinho para
virar novamente para frente. Quando o receptor se vira, recebe mais um minuto de johrei e o
ministrante pede “vamos agradecer pelo johrei recebido”, unindo as palmas das mãos na
altura do peito e fazendo uma reverência, gesto imitado pelo receptor. Muitos dos ministrantes
agradecem ao receptor pela oportunidade de ministrar johrei e alguns ainda seguram as suas
mãos como mais uma forma de agradecimento. Quanto ao tempo de duração do johrei não
existe uma regra: pode-se receber apenas 1 ou 2 minutos da energia, ou muito mais tempo,
depende da disponibilidade do messiânico. Se mais ministrantes estiverem presentes, a pessoa
pode optar por receber mais johrei e os messiânicos até incentivam essa prática, pois
argumentam que “cada um tem um tipo de sentimento, então são energias diferentes que a
pessoa recebe”.
Membros da Igreja afirmaram que sentem o johrei saindo de suas mãos, na forma de
calor ou luzes e que a energia é capaz de atravessar paredes. Também pode ser utilizada em
animais doentes e raramente é ministrado em situações corriqueiras como, por exemplo, fazer
com que a fila do banco ande mais rápida (os voluntários do Núcleo confessaram valer-se do
reiki para conseguir atravessar uma rua movimentada ou proteger seus carros). Questionados
sobre a possibilidade de emitir johrei para situações futuras, uma membro, usando o exemplo
de prova escolar, esclareceu que durante a oração Amatsu-Norito, quando se faz um minuto
de silêncio, o sujeito deveria “mentalizar gratidão e desejar o desenvolvimento/abertura da
inteligência para a prova que estaria por vir. No dia [do evento] antes de sair de casa, deveria
pedir permissão a Deus e a Meishu-Sama para a realização do exame.” Um messiânico ainda
afirmou que envia johrei a parentes que moram em outro país, através de seus retratos (segura
a foto da pessoa e ministra johrei).
Quando o sujeito está passando por uma séria doença ele pode receber mais de dez
johrei no mesmo dia, tudo para acelerar o processo de purificação das máculas e aliviar a dor
Apresentação e Discussão dos Resultados | 70
e o sofrimento. Dependendo da situação, a pessoa pode morar na Igreja, em um quarto
reservado para esses casos, durante uma semana mais ou menos, para que vários ministrantes
possam atendê-lo ao longo do dia. Se for um enfermo acamado, sem possibilidades de sair de
casa ou hospital, pode-se solicitar a visita de algum messiânico, deixando um recado no mural
da igreja contendo o nome do necessitado, o endereço e o problema. Os membros estabelecem
contato entre si até encontrar um messiânico disponível para esses atendimentos fora da
instituição. Nesse caso não é necessário pagamento (“gratidão”), apenas se a pessoa desejar.
Tratando-se de um frequentador (quem não é membro), recomenda-se que a pessoa
receba johrei por 30 dias e que um messiânico faça o seu acompanhamento sem esperar
retribuição. Contudo, como a pesquisadora por constatar, durante pesquisa de campo, os
messiânicos ignoram esse tempo de espera e falam de gratidão para os frequentadores.
5.2.1.4 – Gratidão
Essa gratidão pode ser monetária (“porque no mundo material o objeto de maior valor
ainda é o dinheiro”64) ou ajuda, como limpeza da Igreja, também chamada de dedicação. Essa
“dedicação” não se restringe ao recinto da Igreja, sendo compreendida como toda limpeza que
se executa em alguma localidade, como a casa, por exemplo, visando à eliminação de
“máculas materiais”: em um ambiente limpo entra mais luz, conforme as explicações de uma
messiânica. A dedicação também pode se dar por meio de ações altruístas, em nome de
Meishu-Sama. Recomenda-se ainda que durante as dedicações, a pessoa “convide” seus
antepassados (familiares mortos) para dedicar junto, porque isso leva “luz” para eles também.
Alguns messiânicos usam o termo mitama migaki, traduzindo como “polimento da alma” e
associam a palavra com a ideia de limpeza interior (desfazer-se de mágoas, tristezas, inveja,
etc.) e, por vezes, utilizam esse termo para referirem-se à faxina minuciosa no ambiente. No
caso da pesquisadora, durante pesquisa de campo, a forma de gratidão foi traduzida, na maior
parte das vezes, por dedicação na limpeza da Igreja.
Quanto à gratidão monetária, recusam-se a usar o termo “doação” em dinheiro,
preferindo o termo “gratidão” interpretando o ato como uma forma de agradecer ou retribuir
as graças alcançadas. A gratidão não tem preço fixado nem se limita apenas aos
64 Conforme as explicações do ministro da IMMB em Ribeirão Preto.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 71
frequentadores, os membros também a fazem. Esse dinheiro é enviado para a sede da Igreja
em São Paulo, responsável por fazer a redistribuição da verba entre suas filiais, pagando os
ministros (membros comuns não recebem salário, mesmo os plantonistas são voluntários; são
remunerados apenas os ministros e reverendos) e destinando recursos para a manutenção das
filiais ou para investir na expansão de novas igrejas ou johrei centers.
O dinheiro é colocado em envelopes e depositado em uma abertura próxima ao púlpito,
que chamam de cofre. Os envelopes (imagens 22, 23, 24 e 25) são identificados como: “gratidão
diária”, “ gratidão mensal”, “gratidão especial” (quando se pretende agradecer por alguma graça
específica) e “construção do Protótipo do Paraíso” (destinado ao Solo Sagrado).
Imagem 22 – Gratidão diária Imagem 23 – Gratidão mensal
Imagem 24 – Gratidão especial Imagem 25 – Construção do Protótipo do Paraíso
O dinheiro depositado pode ser em moedas ou cédulas. Se a quantidade de moedas for
grande, pede-se para que sejam trocadas por notas para facilitar a vida de quem vai conferir a
doação e evitar “máculas”, já que se supõe que o oneroso trabalho de contar moedas pode
gerar maus pensamentos em quem confere o dinheiro. Quando são cédulas, sugere-se que se
escolham as notas mais bonitas. Se alguém, por exemplo, quiser doar vinte reais e possuir
duas notas deste valor na carteira, deve escolher a nota menos amassada ou a mais limpa. Esse
cuidado é justificado porque o dinheiro será destinado à obra divina65.
Entre os messiânicos, alguns chegam a doar 10% de seus salários para a instituição. Se
a pessoa procura a Igreja Messiânica porque está desempregada, orienta-se que, quando
65 Essas observações foram feitas por uma messiânica plantonista durante pesquisa de campo.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 72
conseguir novo emprego, ela dê como gratidão o primeiro salário à entidade religiosa, mesmo
se tiver dívidas para pagar, pois se não tivesse arrumado o serviço, poderia ficar mais tempo
sem nenhum salário.
A pessoa que recebe johrei pode experimentar a eliminação das máculas espirituais
por meio da eliminação de “toxinas” do corpo físico, situação revelada por meio de sintomas
variados, como a urina ficar mais escura, apresentar diarréia, vômito, febre, dor de cabeça,
dependendo da pessoa. Esses sintomas são próximos aos relatados por aqueles que recebem
reiki ou experimentam a fase do “expurgo”66.
As três principais formas de purificação, segundo a Igreja Messiânica, são relativas a
doença, dificuldades financeiras e o conflito nos relacionamentos. Como já foi dito
anteriormente, no que diz respeito às doenças, há uma diferença em como vivenciá-las. Se o
sujeito resignar-se, aceitar o problema como um processo de eliminação, dedicar-se na Igreja
Messiânica, recebendo/ministrando johrei (se já for membro) e praticando ações altruístas, a
doença torna-se um meio de purificação. Se o sujeito não aceitar sua condição e ficar se
lamuriando, o problema torna-se apenas sofrimento, sem a limpeza das máculas, pelo
contrário, devido a suas reclamações, ele pode acumular mais máculas!
Não é difundida a ideia de pecado como na Igreja Católica, por exemplo. Pelo
entendimento do ministro local, o pecado seria tudo aquilo que origina sofrimento nos
corações das pessoas. A maior virtude seria o sentimento de gratidão. Ele ainda citou Meishu-
Sama: “não se deve preocupar com o tanto de pecado que se tem, mas a quantidade de virtude
e méritos que se produz”.
Para a manutenção da boa saúde, a instituição recomenda a alimentação saudável, rica
em “energia vital”, isto é, sem a utilização de agrotóxicos ou outros elementos químicos. Pois
se a pessoa enferma receber uma boa alimentação, terá, consequentemente, energia suficiente
para se recuperar, sem a necessidade de muita medicação67. Mais uma vez, lembramos que a
Igreja Messiânica não se posiciona contra o uso de medicamentos, recomendando seu uso em
caso apenas de real necessidade.
No livro Princípios Messiânicos afirma-se que os antepassados também se beneficiam
com o johrei que se recebe ou ministra. Diante da incompreensão da pesquisadora em relação
ao fato mencionado, o ministro da IMMB de Ribeirão Preto, elucidou que antepassados
continuam vivos em nós, mas em outra dimensão e deu o exemplo da ciência e o projeto 66 Como mencionado na parte referente ao reiki, a fase do “expurgo” trata-se dos 21 dias subsequentes à iniciação em reiki, podendo desencadear sintomas parecidos com os descritos acima. 67 Medicamentos, drogas ilícitas ou lícitas (como álcool e cigarro), má alimentação (produtos com agrotóxicos) também podem contribuir para o acúmulo de máculas.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 73
genoma, relacionando os antepassados à herança genética. Disse ainda que o johrei reflete no
elo espiritual mais para quem ministra e nem tanto para quem recebe a energia.
Acrescentou também que a energia johrei é composta de fogo (sol), água (da
atmosfera) e terra (representada pelo corpo físico). Quem a ministra é beneficiado por esses
elementos. Só que mais importante do que dar e receber johrei, é a atitude de ser “útil”,
mediante ações altruístas, o que não significa, necessariamente, fazer caridade68. Fazendo o
bem ou sendo útil a alguém, a pessoa consegue eliminar as máculas mais densas de seu
organismo e seus antepassados recebem mais “luz”, podendo inclusive, romper ciclos de
sofrimentos que percorrem gerações (como doenças hereditárias, crises financeiras, etc.)
Os messiânicos acreditam na reencarnação. A pessoa, quando morre, é encaminhada a
determinado plano espiritual conforme suas máculas, e, dependendo do plano espiritual em
que o indivíduo se encontra, isso determinará sua predestinação na próxima encarnação: os
desafios, os sofrimentos, as pessoas que irá encontrar, a forma como se dará esses encontros,
etc. O sentido da vida é compreendido pela concepção de que viemos de Deus e estamos na
terra para criarmos o Paraíso Terrestre para depois voltarmos a Deus.
A abordagem de questões relativas ao mundo espiritual e às purificações torna
importante discorrermos sobre o significado de Sonen e do Sorei – Saishi para os messiânicos.
5.2.1.5 – Sonen
As informações e citações que se seguem sobre o sonen foram extraídas do Jornal
Messiânico, ano 36, set/out, 2007, n°364, antiga publicação da IMMB. Atualmente o jornal
não é mais publicado e foi substituído por revistas editadas pela instituição.
Sonen: segundo o Shokakukan – Dicionário Universal Japonês Português, a palavra “sonen” significa “pensamento”. O dicionário Kokugo Daijiten Dictionary, Shogakukan, 2ª edição, explica seu sentido como “a idéia que nasce no coração” (kokoro ni kangae omou koto). “Sonen” é palavra erudita mais utilizada na religião japonesa do que no uso coloquial, porém utilizada por Meishu-Sama com um sentido mais profundo, significando o que Ele definiu como “a trilogia do pensamento” – razão, sentimento e vontade.
68 Conforme as explicações do mesmo ministro, a caridade como doar alimentos, por exemplo, não é interessante porque o beneficiado é apenas quem fez a caridade (ou quem tem a possibilidade de fazê-lo), já quem recebe pode ficar numa situação de dependência. Outros messiânicos, durante pesquisa de campo, demonstraram rejeitar iniciativas como a doação de alimentos alegando argumentos semelhantes ao apresentado pelo ministro.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 74
O sonen está associado à concepção da atuação dos antepassados nas vidas dos
sujeitos (alegrias e sofrimentos) e à crença no poder de Meishu-Sama em resolver os
problemas ou em receber os antepassados.
Ensina-se a repetição mental do seguinte enunciado
• Eu tenho a partícula divina e o Messias dentro de mim, e as outras pessoas também. Por isso, todos nós somos representes de Deus e do Messias;
• Sou a soma dos meus antepassados. Por isso, sou representante de todos eles e reconheço que eles se manifestam através de meus pensamentos e sentimentos, para que eu os encaminhe ao Messias Meishu-Sama, para que sejam purificados e salvos;
• Junto com meus antepassados, quero servir à Obra Divina como instrumento de Meishu-Sama, o Messias.
• [Antes de dormir] Agradeço pela permissão de ter servido, hoje, à Obra Divina, junto com meus antepassados.
Quando os messiânicos percebem que o sentimento de alegria ou sofrimento está
sendo ocasionado por algum antepassado, recorrem ao “encaminhamento dos antepassados”
através do sonen. Primeiro, comunica (mentalmente), ao antepassado, que vai encaminhar
esse sentimento a Meishu-Sama (purificação para o sofrimento e gratidão se for alegria)
depois pede auxílio ao Messias para esse antepassado seja salvo e purificado.
Entre os membros ainda é possível ouvir a expressão “prática do sonen de gratidão”.
Conforme a descrição do jornal, mencionado acima. A prática consiste em manter um constante sonen de gratidão por todas as pessoas, coisas e fatos que nos acontecem no dia-a-dia.
Atitude que pode ser sintetizada pelas seguintes palavras dos messiânicos “graças a
Deus e a Meishu-Sama”.
E já que se falou tanto dos antepassados, dispensemos algumas linhas sobre como os
messiânicos tratam os falecidos.
5.2.1.6 – Sorei-Saishi
É o ofício religioso de assentamento e sagração das linhagens de ancestrais e antepassados (de forma coletiva), bem como o ofício religioso de assentamento e sagração dos ancestrais e antepassados (de forma individual), que estão intimamente relacionados com as famílias dos membros. (Folheto sobre Sorei-Saishi distribuído pela IMMB)
Apresentação e Discussão dos Resultados | 75
Apenas membros da IMM podem realizar o Sorei-Saishi, preenchendo um formulário
com os nomes de todos os antepassados (se for casado, inclui os antepassados do cônjuge),
acompanhado de uma “gratidão”69. Esses nomes são registrados no Solo Sagrado de
Guarapiranga-SP, no “Livro de Registro dos Espíritos” e, a partir de então, os espíritos
recebem oferendas, orações e cultos, quando solicitados por seus descendentes (membros)70.
O culto é realizado todos os domingos no mês, no Solo Sagrado. Dependendo do dia
de aniversário de falecimento, o dia do culto pode ser antecipado, escolhendo o domingo
precedente, jamais se realiza o ritual depois da data de falecimento. Para sua realização é
necessário procurar o setor de Sorei-Saishi da Igreja que faz parte. Segundo o folheto
explicativo, mencionado acima, “não se solicita nensai [culto de aniversário de falecimento]
de linhagem familiar”, apenas para espíritos que se sabe o nome completo e a data de óbito.
Além de reverenciar os antepassados, os messiânicos também se preocupam com os
rituais dos vivos, realizando casamentos que, segundo o ministro local, é uma cerimônia curta,
cerca de 20 minutos. Também fazem batismo que eles denominam apresentação. Realizam
cerimônia para aniversário de 15 anos e bodas de casamento. O mesmo ministro esclareceu
que esses eventos foram adaptações feitas para os costumes brasileiros, em outros países isso
não acontece necessariamente. Acrescentou que os rituais messiânicos possuem embasamento
xintoísta e também influência de outra religião japonesa chamada Omoto kyo.
Depois dessas considerações, podemos entrar agora na descrição da Igreja Messiânica
que foi alvo da pesquisa.
5.2.2 – A Igreja Messiânica Mundial do Brasil em Ribeirão Preto
O primeiro contato da pesquisadora com a Igreja Messiânica Mundial foi em
Campinas – SP, quando ela ainda pretendia realizar o doutorado naquela cidade. Por
69 “Depois que o dedicante do Setor de Sorei-Saishi preencher o formulário solicitado pelos membros, é importante que o mesmo ofereça o melhor donativo possível aos seus Ancestrais e Antepassados, com sentimento de gratidão e amor. A doação se reverterá em Luz, iluminando a Linhagem Familiar.” (folheto sobre Sorei-Saishi distribuído pela IMMB) 70 Se a pessoa é recém falecida (menos de 50 dias), o “assentamento” do falecido no Solo Sagrado chama-se Shinrei-Saishi. Passados os 50 dias o espírito é transferido para um “assentamento definitivo”. Um messiânico explicou que “durante esses 50 primeiros dias não se deve mexer no quarto nem nos objetos do morto, somente no 51° dia que entram em seus aposentos e doam tudo o que lhe pertencia; e não se recomenda colocar retratos da pessoa falecida em lugares visíveis para evitar lamúrias e lamentações por sua ausência”. O aniversário de falecimento é denominado Culto de aniversário de falecimento (Nensai), sendo o primeiro culto comemorado após 100 dias do óbito. Em seguida passa a ser anual: 1, 2, 3, 4,5,10,15, 20 ,30, 40, 50, 100, 150, 200... anos de falecimento.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 76
circunstâncias já mencionadas anteriormente, acabou procurando a Igreja Messiânica em
Ribeirão Preto.
A visita ao Johrei Center se deu por meio de uma amiga-professora que sabendo do
estudo, convidou-a para participar da comemoração do Solstício do Crisântemo71, no Johrei
Center do Alto da Boa Vista, em Ribeirão Preto, e também para conhecer as pessoas do lugar.
Isso ocorreu em 09/09/2009.
Depois desse evento a doutoranda demorou a retornar ao Johrei Center, pois,
dedicava-se à pesquisa de campo sobre reiki. Só em outubro de 2010 conseguiu retornar ao
lugar referido para procurar alguém que pudesse orientá-la quanto às práticas e costumes
vigentes na instituição e que também lhe fornecesse permissão para realizar a pesquisa de
campo. Como não conseguiu conciliar um horário para conversar com o ministro (responsável
pelo Johrei Center), a pesquisadora optou por procurar a Igreja Messiânica situada no bairro
Campos Elíseos. Lá conseguiu conversar e obter a permissão do ministro para pesquisar no
espaço.
Conforme as informações do ministro, a Igreja funciona em Ribeirão Preto desde
1982, e no local referido (Campos Elíseos), a partir de 1989. Em março de 2011, no local
estavam cadastrados 250 membros e 150 frequentadores, estes com número mais oscilante72.
Se a pessoa comparece pelo menos uma vez por semana à Igreja, já é considerada
frequentadora assídua, ficando ao seu critério escolher o melhor dia e horário para visitar o
local:
Funcionamento
Segunda a sexta-feira 8h às 20h
Sábado 8h às 18h
Domingo Não funciona – exceto para o Culto Mensal Quadro de horário
As visitas da pesquisadora ao local se deram principalmente terças, quartas e quintas-
feiras no período da manhã.
O lugar é muito bonito, com um jardim em frente à casa, com muitas flores (imagem
26, 27 e 28). A casa foi pintada em tons claros, verde quase branco. A arquitetura não
71 Essa festividade é tradicional no Japão, país de origem da Igreja Messiânica. No entanto, era o primeiro ano em que se comemorava no Brasil, em vários Johrei Centers. 72 As listas são atualizadas todos os meses.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 77
apresenta muitas paredes, e ao invés de portas, a casa possui uma separação de vidro na
entrada. Então quem chega já vê imediatamente as pessoas dentro do recinto recebendo johrei.
Há música ambiente, com melodias em ritmo lento. Na entrada há uma estante para se
acomodar as bolsas (imagem 30). No lado esquerdo, ao fundo, há um balcão de recepção
(imagem 29), onde se encontram as listas de presença dos frequentadores e de membros
(todos assinalam a presença nessas listas), ainda no balcão fica o telefone da Igreja (outro
telefone fica na sala do ministro).
Imagem 26 – Placa com nome da Igreja Messiânica
Imagem 27 – Entrada da Igreja Imagem 28 – Entrada da Igreja
Imagem 29 – Balcão de recepção Imagem 30 – Estante de bolsas e entrada do salão
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No salão onde se ministra johrei há várias cadeiras (cor verde claro) dispostas em
fileiras, cerca de 44 (cadeiras e banquetas), sendo que algumas estão colocadas uma em frente
a outra para aplicação de johrei.
No lado esquerdo do salão encontra-se o altar (imagem 32), elevado uns 40 cm do
piso. Na parede ao fundo estão os dois quadros, um do “Supremo Deus”, escrito em kanji
(30x50cm aprox. – imagem 31) e outro, com o Meishu-Sama (30x30cm aprox. – imagem 33),
ambos protegidos por um vidro. Em frente aos quadros há uma mesa estreita de madeira em
que, durante a oração matinal, é colocada uma bandeja contendo três potinhos, um com sal,
outro com arroz e o terceiro com água – assunto que será tratado mais tarde.
Imagem 31 – Supremo Deus73 Imagem 32 - Altar Imagem 33 – Meishu-Sama
O altar é um local sagrado, crianças não podem subir nele. A limpeza dos quadros só
pode ser efetuada pelo ministro e não se pode jogar água no espaço, apenas passar pano
úmido. Quem limpa o chão do altar geralmente veste roupa branca, máscara cirúrgica, e
chinelos de pano brancos. Se a pessoa não estiver trajando branco, coloca um jaleco. Para ter
acesso ao altar é preciso “purificar-se”, sendo submetido ao estalar de pedras, batem-se três
vezes – acima do ombro direito, depois no ombro esquerdo e novamente no direito, nas
palavras de uma messiânica “seria uma forma de purificação pelo fogo”. Infelizmente, dado o
caráter reservado da purificação, a pesquisadora não pode presenciar o fato, limitando-se a
escutar os estalos característicos que chegavam ao salão.
No canto ao fundo, entre o altar e as últimas cadeiras há um púlpito. Atrás dele, na
parede, há um quadro com um desenho, em branco e preto, da Deusa chamada Unjoo Kannon,
73 A imagem 31 foi retirada do site http://alcinea-cavalcante.blogspot.com.br/2009_06_01_archive.html (acessado em 17/05/2012).
Apresentação e Discussão dos Resultados | 79
que representa a purificação, conforme a explicação do ministro local. O lado esquerdo do
altar é utilizado para pendurar cartazes (enquadrados) sobre algum evento realizado pela
instituição, com o Natalício de Meishu-Sama (23/12) ou Culto aos Antepassados,
comemorado no dia 02 de novembro de cada ano.
As cadeiras são distribuídas no salão, da seguinte maneira: 10 cadeiras dispostas, uma
ao lado da outra, viradas para o altar, formam a primeira fileira, com dois blocos de cinco
cadeiras de cada lado e um vão no meio, formando um corredor central diante do retrato de
Deus Supremo (imagens 34 e 35). A primeira cadeira do bloco à esquerda é reservada ao
ministro, e ninguém senta nela mesmo que o ministro esteja ausente.
A segunda fileira é composta de 8 cadeiras viradas para a parede oposta ao altar e em
frente de cada uma há uma banqueta para que as pessoas sentem e recebam johrei. Uma
terceira fileira de cadeira é arranjada da mesma maneira que a segunda (8 cadeiras e 8
banquetas). Na parede oposta ao altar há um relógio pendurado, que serve para os
ministrantes de johrei marcarem o tempo de aplicação de energia.
Imagem 34 – Do fundo do salão para o altar Imagem 35 – Do altar para o fundo do salão
Nessa parede com o relógio, no fundo do salão, há um pequeno armário com livros
publicados pela Igreja Messiânica, expostos para venda. Havia também caixinhas para
guardar o ohikari, quadradas com estofadinho de veludo (medindo aprox. 7x7cm. Além disso,
notou-se que estavam a venda correntes de metal e um tipo de corrente feita de nylon, ambas
para pendurar o ohikari. Tinha um grampo dourado com o símbolo da igreja, que
provavelmente serve para prender a gravata.
Ao lado do armarinho, encontra-se o acesso a uma salinha de estudo, com televisão
para assistir vídeos sobre a Igreja Messiânica e o johrei para os neófitos. Boa parte das
entrevistas ocorreu nessa salinha.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 80
Os banheiros ficam num corredor lateral, externo ao salão, e no fim desse corredor há
uma bancada com bule de café, purificador de água e copos. Perpendicularmente há outro
corredor, com cozinha de uso dos membros e uma área, com um tanque e varal para estender
panos usados para limpeza da Igreja. Uma messiânica explicou que para cada lugar há panos,
baldes, rodos e vassouras específicos. Para o salão (nave) e para a sala do ministro são os
mesmos materiais, que estão identificados com a palavra “nave”. Para o altar, são outros. E
para o resto da casa, são utensílios considerados de “uso geral”.
No lado esquerdo, à entrada do salão, há uma salinha para recepcionar pessoas, em
conversas com plantonistas. E do lado direto, encontra-se a sala o ministro, com banheiro
próprio; próxima a esta sala encontra-se a cozinha destinada ao uso exclusivo do ministro,
chamada de “servir”. Tanto a salinha de recepção como a sala do ministro encontra-se um
retrato de Meishu-Sama rindo (imagem 36).
74 Imagem 36 – Meishu-Sama rindo
Todos que chegam à Igreja Messiânica dirigem-se primeiramente ao altar e o
cumprimentam: colocam-se diante do altar (mesmo que as cortinas estejam fechadas), fazem
três reverências com as palmas das mãos unidas na altura do peito, batem palmas três vezes e
encerram com mais uma reverência. Conforme a explicação de uma messiânica, as palmas,
em número de três, diante do altar, reverenciam o Supremo Deus, Meishu-Sama e a vida
material (representada por um vaso de flor – ikebana – que é trocado diariamente). No Solo
Sagrado de Guarapiranga, a terceira palma não é para a vida material e sim para a vida
espiritual, pois lá se cultuam os antepassados. Além das reverências e palmas, alguns ainda
rezam a Amatsu-Norito (que será explicada logo em seguida) e o Pai-Nosso, mas não é
obrigatório. Antes de ir embora da Igreja também é recomendado cumprimentar o altar,
executando os mesmos gestos.
No que diz respeito ao Pai-Nosso diante do altar de uma religião de origem japonesa, o
ministro esclareceu que a IMMB acabou incorporando costumes locais para não impor os 74 http://hokurikukansai.blogspot.com.br/2010/04/meishu-sama.html (acessado em 17-05-2012)
Apresentação e Discussão dos Resultados | 81
costumes estrangeiros (japoneses). Por isso aceita que seus membros rezem o Pai-Nosso e
nem impede que seus adeptos conheçam e procurem outras religiões e/ou filosofias. Disse
também que Meishu-Sama não prega a separação e sim a união das crenças, integração,
repudiando, dessa forma, a fé cega e incentivando a pesquisa e o questionamento.
5.2.2.1 – Prece matinal
A prece matinal ocorre por volta das 8:30h da manhã75, com uma média de público de
12 pessoas por cada dia, incluindo membros e frequentadores. Antes da oração, alguns
messiânicos chegam mais cedo à Igreja para limpar o recinto, “dedicação”, (lavam a área,
limpam e arrumam as cadeiras do salão, varrem a calçada e limpam o altar, etc., foi nessa
parte que a pesquisadora ajudou os membros). Aproximando-se do horário da prece, uma
música instrumental de ritmo lento é tocada para anunciar que logo começará o rito. Antes
dele, o altar permanece com as cortinas fechadas e é até possível identificar uma pessoa
realizando a limpeza do lugar.
As cortinas abrem-se, a pessoa no púlpito anuncia o início da Oração Matinal. A
cerimônia geralmente é liderada pelo “plantonista” do dia (messiânico que fica responsável
pelas atividades), ou então, pelo próprio ministro. O celebrante usa sempre roupas pretas
(casaco e saia pretos ou terno preto). Até os sapatos são trocados – o altar é considerado um
local sagrado e não se deve pisar com os mesmo sapatos que tocam o chão comum. Conforme
as explicações de um membro, o uso constante de roupas pretas é porque a cor preta
“simboliza o social”.
O oficiante entra no altar em passos lentos, pela lateral direita (na perspectiva de quem
assiste o ritual), caminha três passos e vira-se diante do altar, andando mais três passos para
frente, para, cumprimenta os dois quadros (Deus Supremo e Meishu-Sama) e a vida material,
representada pela ikebana, fazendo três reverências e batendo três palmas (o que é
acompanhada pelo público) e começa a proferir a oração Amatsu-Norito76 (em japonês – sem
tradução) em voz alta, seguida por todos os presentes, inclusive durante as reverências
75 Esse horário pode variar em cada Johrei Center, pelas explicações do ministro o início da prece matinal será estipulado conforme a conveniência de seus membros, em alguns locais a prece pode ocorrer às 7:30h ou então às 9h. 76 Observou-se que alguns celebrantes valem-se de papéis com a oração escrita, uma espécie de “cola”, para não errarem as palavras.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 82
(inclinar levemente a cabeça para baixo), palmas e pausas. Todos permanecem em pé durante
todo o tempo da cerimônia e com as mãos elevadas à altura do peito, com as palmas unidas.
Terminada a Amatsu-Norito, fazem-se mais três reverências e batem-se três palmas, na
sequência, reza-se a Prece Messiânica, em português (as duas preces estão nos anexos).
Sobre a Amatsu-Norito, o ministro da Igreja Messiânica de Ribeirão Preto esclareceu:
A Amatsu-Norito é de origem xintoísta e data de mais de 3.000 anos é escrita em japonês arcaico e não possui uma tradução e sim um sentido. Ela é orada para que através dos seus 72 fonemas o mundo espiritual do local seja purificado de acordo com abrangência da Imagem que está sendo feita a oração, bem como o número de pessoas e o sentimento com que se está orando. No caso da Imagem do Johrei Center é mais restrita do que a do Centro de Aprimoramento77 e esta mais restrita que a do Solo Sagrado que estão ligados a ela todos os países da parte ocidental do planeta e o número de pessoas que se reúnem todos os dias e em Culto Mensais também influenciam neste poder de purificação da oração.
Terminado o rito, o oficiante, voltado para o altar, dá três passos para trás, vira-se para
a direita e retira-se do altar. Se um ministro habilitado – que possui Dai Komyo, capaz de
realizar johrei para mais pessoas, estiver presente, quem está no púlpito anuncia o johrei coletivo. O
ministro fica em pé, voltado para o público sentado. Todos fazem uma reverência, o ministro levanta
uma das mãos e assim permanece por quase 10 minutos. Durante esse tempo, ele vira para a esquerda
e para direita, num ângulo de 180° para que todos possam receber johrei. Ao terminar, a pessoa no
púlpito anuncia o término do johrei, “vamos agradecer pelo johrei”. Todos fazem uma reverência. As
cortinas permanecem abertas, uma pessoa, no púlpito, lê um ensinamento de Meishu-Sama,
em seguida, um depoimento de fé, cura ou gratidão. Finda essa parte, todos se cumprimentam
desejando “bom dia”, apertando as mãos e às vezes abraçando, mesmo que já tenham se
cumprimentado momentos antes do ritual. Os messiânicos recomeçam a ministrar johrei.
No altar, durante o rito, em frente aos quadros, em cima da mesa de madeira pintada
de branco, encontram-se um potinho raso com arroz aparente, outro mais fundo, e com tampa,
com água, e outro potinho raso com sal aparente, os três sustentados por uma tabuinha de
madeira. Alguns messiânicos chamaram esse arranjo de oniko, outros o denominaram sanbô.
Quanto ao arroz, ao sal e à água utilizados durante o ritual matinal, o ministro explicou
que o arroz simboliza o elemento terra; o sal representa o mar e a água é o elemento
77 Enquanto no Johrei Center e em algumas Igrejas a imagem de Deus Supremo é de material branco e escrito em preto, protegido por um quadro e vidro, no Centro de Aprimoramento, a imagem é de “rolo”, feita de pano com detalhes dourados. Outra diferença é que no Centro de Aprimoramento ocorrem as outorgas de ohikari. No início de 2012, a IMMB de Ribeirão Preto tornou-se também um Centro de Aprimoramento. A outorga também pode ser realizada no Solo Sagrado. A mudança de postos na hierarquia messiânica (ministro, ministro adjunto, reverendo) ocorre no Solo Sagrado.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 83
indispensável à vida. Ele acrescentou que, tempos atrás, ofereciam-se mais coisas no altar,
como legumes e verduras, que depois eram distribuídos a critério do ministro local, costume
que, ele acredita, mantém-se no Japão. Depois da cerimônia, fecham-se as cortinas, retiram-se
os potinhos e as cortinas voltam a ser abertas. Os elementos do oniko podem ser distribuídos
para as pessoas levarem para suas casas e utilizarem no preparo de suas comidas. A água pode
ser tomada na Igreja mesmo.
Todas as manhãs, às 8h, realiza-se a prece matinal; e no fim da tarde, às 20h, efetua-se
a “oração vesperal” – parecida com a matinal, a diferença é a ausência dos potinhos (arroz, sal
e água) no segundo período. Somente às terças-feiras, ocorre uma mudança nos horários, por
causa da “marcha do johrei” às 19h. Então, às 19h, ora-se a Amatsu-Norito e o Pai-Nosso.
5.2.2.2 – Marcha do johrei
Essa cerimônia acontece às terças-feiras, a partir das 19h e termina às 20h.
Antes de chegar ao salão, são dispostas mesas, na área próxima a estante de bolsas,
com listas de frequentadores e membros, assim como envelopes para “gratidão” (doação de
dinheiro). Uma messiânica comentou que nas terças-feiras é registrada a presença de 100
pessoas em média (40 frequentadores e 60 membros) incluindo aqueles que participam da
“marcha”.
No salão, repleto de cadeiras e banquetas, com cerca 64 assentos, as cortinas
permanecem abertas. Do lado de fora há mais cadeiras (8), dispostas em pares, além dos
bancos de concreto. Durante todo tempo toca-se música de ritmo lento.
Cada um que aparece, cumprimenta o altar. Às 18:50h, uma voz que sai das caixas de
som solicita a todos que entrem na nave (salão) para iniciar a marcha do johrei. Comunica-se
o início da abertura da marcha e as rezas. Um plantonista entra no altar e lidera a prece
Amatsu-Norito e em seguida, o Pai-Nosso. Todos em pé acompanham as palavras e as
reverências. Ao terminarem as preces, pede-se para que todos ocupem seus lugares para
iniciar a marcha.
Quando se acomodam, dá-se o início do johrei. Passado mais ou menos um minuto, a
voz orienta “de costas” e quem está recebendo vira-se de costas para quem ministra energia.
Fica assim por cerca de três, quatro, minutos e ocorre o aviso: “frente” e quem recebe volta a
sentar de frente. Decorrido mais um minuto, a voz das caixas de som solicita que agradeçam
Apresentação e Discussão dos Resultados | 84
pelo johrei e troquem de posição. Esse procedimento dura em média 7 minutos. Na sequência,
os receptores deslocam-se para a banqueta ao lado, enquanto os ministrantes permanecem em
seus lugares. Na primeira fileira, os receptores deslocam-se para a banqueta à direita; na 2ª
fileira, o deslocamento é para a esquerda; na terceira fileira move-se para a direita e na quarta,
para a esquerda. Parecem participar de uma dança em “zigue-zague”.
Anuncia-se novamente: “início”, passado um minuto, “de costas”, três, quatro,
minutos, “de frente”, mais um minuto: “vamos agradecer pelo johrei” e “mudar de posição”.
A cada início de johrei, cita-se uma mensagem ou ensinamento de Meishu-Sama, como por
exemplo, sobre a “Luz Divina”. Essa troca de posições é repetida inúmeras vezes até o
término.
A Marcha é interrompida às 19:55h. Rezam a prece vesperal (Amatsu-Norito e a prece
messiânica), lê-se um ensinamento de Meishu-Sama e também um depoimento de fé. Se um
ministro habilitado estiver presente, também se realiza johrei coletivo para o público, que
geralmente permanece sentado. Findo o ritual, todos cumprimentam o altar, do lugar em que
estão, e vão embora.
5.2.2.3 – Culto mensal
O Culto Mensal é realizado na IMMB todo segundo domingo do mês, às 10h. Tanto
membros quanto frequentadores assinam a lista de presença assim que entram na instituição.
Depara-se com homens trajando ternos pretos, mulheres, em sua maioria, com roupas pretas
ou saia e casaco. O recinto é decorado com ikebanas. Duas mesas são organizadas próximas à
entrada do salão – uma contendo envelopes para “gratidão” e outra repleta de pequenos
ikebanas e doces à venda. Elegem-se messiânicos para monitorar as mesas.
O ambiente fica lotado de pessoas, que tentam se acomodar nas cadeiras do salão;
quem não consegue assento, acompanha a cerimônia em pé. Tocam-se músicas e, por vezes,
hinos messiânicos. Às 9:55h o Hino Conquista do Paraíso anuncia o início do Culto. Quando
as cortinas, até então fechadas, são descerradas, entram os “oficiantes”: primeiro o ministro,
de terno preto e estola – verde com detalhes dourados ou totalmente dourada – em torno do
pescoço; em seguida surgem três homens (que podem ser outros ministros ou simples
membros), todos trajando ternos pretos, carregando oferendas (água, sal e arroz, acomodados
Apresentação e Discussão dos Resultados | 85
em recipientes maiores do que os usados em dias normais) que são colocadas diante do altar.
Os três retiram-se do altar.
Anuncia-se a Amatsu-Norito e a Oração Messiânica. O ministro coloca-se diante dos
quadros do altar (Deus Supremo e Meishu-Sama) e lidera as preces, que todos os presentes o
acompanham, com palmas e reverências. Na sequência, cantam o Hino de Gratidão. Cada
oração e cada hino são finalizados com uma reverência. Depois, o oficiante ministra johrei
coletivo para o público, que guarda silêncio. A seguir, lê-se um trecho de “ensinamentos de
Meishu-Sama”, permanecendo o ministro em pé, no altar, ao lado do retrato de Meishu-Sama,
com a cabeça levemente inclinada para baixo e as mãos, uma em cima da outra, próximas ao
abdômen. Com o fim da leitura, anuncia-se a retirada dos oficiantes e as cortinas são
fechadas. Logo se abrem novamente e vê-se o púlpito colocado no altar. Uma pessoa é
chamada para dar seu “depoimento de fé”.
O ministro entra novamente no altar e profere algumas palavras, sobre os preceitos da
Igreja ou comenta algum evento recente sob a ótica dos ensinamentos de Meishu-Sama.
Dependendo da época, aproveita para convidar os presentes a participarem das caravanas
(promovidas pelos messiânicos) para algum dos cultos realizados pela Igreja (tanto na
instituição local como no Solo Sagrado):
• “Culto do ano novo e da fundação da Igreja” – realizado no primeiro domingo de
janeiro;
• “Culto do Paraíso Terrestre” – celebrado em 15 de junho ou no primeiro domingo que
antecede essa data. Refere-se a revelação que Meishu-Sama recebeu sobre o início da
“Era da Luz no mundo espiritual”, em 1931: a cerimônia é parecida com o Culto
Mensal, com a diferença de que primeiro é realizado uma prece de agradecimento feita
somente pelo ministro (não consta no livrinho de orações vendida aos membros), e
depois reza-se Amatsu-Norito e a Prece Messiânica;
• “Culto às almas dos antepassados” – efetuado no dia 02 de novembro: realiza-se a
“oração especial para os antepassados”, faz-se um ofertório de gratidão e recebe-se
johrei coletivo. Ora-se a Amatsu-Norito e, no lugar da Prece Messiânica, reza-se a
Oração aos Antepassados. Segue-se com leitura de ensinamento, não há depoimento
de fé, encerra-se o culto com palavras do ministro.
• “Culto de natalício de Meishu-Sama”, no dia 23 de dezembro ou no primeiro domingo
que antecede esta data.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 86
Afirma-se que entre essas datas, o culto mais importante é o do natalício de Meishu-
Sama, já que ele foi o responsável por tudo ensinar aos messiânicos. Nesse ritual, os
participantes são orientados a preencher relatórios, sobre as graças recebidas durante o ano,
que serão apresentados na data mencionada. Assegurando que ninguém leia esses relatórios,
encaminham-nos diretamente ao espaço dedicado a Meishu-Sama no Solo Sagrado – os
messiânicos são orientados para não se preocuparem com a forma, pois não há problemas se
errarem na ortografia, o importante é escrever “com sentimento” e Meishu-Sama saberá e
entenderá o conteúdo.
Para encerrar a cerimônia, entoa-se o Hino da Luz Divina, todos se levantam e
acompanham a música. Terminado o hino, todos fazem uma reverência e vão embora,
cumprimentando-se e desejando “um bom mês e que deus o abençoe”.
Até o momento ocupamo-nos em compreender os ritos messiânicos, todavia, quem são
essas pessoas e por que procuram essa religião e o que os motivou a adotarem valores e
símbolos por vezes tão diferentes de sua cultura de origem?
5.2.3 – Exercitando a Gratidão
No que diz respeito aos membros da IMMB, de modo semelhante aos voluntários do
Núcleo de Reiki pesquisado, muitos desconheciam a vida de outros membros e por vezes nem
sabiam seus nomes. Durante a pesquisa de campo, e pelas entrevistas, pudemos constatar a
predominância de mulheres, com idade acima dos 55 anos e a participação de brancos, negros
e pardos, observando-se também a presença de japoneses e descendentes (em menor número).
Foram entrevistados 14 membros da IMMB (que possuem o ohikari) e 5 frequentadores
(apenas recebem johrei). Todas as entrevistas foram realizadas na própria IMMB de Ribeirão
Preto–SP. Desses sujeitos, apenas três membros possuíam o ensino superior completo e
quatro, somente o “primário” (4° ano do ensino fundamental)78. Entre as profissões:
aposentados ou trabalhadores autônomos.
78 Em relação ao grau de escolaridade: ensino superior completo = 3; superior incompleto = 3; segundo grau completo = 3; segundo grau incompleto = 1; ensino fundamental = 4.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 87
5.2.3.1 – As entrevistas com os membros
Como foi dito no início deste capítulo, a IMM está alicerçada em três princípios:
Johrei, Agricultura Natural e o Belo. Contudo, como esses ideais se manifestam na vida dos
messiânicos?
No que diz respeito à Agricultura Natural, é difundida entre os membros da Igreja a
concepção da necessidade de criarem-se hábitos saudáveis de alimentação, dando preferência
a alimentos “naturais” (cultivados sem a utilização de produtos químicos nem adubos de
origem animal) ou orgânicos (que não usam produtos químicos, mas admitem adubo de
origem animal). Sem dúvida, esta ênfase em hábitos alimentares naturais aproxima os
messiânicos do público neo-esô estudado por Magnani (1999), que procura:
uma dieta saudável pelo uso de produtos naturais livres de defensivos químicos, [apresentando] preferência por grãos e fibras em detrimento das proteínas de origem animal e produtos refinados. (p.119)
Entretanto, os membros entrevistados relataram dificuldades em mudar a base de sua
alimentação, não por falta de interesse, mas pelo custo que isso acarretaria em suas vidas, já
que o preço dos alimentos orgânicos e naturais é caro e esses alimentos são difíceis de
encontrar na cidade de Ribeirão Preto – SP. Alguns ainda relataram que se morassem em Rio
Claro – SP seria mais fácil adquirir esse tipo de produto, tendo em vista que a própria
instituição comercializa gêneros produzidos de forma natural, como frango, morango e
hortaliças79.
Sobre o culto ao Belo, uma das maneiras de expressá-lo é através da ikebana, tipo de
arranjo floral popularmente conhecido no Japão. O arranjo de ramos e flores não é aleatório,
segue certas premissas dependendo da vertente da ikebana que se segue. No caso da IMM eles
ensinam a ikebana Sanguetsu. Frequentemente é possível encontrar na instituição cartazes
anunciando a abertura de turmas para cursos e vivências em ikebana. Alguns entrevistados
revelaram que antes de conhecerem a IMMB não prestavam atenção em flores, nem em
jardins; depois que conheceram melhor os princípios da religião, passaram a apreciar mais as
plantas e dedicar maior respeito a outros seres vivos. Todos mencionaram gostar de comprar
vasos de flores para enfeitar suas casas.
79 Os alimentos cultivados pela IMM são comercializados e reconhecidos pelo selo da Korin Agricultura Natural.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 88
Hoje você olha assim a natureza com mais carinho, você está mudando certos hábitos, né, se preocupando um pouco mais com a saúde, preocupando realmente com a natureza [...] a nossa casa não tinha nenhum vasinho de flor, não tinha nada, hoje nós temos (homem, 58 anos, freqüentador há sete meses – medalha recém-outorgada)
Outro fato associado ao Belo é o “vestir-se bem”, “ter boa aparência”, além de
acharem que é mais agradável para quem olha; uma messiânica comentou o seguinte, durante
pesquisa de campo: “Se uma pessoa vai receber johrei e é atendido por alguém mal vestido,
pode pensar ‘nossa, esse aí está pior que eu...”.
Pode-se apreender, a partir dessa informação, que a questão não se restringe ao
aspecto puramente estético, mas atinge a validade da própria crença. Se alguém procura a
Igreja e nota que seus membros aparentam estar saudáveis, felizes e bem sucedidos
materialmente (já que se vestem bem) a religião é vista como digna de se conhecer, caso
contrário, se o sujeito depara-se com adeptos tristes e de aspecto pobre, provavelmente irá se
questionar sobre a validade dos princípios da instituição que não é capaz de melhorar a vida
de seus fieis.
Quanto ao johrei, todos os messiânicos, (entrevistados ou não que forneceram
informações durante pesquisa de campo), asseveraram os benefícios, as graças recebidas e
uma profusão de relatos foram dados sobre cura e ajuda conseguida com o johrei e Meishu-
Sama. Ao convidar os membros para participarem das entrevistas, vários afirmaram ter
muitos “depoimentos de fé” para contar, isto é, narrar as curas que obtiveram com o johrei.
Durante a gravação dos relatos, muitos alteravam a entonação da voz quando se referiam às
graças conquistadas, adotando uma postura e semblante sérios, falando pausadamente e olhar
fixo, demonstrando o respeito que sentem pela instituição e seu fundador; alguns se
emocionavam com suas próprias histórias e choravam; em outros momentos, ao discorrerem
sobre outros fatos de suas vidas assumiam postura mais relaxada, riam, falavam alto e usavam
gírias.
As histórias variam desde a cura de furúnculos, diminuição de dores, mais tolerância,
maior compreensão da vida, até resolução de problemas financeiros, enfrentamento de vícios
e diminuição da agressividade.
Paira uma dúvida no ar: como isso é possível?
Não se trata de questionar a ação efetiva da energia johrei, mas compreender quais são
os elementos que, juntamente com o johrei, a instituição fornece para desencadear tais
mudanças e curas nas vidas de seus adeptos.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 89
Purificação e Permissão
Tanto nos ensinamentos de Meishu-Sama, como nas falas dos membros e durante as
cerimônias da Igreja, fala-se sobre purificação do sujeito, isto é, ao longo da vida o indivíduo
pode acumular máculas espirituais por meio de maus pensamentos e atitudes erradas. O
sofrimento seria uma forma de limpeza, tanto do espírito como do organismo, que pode se
concretizar por meio de problemas de saúde, crises financeiras, perdas materiais ou
dificuldades nas relações sociais.
As formas de enfrentar tais problemas seriam o johrei e a gratidão. Agradecendo a
Deus pelas provações, praticando o bem, mediante dedicações – como na limpeza da Igreja –
ou altruísmo – ajuda ao próximo, e fazendo ofertórios de gratidão – doações em dinheiro para
a Obra Divina, ou seja, para a IMM. Essas purificações, pelos ensinamentos da Igreja,
contribuem para o crescimento pessoal do sujeito e devem ser vivenciadas com o sentimento
de gratidão, lembrando que lamúrias, neste entendimento, não levam à purificação, apenas ao
sofrimento e trazem o risco de novas máculas.
Se, por acaso, o messiânico estiver sofrendo, como é o caso de um membro que
pertence à IMMB há 25 anos e há 8 sofre de depressão e síndrome do pânico80, de acordo com
o ministro local, é importante saber o grau de dedicação na IMMB, quais são “as práticas
básicas a que cada um se dedica”, o que inclui a participação nos cultos mensais, ida ao Solo
Sagrado, cultos comemorativos e gratidão em serviços e donativos para a Igreja. Ainda,
segundo o ministro, às vezes a pessoa que diz ter problemas alega que já dedicou muito e não
se esforça para melhorar; pois, mesmo tendo se dedicado, pode já ter usufruído dos méritos
que acumulou e, dessa forma, torna-se mais difícil receber ajuda divina.
Além da purificação individual, o sujeito pode ser usado como canal para a
purificação dos antepassados. Segundo os preceitos messiânicos, os espíritos dos
antepassados se aproximam da pessoa em busca de ajuda, contudo, essa manifestação
espiritual pode causar dores, sofrimentos e problemas de diversas formas. Nesses casos, os
messiânicos orientam o encaminhamento desse antepassado para Meishu-Sama (Sonen de
Encaminhamento) para que este resolva o problema e o espírito receba luz, como também, a
prática da gratidão.
Interessante notar que entre os messiânicos eles refutam a ideia de “possessão
espiritual” dentro das práticas da instituição, mesmo afirmando reconhecer a existência de tal 80 Mesmo sofrendo de depressão, o messiânico mencionado em nenhum momento questionou a religião que pertence, pelo contrário, diz “eu não saio, eu tenho missão” na IMMB e acrescenta que olha para o retrato de Meishu-Sama e fala “o único a me tirar daqui é o senhor Meishu-Sama, eu estou por sua conta”, contrariando os pedidos de sua esposa que pede para que ele deixe a Igreja.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 90
fenômeno. Entre os 19 entrevistados, onze confessaram ter frequentado centros espíritas;
muitos alegaram sentirem-se mal durante as sessões, abandonando a fé espírita. Entretanto
não é difícil ouvir de algum membro: “eu sou médium” (o que ocorre principalmente se
bocejam muito durante a ministração de johrei), dando a entender que eles sentem a
“manifestação dos antepassados”, seres espirituais que podem ser tanto do ministrante quanto
do receptor. Nesse momento sugerem a prática do sonen.
A experiência religiosa dos messiânicos não se restringe somente ao espiritismo,
muitos procuraram diversas religiões antes de “se encontrarem” na fé messiânica e é sobre
essa busca que iremos agora nos ocupar.
Em busca de uma fé
A maioria dos relatos demonstra uma “peregrinação” religiosa, em que muitos
procuraram e frequentaram diversas religiões antes de conhecerem a messiânica. Passaram
principalmente pelo catolicismo, espiritismo (kardecista e umbanda) e religiões evangélicas81.
Buscavam explicações e soluções para seus problemas físicos, financeiros e questões
existenciais. Com as graças obtidas, conseguiram fortalecer sua fé.
Aí depois menina, as coisas foram piorando, piorando, piorando... veio todas as purificações, você chega lá no fundo do poço, né, e até então você não entende, porque muito sofrimento, você sofrer, sofrer, como é que deus existe se você está sofrendo? Até que eu vim conhecer aqui (mulher 58 anos, membro há nove anos)
Outro fator que influenciou a preferência pela fé messiânica foi a “paz” do ambiente
A pessoa tem que se encontrar, sentir bem no lugar, às vezes eu venho duas vezes por dia, quero ficar olhando esse verde... então isso aqui me traz uma paz imensa, coisa que eu não sentia, eu ia em outras religiões, tudo, sempre assim, impaciente (homem, 49 anos, frequentador há dois meses) Só que também era muita gritaria [Igreja evangélica] muito... ai, porque para eles lá tudo é o diabo né... aqui não, o que eu senti aqui é paz [...] paz de espírito, o ambiente assim sadio, não que os outros não sejam, mas assim, aquela musiquinha [refere-se a música ambiente na IMMB] (mulher, 65 anos, membro há seis anos)
Mesmo asseverando que a IMMB não é excludente, isto é, permite que seus adeptos
frequentem e conheçam outras religiões, os próprios membros demonstram certo desinteresse
81 As religiões mencionadas foram: catolicismo, espiritismo (kardecista e umbanda), seicho-no-ie, Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Mundial do Poder de Deus, Assembleia de Deus, Congregação Cristão do Brasil, Adventistas do Sétimo Dia e Igreja Batista.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 91
em participar de outras instituições. Afirmam que se forem convidados a um batizado
católico, a uma missa ou a receberem passe espírita, não recusam e nem veem problemas
nisso, entretanto preferem restringir-se aos cultos e princípios messiânicos. Suas leituras são
predominantemente voltadas para os ensinamentos de Meishu-Sama e revistas da IMMB,
muito poucos revelaram interesse por leituras espíritas ou sobre outras religiões como seicho-
no-ie ou budismo. Um dado interessante foi que todos afirmaram a possibilidade de receber
johrei pelos olhos enquanto leem as publicações da IMMB e os ensinamentos de seu
fundador.
Ao ser indagada sobre outras práticas de energização pelas mãos, a grande maioria
demonstrou ignorar e nem se interessar por práticas complementares de cura. Entre os
membros, somente quatro disseram que conheciam o reiki (três apenas ouviram falar e um
recebeu reiki), um relatou experiência com mahikari82 e outro afirmou que já levou familiares
para receber benzimento, contudo, já abandonou a prática. Nesse aspecto, os messiânicos
diferem do público neo-esô, que é interessado “por temas tão diversos, como filosofias
orientais, ecologia, valorização do feminino, terapias soft” (MAGNANI, 1999:18).
Uma messiânica até criticou outras terapias complementares ou filosofias, pois
segundo ela, a diferença entre a IMM em relação às demais práticas é que nessas últimas
primeiro se busca olhar para dentro de si para depois pensar no outro. Para ela, na IMM
aprende-se a pensar no outro, em primeiro lugar, ou seja, através de atitudes que beneficiem
os outros que o sujeito vai conseguir melhorar a própria vida.
Esse desinteresse por outras práticas complementares e por outras religiões pode ser
compreendido pela eficácia simbólica (LÉVI-STRAUSS: 1985) da Igreja e seus preceitos.
Em outras palavras, o uso do johrei e os ensinamentos de Meishu-Sama, e a crença neles,
propiciaram uma forma de reelaboração eficaz dos sofrimentos e dos problemas enfrentados
no cotidiano, não desenvolvendo a necessidade de recorrer a outras teorias ou explicações
fora da IMMB.
82 A “arte” mahikari (Luz Divina) é muito parecida com o johrei. Seu fundador é Kotama Okada (1901-1974) que, em 1941, após diagnóstico incurável, dedicou-se à espiritualidade. Em 1959, Okada recebeu a primeira de uma série de “revelações divinas” que o levariam a funda a Sukyo Mahikari, uma “organização espiritualista” para a prática da Arte Mahikari, método de transmissão de “luz divina” para a purificação do corpo, do espírito, da mente, entre outras coisas, como alimentos, não havendo empecilhos para sua prática. Para praticar a arte mahikari é necessário participar de um “seminário básico” de três dias; após eu término, o sujeito recebe uma medalha chamada Omitama, pela qual se capta a “luz divina” transmitida pelas mãos. O praticante de mahikari passa a ser conhecido como kami-kumite e deve carregar sua omitama presa a uma corrente pendurada no pescoço. Interessante ressaltar que seus membros não associam mahikari e religião, diferentemente do johrei da IMM. (OKADA, 2004). Site: www.mahikari.org. (acessado em 12/08/2006). Um messiânico afirmou que o Mahikari é uma ramificação do johrei. Não é possível garantir a veracidade da informação, pois não foram encontradas referências seguras sobre o fato.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 92
As causas são explicadas pelo mundo espiritual – influência dos antepassados –, as dores,
as doenças e problemas não são vistos como punição (obra do diabo, insatisfação divina, etc.),
mas como maneiras de purificar e melhorar espiritualmente, sustentando a esperança em dias
melhores. As “lamúrias” devem ser evitadas e o sentimento de “gratidão”, cultivado.
Ao se iniciarem na fé messiânica, os adeptos afirmam que aceitaram sua missão no mundo
e concentram seus esforços para levar a salvação a mais pessoas, o término dos “conflitos” entre
elas. Um membro perguntou à pesquisadora, durante pesquisa de campo, se o reiki, por exemplo,
pregava o ideal de salvação, como na IMM. A pesquisadora respondeu que não, que os reikianos
operam pela lógica de equilíbrio energético e não necessariamente “salvação”. Ele agradeceu pela
informação e foi fumar seu cigarro no lado de fora de IMMB83.
Quando a Igreja ensina a buscar a felicidade fazendo os outros felizes e também com
as leituras de experiências de fé faz com que o sujeito encontre um “repertório de vivências”,
percorrido por cada um, capaz de fornecer novos sentido para a história de vida, como uma
“narrativa terapêutica” (MALUF: 1999). Em termos psicanalíticos, seria o momento em que o
indivíduo consegue retirar o foco de suas perturbações e, por meio do compartilhamento e
identificação de suas experiências com outras pessoas, passa a atribuir novos nomes àquilo
que o aflige, superando traumas – eventos vivenciados e não elaborados pela psique (MIWA:
2010). E essa identificação de fé e sofrimento, reforça os laços sociais entre os membros.
A obtenção de graças (curas, pagamentos de dívidas e realizações de desejos) também
é indício de que vale acreditar nos preceitos da instituição. A identificação projetiva84 com a
figura do Messias Meishu-Sama torna a crença de crescimento pessoal possível, já que ele foi
um homem comum, que sofreu doenças e fracassos financeiros (conforme relato de um
membro) e que por meio do próprio esforço atingiu a iluminação.
A relevância que a IMM dispensa aos aspectos materiais pode reforçar o “conforto
psíquico” dos messiânicos, já que o mundo profano não foi excluído pelo sagrado. Durante os
cultos, ocorrem leituras de experiência de fé dos membros e, inúmeras vezes, a pesquisadora
presenciou o relato sobre pagamento de dívidas ou desempregados que arranjaram emprego
rapidamente depois que iniciaram suas dedicações na fé messiânica. A honestidade também é
destacada entre os membros, quando associam o atraso do pagamento de dívidas ou calote ao
83 Os messiânicos não são contra os vícios, como cigarro e álcool, apenas aconselham a diminuir o consumo para preservar a boa saúde. Uma messiânica afirmou que na IMM é proibido proibir qualquer coisa. Podem não proibir, mas se esforçam para que a pessoa mude de comportamento. 84 A identificação projetiva pode ser entendida como um mecanismo de defesa que atribui uma parte de si como fazendo parte de outra pessoa ou objeto; “serve tanto para proteger o sujeito de perigos, apresentados por aspectos de seu self, para seu equilíbrio psíquico; como também para preservar uma parte de si que o sujeito não consegue vivenciar sozinho” (MIWA, 2010: 36)
Apresentação e Discussão dos Resultados | 93
acúmulo de máculas. Uma messiânica afirmou que depois que aprendeu isso na Igreja, sua
vida mudou, mesmo quando recebe dinheiro a mais (troco, por exemplo) faz questão de
devolver, pois não lhe pertence e isso poderia gerar máculas.
Expansão do ego coletivo
Alguns estudos – em sua maioria quantitativos – procuraram testar a eficiência do
johrei na melhora de qualidade de vida, saúde, humor, bem-estar, assim como a diminuição
do estresse e ansiedade (OLIVEIRA: 2003; LAIDLAW: 2003; REECE: 2005; LAIDLAW:
2005, 2006; BENNETT: 2006; GASIOROWSKA: 2008). Eles indicam os possíveis
benefícios do johrei sobre os comportamentos mencionados nos grupos experimentais
comparados a grupos controle em cada pesquisa, afirmando a necessidade de se realizar mais
pesquisas nessa área.
No caso dos sujeitos desta pesquisa, muitos relataram a diminuição da ansiedade,
reconhecendo-se mais calmos e tolerantes depois que começaram a frequentar a IMMB.
Mudanças... muito ansiosa, eu fui ficando assim mais calma né, [...]entendendo melhor porque a gente passa as coisas (mulher, 51 anos, membro da Igreja há dois anos) Eu não tinha tolerância com nada, eu respondia muito, hoje eu sinto assim, sou uma pessoa que tenho certo controle... eu penso antes de falar, talvez pode até sair um pouquinho né, eu saio fora do sério, mas eu penso mais e entendo mais (mulher, 64 anos, frequentadora há sete meses- medalha recém outorgada) Comecei a ficar mais calma... a falar mais baixinho e... comecei a purificar muito, muito mesmo, comecei a ficar doente para a limpeza do nosso organismo [...] essa que me convidou para viajar, conforme foi passando, ela falou ‘nossa! Como você mudou, você mudou em tudo, mudou o visual, você mudou o carisma, a paciência, a esperar, você não esperava nada, você queria tudo na hora’ (mulher, 55 anos, membro há nove anos)
Aquilo que não conseguem modificar, pedem a Meishu-Sama que resolva. “Vamos
deixar nas mãos de Meishu-Sama” é uma frase recorrente no discurso dos messiânicos. Se,
por ventura, não forem atendidos naquilo que desejam é porque não obtiveram permissão para
concretizar suas expectativas; dessa forma, continuam esperando e reforçando seus
pensamentos em Meishu-Sama e as práticas de fé: johrei, oração/culto e dedicação (tempo,
capacidade e dinheiro)85.
85 As informações sobre as práticas de fé foram obtidas durante a Cerimônia de Outorga, realizada em 14-01-2012, na IMMB em Rio Claro – SP.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 94
Alguns entrevistados ainda relataram a diminuição da agressividade e de
comportamento violento
Gratidão à pessoa que me trouxe, à pessoa que me orientou na época [...] e gratidão pelos meus sentimentos terem mudado em tudo, em relação a tudo, antes eu era uma pessoa brava, que andava de revólver em punho, na cintura, eu era grossa, mal educada, eu cobrava as pessoas, eu exigia que as pessoas fizessem o que eu queria, porque eu pensava assim, aí com quinze dias [frequentando a IMMB e recebendo johrei] foi mudando o meu sentimento, aquele sentimento foi mudando, ficando frágil, como se tivessem feito lavagem cerebral no meu cérebro [...] quem me conheceu seis anos atrás não sabe quem eu sou hoje, pacata, serena, calma [...] porque eu era muito brava, muito brava mesmo, minha filha que hoje, graças a Deus e a Meishu-Sama, eu consegui trazer para a Igreja, tem veias estouradas na perna de pancada, eu era muito mau, muito dura, quando eu pegava para bater, eu tinha que tirar sangue, o desejo era de ver sangue, e hoje o meu desejo é de agradecer [...] até pelas coisas maldosas que me fazem (mulher, 53 anos, membro há seis anos)
Três pessoas atribuíram ao johrei a diminuição da agressividade de parentes com
Alzheimer
Então é um bebê de 86 anos que eu cuido, eu dou banho, dou medicamento dele certinho [...] ele não é agressivo, no início ele ficava, não sei se ele tinha vergonha né [...] então, aí eu fui, prática do sonen, johrei, mais johrei, graças a Deus hoje ele é super tranquilo e eu falo mesmo, tudo através do johrei (mulher, 58 anos, membro há nove anos)
Todavia, o autocontrole, o abandono de atitudes agressivas ou pensamentos “ruins”, é
justificado mais pela ideia de se evitar máculas e não tanto pelo verdadeiro reconhecimento
do outro e respeito à diferença. No caso dos messiânicos, o movimento egóico que vivenciam
não é o da alteridade, como acontece entre os reikianos voluntários que passaram a reconhecer
o outro como ser autônomo e diferente de si.
Na verdade, entre os membros da Igreja Messiânica, a mudança psíquica se dá pelo
reconhecimento do outro como igual, portador de sofrimentos e problemas, imersos em máculas,
necessitando dedicar, agradecer e praticar o sonen. Isto formaria o que poderíamos chamar de
“ego coletivo”, em que a meta é expandir a construção do Paraíso Terrestre para que todos
possam viver em harmonia. Em termos psicanalíticos, o ego sente-se confortável quando o mundo
que lhe cerca é identificado como fazendo parte de si, sem contradições aparentes; quando
descobre algum conflito ou algo diferente, o ego pode tentar englobar e assimilar essa diferença
ou repudiá-la, negando sua existência, ignorando ou atacando esse outro (ver MIWA: 2010). No
caso da Igreja, o que ocorre é a indiferença em relação ao diferente.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 95
Isso não significa que as mudanças ocorridas nas vidas desses messiânicos e suas
ações altruístas não sejam verdadeiras ou legítimas. O ego é, sim, capaz de sofrer
transformações para conseguir sobreviver; no entanto, não abandona sua pretensão de
“onipotência narcísica”, em que acredita que “seu mundo” é o melhor e, no caso, o mais
habilitado para levar a salvação para o mundo (para nos valermos de um termo usado pelos
próprios messiânicos). Não podemos esquecer que, mesmo se dizendo liberal e ecumênica, a
IMM apresenta caráter expansionista e seus adeptos demonstraram estar tão satisfeitos com
sua religião que não sentem a necessidade de procurar mais informações e explicações fora
daquilo que é divulgado pela instituição.
Conforme os aspectos apresentados acima, não é difícil entender como a IMM pode
ser eficaz em sua maneira de desencadear mudanças comportamentais e de pensamento em
seus adeptos, uma vez que lhes fornece subsídios simbólicos, na forma de novos e outros
significados para enfrentar as dificuldades que experimentam no plano material, social,
emocional e espiritual, atribuindo novos sentidos para suas dores e frustrações e mantendo a
estabilidade psíquica almejada pelo ego.
Além disso, a emergência de um ego coletivo, que identifica o “outro” como igual ao
“eu”, contribui para a formação de um arranjo social estratégico para enfrentar as dificuldades
do cotidiano, qual seja, a comunidade.
No entanto, antes de desenvolver a noção de comunidade, é importante dedicarmo-nos
à comparação entre as duas técnicas abordadas: o reiki e o johrei. Aparentemente, elas
apresentam vários pontos em comum, porém, o que as distingue de fato?
5.3 – Reiki e Johrei
5.3.1 – Racionalidade terapêutica e racionalidade religiosa
Aparentemente, Reiki e Johrei poderiam ser compreendidos como idênticas práticas de
cura suportadas por técnicas de energização, já que compartilham semelhanças, como país de
origem, datas próximas de “criação” (1922 e 1935), símbolos com nomes parecidos, como o
símbolo I do reiki denominado “choku rei” e a medalha destinada às crianças, shoko e,
Apresentação e Discussão dos Resultados | 96
sobretudo, manipulam a energia. Todavia, as visões de mundo a elas associadas tornam-nas
práticas distintas.
A primeira diferença fundamental entre reiki e johrei é o caráter religioso do último,
associando-o a “forças transcendentes” ao sujeito, constituindo um “fenômeno coletivo e
público” (MONTERO, 1986: 08), mesmo que, por vezes, possa ser divulgado como terapia
desvinculada de sentido religioso, como ocorre na Austrália (MATSUE, 2002). A energia
johrei provém de “Deus Supremo” e do “messias Meishu-Sama”, sendo sua prática uma
forma de re-ligare (JUNG: 1993) o homem com essas forças transcendentes.
A ideia de sagrado está presente e permeia constantemente a execução da técnica: o
altar é um espaço sagrado não podendo ser pisado com sapatos comuns e requer utensílios
específicos para sua limpeza; o salão, onde se realizam as “ministrações” de johrei, é
reconhecido como “nave” e também possui utensílios específicos para sua limpeza; a medalha
ohikari, obrigatória aos que ministram johrei, é sagrada e não deve ser tocada por pessoas
“comuns” (não iniciadas), tendo um estojo apropriado para guardá-la; por último, o johrei é
“ministrado” como em sacramento.
Seus ritos – orações, gestos, reverências, datas comemorativas – e ensinamentos de
seu fundador, Meishu-Sama, podem ser interpretados como formas de elevar o mundo
profano até a esfera do sagrado, o comportamento religioso seria uma busca pela “santidade
do mundo” (ELIADE, 1992), ou sua “salvação”, para utilizar um termo dos próprios
messiânicos.
Contudo, é importante ressaltar que, apesar do caráter religioso e acreditar em poderes
transcendentes, o fato de os messiânicos acreditarem no johrei como forma pessoal de
interferir e solucionar problemas e questões enfrentados no cotidiano indica que não houve
ruptura total com a magia86.
O reiki, por sua vez, não associa sua prática a “forças superiores” ou “maiores” do que o
sujeito, nem impõe a reverência a personalidades. Ele é entendido como uma técnica que torna o
iniciado apto para canalizar as energias, independente de suas crenças religiosas. Seu exercício
prescinde de altares, ritos e lugares “sagrados”. Nesse sentido, o reiki aproxima-se da magia, que,
segundo Paula Montero (1986), pode ser entendida basicamente como prática que trabalha com
forças imanentes à natureza e voltada ao culto individual, tendendo para o privado (p. 08).
86 Segundo Montero (1986), não existe separação total entre religião e magia, e nem uma pode ser considerada mais simples ou mais complexa que a outra, pois, “muitas vezes a magia lança mão, em seus ritos, do auxílio de entidades sobrenaturais, e a religião introduz atos mágicos em seus cultos. Também para autores como Marcel Mauss e Henri Hubert, não se pode separar dessa maneira religião e magia. E não se pode fazê-lo porque as duas são igualmente complexas e se interpenetram.” (p.10-11)
Apresentação e Discussão dos Resultados | 97
Entretanto, no caso específico dos contextos estudados: Núcleo de Reiki Clara de
Assis e Igreja Messiânica Mundial em Ribeirão Preto, parece ter havido uma “inversão” nas
racionalidades, terapêutica e religiosa, que foram apresentadas na introdução deste trabalho.
Em páginas anteriores, foram conceituadas como racionalidade terapêutica, práticas de
energização que, apesar de privilegiar o bem-estar/cura do sujeito, operam dentro de uma
racionalidade de mercado, ocorrendo pagamento por cada sessão de aplicação energética. E
racionalidade religiosa, práticas de energização em que o uso da técnica estaria pautado em
um valor ético-humanitário, sem fins lucrativos para aquele que aplica a energia.
Repetindo, no caso específico dos grupos pesquisados, no que diz respeito ao johrei, a
necessidade de se fazer “gratidão”, geralmente doação em dinheiro, a cada vez que se recebe
energia, mesmo que essa gratidão seja voltada à “obra divina”, aproxima o johrei da
racionalidade terapêutica, no momento que ocorre um “pagamento-gratidão” pela aplicação
energética. No caso do Núcleo de Reiki Clara de Assis, o serviço voluntário dos reikianos e a
ausência de cobrança de dinheiro, nem mesmo para a manutenção da casa (que arrecada
verbas com os cursos de iniciação na técnica), torna o reiki, do Núcleo, mais próximo da
racionalidade religiosa, pelo menos nessa dimensão pautada em um valor ético-humanitário,
sem fins lucrativos.
Entretanto, pagamento em dinheiro ou a não remuneração não constituem traços
suficientes para caracterizar ou invalidar as práticas em questão. Compreendendo reiki e
johrei como processos terapêuticos que lidam basicamente com a imposição de energia pelas
mãos, podem-se destacar dois aspectos relacionados a essas formas de energização: a busca
do “eu” versus a busca da “fé” e prática complementar versus prática alternativa.
5.3.2 – Reiki como busca do self e Johrei como busca da fé
Muitos reikianos entrevistados revelaram que decidiram deixar de ser apenas usuários
do serviço e se iniciaram na técnica depois de conseguirem resultados positivos com a energia
(cura de doenças e bem estar), passando a acreditar que também eram capazes de transmitir a
energia. Experimentaram mudanças em seus comportamentos e concepções – como maior
tolerância, paciência, sensibilidade, tornar-se mais decidida, etc. –, alegando uma maior
consciência sobre suas atitudes e como estas influem em seus relacionamentos.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 98
Em nenhum momento foi registrado um questionamento sobre a fé em Deus, embora alguns reikianos tenham se decepcionado com certos grupos católicos ou espíritas, sem deixarem de acreditar nessas doutrinas. A busca de conhecimento por meio de fontes e práticas diversas indica um desejo de autoconsciência, autocontrole ou de autorealização. Essa busca aproxima, mais uma vez, os reikianos voluntários do movimento Nova Era, que, dentre suas características, ressalta a importância do “eu superior”, em que o sujeito, por meio de práticas, atividades e tradições diversas procura se “libertar da ‘personalidade externa’ contaminada (‘ego’ e ‘eu inferior’, para usar alguns dos termos mais utilizados pelos seguidores da Nova Era)” (HEELAS, 1996: 18).
os frequentadores não se encontram na feira [da Nova Era] em busca de tradição ou da razão, mas em busca de si mesmos, através das tradições e das culturas que provêm de outras partes e de outras pessoas. Encontram-se em uma busca que se apresenta como um fim em si mesmo, desde que o que se persegue seja uma transformação contínua do self: “alcançar mais aquela sua verdade inesgotável”, “tornar-se melhor”, “começar de novo”, enfim, sentir-se penetrado pelo “pleno potencial de vida” que é o “espírito”. (AMARAL, 2000:142)87
Em termos psicanalíticos é como se o ego conseguisse transpor a barreira narcísica (defesas do ego) e permitisse a emergência e atuação do próprio self – entendendo-o como “centro psíquico”, já que em última instância, ele “ordena e regula nosso relacionamento humano” (VON FRANZ in JUNG, 1993:221). Seriam, então, a influência e a busca por esse self as responsáveis pelas mudanças no comportamento dos reikianos do Núcleo Clara de Assis. Em consequência, eles experimentariam um movimento rumo à alteridade, processo mencionado na descrição dos sujeitos que praticam reiki.
No johrei, o foco não é a autorealização do self, já que eles mesmos defendem a ideia de “não olhar para si depois para o outro”, mas primeiro procurar beneficiar o outro, pois, por meio dessa atitude, conseguirá melhorar a própria vida. Nesse sentido, no johrei, ao contrário do reiki, observa-se um movimento do alter para o ego. A mudança nas relações dos seguidores do johrei não se baseia na busca do aprimoramento do centro psíquico do indivíduo, mas na aceitação de que más ações e maus pensamentos podem gerar problemas, “máculas”, que mais cedo ou mais tarde causarão algum tipo de inconveniente ao sujeito: doenças, perdas financeiras ou conflitos, interpretados como “purificações”.
O que se destaca na relação dos sujeitos com a Igreja Messiânica é a retomada da fé. 87 Ainda dentro do movimento Nova Era, Amaral (1996) identifica esse comportamento como “a busca da individualidade autêntica pelo cultivo e aprimoramento do self – realidade interna ao indivíduo e dotada de vontade e autoridade alheias a qualquer tipo de englobamentos, regras e convenções que lhe são externas” (p.61). Uma “linguagem da self-spirituality” centrada “na existência de uma realidade interior – o ‘verdadeiro eu’ – que é perfeita e fonte natural de tudo o que é bom na vida: o amor, a sabedoria, a iluminação, a criatividade e o poder” (p.57).
Apresentação e Discussão dos Resultados | 99
A procura da Igreja por vezes se deu por causa dos sofrimentos sem explicação que,
pela intensidade da dor, chegava-se a questionar a existência de Deus que não os ajudava. Os
messiânicos procuraram a IMM depois de se decepcionarem com outras religiões: católica,
evangélica, espírita, etc., que não conseguiram apresentar soluções satisfatórias para seus
problemas ou questões.
Seus membros decidiram se converter não apenas pelos resultados obtidos com o
johrei, como também pela sua identificação com os preceitos messiânicos. Incorporaram
concepções como: a influência dos antepassados na vida dos sujeitos; os problemas
(financeiros, doenças e conflitos) como formas de purificação que não se deve “lamuriar” e
aceitaram um messias até então desconhecido fora do âmbito da IMM, que é Meishu-Sama.
Nesse aspecto, os preceitos e rituais messiânicos apresentaram uma “eficácia
simbólica” (LÉVI-STRAUSS: 1985) suficiente para propiciar um mecanismo de reelaboração
dos sofrimentos e dos problemas enfrentados no cotidiano, reforçando a sua fé em “Deus
Supremo” e no “messias Meishu-Sama”.
5.3.3 – Reiki como complementar e Johrei como alternativo
Ambas as técnicas são utilizadas com a promessa ou esperança de cura ou melhora nas
condições de saúde. Em ambos os casos verifica-se a formação de comunidade efêmeras, cuja
existência está circunscrita aos espaços onde se aplica o reiki e se ministra o johrei.
A discussão sobre o conceito de comunidade é extensa (COSTA, 1993; WEBER,
2002; BAUMAN, 2003; DURHAM, 2004). O principal a ser destacado é o papel da
comunidade em contraposição a sociedade. Grosso modo, concebe-se comunidade como
grupo de relações afetivas, pessoais, em que os sujeitos se reúnem em torno de qualidades e
interesses comuns. Já a sociedade é vista como heterogênea, palco de conflitos e interesses,
sendo regulada e organizada por meio de leis e a impessoalidade. Uma não exclui a outra e
ambas podem coexistir na vida dos sujeitos.
Para este trabalho, restringir-nos-emos ao conceito clássico de comunidade,
apresentado por Durham (2004: 225):
• Espaço e interesses comuns;
• Sentimento de pertencimento;
• Participação numa mesma cultura.
Apresentação e Discussão dos Resultados | 100
No que diz respeito ao Núcleo de reiki Clara de Assis e a Igreja Messiânica Mundial
de Ribeirão Preto, esses três aspectos acima mencionados podem ser identificados nos dois
espaços. Tanto reiki como johrei apresentam espaços próprios de reunião de seus adeptos. O
público, de ambas as técnicas, sente-se fazendo parte do grupo – a palavra acolhimento surgiu
nas entrevistas nos dois campos de pesquisa. E, entre reikianos, como entre messiânicos, há o
compartilhamento de uma cultura comum, que seria a crença nas teorias, rituais e símbolos de
cada prática de energização.
A ideia de acolhimento, novos sentidos para seus problemas ou inseguranças – como
doenças que não curam ou ocupar espaços marginais na esfera do trabalho devido a
aposentadoria, desemprego ou trabalho autônomo mal remunerado – e o relacionar-se em um
espaço comum, apresentou-se como estratégias para alcançar segurança também diante da
ameaça do “individualismo, a impessoalidade, a insegurança e a solidão que predominam na
dimensão simbólica da cidade contemporânea” (COSTA, 1993: 323).
A configuração dessas comunidades não significa, como bem nos lembram Durham
(2004: 223) e Weber (2002:73), que esses locais estejam livres de conflitos e coerções;
ocorrem desentendimentos e discussões, contudo, não são suficientes para desestruturar a
vivência comunitária.
Todavia, essas comunidades reikiana e messiânica existem apenas durante o encontro
de seus praticantes nos locais estabelecidos, Núcleo de Reiki e IMMB. Constituem-se, pois,
como comunidades efêmeras. Quando se retiram desses espaços, os laços entre os sujeitos
tornam-se frouxos e dificilmente os vínculos se estendem e adentram nas residências, assim
como ocorre nas “comunidades estéticas” analisadas por Bauman (2003):
Qualquer que seja o foco, a característica comum das comunidades estéticas é a natureza superficial, perfunctória e transitória dos laços que surgem entre seus participantes. Os laços são descartáveis e pouco duradouros. [...] Uma coisa que a comunidade estética definitivamente não faz é tecer entre seus membros uma rede de responsabilidades éticas e, portanto, de compromissos a longo prazo. [...] os laços das comunidades estéticas devem ser “experimentados”, e experimentados no ato – não levados para casa e consumidos na rotina diária. (p. 67-68 – grifo do autor)88
Os praticantes de reiki assemelham-se em muito ao perfil do público dos seguidores da
Nova Era, estudado por Bergeron: 88 Bauman (2003) compara “comunidades estéticas” com “comunidades éticas” que seriam: “em quase tudo o oposto do tipo ‘estético’. Teria que ser tecida de compromissos de longo prazo, de direitos inalienáveis e obrigações inabaláveis [...] E os compromissos que tornariam ética a comunidade seriam do tipo do ‘compartilhamento fraterno’, reafirmando o direito de todos a um seguro comunitário contra os erros e desventuras que são os riscos inseparáveis da vida individual” (p. 68).
Apresentação e Discussão dos Resultados | 101
O novo erista é um excursionista da espiritualidade contemporânea que vai se abastecendo nos diferentes locais e difundindo as ideias e os instrumentos necessários para seu desenvolvimento espiritual (BERGERON, 1994: 52)
O reiki se estrutura sobre um conhecimento fragmentado e, ao mesmo tempo,
agregador, no qual as informações não se excluem, são incorporadas e adaptadas ao
conhecimento e práticas do sujeito.
De natureza essencialmente pragmática, o reiki não se afirma como uma prática de
cura acima de qualquer outra, ao contrário do que fazem as religiões instituídas. Durante
pesquisa de campo, quando algum reikiano reclamou de problemas de saúde, em nenhum
momento afirmou que se trataria apenas com reiki. Logo asseverava que iria procurar ajuda
médica. Se pedisse para receber reiki, era com o intuito de relaxar ou amenizar sintomas como
tontura, dor de cabeça ou no estômago. Além disso, o uso de reiki associado a técnicas de
polaridade, cura prânica, uso de pirâmides, etc, nos indica o caráter complementar da prática
reikiana, onde não se admite, nem defende a superioridade de uma prática curativa que
trabalha a dimensão da “energia” não alcançada por outras práticas terapêuticas. Sem
exclusões ou substituições, mas semelhante às curas religiosas, capaz de manipular senão o
sobrenatural, pelo menos uma sobre-natureza.
Quanto ao johrei, é importante ressaltar que vários messiânicos, inclusive o ministro
da Igreja pesquisada, afirmaram que, se houver necessidade, não recusam o uso de remédios
alopáticos, contudo, conforme observação de campo e depoimentos dos sujeitos, a confiança
no poder da energia johrei os leva a não procurarem diagnóstico médico para seus problemas
de saúde. Problemas como furúnculos, inflamações, resfriados, dengue, dores pelo corpo, falta
de ar, infecção de urina, etc, são vistos como purificações ou, então, manifestações dos
antepassados (mundo espiritual). Sendo assim, apenas o uso de johrei e as práticas
recomendadas pela IMM seriam suficientes para sanar os problemas e sofrimentos.
Localizado no campo religioso, o johrei é impregnado pelo caráter metafísico da religião. Sua
superioridade como prática curativa, reconhecida pelos messiânicos, advém do fato de que
constitui um sacramento religioso e atua não somente na esfera da natureza, energizando,
como também do sobrenatural.
Mesmo sabendo da existência da técnica reiki e do passe espírita, os messiânicos não
demonstraram interesse em aprofundar seus conhecimentos sobre essas práticas. Apenas uma
messiânica afirmou que tentou se “desenvolver” em centro espírita para aplicar passes, porém,
como não conseguia dar passes, acabou sentindo-se frustrada. Quando descobriu o johrei,
acreditou que era uma possibilidade de ajudar as pessoas, “não precisava ter dom nenhum...
Apresentação e Discussão dos Resultados | 102
me realizei”, e deixou de frequentar centros espíritas. Grande parte dos messiânicos afirmou
ignorar outros tipos de técnicas de energização e até demonstrou certo orgulho pela
“superioridade” do johrei: “ela é reikiana, mas melhorou com o johrei” (relato do caso de uma
reikiana que procurou os messiânicos para receber o johrei).
Certamente, podemos considerar o johrei como uma forma de terapia alternativa, uma
prática de cura de natureza religiosa, em que há a exclusão ou a substituição de outras técnicas
terapêuticas e até mesmo da medicina convencional e seus tratamentos.
A doutrina messiânica não proíbe que seus membros frequentem outras religiões nem
prega que abandonem suas crenças anteriores, identificando-se como ecumênica. Caso
alguém os convide para participar de algum culto ou missa, não recusam. Contudo, muitos
dos seus membros não procuram outras religiões, mesmo tendo antes peregrinado pelo
catolicismo, espiritismo, igrejas evangélicas, etc. Apenas dois membros afirmaram que, além
dos ensinamentos messiânicos, estudam os princípios da seichi-no-ie e lhes agrada a ideia de
gratidão difundida pela doutrina.
A satisfação com a religião messiânica e com o johrei justifica o desinteresse por
outras técnicas de energização e a preferência por leituras de obras da IMM (revista Izunome,
livros de ensinamentos como Alicerce do Paraíso – vários volumes –, ou sobre a vida do
fundador Meishu-Sama).
Considerações Finais | 103
6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mesmo sendo consideradas práticas de energização semelhantes, já que em essência
ambas são formas de transmissão de energia pelas mãos, “a cura pelas mãos”, reiki e johrei
trazem em seu seio visões de mundo, teorias e símbolos que as tornam distintas uma da outra.
O reiki, de caráter complementar, permite a seus praticantes a experimentação de
novas técnicas terapêuticas, novos símbolos, teorias e religiosidades. O público, adepto do
reiki, praticantes e frequentadores do Núcleo, trouxe em seus relatos essa receptividade em
relação a mistura de técnicas e teorias. Contanto que um dos motivos alegados para a escolha
do reiki como técnica dominante – além dos benefícios adquiridos com a energia – foi sua
praticidade, e o fato de o sujeito não ter de fazer grandes mudanças em sua vida para praticá-
lo: “não precisava mudar de religião, não precisava mudar de marido, de igreja, nada” (mestre
reikiana – 63 anos).
O johrei, por sua vez, atende a necessidade de retomada de fé de seus praticantes.
Muitos dos messiânicos entrevistados não demonstraram interesse em aprender ou utilizar
outras técnicas de energização ou filosofias desde que encontraram a IMM e seus princípios.
Deram-se por satisfeitos e cessaram sua peregrinação religiosa. O conhecimento na área da
espiritualidade e religiosidade se adquire predominantemente através dos ensinamentos de
Meishu-Sama. Leituras extras, que não sejam da IMM, são de obras cujo teor coincide com a
doutrina messiânica.
Quem acredita no johrei dificilmente sente a necessidade de procurar outras
técnicas/terapias de energização. Quem acredita em reiki não se contenta somente com as
explicações e práticas messiânicas.
Retomando os objetivos específicos apresentados no início deste trabalho, o último
item tratava-se de verificar a possibilidade de emergência de uma nova “identidade holística”
entre os praticantes das duas técnicas de energização, reiki e johrei.
No caso dos grupos estudados, Núcleo de reiki Clara de Assis e Igreja Messiânica
Mundial de Ribeirão Preto, é possível afirmar a existência dessa “identidade holística” entre
os sujeitos pesquisados, no momento em que essas técnicas forneceram elementos simbólicos
de significação e interpretação para as suas vivências e sofrimentos, modificando, desse
Considerações Finais | 104
forma, suas visões de mundo e relações sociais89. Não se trata de uma identidade estruturada,
coerente e fixa, mas sim uma identidade fluida, permeável e em construção permanente, que é
vivida e reafirmada especialmente quando esses sujeitos se reúnem nos espaços dedicados às
suas práticas de cura, quais sejam: o Núcleo de Reiki e a Igreja Messiânica.
E mais do que isso: esses espaços podem ser entendidos como comunidades pelos
sujeitos da pesquisa. No que diz respeito à vivência do Núcleo de Reiki Clara de Assis e à
Igreja Messiânica Mundial de Ribeirão Preto, ela se define como comunitária, por configurar
espaço e interesse comuns, sentido de pertencimento, participação num mesmo contexto
cultural .
Independente de sua efemeridade ou não, o importante a ser ressaltado nessas
comunidades é a sua capacidade de reavivar a crença na magia e nas explicações
transcendentais para o vivido. Fato que nos leva a conceitua-las como “comunidades de
encantamento”.
Weber, em vários de seus estudos (1982, 1997, 2005) apontou para o fato de que a
crescente racionalização e progresso da ciência desencadearam um “desencantamento do
mundo”. Nesse aspecto, segundo Pierucci (2003) - profundo conhecedor da obra weberiana,
existem dois significados - para esse termo, de uso “simultâneo não sucessivo nem muito
menos evolutivo” (p. 216); um relaciona-se ao desencantamento do mundo pela religião –
desencadeado pela exclusão dos meios mágicos de salvação no campo religioso e crescente
ascetismo intramundano90 – e o outro, o desencantamento do mundo gerado pela ciência. Nas
palavras de Weber (1982):
A crescente intelectualização e racionalização não indicam, portanto, um conhecimento maior e geral das condições sob as quais vivemos. Significa mais alguma coisa, ou seja, o conhecimento ou crença em que, se quiséssemos, poderíamos ter esse conhecimento a qualquer momento. Significa principalmente, portanto, que não há forças misteriosas incalculáveis, mas que podemos, em princípio, dominar todas as coisas pelo cálculo. Isto significa que o mundo foi desencantado. (p.165 – grifo do autor)
Além do processo de desmagificação, o desencantamento do mundo pela ciência
contribuiu para uma crescente “perda de sentido”, nas palavras de Pierucci: 89 De maneira semelhante ao “imaginário holístico” da Nova Era. “O ‘imaginário holístico’ oferece, através das experiências Nova Era de cura, o contexto de significados últimos para a vida humana, enfatizando a interdependência entre as dimensões física, espiritual e material da vida humana e a relação de todos os seres entre si e com o universo, oferecendo aos seres humanos apenas duas alternativas: criar o conflito ou a harmonia entre essas múltiplas dimensões” (AMARAL, 1996: 59). 90 Pierucci (2003) define “ascese intramundana” como “domínio metódico ‘desperto’ da própria conduta de vida” (p.99) e “rejeição da magia como um dos seus componentes básicos” (p.97).
Considerações Finais | 105
Uma vez que o que a ciência visa com sua racionalidade formal referente a fins [Zweckrationalität] é o domínio técnico do mundo natural pela tecnologia, opondo com isso aguerrida aversão e resistência à expansão, no cotidiano, da racionalidade substantiva com relação a valores [Wertrationlaität], perde seu chão a pertinência mesma da questão do sentido, pois dele, no fim das contas, a ciência que preza seu nome não tem mesmo nada a dizer [...] (PIERUCCI, 2003: 152)
Perda de sentido que dificulta a compreensão dos sofrimentos, problemas do cotidiano
e questões existenciais. Neste aspecto, tanto o reiki como o johrei foram capazes de fornecer
elementos teóricos e simbólicos para conferir novos sentidos às vidas de seus praticantes.
Somado a isso, tanto o reiki como o johrei reavivaram, em seus adeptos, a crença no
poder da magia e em sua capacidade de curar ou resolver seus problemas. O Núcleo de reiki
como a IMMB de Ribeirão Preto apenas forneceram subsídios para que essa crença, em um
mundo encantado, se manifestasse como coletividade, como comunidades de encantamento,
em que “orientação mútua de sua ação reciprocamente referida” (WEBER, 2002: 74) permite-
se ser pautada, permeada e modificada pela noção de magia e forças “misteriosas” que
escapam à plena compreensão humana.
Não se utiliza o termo “reencantamento”91, porque a ideia não é que a magia tivesse
sido extinta e agora ela ressurgisse.
Não se trata de um retorno de algo que havia morrido, nem de um reencantamento do mundo. Onde há retorno ou reencantamento, nunca houve total desencantamento [...] (BURITY, 2001: 40)
A magia nunca deixou de existir, encontrava-se apenas em estado latente em cada
individualidade. O “jardim encantado” continua preservado, apenas se esconde da
racionalidade vigilante, estando presente em movimentos como o da Nova Era, ou disfarçado
em rituais religiosos ou, ainda, manifestando-se nos lampejos dessas comunidades efêmeras.
91 Pierucci (2003) afirma que o reencantamento do mundo não se daria por meio do “retorno ao sagrado”, ou à esfera religiosa, mas, sim, por meio da esfera erótica, o amor sexual, “a potência mais irracional da vida” (p. 221)
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Apêndices | 117
APÊNDICES APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Prezado Sr(a).
Eu, Marcela Jussara Miwa, sou aluna do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem
Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da USP – Ribeirão Preto. Estou desenvolvendo a
pesquisa intitulada Com o poder nas mãos – um estudo sobre Johrei e Reiki, que tem como
principal objetivo: compreender as visões de mundo associadas a cada técnica e entender
como elas afetam/modificam as vidas de seus praticantes. Para isto, peço a sua colaboração,
permitindo que o(a) acompanhe nas situações que envolvam a preparação e o exercício das
suas práticas de cura, entreviste e grave a sua entrevista.
Garanto que as informações e opiniões emitidas pelo senhor(a) não lhe causarão
nenhum dano, risco ou prejuízo. Garanto a preservação da sua privacidade, assegurando que
suas informações e opiniões serão tratadas anonimamente. Esclareço que a sua participação na
pesquisa não lhe acarretará nenhuma despesa e que o senhor(a) poderá retirar esse
consentimento em qualquer momento, caso não seja do seu interesse continuar participando
da pesquisa.
Agradeço a sua colaboração e coloco-me à disposição para qualquer informação que
considerar necessária.
Atenciosamente,
_____________________________________
Marcela Jussara Miwa
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP
Tel.: (16) 88242963
Eu, _____________________________________________________________, aceito
participar da pesquisa Com o poder nas mãos – um estudo sobre Johrei e Reiki, realizada em
data e local marcados antecipadamente, e estou ciente de que a entrevista será gravada em fita
cassete, seus resultados serão tratados sigilosamente e de que, caso queira desistir de
participar da investigação, tenho liberdade de retirar esse consentimento, sem qualquer
prejuízo para mim.
_____________________,_____de _____________________________ de 20_____.
_____________________________________________________
Assinatura
Apêndices | 118
APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Informado para uso de imagem
Prezado Sr(a).
Eu, Marcela Jussara Miwa, sou aluna do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem
Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da USP – Ribeirão Preto. Estou desenvolvendo a
pesquisa intitulada Com o poder nas mãos – um estudo sobre Johrei e Reiki, que tem como
principal objetivo: compreender as visões de mundo associadas a cada técnica e entender
como elas afetam/modificam as vidas de seus praticantes. Para isto, peço a sua colaboração,
permitindo que o(a) acompanhe nas situações que envolvam a preparação e o exercício das
suas práticas de cura, fotografe e utilize as imagens em minha pesquisa.
Garanto que as e imagens registradas não lhe causarão nenhum dano, risco ou
prejuízo. Garanto a preservação da sua privacidade, assegurando que suas informações e
imagens serão tratadas anonimamente. Esclareço que a sua participação na pesquisa não lhe
acarretará nenhuma despesa e que o senhor(a) poderá retirar esse consentimento em qualquer
momento, caso não seja do seu interesse continuar participando da pesquisa. Uma cópia do
TCLI assinada por mim ficará com o Sr(a) e outra cópia ficará comigo.
Agradeço a sua colaboração e coloco-me à disposição para qualquer informação que
considerar necessária.
Atenciosamente,
_____________________________________
Marcela Jussara Miwa
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP
Tel.: (16) 88242963
Eu, _____________________________________________________________, aceito
participar da pesquisa Com o poder nas mãos – um estudo sobre Johrei e Reiki, realizada em
data e local marcados antecipadamente, e estou ciente de que as imagens, fotografas com
câmera digital, serão utilizadas na pesquisa e de que, caso queira desistir de participar da
investigação, tenho liberdade de retirar esse consentimento, sem qualquer prejuízo para mim.
_____________________,_____de _____________________________ de 20_____.
_____________________________________________________
Assinatura
Apêndices | 119
APÊNDICE C – Instrumento para coleta de dados – roteiro de entrevista
1. Nome? Idade?
2. Grau de escolaridade?
3. Profissão?
4. Quando e como conheceu a técnica (reiki ou johrei)?
5. Qual o principal motivo para aderir a essa técnica?
6. Quais são os aspectos principais (tipo de energia, símbolos, rituais)?
7. Com que freqüência pratica/recebe esse tratamento por energização?
8. Percebeu mudanças significativas em sua vida devido a essa prática de cura?
9. Seu comportamento mudou muito depois que aderiu a essa prática?
10. Outras pessoas perceberam mudanças em você?
11. Conhece outras técnicas de cura alternativa/complementar?
12. Por que escolheu essa prática e não outra, como por exemplo, toque terapêutico ou
cura prânica que também trabalham com energização?
13. O que mais agrada ou desagrada em relação aos praticantes dessa técnica
(reiki/johrei)?
14. Sente-se satisfeito com a sua vida?
Anexos | 120
ANEXOS ANEXO A – Aprovação do Comitê de Ética EERP – USP
Anexos | 121
ANEXO B – Aprovação do Comitê de Ética EERP – USP
Alterações no campo de pesquisa e orientadora
Anexos | 122
ANEXO C – Amatsu- Norito
Taka amahara ni kan zumari massu
Kamurogui Kamuromi no Mikoto motite
Sume mi oya Kamu Izanagui no Mikoto
Tsukoshi no himuka no tati hana no odo no ahagui hara ni
Missogui harai tamou toki ni nari masseru
Haraido no Oomikami tati
Moro moro no maga goto tsumi kegare o
Harai tame kiyome tamae to maossou koto no yoshi o
Amatsu Kami Kunitsu Kami Yao yorizu no Kami tati tomo ni
Ame no futikoma no mimi furi tatete kikoshi messe to
Kashikomi kashikomi mo maossu.
MIROKU OOMIKAMI
mamori tamae saki haê tamae
MIROKU OOMIKAMI
Mamori tamae saki haê tamae
OSHIE-MI-OYA-NUSHI-NO-KAMI
mamori tamae saki haê tamae
OSHIE-MI-OYA-NUSHI-NO-KAMI
mamori tamae saki haê tamae
Pausa para oração silenciosa
Kan nagara tamati haê massê
Kan nagara tamati haê massê.
Anexos | 123
ANEXO D – Oração dos messiânicos
Ó supremo Deus, Criador e Doador de toda vida!
Pela Vossa Divina Vontade,
A longa Era da Noite aproxima-se do seu fim.
Estais liberando Vossa Luz
Para a chegada da gloriosa Nova Era,
A que a humanidade há muito vem aspirando.
Agradecemos por nos guiar ao Vosso Plano.
Agradecemos o privilégio de receber e ministrar a Vossa Luz.
Sejam o nosso espírito e corpo
Iluminados e purificados
E que possamos viver a Verdade que nos concedestes
Por intermédio de Meishu-sama.
Fazei-nos puros e poderosos veículos da Vossa Luz,
Abençoando aqueles com quem estivermos.
Possa o Vosso Plano ser concretizado,
E que a paz, a saúde e a prosperidade
E tornem realidade.
Grandioso Deus da Luz!
Abençoai-nos e protegei-nos,
Dando expansão radiante às nossas almas.
Assim seja.