6
INTRODUÇÃO
7
As artes de vanguarda são constantemente alvo de
estranhamento e críticas. Nem sempre são acolhidas, permitindo que
genialidades passem incompreendidas, discriminadas ou simplesmente
ignoradas.
Grande parte dessa apatia se deve hoje à uma relativação do
conceito do que vem a ser arte aliada à natureza desbravadora e
experimental das artes, natureza essa que, a meu ver, acentuou-se a partir
do Renascimento.
O século XX foi palco de inúmeras transformações em escala
global. Dentre elas estão os avanços tecnológicos e das comunicações.
Estes tiveram especial influência nas concepções artísticas e, a meu ver,
constituem uma forte coluna onde se apóia também a Arte Contemporânea.
Apesar da prática artística ser uma referência incontestável na
evolução humana, atualmente ela não se encaixa como algo essencial, longe
disso, é, depois de todas as ciências e atividades, a mais marginalizada e
desconsiderada. Exemplo disso é que apenas agora ela foi reconhecida
como disciplina obrigatória nas escolas brasileiras que, todavia, ainda a
encaram como um passatempo ou distração para os alunos.
Apesar dos esforços para definir conteúdos, metodologias e
formas de abordagem, as aulas de arte ainda estão longe de serem uma
realidade nas escolas, também em virtude da falta de profissionais
capacitados para lecionar.
Olhando para a prática em sala de aula na disciplina de artes
visuais, ainda encontramos um formato antiquado e conteúdos
desconectados da realidade. Isso contribui para aulas cada vez mais focadas
na transmissão de técnicas, na tentativa de torná-las mais atraentes.
Ao abordar a Arte Contemporânea nesta prática, procurei
aproximar a disciplina de arte da realidade de seus alunos, tornando-a mais
coerente. Contudo, diferentemente dela, uso a Arte Contemporânea como
ponto de partida para todo e qualquer mergulho nesse universo. A meu ver,
8
isso dá mais consciência e segurança para estabelecer relações com
obras de épocas e contextos diferentes.
A didática empregada apoiou-se principalmente na abordagem
proposta pela Cultura Visual, norteada por um tema gerador e perguntas
essenciais as quais não tive a pretensão de responder, e sim de usá-las para
problematizar os temas. Tal abordagem foi escolhida principalmente por
aparentar um maior compromisso com a consciência durante o processo de
aprendizagem, exigir uma postura menos egocêntrica por parte do educador
e buscar promover uma união mais harmoniosa entre a arte, a estética e o
ato de criar.
A temática escolhida estava inserida na realidade dos alunos,
situadas socialmente na classe média, com idade entre 16 e 19 anos, da
primeira série do ensino médio até o ensino superior, todos tinham
computadores pessoais em casa e passavam em media 4 horas por dia
diante do mesmo, aprendiam e se relacionavam através da internet.
9
CAPÍTULO I
ARTE CONTEMPORÂNEA E REALIDADE VIRTUAL
10
1. A arte contemporânea
Cauquelin1 se apropria do termo “embreante”2, definido pelo
lingüista Jackobson3, para caracterizar figuras singulares que, segundo a
autora, desempenham uma dupla função, desarmonizando ao mesmo tempo
em que anunciam uma nova realidade. Mesmo enviando suas mensagens,
teóricas ou práticas, em um tempo que os torna modernos, são, hoje, tão
referenciados, que, acabam por se tornarem os “embreantes” de um outro
regime que a autora diz ser a arte contemporânea.
A importância dessa definição se dá enquanto as mensagens
desses personagens são ouvidas no presente e se situam dentro da esfera da
atualidade, respondendo aos axiomas-chave do regime de consumo, o qual
estamos inseridos.
Marcel Duchamp, Andy Warhol e o marchand-galerista-
colecionador Leo Castelli, figuras escolhidas por Cauquelin, terão suas
proposições e sistemas sitados aqui apenas enquanto fundamentam a
atividade da prática proposta.
1.1. O que diziam e faziam os embreantes
Duchamp desassocia arte e estética. Atribui a esta o valor da
obra em si e àquela uma esfera de atividades entre outras sem um conteúdo
particular preciso. Assim, produtores, intermediários e consumidores de
arte não tem mais papeis definidos e o percurso da obra torna-se circular em
vez de linear.
1 CAUQUELIN, Anne. Arte Contemporânea: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 2 “...classe de palavras cujo sentido varia de acordo com a situação; como tais palavras não têm referencia própria na língua, só recebem um referente quando estão incluídas numa mensagem.” DICIONÁRIO DE LINGUISTICA. São Paulo: Cultrix, 1997-98. 3 Roman Jakobson, Essais de linguistique générale (Le Seuil, 1963) – nota da autora (CAUQUELIN, Anne. Arte Contemporânea: uma introdução. Pág. 88).
11
A figura romântica do “artista” é abandonada, assim como
os movimentos de vanguarda enquanto a esfera das artes não está mais em
conflito com as demais atividades, mas, integra-se a elas.
A arte, sendo um sistema de signos entre outros, constitui uma
linguagem. Logo, ela é pensada e não emotiva, fazendo parte dela o
observador e o observado.
Tais definições entravam em conflito com o regime modernista e
não foram admitidas de início, apenas percebidos enquanto suas obras
deixavam clara a existência de uma esfera diferente da estética, a esfera da
arte. Adota o signo e abandona a estética passando a reconhecer o
continente espacial como o grande delegador do valor artístico à obra e o
artista como aquele que savoir-faire, sabe fazer, sabe escolher e essa
escolha indica o estado da arte e é fruto do acaso, que Duchamp chamará de
acaso em conserva. É com essa visão que irá submeter ao continente, após
uma passagem por diversas escolas estéticas de sua época, seu primeiro
signo de ruptura roda de bicicleta e, 5 anos depois, fonte. Ambas dão início
ao seu conceito de ready-made. A primeira por iniciar e a segunda por
demonstrar com ironia a força do continente, pois ele a submete ao Salão
dos Independentes em Nova York com o pseudônimo R. Mutt, e é ele
mesmo um dos jurados que reprova a obra.
É importante aqui esclarecer que Duchamp não se opões à
estética. O que ocorre é uma mudança de domínio onde a arte não é mais
uma questão de formas, cores, visões, interpretações da realidade, maneira
ou estilo, mas de continente, do espaço em que está inserido.
Seus ready-made, enquanto desvelavam a estética da arte, fazia
enxergar aos que tinham olhos para ver e logo um outro artista, para
desespero daqueles que pensavam como Walter Benjamin4, surge
acrescentando a idéia da reprodutibilidade dos signos, diluindo ainda mais
aura artística que nos fala Bejamin: Andy Warhol com seus remades.
4 Walter Benjamin, “Loeuvre d´art à l´ère de sa reproductibilité technique”, em CEuvres, II: Poésie et révolution (Denoel, 1971).
12
Warhol chega a dizer, apesar de buscar ser uma celebridade,
que seria ótimo que mais artistas trabalhassem com o grafismo, pois, assim,
seus trabalhos seriam indistinguíveis dos demais tornando-os todos seus.
O terceiro embreante foi o marchand-galerista-colecionador Leo
Castelli. O foi de diversos artistas, dentre eles Warhol e Duchamp.
Revoluciona o mercado das artes por entender o funcionamento dos
continentes e seus elementos. Castelli falava 6 idiomas e mantinha contato
com diversos museus e galerias do mundo, assim como com críticos,
colecionadores e outros marchans. Era um articulador que aplicava as leis
de um mercado baseado no consumo na valoração e comercialização das
obras.
1.2. Os artistas envolvidos
Em todos os artistas escolhidos para as aulas desta disciplina,
percebe-se em suas obras e produções, um ou mais aspectos levantados com
Cauquelin a respeito dos embreantes: Nam June Paik em suas performances
televisivas, Kaith Haring com o grafite, Jenny Holzer e sua exploração da
palavra, Peter Callesen e seus papéis, e os próprios Duchamp e Warhol.
Uma arte que costuma dialogar com a arte contemporânea é a
arte Naif, sustenta o Prof. Robson Xavier5. Acreditando na riqueza desse
diálogo foi convidada a artista Naif Analice Uchôa. Percebo que esta
relação pode estar na coerência espaço-temporal da obra e forma de
retratação que, no caso específico da artista convidada, é objetiva, enxuta,
se dando quase através de signos puros.
Obras significativas de minha autoria e da artista plástica,
bailarina e atriz Débora Zambon, deverão ser usadas apenas enquanto
permitem uma construção coerente e significativa aos alunos rumo a um
entendimento mais amplo do que vem a ser a arte contemporânea, em que
se apóia e como se estrutura.
5 Professor e Orientador deste trabalho.
13
1.3. Realidade virtual
“Todos os homens se falarão, compreenderão seus idiomas e
quase se tocarão, mesmo estando uns num hemisfério e outros em outro”,
assim definiu Leonardo da Vinci6 o nosso tempo.
O fenômeno da Internet vem mudando radicalmente os
hábitos da sociedade e acredito que muito ela ainda nos reserva mais
surpresas. Os hipertextos, chats, blogs, msn, orkut, skype, e-mail, bancos
on-line, compras on-line, namoros on-line, sexo on-line e uma das ultimas
novidades um mundo virtual onde o usuário cria uma versão nova e
melhorada de si mesmo, podendo realizar todas as opções anteriores sem
sair desse mundo, podendo voar e ainda se transformar em praticamente
qualquer coisa que queira, ter tudo que não dispõe no mundo real. Esse
mundo, aliado com a riquíssima criatividade imaginativa das crianças e o
fato delas estarem aprendendo a usar o computador antes mesmo de
aprenderem a escrever, é, sem sombra de dúvida, uma situação que requer
atenção por parte da sociedade.
Notícias recentes revelam que um novo perfil de pacientes
surgiu e vem aumentando a procura por psicólogos: os infomaníacos.
Pessoas que não conseguem viver sem o computador, internet ou jogos
eletrônicos. Foi pensando nessa conjuntura que escolhi o tema envolvendo
a realidade virtual e sua influência na vida cotidiana dos adolescentes.
Assim, o tema acaba por se dividir em três sub-temas: realidade e
virtualidade, cotidiano virtual e identidade virtual.
*
Cada vez mais escutamos notícias de novos entretenimentos
tecnológicos. O que não é dito tantas vezes é que o público alvo de suas
6 Leonardo da Vinci (1452-1519).
14
campanhas publicitárias são as crianças e jovens. Isto porque estão
mais abertas às novidades e são facilmente seduzidas.
Quando o rádio e a televisão invadiram as casas, houve quem
dissesse que eles passaram a fazer parte das famílias, e dentro delas agiriam
como verdadeiros ditadores. De certa forma, não é através deles que gostos
são difundidos, valores são criados e desejos são pregados? O poder desses
formas de comunicação unilaterias não são mais questionadas e seus
poderes também não são mais escondidos. Contudo, estamos com certeza
mais acostumados com elas e isso não implica em uma certa passividade?
Apesar do adjetivo virtual se aplicar à televisão, não é a ela que
os jovens de hoje se remetem quando a falamos. Para os jovens, em
particular de 14 a 19 anos, a televisão não constitui um ambiente virtual,
mas completamente real e naturalmente integrado às suas vidas. Não
representa uma ameaça nem tampouco uma aliada. A televisão é uma fonte
de entretenimento, estudo, descobertas, diversão, etc, uma recurso, um
instrumento a ser usado segundo suas escolhas.
Mas, e o computador? Encarado como um instrumento que nos
fornece informações infinitas, comunicação e interação em tempo real?
Quanto um ambiente como esses pode absorver um indivíduo.
Na década de 80 eram conhecidos como nerds, pois passavam
horas diante de um computador e juntos falavam uma linguagem quase em
código. Por vezes me pego usando um vocabulário permeado de siglas e
gírias típicas da Internet. E é para ela que aponto os holofotes neste
trabalho. Como os jovens a vêem em suas vidas. Quanto tempo dedicam a
ela? Quanto estão alertas e conscientes para suas interferências? O que nela
os seduz tanto, e o que não é legal? Todas essas perguntas serão feitas sem
a intenção de respondê-las, mas apenas de torná-los mais conscientes das
escolhas que fazem quando trocam um dever-de-casa ou uma saída com
amigos por horas jogando computador.
O filósofo Pierre Lêvy não acredita que um dia viveremos numa
total virtualidade, imersos em imagens, vivendo uma vida simulada, diz-nos
15
que sempre haverá a realidade e a consciência que nela vivemos. Mas o
que pensam os jovens sobre essas questões? Percebem que parte do seu
cotidiano é vivido dentro desse mundo virtual e que neles tem uma
identidade e comportamento diferentes do real? Têm noção do quanto são
influenciados por esse mundo e das escolhas que fazem? Essa é a questão
central desse trabalho, a poética que é compartilhada e traduzida através da
expressão artística consciente.
16
CAPÍTULO II
17
2. Aprender sobre arte: um exercício de liberdade
Durante este último semestre no curso, deparei-me com diversas
abordagens quanto a forma de ensinar artes. Não acredito, contudo, que a
arte possa ser ensinada. Arte é, a meu ver, algo com que já nascemos.
Arte é essencialmente o ato de criar. As técnicas são apenas
formas através das quais podemos criar.
Arte é também linguagem. O educador transmite os códigos, os
signos e símbolos mais usuais dessa língua que é falada através de áreas tão
profundas que muitas vezes nem percebemos que estamos falando, como
estamos falando, o que estamos falando ou o que escutamos.
Minha prática artística está orientada por uma profunda
consciência de que a arte é um exercício humano de liberdade de escolha.
Essas escolhas e a busca de uma consciência das influências
daquilo que vemos sobre nos mesmos, aproximaram-me da Cultura Visual.
A problematização da imagem buscando despertar um olhar mais critico,
menos passivo, fizeram-me adotar essa abordagem como orientadora na
minha prática.
As fontes foram as discussões em sala de aula com meu
professor e orientador da prática, alem de contatos com outros profissionais
que estão ou passaram pela orientação do criador dessa abordagem:
Fernando Hernadez.
Contudo, a influência maior nesse trabalho é da própria arte e
suas questões atuais. Lygia Clarck e Marcel Duchamp tem maior
responsabilidade com a minha preocupação com a poética pessoa, o
aprendizado processual, a importância de criar uma relação intima consigo
mesmo, a busca de uma consciência maior, o não aprisionamento da
capacidade criadora por técnicas.
18
Essas questões já constituíam preocupações em minhas
incursões clandestinas como professor de arte em escolas do ensino
fundamental. Mas, encontraram a segurança após este último semestre.
A meu ver, o professor deve funcionar como um farol, dando a
cada aluno a consciência de que tem um barco e remos à disposição.
Navegar ou não é uma escolha que compete exclusivamente ao aluno.
Quando este se sentir seguro, sairá do porto e se aveturará confiando na luz
que o guia.
Ao professor cabe estar preparado, conhecer bem o mar à sua
volta e os diversos caminhos, por onde e como se pode chegar. Isso lhe dará
segurança para orientar em meio a neblina mais espessa.
Não cabe ao professor responder perguntas, mas despertá-las e
alimentá-las até que o aluno se lance à possibilidade da descoberta por si só.
Expressar nas aulas de arte é fundamental, talvez a forma mais
eficiente de avaliar um aluno seja através da expressão. O professor deve
estar atento à forma de cada aluno. Sem tentar igualar o grupo, explorando,
valorizando e desenvolvendo o potencial individual, a diferença, inserindo-
a no grupo de forma a este perceber que ser torna mais inteiro e completo
pela diversidade.
A tudo o professor deve estar atento não com o intuito de
controlar os processos individuais, mas de perceber as nuances de
aprendizagem. Assim o diálogo, elemento fundamental nas aulas, torna-se
mais eficiente e preciso.
19
CAPÍTULO III
Relato de Experiência
20
As 20 horas de aulas foram ministradas na AD´OR – Centro
de Estudos da KaBaLaH, no período de 10 a 21 de novembro de 2006.
Utilizo a arte contemporânea como ponto de partida para discutir
a realidade virtual e suas influências no cotidiano e identidades dos alunos.
Dessa forma, proponho a construção de uma poética do grupo, respeitando
e incentivando a co-autoria de idéias e obras.
O aprendizado na arte é processual. Por assim entender, a
criatividade, a capacidade de inventar, adaptar e sintetizar são elementos
observados e provocados de forma a por o aluno conscientemente diante de
suas próprias dificuldades e da possibilidade de superá-las.
A construção de um novo olhar sobre a arte contemporânea é
feita individualmente, sem a intenção de impor uma estética ou forma de
arte.
3. Primeiro Encontro – 10 de novembro de 2006
A primeira aula ocorreu no dia 10 de novembro de 2006, uma
sexta-feira, após a aula semanal do grupo. Eu não sabia ainda se o grupo me
aceitaria, o que me deixou um pouco ansioso em relação a forma que usaria
para explanar o assunto e as atividades, eu teria que, em alguns minutos,
seduzi-los e convencê-los a embarcar numa aventura através do mundo da
arte contemporânea.
De alguma forma, vi-me numa situação que, a princípio, causou-
me um certo incômodo, pois uma turma não me seria “dada” como ocorre
nas escolas tradicionais. Nesse caso, os alunos tinham a livre escolha de
aceitar ou não ter aulas sobre aquele assunto e a mim a oportunidade e
responsabilidade de demonstrar o quanto ele poderia ser interessante.
Assim, preparei-me para aquele primeiro encontro como quem
se prepara para expor uma campanha publicitária inovadora a clientes
tradicionalistas. Preocupei-me em sondar o que poderia instigá-los a querer
21
saber sobre arte contemporânea numa época em que todos enfrentam
processos de seleção para universidade.
Era para ser apenas um instante de explanação, quando fui
chamado, ao término do encontro, para propor meu convite ao grupo,
porém, após minha fala empolgada, houve um princípio de discussão a
respeito de como seriam as aulas, o que seria feito, etc. A coordenadora do
grupo perguntou se eles gostariam de ter as aulas e se elas não interfeririam
nos estudos para o vestibular e nas demais atividades. Para minha
felicidade, o grupo aceitou a proposta e pudemos combinar os dias e
horários e, para minha surpresa, o primeiro encontro seria no domingo
seguinte, iniciando às 14 horas e indo até às 21 horas. Surpreendi-me com o
intervalo de tempo e com a disposição por 7 horas de aula sobre um assunto
que desconheciam a menos de 20 minutos. A surpresa foi superada apenas
pela disposição em iniciar de imediato a aula, para qual estava preparado.
Aceitei a proposta e, após marcarmos outros dois encontros, dei início a
uma etapa de sondagem.
Meu maior objetivo nesse primeiro momento era ser capaz de
identificar o perfil dos alunos para adaptar os planos de aula, de forma a
tornar aqueles momentos que teríamos mais significativos e coerentes.
Sabia que o objetivo maior era desbravar o universo da arte com
foco na arte contemporânea. Antes, porém, teria que conduzi-los a perceber
a existência de uma linguagem própria da arte antes de entrar em seu
universo. Assim, a pertinente temática escolhida, era algo imensamente
significativo para eles e de fundamental importância para exploração dos
signos dentro da esfera da arte.
Algumas perguntas foram feitas e sempre geraram discussões e
trocas entre eles, dentre elas: Todos vocês tem computador em casa? Que
atividades vocês realizam diante deles? Que atividades vocês gostam de
realizar? Quanto tempo vocês dedicam a ele? Vocês já deixaram de fazer
algo para estar diante do computador realizando as atividades que gostam?
22
Como se sentiram? Quem são vocês na internet? Em que vocês na
realidade são diferentes de vocês na internet?
Outras questões surgiram, havendo quem revelasse uma certa
culpa por gostarem tanto de jogos e programas. Preocupava-me em dizer
que não estávamos discutindo as escolhas de cada um, e que o objetivo era
principalmente ter mais consciência do quanto o computador e seus
atrativos influenciam nossas vidas. Assim, não precisaríamos nos sentir
culpados quando escolhemos jogar em vez de sair com amigos ou vice-
versa.
A arte tem esse poder de penetração e percebi a importância de
estar atento para que a aula não se transformasse numa terapia em grupo,
pois não era esse o objetivo do encontro. Esforcei-me para manter o foco na
arte norteando cada discussão e atividade.
Havia conhecido o trabalho de Peter Callesen sobre o papel A4,
o que me deixou muito impressionado e feliz com a alternativa de trabalho
sobre esse suporte tão tradicional nas escolas. Apesar da apurada técnica
que Callesen emprega, a possibilidade da mudança do olhar sobre esse
suporte por parte dos alunos me fez empregar o A4 em três momentos
durante a prática.
Nesse primeiro encontro, ao final das discussões provocadas
pelas perguntas-chave, distribui papéis A4 e pedi que traçassem uma linha
horizontal dividindo o papel em duas partes iguais e outra linha vertical
dividindo a parte inferior. Assim, na parte superior pedi que desenhassem
uma casa, na parte inferior esquerda, uma profissão e na parte inferior
direita um objeto. O objetivo dessa atividade era utilizar tradicionalmente o
papel A4, com um tema fixo, porém significativo, pessoal.
Os trabalhos foram realizados e através deles pude identificar
algumas características estéticas e limitações individuais.
Pedi que falassem sobre o que desenharam e como esperava, eles
foram sucintos, limitando-se, em sua maioria, a responder que se tratava de
uma casa, a profissão e um objeto. Apenas o objeto representou uma certa
23
dificuldade pois tiveram que escolher. A maioria deles, contudo, estava
ligada à profissão escolhida.
O envolvimento emocional com os desenhos pareceu ser um
crescente: a casa a qual eles ainda não podem escolher, pois vivem com os
pais; a profissão a qual estão escolhendo, submetendo-se a provas de
vestibulares; o objeto o qual tem que escolher frente a todo o leque de
possibilidades, símbolos daquilo que desejam para si ou com significados
mais inconscientes.
A aula começara às 20 horas, terminando às 23.
24
3.1. Segundo Encontro – 12 de novembro de 2006
Após o primeiro encontro, refiz o curso das aulas, mudando a
forma de abordagem. Percebi um grupo extremamente interessado, que
sabia trabalhar em equipe e com um grau de amadurecimento incomum
para a idade deles. Certamente o fato de terem aulas de conscientização
juntos desde a infância influenciou na velocidade de aprendizado e
entrosamento desse grupo.
Este grupo singular permitiu o acrescentamento de um maior
número de obras para apreciação devido a velocidade no aprendizado, no
que diz respeito às questões mais relevantes levantadas por elas.
O segundo encontro é na verdade a junção de três encontros.
Iniciamos às 14 horas e concluímos às 23, uma hora a mais que o planejado,
tendo eu que literalmente mandá-los embora.
Chego antes na oficina onde realizo a aula e fico aguardando que
cheguem todos. Falo que estamos aguardando os demais e eles ficam
conversando enquanto aguardam e eu finjo ler um texto para ficar atento ao
que conversam. Todos chegam e continuam conversando enquanto aguardo
um momento para me iniciar a aula dentro do que conversam e dá certo.
Em um certo momento estão falando de jogos de computadores quando
pergunto se já ouviram falar de um game chamado Second Life. Dois deles
dizem que sim e já se põe a explicar do que se trata, após algumas tentativas
confusas de explicar sem muito sucesso ou por desconhecimento mesmo,
apresento o texto em minhas mãos, uma notícia veiculada em um jornal
eletrônico sobre esse game massivo. Peço para que um deles inicie a leitura
e todos ficam atentos para entender do que se trata. O texto nos fala que as
empresas estão investindo em ambientes virtuais dentro de jogos online,
criando fabricas e lojas onde os usuários, em versões fantásticas de si
mesmos, pode comprar de fato carros, computadores, etc. Fala ainda que
mais de um milhão de pessoas já dedica grande parte do seu tempo a
25
participar e progredir nesse ambiente virtual e que esse número cresce
vertiginosamente.
Após a leitura, apresento alguns cartões de natal, postais e
documentos de identidade. Pergunto para eles do que se trata e eles
respondem que são documentos que falam de identidade. Pergunto se eles
tem registro de nascimento e todos dizem que sim, então, pergunto se eles
tem o registro de nascimento na internet e eles, confusos a princípio, logo
percebem que, em algum momento ingressaram nesse mundo. Refletem
sobre quando teria sido e a discussão encerra-se quando percebem que a
vida inicia-se com ela mesma e não com um papel, e que o registro é apenas
um registro, assim como os demais documentos, inclusive os que são
criados na internet e que permanecem depois que morremos.
Pergunto sobre os cartões de natal e postal. E nossas discussões
leva a compreensão de que o que diferencia esses materiais daqueles
veiculados através da internet é seu carácter sentimental e “pegável”, como
definiram. Continuamos explorando as diferenças entre as realidades,
falando sobre os sentidos utilizados no mundo virtual, buscando perceber
suas limitações. Concluo esse momento perguntando se eles conseguem
imaginar o mundo real sem o virtual e vice-versa.
Essas questões são postas de forma a desenvolver uma
capacidade reflexiva sobre um tema, sendo capaz de compartilhá-la.
Exercitando a fala e a concatenação das idéias, tornando-a cada vez mais
“pegável”. Tivemos, então, um pequeno intervalo para um lanche.
*
O segundo momento é retomado com a pergunta sobre o que eles
entendiam sobre arte contemporânea. Nesse caso nenhuma surpresa, apenas
mais uma decepção em relação ao ensino de artes no país. As resposta
variaram entre é aquela arte que ninguém entende, é aquela arte que a
gente precisa ler um texto antes para poder entender, e tantas outras que se
26
revelaram mais a reprodução dos valores em uma sociedade
desacostumada com o novo e insegura diante da possibilidade da sua
ignorância ser o motivo que impede o diálogo com a arte, do que o
resultado de uma apreciação e julgamentos pessoais.
A exposição Realidades Paralelas da artista plástica e professora
Maria Helena estava por abrir. O nome da exposição e a possibilidade de
explora-lo naquela aula eram por demais oportunos e, após uma breve
divulgação do evento, perguntei sobre o que eles entendiam sobre realidade
paralela. Responderam-me metafisicamente como planos paralelos e sobre
a possibilidades de Eus paralelos estarem vivendo vidas paralelas em
contextos diferenciados. Houve um consenso nesse ponto. Pergunto qual
era a realidade em que eles viviam e novamente ficam confusos. Aguardo
um pouco enquanto eles tentam entender a pergunta até que faço a
pergunta-chave: “A realidade em que vocês vivem é a mesma que um
menino de rua ou um adolescente filho de milionário vive?”. Após uma
pausa eles respondem que não e pergunto porquê. Começam então e
estabelecer relações, pontuando em que compartilham a mesma realidade e
em que elas são distintas.
Essas relações eram importantes para as questões seguintes.
Coloquei minha uma obra minha sobre a mesa chamada árvore de coca,
composta de uma lata de Coca-Cola, uma construção em arame no formato
de uma árvore seca sobre a parte superior. Um saco com os lacres das
tampas de latinhas foi aberto diante deles. Pedi para que fossem colocando
os anéis na árvore, preenchendo o que seriam os galhos. Eles acharam
divertida a tarefa e se puseram a perguntar se eu havia bebido todas aquelas
Coca-Colas, etc. Perguntei o que era aquilo e eles responderam que se
tratava de uma coca-cola com um arame em forma de árvore, uma árvore de
coca-cola. Perguntei se eles sabiam o significado da palavra coca-cola e
soubera explicar a palavra Coca como sendo a árvore de Coca cujas folhas
são usadas para fazer também a cocaína, citando que havia um percentual
desse elemento na composição do refrigerante e por isso causava
27
dependência. Sobre a Cola não souberam falar. Expliquei que ambas
eram árvores que continham princípios ativos usados na num xarope
medicinal chamado coca-cola, que a cocaína foi retirada da fórmula original
e que hoje bebemos o xarope mais diluído e gasoso. A essa altura, estavam
já concluindo a tarefa de preencher os galhos quando pergunto sobre o que
significava para eles aquele objeto. Começam a falar, e intervenho
eventualmente com algumas perguntas-chave, na maioria das vez bastava
perguntar o porquê de acharem isso ou aquilo. Chegaram a conclusão que a
árvore era o fruto, fruto do consumo e ela se alimentava da água da terra e
das árvores da terra, mas éramos nós que a fazíamos crescer, que lhe
acrescentávamos folhas. Belíssimas percepções surgiram desse exercício,
mas, ainda não havíamos chegado onde eu queria.
Pergunto a eles se os elementos que compõe aquela obra são
compreendidos de todos e dizem que sim. Peço que enumerem os
elementos e eles assim o fazem identificando o refrigerante mais bebido do
mundo, uma árvore e os lacres das tampas. Pergunto se no mundo haveria
alguém que não reconheceria aqueles elementos e eles afirmam que não
pois todos conhecem Coca-Cola.
Escolho uma outra obra minha com a artista plástica Débora
Zambon, uma colagem em A4, com uma obra de Duchamp ao centro e a
frase “Uma forma de arte diferente das outras: você olha e entende”. Ele
riem da construção pois não entendem a obra. Pergunto sobre o que eles
entendem daquela composição e eles ficam incomodados com a pergunta,
um banco com uma roda de bicicleta, isso não quer dizer nada.
Pergunto como eles se sentem diante de algo que agora eles não
se sentem capazes de interpretar com a mesma segurança que tinham em
relação a obra anterior e eles dizem se sentir incomodados e um pouco
burros por não entenderem. Pergunto: “e se a intenção do artista for
justamente provocar esse sentimento em quem observa sua obra?”. Nesse
momento eles passam a olhar a obra de forma diferente, vêem uma intenção
por trás, algo pensado, mensurado. Abandonam a posição passiva de
28
observadores ignorantes e medrosos e se vêem como elementos
incluídos na obra, partes de um jogo de sentidos e sensações. Riem
novamente elogiando a construção da obra e sua eficiência em provocar
aquele efeito.
Nesse momento convido-os a estarem diante do computador para
podermos apreciar algumas imagens.
Inicio com um passeio pela arte contemporânea, buscando
mostrar obras variadas de Paik, Haring, Holzer, Warhol e por ultimo
Duchamp. Falamos então sobre fontaine e ficam empolgados com a
aparente rebeldia desse artista que se dizia antiartista. Pudemos explorar
questões sobre o contexto espacial da obra, a responsabilidade do artista
com o seu tempo, a obra de arte não é uma fotografia nem a fotografia é a
coisa retratada.
Ao voltarmos para a oficina, mostrei um livro de artista
produzido por Débora Zambon que tem como principal elemento recortes
vazados da mão com linhas de diferentes formatos e títulos. Perguntei se
podiam compreender aqueles elementos, perceber algum sentido naquela
construção. Responderam que sim e novamente pergunto se qualquer
pessoa poderia compreender aquela construção. Afirmam que sim
justificando que toda pessoa tem mãos, logo, seria um elemento facilmente
reconhecido. Mostro outra obra da artista, dessa vez uma garrafa de coca-
cola pintada de verde com um rotulo do refrigerante Guaraná, principal
concorrente da coca-cola no país. Eles se divertem com a obra e brincam
que uma quer ser a outra. Pergunto se qualquer pessoa entenderia aquela
mensagem e eles respondem ora que não, ora que sim. Concluem que o
entendimento seria mais completo se o observador conhecesse o
refrigerante Guaraná e soubesse que ele é o principal concorrente da Coca-
Cola no país. Chamo a atenção, então, para a competência do observador e
seu conhecimento acerca dos elementos utilizados presentes na obra. Falo
que uma das características das artes contemporâneas é se auto referenciar,
exigindo do observador um maior conhecimento da história da arte.
29
Mostro a eles um garfo e pergunto se eles compreendem
aquele objeto e eles afirmam que sim enumerando significados ligados a ele
como comer, fome, perfurar, utensílio, etc. Faço o mesmo com um chaveiro
com uma clave de Sol pendurada e a resposta já não é tão automática, eles
hesitam e um deles acaba por identificar o símbolo. Pergunto se lhes fosse
mostrado um símbolo desconhecido, seria possível desvendar os
significados daquele objeto? Respondem-me que seria mais difícil.
Nesse momento, mostro novamente a colagem com a obra de
Duchamp e a frase. Eles olham a obra talvez se perguntando se eu havia
esquecido que já a havia apresentado. Após uma breve pausa informo a
autoria da obra, até então desconhecida para eles, e pergunto como vocês
lêem esta obra agora. E eles aprofundam a leitura trazendo informações
vistas pouco tempo antes sobre algumas questões pertinentes às obras de
Duchamp. Identificam o banco como um objeto que convida para sentar e o
a roda de bicicleta para andar. Percebem um jogo inquietante entre os dois
elementos e que isso está além da beleza estética da obra, ela não literal.
Era esse o ponto que queria chegar nesse momento, na percepção
de algo além da estética.
Novamente temos uma pequena pausa para um lanche.
*
Distribuo um papel A4 para cada um deles e peço que tentem
traduzir com liberdade sobre aquele suporte. É a primeira vez que emprego
o termo nas aulas, mas não o explico, apenas me refiro ao papel como
suporte. Alguns brincam com a forma que me refiro ao papel e era
exatamente essa reação que queria provocar, a de estranhamento do termo.
Explico que a criação é livre mas deve traduzir o que discutimos, podendo
ser uma poesia, um texto, um desenho ou o que mais pudessem imaginar.
A produção ocorreu e em seguida pedi que explicassem para os
demais do que se tratava o trabalho. Diferentemente da nossa primeira
30
experiência com o A4, essa eles se puseram a explicar detalhadamente,
fazendo inclusive referencias a obras vistas no dia. Um deles se expressa
através de um texto e outra através de uma poesia. Ficamos todos
empolgados com os trabalhos apresentados.
Estou para dispensá-los quando sugerem a criação de uma
comunidade no orkut. Pergunto o porquê e me falam que assim poderiam
compartilhar as questões com outros e entre eles, adoro a idéia e peço que
me comuniquem na próxima aula sobre como funcionará a comunidade.
Eles agora me convidam a ver um vídeo em um site chamado youtube,
atualmente este site disponibiliza vídeos adicionados por qualquer um na
internet. Mostram-me 3 vídeos ao todo e explicam as histórias de cada um.
Já eram 23 horas da noite, confirmamos a próxima aula numa quarta-feira,
dia 15, às 19 horas, e a turma é dispensada.
31
3.2. Terceiro Encontro – 15 de novembro de 2006
Pergunto sobre novidades e me informam sobre a criação de um
usuário no orkut chamado Capitão Contemporâneo.
Convido-os ao computador novamente e apresento a obra de
Peter Callesen sobre papel A4. Eles não conheciam o trabalho e ficaram
espantados com a habilidade e criatividade do artista. Comentam
principalmente como ele conseguia fazer, havia uma inquietação a respeito
da veracidade das imagens.
Após a visualização dos trabalhos, fomos para a oficina de arte
onde espalhamos lâminas de vidro sobre a mesa, distribui papéis e estiletes.
Eles ficaram assustados afirmando que não seriam capazes de realizar
aquele trabalho. Digo que não havia pedido nada ainda, explicando que a
atividade visava perceber e explorar novas possibilidades de um suporte, no
nosso casa o papel A4, e que Callesen nos mostra, através da sua arte, que
isso é possível, peço apenas que explorem novas possibilidades. Eles ficam
mais tranqüilos e iniciam a atividade. Alguns com certa dificuldade.
Esclareço que a melhor técnica a ser utilizada é sempre aquela que
dominamos, e que isso nos dá segurança para criar. Peço que tenham mais
paciência consigo mesmos, ensino a técnica com paciência e logo deixam
de se preocupar com isso e passa a criar. Seria precisa mais tempo para que
dominassem o estilete, mas os trabalhos ficam prontos e falam por si.
Ao final, relembro nossas primeiras conversas sobre o conteúdo
intencional e os jogos de signos de que se utilizam os artistas, para falar do
projeto que realizariam. Digo que a atividade da ultima aula seria a feitura
de um objeto que traduzisse nossas discussões a respeito do cotidiano,
identidade e realidade virtuais, dentro de uma concepção contemporânea.
Havia levado duas fontes de computador. Coloquei-as encima da
mesa e perguntei do que se tratava. Apenas um deles identificou o que era.
Falo sobre a fonte de computador, que é o elemento basilar desse mundo
virtual e da fonte como equipamento mais bruto dentro dele. É ela que
32
transforma e adapta a energia. Exploro, então, o nome singular dessa
matéria prima: fonte. O que significa? Origem, fonte de vida, de água, de
luz, de energia. O mesmo nome da obra de Duchamp. Estabeleço diversas
relações e comunico que essa será a matéria prima básica do projeto e que
eles devem explorar suas possibilidades. Forneço chaves de fenda e alicates
e ponho as duas fontes para que eles abram as explorem.
A medida que vão abrindo as caixas prateadas, percebem a
semelhança do circuito eletrônico com uma cidade. Parece uma cidade, diz
um deles e é corrigido por outro: não, parece um subúrbio. Peço, então, que
falem as idéias e discutam as possibilidades. Digo que fornecerei mais
matéria prima, cerca de mais 10 fontes. A idéia e consiste em criar uma
espécie de mundo quadrado, com os circuitos pintados para realçar as casas
e ruas.
Marcamos o próximo e último encontro e ficamos de nos
comunicar através do orkut a respeito do projeto. Às 23 horas a turma foi
dispensada.
33
3.3. Quarto Encontro – 21 de novembro de 2006
Nos encontramos na Oficina e começo a aula com uma de
minhas peças encima da mesa, um dragão em cerâmica. Pergunto se aquele
dragão era uma obra de arte e eles afirmam que sim. Pergunto se ele
poderia ser outra coisa além disso e eles dizem que não. Aponto para uma
televisão presente na oficina e pergunto o mesmo. Eles dizem que isso
dependeria do contexto onde ela se encontraria.
Convido-os a irmos todos conhecer alguns trabalhos de Bill
Lundberg. Pioneiro no conceito de vídeo-arte, escolhi-o como resposta ao
interesse dos alunos por vídeos. Enquanto tentavam entender o que se
passava nos vídeos, percebi o interesse em perceber a intenção do artista ao
colocar o vídeo de um banhista projetado no chão de uma galeria. Algo
havia despertado neles que os fazia questionar os porquês da arte como se
toda arte fosse uma espécie de charada divertida.
Voltamos ao ateliê e pergunto sobre o projeto. Um dos alunos
esteve viajando, retornando só neste último dia. Pedi que a turma fizesse
um breve resumo do que foram as aulas e do projeto que tinham em mente.
Por mais de meia hora eles estiveram explicando e tirando dúvidas do aluno
recém chegado, sem que fosse preciso a minha intervenção. Quando me
pareceu que haviam esgotado as explicações, falo da artista Naif convidada
Analice Uchôa e convido-os a olharmos algumas de suas obras no dvd da
oficina. Infelizmente ele não aceitou a mídia do cd e encontramos uma
alternativa no computador. Analice nos esperava na sala e ficaram
surpresos de encontra-la ali. Apresentei-a a todos e pus-me a contextualizar
a arte naif em nossas aulas. Pergunto a artista o que é ser naif. Ela responde
que não sabia pintar, encontrou já tarde a pintura em sua vida e se descobriu
naif depois. Lembro aos alunos da presencialidade do artista contemporânea
e pergunto a artista por que ela gosta de pintar o cotidiano. Ela diz que essa
é uma essência do pintor naif, pintar aquilo que vê, que sente. Seu
compromisso com a estética é infinitamente menor que sua vontade de
34
pintar o que vê. Atento para a estética naif onde casas são
representadas, buscando aumentar seu repertório de possibilidades para as
atividades de logo mais. Observamos inúmeras imagens da artista até que
retornamos à oficina, agradecendo e nos despedindo da artista.
Ao retornarmos para a oficina: mãos a obra. Já havia reservado
alicates, arames, chaves de fenda, um sem numero de fontes de
computador, estiletes, tintas, pincéis. Estava tudo pronto e pedi que
começassem.
Percebia o quanto eles aplicavam os novos conhecimentos para
defender modificações e adaptações na obra, outras propostas. Um dos
momentos mais divertidos pois via que tudo que haviam aprendido nesse
tempo não ficaria guardado, ocupando espaço em suas memórias, e seria
aplicado com leveza e naturalidade.
O projeto realizado consistiu em um globo quadrado com placas
eletrônicas coladas ou encaixadas em sua superfície, algumas pintadas de
maneira a parecerem mais ainda com cidades, outras ao natural mesmo.
Essa estrutura, um cubo com cerca de 40 centímetros de aresta, foi
pendurada e enquanto um deles se posicionava em posição de meditação
logo abaixo dela, outro, com uma tesoura em mãos se posicionava de forma
a querer cortar o fio que impedia que aquele mundo quadrado caísse de vez
sobre a cabeça meditativa da humanidade. Assim explicaram a obra. Algo
emocionante de se escutar.
Por fim, desmontamos o trabalho e, ao nos sentarmos novamente
à mesa, pergunto o que mudou em relação a arte contemporânea de antes
para agora. Alguns deles já haviam respondido essa questão no orkut e
deixo que as palavras deles falem por si. Agradeci ao grupo por terem
aceito as aulas e eles agradeceram as mesmas revelando terem gostado
muito, dizendo que agora eles tinham vontade de ir ver uma exposição e
falar sobre ela, algo que confessaram não ter antes.
35
CONSIDERAÇÕES FINAIS
36
Conversando com os alunos, percebo que existe um certo
esvaziamento no sentido da aula de arte. Relataram certo prazer em
aprender sobre técnicas, artistas e estilos.
Entendo o momento da aula de arte como um instante latente de
aprendizados para si mesmo e para a vida. É nela que o aluno aprende a
criar, recriar, adaptar-se, a se comprazer com a auto-superação.
Os conteúdos da arte são a matéria prima com a qual o educador
cria uma atmosfera propícia ao aprendizado, atento à poética de cada aluno.
Como um capitão, ele se lança ao mar sem um rumo certo, mas
com a segurança de que chegará. Leva consigo aventureiros ansiosos por
desbravar esse mar, o mar da criação.
Ao educador de hoje, cabe a tarefa de ser o capitão. Capitão
contemporâneo.
37
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
• LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
• CAUQUELIN, Anne. Arte Contemporânea: uma introdução. São
Paulo: Martins Fontes, 2005.
• Vários autores. Dicionário de Lingüística. São Paulo: Cultrix,
1997/98.
• Dicionário Caldas Aulete. Editora Delta. Rio de Janeiro: Delta,
1986.
• BUTCHER, H. J. A Inteligência Humana. São Paulo: Editora
Perspectiva S. A., 1972.
PERIÓDICOS ONLINE:
- SIKLOS, Richard. Second Life: o mundo é virtual, mas o dinheiro é de
verdade. Traduzido e publicado por Admin em http://www.ig.com.br,
19-10-06. Hipertexto original http://www.nytimes.com.
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ANEXO I:
CRONOGRAMA DA PRÁTICA
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O cronograma sofreu diversas alterações para se adaptar às
rotinas diárias dos jovens envolvidos, buscando não interferir em seus
estudos para o vestibular.
Aula Dia e data Início Término Total(horas)
1 sexta-feira, 10 de novembro de 2006 20:00 23:00 3
2 domingo, 12 de novembro de 2006 14:00 23:00 9
3 quarta-feira, 15 de novembro de 2006 19:00 23:00 4
4 terça-feira, 21 de novembro de 2006 19:00 23:00 4
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ANEXO II
PLANO DE CURSO
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PLANO DE CURSO
CARGA HORÁRIA: 20 horas.
OBJETIVO GERAL:
Promover vivências a jovens do Ensino Médio, envolvendo Arte
Contemporânea e Realidade Virtual, inseridos na abordagem da Cultura
Visual.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
• Utilizar a arte contemporânea como ponto de partida para um
mergulho na própria poética pessoa do aluno;
• Promover a apreciação de imagens e obras da arte moderna e
contemporânea;
• Incentivar a análise da obra contextualizando-a em seu espaço e
tempo;
• Realizar aprendizados processuais através da vivência de poéticas
de artistas contemporâneos;
• Dismistificar a arte contemporânea como algo distante e
incompreensível;
• Aproximar os alunos das concepções e construções simbólicas
envolvidas nas artes contemporâneas, proporcionados através de
experimentações ligadas a momentos de ruptura nas artes.
• Perceber as influencias das mídias virtuais e do computador nos
cotidianos individuais e coletivos, assim como na própria
identidade do aluno;
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• Criar, através de trabalho em grupo, objeto ou instalação que
sintetize um aprendizado;
CONTEÚDOS:
• Obras diversas de artista contemporâneos;
• Realidade virtual, cotidiano virtual, identidade virtual;
• Realidades paralelas, tempo, espaço;
• Questionamentos e rupturas na arte;
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS:
• Jogos e dinâmicas de grupo;
• Debates e discussões;
• Aulas expositivas ilustradas;
• Práticas de técnicas variadas;
RECURSOS DE ENSINO:
Computador, DVD, Televisão, Papel A4, grafite, sucata de
computador, arame, cola, tintas, pincéis, ferramentas.
AVALIAÇÃO:
Os alunos são avaliados enquanto expressam verbalmente o que
pensam, principalmente o que perguntam e questionam. A capacidade de
síntese e simplificação sem ser, contudo, simplista, também são sinais, a
meu ver, de entendimento.
Saber escutar a opinião do outro, adaptar as idéias, ceder e
intervir quando é necessário são pontos encorajados e contam na avaliação
dos alunos.
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O aprendizado na arte é essencialmente processual não
podendo ser quantificada pelo cumprimento de tarefas. Outra forma deve
sinalizar esse aprendizado.
Utilizarei a capacidade de se expressar, seja por que meio for,
fala, desenho, pintura, escultura, dança, texto, etc, observando sempre a
coerência daquilo que feito com o que é dito e pensado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
- LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999;
- CAUQUELIN, Anne. Arte Contemporânea: uma introdução. São
Paulo: Martins Fontes, 2005;
- BUTCHER, H. J. A Inteligência Humana. São Paulo: Editora
Perspectiva S. A., 1972.
PERIÓDICOS ONLINE:
- SIKLOS, Richard. Second Life: o mundo é virtual, mas o dinheiro é de
verdade. Traduzido e publicado por Admin em http://www.ig.com.br,
19-10-06. Hipertexto original http://www.nytimes.com.
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ANEXO III
PLANOS DE AULA
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1ª AULA
TEMA: A identidade virtual e sua influência na identidade real.
OBJETIVO
1. Levantar questões sobre o que vem a ser identidade virtual;
2. Problematizar o uso da internet;
3. Questionar sobre a percepção do tempo no mundo virtual e real;
4. Questionar a possibilidade de um dia vivermos apenas no virtual.
CONTEÚDO
1. Artigo “Second Life: o mundo é virtual, mas o dinheiro é de
verdade” (Richard Siklos – New York Times – IG);
2. Análise do conteúdo artístico visual e emotivo em cartões postais,
documentos de identidade e cartões de natal;
3. Mídias Virtuais, Internet, relatividade temporal, Identidade,
realidade e virtualidade.
METODOLOGIA
1. Apresentação dos cartões postais, de Natal e documentos de
identificação variados – neste momento os alunos são questionados
sobre materiais correspondentes na Internet e convidados a
estabelecer relações entre eles. Também são questionados sobre o
valor emotivo dos objetos;
2. Os alunos são convidados a alternarem-se na leitura do artigo do
New York Times – são questionados sobre o que acharam do artigo
e após o relato de suas impressões convidados a refletirem sobre
quando a internet pode representar um perigo e se, em algum
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momento, sentiram-se mal ou culpados por a terem usado em excesso;
3. A conversa deve ser encaminhada no sentido de permitir que os
alunos apontem a necessidade de equilíbrio entre as realidades;
RECURSOS
Papel A4, grafite.
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2ª AULA
TEMA: O cotidiano e a identidade virtuais
OBJETIVO
Problematizar questões ligadas à Realidade Virtual com foco no
cotidiano e identidade. Conhecer algumas questões que influenciam a arte
contemporânea. Vivenciar uma prática de ruptura do papel A4.
CONTEÚDO
1. Cotidiano e identidade Virtual;
2. Tempo e espaço;
3. Contextualização da obra;
4. A intenção do artista que provoca na arte contemporânea.
METODOLOGIA
1. Debates e discussões;
2. Aulas expositivas ilustradas;
3. Jogos e dinâmicas de grupo;
4. Práticas artísticas.
RECURSOS
Computador, Papel A4, grafite.
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3ª AULA
TEMA: Realidades Paralelas. Linguagem artística. Projeto artístico.
OBJETIVO
Conhecer o trabalho de artistas contemporâneos e desenvolver
um projeto de criação segundo uma poética do grupo ligada à realidade
virtual.
CONTEÚDO
1. Realidades Paralelas;
2. Linguagem da arte;
3. Técnicas contemporâneas;
4. Projeto artístico.
METODOLOGIA
1. Debates e discussões;
2. Aulas expositivas ilustradas;
3. Jogos e dinâmicas de grupo;
4. Práticas artísticas.
RECURSOS
Computador, Papel A4, estiletes, sucata de computadores,
ferramentas.
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4ª AULA
TEMA: A arte tem que ser palpável? Em que a Arte Contemporânea
acrescenta a essa questão?
OBJETIVO
1. Levantar questões sobre a relevância do fazer artístico e de sua
contextualização espaço-temporal;
2. Questionar sobre o que vem a ser arte visual e em que a Arte
Contemporânea vem modificando esse conceito;
3. Conhecer a obra da pintora naif Analice Uchoa, relacionando-a
com a Arte Contemporânea;
4. Realizar o projeto artístico idealizado na aula anterior;
5. Expor as idéias a respeito da obra e transcreve-las para um papel.
CONTEÚDO
1. Obras variadas que abordam o tema cidade e suburbio;
2. Obras da pintora naif Analice Uchoa;
3. Vídeo arte e a relativação do espaço e da obra através das artes de
vanguarda.
METODOLOGIA
1. Comparação entre objeto artístico e um cotidiano, fixando bem
que os espaço contextual é um elemento determinante na arte;
2. Apresentação do trabalho de Bill Lundberg;
3. Recapitulação do projeto;
4. Apresentação da pintora naif Analice Uchôa e sua obra,
estabelecendo questões afins entre a arte contemporânea e naif;
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5. Realização do projeto;
6. Apresentação do projeto e fechamento.
RECURSOS
Computador, TV, DVD, sucata de computadores, ferramentas.
FORMA DE AVALIAÇÃO
Os alunos são avaliados enquanto expressam verbalmente o que
pensam, principalmente o que perguntam e questionam. A capacidade de
síntese e simplificação sem ser, contudo, simplista, também são sinais, a
meu ver, de entendimento.
Saber escutar a opinião do outro, adaptar as idéias, ceder e
intervir quando é necessário são pontos encorajados e contam na avaliação
dos alunos.
Acredito que uma avaliação por nota não se adeque ao ensino
das artes. Não é objetivo da aula de artes catequizar indivíduos, levando-os
a aclamarem uma arte em detrimento de outra. Também não acho que é
função da arte definir a si própria.
A meu ver, a aulas de arte, tem sim uma função: libertar o
homem, torná-lo consciente de si e de suas capacidades ilimitadas, fazer
crescer e dominar o fogo da criação, da criatividade que existe dentro de
cada criatura.
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ANEXO IV
PERIÓDICOS ONLINE
E
DIÁLOGOS NO PERFIL DO ORKUT :
“CAPITÃO CONTEMPORÂNEO
Recommended