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MENANDRO
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Menandro
A.Henrique S.R
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Era a quarta noite de Lua Nova e Menandro prestava suas
modestas homenagens à sua deusa grega favorita: Afrodite, a
mãe da Harmonia. Na religião grega antiga, todo quarto dia do
mês lunar era consagrado a essa grande deusa, senhora do Eros
(atração, amor, desejo), força responsável por manter as coisas
unidas, desde as partículas do cosmos até o corpo cívico.
Menandro queria ter se empenhado em algo mais elaborado,
porém o trabalho e os estudos forçaram-no a permanecer
afastado de casa até tarde.
Ele tinha uma bela estátua de Afrodite na parte mais
alta do quarto e logo abaixo uma mesa coberta por uma toalha
da cor azul-turquesa servia de altar. Um vaso de rosas
vermelhas, um incenso da mesma flor e uma tigela decorada
eram suas oferendas naquela noite.
Menandro tinha 14 anos de idade e há um ano
descobrira e vinha estudando acerca da antiga religião grega,
especialmente no que diz respeito a Rainha de Chipre.
Movimentos religiosos modernos têm surgido com o objetivo
de revitalizar o culto aos deuses Olimpianos assim como o de
deidades de outras culturas.
O jovem, então, encheu uma das mãos com grãos de
cevada e ergueu os braços na direção da imagem sagrada e
orou em alto e bom som:
- Eu oro á Afrodite, bela e coroada de violetas, filha do
Céu estrelado e das águas do Mar salgado, a Rainha de Chipre,
senhora do amor que tudo une, do desejo que a tudo
movimenta, antiga protetora dos navegantes e deusa da guerra.
Ao pôr do sol começaste seu dia e venho honrá-la, com mente
sagrada e reverente!
Baixou calmamente o punho com a cevada e depositou
uma parte na tigela, e o restante polvilhou a si mesmo, o altar e
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o chão, produzindo um agradável ruído, marcando o início do
rito.
Acendeu o incenso de rosas vermelhas e rapidamente a
fumaça perfumada serpenteou por toda a casa, enchendo o ar.
Felizmente sua mãe e o padrasto resmungão só chegariam mais
tarde.
Menandro prosseguiu recitando os hinos antigos e
alguns criados por ele mesmo. Libou uma porção do mel
dourado sobre outras duas tigelinhas - uma era de Héstia, deusa
que recebia uma parte das ofertas em qualquer rito, no início e
no fim- enquanto dizia diferentes epítetos da deusa celeste.
Após ler alguns mitos, realizou uma libação final.
dizendo:
- Dessa forma encerro este rito, minha deusa. Continue
sendo-me propícia! E principalmente... – seu humor tornou-se
obscuro -... Principalmente ajude-me a remover aquele daqui,
pelo meu bem, de seu culto e de minha mãe. Boa noite!
Contente e exausto, foi dormir.
Horas antes...
Diálogo entre Menandro e sua mãe:
-Meu filho, posso te perguntar uma coisa? – ela parecia
meio sem graça.
-Claro, mãe. Até por que, faz um tempinho que não
paramos para conversar, só você e eu, não é?
-Pois é... Bem, eu queria saber por que você escolheu
essa seita... esses deuses... por que desviou, digo se afastou de
Cristo? Tudo bem que eu parei de ir á igreja, mas mesmo assim
continuei com Ele.
Menandro cerrou as sobrancelhas, seu corpo afastou-se
automaticamente. Que pergunta estranha. Sua mãe nunca havia
feito esses questionamentos.
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Ele pigarreou e tentou organizar sua mente para
responder adequadamente.
-Bem, mãe... primeiro que não é seita alguma. Segundo
que ainda não escolhi uma religião especifica, mas estou me
aprofundando no Politeísmo Helênico e gostando muito. Eu
nunca simpatizei com o cristianismo, desde que me interessei
por História. Tem pontos positivos, mas os negativos são
gritantes. Os cristãos são mais incentivados a serem
intolerantes com sua “Verdade Absoluta e Deus Verdadeiro”
do que realmente amar o próximo, como diz seu Cristo. O
Helenismo não tem um credo, uma Bíblia, e sim uma tradição
sempre em atualização, apesar de um tanto conservadora
quanto aos rituais. E os gregos eram tão afeitos às artes,
apreciavam a beleza da vida, corporificada nos deuses. Tudo
tem um ser divino por trás. Isso nos faz pensar com mais
respeito em tanto coisa.
-Mas seus deuses parecem pessoas, vingativos, safados,
machistas... Como podem inspirar devoção?
-Os deuses são retratados em forma humana e atitudes
humanas, mas não são humanos. Os deuses gregos são
Potências que podem controlar tanto a vida na natureza quanto
a humana em todos os seus aspectos. Os mitos não podem ser
entendidos literalmente. São muito antigos, possuem
procedência e objetivos diversos. Pode-se entender qualquer
coisa deles, se você analisar bem. O que acontece é que muitos
tentam explicar nossos mitos e deuses sob a ótica cristã ou
judaica. Acho que as características mais certas de nossos
Deuses são: bem-aventurança, imortalidade e grande poder.
Fora isso, pouco mais podemos definir.
- E se você tentasse voltar comigo para a igreja, a do
Leonardo. Parece bem boa...
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- E para que? Para eu servir de decoração lá? Não tenho
qualquer motivo para procurar o cristianismo. Se eu me
decidir, provavelmente será pelo Helenismo, que é bem
completo espiritualmente, até mesmo antecipou muitos
conceitos da religião cristã. Sem contar o tanto que os filósofos
cristãos se inspiraram na filosofia grega. Os gregos nos deram
a democracia, o teatro, vários conceitos matemáticos
importantíssimos, filosofias das mais diferentes, e uma religião
fantástica. Sempre tentaram definir e aperfeiçoar o
conhecimento sobre as Virtudes ou Excelências que devemos
nutrir e nos tornarmos melhores.
-Bem... – ela baixou o rosto, um tanto enrubescida.
-Nada contra a sua curiosidade, mas tenho certeza que
Leonardo deve estar colocando minhocas em sua mente sobre
mim. Ele detesta meus deuses, mesmo mal os conhecendo.
Espero que ele não consiga te manipular ainda mais.
-Não é bem assim... Eu nunca havia me aprofundado
em seus assuntos e descobertas, só isso.
-Bom, pergunta respondida? – Menandro estava sério,
embora furioso por dentro.
-Creio que sim. Desculpa qualquer coisa, não foi mi há
intenção te magoar, meu filho.
-Ok, sem problemas.
-E não implique com o Leo, ele só quer o seu bem, te
trata como filho.
Menandro se riu por dentro:
“Ah se ela soubesse o quanto aquele cara me odeia”
-Tá, mãe, não exagera. Contudo, por você tentarei pegar
mais leve. E se tiver mais dúvidas, venha esclarecer COMIGO,
e não com aqueles pastores ignorantes. E nem com o Leonardo.
Ele não sabe nada sobre o que pratico.
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-Tá bom, ta bom. – concluiu ela com um sorriso tímido
e um abraço no filho.
Sua mãe, Sabrina, 35 anos, era gerente de uma grande e
famosa loja de roupas; cristã não-praticante, não entendia bem
sobre sua religião, mas confiava nele e em suas escolhas, ou
melhor, pelo menos até pouco tempo, antes de conhecer e
apaixonar-se perdidamente por Leonardo, 40 anos, supervisor
num hipermercado, evangélico praticante. Menandro não
gostara nenhum pouco dessa ideia, mas pela felicidade da mãe,
separada de seu pai há 10 anos, aceitou sem cara feia.
Contudo, logo Leonardo começou a mostrar as suas
garras. Questionava frequentemente Sabrina sobre o filho dela,
assuntos como sexualidade e principalmente sobre "aquele
ídolo no quarto do garoto". E ainda assim, sem ela saber, o
homem encontrava tempo para encher a paciência de
Menandro por causa de suas praticas religiosas. Mesmo sob
essa pressão, o menino evitava levar à mãe essas situações para
não estragar o momento feliz dela. DELA.
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O dia seguinte começou agitado. A mãe e o padrasto
haviam chegado tarde da madrugada e perderam o horário,
inclusive Menandro. Ela esperava na porta de casa, batendo o
pé esquerdo no chão. Como era a única que dirigia, aguardava
impaciente pelos homens da casa para dar-lhes carona, um para
a escola, o outro para o trabalho.
O garoto terminou de se arrumar, pegou sua mochila e
abriu a porta, dando de cara com Leonardo a lhe esperar.
-Finalmente a "florzinha" apareceu! - disse o homem,
alto, forte, em torno de 40 anos, cabelo curto e raspado nas
laterais.
-O que é isso?! Tentado me matar de susto agora? Perdeu
sua clava aqui, homem das cavernas?!
-Engraçadinho como sempre! Bem, só tenho um recado:
preciso dessa casa limpa para hoje á noite, mas não é o dia da
faxineira aparecer, e não quero falar com sua mãe sobre isso.
Vou trazer alguns amigos para tomar um chope, já que ela
chegará tarde.
-Ué, contrata você uma diarista, então! - rosnou
Menandro.
-Está surdo ou quer que eu repita?! Está perdendo o bom
senso, é?
- Você que deve estar com tanta cera no ouvido e não
ouve mais nada, até porque o povo do paleolítico não possuem
hábitos de higiene, certo?
Nesse meio tempo Sabrina berrava chamando pelos dois.
Irritado, Leonardo mirou o dedo indicador na ponta do
nariz do rapaz e ameaçou:
- Se continuar se fazendo de bobo comigo, terá uma bela
de uma surpresa qualquer dia desses quando chegar ao seu
quarto! Seu ídolosinho do capeta estará ao partido ao meio te
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esperando! E depois não adiantará ficar choramingando feito
uma "bibinha"!
Menandro sentiu o sangue ferver e seu rosto enrubesceu
de raiva. Cerrou os dentes e rosnou de volta:
- Toca um dedo nela! Toca! E verá que a ira dos deuses
não é só um mito esquecido!
- Hahaha! Não acredito nessas bobagens, criança. Mas
está avisado: o que prometo, cumpro!
Novamente a mãe gritou por eles e Leonardo virou as
costas e saiu andando. Desceram a escadaria, um envolto de ar
triunfante, e outro carrancudo.
-Nossa, meu filho! Que cara é essa?!
Menandro abria a boca para responder, mas Leonardo foi
mais rápido:
-Pois é, tive de acordá-lo, estava ferrado no sono!
Também, vira a madrugada assistindo televisão, dá nisso! Mas
sabe como é, né. Juventude!
-Ok, ok. Agora vamos logo que já estou mega atrasada!
Menandro babava de raiva e pensava, enquanto entrava
no carro: "Eu queria ser um trator... infeliz!". O padrasto
ostentava um riso debochado no rosto. "Vai rindo, palhaço. Seu
reinado ainda vai acabar!".
Então, Sabrina arrancou com o carro pelas ruas do bairro
nobre.
Menandro sabia que a mãe era traída, pois já flagrara
conversas suspeitas de Leonardo pelo telefone. Contudo,
necessitava de provas.
O pai de Menandro separou-se da mãe dele por causa de
uma paixão há dez anos. Desde então Sabrina fechou-se para o
amor e dedicava sua vida ao trabalho e filho. Até que conheceu
Leonardo, apaixonou-se loucamente e convidou-o para morar
junto com eles, tudo em pouco mais de seis meses.
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"Eu não queria destruir sua felicidade, mãe. Mas a
situação demanda um fim urgente! Tinha que se apaixonar
justamente por ele?! Que Cypris me ajude a mandar esse cara
pelo espaço!"
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Lucas e Marina eram colegas de escola e melhores
amigos de Menandro, além de companheiros de religião. Num
domingo belo e ensolarado marcaram de se encontrar numa
grande parque da cidade, e sob uma frondosa aroeira jogavam
conversa fora e planejam os próximos ritos.
-E como vão as coisas lá com teu padrasto, Mênan?-
perguntou Lucas.
-Ah, nem me fale! Aquele homem anda colocando
música gospel no último volume quase toda manhã!
-Uau! Canta uma pra nós, então!Hehehe!
-Sem graça! Mas o pior não é isso. Aquele capeta
disfarçado conseguiu persuadir minha mãe a voltar a frequentar
uma igreja, a dele. Evangélica, não católica, como era a dela.
- E isso tem surtido algum efeito prático?- indagou a
menina.
-Sim, pior que sim. Ela anda me questionando sobre
nossas práticas religiosas, pergunta se ainda acredito em
"deus", o porquê que escolhi esse caminho... Tudo que ela
nunca perguntou.
-Talvez seja só curiosidade, um modo de se aproximar de
você, não acha? - disse Marina.
-Não, não. Tem algo de suspeito no tom desses
questionamentos.
- Vish... Aonde acha que isso vai parar?- perguntou
Lucas.
-Se eu não fizer nada, talvez até tentem me proibir de
cultuar os deuses antigos, sabe como são esses cristãos.
- E o que pretende fazer? Sair de casa? - quis saber a
garota.
-Eu não. Mas ele sim...
-Vai esquartejá-lo e colocar num saco de lixo?
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Hehehehe- brincou Lucas.
- Não, isso é para ex-esposas ressentidas, gracinha.
Hahaha! Bom, vamos ao que interessa. Não quero estragar meu
dia com essas lembranças sórdidas.
-Certo. Como eu havia comentado, consegui falar com a
minha tia de podermos fazer nossos rituais no sítio dela. - falou
Marina - Ela disse que tudo bem, sem problemas.
- Que notícia ótima! - Menandro e o amigo sorriram.
-Bah, ritual ao ar livre? No meio do mato? Uau!!!
-Sim, muitas ideias perambulando pela mente também. E
em breve será lua cheia, noite de Selene. Podemos já marcar de
fazermos lá.
-Só espero que não aconteça nada por esses dias... -
Menandro se perdeu em pensamentos de repente seu semblante
obscureceu. - Opa, desculpa, viajei.
-Ok, compreendemos. Bom, eu trouxe um caderninho
para anotarmos as ideias. Digam-me tudo, não me escondam
nada. Hihihi!
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Certa noite, minutos antes de Menandro chegar em casa,
Leonardo usava o notebook e parecia bastante entusiasmado.
Contudo, uma forte dor de barriga o acometeu e o forçou a sair
correndo para o banheiro.
Logo o garoto entrou em casa e reparou no computador
aberto sobre a mesa.
-Ué, o note dele abandonado aqui embaixo?
Cheio de expectativas e olhando ao redor
cuidadosamente, passou na frente do aparelho e viu uma rede
social aberta.
-É a minha chance!
Mas antes de fuxicar o computador, perguntou bem alto
se havia alguém em casa, ao que a voz do homem no banheiro
ressoou em resposta:
- Siiiiiiiiim!!! Aproveita que já chegou e coloca a comida
no fogo, porque vou demorar um pouquinho!!!
-Pode deixaaar!!!- o coração de Menandro agitou-se com
a oportunidade.
Retirou um pen drive da mochila, sentou-se diante do
computador e começou a xeretar a caixa de mensagens do
inimigo.
-Não é possível...
Suas sobrancelhas inclinaram-se, franziu a testa e soltou
um suspiro de pesar.
- Nada!
Indignado, deu um golpe com o pulso na mesa e foi para
a cozinha por a comida no fogo.
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Os dias passaram, era Lua Cheia, ocasião para o primeiro
ritual no sitio da tia de Marina.
Numa clareira, sob a luz radiante da orbe prateada, os
três circumambulavam o altar de pedra, sob a qual havia uma
panela de ferro contendo o fogo sagrado e algumas tigelas e
taças.
Lucas orou á Héstia, deusa do fogo e da purificação,
tendo uma vasilha de água em mãos. Um galho seco pousou
sobre as chamas e depois o mergulhou incandescente na água.
-Torne-se, por Héstia, na água lustral, purificadora de
toda e qualquer impureza.
Recitando versos antigos espargiu sobre os amigos
algumas gotas.
-Que toda a impureza retire-se de seus corpos e de seus
espíritos, tornando-os puros e leves para a presença divina.
Encheram as mãos com grãos de cevada, ergueram-nas
na direção da Lua e Marina iniciou a prece:
“Selene, prateada e radiante deusa, eu te chamo nesta
prece, nesta noite que é toda Sua!
Coroada de ouro quando se levanta do horizonte, ou de
prata ao subir no ponto mais alto dos céus.
Rainha de beleza incomparável, rodeada pelas estrelas
ofuscada pelo teu brilho.
Senhora do Tempo, mãe dos Meses que correm, tu que
dás inicio, meio e fim aos trabalhos da Natureza.
Seja-nos propícia, esteja presente e receba suas oferendas
em teu dia sagrado! "
Depositaram a cevada nas tigelas, espalharam pelo local
e sobre si mesmos.
A lua parecia mais brilhante e uma suave brisa soprou,
balançando levemente os galhos das árvores que os cercavam.
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Em seguida recitaram antigos e modernos hinos em
honra á divindade lunar, realizaram libações e ofertas de bolos
preparados por Marina. Uma simples e graciosa dança circular
convidou deidades do local ao rito, figuras femininas
translúcidas espiavam e outras participavam de longe, sob as
copas escuras das árvores.
A data caiu num fim de semana em que o trio pôde
permanecer no sítio, usufruindo da beleza e paz da natureza.
No entanto, ao regressar ao "lar doce lar" na segunda-
feira à noite Menandro teve uma bela surpresa. Na sala haviam
instalado uma espécie de altar com cruzes e uma grande Bíblia
dourada. Na verdade, aonde dirigia seu olhar, encontrava
alguma imagem cristã.
Seu estômago revirou imediatamente, emergindo uma
grande ânsia.
-Que troço é esse??? - a sala pareceu girar por um
instante - Isso só pode ser um pesadelo!
Menandro escutou um burburinho vindo da cozinha e
aproximou-se pé por pé a fim de saber o tom da conversa.
"Estamos muito distantes, devem ser aquelas coisas,
como o próprio pastor disse...
Não se preocupe, meu amor. No máximo até depois de
amanhã o pastor virá conversar com ele. Por Deus, tudo vai
melhorar você verá."
O embrulho no estômago se intensificou e o garoto teve
que subir voando para vomitar no banheiro. Os passos
apressados fizeram-se ouvir e chamaram a atenção do casal,
que intrigados foram atrás dele.
-Abre a porta, meu filho! Deixa eu te ajudar aí!
-Não! Me deixa sozinho! Não quero ver ninguém!
-Por favor, não fique assim. É pelo seu próprio bem!
-Anda, Menandro. Pára de frescura. Abre essa porta! -
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intrometeu-se Leonardo.
O garoto parou de responder e eles resolveram desistir.
Assim que desapareceram da volta, Menandro retirou-se para o
seu quarto, nem jantar não fez questão.
-Você vai minguar e desaparecer com a Lua, canalha!
A semana passou e ele evitou a todo custo cruzar com
sua mãe e o ogro. E quando não havia escapatória, limitava-se
a cumprimentos frios e respostas curtas. Menandro não se
alimentou adequadamente e o enjoo e dores de cabeça
acompanharam-no pelos dias que se seguiram. Sentindo quase
impossível continuar no mesmo espaço, aceitou o convite de
Lucas de passar um tempo em sua casa.
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Menandro bebia um chá quente preparado pela mãe de
Lucas. Ele estava pálido e sentia-se muito fraco.
-Preciso fazer alguma coisa... Mas minha mente parece
não funcionar direito.
-Também, olha o seu estado! A impressão que dá é de
que se der um passo, desaba no chão. Tem que se alimentar.
-Minhas náuseas me impossibilitam de sustentar
qualquer coisa no estômago.
-É puramente emocional, mas deve ir ao médico.
-Nem pensar! Isso traria problemas para sua mãe e
você. Meu único remédio é acabar com aquele ser das trevas!
Menandro suspirava feito um dragão a ponto de
queimar tudo.
-Seja lá o que pretenda fazer, se teimar em não cuidar
de sua saúde, será difícil levar a cabo qualquer plano.
O amigo permaneceu em silêncio.
-Talvez devesse deixar isso assim. - disse Lucas, num
comentário surpreendente.
-Hein?! Como assim?! - Menandro arregalou os olhos.
- Pense bem... E se for a vontade dos Deuses. Ou melhor,
de sua própria Deusa. Afinal, paixões ardentes e perigosas
caem na alçada de Afrodite, certo?
Menandro pensou que era alguma brincadeira de mau
gosto do amigo, para variar, e abriu a boca com o intuito de
repreendê-lo. Porém, Lucas estava sério, inexistia qualquer
humor por trás daquela observação.
-Enlouqueceu de vez, Lucas? Minha Deusa contra mim
mesmo?
- Menandro, o mundo não gira em torno do seu bem-
estar, de suas vontades e opiniões, nem mesmo, aliás, muito
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menos os Deuses...
O filho de Sabrina fechou o cenho. Aquelas palavras
foram como facadas em seu peito.
- Estou pasmo com o que disse! Nem vou responder
nada, caso contrário podemos abalar nossa amizade.
Revoltado, caminhou a passos pesados até a varanda do
quarto de Lucas. A noite estava fria, sem lua até àquela hora.
"Talvez haja um fundo de verdade no que ele disse...
será?”
Num canto do quarto um monte de jornal chamava a
atenção.
-Para que tudo isso?
-Estou recortando reportagens interessantes para
guardar. É um hobby meu.
Menandro agachou-se ao lado daquela montoeira e
começou a revirá-los, por mero passatempo, ao que uma foto
intrigante fisgou-o.
-O golpista sedutor? - leu o título da reportagem
policial. Passou os olhos no texto, captou o assunto e levou o
jornal aos olhos do amigo. - Veja essa foto! Veja! Te lembra
alguém, apesar da diferença dos cabelos e barba???
Lucas tomou a edição em mãos e leu:
-"Procurado por seduzir mulheres carentes e roubar-lhes
dinheiro. Troca de identidade com uma habilidade demoníaca."
É a cara do seu padrasto! Há muitas chances de ser ele mesmo!
Mas como vai averiguar?
-Averiguar?! É claro que é ele! Tenho toda certeza!
Preciso mostrar isso para a minha mãe! Era o que eu precisava!
-Calma, espera aí! O que pretende fazer a essa hora da
noite?! Tá maluco?!
-Vou acabar com isso agora mesmo! – bradou
Menandro, cheio de energia, apesar de conservar a palidez. –
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Não posso deixar minha mãe sozinha com aquele demônio por
mais tempo.
-Menandro, tenta se acalmar! – Lucas segurou nos
ombros do amigo agitado e olhou bem no fundo dos seus olhos
– Isso é caso de polícia, vai amanhã à delegacia, explica tudo,
eu até te acompanho. Ele não fará nada justamente hoje, temos
tempo. Imagina só, você e sua mãe sozinhos com ele num
momento crítico? Não sabemos se ele possui alguma arma
escondida ou o que é capaz de fazer para se safar. Precisa ser
racional agora.
O frenesi do jovem começou a diminuir e ele prestava
atenção em cada palavra que ouvia. Quando Lucas soltou seus
ombros, respirou fundo e fechou os olhos, sentando pensativo
na cama em pleno silêncio. Talvez o discurso surtia efeito.
-Ok, você está certo. Acho que é melhor eu dormir,
estou muito cansado.
-Boa ideia, já está tarde, é melhor encerrarmos o dia.
Amanhã cedo faremos tudo o que for preciso.
-Obrigado, Lucas. Não sei o que seria de mim se não
fosse você.
-Sou seu amigo, ora. É meu dever protegê-lo de si
mesmo. Você é bastante inteligente, sabe disso, mas ás vezes
deixa se levar pelas emoções.
-É verdade. E não é a toa que você é de Atena. Hehehe!
Lucas dispôs um colchão no chão para si e cedeu a
cama para Menandro. Era quase meia noite quando desligaram
as luzes e foram dormir.
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A mãe e o padrasto de Menandro ainda estavam
acordados, sentados sobre a cama. Ela exibia olhos inchados e
de braços cruzados fitava um ponto invisível no ar. Ele lia uma
revista de esportes, quando deu uma olhadela na mulher e,
impaciente, resmungou de um jeito nunca antes feito:
-Vai desamarrar essa cara de bunda ou não?!
-Assim que meu filho voltar, minha cara vai melhorar!
Acho que você não compreendeu a situação ainda. Meu filho e
eu estamos brigados, pela primeira vez, por causa de coisas que
nunca haviam sido motivo de qualquer discórdia.
-Vai dizer que a culpa é minha?! – ouriçou-se o
homem, arremessando a revista para um canto. – Isso
aconteceu de tanto que ele foi mimado. Não percebe o rumo
que a vida dele tomou?! Primeiro se tornou um pagão, com
ídolos demoníacos no quarto, com altar e tudo. Até gay deve
ser! Se não fizermos nada a respeito. Deus irá castigá-lo, e aí
não adiantará chorar. Ao invés de me julgar como um inimigo,
entenda que estou tentando salvar o seu filho. Pensa bem nisso.
Lavo as minhas mãos!
Sabrina engoliu em seco e cerrou os dentes. Uma
enorme fúria começou a crescer em seu íntimo, desejando
explodir com todas as suas forças, mas ela se conteve. Engoliu
a resposta que intentava dar.
“Como chegamos a esse ponto? Quando houve esse
desvio? Menandro é o que sempre foi. Não foi ele quem
mudou. Mas, esse homem... Leonardo parece muito diferente,
analisando um pouco. Tem algo estranho por aqui” – pensava a
mulher.
Gradativamente recobrava as faculdades mentais, como
se um feitiço houve sido rompido. Por sua vez, Leonardo
percebeu sua mancada e tentou se reaproximar, pedindo
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desculpas. Quis beijá-la e acariciá-la, porém Sabrina
esbravejou “Me deixa quieta!!!”, esquivou-se e resolveu sair do
quarto. Sozinho, o cara golpeou o colchão e praguejou.
De repente , a campainha tocou , deixando ambos
intrigados. Sabrina encontrava-se no quarto do filho,
admirando a organização dele.
-Será ele?!
Leonardo saltou da cama e ao encontrar a mulher no
corredor, apressada em querer atender a porta, disse:
-Espera, espera! Vou ver se é quem você está pensando!
A essa hora da noite, não sei não.
Por via das dúvidas, foi na cozinha pegar uma faca,
escondendo-a por trás do braço. Sabrina permaneceu no topo
da escadaria, cheia de expectativa.
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Lucas sentiu uma vontade enorme de fazer xixi e
despertou. Levantou-se cambaleando e sem querer enrolou as
pernas e caiu sobre o garoto.
-Desculpa, Menandro! Desculpa... Epa! Menandro???
Imediatamente acendeu a luz e deparou-se com a cama
vazia e também não encontrou a mochila do amigo em canto
algum. Apenas uma folha pequena de caderno mostrava-se
sobre as cobertas desarrumadas. Antes de ler, praguejou:
“Perdão, tive que fazer isso. Mas fazemos o seguinte: se
eu não ligar até às dez da manhã é porque deu tudo errado.
Então chame a polícia. Muito obrigado pelo apoio, mas sabe
como sou muito teimoso (rsrsrs).”
-Teimoso feito uma mula empacada! Que os Deuses lhe
guiem se ainda houver tempo...
.......................................................................................
De volta á mansão, Leonardo pergunta:
-Quem é?
-Sou eu, o Menandro!
Leonardo virou os olhos para cima e destrancou a porta
enquanto pensava em algum motivo plausível para aquele
menino chegar ali em altas horas.
-Uau! Mas que coragem a sua de atravessar a cidade
essa hora! – disse, fazendo uma careta que só Menandro pôde
ver.
-Filho! – exclamou Sabrina, transbordando de alegria,
descendo as escadas indo ao seu encontro, mas logo seu
semblante obscureceu ao se deparar com o aspecto doente do
garoto.
Então se abraçaram e Sabrina falou:
-Ai, meu filho! Que saudades! Fiquei tão triste com sua
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ausência, não faça mais isso, por favor. – e afastando-se para
olhar novamente em seu rosto, continuou – Você não parece
bem, tem se alimentado? Devia ter permanecido em casa para
que eu pudesse cuidar de ti.
-Sabe muito bem que as coisas mudaram bastante por
aqui nos últimos dias, aliás, meses. Suba comigo, tenho que te
mostrar um negócio... – sussurrou.
- Entre sua mãe e eu não há segredos! – Leonardo
conseguiu ouvir, para desgosto de Menandro.
- Olha como fala com ele, Leonardo! É assunto nosso,
não se meta! – diante da posição da mãe, o garoto se
surpreendeu.
Confiante e impulsionado por fortes emoções,
Menandro decidiu dar a cartada final. Apertou os punhos e em
seguida retirou da mochila a reportagem.
-Mãe, sinto muito ter que destruir seu momento
aparentemente especial. Porém, esse cara é um golpista
procurado pela polícia. Assume diversas identidades,
conquistas mulheres carentes para no final roubar seus bens e
sumir no mundo.
O casal sentiu um forte embrulho no estômago com as
palavras de Menandro, cujo coração batia a mil. As pernas de
Sabrina amoleceram assim que viu a foto e leu o conteúdo da
publicação. Lentamente subiu alguns passos, procurando não
cambalear e quem sabe rolar degraus abaixo, tamanho o seu
choque. Enfim cedeu, prostrou-se e caiu aos prantos.
Leonardo engoliu em seco, assistia paralisado. Não
esperava por isso. Seus planos sempre deram certo. Logo
nesse caso, que lhe garantiria o embolso mais “gordo” que já
teve. Ele ofegava, sua mente girava e buscava engendrar algum
plano de emergência.
Próximo de sua mãe, Menandro olha com desdém para
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o padrasto. Sentia-se envolto de uma aura triunfante:
-Você já era, filho da p*¨¨*!
Percebendo-se encurralado, Leonardo saiu de si, mas a
ideia que lhe surgiu não era a de fugir. Soltou um urro
pavoroso e correu como um touro na direção de Menandro. O
garoto , quando se deu por conta, já estava sendo puxado pelo
tornozelo, prestes a tombar de joelhos sobre os degraus.
Enfurecido, passou um de seus grandes braços pelo pescoço do
menino, ao que Sabrina começou a gritar de desespero,
mandando soltar o seu filho. A faca que portava agora ameaça
terminar com a vida de Menandro, que mesmo assim, não
sentia arrependimento por não ter escutado o amigo.
-Deixa meu filho em paz! Solte-o! Solte-o! Dou tudo o
que quiser, mas não machuque! Não o machuque!
-Foge, mãe! Aproveita! Não se preocupe!Fuja! Fuja!
-Corajoso ou retardado?! – disse o homem – Seja como
for, faço questão de acabar com você, não sabe o quanto sonhei
com esse dia!
Alheio a qualquer reflexão, sem medo algum,
Menandro deu um sorriso, abriu a boca e cravou os dentes no
braço do ogro, que soltou outro urro de ódio. Sem pestanejar,
ergueu a faca no ar. Menandro não pensou em mais nada,
fechou os olhos e esperou a morte certa. Porém, pior era a
consciência do fracasso e o medo acerca do futuro da mãe nas
mãos daquele bandido. O que aquele monstro faria com ela? O
ato impulsivo levava ao fim qualquer tentativa.
Subitamente todos os vidros das janelas se estilhaçaram
com violência, causando grande ruído e espanto. Pombos
negros voaram ordenados para dentro da mansão, enquanto os
três assistiam paralisados. E num misterioso movimento, as
aves começaram a circular pelo alto teto.
Mas o mais surpreendente ainda estava por ocorrer,
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uma presença não imaginada. Ao lado de Sabrina, penas de
pombos giraram em espiral, brotando intensa luminosidade
azul-celeste do centro do pequeno redemoinho, surgindo uma
alta e belíssima forma humana feminina. Ela exalava um
fragrante perfume de rosas, mirra e maçãs, mas portava uma
peitoral e uma lança e aos poucos suas vestes escureciam como
a noite. Os cabelos cacheados esvoaçavam, seu corpo era
envolto de um brilho especial, seu porte emanava superioridade
e autoridade. Menandro jurava estar sonhando, pouco ouvira
falar desse aspecto de sua deusa.
Majestosa, Afrodite caminhou calmamente na direção
dos dois, cercada por suas aves sagradas. O Medo e o Pavor,
demones terríveis se apossaram de Leonardo, fazendo-o
experimentar sentimentos profundos e autodestrutivos. Sem
conseguir pensar direito, soltou Menandro e virou às cegas
sobre os calcanhares para correr. Rolou escada abaixo,
violentamente, pagando por cada falcatrua sua e por cada crime
não descoberto ainda.
Menandro caiu de joelhos, atônito e destituído de
qualquer ação diante de sua Rainha. Sabrina desmaiara com a
visão, jazia imóvel no chão. E logo seu filho teve o mesmo
destino, mas não antes de vislumbrar um terno sorriso da
elegante divindade. E os pombos, por sua vez, desapareceram
com sua senhora.
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Menandro estava mais aliviado, e relativamente
contente, nos dias que transcorreram aquele episodio trágico.
Sua mãe parecia mais preocupada do que triste, intrigando o
filho. Ele tentava compreender, afinal ela sofrera penosa
desilusão amorosa e voltava á sua solitária solteirice.
-Ela ficará bem. Encontrará um homem melhor, com
certeza. Tudo o que aconteceu foi pelo nosso bem.
Porém, na manhã do segundo fim de semana após os
acontecimentos, Sabrina o chamou para conversar. Ela o levou
a sentar-se no grande e belo jardim florido nos fundos da casa,
sob o limpo e brilhante céu azul.
-E então, mãe? Por que tanto mistério?
-Bem... primeiro gostaria de saber como está se sentindo
com aquela história toda que enfrentamos. – era a primeira vez
que paravam para falar sobre o assunto, e ela parecia receosa.
-Ah – respondeu Menandro, com um sorriso a se abrir –
Muito melhor, mãe! Ainda mais porque tudo vai voltar a ser
como era antes, né. Só você e eu, ao menos enquanto não
descobre um novo e mais feliz amor, certo?
Sabrina olhou para baixo e começou a esfregar as mãos
uma na outra. O filho percebeu e estranhou.
-Como deve saber, sofri muito com tudo isso, você foi o
principal agente para que a verdade se manifestasse e sei que
foi pelo meu bem. Sabe que te amo demais...Contudo, fiquei
muito mal com a queda do Leonardo, aquela noite chamei a
ambulância, o acompanhei até o hospital. Nos outros dias o
visitei também e conversamos bastante...
De repente, Menandro sentiu uma ponta de dor de
cabeça a brotar e levou uma das mãos à testa. O coração se
agitou e acelerou suas batidas.
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Sabrina prosseguiu, após um longo suspiro:
-Conversamos bastante, ele confessou tudo e mais um
pouco. Disse também que realmente me amava, apesar de ter se
formado um sentimento verdadeiro bem depois de nos
conhecermos. Ele tinha um plano, mas já num certo ponto
havia desistido.
Pressentindo o que estava por ouvir, Menandro virou o
rosto e cerrou os dentes. Os olhos se enchiam de água.
-Enfim, sei que não vai ser fácil para você, mas juntos
iremos superar essa história. Leonardo sai hoje do hospital e
virá para cá novamente.
-Ha! Por isso que não queria que eu o denunciasse,
dizendo que faria isso você mesma! – soltou Menandro.
- Eu amo ele, meu filho. Tente entender... Aliás, não é
sua deusa principal a senhora do amor? Vou dá-lo uma segunda
chance. Acredito que todos merecem novas oportunidades para
mudar.
-Claro... Só deve ser uma piada de mal gosto de Afrodite!
– ele golpeou o chão com um dos punhos, fechou os olhos e
uma lágrima rolou. Engoliu em seco. Uma ânsia acometeu-lhe
e Menandro levantou-se bruscamente, em silêncio, sem olhar
para trás. E Sabrina achou melhor não tentar impedi-lo.
Chocado até o último fio de cabelo, correu desesperado
para o quarto e bateu a porta, causando um estrondo capaz de
ser ouvido do lado de fora.
-Isso só pode ser um pesadelo!!!
Sem pensar duas vezes, pegou tudo o que viu pela frente
e lançou contra as paredes, estilhaçando quadros, peças de
porcelana. Chorava e urrava de ódio enquanto destruía tudo.
Sabrina ouvia a barulheira e chorava no jardim.
Finalmente, exaurido, o garoto terminou sentado no chão,
encostado na cama, a fitar a estátua de sua deusa no alto da
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parede. Por um bom tempo assim permaneceu, imóvel e
ofegante.
Perto do meio-dia Sabrina saiu para pegar Leonardo do
hospital. Menandro estava estirado sobre a cama desarrumada
quando ouviu o ruído do automóvel.
Em torno das cinco da tarde o casal retornou, aos risos e
conversinhas descontraídas. Lembravam um casal de
adolescentes apaixonados em início de namoro. Sabrina
ajudou-o a subir para o quarto deles e depois resolveu, mesmo
receosa, de ver como estava seu filho revoltado.
Ela bateu na porta. E bateu. E bateu outra vez. Chamou o
garoto carinhosamente e nada. Preocupada, respirou fundo e
girou a maçaneta. A porta estava aberta. O caos reinava no
quarto dele, o chão repleto de cacos espalhados. Mas um
detalhe a colocou em alerta.
- A estátua... Onde está?!
Ela procurou por todos os cantos. Isso podia ser um
péssimo sinal. Ela sabia o que significava. Até que encontrou
uma folha de caderno, com o seguinte bilhete:
“Ok, mãe, viva sua vida como desejar. Mas não queira
que eu aceite de bom grado e participe disso como se fosse
uma situação cotidiana qualquer. Não tente me ligar, ficarei
bem, em breve mandarei notícias. Preciso me afastar. Fique
bem. Te amo...”
Desnorteada, saiu correndo chorando e ligou para os
amigos dele. Ninguém sabia de Menandro, nem mesmo Lucas.
....................................................................................
Era tarde da noite, Menandro caminhava por uma
avenida agitada da cidade grande. Ele carregava uma mala com
sua estátua enrolada cuidadosamente e alguns pertences. A
brisa fria causava-lhe calafrios, embora estivesse bem
agasalhado. No rosto óculos escuros disfarçavam suas olheiras
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e inchaço por tanto chorar.
Uma imensa praça arborizada surgiu pelo caminho e ele
parou e sentou num dos bancos solitários. Podia perceber
alguns movimentos por entre as árvores ali perto.
Soltou um longo e resignado suspiro e começou a
pensar:
-Nem sempre temos que vencer, certo? Podemos mudar
de religião, de deuses, ou sistema filosófico, porém a realidade
permanece a mesma para todos: complexa e quase sempre
hostil. Tudo bem... Enquanto eu estiver vivo, poderei desafiar a
realidade e tentar. E sei que, de uma forma ou de outra, Ela está
me apoiando.
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