UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
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Renato Ortiz (Unicamp)Rosa Ester Rossini (USP)Renato Tribuzi (Ufam)
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MANAUS - AM2017
Rosa Mendonça de BritoOrganizadora
Um Trajeto pelas Estradas da Pobreza, dasDesigualdades Sociais, dos Direitos Humanos, da
Educação no Estado do Amazonas
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Copyright © 2017 Universidade Federal do Amazonas
REITORAMárcia Perales Mendes Silva
EDITORASuely Oliveira Moraes Marquez
REVISÃOSuely Oliveira Moraes Marquez (Técnica)Antonia Silva de Lima (Português)
EDITORAÇÃO ELETRÔNICAMarcela Costa de Souza
CAPAGean Flávio de Araújo Lima
FOTORosa Mendonça de Brito
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U48
Ficha Catalográfica elaborada por Suely O. Moraes - CRB 11/365
Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitoshumanos, da Educação no estado do Amazonas / Organização deRosa Mendonça de Brito. - Manaus: EDUA, 2017.268 p.; 14x21cm
ISBN 978-85-7401-947-5
1. Educação - Amazonas. 2. Desigualdade social. 3. Direitos humanos.I. Brito, Rosa Mendonça de. (Org.).
CDU 37: 177.5
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APRESENTAÇÃO
Este livro trata das questões da pobreza, das desigualdades sociais,
dos direitos humanos e do programa bolsa família e apresenta os
resultados de estudos, pesquisas e reflexões sobre a temática, realizados
pelos cursistas, tutores e professores orientadores quando do
desenvolvimento do curso de especialização “Educação, Pobreza e
Desigualdade Social”, realizado na modalidade a distância pela
Universidade Federal do Amazonas (UFAM), em parceria com a SECADI/
MEC, SEDUC e SEMEDs, envolvendo 400 participantes e 17 municípios do
Estado do Amazonas.
Tem por finalidade mostrar que a conquista dos direitos humanos
fundamentais e da cidadania deve ser vista como aspecto de extrema
importância na formação do aluno, por isso mesmo precisa ser
desenvolvida pelo processo educativo. Mostrar, também, que o Programa
Bolsa Família é uma política pública voltada para o alcance desse objetivo
destacando sua inter-relação com questões escolares fundamentais.
Estruturado em cinco capítulos, a escrita do referido livro coube
à equipe de professores orientadores e sua organização à professora Rosa
Mendonça de Brito. O primeiro capítulo intitulado “O Programa Bolsa
Família e seus impactos na Educação, na desigualdade social e na
diminuição da pobreza”, tem início com uma introdução cujo teor refere-
se à Declaração dos Direitos Humanos dentre os quais consta a educação
como direito fundamental para a conquista dos demais. A seguir apresenta
a historicidade do Programa Bolsa Família (PBF) e sua inter-relação com
a Educação, esta concebida como estratégia fundamental para minimizar
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a desigualdade social. A explicitação dos critérios pré-estabelecidos para
a concessão dos benefícios e aos valores de cada tipo está exposta de
forma sucinta e objetiva no Quadro denominado “Benefícios Variáveis”,
os quais são vinculados a grupos diferenciados, a saber: à criança ou
adolescente de 0 a 15 anos; à gestante; à nutriz e ao adolescente até dois
por família.
No capítulo 2, “A conquista da cidadania diante da pobreza e das
desigualdades sociais”, tem-se de início, uma introdução explicativa sobre
o embasamento desse estudo que incluiu ideias de teóricos, documentos
e pesquisas realizadas por alunos do Curso e todo o seu conteúdo trabalha
o tema cidadania interrelacionando-a com as questões dos direitos e
deveres do homem e o processo para a sua legitimação, e um retrospecto
histórico da trajetória percorrida pelo ser humano na busca da conquista
da cidadania. Apresenta concepções de cidadania recolhidas de diálogos
tanto em escolas quanto em comunidades da periferia de Manaus, com
professores, coordenadores pedagógicos, gestores de escolas e, ainda,
com pais de alunos e comunitários que levam a constatação de que a
maioria dos entrevistados entende a cidadania como “ter direitos e
deveres”. Enfoca no final, o PBF como política pública e como estratégia,
cujo principal objetivo é o enfrentamento da pobreza e das desigualdades
sociais.
O terceiro capítulo denominado “O Programa Bolsa Família e o
espaço escolar na reprodução ou minimização da pobreza: análise da
realidade de escolas de Manaus e outros municípios do Amazonas”, inicia
explicitando qual a função dos professores orientadores no Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC), a abrangência da pesquisa envolvendo vinte e
seis escolas em áreas urbanas dos municípios de Presidente Figueiredo,
Rio Preto da Eva, Urucará e Manaus, realizada com gestores, professores
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e beneficiários e não beneficiários do PBF. Posteriormente apresenta a
análise sobre a pobreza como privação da capacidade básica e produtora
da desigualdade social; o Bolsa Família como fator positivo na
aprendizagem e na melhoria de vida das crianças e suas famílias. O artigo
está estruturado em quatro tópicos, a saber: A escola como espaço de
desenvolvimento e aprendizagem da criança: análise da reprodução ou
enfrentamento da pobreza; Reflexões sobre os tempos de vida e na escola;
A reprodução e resistência à pobreza nos espaços e tempos escolares; Os
modelos padronizados de funcionamento escolar.
O quarto capítulo denominado “A produção de TCC no contexto do
Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social: pesquisa,
narrativa e reflexões do processo formativo”, traz como temática principal
a Pobreza, Direitos Humanos, Justiça, Educação e Programa Bolsa Família e
apresenta importantes narrativas de alguns professores sobre as
experiências adquiridas como partícipes no desenvolvimento do curso e
também a sistematização crítica dos cursistas na elaboração final do trabalho
de conclusão do curso (TCC). O capítulo foi dividido em quatro narrativas
as quais se complementam numa sequência lógica dos conteúdos e
demonstram a riqueza da prática docente a partir da produção do trabalho
científico, cujos conteúdos expostos nas narrativas foram: Pobreza,
Desigualdade Social e Educação; Faces Teóricas e Históricas da Relação entre
Educação, Pobreza e Direitos Humanos; Relatos sobre a Pesquisa em
educação, o Direito à Formação Cidadã e o Programa Bolsa Família no
Amazonas e Direitos Humanos: História e Gênese. Fica evidente em tais
narrativas, que a maioria dos trabalhos de conclusão de curso versou sobre
o Programa Bolsa Família e sua interface com os direitos humanos.
O quinto capítulo “Pobreza e currículo: uma análise sobre diferentes
realidades escolares no estado do Amazonas” foi desenvolvido através
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de quatro tópicos. Inicia com um breve retrospecto histórico da formação
social da população brasileira constituída por uma diversidade de povos
e origens, as conseqüências desse fato, conflitos e práticas discriminatórias
desqualificando pessoas por sua origem social. Apresenta diferentes
entendimento do Programa Bolsa Família quanto à transferência de renda
e as condicionalidades, explicitando os direitos e deveres de seus
beneficiários. Expõe a importância do Curso de Especialização para o
estudo e análise dos resultados positivos do PBF. Aborda o tema currículo
nos aspectos históricos, finalidade e relevância na organização do processo
ensino-aprendizagem; discute a dissonância dos currículos das escolas
públicas em geral e, em particular, os das escolas do Estado do Amazonas;
expõe resultados de pesquisas sobre a questão curricular com professores
e alunos, em quinze escolas de cinco municípios do estado do Amazonas.
Alair dos Anjos Silva de Miranda
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SUMÁRIO
1 O programa Bolsa Família e seus Impactos na educação, na
Desigualdade Social e na Diminuição da Pobreza ......................
2 A Conquista da Cidadania Diante da Pobreza e das Desigualdades
Sociais ........................................................................................
3 O Programa Bolsa Família e o Espaço Escolar na Reprodução ou
Minimização da Pobreza: análise da realidade de escolas de Manaus
e outros municípios do Amazonas ..............................................
4 A Produção de TCC no Contexto do Curso de Especialização
Educação, Pobreza e Desigualdade Social: pesquisa, narrativa e
reflexões do processo formativo .................................................
5 Pobreza E Currículo: Uma Análise Sobre Diferentes Realidades
Escolares No Estado do Amazonas ..................................................
Sobre os organizadores ..............................................................
11
45
119
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218
257
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11Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
INTRODUÇÃO
A Declaração Universal de Direitos Humanos, adotada pela
Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, constitui o principal marco
no desenvolvimento da ideia contemporânea de direitos humanos. Os
direitos consignados nesta declaração constituem um conjunto
indissociável e interdependente de direitos individuais e coletivos, civis,
políticos, econômicos, sociais e culturais, sem os quais a dignidade da
pessoa humana não se realiza integralmente. A partir daí, a Declaração
transformou-se numa fonte de inspiração para a elaboração de diversas
cartas constitucionais e tratados internacionais voltados à proteção dos
direitos humanos, tornando-se um paradigma ético a partir do qual se
pode medir e contestar a legitimidade de regimes e Governos.
Diversos documentos consolidam a Educação em Direitos Humanos
como política pública no Brasil. Lançado no dia 1º de dezembro de 2003
pelo Governo Federal, através do Ministério da Educação e da Secretaria
O Programa Bolsa Família e seus Impactosna Educação, na Desigualdade Social e naDiminuição da Pobreza
Maria Marly de Oliveira Coelho | Francinaldo Mendes
Nogueira | Gisele de Lima Vieira | Luciana de Lima
Pereira | Robert Langlady Lira Rosas
1
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)12
Especial dos Direitos Humanos, o Plano Nacional de Educação em Direitos
Humanos - PNEDH deveria tornar-se um instrumento orientador e
fomentador de ações educativas, tanto no âmbito da educação formal,
quanto da não formal.
Além disso, neste Plano estão contidas as contribuições e
recomendações do documento da UNESCO sobre a Década das Nações
Unidas para a Educação em Direitos Humanos e para uma Cultura de Paz
(1995-2004).
De acordo com o PNEDH,
Educar em direitos humanos e fomentar processos deeducação formal e não formal, de modo a contribuirpara a construção da cidadania, o conhecimento dosdireitos fundamentais, o respeito à pluralidade e àdiversidade sexual, étnica, racial, cultural, de gêneroe de crenças religiosas. (BRASIL, 2001, p. 7).
No tocante à Educação Básica, o documento preconiza que
constituem exigências fundamentais favorecer, desde a infância, a
formação de sujeitos de direito e priorizar pessoas e grupos excluídos,
marginalizados e discriminados pela sociedade.
Nesta perspectiva, a educação em direitos humanos tem como um
dos referenciais o princípio de que a cultura de direitos humanos tem
relevância em todos os espaços sociais, mormente na escola, que deve
contribuir na formação de sujeitos de direito e de identidades individuais
e coletivas.
Para garantir a dignidade humana, entre outros fatores, compe-
tem efetivar o direito à alimentação e à educação, direitos sociais, cons-
titucionais e universais, para tanto, políticas públicas sociais necessitam
serimplementadas, a fim deassegurar estes direitos, visando a diminuir a
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13Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
pobreza e, consequentemente, a desigualdade social, sendo uma dessas
políticas públicas a criação do Programa Bolsa Família pelo Governo Fe-
deral, o qual se fará destaque neste trabalho ressaltando seus impactos
na educação e na redução da pobreza como medida social para
diminuiçãoda desigualdade social.
1 PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
O Programa Bolsa Família (PBF) foi criado em 20 de outubro de
2003, pela Medida Provisória nº 132, convertida na Lei nº 10.836 de 09
de janeiro de 2004. O objetivo central deste programa é o incentivo à
garantia de direitos e não somente proporcionar renda às famílias que se
encontram em circunstâncias de pobreza e extrema pobreza. Este programa
se configura na associação de transferência de renda e acesso aos direitos
sociais básicos de saúde, alimentação, educação e assistência social,
visando atender famílias em situação de vulnerabilidade social.
Com o intuito de assegurar esses direitos supracitados, o Governo
Federal unificou os programas sociais de transferência de renda quais
sejam: bolsa escola, bolsa alimentação, cartão alimentação e o vale gás
em um único programa de transferência de renda no país, assim surgindo
o Programa Bolsa Família – PBF. Houve necessidade de ajustes no
programa, sobretudo, no que concerne ao valor do benefício e na ampliação
do número de famílias que poderiam participar deste programa de
transferência de renda.
Conforme Silva (2007, p.10), este programa tornou-se uma
novidade dentre os programas de transferência de renda existentes no
Brasil, por:
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)14
[...] se propor a proteger o grupo familiar como umtodo; pela elevação do valor monetário do benefício;pela simplificação que representa e pela elevação derecursos destinados a programas dessa natureza, demodo que, segundo os idealizadores do Programa, nãohá possibilidade de diminuição de transferênciamonetária em relação ao benefício então prestado porqualquer dos outros programas.
O PBF prevê condicionalidades, ou seja, a família beneficiária
assume compromissos nas áreas de saúde e da educação, desde o
acompanhamento pré-natal, acompanhamento nutricional à frequência
escolar em estabelecimentos públicos de ensino. Um dos objetivos do
programa é o de contribuir para o rompimento do ciclo intergeracional
da pobreza. Portanto, é preciso reconhecer que a educação se constitui
em uma relevante estratégia para alcançar esse objetivo. Os estudos
realizados sobre o acesso e a permanência dos estudantes na escola vêm
demonstrando que a desigualdade social e econômica tem dificultado a
universalização da educação básica.
Essas condicionalidades como frequência escolar, baixa renda,
acompanhamento nos cuidados básicos de saúde, reforçam o direito da
criança à educação, ao mesmo tempo em que permitem uma ruptura no
ciclo da pobreza através das gerações futuras. Há quem ache que o objetivo
principal do Programa Bolsa Família é a proteção social, e que a cobrança
excessiva de condicionalidades pode acabar por dificultar o acesso das
famílias mais vulneráveis, as que, realmente, necessitam do benefício. No
entanto, é necessário que o Governo fiscalize com maior rigor esse acesso
e suas contrapartidas para que esse benefício chegue a todas elas. Segundo
Soares e Sátyro (2009, p. 15):
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15Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Obrigatório ou não, o cumprimento dessascontrapartidas por parte das famílias que vivem emsituação de extrema vulnerabilidade social e de rendanão é tão simples formalidade e a institucionalidade émais frágil. Vivem longe das escolas e dos postos desaúde. Frequentemente vivem além do alcance doscorreios. Supõe-se, portanto, que o Estado deva entrarcumprindo seu dever constitucional de criar condiçõespara que as famílias façam a parte que lhes cabe.
Com o Programa Bolsa Família, o Governo viabilizou estratégias
de combate à fome no Brasil, todavia, o Estado ainda não assegura a
alimentação a toda população brasileira como previsto na Constituição
Federal. Este programa se constitui como uma solução paliativa.
Para falar da importância desse Programa é preciso ter
conhecimento real das causas e consequências da pobreza, da realidade
econômica e da exclusão social no país. A partir daí, pode-se pensar em
um contexto educacional, realmente, comprometido com a qualidade de
vida dos sujeitos, que deverão utilizar mecanismos didático-pedagógicos,
métodos e técnicas de ensino voltadas para a melhoria da aprendizagem
de todos.
Os programas sociais, entre estes o PBF, são utilizados por alguns
políticos como forma de conquistar o povo para obtenção do voto. O
mau uso desses recursos dos programas sociais – por políticos – com fins
eleitoreiros desvia, completamente, o sentido e o objetivo primordial do
Programa. Com isso, a população fica a mercê dessa situação, o que acaba
por fragilizar as ações, tornando-as descontínuas. A falta de informação
da sociedade acerca das contribuições que o Programa Bolsa Família
apresenta à parcela da população brasileira, que recebe este benefício,
gera críticas e apelo à extinção do benefício.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)16
No município de Manaus, a Secretaria Municipal de Assistência
Social e Direitos Humanos e Cidadania – SEMASDH é responsável pelas
políticas públicas na área de Assistência Social, assim como nos municípios
a Secretaria de Assistência Social tem essa função. Dessa forma, ela deve
cadastrar e identificar as famílias que se encontram em situação de
vulnerabilidade social, tendo como características: estado de extrema
pobreza com renda per capita menor que R$ 85,00; estado de pobreza
que possuem renda per capita de R$ 85,01 a R$ 170,00; famílias que
possuem em sua composição familiar crianças e adolescentes com idade
limite de até 17 anos que frequentem a escola regularmente; gestantes
também têm direito aos benefícios do Programa Bolsa Família.
Benefício Básico, no valor de R$ 85,00 – pago apenas a famílias
extremamente pobres (renda mensal por pessoa de até R$ 85,00),
demonstrado no quadro seguinte:
Quadro1 - Benefícios variáveis (até cinco por família)
Pago às famílias com renda mensal de até R$170,00 por pessoa e que tenham crianças ouadolescentes de 0 a 15 anos de idade em suacomposição.É exigida frequência escolar das crianças eadolescentes entre seis e 15 anos de idade.
Pago às famílias com renda mensal de até R$170,00 por pessoa e que tenham grávidas em suacomposição.São repassadas nove parcelas mensais.O benefício só é concedido se a gravidez foridentificada pela área de saúde para que ainformação seja inserida no Sistema Bolsa Famíliana Saúde.
Benefício VariávelVinculado à Criança ouao Adolescente de 0 a 15anos. R$ 39,00
Benefício VariávelVinculado à Gestante R$39,00
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17Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Muitas famílias têm como única fonte de renda o benefício Bolsa
Família, mesmo considerando que o valor, embora ampliado, ainda é
irrisório para superação das necessidades básicas das famílias de baixa
renda. Outra questão observada é em relação aos critérios para participar
do Programa Bolsa Família:
[...] primeiramente a renda da família é somada para saberquanto ganham por mês e, posteriormente, o valor totalé dividido pelo número de pessoas que há na residência,com o intuito de obter a renda da família por pessoa, afim de realizar a triagem dos potenciais beneficiários doPBF de acordo com os critérios (PIRES, 2013, p. 2).
Portanto, é um Programa de transferência de renda direcionado
aos mais pobres, homens, mulheres e crianças. Sobre a criação e expansão
dos programas federais de transferência de renda, Rocha (2011, p. 115-
116) esclarece:
Benefício VariávelVinculado à Nutriz.R$ 39,00
Benefício VariávelVinculado aoAdolescenteR$ 46,00(até doispor família)
Pago às famílias com renda mensal de até R$170,00 por pessoa e que tenham crianças comidade entre zero e seis meses em sua composição,para reforçar a alimentação do bebê, mesmo noscasos em que o bebê não more com a mãe.São seis parcelas mensais.Para que o benefício seja concedido, a criançaprecisa ter seus dados incluídos no CadastroÚnico até o sexto mês de vida.
Pago às famílias com renda mensal de até R$170,00 por pessoa e que tenham adolescentesentre 16 e 17 anos em sua composição. É exigidafrequência escolar dos adolescentes.
Fonte: Rodrigues et al (2017).
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)18
Ao tratar do Programa Bolsa Família e dos programaspreexistentes que ele incorpora, criados desde 1995.É importante destacar que transferências de rendafocalizadas nos mais pobres já existiam no Brasil desdea década de setenta. Tinham porém pouca viabilidadealém de cobertura bastante limitada da sua populaçãoalvo, isto é idosos e portadores de deficiência comrenda monetária insuficiente para garantirem seusmeios de sobrevivência. Somente a partir daConstituição de 1988, e, em particular, a partir daregulação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS),em 1993, este programa adquiriu importânciacrescente, tanto do aumento crescente paulatino daclientela atendida, como do valor do benefício quepassou a corresponder a um salário mínimo. Ainda hojeesse programa se diferencia marcadamente dos “novosprogramas criados a partir dos meados da década denoventa, por ter embasamento constitucional, e emconsequência, regras bem definidas de fixação ereajuste do valor do benefício.
É possível afirmar que o programa contribui para o combate à
pobreza e à desigualdade no Brasil, complemento de renda das famílias
brasileiras em situação de vulnerabilidades, que vivem abaixo da linha
da pobreza, como também para a inclusão social. O sentimento de exclusão
por ser de uma vida socialmente desigual, torna o indivíduo desintegrado
de sua existência, de seu comprometimento como cidadão, como
colaborador da sociedade na qual deveria estar inserido.
O referido programa também busca a integralização com as
políticas públicas de cada município, elaborando, assim, diversas ações
para qualificação, alfabetização e educação de jovens e adultos,
oportunizando assim a inserção de chefes de famílias qualificados no
mercado de trabalho. Aguiar (2002, p. 16) “[...] vê a pobreza como a
ausência de escolhas e oportunidades básicas para o desenvolvimento
da vida humana”.
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19Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Enfim, no enfrentamento e combate à pobreza, o programa tem
dois objetivos: em curto prazo é oferecer alívio imediato aos problemas
urgentes da pobreza como a fome e desintegração do ambiente familiar;
em longo prazo é fazer com que haja impedimento do ciclo da pobreza,
auxiliando na melhoria do nível da educação, saúde, induzindo às futuras
oportunidades de qualificação e consequente inserção ao mercado de
trabalho.
Na saúde, o Governo faz um acompanhamento das grávidas que
devem fazer o pré-natal, das nutrizes, o acompanhamento da saúde da
mãe e do bebê no período de amamentação, e das crianças menores de
sete anos. Como também o acompanhamento destes no crescimento e
desenvolvimento, com a constante manutenção do cartão de vacinação,
evitando, assim, problemas de doenças e a mortalidade infantil.
Na educação, o beneficiário deve garantir a matrícula e frequência
escolar dos filhos menores de idade na escola. Para as crianças e
adolescentes entre seis a quinze anos de idade, devem ter no mínimo
oitenta e cinco por cento (85%) de frequência escolar e entre dezesseis e
dezessete anos, setenta e cinco por cento (75%).
Na área da assistência social, as crianças e adolescentes com até
quinze anos de idade, a fim de se evitar o trabalho infantil ou retirar os
mesmo desta condição, são oferecidos os Serviços de Convivência e
Fortalecimento de Vínculos. Nestes, devem ter freqüência mínima de
oitenta e cinco por cento (85%) da carga horária mensal (BRASIL, 2012).
Estas são estratégias criadas pelo governo com a finalidade de
que as famílias em condição de pobreza, com o adequado cumprimento
das condicionalidades, tenham acesso aos seus direitos através das
políticas sociais desenvolvidas pelo governo, exercendo efetivamente sua
cidadania.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)20
Mediante o exposto, podemos constatar que os direitos
fundamentais da criança e do adolescente são assegurados pelo poder
público, o qual é designado para prover as condições necessárias à sua
efetivação, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
O Programa Bolsa Família, apesar de ter sido criado com o intuito
de reduzir as desigualdades sociais e distribuir renda, não está
proporcionando uma saída definitiva da pobreza, em virtude, dentre outros
fatores, do assistencialismo, que acaba por criar uma submissão e relação
de dependência dos beneficiários em relação ao programa. O lado negativo
de muitos programas de transferência e renda é que eles podem se
configurar apenas como uma prática assistencialista, de caráter paliativo
e raramente emancipatório.
Um programa efetivo de combate à pobreza precisa combinar uma
política de transferência de renda, em caráter emergencial, e uma política
estruturante capaz de permitir que a pessoa tenha condições de sair da
pobreza e a ela não mais retornar. Políticas sociais voltadas para a
transferência focalizada de renda podem apresentar um resultado
satisfatório para um problema de conjuntura. Todavia, a pobreza é um
problema de natureza estrutural e, portanto, requer medidas de
reestruturação das bases econômicas e sociais.
As críticas ao Programa da Bolsa Família, contudo, existem desde
sua criação no governo do presidente Lula, em 2003. O programa de
transferência de renda para famílias em situação de pobreza ou de extrema
pobreza unificou programas sociais do governo. Vale ressaltar que os
críticos do programa apontam o caráter assistencialista do benefício. Para
eles, ao invés de estimular as famílias assistidas a ingressarem no mercado
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21Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
de trabalho, o Estado as sustenta com uma renda permanente, agindo no
sentido contrário da autonomia das famílias.
Para Cohn (1995), deve-se entender que as políticas sociais que
são voltadas para o alívio da pobreza são aquelas que têm ação e resultado
de imediato, direcionadas à classe mais necessitada, buscando a superação
da pobreza, e possibilitando um crescimento sustentável destes indivíduos,
sugerindo que as políticas sociais devem buscar:
A articulação entre aquelas (ações) de curto prazo, decaráter mais imediatista, focalizada naqueles gruposidentificados como os mais despossuídos, e aquelasde longo prazo, de caráter permanente, universalizastes,voltadas para a equidade do acesso dos cidadãos aosdireitos sociais, independentemente do nível de rendae da inserção no mercado de trabalho (p. 6).
Em suma, é muito difícil fazer apenas uma escolha ou eleger
apenas um público beneficiário. As políticas sociais têm por obrigação
apresentar um tratamento sem distinção e, mais ainda, devem proporcionar
– além de uma porta de entrada – uma oportunidade de saída também
para a situação vivida pela classe mais humilde.
2 EDUCAÇÃO COMO ESTRATÉGIA PARA MINIMIZAR A DESIGUALDADE SOCIAL
A educação é um dos direitos fundamentais na vida de qualquer
cidadãoe um dos assuntos mais abordados pelos órgãos governamentais
quando se referem à melhoria de vida da população menos favorecida.
Isto porque ainda é considerada, para muitos, o ponto de partida para
mudar tal realidade. E, segundo a Constituição Federal, todos os cidadãos
têm este direito assegurado, de acordo com o Art. 205:
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)22
A educação, direito de todos e dever do Estado e dafamília, será promovida e incentivada com acolaboração da sociedade, visando ao plenodesenvolvimento da pessoa, seu preparo para oexercício da cidadania e sua qualificação para otrabalho (BRASIL, 1988, s.p.).
O direito à educação a todos, independentemente de classe,
religião ou condição social, já vigora legalmente. O desafio paira na
necessidade de se conseguir alcançar a permanência dos estudantes dentro
da escola, oriundos da classe menos abastada. Não basta garantir acesso
à educação escolar, mas que lhes sejam ofertadas as condições propícias
para que permaneçam na escola e consigam aprender o conteúdo escolar
formal através de práticas educacionais que os enxergue e os englobe.
Educar em um país com realidades tão diversas e desiguais requer
uma postura que atenda às diferenças e garanta a todos o acesso ao
conhecimento com qualidade. Para que os coletivos historicamente vítimas
das desigualdades sociais consigam se sentir pertencentes ao espaço escolar,
enfatiza-se que não basta incluir, garantir o acesso, é importante também
garantir a permanência na escola para amenizar a desigualdade social.
Como proporcionar uma educação que possa superar realidades
dicotômicas, construir consciências críticas em um mundo tão desigual,
onde as disparidades na oferta de ensino de qualidade para ricos e pobres
é gritante? Embora o Estado garanta o acesso à educação a todos, no
entanto, isso não significa que tudo estará resolvido, o processo só
ocorrerá se houver uma reciprocidade entre família e sociedade
objetivando, assim, promover a inclusão dos pobres no processo
educativo. Dessa forma poderão juntos buscar soluções para melhoria do
nível de vida dessa população depauperada. Havendo esse interesse da
sociedade em colaborar com a educação, muitas adversidades poderão
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23Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
ser amenizadas, pois é sabido que educação é um conceito amplo e não
ocorre somente dentro de uma sala de aula, educação ultrapassa as
diferentes instancias da sociedade, onde há alguém disponível a ensinar
algo de relevante para aquele cidadão que tenha disposição em aprender.
Araújo (2010, p. 39) reforça essa ideia ao afirmar:
É atribuído à escola o papel de ensinar, porém nopresente século aprendemos que não aprendemossomente na escola, mas em outros ambientes, comona família, em conversa com os amigos, nasbrincadeiras com os pares, enfim, é possível aprenderem qualquer lugar desde que se saiba o que se queraprender.
Uma sociedade onde a maioria não está preocupada com o bem-
estar do seu semelhante, forjada ao individualismo e à competitividade,
pouco se importando com as necessidades de seus semelhantes, tais
desvios refletem dentro das instituições de ensino. Araújo (2010, p. 39)
complementa:
A escola por sua vez absorve todos os impactos sociais,culturais, econômicos e políticos que ocorrem nasociedade e sofre com isso, por muitas vezes não saberou não ter como lidar com problemas apresentadospelos estudantes que apresentam sinais de mudançasem seus comportamentos, apresentam novas maneirasno agir e no pensar.
Inúmeras crianças e adolescentes chegam às instituições públicas
de ensino oriundos de lares nos quais não existe possibilidade racional
de sobrevivência, exceto através de políticas compensatórias de
assistência social. Muitos perdem o interesse pelos estudos e acabam
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)24
desistindo ou obrigados a permanecer, pois necessitam da frequência
escolar para adquirirem o benefício do Programa Bolsa Família. E
geralmente esses desistentes são oriundos de famílias em situação de
pobreza que ainda acreditam na educação como a alternativa mais viável
para ascensão social, mas infelizmente são desmotivados por tantos
obstáculos impostos a eles.
Vale ressaltar que este é o momento oportuno para docentes
evidenciarem na prática seus conhecimento e projetos educacionais
voltados para que todos possam ter uma educação igualitária. Para Freire
(1994) o homem é um ser desumanizado, historicamente oprimido. A
libertação ocorre quando o individuo tem consciência da sua realidade e
por meio da práxis sujeito/mundo interfere no meio para a superação de
contradições sociais.
Afirma, ainda, que o homem não deve ter um papel passivo frente
ao mundo. Ele defende uma nova ordem societária, baseado em valores
como: o respeito, justiça social, igualdade de direitos, dignidade humana.
A cidadania não pode ser reduzida a direitos sociais. Ela configura-se
numa relação com osdireitos políticos e jurídicos e, sem ignorar os
avanços civilizatórios dela advindos e a luta dos trabalhadores.
A escola, enquanto agente transformador, tem o papel de viabilizar
a esses oprimidos novos rumos que os possibilite uma aprendizagem
emancipadora, uma vez que o homem encontra-se em constante
construção, cujo currículo deve atender às necessidades de todas as
camadas sociais. Assim, seres imbuídos de conhecimento e respeito às
diversidades estarão mais capacitados na luta pela efetivação dos direitos
negados historicamente aos pobres.
Fazer com que esses empobrecidos se sintam importantes dentro
do processo educacional e que eles possam refletir sobre sua condição
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25Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
de vida é parte importante do processo educativo. Para Martinazzo (2010,
p. 5) “Um dos desafios da educação escolar é desenvolver e/ou despertar
no humano possibilidades para a formação da sua identidade, permitindo
uma compreensão da totalidade humana num mundo plural”.
Para tanto, segundo Fonseca e Conceição (2012):
É preciso pensar políticas e práticas educativas quedêem conta, efetivamente, da diversidade, para queos coletivos historicamente vítimas das desigualdadessociais consigam se sentir pertencentes ao espaçoescolar, percebemos que não basta incluir, garantir oacesso, pois este ponto já foi vencido, agora éimportante garantir a permanência na escola, que nãose restringe à educação como a única solução paraterminar/amenizar a desigualdade social (p. 4).
Arroyo (2011) corrobora que se deposita na educação a solução
para todos os males, sendo ela a salvadora dos pobres, capaz de tirá-los da
situação de ignorância e, consequentemente, de pobreza. Algo fantasioso,
segundo o autor, especialmente ao analisar a estrutura arraigada nos
currículos até então vigentes nas escolas brasileiras. Desigualdade Social e
currículo não se relacionam dentro dos parâmetros devidos. Os currículos
não se aproximam da maneira como deveriam a fim de contribuir para
minimizar as desigualdades sociais. Seriam necessárias inúmeras alterações
nos currículos e propostas pedagógico-escolares para que se insiram de
fato, os considerados pobres nos documentos que norteiam as práticas
escolares, corroborando para que tais sujeitos pobres sintam-se partícipes
do sistema de ensino e, capazes, através de uma educação emancipatória,
de transformar a realidade na qual estão inseridos.
A escola enfrenta o desafio de estar preparada para receber os
desiguais e garantir-lhes uma educação emancipadora capaz de romper
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)26
com práticas excludentes. Certamente não se pode rotular a educação
como a salvadora da pátria, aquela que irá resolver todas as problemáticas
da pobreza. Mas, ela é de fundamental importância para orientar e dar as
coordenadas que irão fazer com que estes que se encontram na situação
de pobreza lutem por seus direitos que são assegurados por lei e, muitas
vezes, deixam de ser beneficiados devido à falta de informação.
Apesar de a educação escolar não constituir-se em uma panaceia,
ela é um forte meio para que o homem insira-se no mundo globalizado,
volátil e excludente, todavia, não pode apresentar-se neutra, tratar com
igualdade os desiguais. Segundo Enguita (1993) o fato de se colocar
todas as crianças na mesma sala de aula não proporciona a elas igualdade
de oportunidades, muitas vezes esta pseudo igualdade será mais
perversa, pois mascara a grande desigualdade social por detrás do fracasso
escolar, atribuindo ao indivíduo a responsabilidade por seu insucesso.
A desigualdade social existente em nosso país é avassaladora
diante de tanta riqueza que o Brasil possui. E toda essa desigualdade é
gerada devido a má distribuição de renda, má distribuição dos recursos,
falta de investimentos nas áreas sociais, culturais, saúde e educação,
falta de oportunidades de trabalho, corrupção, entre outros. “O Brasil
não é um país pobre, mas aqui há muitos pobres e alto grau de injustiça
social. Portanto, é comum correlacionar situação de pobreza a
desigualdade [...]” (TELES, 2014, p. 43).
O grande problema de muitos programas de transferência e renda
é o de manutenção de uma prática assistencialista, de caráter paliativo e
raramente emancipatório. Um programa efetivo de combate à pobreza
precisa combinar uma política de transferência de renda, em caráter
emergencial, e uma política estruturante, capaz de permitir que a pessoa
tenha condições de sair da pobreza e a ela não mais retornar. Políticas
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27Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
sociais voltadas para a transferência focalizada de renda podem apresentar
um resultado satisfatório para um problema de conjuntura. Todavia, a
pobreza é um problema de natureza estrutural e, portanto, requer medidas
de reestruturação das bases econômicas e sociais.
Para Fleury (2003), um modelo assistencial0 acaba tendo por cerne
medidas estigmatizadas visto que, para ter acesso a determinados
programas, é necessário comprovação da situação de pobreza. É com base
nisso que o autor utiliza a expressão “cidadania invertida”, já que o
indivíduo tem de provar que fracassou no mercado de trabalho para ter
acesso à proteção social.
Salienta-se que muitos programas sociais são utilizados por alguns
políticos, como forma de conquistar o povo para obtenção do voto. Os
usuários, por sua vez, possuem épocas de mudança de gestão, em qualquer
das instâncias do governo. O mau uso desses recursos dos programas
sociais – por políticos – com fins eleitoreiros desvia completamente o
sentido e o objetivo primordial do programa, além de se estar cometendo
um crime eleitoral. Sendo assim, a população fica a mercê dessa situação
que acaba por fragilizar as ações, tornando-as descontínuas.
Quando se fala em desigualdade social, não nos referimos somente
à desigualdade econômica, mas a toda e qualquer forma de diferenciação
relacionada com o bem estar de todos os cidadãos pertencentes a uma
sociedade. A desigualdade está em não ter a mesma condição de
crescimento para todos, e conhecer a causa da pobreza e a falta de
oportunidades é o primeiro passo para minimizar a situação.
Historicamente os processos de produção social da pobreza
perpassam padrões de concentração, apropriação e expropriação de renda,
estratégia muito utilizada no sistema capitalista. Relacionar educação
escolar e pobreza é necessário como parte fundamental para o
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)28
enfrentamento da problemática; todavia, tal temática no âmbito escolar
se torna praticamente inexistente. Os pobres estão cada vez mais excluídos
do processo de ensino, sendo relegados a segundo plano no que concerne
a sua inserção como sujeito partícipe das práticas escolares.
Segundo Silva e Souza (2012): A desigualdade social e a pobreza
têm origem no sistema capitalista, uma vez que “[...] os meios de produção,
distribuição, decisões sobre oferta, demanda, preço e investimentos são
em grande parte ou totalmente de propriedade privada, com fins
lucrativos” (p. 5). O crescimento econômico é incentivado pelo capitalismo,
isso faz com que ocorram as expressivas diferenças de renda e riqueza,
onde alguns ficam mais ricos (elites dominantes) e outros mais pobres
(oprimidos dominados) e o que gera e agrava a desigualdade social.
A má distribuição de renda é uma das principais causas da pobreza
em muitos lugares do mundo e no Brasil, portanto não basta um alto
crescimento econômico se não houver repartição das riquezas de forma
justa e igualitária, diminuindo as diferenças entre ricos e pobres criando
condições de empregos que propicie salários dignos para que o assalariado
consiga ter acesso à moradia adequada, transportes de qualidade, educação
e saneamento básico e outros direitos constitucionais.
Todavia, no discurso dominante, o que justifica segundo Euzébios
Filho e Guzzo (2009, p. 35) a existência da desigualdade social, “[...] é o
indivíduo isolado – aquele sujeito que não planeja seu futuro, sujeito
irresponsável e desmotivado, não dotado de uma ‘força interior’.
A decisão a respeito das políticas públicas comprometidas com a
redução da pobreza e da desigualdade no mundo contemporâneo não
deve esperar pelas benesses do liberalismo, pois o pensamento liberal
assume uma finalidade prática: fazer com que o sujeito se enxergue como
espectador da realidade, ocultando as origens das mazelas sociais
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29Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
(MÈSZÁROS, 2006) e direcionando para os oprimidos a responsabilidade
por viverem da maneira como vivem. Portanto, estes são taxados como o
“problema da humanidade”, em outras palavras, é taxado como o culpado
pela desigualdade social.
Euzébios Filho e Guzzo (2007) afirmam, ainda, que a desigualdade
social ultrapassa os limites da materialidade e se expressa em todas as
esferas da vida humana. Para Medeiros (2013, p. 127) “[...] o papel da
Educação possibilita a libertação dos seres humanos de sua condição de
seres desumanizados”.
Os estudos de Pires (2013) abordam a temática da garantia de
direitos na educação através das condicionalidades do Programa Bolsa
Família enquanto estratégia de enfrentamento da pobreza e da
desigualdade no âmbito do pertencimento do aluno à escola. O que traz
não apenas ganhos de escolaridade, mas também reconhecimento social.
Para o pesquisador, o fato de crianças e jovens frequentarem,
obrigatoriamente, a escola por conta da condicionalidade do PBF não
garante a sua produtividade na sociedade capitalista, regida pela lógica
do capital, tampouco rompe a exclusão social.
O que precisa ser discutido é a qualidade dos serviços educacionais
na perspectiva da garantia de direitos à criança e ao jovem beneficiário
do PBF. Os entrevistados de Pires (2013) percebem, além dos efeitos
práticos envolvidos na freqüência escolar, ganhos simbólicos referentes
aos sentimentos de pertencimento e de reconhecimentos sociais. Daí o
grande desafio de se investigar como a escola (des) atende a essa
percepção dos beneficiários.
Nessa perspectiva, educação para humanização é essencial para
formação de uma cultura de respeito à dignidade humana. É uma arma
poderosa para o combate à desigualdade social permitindo ao indivíduo
uma formação para que tenha compromisso com o futuro da humanidade
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)30
em busca da garantia e perpetuação dos valores como respeito, justiça
social, igualdade de direitos e dignidade humana.
Este trabalho se fundamenta na crença de que a educação é um
bem comum e se deve procurar novas alternativas de promoção da inclusão
de todos. A educação escolar pode ser fonte essencial para a superação
das desigualdades sociais e um meio para as mudanças necessárias na
sociedade, desde que se utilize de um ensino e uma aprendizagem
libertadores, com foco no sujeito, no desenvolvimento de suas
potencialidades para vida.
3 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE FALAS E ENTENDIMENTOS
O referido trabalho apresenta a relação do Programa Bolsa Família
– PBF com os problemas sociais decorrentes como desigualdade social e
educação, buscando averiguar sobre os possíveis efeitos que o PBF tem
sobre a pobreza, a desigualdade social e a educação. Destacamos que a
pesquisa foi realizada através de entrevista estruturada e questionário,
por alunos do Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade
Social. Deste estudo, selecionamos algumas falas de sujeitos respondentes
em Manaus e Itacoatiara: 1) Secretário de Ação Social de Itacoatiara1; 2)
Uma escola de Itacoatiara2 e uma escola de Manaus3.
1) Sobre a questão do Programa no município de Itacoatiara, o
Secretário aponta pontos negativos e positivos:
1 Pesquisa realizada pelos cursistas: Adriana Guimarães Silva; José Davilson Serrão Barbosa;Mônica da Silva Lopes;Nábia de Souza Santeiro; Pablo Fabrício Moraes da Silva; Vânia Maria Rolim Rosas.
2 Idem.3 Lisânia de Araújo Leite.
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31Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Negativos:Reduzido número de funcionários para desenvolver otrabalho em toda a sua essência, além de questõesrelacionadas ao acesso às senhas, que nem sempre estãodisponíveis no acesso ao sistema.
De acordo com o IBGE, ainda há famílias que se encontramna pobreza e na extrema pobreza. O que acontece é quemuitas famílias ocultam a sua verdadeira situação erecebem o auxílio mesmo sem se encaixar no perfil eacabam prenchendo as vagas. Isto leva a que no sistemao PBF é visualizado como atendendo 100% desse público.O que não é verdade.
Positivos:Os funcionários desenvolvem o trabalho com bastanteeficiência para atender aos beneficiários.
Os serviços prestados aos beneficiários são: [...]inclusão das famílias no Cadastro Único do Programa;atualização das informações e orientação sobre os direitosdos beneficiários. No município estão cadastradas 17.050famílias.
O atendimento das famílias do interior do município érealizado através de agendamento em datas favoráveis àvinda das famílias à sede do município e também atravésde ações diretas, nas quais a equipe sedesloca até acomunidade central da localidade em que as comunidadespróximas tenham acesso.
Melhoria de vida das pessoas beneficiárias do Programa,inclusive as regras do PBF são bem claras para que opróprio beneficiário se policie quanto a isso. O próprioPrograma penaliza as famílias que descumprem ascondicionalidades: manter a criança na escolas e tambémem relação à saúde, crianças com peso e vacinas em dia.
A meta estabelecida por esta Secretariaé fazer com que opúblico-alvo seja incluído no Sistema e procurar informaràs famílias sobre o perfil para receber esse benefício.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)32
2) As entrevistas realizadas pelos cursistas em algumas escolas
de Itacoatiara com: gestores/pedagogos, professores e beneficiários do
PBF, apresentaram as seguintes informações:
a. Melhoria do sucesso escolar dos alunos – 50% dos gestores
concordaram que o Programa contribuiu para o sucesso escolar do aluno,
mas os outros 50% discordam, pois afirmam que ele não contribuiu nesse
aspecto. Entretanto, 100% dos professores e beneficiários entrevistados
dizem que houve contribuição para a aprendizagem da criança na escola.
b. Mudança na vida dos estudantes– Pelas respostas dos gestores,
os mesmos percentuais foram identificados em relação à questão anterior:
50% afirmam que o PBF trouxe mudança na vida dos estudantes e 50%
discordam. Quanto aos professores 80% consideram positivo o Programa
em relação a esse aspecto, enquanto 17% dizem que não houve nenhuma
mudança na vida dos estudantes. Entretanto, 100% dos beneficiários
afirmam que contribuiu com a melhoria de vida dos estudantes.
c. Colaboração com a redução da pobreza e da inserção social –
Também aqui, os gestores se dividem na avaliação:50% consideram que
sim e 50% que não colabora com a redução da pobreza e da inserção
social. Quanto aos professores, na sua maioria – 83% afirmam que sim e
17% que não. Os beneficiários entrevistados 100% consideram positivo
esses aspectos.
d. Diferenciação de tratamento na escola das crianças
beneficiárias do PBF - nessa questão, a maioria dos gestores, cerca de
83%afirma não haver diferença de tratamento dessas crianças. No entanto
17% dizem que há diferença de tratamento em relação às crianças
beneficiárias Programa.Enquanto isso,100% dos professores afirmam não
haver diferença de tratamento com as crianças beneficiárias. Quanto aos
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33Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
beneficiários, cerca de 83% consideram que não há diferença de
tratamento das crianças na escola, e o restante, cerca de 17% afirmam
que as crianças beneficiárias têm tratamento diferenciado.
3) A pesquisa em uma escola pública de Manaus, no bairro do
Coroado, tendo como sujeitos respondentes: uma família que recebe o
benefício do Programa Bolsa Família; o diretor (a) de escola; o coordenador
(a) pedagógico (a); professor (a) da escola que tenha beneficiário do
bolsa família em sua sala de aula; morador (a) da comunidade que não
seja beneficiário do bolsa família e um cursista, nos trouxeram as seguintes
informações:
a) No seu entendimento, qual a contribuição do Bolsa Família
para a melhoria do sucesso escolar de seu (s) filho (s) e/ou dos
estudantes?
A família beneficiária do PBF assim se expressa:
Ajuda a contribuir para compra dos materiais, lanches euniformes. Ajuda também a não faltar o pão de cada diade dentro da minha casa.
O diretor da escola afirma:
O que temos visto de um modo geral que a contribuiçãodo BolsaFamília , não tem tido nenhuma contribuição navida dos alunos e sim tem tido grande contribuição paraquem administra esse dinheiro, e se essacontribuição fosseatrelado no quedeveria ser comprado, acredito que poderiamelhorar a vida de cada estudante que participa desseprograma.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)34
O Coordenador Pedagógico explicitou assim essa questão:
Entende-se que o Bolsa Família é um recurso paracomplementar a renda familiar com o intuito de ajudar afamília para manter a criança na escola, porém percebe-se que na maioria dos casos alguns responsáveis dealunos utilizam esse recurso financeiro para outrafinalidade, que não contribui com o desenvolvimentoescolar do aluno.
Um professor da escola assim se expressou:
Para falar a verdade isso não é usado de direito, masindiretamente quando os pais compram alimentos evestuários para seus filhos o ajudam no seu aprendizado,uma vez que o aluno não vai com fome e nem irá faltaaula por não ter roupas.
Um morador da comunidade não beneficiário do Programa,
afirmou:
Esta contribuição deveria ser utilizada para compra dematerial escolar, vestuários para ir à escola e utensíliospara higiene pessoal, assim iria contribuir para a melhoriada vida escolar.
Um cursista disse:
O programa Bolsa Família tem por objetivo auxiliarfinanceiramente as famílias pobres, nas necessidades queum estudante necessite para não abandonar a escola,com compra de materiais escolares, no fardamento, naalimentação, mas nem sempre conseguem garantir osucesso na vida escolar, pois os pais não possuemconhecimento para também auxiliar os seus filhos emtarefas escolares, com isso, algumas crianças não
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35Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
conseguem ser alfabetizadas, por viverem em lares comvulnerabilidade.
b. O Programa Bolsa Família trouxe mudanças para a sua vida e/ou para a vida dos estudantes? Em que aspectos? Obteve-se as seguintes
respostas:
Para afamília beneficiária do Programa Bolsa Família:
Sim, ajudou bastante porque estou sem trabalho e a bolsafamília não deixa faltar nada nas refeições e escolaridadedos meus filhos.
O diretor afirma justamente o contrário:
Na minha concepção ainda não há mudanças para osestudantes, pois os responsáveis ainda não usam esse recursopara o estudante e sim na vida de quem manipula o recurso.
Na visão do Pedagogo:
Em alguns casos sim, o recurso financeiro tem contribuídocom algumas famílias que destinam o recurso para acontribuição do desenvolvimento escolar do aluno, masna maioria dos casos este recurso é destinado a outrasfinalidades não escolar, exclusive de interesse particulardo responsável.
Para o professor:
O Programa trouxe benefício para a família, porque édirecionado ao estudante e as famílias usam paracompletar a renda financeira. Infelizmente, as famíliasou comem ou suprem as necessidades do aluno.
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O comunitário não respondeu a questão. Para um Cursista da
Especialização:
Percebe-se que o recurso financeiro que é dado peloPrograma Bolsa Família, hoje ainda não houve muitasmudanças em relação à vida escolar do estudante, poiseste recurso não consegue suprir as necessidades doestudante, devido às famílias utilizar o recurso paraas necessidades domésticas, onde também se sabe queesta família vive em situação de pobreza, e nem sempreeste estudante possui um lar harmonioso para estudo,pois, não é só na escola que ele aprende, mas os paispor não terem estudos e conhecimento, não conseguemajudar e acompanhar os seus filhos em atividadesescolares, levando assim ao baixo rendimento dessesestudantes na escola.
O que se constatou nas falas dos entrevistados é que muitos nãoaprovam o PBF e nem reconhecem a sua importância como instrumento
que pode possibilitar o alcance de alguns direitos fundamentais do homem,
assim como discordam que o mesmo contribua para o sucesso escolar do
beneficiário. Apesar disso, consideram importante o auxílio para que a
criança permaneça na escola. Diferente disso, os beneficiários reconhecema importância dessa complementação de renda para a subsistência da
família, assim como para possibilitar a manutenção da criança na escola.
Analisando a implementação do Programa, Rocha (2011, p. 133)
esclarece que é condição cidadã para todos os brasileiros ter uma renda
para sua sobrevivência humana numa sociedade tão desigual e perversa
como a nossa:
Implementar um programa assistencial de transferênciade renda implica também em reconhecer que, umaeconomia urbana e monetizada, dispor de rendamonetária é condição de cidadania [...].
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37Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Arroyo (2010) explicita que, na pedagogia, frequentemente o
pobre era compreendido como a escassez de espírito, de valores e,
inclusive, incapacidade para o estudo e a aprendizagem. Contudo, sabemos
que, ao invés disso, deve-se atentar para as privações materiais que
impossibilitam uma vida digna e justa a esses sujeitos.
Nesse sentido, percebemos a importância do PBF que, além de
fazer com que o educando permaneça na escola, favorece a aquisição de
bens básicos necessários à subsistência, considerado importante pelas
famílias beneficiárias, apesar de que partes dos outros segmentos não
considerempositivo os aspectos em relação à contribuição do PBF no
sucesso escolar dos beneficiários.
É possível perceber nas falas de alguns segmentos de
entrevistados, como o diretor, não ver nenhuma mudança de vida do
estudante. Porém, para os beneficiários, ao contrário do corpo docente
da escola, esse programa trouxe mudanças positivas para a melhoria da
renda familiar e consequentemente para a vida do aluno, não somente
para manter a criança na escola mas, também, para adquirir alimentação
e itens básicos para a subsistência humana. Na perspectiva dos pais o
PBF favorece a superação da pobreza e da desigualdade social.
Na ideia de Rocha (2011, p. 133), usado o recurso adequadamente,
poderia ser uma estratégia para diminuir a situação da extrema pobreza,
mesmo emergencial. Para tanto afirma:
Trata-se de um traço essencial do programa do pontode vista conceitual e estratégico, pois permitiria queo Bolsa Família não somente aliviasse a pobrezapresente, mas operasse no sentido de romper o circulovicioso da pobreza mais adiante.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)38
Quanto aos benefícios do Programa em superar a pobreza e
diminuir a desigualdade social, as famílias beneficiárias constatemente
reiteram a importância desse benefício para o processo de educação das
crianças o que, consequentemente, não supera, mas ameniza a
desigualdade social ao permitir que a família utilize o recurso de acordo
com a sua necessidade.
Os profissionais da educação divergem sobre essa questão, tendo
em vista que o beneficiário requer não só acesso à educação, mas também
uma educação de qualidade.E exigem a participação da família na vida
escolar do educando. Esse é um grande desafio que a escola precisa
enfrentar e buscar alternativas para trazer essas famílias até a escola,
pois nem sempre é falta de responsabilidade dos pais, tendo em vista
que a luta pela sobrevivência é necessária. A busca de trabalho dos pais
dificulta a sua participação e acompanhamento da vida escolar dos filhos.
A culpabilização dos pais pela escola ou vice-versa pelo fracasso
da criança, precisa ser superada por ambos os segmentos. É preciso chamar
os pais para participar da vida das crianças na escola e, com certeza, isso
trará mais condições de a escola desenvolver um trabalho favorável e
positivo junto à criança e às famílias (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2009).
Nesse aspecto, é importante o entendimento entre pais e escola
para que a criança não seja prejudicada no seu desenvolvimento, tendo
em vista que a educação deve possibilitar desenvolvimento integral. O
que consideramos importante nas falas dos professores é que o
atendimento das crianças é igual, não há discriminação entre crianças
beneficiárias e não beneficiárias do Programa, apesar de que alguns pais
e diretores afirmavam que ainda há esse diferença no tratamento das
crianças. É mais um desafio para superar essa problemática: é importante
tratar igualitariamente todas as crianças, só assim pode ser possibilitado
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39Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
à inserção social das crianças beneficiárias. O que pode ser uma estratégia
para diminuir a desigualdade social.
O Art. 7º da Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece
que todos são iguais perante a lei e tem direitos, sem qualquer distinção,
a igual proteção da lei contra qualquer discriminação que viole a presente
Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. Então a
escola deve agir de acordo com o que determina esta lei, devendo ser
uma medida educacional desenvolvida pela escola.
De acordo com o Decreto n° 5.209, de 17 de setembro de 2004
sabe-se que em caso de descumprimento das condicionalidades, a família
recebe advertências e é submetida a diversas avaliações que podem
ocasionar a suspensão temporária do benefício ou até mesmo o seu
cancelamento. Entretanto, frequentar a escola para assegurar o benefício
não garante que o aluno terá acesso a uma educação de qualidade,
Educação essa que lhe permitirá futuramente competir no mercado
de trabalho por um emprego com melhor remuneração, assim, ainda que
o Programa Bolsa Família contribua para a inserção de crianças e jovens
nas escolas e para a redução do trabalho infantil e da pobreza extrema.
Ele não se configura uma politica educacional que promova a superação
do ciclo vicioso da pobreza através da educação, o que pressupõe ações
relativas à qualidade do ensino que poderia ser ofertado pelas escolas
públicas nas condicionalidades do Programa.
Os resultados das avaliações nacionais mostram que a proficiência
dos alunos do Estado do Amazonas está aumentando.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)40
A avaliação representada no quadro acima demonstra a melhoria
da qualidade da educação nos dois primeiros segmentos da educação bási-
ca. Isso é importante, tendo em vista que para as famílias e profissionais
da educação, sinal de que, com todas as dificuldades, a educação está me-
lhorando. Daí a importância de os pais que recebem o benefício do PBF
reconheçam que não basta apenas receber o dinheiro, comprar comida e
material escolar; é preciso acompanhar o educando na sua vida escolar.
É inconteste a importância desse Programa para as famílias no
limite da extrema pobreza e de baixa renda. Mas, isso não basta, há ne-
cessidades de políticas públicas que modifique substancialmente a situa-
ção dessas famílias. Como programa emergencial tem sua validade. En-
tretanto, é necessário que o Poder Público, através de ações fortes e
concretas, possibilite emprego a essas famílias para que consigam viver
dignamente e assim adquirir cidadania, tão proclamada nos textos le-
gais. Deixar para a responsabilidade da escola a superação dessas desi-
gualdades, o papel da escola é ensinar e também exercer sua função de
formadora de cidadão críticos para reconhecer e lutar por seus direitos
constitucionais.
Figura 1 - Resultado das avaliações nacionais
Fonte: Qedu (2016).
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41Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Programa Bolsa Família se inseriu em nosso país como forma de
melhorar a situação social da população na condição de extrema pobreza
e assim possibilitar o acesso a esses sujeitos aos direitos básicos, como:
a alimentação, a saúde e a educação. É um programa que integra a
escolarização como forma de causar impactos relevantes na renda familiar
brasileira contribuindo de alguma forma com a dimunuição da evasão e
repetência escolar.
Nos estudos empreendidos, constatamos que é um Programa em
que muitos são a favor e outros contra, tendo em vista os vários olhares
seja dos beneficiários, seja de outros segmentos da sociedade. Tem seus
pontos positivos, mas precisa ser aperfeiçoado para que melhores
resultados possam advir. Para melhorar de forma significativa, se faz
necessário acompanhar a aplicabilidade do recurso, como esse benefício
está sendo utilizado, uma vez que nem sempre a complementação de
renda é utilizada como esperado. Cabe ainda implementos de políticas
públicas para oferecer suportes que levem o cidadão deixar de depender
dessa renda e caminhar com autonomia, indepedência e emancipação,
conforme conclusão do grupo de cursistas que realizaram a pesquisa.
Além disso é necessário apontar alguns caminhos para a melhoria
do Programa:
1. Avaliação permanente sobre o seu desenvolvimento.
2. Acompanhar a utilização dos recursos do Programa;
3. Supervisionar se as famílias cadastradas realmente têm o perfil
para ser atendidas pelo Programa.
4. Acompanhar a fim de verificar se as condicionalidades estão
sendo cumpridas.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)42
5. Desenvolver ações conjuntas entre os vários órgãos federais,
estaduais e municipais para evitar desvios na aplicabilidade do Programa.
6. Aprofundar os aportes metodológicos do Programa, assentados
na intersetorialidade, na territorialidade, na ações com foco na família.
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45Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
A Conquista da Cidadania Diante da Pobrezae das Desigualdades Sociais
Clotilde Tinoco Sales | Regina Marieta T. Chagas
Rosejaneda Mota Farias | Hellen Bastos Gomes
Aldenei Moura Barros
2
INTRODUÇÃO
O estudo aqui apresentado está embasado nas ideias de teóricos
que tratam da questão, em documentos e em pesquisas realizadas por
alunos do Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social,
desenvolvido pela Universidade Federal do Amazonas em parceria com a
SECADI/MEC, SEDUC e SEMEDs.
Tem como principal finalidade mostrar que a conquista ou
construção da cidadania deve ser vista comoum aspecto fundamental a
ser desenvolvido pelo processo educativo com vistas à boa convivência
dos indivíduos.Tanto assim que, quando falamos de cidadania, logo nos
reportamos à vida em sociedade e, muitas vezes, ao termo democracia
entendido como participação ativa na vida pública, como prática social
cujo foco principal deve ser a questão dos direitos e deveres e a defesa
da qualidade de vida dos cidadãos.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)46
Para dar conta do tema, no seu desenvolvimento foram tratadas
as seguintes questões: a Legitimação dos Direitos e Deveres Humanos;
dialogando sobre Cidadania em Escolas e Comunidades dos bairros
periféricos de Manaus; Cidadania e Educação: um encontro e uma prática
nem sempre possíveis; o Programa Bolsa Família: uma política pública de
enfrentamento da pobreza e das desigualdades.
De acordo com Siqueira e Lopes (2014), a Cidadania e os Direitos
Humanos não podem ser meramente entendidos como direitos subjetivos,
inerentes aos indivíduos e conquistados ao nascer. Devem, antes de tudo,
ser conquistados diariamente, por cada cidadão, através da conscientização
social. O Estado, contudo, não deve se eximir de sua parcela de
contribuição. Cabe a ele o dever de proporcionar condições para o exercício
pleno da Cidadania e dos Direitos Humanos dentro do meio social.
A estreita relação da cidadania com os direitos humanos também
é pontuada por esses autores ao entenderem que a construção da
cidadania é permeada por outros fatores que se entrelaçam como a ideia
de participação e construção de identidade, pois:
[...] dessa forma, o que se nota como inerente àcidadania é a sempre presente ideia de participação,o atuar, o agir com a finalidade de construir umdestino próprio. Entretanto, mais importante do quesua conceituação é a tentativa de entender seusignificado ao longo dos tempos, para que fiquemclaros os termos integrantes de seu conceito(SIQUEIRA; LOPES, 2014, p. 1).
Assim compreendida, a cidadania transformou-se em
sinônimo de reivindicação de direitos por partes dos cidadãos e a sociedade
tornou-se mais exigente em relação ao Estado, ao cobrar deste a
implementação de políticas públicas que não apenas contemplem a
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47Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
efetividade dos direitos fundamentais, como também ampliem a extensão
destes direitos, identificando-os como direitos humanos.
Todavia, na conjuntura atual, parte da sociedade civil organizada
convive com a ameaça de perda das conquistas alcançadas nos últimos
anos, principalmente, porque entende que o estado democrático de direito
foi violado. Face aos desdobramentos decorridos no último ano, com o
desfecho do processo de impeachment que levou à cassação do último
governo eleito democraticamente pelo povo brasileiro.
Tal realidade tornou possível a instalação de um governo que
ameaça a manutenção destes direitos com suas reformas de cunho
neoliberal, contribuindo para que as perspectivas da população apontem
para a perpetuação de um estado de incertezas, considerando que já se
encontra severamente castigada pelas desigualdades existentes no atual
modelo econômico vigente no país, ameaçando direitos conquistados às
duras penas.
Na cidadania, os direitos e deveres estão interligados, e o respeito
e cumprimento de ambos contribuem para uma sociedade mais equilibrada
e justa. Exercer a Cidadania é ter consciência de seus direitos e obrigações
garantindo que estes sejam colocados em prática. Exercer a cidadania é
estarem pleno gozo das disposições constitucionais. Preparar o cidadão
para o exercício da cidadania dever ser um dos objetivos da educação de
um país.
Siqueira e Lopes (2014) afirmam, ainda, que a vida é um direito
humano fundamental porque sem ela a pessoa não tem assegurada a sua
existência. Entretanto, a vida em sociedade requer outros direitos humanos
imprescindíveis tais como: direito à alimentação, à saúde, à moradia e a
terra, à educação, à liberdade, à igualdade de oportunidades, ao trabalho
em condições justas, ao meio ambiente sadio, de participação no governo,
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)48
de recebimento de serviços públicos, de proteção aos seus direitos, dentre
tantos outros que foram conquistados paulatinamente com muita luta e
constantes reivindicações ao longo da História.
Nessa ótica, a legitimação da cidadania é contraditória quando
em um país se convive quase que naturalmente com o fenômeno da
Pobreza. Na concepção de Santos (2009, p. 18), “[...] a pobreza é uma
condição que afeta os indivíduos [...] os membros de uma população - a
desigualdade refere-se ao conjunto da população em sua totalidade”.
Diante desse pressuposto, a pobreza é considerada uma situação de
privação de meios de subsistência. A produção desta realidade ocorre
quando os pobres são vistos como carentes e inferiores, sendo articulada
e reforçada quando a sociedade aponta essa classe como a que mais precisa
da atenção do Estado para participar dos programas assistencialistas. A
reprodução da desigualdade acontece quando são negados os direitos e
as necessidades básicas, fator histórico que permeia as relações da
cidadania. Lavinas (2003), abordando sobre o fenômeno da pobreza,
afirma que:
[...] pobre é todo aquele que não se beneficia de umpadrão de subsistência mínimo, baseado na ingestãodiária de um requerimento calórico dado. Portanto,inicialmente, pobreza e fome são quase sinônimos ese confundem na identificação de quem é pobre. Nesseenfoque, as necessidades humanas aparecem limitadasàs necessidades da sobrevivência física - comer, vestir-se - desconsiderando o social. Esse é ainda hoje oenfoque que prevalece na definição da pobrezaabsoluta ou da indigência: um padrão de vida aquémdo que é exigido para assegurar a mera subsistênciaou sobrevivência (p. 31).
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49Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Diante do que se apresenta acerca desse fenômeno, é possível
inferir que a pobreza é fruto da ação dos homens e da relação entre eles,
sendo resultado das formas como estes pensam, interpretam e direcionam
a construção de sua história. É oportuno registrar que, na fala dos sujeitos
entrevistados sobre a relação entre pobreza e cidadania, estes disseram
que pobreza e cidadania estão em desequilíbrio, em desarmonia social,
pois, a maioria das pessoas em condição de pobreza se encontra
marginalizada. Pinzani e Rego (2013, p. 9) destacam que,
[...] quando uma sociedade não garante que todas aspessoas tenham as mesmas oportunidades de acessoao bem-estar, à cultura e à educação, em sentidoamplo, apresenta déficits enormes de democratizaçãode sua estrutura social e política.
Para Gadotti (1998), a cidadania é, essencialmente, consciência de
direitos e deveres e exercício da democracia, direitos civis, como segurança,
locomoção; direitos sociais, como trabalho, salários justos, saúde, educação,
habitação; direitos políticos como liberdade de expressão, de voto, de
participação em partidos políticos e sindicatos etc. Entendemos nas palavras
desse autor que, o pleno exercício da cidadania, constitui-se dentro de sua
liberdade de expressão, com reconhecimento dos direitos, mas também
com o cumprimento dos deveres.
Tais direitos e deveres vão para além de uma visão limitada ou de
senso comum em apenas ter respeitados e atendidos seus direitos. Para
Rezende Filho e Câmara Neto (2013), a cidadania abrange os direitos, os
deveres e os aspectos sociais, em que o indivíduo participa das
políticas públicas, das mudanças sociais, no âmbito da sociedade, trata-
se de uma relação e interrelação muito mais ampla e complexa.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)50
As condições econômicas não impedem que a cidadania seja vivida
de forma concreta, o estado de pobreza em que vive grande parte da
população não é desculpa para não se exercer a cidadania. Na compreensão
de Santos (2009), o critério de renda se apresenta como uma limitação
por não contabilizar os eventuais ganhos de bem-estar de uma população,
obtidos por meio de investimentos públicos em serviços essenciais, tais
como saneamento, educação e saúde.
No Brasil, as últimas décadas do século XX e as primeiras do século
XXI, foram caracterizadas por significativos avanços no campo da educação
e no combate à pobreza, contribuindo para a redução das desigualdades
e possibilitando a extensão do direito de cidadania a milhões de brasileiros
que se viam alienados desta importante condição. Embora a temática dos
excluídos ou da desigualdade domine a maior parte dos estudos
contemporâneos sobre cidadania e direitos humanos, tradicionalmente,
em nosso país, as conquistas no campo da cidadania sempre provocaram
reação das elites dominantes, de forma que, na visão de alguns estudiosos,
é impossível existir cidadania sem a garantia dos direitos humanos. Nas
palavras de Rezende Filho e Câmara Neto (2013, p. 5),
[...] podemos dizer que todos esses anos de evoluçãoacabaram por afirmar que a cidadania de fato só podese constituir por meio de acirrada luta quotidiana pordireitos e pela garantia daqueles que já existem.
1 A LEGITIMAÇÃO DOS DIREITOS E DEVERES DO HOMEM
Na história da humanidade, desde o momento em que os homens
aprenderam a conviver socialmente em pequenos grupos e comunidades,
construindo experiências coletivas, descobriram formas próprias de exercer
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51Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
o poder de uns sobre os outros. Com isso, mesmo entre os povos nômades
haviam líderes que comandavam os grupos, estabelecendo normas e
obrigações aos seus subordinados, seja por meio de grunhidos e/ou pelo
uso da força física e mesmo através da linguagem oral (quando isso foi
possível), disputando espaços pela busca de alimentos, água e outros
elementos que pudessem suprir suas necessidades de sobrevivência.
Desse modo, quanto mais desenvolviam-se socialmente, mais
crescia sua necessidade de engendrar meios mais concretos e elaborados
para assegurar o funcionamento do grupo ou que pudesse resolver seus
conflitos internos e externos com grupos rivais. Contudo, nesse tempo,
ainda não se falava em cidadania, pois esta é uma palavra que ganharia
sentidos e significados ampliados a partir da modernidade.
O primeiro indício de experiência de cidadania remonta à história
política das cidades gregas e romanas entre os séculos VIII e VII a. C,
pois seu significado estava, diretamente, associado à participação na
política da “Cidade-Estado” da época. Na Grécia, polis significava tanto
“cidade” como “comunidade política” (SIQUEIRA; LOPES, 2014). Foi essa
concepção que, a princípio, se estendeu também para a história da
cidadania nas sociedades modernas e que, com o passar dos anos, foi se
ampliando para os direitos civis, políticos e sociais. Vale dizer que,
conforme o progresso das técnicas, da economia e da arte bélica, as
relações de cidadania sofriam transformações para atender as novas
exigências das sociedades (CARDOSO apud REZENDE FILHO; CÂMARA NETO,
2013). Mas, foi também na Grécia Antiga, como ressaltam Siqueira e Lopes
(2014) que se plantaram as primeiras sementes do entendimento sobre
“direito natural” próprio do sujeito, independente de existirem leis e
declarações para resguarda-los e legitima-los.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)52
No tempo das sociedades gregas, somente era o cidadão aquele
que nascia no país grego, este sim, tinha todos os direitos de participar
da política. Os estrangeiros jamais exerciam cargos políticos, apenas
dedicavam-se às atividades mercantis. Mais tarde, aos estrangeiros foi
concedido o pertencimento à categoria de cidadão, porém condicionada
a dívidas contraídas para com os governantes. O regime aristocrático grego
passou a compartilhar seu espaço com as Assembleias e os Conselhos
com a presença da participação popular, todavia as concessões de acesso
ao poder eram limitadas e carregadas de fortes distinções sociais.
Ainda que instituído um aparente regime democrático, havia uma
tímida presença do exercício de cidadania, pincipalmente no que tange
às decisões políticas, pois uma parte dos cidadãos tinham restrições às
suas condições econômicas bem como à sua origem familiar (ARENDT,
1995 apud REZENDE FILHO; CÂMARA NETO, 2013). Dessa forma, a garantia
de direitos não significava, verdadeiramente, sua efetivação no poder
das decisões, já que, como ressaltam Rezende Filho e Câmara Neto (2013),
o status do cidadão era mais valioso para a garantia de seus privilégios.
É oportuno dizer que essas regalias ainda são marcantes na gestão das
políticas governamentais nas sociedades modernas em várias partes do
mundo, as quais se dizem democráticas.
Portanto, mais do que ter direitos garantidos em leis, resoluções,
decretos entre outros documentos, o maior desafio dos cidadãos em todo
o mundo é fazer com que os mesmos sejam concretizados em políticas
públicas, voltadas aos direitos humanos ou que, os direitos conquistados
não sejam confiscados e negados aos cidadãos como vem ocorrendo
sistematicamente na gestão atual, do governo brasileiro.
Com o projeto da reforma da previdência e a extensão da idade
da aposentadoria para homens e mulheres, a perda da estabilidade do
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53Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
emprego com a terceirização das relações de trabalho e a precarização
total dos serviços básicos de cidadania como educação, saúde, segurança,
moradia e sobrevivência, todas essas medidas, se efetivadas vão revelar,
realmente, que os direitos dos cidadãos brasileiros foram confiscados.
Por outro lado, as constantes emendas constitucionais brasileiras, mais
do que atender às reais necessidades sociais, vem destituindo a verdadeira
essência da constituição de 1988, a qual foi o resultado de lutas históricas
por direitos de igualdade, liberdade e dignidade humana.
Se a luta pela efetivação plena da cidadania passou a se identificar
com a luta em prol dos direitos humanos, esta tem à sua frente um mar
de incertezas, acaba de juntar-se à ele a questão da reforma trabalhista
que ameaça o futuro da cidadania face à perspectiva de redução e confisco
dos direitos dos trabalhadores, apesar de, no entendimento do atual
governo, tal reforma não irá prejudicar os direitos trabalhistas.
Tal reforma, levada à efeito pela, assim, chamada “Lei da
Terceirização”, Lei nº 13.429/2017, sancionada com alguns vetos no último
dia 31 de março de 2017. A luta contra a violação dos direitos conquistados
pelos trabalhadores ao longo de décadas de movimentos reivindicatórios
em prol dos direitos trabalhistas ganhou novos desdobramentos, uma vez
que o partido Rede Sustentabilidade acionou o Supremo Tribunal Federal
ao alegar a inconstitucionalidade da nova lei.
Essa lei estabelece novas regras para o trabalho temporário.
Conforme nota técnica do Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Econômicos (DIEESE), n. 175, publicado em abril de 2017, a lei
13.429/2017, conceitua trabalho temporário como:
[...] aquele prestado por pessoa física contratada poruma empresa de trabalho temporário que a coloca à
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disposição de uma empresa tomadora de serviços, paraatender à necessidade de substituição transitória depessoal permanente ou à demanda complementar deserviços (DIEESE, s.d., p. 4).
Os analisadores do documento supracitado deixam claro que a
referida lei representa uma forma mascarada de destituir o trabalhador
de seus poucos direitos conquistados ao longo de lutas perenes com o
poder Estatal e Empresarial constituído. Afirmam que o contrato temporário
de trabalho “[...] pode ser caracterizado como um “bico qualificado” (p.7),
já que se diferenciam com enormes desvantagens com relação a contratos
por tempo determinado.
Quando mudanças na lei alteram esse tipo de contratação podem
estar favorecendo o fortalecimento do poder dos empresários, ampliando
a precarização das condições de vida e de trabalho dos contratados, além
disso, o trabalho temporário gera uma constante rotatividade de contratos,
tendo em consequência um grande índice de desempregados e o
subemprego dos cidadãos que ficaram à mercê das tão sonhadas e
controladas oportunidades.
Com relação à regulamentação da terceirização, observa-se que
desde 2011, já havia um acalorado debate sobre o assunto e, mais,
recentemente, o projeto de lei 4.302/1998 ganhou pauta na Câmara do
Senado Federal por força da união das representações patronais, reunindo
no mesmo documento a discussão e os rumos do trabalho temporário e
da terceirização. Criticam, ainda, que as condições exigidas para empresas
prestadoras de serviços são genéricas e limitadas, isso acarretará outros
problemas de ordem jurídica e de funcionalidade dos serviços.
Como podemos notar, a conquista dos direitos pela sociedade na
forma da lei, que visa a oportunização de igualdade de condições nos
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55Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
vários setores sociais esbarra numa velha conhecida da sociedade
brasileira, que é a precariedade das estruturas do Estado. Este falha em
implementar políticas públicas que visem à ampliação destes direitos que
já foram garantidos na forma da lei, uma vez que o poder político vem se
atrelando cada vez mais ao poder econômico, possibilitando uma aliança
cujo viés tem sido a construção de mecanismos de manipulação da
sociedade brasileira.
Diante da atual conjuntura, convivemos com o abandono crescente
dos investimentos públicos na educação, na formação de educadores e
encontramos cada vez mais a escola entregue a si mesma. Esta, por sua
vez, sozinha não consegue fazer muito, seja em virtude de suas limitações,
seja pela ausência de profissionais qualificados para o desenvolvimento
de suas atividades. Em muitos Estados brasileiros, as secretarias não
contratam profissionais como psicopedagogos, psicólogos escolares, seja
por ausência de vontade política do poder público, seja pela inexistência
de tais cargos nos planos de cargos, carreiras e salários das redes estadual
e municipal.
Tal situação caótica é perturbadora do bem-estar social e da
dignidade humana, tendo em vista que estamos percorrendo um caminho
de retrocesso ao que foi conquistado, progressivamente, pelas sociedades
ao longo da história da humanidade. Os grupos sociais, comunidades e
classes foram adquirindo consciência de seus direitos deveres e, cada vez
mais, se organizaram para reivindicá-los, perante seus governantes e/ou
representantes.
Essa prática já ocorria, como observa Silva (2000), na Baixa Idade
Média entre os séculos XII e XIII e está diretamente vinculado à história
dos direitos humanos. Surgem nessas épocas, as primeiras tentativas em
delimitar as competências e atribuições dos governantes, porém, os
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)56
“direitos humanos” ainda não eram considerados como sendo inerentes
à pessoa humana.
Mas, como sabemos, em nenhum momento da história tem sido
fácil se construir a experiência da cidadania plena, pois, na Idade Média
o “Direito Natural”, inerente ao indivíduo desde seu nascimento, foi
interpretado pela classe dominante como “vontade de Deus”. Sendo assim,
a igreja exercia o poder, ao mesmo tempo, sobre a propriedade privada,
o matrimonio, o direito, o governo e a escravidão, sustentando a formação
de uma sociedade onde todos seriam iguais e teriam direitos em comum
(SIQUEIRA; LOPES, 2014).
Daí em diante, prevaleceram dois tipos de cidadania - após a
decadência do Império Romano, logo no primeiro período do século V, o
significado de cidadania, praticamente, desapareceu, pois um novo jogo
de poder sustentado por ideias de fidelidade, desconsiderou a participação
política dos cidadãos. Na Europa, a confluência de instituições e costumes
herdados das invasões bárbaras e romanas, favoreceu o aparecimento de
uma nova ordem social, composta pela nobreza, clero e camponeses, que
perduraram até o final da Idade Moderna.
Com tal cenário, os camponeses estavam subordinados à nobreza.
Surge a partir daí o regime judiciário exercendo o poder de distinção
social e de status, ou seja, a “justiça” atribuía privilégios aos estamentos1
superiores. Nessa ótica, a justiça era constituída de elementos
consuetudinários2 e, além disso, não permitia o julgamento entre “iguais”,
1 Estamento -Estamento -Estamento -Estamento -Estamento - Conjunto de pessoas que desempenham a mesma função social ou que possuem a capacidade deinfluenciar cer to setor: o estamento ideológico. Condição de uma pessoa que consegue permanecer ou subsistir.Local destinado àqueles que pertencem ao governo de; congresso ou assembleia. Etimologia (origem da palavraestamento): do espanhol estamento.
2 Consuetudinários -Consuetudinários -Consuetudinários -Consuetudinários -Consuetudinários - Direito consuetudinário, direito não escrito, fundado no uso, costume ou prática. Costumário,costumeiro, habitual, normal, usual. Disponível em: https://www.dicio.com.br/estamento/ Acesso em: 31 mar. 2017.
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57Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
isto é, quando se referia à classe menos favorecida (BLOC, 1982 apud
REZENDE FILHO; CÂMARA NETO, 2013).
Por outro lado, a construção da cidadania como legitimidade dos
direitos e deveres dos cidadãos tem forte relação com eventos que
marcaram profundamente a história da humanidade, como, por exemplo,
as guerras e revoluções e ainda as significativas invenções científicas e
tecnológicas. Convém destacar que, com a Revolução Francesa em 1789,
foi constituída a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”,
fundada nos ideais da liberdade, igualdade e fraternidade. Posteriormente,
após a 2C” Guerra Mundial foram proclamadas - a Declaração de Direitos
da Revolução Americana e a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
de 1948 (SILVA, 2000).
Com o renascimento urbano e a formação dos Estados Nacionais,
ainda, na Baixa Idade Média, ressurge o Estado centralizador e a noção
de cidadania clássica, isto é, a prática de concessão de privilégios políticos.
Cria-se uma nova relação entre política, economia e sociedade, por conta
mesmo do advento do capitalismo industrial. A burguesia mercantil
emergente passa a lutar por direitos até então, concedidos aos estamentos
superiores.
Essa época também favoreceu os princípios teóricos que
consolidaram o Absolutismo Monárquico e o nascimento de uma nova
concepção de cidadania. Com isso, a velha noção de cidadania apenas
atrelada a direitos e privilégios políticos não mais atendia as novas
exigências materiais e espirituais fundadas na ruralização da economia e
na cristianização da sociedade. O conceito de cidadania recupera o ideal
de igualdade entre os cidadãos (REZENDE FILHO; CÂMARA NETO, 2013).
Eis que surge o período do iluminismo ou “século das luzes” e o
anseio dos cidadãos por igualdade, rumo ao Liberalismo. A formação dos
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)58
Estados Nacionais acompanhou transformações profundas no âmbito social
e político; a burguesia, aos poucos, foi conquistando o poder no espaço
político e econômico. Mesmo assim, o absolutismo monárquico continuou
exercendo, por vários anos, o caráter hereditário do poder e o modelo
estamental da Idade Média.
Foi um período de muitas revoluções sociais, de reformas políticas
e econômicas, do desenvolvimento das artes, da evolução e das conquistas
científicas, do acesso ao conhecimento, de expressão das ideias, da
igualdade entre os cidadãos e do emergir de um ideal de liberdade. Por
outro lado, todas essas mudanças refletiam a proliferação do capitalismo
e a consolidação das reformas religiosas do século XV, no plano da
espiritualidade, como a prática da redenção, privilegiava o trabalho, no
lugar da caridadee a concessão da liberdade para interpretação das
escrituras (REZENDE FILHO; CÂMARA NETO, 2013).
Nesse contexto, de grandes inovações, é recuperado o conceito
de cidadania, considerando como princípios, a igualdade e a liberdade
entre os homens, aproximando-se do pensamento dos gregos. Nesse
tempo, visualizando essas novas perspectivas, filósofos modernos, como
Locke e Rousseau, compuseram os ideais de uma democracia liberal,
consubstanciada pela razão e não no direito divino.
As ideias desses teóricos foram fertilizadas no arcabouço teórico
das Revoluções Burguesas, durante os séculos XVII e XVIII, na Europa.
(REZENDE FILHO; CÂMARA NETO, 2013). Convém dizer que o Liberalismo
Puro provocou inúmeras desigualdades sociais, já que um pequeno grupo
detinha o poder e os privilégios nos meios de produção e na posse das
propriedades, enquanto que a maioria da população era submetida ao
trabalho escravo, emprecárias condições, carga horária para além de 10
horas diárias e salários miseráveis (SIQUEIRA; LOPES, 2014).
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59Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
É importante frisar que, no iluminismo, como enfatizam Siqueira
e Lopes (2014), o domínio da Igreja Católica foi abalado com a Reforma
Protestante, a vida social passa a ter uma compreensão mais racional, as
pessoas começam a refletir e questionar a realidade. Os intelectuais
contribuíram, fortemente, para que os cidadãos da época procurassem
libertar-se da condição de súdito, percebendo-se como pessoa digna de
direitos e de usufruir das conquistas da civilização.
O Direito Natural nos estudos de Bodenheimer apud Siqueira e
Lopes (2014) é apresentado em três fases: a) Teoria de Hugo Grotius -
após a Reforma, o Direito Natural consiste na prudência e auto moderação
do governante; b) Teoria de Locke - após a Revolução Puritana de 1649,
o Direito Natural assume características de tendência ao capitalismo na
política e na filosofia.
As ideias de Lock acabaram fortalecendo a conquista política pela
burguesia no viés do conceito de liberdade e de propriedade material.
Por outro lado, constituem-se no germe para firmar os Direitos Civis,
todavia é no palco das lutas pelos direitos, especialmente políticos, que
a burguesia mantinha distância do povo para fazer prevalecer seus
interesses e privilégios; c) Teoria de Rousseau - sustentava a elevação da
soberania popular e da democracia, com isso, o Direito Natural se destina
à vontade absoluta do povo. Rousseau tinha uma visão de universalidade
no exercício pleno da cidadania amparada pela liberdade civil.
Os direitos políticos são ampliados, atribuindo-se à constituição
da cidadania a igualdade de direitos, tendo como fundamento a natureza
humana comum e sendo nela consolidado. É importante compreender
que os ideais iluministas faziam ressonância com o que acontecia em
outras partes do mundo, principalmente com os movimentos de
independência ocorridos na América e as Revoluções Inglesa e Francesa.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)60
Contudo, se as ideias no papel ganhavam sentido e firmavam direitos e
deveres, na prática social eram visíveis as desigualdades, as disputasda
burguesia por poder e privilégios na política e na economia eram acirradas.
Diante dos fatos, abordados até o momento, torna-se relevante
afirmar que o conceito de cidadania, como observam Rezende Filho e
Câmara Neto (2013), atravessou mais de dois mil e quinhentos anos e foi
ganhando contornos cada vez mais ampliados no plano dos direitos
sociais. Esse movimento de múltiplas determinações no campo das
transformações econômicas, políticas, sociais e culturais, movidas e
assentadas nas revoluções científicas, nas lutas dos movimentos sociais
por direitos e nas constantes reorganizações da sociedade, contribuíram
para todo um arcabouço teórico, político e filosófico para se discutir
sobre as dimensões da cidadania como princípio fundamental do Estado
Democrático de Direito3.
As democracias modernas dos séculos XIX e XX, também
influenciaram na reformulação do conceito de cidadania, como exemplo,
temos a Independência dos Estados Unidos e o movimento revolucionário
francês. Os ideais de liberdade e de igualdade apesar de terem nascido
no auge do poder da burguesia, abriram frechas que possibilitaram a
inclusão do cidadão de direitos na sua totalidade enquanto país, nação.
Embora, a maioria da população tenha conquistado seus direitos sociais,
gradativamente, valorizando as oportunidades das transformações do
capitalismo nos âmbitos econômico, político, social e cultural. Neste novo
3 Estado Democrático de DirEstado Democrático de DirEstado Democrático de DirEstado Democrático de DirEstado Democrático de Direitoeitoeitoeitoeito, conforme Alessandro Pinzani e Walquiria Leão Rego (2013, p. 60), é aqueleque garante o direito às liberdades civis e aos direitos humanos. [...] é dito "de Direito" porque as garantias estãobaseadas na utilização de um sistema jurídico, de leis, que as mantém e as defende. Essa condição institucional doEstado é permeada por uma série de garantias fundamentais que lhe dão base, como o direito de ir e vir, porexemplo. Modulo II- Pobreza e Cidadania. MEC/SECADI.
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61Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
cenário, o significado de cidadania passa a expressar o relacionamento
entre uma sociedade política e seus membros.
A cidadania contemporânea também inscreve suas bases nas
decisões engendradas após a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, com
o intuito de prevenir os conflitos e suas sequelas pulverizadas em todos
os âmbitos da vida humana. A Organização das Nações Unidas - ONU e a
sociedade civil compreenderam que os direitos humanos estavam acima
de qualquer conflito ou pacto estabelecido ou desfeito entre as nações.
A competência do Estado Social durante o século XIX e meados
do século XX, numa primeira tentativa, esteve atrelada à concepção de
‘Estado Providência’ para prestar assistência aos necessitados e excluídos,
vítimas das desigualdades sociais da sociedade capitalista. Mas, com a
ampliação das conquistas dos Direitos Humanos os Direitos econômicos
são implementados numa perspectiva de Estado Social neoliberal e
intervencionista, ou seja, o Estado intervém nos assuntos econômicos
com a finalidade de alcançar a democracia econômica, como, por exemplo,
o direito de ter um emprego e remuneração digna.
Os Direitos Sociais são reforçados com o acesso à educação, a
moradia e à previdência social. Os Direitos Políticos são implementados
para além do voto, como sufrágio universal para homens e mulheres,
referendo, plebiscito, iniciativa popular de leis e veto popular (SIQUEIRA;
LOPES, 2014). No caso brasileiro, nestas últimas décadas do século XXI,
parece estar ocorrendo um equívoco corruptivo de excluir os direitos que
os cidadãos conquistaram a duras penas no decorrer do processo histórico.
A origem da Declaração dos Direitos Humanos, do ponto de vista
histórico, remete como diz Bobbio (2007), à Déclarationdesdroits de l’homme
et ducitoyen, aprovada na Assembleia Nacional francesa (1789) em que,
legalmente, foram reconhecidos os direitos naturais e fundamentais da
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)62
vida humana, como a liberdade, a propriedade, a segurança, a resistência à
opressão. Essas conquistas firmaram-se e consolidaram-se nas bases do
jusnaturalismoe do contratualismo, tanto na Declaração francesa como nos
Billsofrights americanas, legitimando que os homens têm direitos naturais
independentemente da formação das sociedades, direitos que o Estado
deve assegurar a todos os cidadãos. E como nasce um direito como
ordenamento normativo coativo?
De acordo com o pequeno dicionárioda língua portuguesa de
Antônio Houaiss (2015), um direito, enquanto conquista, concessão e
permissão de algo a alguém, refere-se a: 7. O que é permitido a um
indivíduo ou a um grupo por leis ou costumes. 8. Poder legítimo. 9.
Privilegio, regalia. 11. Conjunto das ciências jurídicas e sociais. 15.
Segundo os princípios da moral; honestamente. Como podemos constatar,
não basta boa vontade e consenso coletivo entre partes para que os direitos
prescritos no papel sejam garantidos e concedidos, há necessidade do
âmbito jurídico para normatiza-lo e fazê-lo se realizar.
A palavra direito pode ter vários significados, mas quando se trata
de teoria do Estado ou da política, estaremos nos referindo ao Direito
como Ordenamento Normativo. Essas expressões podem abranger as
normas de conduta e de organização, formando uma unidade cujo
conteúdo diz respeito à regulamentação das relações que regem a
convivência e a sobrevivência do grupo social, entre elas, estão: as relações
familiares, as relações econômicas, as relações superiores de poder ou
relações políticas e, ainda, a regulamentação dos modos pelos quais o
grupo social reage contra as normas de primeiro grau ou a
institucionalização da sanção.
Essas normas têm por finalidade manter a harmonia do corpo
social para garantir a paz e a ordem. O Direito Normativo faz-se presente
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63Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
em inúmeras formas de ordenamento, como, por exemplo, a moral social,
os costumes, os jogos, os desportos, entre outros. Em última instância, o
direito utiliza-se da força física para manter o cumprimento das normas
por parte dos cidadãos, logo, não há direitos sem deveres. Desse modo,
há a compreensão de que a perfeita interface entre Direito como
ordenamento normativo coativo e a política constituem a força do poder
dominante para manter a ordem em uma sociedade e exercer o domínio
sobre ela (BOBBIO, 2007).
Nesse jogo de poder, entre os que governam e os que são
governados, temos a batalha empreendida pelo atual governo de cunho
neoliberal que ameaça de golpe mortal a qualidade de vida dos cidadãos
brasileiros e reduz, drasticamente, a noção de cidadania: é a tão propalada
reforma da previdência, promovida pelo governo como necessária e sem
a qual não haverá previdência futura para ninguém. Ao principal tom da
dita reforma do governo, o do déficit da previdência à custa do erário
público, adiciona-se o argumento que a expectativa de vida da população
brasileira aumentou, e que em virtude disto, o tempo de contribuição e a
idade mínima para a aposentadoria também devem ser aumentados.
Caso estas medidas propostas pelo atual governo forem
implementadas, veremos uma diminuição significativa nas liberdades
conquistadas pelos trabalhadores com consequências desastrosas para a
cidadania. Marques (2010, p. 120) analisa a visão de Sen, para o qual
“[...] o êxito de uma sociedade deve ser avaliado, segundo a teoria do
Desenvolvimento como Liberdade, através das liberdades substantivas
que os indivíduos de determinada sociedade desfrutam”.
Sen (2010, p. 20) observa que “A contribuição do mecanismo de
mercado para o crescimento econômico é obviamente importante, mas
vem depois do reconhecimento da importância direta da liberdade de
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)64
troca - de palavras, bens, presentes”. Percebemos, dessa forma, que as
medidas, estrategicamente, mascaradas como reformistas implementadas
pelo governo em exercício, possuem um caráter que restringe as liberdades
individuais dos cidadãos brasileiros e aumenta o risco do crescimento
das desigualdades, como bem destaca Marques (2010, p. 122):
Amartya Sen aponta também como o sistema políticodemocrático, e dessa forma, a liberdade política, pode,por si só, fortalecer demais tipos de liberdades ao sereferir à frequência nula de ocorrências de fomescoletivas, entre outros desastres econômicos, em paísescom democracias estáveis, acontecendo com frequênciaimensamente maior em países com regimes ditatoriaise opressivos.
Ao que tudo indica, no atual momento, temos ainda um grande
caminho a percorrer a fim de garantir a manutenção das conquistas
alcançadas nos últimos anos. Sejam elas: empoderar e engajar a sociedade
civil organizada, a fim de não permitir que tão importantes conquistas
sejam suprimidas, garantindo, também, a sua ampliação, para que
possamos conquistar a tão sonhada redução das desigualdades.
O Estado é incapaz de garantir os direitos da grande maioria dos
brasileiros e grande parte deles sequer conhece metade deles. É necessário
que se sensibilize e se conscientize do seu papel de fomentador e promotor
dos direitos sociais, tendo em vista a dependência das políticas públicas
atreladas às práticas econômicas neoliberais que promoveram o
solapamento das políticas públicas sociais durante a vigência do estado
mínimo neoliberal.
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65Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
2 DIALOGANDO SOBRE CIDADANIA EM ESCOLAS E COMUNIDADES DOSBAIRROS PERIFÉRICOS DE MANAUS
Quando, no empírico, dialogamos sobre cidadania com profissio-
nais da educação (gestores de escola, coordenadores pedagógicos, pro-
fessores), pais de alunos beneficiários do programa bolsa família e mo-
radores de comunidade não beneficiários do citado programa, percebe-
mos que esses sujeitos, de algum modo, expressam que cidadania é ‘ter
direitos e deveres’ assegurados, legalmente, e, até citam alguns direitos
básicos como o acesso à educação, ter moradia, emprego, liberdade de ir
e vir, de expressar suas ideias, votar e ser votado, adquirir documentos,
mas dificilmente identificam pontos de articulação e conexão entre essas
três dimensões de direitos: direitos civis, direitos políticos e direitos
sociais os quais abrangem a cidadania como um princípio democrático.
Fatos como esses foram evidenciados nas respostas dos referidos
sujeitos quando participaram de uma entrevista semiestruturada4, realizada
no Módulo II, do Curso de Especialização em Educação, Pobreza e
Desigualdade Social, da Faculdade de Educação da Universidade Federal
do Amazonas, em parceria com o MEC-SECADI/SEDUC/SEMEDs. A título de
ilustração, apresentamos trechos de algumas falas que comprovam o
entendimento dos sujeitos entrevistados5. Vejamos:
5 A entrevista Semiestruturada contou com a par ticipação de 180 sujeitos, sendo: (30) famílias beneficiárias doPrograma Bolsa Família, (30) Gestores de escolas que atuavam com o programa, (30) Coordenadores pedagógicos- atuantes nessas escolas, (30) Professores(as) - com alunos beneficiários do PBF, (30) Moradores(a) de comunidadenão beneficiários do programa e (30) cursistas do Curso de Especialização.
6 Estes dados foram consultados em artigos produzidos pelos cursistas do Curso de Especialização em Educação,Pobreza e Desigualdade Social. Os ar tigos fazem parte de uma coletânea que se caracteriza como Trabalho deConclusão de Curso - TCC, os quais foram socializados por meio de Defesa Pública. A pesquisa empírica foi realizadano Módulo II- Pobreza e Cidadania.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)66
Num momento em que a cidadania enfrenta novos desafios,busca novos espaços de atuação e abre novas áreas pormeio das grandes transformações a ideia principal é quemesmo sendo leigo, o cidadão pode exercer sua própriacidadania. Assim o cidadão tem direito e garantiasfundamentais asseguradas na Constituição Federal6.
Cidadania é pertencer a sociedade e está em dia com osdireitos e deveres7.
Cidadania é participação do indivíduo como ser atuantena sociedade mediante seus direitos e deveres civis [...]8.
Cidadania são o conjunto de direitos e deveres civis, políticose sociais pelo qual cada o cidadão [...] deve exercer nasociedade em que vive [...]9.
O termo cidadania atribui ao indivíduo um conjunto dedireitos e obrigações. Está em permanente construção erepresenta um referencial de conquista da humanidade,através daqueles que buscam mais direitos, maior liberdadee melhores garantias individuais e coletivas [...]10.
Cidadania - pessoa que exerce os seus direitos e deveres[...]11.
[...] cidadania é o direito [...], que a pessoa tem, direitoe [...] dever de se dar para a sociedade. Eu tenho odireito de ir e vir, [...] direito a educação, ser mãe, deser pai, exercer minha função [...]12.
6 Diretor de escola.7 Coordenador pedagógico.8 Diretor(a) de escola.9 Diretor(a) de escola.10 Diretor(a) de escola.11 Diretor(a) de escola.12 Coordenador Pedagógico.
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67Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Cidadania [...] é você ter respeitado todos os seus direitos,direito de ir de vir, [...] de se expressar, ter seus direitosbásicos assegurados, [...] você é um cidadão quando vocêreconhece seus direitos, mas [...] seus deveres também13.
São os direitos e o cumprimento dos deveres na rotinadiária (Professor).Cidadania é o papel da pessoa na sociedade, [...] temdireitos e deveres [...] tem acesso a benefícios, um cidadão[...] passa a ser cidadão a partir do momento que [...]nasce [...] tem um registro de identificação que é certidãode nascimento [...]14.
Cidadania é o conjunto de direitos e deveres que umcidadão exerce. Os princípios que norteiam esse conjuntode deveres são os civis, políticos e sociais15.
Acho que cidadania é ter direitos necessários parasobrevivência, quando temos como casa, saúde, umaescola para nossos filhos, um trabalho para o sustentoda nossa família16.
Ter o compromisso e consciência dos direitos e deveres,tanto individual quanto coletivo17.
Cidadania é ter direitos e deveres a cumprir e viverdignamente em uma casa, ter emprego para sustentar afamília e pagar as despesas, ter escola, ter direito a saúdee remédios18.
Condição de pessoa que, como membro de um Estado, seacha no gozo de direitos que lhe permitem participar davida política. Indivíduo que, como membro de um Estado,usufrui de direitos civis e políticos [...]19.
13 Coordenador Pedagógico14 Professor(a).15 Professor(a).16 Família beneficiária do PBF.17 Cursista.18 Família Beneficiária.19 Família Beneficiária.
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Ter um bom trabalho e se qualificar e também estar comseus documentos em dias, [...] ter o direito de ir e vir eter uma qualidade de vida20.
Cidadania pra mim é tudo aquilo que envolve pessoas esuas responsabilidades, seja o lado educacional, [...] suasresponsabilidades [...] com o meio ambiente [...] nolocal onde moramos, [...] ter satisfação [...] noatendimento dos serviços públicos. [...] é todo umcomprometimento que nós temos, [...] na escola com osprofessores, [...] na saúde são [...] os médicos [...]com a sociedade, com os políticos e com as pessoas quesão nossa autoridade [...]21.
Conjunto de direitos e deveres. [...] todo cidadão temdireito de formar sua opinião, [...] de ir e vir, [...] detrabalhar, voto livre, etc. 22.
Penso que seja [...] a condição plena à dignidadehumana, que se aplique ao direito ao trabalho,alimentação, educação, segurança e moradia. A cidadaniaou o SER cidadão só será possível se [...] estiveremassegurados enquanto condição plena de vida e não atravésde subsídios instantâneos23.
Cidadania é [...] algo mais do que a garantia de plenosdireitos, é a qualidade ou estado de um cidadão, quegoza dos direitos civis, políticos e sociais de um Estado,ou no desempenho de seus deveres para com este. [...]24.
Cidadania significa o conjunto de direitos e deveres peloqual o cidadão [...] está sujeito no seu relacionamentocom a sociedade. [...]. Uma pessoa é identificada como
20 Família Beneficiária.21 Família Beneficiária.22 Morador não beneficiário do B/Família.23 Morador não beneficiário do B/Família.24 Cursista/pesquisador(a).
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69Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
cidadão (ã) através dos Direitos Civis e Políticos, [...]direcionados ao indivíduo [...] relativos à liberdade e [...]Direitos Sociais [...] direcionados a um grupo de indivíduose [...] relativos à igualdade. Exemplos: Saúde, educação,saneamento básico, acesso à informação, trabalho e renda,e etc25.
Analisando estas respostas, embora alguns sujeitos aprofundem
mais em alguns exemplos de direitos de cidadania, na sua grande maioria
podemos identificar claramente a expressão ‘ter direitos e deveres’reconhecidos ou assegurados legalmente, mas para algunsser cidadão
não é apenas gozar de direitos civis, políticos e sociais, mas é buscar
igualdade como princípio fundamental para o resgate da justiça social
que se manifestano direito ao trabalho, à saúde , à educação, à
alimentação, ao saneamento básico, ao acesso ao conhecimento, entre
outros tantos direitos.
3 CIDADANIA E EDUCAÇÃO: UM ENCONTRO E UMA PRÁTICA NEM SEMPREPOSSÍVEIS
Tendo em vista o que já abordamos neste trabalho, prosseguimos
em busca da compreensão do significado de cidadania, pois é sempre um
desafio defini-la diante da complexidade de tal temática. Mediante
possibilidades de inúmeras interpretações e conceitos, cidadania implica
um conjunto de situações nem sempre confortáveis para uma exatidão
da significação da palavra. Bonin (1996, s.p.) a define como “[...] o gozo
de direitos civis e o cumprimento de deveres de acordo com as leis de
determinada sociedade”. Entretanto, como já foi dito, anteriormente, leis
25 Cursista/pesquisador(a).
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)70
não asseguram (ou não têm assegurado) uma efetiva dignidade no que
diz respeito às necessidades básicas e fundamentais do indivíduo.
Sentir-se lesado tem sido uma constante na vida de brasileiros e
brasileiras que, muitas vezes, não usufruem sequer de uma alimentação
em seu cotidiano. Nesse sentido, o usufruto, o gozo do qual fala Bonin
(1996), torna-se uma utopia diante da cruel realidade de homens e
mulheres que sentem suas cidadanias serem violadas.
A ausência de projetos cidadãos configura um processo de
desumanização que impede cultura, lazer, educação dentre outras formas
de legitimidade de uma pessoa cidadã, significando dizer que sua pátria
se instala através de autoritarismo e arbitrariedade quando não pressupõe
uma educação social e política para o exercício da cidadania, capacitando
esse indivíduo para a transformação de sua realidade e de si mesmo.
Porém, algumas vezes, a mídia tem cumprido seu papel quando massifica
uma pseudo-cidadania, fazendo o “cidadão” sentir-se seguro e amparado
quanto à alimentação, moradia, trabalho, saúde, segurança e educação.
Diz-se “sentir-se seguro” no sentido de publicidade e propaganda
serem aliadas de um governo em tempos de redes sociais, forjando e
manipulando a realidade. É como se tudo fosse possível e acessível a todos,
tanto no campo material como espiritual, ‘todos de bem com a vida’, apesar
das desigualdades. Apagam-se os sofrimentos, acendem-se e alimentam-
se as chamas do ‘querer’ e do ‘viver bem’, substitui-se a realidade cruel
pelo sonho, pela fantasia de ‘estar feliz’, é uma grande farsa.
Diante dos fatos, o combate a essas práticas pode ser solidificado
mediante programas educacionais voltados para a emancipação do
indivíduo. Com vistas à construção de um ser crítico e autônomo capaz
de perceber-se em uma realidade que, às vezes, o violenta e o oprime,
através do colonialismo de programas sociais paliativos emergenciais.
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71Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Dessa forma, o debate em torno de cidadania e educação consiste
em uma proposta desafiadora para pais, professores, gestores,
comunidade escolar dentre tantos outros setores da sociedade. Evidente
a educação ocorrer em espaços não escolares, entretanto, é da escola
como instituição sistematizada e como lugar de formação que se pretende
problematizar essa discussão.
Assim, a escola se constitui como um espaço onde professores e
professoras poderiam exercitar práticas de cidadania, através do currículo
em consonância com o Projeto Político Pedagógico da escola, promovendo
uma efetiva participação política e social. O currículo, nesse sentido, torna-
se aliado de professores e estudantes em um espaço privilegiado: a sala
de aula. É nela que as discussões ocorrem e suscitam demandas para a
operacionalização de ações efetivas.
Contudo, questiona-se: qual a clareza que se tem acerca do conceito
de cidadania? Alguns participantes da pesquisa de campo realizada pelos
cursistas, durante o Curso de Especialização em Educação, Pobreza e
Desigualdade Social, declaram suas impressões:
Cidadania é justamente essa relação de respeito com omeio em que a gente vive e as pessoas que fazem partedele. Em casa, na escola, na rua, em qualquer lugar agente vai encontrar regrinhas, o que pode ser feito e oque não pode. Às vezes você perde a paciência com tudoisso. Mas, se não fosse desse jeito, a convivência ficariaimpossível. Os direitos existem para que cada um de nóstenha uma vida digna e decente, ainda que nem sempreeles sejam respeitados, pois meu marido não tem empregofixo, o direito dele não é respeitado26.
26 Família Beneficiária do Programa Bolsa Família.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)72
No meu entendimento a cidadania é a capacidade de vocêvotar e ser votado e participar das decisões políticas datua comunidade do teu bairro do teu local onde vocêvice, então se você é tem a capacidade de votar e servotado e participa das decisões políticas você tá exercendoseu papel de cidadania 27.
Bom, cidadania, né, todos nós somos cidadãos porquenós temos direitos e deveres perante uma sociedade [...]quais são os princípios que asseguram que a pessoa possaser identificada como cidadão [...] o que identifica essapessoa como cidadão, primeiramente são em termos legaissão a certidão de nascimento o RG pro maior de idade28.
Ser honesto, ser digno do seu trabalho e isso que euentendo por cidadania29.
A cidadania consiste na tomada de consciência dos direitose de realização dos deveres. Portanto, cidadão é todoaquele que participa, colabora e argumenta sobre as basesdo direito, ou seja, é um agente atuante que exerce seusdireitos e deveres30.
Não sei dizer mas acredito que é o registro de nascimento,acho que é isso31.
Algumas internalizações do conceito de cidadania convergem para
questões referentes a direitos e deveres, tendo consciência esses
participantes, do direito à dignidade. Outros restringem o conceito ao
exercício do voto ou ainda ao registro de nascimento, o que não deixa de
ser um processo de participação do cidadão. A verdade é que definir
cidadania de forma singular e objetiva é tarefa árdua e incômoda, uma
27 Professor.28 Coordenador Pedagógico.29 Comunitário.30 Cursista.31 Família Beneficiária do Programa Bolsa Família.
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73Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
vez que requer dicionarização. Todavia, conceituar cidadania como os
participantes assim o fizeram, consiste em subjetivar o que pensam ser
essa palavra, de maneira a compreenderem sua dimensão educativa,
política, social, familiar.
A escola, através de uma prática cidadã, pode redimensionar o
conceito de cidadania, oportunizando conhecimento aos estudantes e
assumindo uma postura e compromisso como gestão democrática. As novas
demandas sociais sinalizam a necessidade de uma escola preocupada com
a formação para a cidadania: ponto que deveria ser comum comunidade
e escola.
Todavia, não basta apenas, preocupar-se com a formação de
cidadãos, é preciso que a escola tenha uma prática cidadã no seu cotidiano.
Falar de cidadania em momentos pontuais são questões recorrentes no
livro didático, na mídia, nos documentos legais, nos cartazes, nos discursos
de gestores, professores e família. É necessário a operacionalização da
cidadania, do seu exercício nas práticas sociais, nas atitudes de toda a
comunidade escolar.
Desse modo, a escola ao ouvir e atender às necessidades das
realidades discente e docente, exerce cidadania efetiva sobre o processo
de participação política de seus membros. As ações educativas a serem
desenvolvidas pela escola não podem estar centralizadas nas mãos dos
governantes, das Secretarias de Educação ou mesmo dos gestores.
Tais instâncias não podem ser vistas de forma estanque, ao
contrário, precisam estar nas teias de significados construindo,
juntamente, com a escola, valores cidadãos e autônomos, através da prática
democrática, igualitária. A escola se constitui como o conjunto de todas
as pessoas envolvidas nos processos de ensino e de aprendizagem dos
estudantes, inclusive, seus próprios pares escolares.
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O desafio de ir para além do ensino ou do conteúdo requer a
operacionalização de um currículo democrático e participativo. Tal prática
exige tempo, discussão, debate, atitude, mudança; exige, ainda,
reeducação, mudança de concepção para gestores, pais, professores e
estudantes, pois uma escola que se propõe a emancipar sua comunidade,
deve se preparar, não apenas para a diversidade, mas também para a
diferença. Klein e Pátaro (2008, p. 5) afirma que:
[...] com a democratização do acesso e a entrada denovos contingentes educacionais na escola, emerge anecessidade de repensarmos os conteúdos, os métodose as ações pedagógicas concebidas de forma ampla,de maneira que a atuação da escola desenvolva-se apartir de valores desejáveis a uma sociedadedemocrática visando práticas coerentes que favoreçamo exercício da cidadania ativa.
A reflexão de práticas pedagógicas é inerente ao processo
educacional. A escola comum que se autodenomina inclusiva está
preparada para o que pode ocorrer ou não. Os contingentes no dia-a-dia
da escola demandam olhares e práticas de alteridade, para que o outro se
sinta inserido, contemplado, representado.
É nessa via que questões identitárias como novos contingentes
reforçam a necessidade de uma escola democrática. Freire (1996, p. 24)
sustenta que:A questão da identidade cultural, de que fazem partea dimensão individual e a de classe dos educandoscujo respeito é absolutamente fundamental na práticaeducativa progressista, é problema que não pode serdesprezado. Tem que ver diretamente com a assunçãode nos por nós mesmos. É isso que o puro treinamentodo professor não faz, perdendo-se e perdendo-o naestreita e pragmática visão do processo.
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75Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Freire (1996), na verdade, aponta a construção identitária como
ponto a ser considerado no currículo e, a partir dele, redimensionar práticas
de absoluto respeito para com o diferente. Atitudes estas que o professor
pode inserir em sua prática só através da quebra de paradigmas sob uma
perspectiva cidadã. Assim, professores e educandos constroem
aprendizados entre si, isso porque “[...] toda prática educativa demanda
a existência de sujeitos, um que, ensinando, aprende, outro que,
aprendendo, ensina, daí o seu cunho gnosiológico [...]” (p. 41).
Conhecer o humano seria, então, condição primeira para o exercício
da alteridade, para a busca da transformação na e da escola, a cidadania
e a democracia como culturas da escola. Uma escola cidadã propõe mais
que liberdade de expressão, mais que discutir temas da realidade, propõe
fazeres pedagógicos numa perspectiva, efetivamente, inclusiva em todos
os seus aspectos.
A inclusão referida, aqui, não é só de educandos com
especificidades que se está falando. Não, essa abordagem não é só sob o
prisma da Educação Especial, muito menos da inclusão social, sequer da
integração, o que se quer enfatizar é a importância de se realizar práticas
educativas de uma inclusão pedagógica com e para a diferença. Enfim,
uma inclusão para os excluídos como negros, ribeirinhos, minorias étnicas,
minorias linguísticas, surdos, cegos, identidades de gêneros, educandos
que cumprem pena socioeducativa, dentre tantas outras diferenças que,
se vistas pelo prisma da patologia, do olhar psicologizante, da ideia pré-
antecipada, reproduzem uma escola autoritária, déspota e tirana.
Diante disso, pensar uma escola cidadã é pensar em transformação
social, é pensar, também, a formação do professor, uma vez que Freire
(1996, p. 24) chama a atenção, enfatizando que uma prática educativa
progressiva não é feita com o “[...] puro treinamento do professor”. O
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)76
professor corre o risco de, no processo educacional, estreitar e pragmatizar
sua visão. É nesse sentido que a formação continuada se faz necessária
ao trabalho docente.
O saber de cada professor está, também, articulado à sua
identidade, seu modo de pensar, sentir e interagir com o mundo. Para
além disso, as experiências acumuladas com a prática docente e em sua
história de vida fazem o professor desencadear as questões ontológicas,
epistemológicas e metodológicas inerentes à sua práxis. Esses elementos
do trabalho docente e da formação do professor foram/são constituídos
mediante a vinculação de sua prática e seus saberes com diferentes áreas
do conhecimento. Tardif (2002) apresenta três tipos de saberes docentes,
quais sejam: os saberes disciplinares, os saberes curriculares e os saberes
experienciais.
Os saberes disciplinares referem-se às diferentes ciências,
apresentando-se como disciplinas, constituídos tanto na formação inicial
do professor, quanto na formação continuada, tendo a Universidade, na
maioria das vezes como produtora e reprodutora desses saberes. Os
saberes curriculares dizem respeito às instituições escolares das quais o
docente faz parte, operacionalizando sua prática docente através de
conteúdos, objetivos, estratégias e métodos, tratando-se dos programas
escolares. Finalmente, os saberes experienciais resultam de uma prática
cotidiana do professor, aplicando suas experiências ao trabalho docente.
Todo esse conjunto de saberes são empregados de forma
institucionalizada na escola, de maneira a obedecerem a execução de
determinados programas institucionais. Portanto, pensar uma escola cidadã
implica professor cidadão como agente de uma prática pedagógica
emancipatória, juntamente, com estudantes que foram/são proporcionados
ao processo de emancipação. Esses principais agentes da escola (professor
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77Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
e educando), segundo a máxima freiriana “se educam entre si”, analisando
criticamente a realidade na qual estão inseridos. Ora,
Um dos objetivos da educação é desenvolver condiçõespara que crianças e jovens participem da vida emsociedade de forma crítica e autônoma, o quechamaremos de condições para o exercício da cidadania.São esses os elementos que a escola deve desenvolverpara que, de maneira crítica, alunos(as) sejam capazesde se indignarem com as injustiças sociais e almejaremuma vida digna para si próprios e para a sociedade(PÁTARO; ALVES, 2011, p. 2).
Por tudo isso, a educação se constitui como um legado para uma
proposta cidadã. A escola como propositora da educação formal e
sistematizada tem o dever de referendar e legitimar a cidadania, na
tentativa de contribuir para a construção de uma sociedade igualitária e
justa. Para isso, incentivará a vivência de práticas educativas essenciais à
formação dos estudantes, pois se em quaisquer dos espaços fora da escola,
frequentados pelos estudantes (família, igreja, comunidade) estes não
se sentem valorizados ou carecem de uma prática cidadã, é, muitas vezes,
na escola que talvez sintam seus direitos assistidos e contemplados.
Oxalá a escola os representasse numa relação mútua de respeito,
tendo como princípios a liberdade, a honestidade, a dignidade. Por
conseguinte, em tempos de crises ética e econômica como construir uma
escola com esse perfil? Como propor dignidade se a escola é gerida por
recursos financeiros e, muitas vezes, não apresenta condições plausíveis
de dignidade? Uma população pobre frequentando uma escola “pobre”
de recursos, de ética, de cidadania, de formação, de verbas. Que relação
há entre pobreza e cidadania? Os participantes da pesquisa empírica
respondem:
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)78
A pobreza ela é a falta de trabalho32.
A relação entre pobreza e cidadania... não sei te dizer setem uma relação, se tem uma relação assim bem assim épobreza e cidadania, porque todos nós somos cidadãosaté quem está na pobreza é um cidadão então a relaçãoentre pobreza e cidadania, pra mim nenhuma33.
Na verdade, eu acho que não deveria ter pobreza nomundo onde todos nós somos cidadãos não deveria existirpobreza porque aí já engloba a questão da, a questãoeconômica que não é dividido igualmente a todos quepreza a é uma das nossas leis onde que todos devem teros mesmos direitos assegurados né e que não é cumprido34.
Os pobres não têm oportunidades porque não têminstrução. O cidadão tem conhecimentos e chances decorrer atrás, mas o pobre não35.
A pobreza ela é a falta de trabalho (informação verbal)36.Essa relação é antagônica, estão em direção diferentes,ser cidadão é ter acesso aos seus direitos e pobreza, porconseguinte, é despoja-se de todo e qualquer direitogarantido na constituição de 1988. É uma relação dedicotomia é que necessita de mudanças, precisamos depolíticos honestos que faça o Brasil crescer em direçãoaos direitos consolidados e da exclusão da pobreza37.
Tamanha complexidade faz surgir o desvio da resposta ao que foi
perguntado. A pobreza se configura, muitas vezes, pela escassez de saúde,
educação, segurança, desporto, alimentação, moradia. Tantos direitos
32 Família beneficiária.33 Diretor de escola.34 Coordenador Pedagógico.35 Comunitário não beneficiário do BF.36 Família beneficiária.37 Cursista.
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79Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
violados permitem um exercício ínfimo da cidadania, significando dizer,
equivocadamente, que os deveres precisam ser cumpridos pelo cidadão,
porém, seus direitos continuam negligenciados.
Todas essas discussões deveriam permear o currículo de uma escola
cidadã. Através da contextualização da realidade é possível construir
conhecimento, na intenção de desenvolver, não só o entorno da escola,
mas uma sociedade ética e esclarecida.
4 PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DE
ENFRENTAMENTO À DESIGUALDADE E À POBREZA
O programa Bolsa Família, como qualquer outrainiciativa governamental envolvido num caráterpolítico, além da preocupação social, desperta críticasde todas as naturezas, e neste caso não há diferença.Considerado por muitos como ‘um programa que vicia’e que peca por não exigir contrapartidas das famílias,o Bolsa Família nos faz também refletir acerca dapossibilidade de promoção do comodismo e docontentamento com a renda mínima. Pergunta-se: oreferido auxílio erradica de fato a pobreza ou a mantém,amparada pela ‘acomodação’ dos seus beneficiários?(ZIMMERMANN, 2007, s.p.).
O questionamento apresentado por Zimmermann (2007), leva-
nos a uma inquietação: qual a finalidade do Programa Bolsa-Família?
Responder a essa indagação não se constitui tarefa fácil, pois em uma
sociedade contraditória quaisquer medidas de políticas públicas também
possuem sua contradição. Assim, temos aqui a pretensão de discutir acerca
da finalidade do programa bolsa família em nossa sociedade. Ao
analisarmos o referido programa sob o ponto de vista da inclusão social,
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)80
da cidadania argumentamos que o Bolsa Família tem como potencialidade
imbuir o desejo de empoderamentode famílias carentes, com intuito de
fruir de direitos de cidadania segmentos mais subalternizados de nossa
sociedade.
Sabemos que perante as leis todos temos direitos e deveres de
acesso às mesmas oportunidades, sejam elas, saúde, educação, esporte,
lazer dentre outros direitos assegurados na Carta Magna de 1988, contudo,
vivemos em uma sociedade desigual e excludente. Somos mais de 206
milhões de habitantes que vivem em sua maioria nas cidades, segundo o
Censo do IBGE38 de 2010.
De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano do Pnud39
(2015), o Brasil encontra-se na 75º colocação no ranking do IDH, entre
188 países do mundo. Inúmeras são as desigualdades presentes em nossa
sociedade, desde a social, de renda até desigualdade de gênero. Podemos
dizer que, se todas as formas de desigualdade forem aferidas, o nosso
país tenderia a perder essa posição no ranking do IDH, o que levaria o
Brasil a ter um desempenho pior se comparado aos outros países do
mundo, bem como aos países da América Latina.
A pobreza no Brasil é histórica, porém, de acordo com o Banco
Mundial (2015) o quantitativo de pessoas vivendo em situação de
pobreza extrema no Brasil teve uma redução de 64% entre 2001 e 2013,
passando de 13,6% para 4,9% da população. Além disso, dados de
pesquisa do IBGE revelam que ocorreu um estacionamento dos índices
de desigualdade no Brasil, pois a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios de 2013, o Índice Gini, que varia de 0 a 1 e é usado para
38 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.39 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
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81Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
medir a desigualdade, piorou de 0,496 em 2012 para 0,498 em 2013, o
primeiro aumento desde pelo menos 2001. Outro fato a ser elencado
refere-se à crise econômica de 2013 que irá impactar na questão da
situação de pobreza em nosso país.
Por pobreza denomina-se a condição do indivíduo, em que há
uma condicionalidade dos meios adquiridos de subsistência devido à falta
de acesso à educação, à saúde, à habitação e ao saneamento básico. Essas
condições divergem com o conceito de cidadania, uma vez que aqueles
que vivem na extrema pobreza desconhecem seus direitos e deveres, além
do quê, na maioria das vezes, uma parcela significativa de nossa população
tem seus direitos ignorados, desrespeitados e até mesmo usurpados por
setores de nossa sociedade que deveriam defender e zelar por seus
interesses.
Com a promulgação da Constituição Brasileira de 1988, chamada
de “Constituição Cidadã”, a universalização dos direitos e assistência social
é reconhecida, adensando os debates nas áreas das políticas sociais. É
importante salientar que mesmo se constituindo em um “avanço” no
âmbito da cidadania social frisa-se que o texto constitucional apresenta
uma concepção de seguridade social híbrida (FLEURY, 1994), tardia ou
retardatária e inconclusa.
Nesse sentido, por meio da assistência social, uma das políticas
que compõe o tripé da Seguridade Social brasileira, são criados diversos
programas, ou melhor, medidas de política pública de enfrentamento à
pobreza. Destaca-se a Medida Provisória nº 132, de outubro de 2003,
que cria oficialmente, o Programa Bolsa Família, do governo federal
destinado à transferência de renda às pessoas em situação de pobreza e
pobreza extrema. Essa transferência de renda tem alguns requisitos
básicos, como: frequência escolar regular e vacinação em dia.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)82
O objetivo do Programa Bolsa Família é combater a fome, a exclusão
social e promover a independência das famílias pobres. Trata-se, pois, de
um programa que visa edificar uma “nova” concepção de assistência social.
Concepção que prima em realçar a assistência social como política pública
e afiançadora de seguranças, sob a ótica do direito de cidadania e
contraposição a uma concepção pretérita de assistência social como
filantropia, benesse e caridade.
Ratificando que assistência social é uma política pública
afiançadora de seguranças e que visa à autonomia e a emancipação dos
seus reais demandatários. Defender a assistência social sob o prisma do
direito, da democracia, da equidade e da cidadania não se constitui em
algo fácil em tempos de desmonte de direitos e de retrocessos no âmbito
da cidadania social.
A discussão sobre a cidadania é uma forma de melhor compreender
a questão da igualdade, da desigualdade na sociedade capitalista e da
luta por uma participação no poder político e na riqueza socialmente
produzida. A cidadania está relacionada à vida em sociedade, a qualidade
ou condição como cidadão, tendo em vista que por cidadania se entende
um conjunto de direitos e deveres ao qual o indivíduo está sujeito em
relação à sociedade na qual vive e que, por sua vez, são entendidos como
direitos básicos.
Dessa feita, os sujeitos pesquisados apreendem o conceito de
cidadania da seguinte forma:
Cidadania é o exercício dos direitos e deveres civis, políticose sociais estabelecidos na Constituição de um país. Osprincípios baseiam-se no convívio em sociedade, no qualgozam de seus direitos e deveres40.
40 Coordenador Pedagógico 2.
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83Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Para ser cidadão a pessoa precisar ter consciência de seusdireitos e deveres e acesso a educação, tendo acesso aseus direitos esse cidadão tem essa cidadania assegurada41.
Cidadania é quando uma pessoa tem seus direitosrespeitados e quando isso acontece, esse direito estáassegurado42.
Posso definir de três maneiras: 1) é quando o Estadocoloca em prática os direitos e deveres de um indivíduo(seu povo); 2) é quando a sociedade se conscientiza deque seus direitos e deveres têm que ser cumpridos, a fimde que desfrute de uma vida saudável, equilibrada e justa;3) posso afirmar que cidadania é uma troca: Estado-povo,direitos-deveres. Uma pessoa só é considerada cidadãquando ela não só usufrui de seus direitos, mas tambémexerce seus deveres43.
As falas desses sujeitos expressam o entendimento de que a
cidadania é construída no próprio processo de vida. Portanto, não se
constitui em um conceito a-histórico, além de destacar que direitos e
deveres são intrínsecos ao conceito de cidadania. O usufruto desses
direitos não é algo fácil ou imediato, pois muitas vezes vive-se em países
com frágil ou pouca tradição democrática que oblitera o exercício da
cidadania em sua forma plena, pois cidadania é pertencimento nos
destinos das pessoas em sociedade, na busca por bem-estar, o que nos
leva a inferir que, mesmo tendo direitos instituídos, muitas pessoas estão
longe de ter o nível de qualidade desejado para uma vida digna.
Relacionando a assistência social como uma política pública
afiançadora de direitos de cidadania, afirma-se que enquanto ação de
41 Gestor 7.42 Família com Bolsa Família 4.43 Família sem Bolsa Família 5.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)84
Estado, a Assistência Social configurou-se até os anos 80, como uma
ação paliativa, pontual, fragmentada, secundária e marginal. Não merecia
sequer o estatuto de política social, pois era um campo de ação marcado
por ações residuais, precárias, para a parcela da população, a quem a
sociedade capitalista nega os direitos fundamentais.
Diante da forma como se caracterizava, historicamente, as ações
públicas de enfrentamento à pobreza, Yazbek (1993) em um de seus
escritos chama atenção para o que considera como distorções nesta área
da assistência social. Visto que na cultura política do país, sobretudo, no
trato com as classes subalternas, sua vinculação histórica com o trabalho
filantrópico, voluntário e solidário das pessoas em sociedade, determinada
pelo lugar que ocupa a assistência social insere-se na política pública
que se reflete na escassez histórica de recursos para a área.
Porém, um “novo” momento para a assistência social em nosso
país é inaugurado, pois a partir da Constituição de 1988 e da Lei Orgânica
da Assistência Social – LOAS, Lei n.º 8742 de 7 de dezembro de 1993
(BRASIL, 1993), a assistência tornou-se uma política de responsabilidade
do Estado, direito do cidadão e, portanto, uma política estratégica no
combate à pobreza e para a constituição da cidadania das classes menos
favorecidas de nossa sociedade.
Ao mesmo tempo, assim como em outras áreas de política pública,
de acordo com as definições legais, a gestão desta política, passou a ser
efetivada por um sistema descentralizado e participativo. Tal prática
incumbiu aos municípios uma parcela significativa de responsabilidade
na sua formulação e execução das ações direcionadas para os reais
demandatários das políticas públicas no Brasil.
O Brasil é um país excludente e desigual que constrói o seu sistema
de proteção social, em que a cidadania sempre foi internalizada como
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85Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
privilégio para os incluídos no mercado. Assim, a defesa da política de
assistência social, na perspectiva da justiça social, da distributividade e
da cidadania assume uma dimensão estratégica e política, no sentido de
ampliar a capacidade das classes menos favorecidas e de alterar o status
quo e construir novas possibilidades para a conquista de políticas sociais
universalizantes, afiançadora de direitos na busca pela construção da
sua hegemonia, conforme o texto constitucional no Artigo 203 que trata
da política assistencialista, que assim prescreve:
Art. 203. A assistência social será prestada a quemdela necessitar, independentemente de contribuiçãoà seguridade social, e tem por objetivos:I - A proteção à família, à maternidade, à infância, àadolescência e à velhice;II - O amparo às crianças e adolescentes carentes;III - A promoção da integração ao mercado de trabalho;IV - A habilitação e reabilitação das pessoas portadorasde deficiência e a promoção de sua integração à vidacomunitária;V - A garantia de um salário mínimo de benefíciomensal à pessoa portadora de deficiência e ao idosoque comprovem não possuir meios de prover à própriamanutenção ou de tê-la provida por sua família,conforme dispuser a lei. (BRASIL, 1988, s.p.).
O texto constitucional revela-nos o caráter de política pública
integrante da seguridade social brasileira que a assistência social passa a
adquirir, pois o Art. 204 explicita:
Art. 204. As ações governamentais na área daassistência social serão realizadas com recursos doorçamento da seguridade social, previstos no art. 195,além de outras fontes, e organizadas com base nasseguintes diretrizes:
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)86
I - Descentralização político-administrativa, cabendoa coordenação e as normas gerais à esfera federal e acoordenação e a execução dos respectivos programasàs esferas estadual e municipal, bem como a entidadesbeneficentes e de assistência social;II - Participação da população, por meio deorganizações representativas, na formulação daspolíticas e no controle das ações em todos os níveis.(BRASIL, 1988, s.p.).
Depreende-se dos artigos supracitados que a partir de 1988, no
entender de Sposati (2002), a assistência social como uma
responsabilidade do Estado representa uma política de Seguridade Social
não contributiva por meio de ações integradas44 para assegurar as
necessidades básicas dos cidadãos.
De acordo com Mota (1995), a inserção da assistência social como
política de seguridade social, a noção de mínimos sociais, a gratuidade
dos serviços e benefícios que coloca essa política ao terreno dos direitos
sociais, equiparam o Brasil aos sistemas securitários das sociedades
desenvolvidas. Todavia, trata-se de uma incorporação tardia e em uma
conjuntura marcada por um processo de contrarreforma do estado
brasileiro que promove um processo de adequação da seguridade social
brasileira às exigências do ajuste neoliberal (BEHRING, 2009).
Sendo assim, a assistência social no Brasil, subdivide-se em duas
linhas de ação:
44 [...] Somos cientes que as políticas sociais brasileiras, ou melhor, que a seguridade social brasileira garante osmínimos sociais, porém defende-se que essa discussão deve ampliar o debate e ao invés de discutir os mínimossociais que se fundamenta pelo princípio do reducionismo, deveríamos discutir os máximos sociais. SPOSATI,Aldaíza. Mínimos sociais e seguridade: uma relação da consciência da cidadania. RRRRReeeeevista Servista Servista Servista Servista Ser viço Social eviço Social eviço Social eviço Social eviço Social eSociedadeSociedadeSociedadeSociedadeSociedade, São Paulo, ano 22, n. 68, 2002.
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87Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
a) Assistência como caridade: baseada em princípiosmorais e cristãos; prestada por segmentos da sociedadecomo a igreja, entidades filantrópicas, e almas caridosas,obras de caridade; sempre vinculada à ideia de doaçãoe do favor imerecido;b) Assistência como benesse ou favor do Estado:quando a demanda das necessidades aumenta pelascontradições capitalistas, e as ações de caridade nãoconseguem mais dar conta, surge à exigência de que oEstado passe a promover esta ação que se caracterizavacomo o acesso, a um bem que era efetivado através debenesse, de doação. Caracterizada por açõesfragmentadas, transitórias, pontuais e clientelistas, aAssistência é usada pelo próprio sistema para suadominação o que chamamos de assistencialismo(LUSTOSA; FERREIRA, s.d, p. 7).
A assistência social conforme como observam Lustosa e Ferreira
(s.d.) desde 1930 a 1988 é tratada como benemerência estatal no Brasil.
Foi a partir da sua inserção no texto constitucional que ela adquiriu status
de direitos social, o que promoveu uma mudança de concepção acerca
dessa política pública. Nesse sentido, afirmam: c) Assistência enquanto
direito (EXIGÍVEL) do cidadão e dever do Estado – a Assistência Social
assume o status formal de política pública inclusa no projeto de seguridade
social (sistema de proteção social, juntamente com a Previdência e a
Saúde) (s.d., p. 8).
Não obstante, é correto destacar que a assistência social foi à
última política da seguridade social a ser regulamentada, pois:
[...] seu processo de regulamentação demonstrou omovimento de afirmação e negação que permeia a as-sistência. Ao ser encaminhado o Projeto de Lei no. 48de 1990, que dispunha sobre a Lei Orgânica de Assis-tência Social, à Câmara Federal sofreu vários embatese críticas, o que o levou a ser vetado pelo Presidente
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Fernando Collor de Mello, em 17 de setembro de 1990,com a alegação de vícios de inconstitucionalidade ede sustentação financeira para sua implantação (ZUCCO,1997, p. 43).
Desse modo, tardiamente em 7 de dezembro de 1993 foi promul-
gada a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, visando regulamentar
os artigos 203 e 204 da Constituição Federal de 1988, o que nos leva a
afirmar que a LOAS explicita os objetivos, princípios e diretrizes da polí-
tica de assistência social, além de tratar da organização e gestão da polí-
tica e de seus benefícios, serviços, programas, projetos e do financia-
mento dessa política. Além disso, o texto constitucional traz inovações,
tais como: a) A descentralização político-administrativa; b) A participa-
ção popular; c) A primazia da responsabilidade do Estado.
Tais mecanismos de participação e partilha de poder, revela o
“novo” momento das políticas da seguridade social brasileira, em especi-
al da assistência social. Além disso, ampliando a participação política nas
decisões, para a área de assistência social, têm-se os Conselhos, as Con-
ferências e as Comissões Intergestoras, canais por onde passam as deci-
sões sobre os rumos da assistência social, seja na esfera federal, estadual
e municipal.
Demarca-se o ano de 2004, como um momento significativo para
a assistência social no Brasil, pois a Resolução nº 145, de 15 de outubro
de 2004 em seu Art. 1º aprova, em reunião do Colegiado de 22 de
setembro de 2004, por unanimidade dos Conselheiros a Política Nacional
de Assistência Social, cujos princípios, diretrizes, objetivos e usuários
são expressos no quadro abaixo:
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89Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Quadro1 - Política Nacional de Assistência Social – PNAS
I - Supremacia do atendimento às necessidades sociaissobre as exigências de rentabilidade econômica;II - Universalização dos direitos sociais, a fim de tornaro destinatário da ação assistencial alcançável pelasdemais políticas públicas;III - Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomiae ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade,bem como à convivência familiar e comunitária,vedando-se qualquer comprovação vexatória denecessidade;IV - Igualdade de direitos no acesso ao atendimento,sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-seequivalência às populações urbanas e rurais;V - Divulgação ampla dos benefícios, serviços, programase projetos assistenciais, bem como dos recursosoferecidos pelo Poder Público e dos critérios para suaconcessão.
I - Descentralização político-administrativa, cabendoa coordenação e as normas gerais à esfera federal e acoordenação e execução dos respectivos programas àsesferas estadual e municipal, bem como a entidadesbeneficentes e de assistência social, garantindo ocomando único das ações em cada esfera de governo,respeitando-se as diferenças e as característicassocioterritoriais locais;II - Participação da população, por meio deorganizações representativas, na formulação daspolíticas e no controle das ações em todos os níveis;III - Primazia da responsabilidade do Estado nacondução da política de assistência social em cada esferade governo;IV - Centralidade na família para concepção e implementaçãodos benefícios, serviços, programas e projetos.
PRINCÍPIOS
DIRETRIZES
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)90
O Quadro acima delimita uma concepção de política de assistência
social que prima pela ótica dos direitos a quem dela necessitar, ofertando
proteção social que deve garantir as seguintes seguranças: segurança de
sobrevivência (de rendimento e de autonomia)45; de acolhida46; e, convívio
a. Prover serviços, programas, projetos e benefícios deproteção social básica e, ou, especial para famílias,indivíduos e grupos que deles necessitarem;b. Contribuir com a inclusão e a equidade dos usuáriose grupos específicos, ampliando o acesso aos bens eserviços socioassistenciais básicos e especiais, em áreasurbana e rural;c. Assegurar que as ações no âmbito da assistência socialtenham centralidade na família, e que garantam aconvivência familiar e comunitária.
Famílias e indivíduos com perda ou fragilidade de vínculosde afetividade, pertencimento e sociabilidade; ciclos devida; identidades estigmatizadas em termos étnico, culturale sexual; desvantagem pessoal resultante de deficiências;exclusão pela pobreza e, ou, no acesso às demais políticaspúblicas; uso de substâncias psicoativas; diferentes formasde violência advinda do núcleo familiar, grupos eindivíduos; inserção precária ou não inserção no mercadode trabalho formal e informal; estratégias e alternativasdiferenciadas de sobrevivência que podem representar riscopessoal e social.
Fonte: Brasil (2004).
OBJETIVOS
USUÁRIOS
45 "A segurança de rendimentos não é uma compensação do valor do salário-mínimo inadequado, mas a garantia de quetodos tenham uma forma monetária de garantir sua sobrevivência, independentemente de suas limitações para otrabalho ou do desemprego. É o caso de pessoas com deficiência, idosos, desempregados, famílias numerosas, famíliasdesprovidas das condições básicas para sua reprodução social em padrão digno e cidadã". (BRASIL, 2004, p. 25).
46 "A segurança da acolhida, entende-se como uma das seguranças primordiais da política de assistência social. Elaopera com a provisão de necessidades humanas que começa com os direitos à alimentação, ao vestuário, e aoabrigo, próprios à vida humana em sociedade". (BRASIL, 2004, p. 25).
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91Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
ou vivência familiar47. Ao assegurar essasegurança aos seus usuários, a
Política Pública de Assistência Social delimita a sua especificidade no
terreno das políticas sociais, além de explicitar as responsabilidades de
Estado perante seus cidadãos.Importa destacar que a assistência social
ao se constituir em uma política pública de proteção social possui as
seguintes proteções afiançadas:
a. Proteção Social Básica - tem como objetivosprevenir situações de risco por meio dodesenvolvimento de potencialidades e aquisições, e ofortalecimento de vínculos familiares e comunitários.Destina-se à população que vive em situação devulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação(ausência de renda, precário ou nulo acesso aosserviços públicos, dentre outros) e, ou, fragilizaçãode vínculos afetivos - relacionais e de pertencimentosocial (discriminações etárias, étnicas, de gênero oupor deficiências, dentre outras). Prevê odesenvolvimento de serviços, programas e projetoslocais de acolhimento, convivência e socialização defamílias e de indivíduos, conforme identificação dasituação de vulnerabilidade apresentada.Proteção Social especial - é a modalidade deatendimento assistencial destinada a famílias eindivíduos que se encontram em situação de riscopessoal e social, por ocorrência de abandono, maustratos físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual, uso desubstâncias psicoativas, cumprimento de medidassocioeducativas, situação de rua, situação de trabalhoinfantil, entre outras. (BRASIL, 2004, p. 27-31).
47 "A segurança da vivência familiar ou a segurança do convívio é uma das necessidades a ser preenchida pela políticade assistência social. Isto supõe a não aceitação de situações de reclusão, de situações de perda das relações".(BRASIL, 2004, p. 26).
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)92
As proteções possuem uma gama de programas e serviços, de
acordo com os níveis de complexidade. Ademais, a PNAS – Programa
Nacional de Assistência Social (2004) prevê que os serviços de proteção
social básica serão executados de forma direta nos Centros de Referência
de Assistência Social - CRAS - e em outras unidades básicas e públicas de
assistência social, bem como de forma indireta nas entidades e
organizações de assistência social da área de abrangência dos CRAS.
Para melhor entendimento e visualização das proteções sociais
básicas e sociais, constituímos o Quadro 2, com intuito de demonstrar o
que são considerados serviços de proteção social, tanto básica, quanto
especial, com base no que foi pactuado na Política Nacional de Assistência
Social (2004):
Quadro2 - Política Nacional de Assistência Social - PNAS, 2004: ProteçõesAfiançadas
a. Programa de Atenção Integral às Famílias.b. Programa de inclusão produtiva e projetos de enfrentamentoda pobreza.c. Centros de Convivência para Idosos.d. Serviços para crianças de 0 a 6 anos, que visem o forta-lecimento dos vínculos familiares, o direito de brincar, açõesde socialização e de sensibilização para a defesa dos direi-tos das crianças.e. Serviços socioeducativos para crianças, adolescentes e jovensna faixa etária de 6 a 24 anos, visando sua proteção, socializaçãoe o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.f. Programas de incentivo ao protagonismo juvenil, e defortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.g. Centros de informação e de educação para o trabalho,voltados para jovens e adultos.
PROTEÇÕESAFIANÇADAS
SERVIÇOS
ProteçãoSocialBásica
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93Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
a. Serviço de orientação e apoio socio-familiar (Médiacomplexidade).b. Plantão Social (Média complexidade).c. Abordagem de Rua (Média complexidade).d. Cuidado no Domicílio (Média complexidade).e. Serviço de Habilitação e Reabilitação na comunidade daspessoas com deficiência (Média complexidade).f. Medidas socioeducativas em meio-aberto (Prestação deServiços à Comunidade - PSC e Liberdade Assistida - LA)(Média complexidade).g. Atendimento Integral Institucional (Alta complexidade).h. Casa Lar (Alta complexidade).i. República (Alta complexidade).j. Casa de Passagem (Alta complexidade).k. Albergue (Alta complexidade).l. Família Substituta (Alta complexidade).m. Família Acolhedora (Alta complexidade).n. Medidas socioeducativas restritivas e privativas deliberdade (semiliberdade, internação provisória esentenciada) (Alta complexidade).o. Trabalho protegido (Alta complexidade).
PROTEÇÕESAFIANÇADAS
SERVIÇOS
ProteçãoSocial
Especial
Fonte: Brasil (2004).
Com base no Quadro 2, percebemos que a política pública de
assistência social expressa à necessidade de um novo modelo de gestão.
Ergue-se assim, o Sistema Único da Assistência Social - SUAS, que é um
sistema articulador e provedor de ações em diferentes níveis de
complexidade, ficando na descentralização político-administrativa, na
participação da população em suas organizações representativas, além
da primazia da responsabilidade do Estado, tendo a centralidade na família
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)94
como real demandatária dos benefícios, serviços, programas e projetos
da política pública de assistência social.
Porém, para colocar o status de política pública, como direito social
não é algo simples, em uma sociedade como a brasileira que historicamente
concebeu a assistência social sob o prisma do clientelismo, da troca por
voto, negando-a como direito e teimando em edificá-la como favor.
Ademais:
Falar de assistência social não é tarefa fácil, porquevários são os preconceitos e ideias equivocadas queainda cercam essa matéria. [...] a assistência socialquase nunca é vista pelo que ela é - como fenômenosocial dotado de propriedades essenciais, nexosinternos, determinações histórico-estruturais, relaçõesde causa e efeito, vínculos orgânicos com outrosfenômenos e processos –, mas pelo que aparenta ser,pela sua imagem distorcida pelo senso comum ou, oque é pior, pelo mau uso político que fazem dela, porfalta de referências conceituais, teóricas e normativasconsistentes (PEREIRA, 2012, p. 222-223).
Diante dessa constatação de Pereira (2012), para que a assistência
social tenha uma vocação contrária à imagem perpetuada pelo senso
comum, faz-se necessário que sua materialização por meio de programas,
serviços, projetos e benefícios se deem sob o prisma do direito de cidadania
na busca por romper com a lógica perversa do capital, que expropria
significativamente uma parcela da população, colocando-os a margem
de toda riqueza produzida socialmente em nosso país.
Entretanto, sabemos que a convivência da política de assistência
social, enquanto direito, para quem dela neceessitar, conforme estabelece o
art. 1º da LOAS, com a cultura do favor, da troca eleitoral, da benesse, das
damas de caridade, do primeiro-damismo só será possível por meio do embate
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95Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
a ser travado, tanto no âmbito político, quanto no âmbito das relações
subjetivas, na luta por consolidar a assistência social, como uma política
pública, mediante a intersetorialidade com as demais políticas sociais.
Para tanto, torna-se primordial a ampliação e extensão dos direitos
sociais, como afiançadora de proteção social, sob a regência de um sistema
único, que possibilite a universalização do acesso aos serviços ainda que
sobre o prisma dos mínimos sociais, mas que garanta a qualidade dos
serviços e benefícios sociais sob a primazia da condução do Estado, na
busca por assegurar a ampliação do grau de provisão estatal pública de
bens e serviços sociais.
4.1 O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA COMO ESTRATÉGIA DE ENFRENTAMENTO DA
POBREZA
O Brasil desde os primórdios de sua história vem sofrendo com a
má distribuição de renda, gerando em consequência desigualdades sociais
de toda ordem, como pobreza e extrema pobreza, desemprego em grande
escala, analfabetismo, comprometimento da dignidade humana e negação
da cidadania plena. É por essa razão que sempre estarão sendo criadas
políticas públicas alternativas e compensatórias com a finalidade de
combater os males e sequelas produzidos pelo sistema capitalista.
O Estado tem o dever de atuar como mediador para reduzir as
desigualdades, embora, muitas vezes deixe à deriva a grande maioria da
população que tanto necessita dos serviços sociais e de todos os seus
direitos garantidos não apenas nas leis, normas e regulamentos, mas na
vivência da cidadania.48 Conforme estudos e análises da ONU (2015);
48 De acordo com o Relatório do Desenvolvimento Humano - RDH - PNUD (2014), o Brasil possui 6,083 milhões depessoas que vivem em situação de pobreza.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)96
ONUSIDA (2015), a pobreza é uma questão multidimensional, pois são
muitas suas implicações no seio da sociedade se movimentando
ininterruptamente no cenário político, social, econômico e cultural. Esses
órgãos têm apontado os principais problemas que ganham complexidade
devido à ausência de políticas públicas condizentes com as reais
necessidades dos cidadãos. Vejamos alguns dados constatados na
realidade.
Pobreza e fome: pobreza monetária (836 milhões depessoas - ano 2015); fome crônica (795 milhões depessoas - ano 2014-2016); crianças com atraso nocrescimento (161 milhões - ano 2013); crianças cominsuficiência ponderal (90 milhões - ano 2015);
Saúde, mortalidade e educação: crianças que morremantes dos cinco anos de idade (6 milhões - ano 2015);mortalidade materna (290.000 mulheres - ano 2013);pessoas infectadas com HIV (37 milhões - ano 2014);adultos analfabetos (780 milhões - ano 2012); jovensanalfabetos (103 milhões - ano 2015); pessoasfuncionalmente analfabetas nos países da OCDE (160milhões de pessoas - ano 2009); crianças que nãofrequentam a escola primária (57 milhões - ano 2015);crianças que não aprendem as competências básicas(250 milhões - ano 2014);
Falta de acesso a serviços sociais básicos: águapotável (663 milhões de pessoas - ano 2015);saneamento básico (2,4 milhões de pessoas - ano2015); pessoas que recorreram a defecação a céu aberto(946 milhões- ano 2015); pessoas que vivem em bairrosurbanos degradados (880 milhões de pessoas - ano2014) (PNUD, 2015, p. 70).
Esses dados nos revelam a complexidade de problemas que envolvem
a questão da pobreza em âmbito mundial. Num sistema capitalista as pessoas
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97Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
são sempre motivadas, interpeladas a defender seus próprios interesses,
sejam eles individuais, de grupo ou de classe. Quando o ter “coisas, objetos”
está acima da dignidade do”ser”, quando a concentração da riqueza de
uma nação proporciona o empoderamento de uma pequena classe, é
inevitável a injustiça, a desigualdade e o sofrimento da maioria de seu
povo, é o vem acontecendo em todos os países do mundo, há sempre os
que mandam, dominam e os escravizados, os deserdados de seus direitos
de cidadania política, social, econômica e cultural.
Todavia, sempre haverá possibilidade de conquistas democráticas,
ainda que o sejam por meio dos movimentos sociais, de lutas e conflitos.
Nesse cenário, programas de transferência de renda representam uma
estratégia fundamental de retorno de parte dos impostos recolhidos pelos
governos, tendo em vista que, mesmo uma família pobre ou extremamente
pobre, também paga diariamente impostos (nos alimentos, na luz, na
água, no vestuário, no remédio, etc.)49
Cohn (1995) sinaliza que os programas de transferência de renda,
cuja natureza não contributiva, são exemplos claros de mecanismos que
visam a erradicação da pobreza, bem como a redução substancial dos níveis
de desigualdade em nossa sociedade. Sendo assim, convém destacar que:
Não é possível enfocar os temas da pobreza e dadesigualdade social sem considerar a cultura política decada país. Torna-se necessário considerar questõessubstantivas sobre justiça social: o que/quanto distribuir,a quem, segundo quais critérios, com qual justificativa.(COELHO; TAPAJÓS; RODRIGUES, 2010, p. 18).
49 Os programas de transferência de renda apresentam-se como uma das seguranças afiançadas da Política deAssistência Social. Trata-se de um direito social que assegura a sobrevivência de famílias em situação de pobreza,por meio do acesso a renda, com vistas a promover sua autonomia.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)98
Por isso, a importância de qualificar as políticas públicas, bem
como os programas de transferência de renda, pois vivemos em uma era
de insegurança global (STANDING, 2010). Insegurança esta, que nos
termos do autor, leva-nos a sofrer de incerteza crônica, de ‘incógnitas
desconhecidas’, da exposição a condições econômicas voláteis, riscos
sistêmicos de choques econômicos e ecológicos, tudo levando a riscos
não seguráveis e inseguranças.
Diante de tal realidade é que se defende que os programas de
transferência de renda não se configuram como “solução mágica” para a
pobreza, mas sim como um direito, já que os mesmos são um mecanismo
de perspectiva emancipatória em contraposição “[...] a lógica clientelista
e assistencialista, que sempre marcou a política social brasileira” (DA SILVA
JUNIOR; SAMPAIO, 2010, p. 259).
Além do Programa Bolsa Família é oportuno explicitar neste
trabalho a existência de outros programas de transferência de renda que
existem no Brasil, tais como: a) O Benefício de Prestação Continuada -
BPC, previsto na Constituição Federal de 1988, implantado em 1996, como
programa de transferência de renda sem condicionalidades e independente
de prévia contribuição; b) Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
– PETI, criado em 1996, tendo condicionalidades, pois as famílias
participantes se comprometem a não permitir que suas crianças exerçam
quaisquer tipos de trabalho, além de assegurarem a inserção na escola e
a frequência mínima; c) Bolsa Escola, criado em 2001, tinha como
população-alvo crianças, na faixa de 6 a 15 anos, e era de responsabilidade
do Ministério da Educação - MEC; d) Bolsa Alimentação, criado em
setembro de 2001, por iniciativa do Ministério da Saúde, tendo a
atualização do cartão de vacinação de crianças até de 0 e 6 anos, visitas
regulares, ao posto de saúde, de grávidas, para o pré-natal, e de mães
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99Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
que estivessem amamentando; e) Auxílio-Gás, criado em dezembro de
2001, como uma medida compensatória para o fim do subsídio ao gás de
cozinha sob a responsabilidade do Ministério das Minas e Energia; f)
Cartão Alimentação do Fome Zero, criado em 2003, tendo como objetivo
a luta contra a insegurança alimentar, enquanto ações estruturantes
estavam sendo implementadas para o enfrentamento dessa questão.
Nota-se que a questão da transferência de renda entra em
pauta na agenda política brasileira, desde os anos de 1990. Além
disso, com a criação do Programa Bolsa Família em outubro de 2003,
ocorre uma unificação como os programas de transferência de renda
condicionados, como o Bolsa Escola e o Bolsa Alimentação, bem como
programas de transferência de renda sem condicionalidades: Auxílio-
Gás e Cartão-Alimentação do Fome Zero, os quais ainda estavam
funcionando em 2004.
Tendo em consideração os programas anteriores, o Programa Bolsa
Família constitui-se na transferência direta de renda com condicionalida-
des tendo como objetivos: combater a fome, a pobreza e outras formas
de privação das famílias, promovendo a segurança alimentar e nutricional
e o acesso à rede de serviços públicos de saúde, educação e assistência
social, criando possibilidades de emancipação sustentada dos grupos
familiares e de desenvolvimento local (BRASIL, 2004).
O Programa Bolsa Família é considerado uma política social de
grande alcance no Brasil. Nesse sentido, Da Silva Junior e Sampaio (2010),
o considera o “carro-chefe” da política social brasileira, tendo em vista
que atende em média treze milhões de famílias. Outro fator de ascensão
social associado à esse programa foi a valorização do salário mínimo e a
geração de empregos formais na ordem de quinze milhões, o que
contribuiu para que trinta milhões de famílias ascendessem da classe “D”
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)100
e “E”, para a classe “C”. Mas o autor alerta que outras medidas estruturais
devem ser desenvolvidas para que o enfrentamento da pobreza seja
sustentável, como investimentos na área educacional, abertura de novas
frentes de trabalho para assegurar uma vida cidadã com os direitos
fundamentais. De acordo com a lei n. 10.836 de 9 de janeiro de 2004, o
programa Bolsa Família tem por objetivo promover o acesso dos cidadãos
em estado de pobreza e pobreza extrema, aos serviços públicos essenciais,
como saúde, educação, assistência social, combate à fome, segurança
alimentar e nutricional.
É oportuno destacar que, apesar de ajustes dos valores da Bolsa
Família em 2016, a transferência de renda está condicionada às
condições de cada família beneficiária, por isso, algumas recebem
valores mais elevados e outros valores menores. Neste caso, temos a
seguinte classificação: Beneficio Básico- os valores repassados às
famílias pobres e extremamente pobres. Seriam famílias que tem em
média uma renda mensal de R$ 85,00 reais por pessoa; Beneficio
Variável- atendimento às famílias com presença de mulheres grávidasou
amamentando, filhos menores e que tenham filhos adolescentes até
15 anos. O valor de cada benefício é de R$ 39.00 reais e a família
pode ter garantia de até 5 tipos de benefícios ao mês, o que seria
equivalente a R$ 195,00 reais. Logo, para cada caso de família aqui
exposto conta um tipo de benefício. Tem ainda o Benefício Variáveldo
Jovem- que consiste no repasse de uma renda mensal para até dois
jovens inscrito no grupo familiar. O valor corresponde a R$ 46,00
reais por mês para cada jovem (BRASIL, 2004).
Weissheimer (2006), afirma que o impacto imediato da Bolsa
Família na vida dos brasileiros beneficiários é o de garantir que estes
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101Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
almejem os primeiros degraus dos direitos humanos que é contar com
alimentação básica, condição esta primordial para o direito à vida, à
dignidade humana, enfim, o acontecimento de acesso aos direitos e
deveres de cidadania. Para esse autor, muito ainda deve ser feito para
que, de fato, os beneficiários do Programa Bolsa família tenham
assegurados seus direitos fundamentais, como uma vida digna. Todavia,
a emancipação desses sujeitos ainda está num horizonte longínquo, mesmo
que o programa assegure uma transferência de renda, a mesma é aquém
às necessidades básicas das famílias, além do que a inserção educacional
dessas famílias por meio de cursos profissionalizantes, a formação de
cooperativas, os restaurantes populares, os bancos de alimentos, os
comitês gestores dentre outros, inúmeros obstáculos se apresentam na
reconstrução de sua cidadania.
É necessário que esses programas sejam aperfeiçoados, pois mesmo
apresentando resultados positivos no enfrentamento da pobreza e na
redução das desigualdades, “[...] também devem ser lidos na perspectiva
que amplia nossos horizontes, apresenta novas demandas, lança novos
desafios e busca fortalecer sua institucionalidade para evitar retrocessos”
(ANANIAS, 2006, p. 326).
Desta maneira, estando a erradicação da pobreza intimamente
ligada à questão da efetivação dos direitos humanos, consubstancia-se
assim um dos grandes desafios para o século XXI. Nesse contexto, a grande
tarefa consiste em viabilizar os meios para que todos tenham acesso aos
direitos fundamentais, exercendo de forma plena sua cidadania.
Entrementes, o exercício concreto da cidadania ainda é negado às classes
subalternizadas, pois para elas:
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)102
[...] A pobreza é a falta de ir e vir, da educação, dealimentação, saúde, da moradia, do trabalho, enfim, detudo que o cidadão deveria ter e não tem para sobreviver,a cidadania não chega aonde há extrema pobreza50.
A sabedoria expressa na fala de um representante familiar que
recebe o Bolsa Família revela-nos o quanto é importante reverter o fosso
abissal entre pobreza, ou melhor, entre a desigualdade social, que gera e
mantém a extrema pobreza, e cidadania. Em síntese, o Programa Bolsa
Família procura enfrentar a questão da pobreza em dois momentos: no
curto prazo, o programa pretende se constituir em um auxílio assistencial
para os problemas imediatos e urgentes da pobreza, como a fome e a
desintegração do ambiente familiar; – no longo prazo, o Bolsa Família
tem como objetivo a segurança de renda como incentivo a melhoria do
status educacional e da saúde de seus beneficiários por meio das
condicionalidades, promovendo assim melhores oportunidades de
qualificação e, consequentemente, a inserção futura no mercado de
trabalho.
Apesar dos resultados obtidos em pesquisas que comprovam que
o Programa Bolsa Família alterou as condições de existência das famílias
beneficiadas, retirando-as da pobreza absoluta, há que se avaliar sobre
os seus efeitos a médio e longo prazo. Pois, mesmo cientes que o fenômeno
da pobreza para ser erradicado requer mudanças estruturais para reduzir
o fosso abissal entre as classes existentes em nosso país, importa destacar
de acordo com dados oficiais do MDS – Ministério de Desenvolvimento
Social e Combate à Fome que:
50 Família com Bolsa Família 10.
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103Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
As transferências sociais e, particularmente, o BolsaFamília foram responsáveis pela queda de 15% a 20%na desigualdade de renda domiciliar por pessoa, entre2001 e 2011. A partir de 2011, o compromisso com apopulação mais pobre foi reforçado com o plano BrasilSem Miséria (BSM), que ampliou o Bolsa Família, pormeio da criação do Benefício para Superação da ExtremaPobreza. Resultado: na primeira década de existênciado Bolsa Família, 36 milhões de brasileiros saíram daextrema pobreza. Deste total, 22 milhões superaram amiséria após a implantação do Brasil Sem Miséria.Na Educação, o Bolsa Família ajuda a manter os alunosna escola e a corrigir a trajetória desses estudantes. Astaxas de abandono, tanto no ensino fundamental quantono médio, são menores entre alunos beneficiários doPBF do que entre os demais alunos da rede pública.Além disso, as taxas de aprovação, que no início doensino fundamental são um pouco mais baixas entre osestudantes do Bolsa Família, se invertem no ensinomédio. Ou seja, mais jovens do PBF são aprovados, oque dá a eles oportunidades de um futuro melhor;Na Saúde, pesquisa em quase 3 mil municípios mostraque o Bolsa Família é um dos principais fatores queinfluenciam na redução da mortalidade infantil (MDS,2013, p. 17).
Em suma, “fórmulas milagrosas” para erradicar a pobreza de uma
só vez não existem. Mas, certamente, mesmo com correções e qualificação,
o Programa Bolsa Família constitui-se em uma medida de política pública
a ser mantida e consolidada para que o país caminhe em direção a um
sistema eficiente e democrático de proteção social. Para tanto, deve-se
exigir a ação responsável dos três poderes da República (Legislativo,
Executivo e Judiciário), além do envolvimento empenhado dos demais
setores de governo, junto com a participação ativa e responsável da
sociedade civil e de suas organizações, com vistas a assegurar o bem-
estar social para todos os cidadãos.
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O impacto na vida dos beneficiários do programa, confirma a
tese de que os governos se utilizam do programa de forma
assistencialista para dar aos pobres “migalhas”, o básico para eles
continuarem aceitando as condições adversas em que vivem,
constituindo-se em uma estratégia de marketing para ser usada no
período eleitoral, pois para Choma (2010, p. 3):
[...] essas medidas compensatórias também setransformaram num formidável instrumento eleitoral[...] o programa serve para subordinar as camadas maisempobrecidas da população, o Bolsa Família tornou-se um instrumento de controle da miséria.
A acidez da crítica de Choma (2010), leva-nos a refletir que o
programa Bolsa Família tanto pode ser utilizado como uma estratégia de
manipulação desses sujeitos, quanto como uma medida de política pública
que promove a cidadania. Pois, nem tudo é só retrocesso ou manipulação.
Vejamos as falas de duas famílias entrevistadas que fazem parte do referido
programa:
Em todos os aspectos, porque ajuda na alimentação dascrianças, e ainda aumenta a frequência escolar, assimeles aprendem mais e não ficam sem escolar51.
Sim, porque trabalha na casa de família e muitas vezesquando não recebe seu salário e recebe o Bolsa Famíliaela compra comida e isso ajuda muito para que seus filhosnão passem fome52.
51 Família com Bolsa Família 4.52 Família com Bolsa Família 16.
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105Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Essas falas revelam que, para as famílias pesquisadas, estas
explicitam mudanças na vida tanto de ordem alimentar quanto
educacional. Para elas, o benefício produz uma segurança de renda que
permite manter seus filhos na escola, além de reduzir os riscos da
insegurança alimentar. Merece ênfase a mudança na questão do usufruto
do direito à educação, pois à medida que as condições de vida das pessoas
melhoram, a família, inserida no programa, passa a usar os recursos para
a aquisição de livros e materiais escolares. Este efeito, já constatado em
alguns locais, proporciona, juntamente com outros fatores, um grande
ganho, na capacidade de aprendizado dos estudantes, contribuindo para
a formação desses sujeitos.
Acredita-se que com o acesso à educação, combinado com
outras políticas públicas sociais pode-se propiciar a possibilidade de
autonomia e empoderamento dessas famílias em direção ao exercício
concreto de sua cidadania. Isso, podemos observar nas falas dos sujeitos
pesquisados:
O programa Bolsa Família é um programa social que visaestimular o aumento da frequência escolar, emcontrapartida reduz a evasão dos alunos. Dessa forma, odesenvolvimento intelectual do educando e suapermanência maior na escola contribui para o senso críticoe social53.
O programa exige que a família cumpra certascondicionalidades, vistas como compromisso pela mesma,como é feito com a saúde, a educação e a assistênciasocial. Esses compromissos requerem que as crianças eadolescentes de 06 a 17 anos estejam regularmentematriculados nas escolas, e com no mínimo de 75% de
53 Gestor 1.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)106
frequência, isso com toda certeza contribui para o sucessoescolar dos que recebem o benefício54.
A contribuição do Bolsa Família é que melhorou bastante,porque as crianças não podem faltar à escola, se faltarconsta no sistema e quem sai perdendo são as criançasque perdem conteúdo das tarefas. Assim, fica mais fácilde todos comparecerem às aulas55.
Nesses discursos, tanto dos profissionais que atuam na política
pública de educação, quanto de uma família que recebe o benefício são
uníssonos no sentido de explicitar que o programa produz uma alteração,
já que a condicionalidade da frequência e participação na escola funciona
como um mecanismo de “controle”. Ora, sabe-se que o programa se
constitui em uma medida de apoio para a sobrevivência material dessas
famílias, já que ao propiciar a segurança de renda estimula-se que a família
mantenha suas crianças na escola ao invés de “lançá-las” em uma atividade
que produza renda e que os retirem da escola.
O êxito e o desenvolvimento escolar não podem estar calcados
em uma única medida de política pública como, por exemplo, o programa
Bolsa Família. Por isso, que esse programa deve buscar:
[...] a articulação com programas complementaresdirecionados para o desenvolvimento e integraçãosocioeconômica das famílias, a exemplo de geraçãode trabalho e renda, alfabetização de adultos, acessoao registro civil e a demais documentos, dentre outros(GUIMARÃES, 2009, p. 338).
54 Professor 3.55 Família com Bolsa Família 4.
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107Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
E mais, quaisquer medidas de políticas públicas que potencialize
a realização do direito à educação se constituem em uma medida a ser
aprimorada e consolidada, com vistas a romper com concepções, tais como
estas, evidenciadas na fala de alguns dos sujeitos pesquisados: “Nenhuma.
Acredito que o Bolsa Família só é uma ferramenta paternalista e
eleitoreira”56.
O Bolsa Família é um programa que a meu ver não deucerto, pois em vez da renda sem empregada na capacitaçãodos membros da família, muitas vezes passa a fazer partecomo única renda familiar. Mas a culpa é dos própriosbeneficiários que acabam destinando esse recurso paraoutras finalidades, não se preocupando na qualificaçãoprofissional, vale lembrar que o programa tem um fim57.
Nessas falas, a melhoria na vida dos beneficiários do programa
não é tão visível, pois desvios de finalidade de quaisquer programas podem
ocorrer, bem como o uso político eleitoral também. Para tanto, devemos
unir esforços na busca defortalecer a institucionalidade do programa Bolsa
Família com vistas a evitar retrocessos no âmbito da cidadania social das
classes subalternas em nossa sociedade.
Outro ponto a ser destacado, é o avanço e a melhoria nos aspectos
da saúde das famílias inseridas no programa, pois como condicionalidade
o programa tem o cuidado com gestantes e nutrizes e com toda a questão
de saúde da primeira infância, o que possibilita a cultura do cuidado com
a saúde, além da melhoria alimentar dessas famílias que estão sendo
apoiadas com o recurso de transferência de renda do Bolsa Família.
56 Professor 21.57 Família sem Bolsa Família 29.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)108
Enfim, como toda medida de política pública, no âmbito da
sociedade do capital, o programa Bolsa Família por si só não tem o “dom
mágico” de reverter o quadro de exclusão social e de pobreza existente
em nossa sociedade. Porém, os avanços advindos a partir da implantação
do programa não podem ser negados, já que o programa tem contribuído
também para elevar a renda monetária, diretamente, no caso das famílias
beneficiárias, como indiretamente, na injeção de recursos no consumo
dessas famílias, pois como afirma Ananias (2006, p. 338):
Tem contribuído também, ao assegurar uma rendaestável (ainda que reduzida) para 11 milhões defamílias, em outros aspectos que são fundamentais parao combate à pobreza e a inclusão social, para extensãoda cidadania e promoção do trabalho decente, comosão a prevenção e a erradicação do trabalho infantil edo trabalho escravo ou degradante, assim como aigualdade de gênero, por meio do empoderamento eautonomia das mulheres.
Para quem tem pouco e viveu historicamente um processo de
exclusão social de extrema pobreza, a inserção no programa se constitui
em uma possibilidade de mudança. Entende-se que o benefício ofertado
é reduzido, porém se os esforços forem articulados e a articulação direta
da assistência social com a educação e a saúde fomentarem a busca dessas
famílias ao exercício concreto da cidadania, a trilha então será aberta e o
novo poderá emergir em nossa sociedade.
Sobre a articulação ou a intersetorialidade das políticas
públicas, para alguns dos entrevistados, a contribuição do Bolsa
Família para a melhoria do sucesso escolar de crianças das famílias
beneficiária, reside:
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109Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Ao longo desses anos venho observando que o bolsa famíliavem ajudando as famílias de nossos alunos, muitas mãese responsáveis relatam sobre que compram materialescolar, quaisquer necessidade de seus filhos com o bolsafamília58.Entendo que o programa de bolsa família é um apoio amais para as famílias carentes de nossa sociedade. Poisapesar de ser pouco mais é uma ajuda financeira que ogoverno desenvolveu para aliviar o sofrimento daquelesque não tem nada59.
O aluno é estimulado a manter sua frequência na escolae ajudar também no sustento da sua família60.
Essa aí eu posso te responder! Quando ela pega essedinheiro ela compra tudo o que tá faltando, é caderno, élapiseira, é tudo que eu não...pelo menos agora nocomeço que ela começou, eu não tinha nada para darpara ela, a bolsa família serviu para comprar as coisinhasdela. É pouco, é, mas ajuda, muita gente queria ter, né!61.
Depreende-se dos discursos que os pesquisados são uníssonos
em afirmar que as famílias beneficiadas pelo programa mantêm suas
crianças na escola face a exigência da frequência escolar, além de utilizarem
o benefício para a melhoria das condições materiais das famílias. Porém,
se sabe que isso não é garantia de inclusão ou de emancipação, pois o
programa por si só não tem um “poder mágico” como já foi falado, para
acabar com a pobreza, com as inúmeras faces da desigualdade ou com a
dívida histórica que temos para com as classes subalternas.
58 Gestor 1.59 Coordenador Pedagógico 2660 Professor 3.61 Família com Bolsa Família 4.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)110
Considerando esse fato, ações articuladas, estruturais e profundas
de enfrentamento das mazelas provocadas pelo modo de produção
capitalista devem ser edificadas. Mesmo o programa sendo importante e
promova alterações na vida das famílias beneficiárias, ainda está longe
“[...] do estágio sustentável de inclusão social” (WEISSHEIMER, 2006, p.
40). Isso é evidente, em se tratando de medidas emergenciais pelos vários
governos ao longo da história do nosso País.
Estamos cientes de que a “pobreza” afeta a todos, não só aqueles
que se encontram em situação de risco de sua dignidade humana. Por
essa razão, “combatê-la” depende também de todos e, é a partir daí que
se alcançará uma sociedade mais justa e “igualitária” (FRONZA, 2010, p.
96). Defendemos que o seu combate não pode ser feito somente por uma
ação e, sim, deve ser um compromisso ético-político de uma sociedade
que busca ser democrática, justa e igualitária. Temos consciência de que
o programa possui fragilidades, mas que também tem potencialidades.
Defendemos sua qualificação como esforço teórico-prático de todos os
envolvidos na superação das contradições oriundas do capitalismo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das complexas relações dialéticas que envolvem educação,
cidadania, pobreza e desigualdade social, verificamos que estes saberes
entrelaçam-se em análises que vão desde a compreensão da evolução
histórica do conceito de cidadania, o desenvolvimento dos direitos
políticos, civis e sociais e a consequente evolução para o que se configura
hoje como direitos humanos. Estes como tais têm sido apropriados por
segmentos da sociedade civil organizada, outrora passiva e expectadora,
emerge cônscia de que a luta pela manutenção e ampliação de seus direitos
é uma constante que jamais poderá ser abandonada.
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111Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
A luta pela manutenção e ampliação dos direitos humanos no
Brasil jamais poderá ser esquecida porque foi em nome de uma igualdade
idealizada pela Revolução Francesa que a rígida sociedade estamental
hierarquizada foi abolida e passou-se a valorizar méritos e habilidades
individuais como parâmetros de pertencimento social. Todavia, a
igualdade sonhada do ideal iluminista desvirtuou-se para o que hoje é
conhecido por meritocracia que prescinde de todo o contexto social,
político ou econômico que um indivíduo possui em nome de uma igualdade
utópica assumida como verdade pelo modelo político-econômico vigente.
Embora, sejam creditados às desigualdades sociais a exclusão e a
discriminação social, os segmentos das sociedades que se encontram em
situações desfavoráveis, veem nas políticas públicas desempenhadas pelo
Estado a oportunidade de sentirem-se incluídas e afirmadas. Verificamos,
por meio da análise dos entrevistados, a importância que estes atribuem
ao Programa Bolsa Família como uma iniciativa de subsídios do Estado,
embora insuficientes para solucionar dificuldades enfrentadas por estes
segmentos na área educacional.
Construir a cidadania numa sociedade em constante transformação
implica em compreender que a manutenção do Estado Democrático de
Direito é de fundamental importância para que tal fim seja alcançado. É
preciso que se considere que cidadania e democracia não são conceitos
que nos foram legados pela natureza.
Foram conceitos que se forjaram na luta em prol de direitos ao
longo da existência humana e como tais evidenciam o caráter volúvel,
transitório e instável do vir a ser da existência humana. Este vir a ser
exige, pois, que aprendamos a ser cidadãos e aprendamos a ser
democráticos mediante um esforço de todos e se torne um hábito e estes
mediante o exercício da disciplina se incorpore ao caráter de todos os
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)112
brasileiros para que assim possamos construir uma sociedade em que o
combate às desigualdades seja uma agenda da sociedade e não apenas
uma utopia a ser perseguida.
AGRADECIMENTOS
Nossos agradecimentos a todas(os) que, de algum modo,
contribuíram com dados, coletados através de entrevistas semi-estruturadas,
realizada no Módulo II - Pobreza e Cidadania: cursistas, profissionais da
rede pública de ensino Estadual e Municipal, pais de alunos beneficiários
do Programa Bolsa Família, não beneficiários da bolsa e, de forma mais
direta, aos tutores e cursistas participantes do ateliê 2, Pobreza, Cidadania
e Programa Bolsa Família, sob a orientação de Clotilde Tinoco Sales; Helen
Bastos Gomes; Regina MarietaTeixeira Chagas; Rosejane Farias:
Aldenei Moura Barros e Carlos Roberto Monteiro da Silva (tutores);
Adalgisa Farias dos Santos, Adarilma de Araújo Batista, Alexandra dos
Santos Menezes, Altemiza Dantas da Costa Falcão Belém, Amanda Batista
Souza Bernardo, Ana Valda Cavalcante de Almeida, Andressa Melo de Souza,
Ariane Coelho dos Santos, Bernardina Barbosa da Silva Martins, Cristiane
Rodrigues Tavares, Jonas Mesquita Neto, Leila Maria Lopes Brito, Márcia
Fonseca Pereira, Maria Isabel Pereira dos Santos, Marlene Miranda Lopes,
Daniel Cauper, Elenilza Paiva Matos, Marinalva Aparecida de França
Rodrigues, Roseane Guimarães Cabral, Marlon Rodrigues Gomes, Rita Keila
de Souza Parente, Selma Etelvina Margarido de Souza, Silene Araújo dos
Santos, Suely Gomes de Araújo, Suzana Albuquerque Cordeiro Vieira, Telma
Maria de Souza Barreto, Welciane Jacintho da Silveira, Ytaciara de
Albuquerque Dias Ferreira,Airison José Silva dos Santos, Christiane
Lenartowics Miranda, Danielle Seffair Sales, Edeleuza Amaral da Silva,
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113Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Edilane Monteiro da Silva, Eronilza Barros Ribeiro, Helena da Silva Costa
Aguiar, Soraya Luciana Martiniano Tomé, Taziana Pinheiro de Souza, Vânia
de Lima Catrink.
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119Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
A Produção de TCC no Contexto do Curso deEspecialização Educação, Pobreza e Desi-gualdade Social: pesquisa, narrativa e refle-xões do processo formativo
Maria do Perpetuo Socorro Duarte Marques | Rosenir de
Souza Lira | Maria de Jesus Campos de Souza Belém |
Thaiany Guedes da Silva
3
INTRODUÇÃO
O Curso de Pós-Graduação Educação, Pobreza e Desigualdade
Social foi ofertado aos diferentes profissionais da rede pública de ensino
municipal e estadual do Estado do Amazonas. Constitui-se como um curso
de formação cuja temática baseava-se, principalmente, na abordagem dos
direitos humanos e suas implicações no contexto social mais abrangente.
A sociedade brasileira vem ao longo dos anos ampliando as
conquistas sociais, a garantia de direitos da população menos favorecida,
condicionada as prerrogativas estabelecidas na Constituição de 88. Vários
programas sociais foram implementados no sentido de estabelecer de
forma concreta políticas públicas que reduzissem o contingente
populacional que habitava na faixa da pobreza externa, inserindo-os em
projetos habitacionais, educacionais e sociais ligadas ao atendimento
básico da saúde, de emprego e renda. Tornar o país mais inclusivo e
menos excludente tem sido o objetivo dos últimos governos, depois do
processo de redemocratização do Brasil.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)120
Reduzir as desigualdades sociais é, sem dúvida nenhuma, um
desafio para nossa sociedade, pois o abismo entre os pobres, remediados
e ricos sempre foi uma marca na história social do Brasil e, mais ainda, na
trajetória pessoal de cada um, principalmente dos menos favorecidos ou
historicamente excluídos que habitam na linha da pobreza extrema. Por
muitos anos foram invisíveis e se quer poderiam ser considerados cidadãos,
pois não tinham os direitos humanos respeitados.
A sociedade brasileira, nos últimos, anos tem realizado um
movimento de mudança dessa realidade perversa, muitas garantias de
direitos foram se estabelecendo e atingindo um grande percentual da
população, principalmente, da mais carente, tornar-se visível proporcionou
a participação em diferentes projetos e programas, que articulados buscam
reduzir a carência de muitos. O Programa Bolsa Família pode ser considerado
um bom exemplo de redução da pobreza no país, sabemos que este não
resolve sozinho as mazelas da pobreza extrema, muitas ações ainda precisam
ser realizadas para que os beneficiários e suas famílias possam ser retiradas
desta situação e, também, possam ter as prerrogativas da cidadania.
O presente artigo faz parte do Ateliê 03 do Curso de Pós-Graduação
Educação, Pobreza e Desigualdade Social, tendo como temática principal
a Pobreza, Direitos Humanos, Justiça, Educação e Programa Bolsa Família.
A maioria dos trabalhos de conclusão de curso versaram sobre o Programa
Bolsa Família e sua interface com os direitos humanos e a educação, sendo
um reflexo latente das relações estabelecidas no cotidiano profissional
de cada cursista.
Adotou-se como metodologia científica a análise reflexiva de cada
docente-orientador, tendo como base a experiência vivida num curso de
modalidade à distância e também da sistematização crítica dos cursistas
na elaboração final do trabalho de conclusão.
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121Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Neste sentido, este artigo foi dividido em quatros narrativas que
se completam e demonstram a riqueza da prática docente a partir da
produção do trabalho acadêmico, comprometido com a formação não
apenas dos diversos profissionais da escola, mais com o crescimento
intelectual e o despertar para a cidadania.
1 PRIMEIRA NARRATIVA
1.1 POBREZA, DESIGUALDADE SOCIAL E EDUCAÇÃO
A pobreza em nossa sociedade sempre foi um problema latente,
enfrentar o desafio da erradicação das desigualdades sociais no Brasil,
não pode ser realizado a curto ou médio prazo, precisamos ao longo de
muitos anos estabelecer novas relações sociais, dar visibilidade e voz aos
menos favorecidos. Criar estratégias de inclusão em programas e projetos
que articulem ações governamentais mais amplas que fujam da perspectiva
assistencialista e que, efetivamente, os coloquem como alvo da cidadania.
Não podemos falar em cidadania sem enfocar a importância do
estabelecimento dos direitos humanos e seus diversos desdobramentos
ao longo da trajetória da humanidade, principalmente, a partir da criação,
no final da segunda grande guerra, da Organização das Nações Unidas –
ONU, da qual o Brasil sempre foi signatário. Desde então, tem sido uma
organização mundial que tenta resguardar os princípios da cidadania em
países que ainda encontram muitas dificuldades em garantir direitos,
principalmente, dos mais pobres.
O século XXI tem sido marcado com a preocupação por parte da
comunidade internacional sobre a garantia dos direitos humanos e seus
desdobramentos nas políticas adotadas para reduzir as desigualdades
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)122
sociais no mundo contemporâneo cheio de conflitos, guerras e
eminentemente desumano, onde o sentido da vida deixou de ser
importante e o ser humano refugiado, pobre e desprovido de direitos
passou a ser um problema mundial.
1.1.1 Direitos Humanos e Sociedade:
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, instituída em 1948,
constitui-se num marco para a humanidade e reflete os princípios
elementares de garantia da vida em sociedade e, sem dúvida nenhuma da
dignidade humana e do exercício pleno da cidadania. Ela incorpora tanto
os direitos civis e políticos quanto os direitos econômicos, sociais e culturais,
tendo como principais propósitos a dignidade humana e a manutenção da
paz, evitando as atrocidades das duas grandes guerras mundiais.
Neste sentido, destacamos na integra os artigos desta carta magna
mundial que ainda precisa ser amplamente divulgada e transformada em
políticas públicas para a grande maioria da população brasileira:
Artigo 1° - Todos os seres humanos nascem livres eiguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão ede consciência, devem agir uns para com os outrosem espírito de fraternidade.
Artigo 2° - Todos os seres humanos podem invocar osdireitos e as liberdades proclamados na presenteDeclaração, sem distinção alguma, nomeadamente deraça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opiniãopolítica ou outra, de origem nacional ou social, defortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação.Além disso, não será feita nenhuma distinção fundadano estatuto político, jurídico ou internacional do paísou do território da naturalidade da pessoa, seja esse
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123Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
país ou território independente, sob tutela, autônomoou sujeito a alguma limitação de soberania.
Artigo 3° - Todo indivíduo tem direito à vida, àliberdade e à segurança pessoal.
Artigo 4° - Ninguém será mantido em escravatura ouem servidão; a escravatura e o trato dos escravos, sobtodas as formas, são proibidos.
Artigo 5° - Ninguém será submetido a tortura nem apenas ou tratamentos cruéis, desumanos oudegradantes.
Artigo 6° - Todos os indivíduos têm direito aoreconhecimento, em todos os lugares, da suapersonalidade jurídica.
Artigo 7°- Todos são iguais perante a lei e, semdistinção, têm direito a igual proteção da lei. Todostêm direito a proteção igual contra qualquerdiscriminação que viole a presente Declaração e contraqualquer incitamento a tal discriminação.
Artigo 8° - Toda a pessoa tem direito a recurso efetivopara as jurisdições nacionais competentes contra osatos que violem os direitos fundamentais reconhecidospela Constituição ou pela lei.
Artigo 9° - Ninguém pode ser arbitrariamente preso,detido ou exilado.
Artigo 10° - Toda a pessoa tem direito, em plenaigualdade, a que a sua causa seja equitativa epublicamente julgada por um tribunal independentee imparcial que decida dos seus direitos e obrigaçõesou das razões de qualquer acusação em matéria penalque contra ela seja deduzida.
Artigo 11° - 1.Toda a pessoa acusada de um atodelituoso presume-se inocente até que a sua
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)124
culpabilidade fique legalmente provada no decurso deum processo público em que todas as garantiasnecessárias de defesa lhe sejam asseguradas. 2.Ninguémserá condenado por ações ou omissões que, nomomento da sua prática, não constituíam ato delituosoà face do direito interno ou internacional. Do mesmomodo, não será infligida pena mais grave do que a queera aplicável no momento em que o acto delituoso foicometido.
Artigo 12° - Ninguém sofrerá intromissões arbitráriasna sua vida privada, na sua família, no seu domicílioou na sua correspondência, nem ataques à sua honrae reputação. Contra tais intromissões ou ataques todaa pessoa tem direito a protecção da lei.
Artigo 13°- 1.Toda a pessoa tem o direito de livrementecircular e escolher a sua residência no interior de umEstado. 2.Toda a pessoa tem o direito de abandonar opaís em que se encontra, incluindo o seu, e o direitode regressar ao seu país.
Artigo 14° - 1.Toda a pessoa sujeita a perseguiçãotem o direito de procurar e de beneficiar de asilo emoutros países. 2. Este direito não pode, porém, serinvocado no caso de processo realmente existente porcrime de direito comum ou por atividades contráriasaos fins e aos princípios das Nações Unidas.
Artigo15° - 1.Todo o indivíduo tem direito a ter umanacionalidade. 2.Ninguém pode ser arbitrariamenteprivado da sua nacionalidade nem do direito de mudarde nacionalidade.
Artigo 16° - 1.A partir da idade núbil, o homem e amulher têm o direito de casar e de constituir família,sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião.Durante o casamento e na altura da sua dissolução,ambos têm direitos iguais. 2.O casamento não podeser celebrado sem o livre e pleno consentimento dos
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125Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
futuros esposos. 3.A família é o elemento natural efundamental da sociedade e tem direito à proteçãodesta e do Estado.
Artigo 17° - 1.Toda a pessoa, individual ou coletiva,tem direito à propriedade. 2.Ninguém pode serarbitrariamente privado da sua propriedade.
Artigo 18° - Toda a pessoa tem direito à liberdade depensamento, de consciência e de religião; este direitoimplica a liberdade de mudar de religião ou deconvicção, assim como a liberdade de manifestar areligião ou convicção, sozinho ou em comum, tantoem público como em privado, pelo ensino, pela prática,pelo culto e pelos ritos.Artigo 19° - Todo o indivíduo tem direito à liberdadede opinião e de expressão, o que implica o direito denão ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar,receber e difundir, sem consideração de fronteiras,informações e idéias por qualquer meio de expressão.
Artigo 20° - 1.Toda a pessoa tem direito à liberdadede reunião e de associação pacíficas. 2.Ninguém podeser obrigado a fazer parte de uma associação.
Artigo 21° -1.Toda a pessoa tem o direito de tomarparte na direção dos negócios, públicos do seu país,quer diretamente, quer por intermédio derepresentantes livremente escolhidos. 2.Toda a pessoatem direito de acesso, em condições de igualdade, àsfunções públicas do seu país. 3.A vontade do povo éo fundamento da autoridade dos poderes públicos: edeve exprimir-se através de eleições honestas a realizarperiodicamente por sufrágio universal e igual, comvoto secreto ou segundo processo equivalente quesalvaguarde a liberdade de voto.
Artigo 22° - Toda a pessoa, como membro dasociedade, tem direito à segurança social; e podelegitimamente exigir a satisfação dos direitoseconômicos, sociais e culturais indispensáveis, graças
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)126
ao esforço nacional e à cooperação internacional, deharmonia com a organização e os recursos de cadapaís.
Artigo 23° - 1.Toda a pessoa tem direito ao trabalho,à livre escolha do trabalho, a condições equitativas esatisfatórias de trabalho e à proteção contra odesemprego. 2.Todos têm direito, sem discriminaçãoalguma, a salário igual por trabalho igual. 3.Quemtrabalha tem direito a uma remuneração equitativa esatisfatória, que lhe permita e à sua família umaexistência conforme com a dignidade humana, ecompletada, se possível, por todos os outros meios deproteção social. 4.Toda a pessoa tem o direito de fundarcom outras pessoas sindicatos e de se filiar emsindicatos para defesa dos seus interesses.
Artigo 24° - Toda a pessoa tem direito ao repouso eaos lazeres, especialmente, a uma limitação razoávelda duração do trabalho e as férias periódicas pagas.
Artigo 25° - 1.Toda a pessoa tem direito a um nívelde vida suficiente para lhe assegurar e à sua família asaúde e o bem-estar, principalmente quanto àalimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistênciamédica e ainda quanto aos serviços sociais necessários,e tem direito à segurança no desemprego, na doença,na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casosde perda de meios de subsistência por circunstânciasindependentes da sua vontade. 2.A maternidade e ainfância têm direito a ajuda e a assistência especiais.Todas as crianças, nascidas dentro ou fora domatrimônio, gozam da mesma proteção social.
Artigo 26° - 1.Toda a pessoa tem direito à educação.A educação deve ser gratuita, pelo menos acorrespondente ao ensino elementar fundamental. Oensino elementar é obrigatório. O ensino técnico eprofissional dever ser generalizado; o acesso aosestudos superiores deve estar aberto a todos em plenaigualdade, em função do seu mérito. 2.A educação
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127Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
deve visar à plena expansão da personalidade humana eao reforço dos direitos do Homem e das liberdadesfundamentais e deve favorecer a compreensão, atolerância e a amizade entre todas as nações e todos osgrupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimentodas atividades das Nações Unidas para a manutenção dapaz. 3.Aos pais pertence a prioridade do direito deescolher o género de educação a dar aos filhos.
Artigo 27° 1.Toda a pessoa tem o direito de tomarparte livremente na vida cultural da comunidade, defruir as artes e de participar no progresso científico enos benefícios que deste resultam. 2.Todos têm direitoà proteção dos interesses morais e materiais ligados aqualquer produção científica, literária ou artística dasua autoria.
Artigo 28° Toda a pessoa tem direito a que reine, noplano social e no plano internacional, uma ordem capazde tornar plenamente efetivos os direitos e asliberdades enunciadas na presente Declaração.
Artigo 29° 1.O indivíduo tem deveres para com acomunidade, fora da qual não é possível o livre e plenodesenvolvimento da sua personalidade. 2.No exercíciodeste direito e no gozo destas liberdades ninguémestá sujeito senão às limitações estabelecidas pela leicom vista exclusivamente a promover o reconhecimentoe o respeito dos direitos e liberdades dos outros e afim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordempública e do bem-estar numa sociedade democrática.3.Em caso algum estes direitos e liberdades poderãoser exercidos contrariamente e aos fins e aos princípiosdas Nações Unidas.
Artigo 30° Nenhuma disposição da presente Declaraçãopode ser interpretada de maneira a envolver paraqualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direitode se entregar a alguma atividade ou de praticar algumato destinado a destruir os direitos e liberdades aqui
enunciados.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)128
Podemos perceber que, ainda, precisamos ampliar bastante as
ações para, efetivamente, alcançar a inserção de um número significativo
de brasileiros excluídos, historicamente, por serem pobres, em políticas
que reduzam as desigualdades sociais, dando as garantias prescritas acima
que garantam a dignidade humana e levem a participação na sociedade
de maneira cidadã. Revisitar esses princípios são importantes, pois
garantem um processo mais humanizado de viver em sociedade, menos
desumanas e mais responsáveis por outros seres humanos.
É preciso ampliar as discussões em diferentes campos sociais no
que se refere aos direitos e deveres inerentes ao homem social no país.
Lutar pela democratização do acesso a informação e estimulando a
mobilização social que eleve a consciência da promoção da cidadania e
do respeito aos direitos humanos.
1.1.2 Direitos Humanos e Educação
O documento Direito Humano à Educação afirma que:
Os direitos humanos foram construídos com base naideia de dignidade da pessoa humana, ou seja, de quetodo ser humano, independentemente de qualquercondição pessoal, deve ser igualmente reconhecido erespeitado, não podendo ser tratado como instrumentode poucos, mas sim como fim de toda organizaçãosocial e política. No entanto, para se chegar a essaconstrução, muitas foram as lutas travadas porcamponeses, pequenos comerciantes, trabalhadores,mulheres, intelectuais, escravos, homossexuais, jovens,indígenas, etc. Da mesma forma, para que tais direitossejam mantidos e aplicados na prática, e para que novosdireitos sejam conquistados, é necessário quecontinuemos lutando. (PLATAFORMA DHESCA BRASIL,2011, p. 14).
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129Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
O art. 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabeleceu
o direito à educação que foi fortalecido a partir de outras normas jurídicas
internacionais:
a) Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
(Art. 13 e 14), reconhecem o direito de toda pessoa à educação, entendem
que a educação deve ser orientada para o pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do sentido de sua dignidade, e deve fortalecer
o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. A educação
deve capacitar todas as pessoas onde a tolerância e a amizade entre todas
as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover
a manutenção da paz (BRASIL, 1992).
b) Convenção Relativa à Luta contra a Discriminação no Campo
do Ensino estabelece no Artigo 1º Para os fins da presente Convenção, o
termo “discriminação” abarca qualquer distinção, exclusão, limitação ou
preferência que, por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião
pública ou qualquer outra opinião, origem nacional ou social, condição
econômica ou nascimento, tenha por objeto ou efeito destruir ou alterar
a igualdade de tratamento em matéria de ensino, e, principalmente: a)
Privar qualquer pessoa ou grupo de pessoas do acesso aos diversos tipos
ou graus de ensino; b) Limitar a nível inferior a educação de qualquer
pessoa ou grupo; c) Sob reserva do disposto no art. 2º da presente
Convenção, instituir ou manter sistemas ou estabelecimentos de ensino
separados para pessoas ou grupos de pessoas; d) De impor a qualquer
pessoa ou grupo de pessoas condições incompatíveis com a dignidade
do homem (BRASIL, 1968).
c) Convenção sobre os Direitos da Criança (Art. 28 e 29);
estabelecem que os Estados-Partes reconhecem que a educação da criança
deverá estar orientada no sentido de: a) Desenvolver a personalidade, as
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)130
aptidões e a capacidade mental e física da criança em todo o seu potencial;
b) Imbuir na criança o respeito aos direitos humanos e às liberdades
fundamentais, bem como aos princípios consagrados na Carta das Nações
Unidas; c) Imbuir na criança o respeito aos seus pais, à sua própria
identidade cultural, ao seu idioma e seus valores, aos valores nacionais
do país em que reside, aos do eventual país de origem, e aos das
civilizações diferentes da sua; d) Preparar a criança para assumir uma
vida responsável numa sociedade livre, com espírito de compreensão,
paz, tolerância, igualdade de sexos e amizade entre todos os povos,
grupos étnicos, nacionais e religiosos e pessoas de origem indígena; e)
Imbuir na criança o respeito ao meio ambiente (BRASIL, 1990).
d) Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Artigo
24 declara que o direito das pessoas com deficiência à educação. Para
efetivar esse direito sem discriminação e com base na igualdade de
oportunidades, os Estados-Partes assegurarão sistema educacional
inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda
a vida, com os seguintes objetivos: a) O pleno desenvolvimento do
potencial humano e do senso de dignidade e autoestima, além do
fortalecimento do respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades
fundamentais e pela diversidade humana; b) O máximo desenvolvimento
possível da personalidade, dos talentos e da criatividade das pessoas
com deficiência, assim como de suas habilidades físicas e intelectuais; c)
A participação efetiva das pessoas com deficiência em uma sociedade
livre (BRASIL, 2007).
Para a realização desse direito, os Estados-Partes assegurarão que:
a) As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional
gerale direitos humanos sob alegação de deficiência e que as crianças
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131Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
com deficiência não sejam excluídas do ensino primário gratuito e
compulsório ou do ensino secundário, sob alegação de deficiência; b) As
pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino primário inclusivo,
de qualidade e gratuito, e ao ensino secundário, em igualdade de
condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem; c)
Adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais sejam
providenciadas; d) As pessoas com deficiência recebam o apoio necessário,
no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva
educação; e) Medidas de apoio individualizadas e efetivas sejam adotadas
em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de
acordo com a meta de inclusão plena.
Os Estados-Partes assegurarão às pessoas com deficiência a
possibilidade de adquirir as competências práticas e sociais necessárias
de modo a facilitar às pessoas com deficiência, sua plena e igual
participação no sistema de ensino e na vida em comunidade. Para tanto,
os Estados-Partes tomarão medidas apropriadas, inclusive: a) Tornando
disponível o aprendizado do braille, escrita alternativa, modos, meios e
formatos de comunicação aumentativa e alternativa, e habilidades de
orientação e mobilidade, além de facilitação de apoio e aconselhamento
de pares; b) Tornando disponível o aprendizado da língua de sinais e
promoção da identidade linguística da comunidade surda; c) Garantindo
que a educação de pessoas, em particular, crianças cegas, surdocegas e
surdas, seja ministrada nas línguas e nos modos e meios de comunicação
mais adequados ao indivíduo e em ambientes que favoreçam ao máximo
seu desenvolvimento acadêmico e social.
Todos esses pactos internacionais fortalecem a ideia de que a
educação é decisiva para o estabelecimento dos direitos humanos e da
vida plena de cada ser humano na sociedade contemporânea e que o
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)132
processo de formação e de aprendizagem acontece em diferentes âmbitos,
na família, na comunidade, no trabalho, no grupo de amigos, na
associação e também na escola. Nas sociedades atuais, o processo de
escolarização é fundamental para que o ser humano adquira
conhecimentos que lhe ajude na manutenção de uma vida mais digna e
também possa colaborar de forma responsável com a transformação social.
Dessa forma:
Além de sua importância como direito humano quepossibilita à pessoa desenvolver-se plenamente econtinuar aprendendo ao longo da vida, a educação éum bem público da sociedade, na medida em quepossibilita o acesso aos demais direitos. Portanto, aeducação é um direito muito especial: um ‘direitohabilitante’ ou ‘direito de síntese’. (PLATAFORMADHESCA BRASIL, 2011, p. 19).
Neste sentido, podemos perceber que a educação pode e deve ser
a ponte que liga a população mais carente do acesso a uma vida mais
digna. Possibilita a inserção ao mundo do trabalho, como também, a
participação política em prol da melhoria das condições de vida de todos,
contribuindo para a redução de processos discriminatórios da população
mais vulnerável.
O trabalho de orientação de 09 cursistas foi desenvolvido com
atividades presenciais e a distância. Nos encontros presenciais foram
efetivadas orientações técnicas, de como deveria ser produzido os
trabalhos de conclusão de curso, orientação com relação à escolha dos
temas, indicação de fundamentação teórica, além da distribuição do grupo
em duplas para a realização do trabalho final.
Entre as orientações presenciais de cada grupo, mantínhamos uma
rede de atendimento também à distância, onde eram realizadas as
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133Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
correções textuais e também oferecidas sugestões bibliográficas. Alguns
encontraram muitas dificuldades, não tinham muito tempo para escrever
o texto e pouco apoio institucional. Percebeu-se ao longo da experiência,
o envolvimento e a dedicação dos cursistas que redescobriram o valor da
cidadania como valor primordial para a convivência numa sociedade
democrática.
A prática do docente-orientador foi facilitada pela participação
efetiva dos cursistas nas atividades programadas, bem como, a cada
orientação realizada que se transformava em momentos significativos de
debates, discussões e aprofundamento das temáticas. A sistematização
das ideias, o enriquecimento teórico e as análises dos depoimentos,
coletados ao longo do curso, possibilitaram a construção de monografias
voltadas para a desmistificação do Programa Bolsa Família, a educação
como campo importante para a construção da cidadania, entre outros
temas desenvolvidos.
2 SEGUNDA NARRATIVA
2.1 FACES TEÓRICAS E HISTÓRICAS DA RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO, POBREZA
E DIREITOS HUMANOS
Explicitar as interlocuções e dependências entre os conceitos de
pobreza, educação e direitos humanos é um desafio necessário para
superarmos visões fragmentadas e, por vezes, preconceituosas que
mascaram o verdadeiro significado de tais condições para os sujeitos
inseridos nelas, bem como para a sociedade em geral. De acordo com
Andrade (1989, p. 110), “[...] a sociedade brasileira está disposta de
modo a perpetuar e a reproduzir a pobreza enquanto tal.” Segundo o
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)134
autor, no plano geral da política e ideologia, os trabalhadores são todos
compreendidos como pobres pelo Estado Protetor criado por Vargas e
mantido até os dias atuais.
Por trás do paternalismo estatal, explicitado desde a Plataforma
da Aliança liberal de 1930, na qual Vargas defendia tal tutela, se esconde
um mecanismo que não visa aos reais interesses dos pobres, pelo contrário,
visa à manipulação e regulação da pobreza. Manipulação, pois traz
legitimidade política, já que é sobre a miséria da grande parte da
população que se constroem as plataformas de governo; e regulação,
pois assim como Andrade (1989) aponta, o pobre é considerado perigoso
e potencialmente revolucionário.
Regular a pobreza significa assegurar sua manutenção em níveis
controláveis, para tal tarefa, o Estado conta com outro vértice do triângulo,
a educação. Historicamente, a educação dos menos favorecidos, se
caracterizou por exclusão social, econômica e cultural, bem como pelo
pouco ou quase ausente investimento voltado a essa parcela da população,
obrigando-os a viver situações extremas de pobreza, sem condições de
mobilidade social.
Di Giorgi e Leite (2010) afirmam que a preocupação do Estado
brasileiro, ao longo dos períodos históricos, foi com o desenvolvimento
do ensino superior voltado às elites. Exemplifica isto o fato de que até
1920 menos de 3% da população tinha acesso aos bancos escolares.
A educação elementar somente figura como interesse político
quando se coaduna ao econômico, ou seja, após a I Guerra Mundial,
período no qual observa-se o fortalecimento do grupo industrial-urbano
e a ampliação dos setores médios, bem como do proletariado urbano
juntamente com o qual multiplicam-se os movimentos grevistas e as
organizações de esquerda, que incorporam algumas reivindicações
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135Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
educacionais. De 1942, data na qual institui-se o Fundo Nacional do Ensino
Primário, destinado à ampliação e melhoria das escolas primárias, até o
ano de 1969, foi possível perceber uma expansão, principalmente, na
ampliação de vagas, pois 70% dos recursos foram destinados para a
construção de prédios escolares.
Ao final da década de 90, o Brasil conseguiu garantir o acesso de
quase todas as crianças em idade escolar à educação básica, fato que
deve ser considerado um avanço significativo, pois traduz as reivindicações
de diversos grupos. Sanado o problema do acesso, surge o da permanência
e da qualidade do processo educacional desenvolvido.
No que se refere à questão da permanência, acreditava-se que boa
parte das crianças abandonava as escolas para trabalhar e auxiliar na renda
familiar. Com o intuito de combater tal processo. Desde 1990, o governo
brasileiro desenvolve um amplo programa de subsídio às famílias de baixa
renda, condicionando o recebimento a partir da efetiva matrícula e
frequência escolar. Este programa denominado primeiramente como bolsa-
escola, hoje compõe um programa mais amplo, o Programa Bolsa Família -
PBF, política social que caracterizaremos noutro momento do texto.
Schwartzman (2006, p. 14) reflete que a relação entre pobreza e
educação é muito estreita, pois a pobreza impacta no acesso, mas,
sobretudo, na permanência e rendimento escolar. Assim, se pronuncia:
Os problemas fundamentais da educação básica noBrasil não são a ausência de escolas, ou que as criançasnão vão à escola por falta de dinheiro, mas as elevadastaxas de reprovação e repetência e a má qualidade daeducação, que afetam, sobretudo, as populações demais baixa renda.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)136
A questão da permanência está vinculada a processos intra e extra-
escolares, estreitamente conectados. O currículo escolar é uma seleção
da cultura, assim como já identificaram diversos autores trata-se de uma
versão particular da cultura. Versão que privilegia certas linguagens, signos
e objetos compartilhados pelos mais favorecidos, em detrimento, e mesmo
negação, dos signos, linguagens e objetos vinculados ao cotidiano dos
educandos em condição de pobreza, processo que afeta e, por vezes,
determina a questão do rendimento, analisada neste trabalho.
O fim do século XX trouxe consigo um espírito novo para o Brasil,
não só na questão de ampliação das vagas escolares e do debate acerca
da qualidade dos processos educacionais, mas também no desenrolar
dos direitos sociais, principalmente naquele sufocado durante os 20 anos
de ditadura militar, isto é, o direito ao voto.
A questão dos direitos humanos evoluiu junto com a história social
mais ampla, seu debate insere-se e muitas vezes parte de acontecimentos
que fizeram-nos refletir sobre nossa própria humanidade. Exemplo disso
é a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), aprovada em 1948,
decorrente dos acontecimentos da II Guerra Mundial e dos horrores
cometidos pelos regimes totalitários, nazista e facista. Tal documento,
conhecido como a segunda geração dos Direitos Humanos, visou assumir
pretensões globais e procurou articular direitos civis, políticos,
econômicos, sociais e culturais. Assim como já explicitamos na primeira
narrativa. Segundo Moehlecke (2008, p. 7).
Recentemente, foi acrescida à noção de direitoshumanos também uma terceira geração de direitos,que abrange o direito a um meio ambiente equilibradoe não poluído, uma qualidade de vida saudável, odireito à autodeterminação dos povos, direito aoprogresso, direito à paz, bem como a outros direitos
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137Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
difusos e coletivos, não mais restritos a indivíduosou a grupos específicos, mas a toda a coletividade.
A partir de Moehlecke (2008), é possível ver que nossas concepções
acerca do que constitui os direitos humanos foi se ampliando à medida
que foram ampliadas as preocupações de diversas ordens da sociedade.
Partimos de uma concepção desenvolvida nos altos do século XVIII, que
versava sobre o direito natural, consistindo numa concepção individualista
e liberal da sociedade, a qual afirmava o valor do indivíduo e de sua
liberdade. E atualmente alcançamos, pelo menos no âmbito documental,
o abarcamento amplo das questões ambientais, sociais, culturais que são
condições sinequa non para nosso bem-viver.
Boa parte dos direitos humanos está registrada em diversos
documentos denominados como declaração. Etmologicamente, “declarar”
vem do Latim e significa tornar claro, explicar. É necessário explicar aquilo
que não é óbvio, aquilo que não é em si, mas que foi construído histórica
e socialmente. Nesse sentido, precisamos aprender e ensinar sobre a
pobreza, sobre a educação, sobre os direitos humanos, pois todas essas
faces são construções sociais, produtos da cultura e não estão de forma
alguma arraigadas em uma possível natureza humana.
Pobreza, educação e direitos humanos são faces imbricadas
socialmente, se retroalimentam e precisam ser desmistificadas, declaradas
no sentido etimológico do termo. Nesse sentido, reafirmamos a
importância da pesquisa e da discussão que desmitifique as múltiplas
dependências e correspondências presentes no âmbito de materialização
de tais conceitos, ou seja, na vida social. Como contribuição a tal feito,
vamos explicitar e refletir, em seguida, sobre um processo de orientação
da produção dos trabalhos de conclusão de curso de uma turma do ateliê
3, fazemo-lo como relato da experiência vivenciada.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)138
2.2 A EXPERIÊNCIA DE ORIENTAÇÃO NO CONTEXTO DA PRODUÇÃO TEXTUAL:
ENCONTROS E DESENCONTROS EM UM PROCESSO FORMATIVO
Compor um relato de experiência é uma atividade que exige no
mínimo dois procedimentos: explicitar o processo de intervenção
vivenciado por uma pessoa ou unidade, justificando as opções teórico-
metodológicas levadas a cabo e seu desfecho; e,
[...] refletir com qualidade para que a experiência sejacolocada por escrito e possa ser publicada, em seguida.Assim há avanço, pois o desenvolvimento só ocorreráatravés de indagações e questionamentos. (JARDIM,2006 apud LEO; GONÇALVES, 2010, p. 415).
Relatar uma experiência é, portanto, uma atitude de (re)vivenciar
um dado momento, refletir sobre ele expressando-se textualmente.
É sabido que nenhuma memória é a reprodução mental de um
fato, tal como ocorreu, mais uma interpretação e reconfiguração deste
fato, e neste exercício, adquirem destaque alguns acontecimentos, aqueles
que mais nos tocaram e falaram mais alto aos nossos sentidos e emoções
(DAMÁSIO, 1996). A experiência rememorada, relatada e refletida a seguir,
envolve dez sujeitos – nove professoras cursistas, uma professora
orientadora – e teve como objetivo a produção coletiva de um trabalho
de conclusão de curso, no contexto do Curso de Especialização Educação,
Pobreza, e Desigualdade Social (lato senso).
Assumimos na escrita deste relato/narrativa, ora o “eu” ora o “nós”,
o primeiro é necessário ao me referir mais, subjetivamente, sobre um
processo de apropriação da experiência que por ser minha e não de outros,
a devo assumir como tal; o “nós” encontra-se no reconhecimento de que
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139Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
a produção do TCC realizou-se, coletivamente, portanto, não posso furtar
dos outros sujeitos o direito a presença no processo. De cada encontro
de orientação e produção, destacaremos os pontos mais fortes para serem
discutidos brevemente.
Responsável por uma turma do Ateliê 3 “Pobreza, Direitos
Humanos, Justiça, Educação e Programa Bolsa família”, busquei nas
dimensões do ateliê delimitar o campo epistemológico de produção do
trabalho. No nosso primeiro encontro, dia 16 de novembro de 2016, foi
pautado pelos seguintes objetivos: apresentarmo-nos e conhecermos a
formação e atuação profissional de cada um, isto para identificar que
experiências podiam ser trazidas a tona e colaborar com a produção do
trabalho; pensarmos o processo de produção do artigo (a distribuição,
análise e interpretação de dados; ideias e sugestões/encaminhamentos
da produção teórica; a distribuição das tarefas individuais e grupais e a
comunicação dos prazos).
Nesse dia, preparei uma apresentação sobre quais dimensões fazem
parte da produção de um trabalho científico, para esclarecer a
responsabilidade na qual os professores estavam imbuídos, dessa forma,
discutimos sobre as dimensões: técnica, metódica e epistemológica. Esse
primeiro momento ficou marcado pelo receio que os professores
demonstraram em produzir o artigo, enquanto Trabalho de Conclusão de
Curso. Isto, pois, muitos nunca tinham feito tal exercício.
O medo da escrita me lembrou de algumas falas já ouvidas em
outros espaços da academia, tal como: “Os pedagogos não sabem
escrever!”. Como não sabem escrever? A formação pedagógica é repleta
de leituras e produções textuais, esse é o principal instrumento de estudo
dos licenciados em Pedagogia. O que me faz pensar que não é falta de
capacidade, é falta de exercício desta capacidade.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)140
No campo do trabalho dos professores pedagogos eles não são
excitados à produção de projetos, artigos, relatórios reflexivos sobre sua
prática, não têm como exercício da produção textual. Suas produções
são realizadas no quadro branco ou negro, nos quadrados e tabelas
impressos para os planejamentos, e alguns possuem um caderno diário
de Plano de Aula. Nada semelhante com a produção com a qual eles
deveriam lidar agora.
Para driblar o medo do desconhecido, a primeira tarefa foi a
produção de um texto pequeno que descrevesse a caracterização dos
espaços e sujeitos da pesquisa. Ao longo dos módulos, os cursistas
entrevistaram professores, gestores, pedagogos, comunitários que não
recebiam o benefício, famílias que recebiam o benefício do Bolsa Família,
e outros cursistas. Nós tínhamos três questões para trabalhar, e a partir
delas delimitamos o próximo exercício do grupo que foi tabular todas as
entrevistas realizadas e elaborar um texto abaixo de cada tabela com
observações do que se destacam nas falas, as semelhanças e contradições.
Foi interessante perceber que apesar de ser minha primeira
experiência como orientadora, todas estas decisões metodológicas
surgiram e fluíram com muita naturalidade, pois trabalho com o processo
de pesquisa há cerca de dez anos, a partir da iniciação científica na
graduação, passando pelo mestrado em Educação e agora no
doutoramento. Como sou licenciada em Pedagogia, penso muito
precipitada a vulgarização da frase citada sobre os pedagogos e a escrita.
Dividimo-nos em dois grupos para a realização das tarefas e seguimos
nos comunicando até o próximo encontro presencial.
No nosso segundo encontro, dia 16/12, tínhamos os seguintes
objetivos: diálogo com os grupos acerca do processo de desenvolvimento
dos artigos (dúvidas, entraves e esclarecimentos do que ocorrera até aquele
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141Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
ponto; apresentação dos grupos acerca da temática que escolheu para
congregar ao tema central – sugestão do primeiro encontro; definição
dos objetivos dos trabalhos dos grupos e do trabalho final; e discutir o
texto do Bakhtin “O discurso de outrem”. Escolhi o texto de Bakhtin
presente na obra “Marxismo e Filosofia da Linguagem” para apontar a
complexidade do exercício de análise dos dados qualitativos que os
professores estavam imersos. Isso foi necessário e apontado pelo resultado
da tabulação de dados que se mostrou muito simplória, extraindo apenas
a aparência, não buscando as outras camadas de discursos nem suas
ligações com outras esferas sociais.
Neste mesmo dia, discutimos dois textos que trazem o caráter
histórico da educação pública no país, Libâneo (2012) e Di Giorgi e Leite
(2010), importantes para uma concepção crítica dos dados que foram
sendo evidenciados. A orientação da coordenação foi que ao fim dos
encontrostivéssemos apenas um trabalho como resultado do trabalho
coletivo do grupo. Para tanto, dividimos a partir da tabulação no primeiro
encontro, dois grupos, um responsável pela primeira questão do roteiro
de entrevistas e outro pelas questões dois e três.
No segundo encontro, a orientação foi para a construção dos
textos iniciais que culminariam no texto único final. Dessa forma, na
segunda postagem tínhamos os seguintes trabalhos: “Direitos Humanos,
Educação e Bolsa Família: implicações da regulação da frequência escolar
para o desenvolvimento na educação infantil”; e “Pobreza, Educação,
Justiça e Programa Bolsa Família: implicações da pobreza na educação:
rendimento escolar e Programa Bolsa Família”.
O segundo encontro foi marcado por um aspecto preocupante,
eu havia encaminhado três textos para a discussão em grupo no segundo
encontro, infelizmente, os professores não leram os trabalhos, o que tornou
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)142
precária a apresentação do mesmo. Os professores argumentaram que
não possuem tempo, trabalham o dia inteiro e alguns fazem mais de uma
pós-graduação à distância. Isso aponta para um problema sério, que é da
flexibilização da formação para o magistério.
Temos que pensar até que ponto é possível tornar a formação
docente ágil e eficiente, no modelo a distância e instrumentalizada pelas
plataformas digitais, como preconizam os financiadores internacionais
(FREITAS, 2003). A LDB 9.394/96 ao deliberar a criação de novas instâncias
e cursos de formação, abriu precedente para discursos de flexibilização
da formação para o Magistério, justificado, principalmente, a partir do
argumento de que a formação acadêmica, que envolve pesquisa e
investigação, gera altos custos. Nesse interim, o uso de tecnologias da
informação a serviço da formação docente foi uma das principais saídas.
A responsabilidade e espaço coletivo foi substituída pela
individualização do processo de formação, nesse sentido, deixando na
responsabilidade do cursista encontrar o tempo, o espaço e ambiente
para sua aprendizagem. A liberação do espaço de trabalho é, ainda,
compreendida como uma benesse da gestão e não um direito do professor
em processo de formação, segundo muitos relataram ao longo dos
encontros presenciais. Nesse sentido, acredito que há uma confusão –
cínica, segundo suspeito – por parte daqueles que alimentam os discursos
em defesa da continuidade da flexibilização da formação, ao mínimo,
custo e tempo, pregando um discurso pela autonomia, que, na verdade,
mais parece com abandono. Contreras, (2002, p. 25), comenta sobre a
autonomia do professor frente às relações de trabalho e, em relação ao
mundo:
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143Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Uma particularidade importante da autonomia é que,na medida em que se refere a uma forma de ser e estarde professores em relação ao mundo em que vive eatua como profissional, esta nos remetenecessariamente tanto a problemas políticos comoeducativos. Por conseguinte, o esclarecimento daautonomia é por sua vez a compreensão das formas oudos efeitos políticos dos diferentes modos de seconceber o docente, bem como as atribuições dasociedade na qual estes profissionais atuam.
Dessa forma, não é possível individualizar decisões sem subsidiar
as condições para aqueles que decidem. Isto não é autonomia, é abandono.
É uma declaração implícita da real importância que o processo de formação
continuada assume no âmbito profissional daquele que se forma.
No terceiro encontro, 03 de fevereiro de 2017, após o ir e vir dos
trabalhos dos grupos – pelo menos 4 versões – decidimos reunir os dois
trabalhos para compor um. O trabalho final “Educação, Pobreza e Direitos
Humanos: interfaces do Programa Bolsa Família no contexto da escola
pública de Manaus-AM” é a síntese da aglutinação dos principais pontos
discutidos no ateliê 3 e ao longo da produção do TCC.
3 TERCEIRA NARRATIVA
3.1 RELATO SOBRE A PESQUISA EM EDUCAÇÃO, O DIREITO À FORMAÇÃO
CIDADÃ E O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NO AMAZONAS
Durante seis meses, vivenciamos um instigante processo de
orientação relativo à elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso por
conta da Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social. Contar
um pouco dessa experiência com orientação de pesquisa, problematizando
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)144
a educação escolar enquanto espaço/tempo para a formação do cidadão
brasileiro conforme determinação de nossa Carta Magna (1988), bem
como, discutir aspectos do Programa Bolsa Família vigente no Amazonas,
a partir do ano de 2004, são os elementos que constituem a finalidade
deste relato.
À equipe de professores orientadores, da qual fizemos parte, coube
como desafio a pesquisa direcionada ao ateliê três, intitulado “pobreza,
direitos humanos, justiça, educação e programa bolsa família”. Desafio,
porque como sabemos, há sempre um quê de complexidade na formulação
de um problema de estudo ao se traçar uma metodologia científica para
a realização de uma pesquisa acadêmica e, ainda, mais quando se trata de
tema amplo e que exige vasto domínio conceitual para sua
problematização.
Cientes de tal complexidade, refletimos com a turma de nove
cursistas sobre a importância e a necessidade de canalizar a pesquisa do
amplo tema do ateliê para subtemas, elegendo algumas categorias de
análise, tendo por base a discussão sobre o cotidiano da escola pública e
as lógicas subjacentes às práticas pedagógicas vigentes. Seguindo tais
encaminhamentos, formaram-se espontaneamente entre os membros da
turma, dois grupos de trabalho. O primeiro optou pelo título “Educação e
Programa Bolsa Família: desafios e perspectivas no combate a pobreza
no estado do Amazonas”; e o segundo pelo título “Educação e direitos
humanos no Brasil e a formação para a cidadania na escola pública”.
A proposta de TCC, como já sinalizado, versou sobre a produção
de um artigo científico, referenciado em uma pesquisa de levantamentos
de informações por meio da realização de entrevistas semiestruturadas
com alguns sujeitos da comunidade intra e extra-escolar, a saber: 01
família que recebe o benefício do Programa Bolsa Família; diretor (a) de
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145Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
escola pública; coordenador(a) pedagógico (a); 01 professor(a) da escola
que tenha beneficiário do bolsa família em sua sala de aula; 01 morador
(a) da comunidade que não seja beneficiário do bolsa família; o próprio
cursista.
A discussão dos resultados se fez a partir dos quadros teóricos de
referência assimilados na especialização, produzindo-se análises,
interpretações e inferências das falas dos sujeitos acima mencionados.
Aqui sintetizadas e apresentadas no formato de breve reflexão por meio
dos tópicos abaixo nominados.
3.1.1 A garantia do direito à educação e à formação cidadã na escola
pública
Em pleno limiar do século em curso, a preocupação com a formação
para a cidadania na escola pública, ainda é uma questão de primeira linha.
As evidências apontam sérias lacunas, tanto ao nível conceitual, quanto ao
nível metodológico: as frágeis concepções ideológicas em relação ao sentido
e significado daquilo que representa, efetivamente, a cidadania plena no
Brasil, redundam em opções metodológicas de mesma ordem.
Há que se percorrer um longo caminho entre a garantia do direito
público subjetivo da cidadania inscrita em Lei e a concretização na prática
social desses direitos. Em outras palavras, como sabemos, não será
suficiente normatizar em lei, mas sim, garantir que esta se cumpra no
cotidiano dos ditos cidadãos, caso contrário, a lei aprovada não passará
de “letra morta”.
Bases teóricas e metodológicas são essenciais nesse processo de
inscrever a legislação na prática social. Estudar a fundo o que é a cidadania
no Brasil, talvez seja um primeiro e importante passo; de igual modo,
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)146
torna-se necessário refletir, criticamente, sobre o currículo escolar em
ação hoje na escola pública, mais especificamente, a respeito de como
essa formação para a compreensão da própria cidadania pelo estudante
vem sendo feita, este seria o segundo e importante passo.
O conceito de cidadania não é de simples definição, se diferencia
por perspectivas paradigmáticas vigentes em distintos contextos
socioeconômicos e políticos que o ensejam, tomando como exemplo de
análise o significado da palavra igualdade. Na história, registra-se que,
para o Liberalismo, esta irá sofrer restrições quando, em determinados
contextos, a filosofia do sistema tende a valorizar mais as ações individuais
que as ações coletivas, contrariando o sentido original do termo, além
disso, a ideia de igualdade se choca com o princípio de liberdade, que
para os liberais é tido como premissa.
Para Cunha (1991), na doutrina liberal clássica, a ideia de igualdade
sofre restrições desde a origem e não tem o mesmo peso dos demais
elementos que integram o credo liberal: individualismo, liberdade,
propriedade. Como individualismo, liberdade e propriedade reinam
soberanamente, igualdade e democracia sofrem restrições. Como se pode
compreender a partir das palavras do mencionado autor, desde o século
XVIII que o conceito de cidadania tem caráter ideológico, servindo para
disseminar e/ou reforçar certas tendências, sejam estas, de cunho
conservador ou progressista.
De certo, esse paradigma liberal de cidadania que tem no centro a
tensão entre liberdade e igualdade vem sofrendo alterações e evoluindo
desde o seu surgimento com a ascensão da classe burguesa e o modo de
produção capitalista. Porém, e na sociedade brasileira do século XXI, o
que podemos dizer do conceito de cidadania que fundamenta as práticas
educativas na escola do presente? Qual tem sido o significado atribuído?
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147Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
No Brasil, temos uma cidadania desigual, como define Filho (1998,
p. 109):
O trabalhador brasileiro, quando muito, seria um‘cidadão pela metade’, muito mais uma decorrêncianatural da organização corporativista que cindiu aformação social brasileira do que propriamente umacondição inerente à sociedade estratificada em classessociais.
Para a sociedade brasileira, o conceito de cidadania que mais se
aplica é o de direito social conquistado, ou seja, possibilidade concreta
do exercício de atividade política, como dizia Aristóteles, ser cidadão
significava poder governar e ser governado. Arendt (1987), ao reforçar
o conceito aristotélico, acrescenta que embora seja um direito humano
universal, esta precisa ser conquistada, resultando de uma construção
coletiva que deve se opor à concessão de privilégios, posto que ninguém
nasce cidadão, torna-se cidadão, a qualidade da cidadania não é individual
e sim social.
A conquista de cidadania em nosso país está envolta em inúmeros
desafios e vicissitudes. Se por um lado conquistamos direitos civis,
políticos, jurídicos, religiosos, de liberdade de imprensa, por outro lado,
vemos ameaçados de tempo em tempo, o Estado de Bem-Estar social e
ficamos na iminência de um Estado Mínimo, privatizado, o que fragiliza a
cidadania social duramente conquistada. Mas, como tudo isso se reflete
na educação gratuita e laica que se oferta no país?
A educação escolar, como bem classificou o grande educador Paulo
Freire é um ato político pedagógico, o que nos leva a conclusão da
impossibilidade de ser uma prática neutra. Sendo assim, sempre estará a
serviço de um tipo de cidadania, conquista ou outorgada. Em não sendo
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)148
conquistada, poderá ser retirada no instante em que o outorgante assim
o desejar.
Daí porque devemos lutar, continuamente, por uma escola pública
que se constitua em espaço/tempo da formação cidadania social. Se, assim,
o fizermos, estaremos contribuindo, significativamente, para tornar prática
educativa cotidiana, os preceitos normatizados da proposta curricular
para a educação básica constantes na atual Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDBEN n. 9.394/96.
Diz a lei supracitada em seu Art. 22 “[...] a educação básica tem
por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum
indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para
progredir no trabalho e em estudos posteriores”. No art. 27 indica que
no ensino dos conteúdos curriculares, a escola considere, dentre outras
diretrizes, o que consta no inciso I – a difusão de valores fundamentais
ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao
bem comum e à ordem democrática.
Os parâmetros e referências curriculares nacionais documentos
referentes à educação infantil (de 0 a 5 anos) e ao ensino fundamental
(de 6 a 14 anos) também orientam e determinam que a formação para a
cidadania deve ser a base de planejamento e desenvolvimento curricular,
devendo ser assegurada desde os primeiros anos de escolarização.
O que se sabe, com certeza, é que as propostas pedagógicas
curriculares hoje vigentes no cotidiano das escolas públicas estão sob a
égide desses imperativos legais, então, a formação para a cidadania plena
deveria estar acontecendo por meio do currículo escolar em ação que é
formado pelos componentes obrigatórios: língua portuguesa, matemática,
ciências, história, geografia, arte, educação física e pelos temas
transversais (temas que afetam e muito a vida contemporânea) – Ética,
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149Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Pluralidade Cultural, Meio ambiente, Saúde, Temas Locais como Educação
Fiscal e Valorização do Idoso. Por outro lado, pesquisas recentes feitas
nas escolas (2016) nos levam a constatar que, lamentavelmente, nas
práticas escolares cotidianas, esse currículo comprometido com a formação
para a cidadania, é bastante precário, quase inexistente.
Muitos são os fatores que corroboram para tal situação de
precariedade, dentre estes, evidenciam-se concepções romantizadas do
papel da educação, ainda existem fortes traços dessa tendência idealista
que confere à educação um poder de determinar destinos, por exemplo,
poder este que não possui haja vista ser esta determinada pelo contexto
político e social, e em alguns, períodos históricos, por contextos
econômicos.
Refletindo com base nos textos produzidos, pelos pós-graduandos
ao socializarem resultados de suas pesquisas, percebemos que ainda “[...]
no fundo as concepções românticas ou idealistas, ao procederem de modo
ideológico, acabam por desqualificar a escola como local de formação da
cidadania” (FILHO, 1998, p. 113).
Embora a formação da cidadania na escola seja uma luta que não
pode sair da nossa agenda de reivindicações, temos consciência que
precisamos prosseguir se optarmos pelo projeto de cidadania conquistada.
Para concretizar uma proposta dessa natureza, não é possível abrir mão
daquilo que é a função política e social da escola, a de formar cidadãos
capazes de interferir criticamente na realidade para transformá-la, e não
apenas, contentar-se em formá-los para que se ajustem ou se adaptem ao
voraz mercado de trabalho de uma sociedade que ao invés de oferecer
oportunidades, tem retirado estas e aumentado os bolsões de exclusão
social.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)150
3.1.2 A relação do Programa Bolsa Família com a qualidade do processode aprendizagem do estudante beneficiário
A relação entre o Programa Bolsa Família e a qualidade do processo
de aprendizagem do estudante beneficiário nos remete ao debate sobre
as normas de acompanhamento pedagógico deste programa, a cargo do
Ministério da Educação. Trata-se das chamadas condicionalidades da
educação, no que diz respeito à freqüência mínima de oitenta e cinco por
cento de carga horária escolar mensal, em estabelecimentos de ensino regular,
de crianças e adolescentes de seis a quinze anos e adolescentes de 16 a 17
anos, inciso II do Decreto N° 5.209, de 17 de setembro de 2004 que
regulamentou o Programa criado pela Lei n° 10.836, de 9 de janeiro de
2004 no Brasil.
No entanto, procedimentos metodológicos mais efetivos e
direcionados ao acompanhamento da frequência escolar mínima de 75%
que é um dos pontos fortes da condicionalidade relacionada à educação
exigida, não é substantiva se tivermos em mente, um conjunto de medidas.
Claro está, ser de suma importância para o aproveitamento escolar do
estudante, que uma freqüência inferior ao percentual supracitado seja
um indicativo da necessidade de acompanhamento a ser realizado pela
escola; por outro lado, quando este aspecto é visto como aspecto pontual
à parte do processo pedagógico como um todo, nos parece ser insuficiente
no que diz respeito à elevação da qualidade da aprendizagem escolar.
De modo que a relação direta entre o Programa e a educação escolar
não é detalhada na política de gestão, controle e acompanhamento. Isso,
em parte, se justifica pela natureza da própria política social criada que
objetiva combater a pobreza e a desigualdade social, não se restringe à
oferta de educação pública e gratuita. Os critérios de condicionalidades
se vinculam à:
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151Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Combater a fome e incentivar a segurança alimentar enutricional; Promover o acesso das famílias mais pobresà rede de serviços públicos, em especial os de saúde,educação e assistência social; Apoiar odesenvolvimento das famílias que vivem em situaçãode pobreza e extrema pobreza; Combater a pobreza e adesigualdade; e Incentivar que os vários órgãos dopoder público trabalhem juntos nas políticas sociaisque fortaleçam as famílias a superarem a condição depobreza (BRASIL, 2015, p.10).
Na busca de estabelecer o vínculo entre o PBF e a educação escolar
cotidiana, não podemos nos furtar à reflexão sobre o significado que
tem na conjuntura nacional a implantação e manutenção de um programa
como esse. Uma iniciativa governamental, que transfere renda direta às
famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, realidades gritantes
em nosso país.
Pobre é todo aquele que não se beneficia de um padrão de
subsistência mínimo, baseado na ingestão diária de um requerimento
calórico dado. Portanto, inicialmente, pobreza e fome são quase sinônimos
e se confundem na identificação de quem é pobre. Nesse enfoque, as
necessidades humanas aparecem limitadas às necessidades da
sobrevivência física – comer, vestisse – desconsiderando o social. Esse,
ainda hoje, é enfoque que prevalece na definição da pobreza absoluta ou
da indigência: um padrão de vida aquém do que é exigido para assegurar
a mera subsistência ou sobrevivência.
Argumentam os proponentes do Programa que o objetivo central
desta transferência de renda é elevar a efetividade no combate à fome e
à pobreza, uma prioridade social do governo brasileiro a partir de 2004,
ano de sua implantação. Alegam, ainda, que o mesmo esteja fundamentado
nas diretrizes existentes na Constituição Federal de 1988, ampliando o
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)152
acesso aos serviços de saúde, educação e assistência social, que em seu
art. 3º, inciso III, se compromete “[...] erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.
Visando o alcance de todo o território nacional, a implantação do
programa foi pactuada entre a União, os Estados, os Municípios e o Distrito
Federal, para serem desenvolvidos de forma intersetorial, pois o desenho
do Programa Bolsa Família tem como característica o trabalho em conjunto,
das ações de distintos setores (Assistência Social, Saúde e Educação). Na
cidade de Manaus, segundo dados levantados por meio de pesquisas do
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2015), tem em
torno de 128 mil famílias beneficiárias.
Cremos que neste momento não há dúvidas da importância e
impactos que têm na vida dos brasileiros um programa social como o PBF
no sentido de minimizar o estado de pobreza econômica extrema em que
estão mergulhadas muitas e muitas famílias.
Vejamos o que nos diz uma família beneficiária ao ser entrevistada
no ano de 2016, em relação à contribuição do programa:
Serve para garantir o transporte escolar do filho mais novo,em razão de antes realizar o trajeto a pé e meu filhoficava muito cansado. Têm problemas de comportamento,essa escola vem ajudando a se desenvolver. Já escreve onome e faz tarefas escolares com maior atenção. Eu recebohá 3 anos1.
Os beneficiários relataram, ainda, que o Programa ajuda na compra
dos materiais escolares, vestimenta, calçados e alimentação de seus filhos.
1 Família beneficiária.
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153Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Dando condições, as quais eles não teriam como suprir. Para eles, o
benefício é um sinônimo de cidadania:
Acho que cidadania é poder ter direito a votar, estudar,trabalhar, coisa assim. Acho que o cidadão tem maisdestaque, ele se torna político e pode governar o país2.
Ouvimos, também, os diretores, professores e coordenadores de
escola pública sobre os pontos positivos e/ou negativos que destacam
em relação a dito Programa:
Os diretores opinam que o Programa Bolsa Família não colabora
para a redução da pobreza, segundo eles, contribuiu para a ociosidade e
dependência, fazendo com que o beneficiário não procure emprego e
nem busque sair da situação de pobreza. Segundo um dos diretores, ainda
falta muito para que se possa usufruir de uma cidadania plena no Brasil,
nos moldes em que a define:
Cidadania é o direito que a pessoa se assegura a partirdo nascimento, ele considera um cidadão a partir doregistro, a pessoa que é registrada, documentada é umcidadão. Faz parte daquela sociedade, como uma pessoapode ser identificada como cidadão. Primeiro são osdocumentos, porque se você não tiver documentação vocêé considerado um indigente, ou seja, uma pessoa quenão faz parte daquela sociedade. Segundo são os direitosque lhe assiste e os deveres enquanto cidadão, dentrodaquele meio, votar, ter direito a segurança, ter direito asaúde, a educação, toda a constituição que assiste emquanto cidadão. Faz com que ele seja identificado comotal; É um programa muito bem empregado, mas pena que
2 Família beneficiária.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)154
algumas famílias não saibam usar com dignidade. Masesse programa trouxe grandes melhorias para os menosfavorecidos, quando bem empregados sentimos um avançosocial nas famílias que utilizam o mesmo. Observamosprincipalmente na alimentação, crianças mais nutridas,limpas e com os materiais didáticos adequados a seremutilizados nas escolas. Os impactos quanto ao Programasão grandes, tendo em vista que muitas famílias sobrevivemdesta renda que vem agregar aos recursos que a escoladisponibiliza para oferecer as crianças3.
Agora vejamos a percepção dos professores e coordenadores
pedagógicos:
Destacamos um trecho das respostas de uma professora sobre o
programa bolsa família, diz ela que:
Trouxe mudanças para os rendimentos da família. É umreparo na falta, de consideração ao direito do trabalhador.Mas no caso de achar se é útil ou não, é lógico que é, efaz muita diferença na vida das famílias. As crianças sebeneficiam do Bolsa Família porque os pais (muitos porcausa da assistência), sentem-se no dever de garantir aassiduidade do filho à escola e isso contribui para o sucessodessa criança em seu processo educativo. Os pais se sentempressionados e responsabilizados em manter a freqüênciados alunos em dia e isso reflete no processo educacionalda criança, tendo um impacto positivo, pois incentivam asua inserção na sociedade. Professores e pedagogos nãovêem muitos pontos positivos, chamam a atenção nosentido de que o Programa deveria ser vinculado aodesempenho do aluno e não somente à obrigatoriedadede freqüência, e ainda, consideram como muitoimportante, que fosse vinculado à participação efetiva dospais nas reuniões e ações da escola. Pois segundo dizem,
3 Diretores.
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155Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
além de oferecer um incentivo financeiro padrão, devemser oferecidas condições mínimas para o exercício de talbenefício: Eu acredito que além dessas repostas padrão,tem direito e dever, também aquela pessoa que estágarantida ali as condições para exercer esse exercício.Não basta dizer que há cidadania que ela existe, se euestou em uma situação em que eu não tenho condiçõespara fazer esse exercício. Então também a cidadania passapor aí, além de eu ser capaz de defender meus direitos edeveres, também ter condições mínimas para fazer isso(Professor). Cidadania é reconhecer a importância dooutro na nossa vida, conhecer nossas responsabilidadese direitos diante da sociedade que nos cerca4.
Conversamos, ainda, com algumas famílias não beneficiárias do
Programa Bolsa Família que expressam concepções similares aos
professores e coordenadores pedagógicos. Para estas, a cidadania deve
ser mais ampla, alcançar a cobrança aos representantes eleitos para
defender os direitos da população.
Cidadania é cumprir com os deveres, que a gente tem ecom os deveres que os nossos representantes que comnós, a gente tem que cobrar mais, assumir mais e fazercom que eles façam mais por nós5.
Uma breve análise dos depoimentos acima mencionados nos
possibilita trazer outro nível de percepção, o olhar divergente, a percepção
daquele que espreita o programa, considerando as políticas sociais no
atual contexto do neoliberalismo, muitas vezes, as percepções são eivadas
de ideologia mercantilista.
4 Coordenador Pedagógico.5 Família beneficiária.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)156
Besnos (2004, p.2) pondera a esse respeito das políticas sociais
que visam minimizar condições de pobreza por meio de distribuição de
renda:
Às políticas sociais promovidas pelo Estado, que,segundo os neoliberais são responsáveis peloendividamento interno e externo e pela criação desetores corporativistas. Por outro lado, programassociais incentivariam a não produtividade, gerariamdependência de subsídios e interfeririam no mercado,gerando desequilíbrios, indolência e permissividadesocial. Assim, os neoliberais entendem que as políticassociais devem ser minimizadas dentro do comoiniciativo do Estado; em seu limite, banidas.
Assim como o conceito de cidadania e a concepção de educação
se diferenciam por questões de vertente ideológica, as percepções e
valorações quanto aos benefícios e/ou paliativos do Programa Bolsa
Família se diferenciam entre os não beneficiários da renda. O mesmo ocorre
em relação ao conceito de pobreza que vem sofrendo alterações em
distintas épocas.
O fenômeno da pobreza é complexo, portanto, seu conceito não
pode ser estático, há de ser dinâmico. A pobreza no Brasil desde os anos
setenta era entendida apenas como fator econômico, ou seja, falta
significativa de recursos materiais. “Finalmente, durante a década de
noventa, a luta contra a pobreza foi enfocada a partir da condicionalidade
da cooperação internacional na promoção dos direitos humanos” (SALMÓN
GÁRATE, 2007, p. 154).
A extrema pobreza, portanto, se refere não só a um problema
econômico, mas também a um problema mais complexo, em diferentes
esferas, como a social e a cultural, tornando-se também um problema
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157Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
político, que afeta diretamente o desenvolvimento humano e, portanto,
a satisfação dos direitos humanos (p. 155).
Na medida em que ocorrem as violações dos direitos humanos
face a duras conquistas destes e se gera a restrição da condição de cidadão
e, portanto, de sua condição de sujeito de direito, resultando na negação
dos seus direitos e liberdades fundamentais e privação de desenvolvimento
de suas necessidades básicas, aumentam os níveis de exclusão social,
consequentemente, de pobreza, não só de caráter econômico, mas também,
em outros aspectos da vida social.
Trazendo a discussão, especialmente, ao âmbito da educação
escolar, torna-se necessário que o corpo docente, a gestão escolar e a
equipe pedagógica rompam com a perspectiva de educação bancária, ainda
tão presente no processo de aprendizagem do estudante. O discurso e a
prática pedagógica precisam garantir ao estudante uma perspectiva
construtivista de sua própria aprendizagem, ou seja, tratá-lo como sujeito
e não como objeto do conhecimento escolar.
4 QUARTA NARRATIVA
4.1 DIREITOS HUMANOS: HISTÓRIA E GÊNESE
Os Trabalhos de Conclusão de Curso apresentados pelos alu-
nos demonstram excelente domínio da temática dos Direitos Huma-
nos. A temática da pobreza como conseqüência da perversidade
estruturante das relações produtivas no capitalismo fizeram perceber
que as desigualdades sociais são um mecanismo de domínio e de ne-
gação dos direitos sociais e humanos de grande quantidade de popu-
lação no Brasil.
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A ideia de organizar este pequeno texto surgiu da necessidade de
avançar mais um pouco na direção da compreensão de que os Direitos
Humanos são direitos de todos e fazem parte dos grandes avanços da
humanidade. Isso tem se dado na era moderna e não ao contrário, como
querem fazer crer alguns interesses ligados à grande mídia ou a setores
estamentais do Estado.
4.1.1 A Origem dos Direitos Humanos
Como um preâmbulo necessário vamos iniciar, afirmando que os
estudos sobre direitos humanos têm “um certo” caráter de
inesgotabilidade. E por que seria assim? Por que assim como os seres
humanos tendem ao aperfeiçoamento de si e de suas instituições no tempo
e no espaço, também os direitos humanos, bem como seus valores, se-
guem a mesma tendência de aperfeiçoamento. Logo, os Direitos huma-
nos de hoje poderão sim receber acréscimos no tempo futuro, porém,
jamais poderemos admitir que os direitos já consagrados sejam em qual-
quer momento solapados ao interesse de alguma tirania estatal ou mes-
mo desrespeitados no cotidiano da sociedade.
Quem na prática diária repete a assertiva que Direitos Humanos são
usados somente para proteger delinqüentes, desconhece o esforço de to-
dos que lutaram para consagrar tais direitos. Poderemos sim criticar muitas
ideias sobre os Direitos Humanos, mas, nunca negar sua importância no
ordenamento jurídico moderno. Não lutar em favor dos Direitos Humanos
é abrir mão de todo o progresso social humano até aqui alcançado.
Partindo da ideia que lançamos na introdução, ou seja, de anali-
sar o caráter histórico dos direitos humanos, iremos verificar que o dese-
jo pelos Direitos Humanos é antigo e perpassa período importantes da
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159Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
história ocidental. Essa tendência à verificação histórica tem o sentido
de separar, sem negar, que existe outra vertente, que entende os Direitos
Humanos como direitos naturais, produto da natureza humana, impres-
sos no ser humano desde o ato criador da divindade.
Nossa preferência, contudo, nos remete ao estudo dos Direitos
Humanos como conquistas históricas, como produto da luta política das classes
desfavorecidas, ao longo da história humana. Por que então as classes
desfavorecidas teriam lutado por seus direitos? Resposta precária, mas, não
absurda seria que as classes privilegiadas de todas as sociedades modernas,
estiveram sempre cercadas de privilégios e, portanto, sua função política,
naqueles tempos como hoje, seria de manter os privilégios de classe6.
O conceito de Direitos Humanos, contudo, no seu curso histórico
vai ser construído em paralelo à construção do conceito de ser humano,
que é uma idéia subjetiva. Desse modo, os DH também partem da idéia de
subjetividade, ou seja, os DH são, antes de tudo, direitos subjetivos.
Melhor explicitar essa afirmação. Vamos entender, sem nos
alongarmos, que o direito à vida é um direito subjetivo que, para a
corrente naturalista, não é adquirido a partir de um determinado momento
histórico, mas integra a natureza humana. Portanto, a vida é um direito.
Outra discussão, por exemplo, seria a partir de quando há vida?
Lembrem-se que nas sociedades mais antigas, e mesmo na história
do Direito, nem todos eram considerados seres humanos para efeito de
6 Não vamos cometer o erro da omissão ou da ignorância proposital e "esquecer" que senhores de escravos earistocratas da impor tância de Thomas Jefferson, que par ticipou ativamente da elaboração da Declaração deIndependência dos Estados Unidos da América do Nor te, era um Aristocrata e senhor de escravos, e fora um dosmais destacados na luta por declarar direitos que se tornaram os pilares da sociedade atual no que tange àsliberdades individuais e coletivas. Mas, também não vamos esquecer que no país de Jefferson segue havendo Estadocom a pena de morte.
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garantias individuais. Há legislações antigas (Código de Hammurabi) que
faziam distinção entre os homens livres e os escravos. Os escravos e as
crianças eram considerados coisas. Mas, essa distinção não diz respeito
somente aos babilônios, os gregos também procediam de maneira
semelhante, assim como os romanos.
Em todas as sociedades escravistas a base legal do seu
ordenamento jurídico passava, necessariamente, por concepções
etnocêntricas de fundamentação religiosa. Não se assustem com a
afirmação de que a crueldade dos deuses sempre foi realizada no máximo
de sua eficiência pelos sacerdotes, seus representantes na terra.
Somente há alguns séculos, os índios das Américas foram
considerados gente pela Igreja de Roma. A partir daquele momento os
indígenas, em geral e, em particular, os do Brasil, passaram a receber
cuidados caritativos da parte da Igreja e a merecer algumas leis em seu
favor da parte do Estado. Para estabelecer um marco nessa discussão
vamos dizer que uma situação existe ou não existe somente se ela estiver
ou não escrita em lei que a regulamente, isso é um dos princípios basilares
do Direito Científico. Portanto, para que um direito exista é preciso que
ele esteja definido em lei ou positivado.
Mas, qual a origem dos assim chamados direitos humanos e o que
significam? Os direitos humanos seriam “[...] um conjunto de mínimo de
direitos necessários para assegurar uma vida do ser humano baseada na
liberdade e na dignidade” (HESSE apud RAMOS, 2001) citado por
Landscheck (2007, p. 103). Para Montoro (2009, p. 60), é o direito-
faculdade que define como “[...] o poder de fazer, exigir ou possuir alguma
coisa” ou ainda “[...] a faculdade de exigir dos outros uma ação ou inação”
(MONTORO, 2009, p. 60).
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161Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Dallari (1998, p. 7) diz que os direitos humanos são uma forma
abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana.
Esses direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa
humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de
participar plenamente da vida.
Herkenhoff (apud SAMANIEGO; MUÑOZ, 2004)
[...] por direitos humanos ou direitos do homem sãomodernamente, entendidos aqueles direitosfundamentais que o homem possui pelo fato de serhomem, por sua própria natureza humana, peladignidade que a ela é inerente. São direitos que nãoresultam de uma concessão da sociedade política. Pelocontrário, são direitos que a sociedade política tem odever de consagrar e garantir. (LANDSCHECK, 2007, p.103).
Como se pode notar a ideia fundamental é que sem os direitos
humanos, que formam uma base a partir da qual os seres humanos se
reconhecem, e sem a qual a espécie humana se desagregaria e pereceria,
não haveria reconhecimento do ser humano enquanto tal. Os direitos
humanos formam, portanto, uma base social de valores indispensáveis
para a convivência social. Nesse sentido, os direitos humanos
estabeleceram um avanço significativo nas relações dos indivíduos para
com o Estado. Na antiguidade não havia direitos sociais como entendemos
hoje, mas, tão somente deveres.
Por que era assim? Na Grécia havia duas concepções: a mecanicista
que separava o agir humano da natureza, o que lhe conferia um estado
de instabilidade. Tudo se vinculava ao prazer e fuga da dor (Epicuro); a
concepção finalista (finalidade) subordinava o ser humano ao cosmo e
seu equilíbrio. O objetivo humano seria então, cuidar desse suposto
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)162
equilíbrio. Foi a partir dos pensadores dessa tendência, Platão, Aristóteles,
Heráclito e os estóicos que teve origem a noção de leis naturais, que
posteriormente, deu origem à discussão sobre direitos naturais.
Por seu turno, os romanos desenvolveram idéia de que todos os
homens teriam uma natureza comum, a razão, ou ratio, o qual somente os
serem humanos a possuem e através da qual fundamentaram as leis sociais.
Semelhante, a tradição Cristã afirma que por serem os homens filhos de
um Deus único, todos possuem uma natureza também única. Todas as
criaturas estariam sujeitas a uma lei divina, sendo que para os seres
humanos haveria uma lei específica, as leis morais.
Vem da Idade Média um dos documentos mais importantes para a
moderna ciência do direito. Trata-se da Magna Charta Libertatum de 1215,
que passou a vigorar a partir de 1225. A Magna Carta foi “arrancada” pela
força ao Rei João Sem Terra, rei da Inglaterra. Sua principal contribuição
foi o entendimento de que existem direitos fundamentais, baseados no
direito natural, que nem mesmo o estado pode transgredir.
Santo Tomás de Aquino afirmava a existência de uma lei universal
que submete todos os seres, no caso dos homens por serem livres, estariam
submetidos a leis morais ou naturais, inscritas na sua natureza pela ordem
divina. Para Santo Tomás, as leis civis deveriam estar subordinadas às
leis naturais. No século XVI, na Europa, defendia-se a idéia de que os
índios não eram homens. A descoberta das Américas foi o marco inaugural
do racismo moderno.
Para Giovanni Pico Della Mirandola (1463-1496), o ser humano
pode agir por si mesmo, feito imagem e semelhança de Deus. Sua natureza
é boa e possui vontade própria. O pensamento humanista de Pico Della
Mirandolla marca a passagem da idade medieval para idade moderna,
tanto em sentido histórico quanto filosófico.
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163Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Hugo Grotius (1583-1645) que, durante muito tempo foi chamado
de pai do direito natural moderno e do direito internacional, afirma que
toda a sociedade humana reside na razão e na natureza. Para Grotius
“[...] o Direito natural existiria mesmo que Deus não existisse, ou inda
que Deus não cuidasse das coisas humanas” (NADER, 2003, p. 131).
Deve-se ao pensamento de Hugo Grotius a fundação da Escola
Histórica do Direito Natural que no séc. XVIII teve seu apogeu com a
filosofia de Jean Jaques Rousseau. Para esta corrente o direito natural,
como conjunto de regras reguladoras da razão são as responsáveis pelo
equilíbrio social. A vida e dignidade humanas e a propriedade são um
direito natural e não podem ser negadas a nenhum ser humano.
Observe que a configuração dos direitos em Hugo Grotius, inclui
a propriedade como um direito natural, o que nos faz perceber a tendência
liberal da filosofia desse pensador. Seguindo nosso caminho histórico
vamos encontrar um dos maiores expoentes do pensamento liberal: John
Locke (1632-1704), todos conhecem a teoria da tabula rasa formulada
por ele, na qual ensina que a mente de uma criança ao nascer é como uma
folha em branco. É um dos mais importantes, senão, o mais importante
teórico do liberalismo. Sua importância para os direitos humanos está
baseada nas suas teses sobre o papel do Estado.
Foi a partir do século XVIII que o conceito de Direitos Humanos
veio ultrapassar o de direito natural, ou absorvê-lo, ao ponto de não ser
mais reconhecido. O conceito de direitos humanos se atribui a Thomas
Paine, na obra intitulada Rightsof Man, publicada entre 1791-1792 (apud
FONTES, 2004)7.
7 Citado por Luiz Maximiliano Landscheck (2007).
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Considerando que na Idade Média os direitos humanos não
estavam ainda estruturados, o que facilitava a tirania, a tortura e a pena
de morte como castigo comum, a obra de Paine é vista como um marco na
compreensão dos direitos fundamentais do ser humano (não devemos
nos empolgar, por que naquela época nem todos eram considerados seres
humanos, a exemplo dos escravos no Brasil).
Também teve importância no processo de construção dos direitos
humanos, a divisão do cristianismo. Ao lutar por liberdades de culto,
seus protagonistas impediram que os Estados adotassem religião oficial,
como era de praxe, desde o Império Romano até os absolutismos.
É preciso notar que as declarações de direitos estabelecem
princípios e valores que cada povo ou Estado adotam para si, em
momentos históricos específicos, considerando cada um suas tradições e
estrutura moral. Alguns documentos importantes foram constituindo o
que hoje denominamos por direitos humanos. No início, cada documento
estava limitado às suas próprias limitações conceituais, mas foram
importantes na soma do todo.
4.1.2 Os Direitos Humanos no Brasil
Bobbio (2004, p. 23) nos ensina que “[...] o problema fundamental
em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los,
mas o de protegê-los”. O Brasil do ponto de vista histórico, no que tange
aos direitos humanos tem muito mais o que lamentar do que a comemorar.
Nos basta passar uma vista sobre o extermínio de milhares de indígenas,
que não se resumiu ao período colonial, mas, também ao Império e a
República. A escravidão é uma das maiores dívidas que nosso país tem
para com sua história, sua cultura, seu presente e seu futuro.
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165Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Contudo, as (in)justiças cometidas na história recente obedecia à
legalidade daquelas conjunturas, mas, também ocorreram por desrespeito à
lei em outras conjunturas. Grosso modo, se pode afirmar que em todas as
Constituições brasileiras foram garantidos, na letra constitucional, os
enunciados dos direitos fundamentais. A Constituição de 1824 (a primeira
Constituição brasileira outorgada pelo imperador) trazia no Art. 179, a garantia
“[...] da inviolabilidade dos Direitos Civis, e políticos dos cidadãos brasileiros,
que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade”.
A Constituição de 1891 assegurava em seu Art. 72, que havia
garantia de direitos a “[...] brasileiros e a estrangeiros residentes no país
a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança
individual e á propriedade”. As Constituições de 1934 e 1937 também
trouxeram suas garantias de direitos, contudo, a de 1937 estabeleceu o
estado de emergência, que suspendia diversas das garantias que nomeara,
permanecendo assim até 1945. Já a Constituição de 1946 consagrou o
Título IV à sua declaração de direitos fundamentais e os transmitiu às
Constituições de 1967 e 1969, as Constituições vigentes durante o período
de governos militares (1964-1984).
A Constituição de 1988, atual Constituição brasileira, recebeu de
seus elaboradores a alcunha de Constituição cidadã, dado à amplitude e
o ideário de seu texto, a participação da sociedade em sua elaboração e
a busca de efetivação da cidadania (LENZA, 2010, p. 117). A seguir iremos
nomear e analisar os direitos fundamentais na Constituição de 1988.
4.2 OS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE
1988
O conceito de direitos fundamentais ou individuais tem como
objetivo a limitação do poder do Estado para resguardar os direitos
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humanos, sem os quais a própria democracia estaria em risco. As primeiras
limitações do poder do Estado ocorreram no século XIII e uma das mais
importantes foi a Magna Carta, do Rei João sem Terra, de 1215, ao
reconhecer os “direitos dos barões”. Restringiu o poder do rei e concedeu
algumas liberdades institucionais e individuais.
Contudo, foi a partir do séc. XVIII, a partir da independência
Americana e a Revolução Francesa que foram, de fato, enunciados os
primeiros direitos individuais da era moderna. No Brasil, a Constituição
de 1988, apelidada de “Constituição Cidadã” marca um novo e também
importante período de garantias legais, não somente individuais, mas
também de grupos e/ou coletivos. A Constituição também estabeleceu
ao lado dos direitos, os deveres fundamentais para pessoas, dos coletivos
e também para as pessoas jurídicas.
A Constituição Federal de 1988 dedicou o TÍTULO II aos Direitos
e Garantias Individuais. Está dividida em cinco capítulos: I – “Dos Direitos
e Deveres Individuais e Coletivos”; II – “Dos Direitos Sociais”; III – “Da
Nacionalidade”; IV – “Dos Direitos Políticos”; V – “Dos Partidos Políticos”.
Fica demonstrado que a Constituição Federal abrange direitos individuais,
coletivos, sociais, nacionais e políticos. O Art. 5°, X, estabelece “[...] a
inviolabilidade a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação”. O art. 6° da CF/88, nomeia como Direitos
Sociais: “[...] a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e a infância, a
assistência aos desamparados” (BRASIL, 1988).
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167Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
4.3 OS DIREITOS HUMANOS E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
No caso brasileiro, o processo de incorporação doDireito Internacional dos Direitos Humanos e de seusimportantes instrumentos é conseqüência do processode democratização, iniciado em 1985. O processo dedemocratização possibilitou a reinserção do Brasil naarena internacional de proteção dos direitos humanos– embora relevantes medidas ainda necessitem seradotas pelo Estado brasileiro para o completoalinhamento do país à causa da plena vigência dosdireitos humanos (PIOVESAN, 2009, p. 36-37).
O principal marco jurídico dos direitos humanos no Brasil, como
na poderia ser diferente, é sua Constituição, pois institucionalizou o
respeito aos direitos humanos como fundamento da democracia e da
ordem social internacional. Para Piovesan (2009, p. 38), “[...] o texto
democrático ainda rompe com as Constituições anteriores, ao estabelecer
um regime jurídico diferenciado, aplicável aos tratados internacionais de
proteção aos direitos humanos”. À luz desse regime, os tratados de direitos
humanos são incorporados automaticamente pelo Direito brasileiro a
passam a apresentar status de norma constitucional.
Importante lembrar que a Constituição Federal estabeleceu direitos
individuais e coletivos. As pessoas passaram a ser reconhecidas dentro
de seus coletivos, inclusive. Existem direitos individuais explícitos e
direitos individuais implícitos. Os direitos explícitos são todos os
nomeados no Art. 5° e seus incisos e que são denominados como direitos
individuais básicos. Ente os considerados básicos estão: direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança; direito de propriedade. O direito à
Habeas Corpus é um exemplo de direito implícito, demanda a interpretação
do texto constitucional.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)168
Os direitos individuais, conforme dispõe o art. 5°, § 1°, possuem
aplicabilidade imediata, são autoaplicáveis. Quanto aos destinatários dos
direitos individuais e coletivos são os brasileiros e os estrangeiros
residentes no País. Não é demais lembrar que assim como os direitos, as
sanções penais também atingem a todos, inclusive, fora do território
geográfico, como previsto no Art. 7°, do Código Penal.
O direito à vida é o principal direito individual, é o direito de
maior relevância jurídica e atinge a todos, seja brasileiro ou estrangeiro
em território nacional. Do exercício desse direito dependem os demais
direitos que ao lado da educação se transforma na cultura, na vida mesma
de cada ser. É o direito de existência do ser humano e sua proteção reflete
o grau de civilização de cada povo, para além dos interesses econômicos
e políticos. Inclui o direito de nascer e de permanecer vivo, de defender
a própria existência humana no planeta. É a garantia de que a morte só
ocorrerá por causa natural inevitável.
A Constituição brasileira tutela a vida desde a concepção. O
nascituro (criança que ainda não nasceu) está sob a proteção do Estado
antes mesmo de haver nascido, goza de direitos como o direito de herança,
mas, principalmente, o direito à vida. A partir dessa afirmação iremos
discutir o próximo item deste caderno.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo das narrativas procuramos situar, no contexto de
produção e reflexão, os conceitos norteadores do ateliê ao qual os autores
estão vinculados. Na primeira narrativa, destaca-se a apresentação da
Declaração Universal de Direitos humanos, em sua relação com a
desigualdade social e educação.
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169Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
A segunda narrativa buscou-se explicitar as faces teóricas e
históricas da relação entre educação, pobreza e direitos humanos, como
necessidade de um tempo de relações sistêmicas. O que nos possibilitou
compreender de que modo estão interconectados os conceitos, tanto
teórica quanto materialmente na vida dos sujeitos.
Na terceira narrativa, destacou-se a reflexão no campo da educação
escolar, colocando em pauta documentos importantes no campo da
legislação, tais como: os parâmetros e referências curriculares nacionais
documentos referentes à educação infantil (de 0 a 5 anos) e ao ensino
fundamental (de 6 a 14 anos) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – LDBEN n. 9.394/96. Reflete também que os conceitos de
cidadania e educação são dimensões integrantes dos direitos humanos.
Por fim, na quarta narrativa a abordagem central é sobre o percurso
histórico do conceito dos direitos humanos, desde suas origens, tanto
no contexto internacional, quanto no nacional. Problematizando a questão
dos diretos humanos em sua presença na constituição Federal de 88,
bem como, enquanto processo necessário e fundante do ordenamento
jurídico.
Consideramos que a experiência de produção textual desenvolvida
no contexto do curso de especialização Educação, Pobreza e Desigualdade
Social, foi uma experiência triplamente formativa, alcançou os professores
formadores, os professores formandos, bem como os educandos –
denominados de cursistas ao longo das narrativas – e as comunidades e
escolas nas quais os professores formandos consubstanciam e
materializam seus saberes e fazeres.
Como numa hermenêutica da experiência de outrem, de modo geral,
observamos nos professores um amadurecimento intelectual e metodológico
que possibilitou a perda do medo, demonstrado, inicialmente, acerca do
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processo de produção textual. Avaliamos que alguns fatores contribuíram
para este resultado, tais como: o encorajamento da capacidade intelectual
e profissional que os professores possuíam para realizar o texto; o
esclarecimento de tudo que deveríamos fazer (prazos e tarefas); o apoio
dado irrestritamente dentro e fora dos encontros presenciais, por meio de
aplicativo de comunicação, e-mail e plataforma digital.
Tal medo demonstrado também teve parte na estrutura de
organização da pesquisa instituída pelo curso. Isto, pois, segundo os
cursistas, não houve desde início um trabalho intelectual por parte dos
professores, eles operaram como técnicos recolhendo entrevistas a partir
de questões elaboradas por outros, sem que isto tenha partido de um
projeto de pesquisa para esclarecimento dos objetivos, justificativa,
referencial teórico e procedimentos metodológicos, projeto que deveria
ter sido elaborado pelos cursistas. Tendo operado como técnicos no início
do processo, ao fim, ficou difícil tomar as rédeas como autênticos
pesquisadores, produzindo artigos a partir dos dados coletados outrora,
como fora solicitado.
Para recuperar minimamente o fio de ligação entre estes estágios,
fizemos uma fala esclarecendo como deveria ter sido realizado o processo,
para justificar porque daríamos um passo atrás. Não seria possível elaborar
um projeto, pois tínhamos pouco tempo para apresentar o artigo pronto,
então partimos das questões feitas e procuramos identificar quais
questionamentos deram origem as questões realizadas e que objetivos
poderiam ser evidenciados a partir de tais questionamentos, isso nos
trouxe um norte para começarmos a pensar o trabalho.
A partir da nossa experiência, identificamos que é necessário que
os professores façam o exercício como um todo, realizem desde a
elaboração do projeto à produção do artigo. Os limites da flexibilização
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171Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
da formação docente não podem ultrapassar os limites dos fazeres
necessários a um processo, verdadeiramente, formativo, isto, pois,
conhecer é mais do que obter as informações, mas construir sentidos
particulares para com a experiência do conhecimento. Além disso,
conhecer na condição de professores que somos significa liberta-se e
aprender a libertar outros das amarras da ignorância que nos induzem à
passividade frente ao nosso próprio sofrimento, frente às desigualdades
sociais, à pobreza e a não garantia dos direitos humanos.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)176
Programa Bolsa Família, Espaço e TempoEscolar na Reprodução ou Minimização daPobreza: análise da realidade de escolas deManaus e outros municípios do Amazonas
Lourdes Benedita de Oliveira Lira | Maria Ione Feitosa
Dolzane | Maria Sônia Souza de Oliveira | Márcia Josanne
de Oliveira Lira | Waldemir Rodrigues Costa Júnior
4
INTRODUÇÃO
Este artigo resulta das vivências de professores orientadores dos
Trabalhos de Conclusão do Curso de Pós-graduação intitulado Educação,
Pobreza e Desigualdade Social com os cursistas, orientados na realização
de pesquisas de campo com ênfase nos espaços e tempos escolares e na
reprodução e resistência da pobreza, na vigência do Programa Bolsa
Família, com vistas a conhecer os impactos deste Programa nas diversas
realidades do contexto amazônico.
Neste trabalho, entende-se a pobreza como privação de capacidade
básica e não como ausência de renda (SEN, 1999). Porém, a falta ou a baixa
renda é uma das causas principais da pobreza visto que pode ser a razão da
privação da capacidade de um cidadão. A pobreza é, assim, um problema
social e precisa ser reconhecida como produtora da desigualdade social.
Tal reprodução da desigualdade social inicia desde os primeiros
anos de vida, quando a criança não tem assegurado, de forma plena, os
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177Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
seus direitos garantidos desde os seus primeiros anos de vida para o seu
desenvolvimento pleno e para o exercício da cidadania. O acesso à
escolarização é um desses direitos que, apesar de estar garantido na
Constituição Federal Brasileira, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional - LDBEN e no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, não se
configura na prática, na garantia de igualdade, implicando,
significativamente, na qualidade da formação da criança e no seu processo
de desenvolvimento.
Os espaços escolares, os atores e os currículos devem ser pensados,
tendo em vista, as particularidades e as diferenças individuais e coletivas.
É preciso considerar as crianças e os modos de viver suas infâncias em
suas vivências de pobreza e suas necessidades ao chegarem à escola. Na
perspectiva da escola cidadã, os espaços podem se tornar possibilidades
de inserção social e combate à pobreza na medida em que ofereça uma
educação que respeite o desenvolvimento da criança, as diferentes formas
de viver a infância em sua diversidade social, econômica e cultural.
As reflexões tecidas, neste trabalho, têm por objetivo mostrar os
impactos do Programa Bolsa Família na aprendizagem e na melhoria de
vida das crianças e suas famílias, tomando como referência a relação
entre os espaços e os tempos na escola, o desenvolvimento da criança e
a reprodução da pobreza e das desigualdades sociais. O universo da
pesquisa contemplou vinte e seis escolas em áreas urbanas dos municípios
de Presidente Figueiredo, Rio Preto da Eva, Urucará e Manaus (áreas
urbanas e rurais).
A metodologia utilizada no desenvolvimento da pesquisa durante
o Curso de Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social,
em especial no Módulo IV - “Escola: Espaços e tempos de reprodução e
minimização da pobreza e das desigualdades sociais”, teve abordagem
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)178
qualitativa, do tipo pesquisa bibliográfica, e na análise dos dados
empíricos utilizou-se instrumentos como o questionário com questões
semiestruturadas e técnicas como a observação do uso dos espaços para
o desenvolvimento de práticas pedagógicas. Para a análise dos dados foi
utilizada a técnica de análise de conteúdo de Bardin (2009).
Com o material obtido, foram consideradas categorias de análise
tais como: a) Tratamento escolar diferenciado para beneficiários do
Programa Bolsa Família; b) Atividades escolares; c) Impactos gerados
pela organização dos espaços escolares para as crianças e famílias
beneficiárias do Programa Bolsa Família e d) O papel da escola no
enfrentamento à pobreza.
Os cursistas entrevistaram gestores, professores e beneficiários
do referido Programa, em escolas dos sistemas públicos municipais e
estaduais, objetivando registrar dados acerca das contribuições dos
espaços internos e externo à escola, quanto ao desenvolvimento de
práticas pedagógicas que favoreçam a aprendizagem contemplando a
diversidade dos sujeitos crianças, adolescentes e jovens oriundos de
diferentes contextos sociais e econômicos e seus impactos no combate à
pobreza.
Este trabalho está dividido em quatro subtópicos, intitulados: 1.
A escola como espaço de desenvolvimento e aprendizagem da criança:
aspectos de análise da reprodução ou enfrentamento à pobreza; 2
Reflexões sobre os tempos de vida e tempos na escola; 3. A reprodução e
resistência à pobreza nos espaços e tempos da escola; 4. Os modelos
padronizados de funcionamento escolar, os quais tratam das
peculiaridades identificadas no cotidiano escolar no que se refere à relação
espaços, tempos, processos pedagógicos e organização curricular no
combate e enfretamento à pobreza e a desigualdade social.
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179Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
1 A ESCOLA COMO ESPAÇO DE DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM DA CRIANÇA:
ASPECTOS DE ANÁLISE DA REPRODUÇÃO OU ENFRENTAMENTO À POBREZA
Arroyo (2014) sustenta que o modo de viver da infância é precário
quando suas condições materiais também o são. O que implica que as
condições materiais em que vivem as crianças, adolescentes e jovens,
demarcam a sua existência, a sua mobilidade de transitar e ter acesso em
diferentes espaços e lugares. Nessa abordagem, o espaço assume
importância na medida em que as moradias, as ruas, as instituições públicas
etc., são condição para que se estabeleçam as relações humanas, entre os
atores responsáveis pelas instituições, no sentido de cada um assumir o
seu papel de educar, de cuidar e proteger.
A discussão sobre o espaço é ampla, e a relação que as crianças,
os adolescentes e os jovens estabelecem como ele tem sido tema de
reflexão da Filosofia e de diversas outras áreas do conhecimento, como a
Arquitetura, a Engenharia, a Psicologia, a Matemática e outras. (LOPES,
2009). No âmbito da Educação, o espaço é entendido como segundo
educador (HORN, 2004), sendo meio indispensável para a formação
integral do sujeito. É no espaço que os sujeitos se desenvolvem, interagem
e se socializam, ampliando, ou não, a qualidade da aprendizagem e as
possibilidades de ter sucesso, na escola e na vida.
A reflexão acerca dos espaços na realidade da cidade de Manaus
se destaca pelos resultados da pesquisa realizada durante o Curso de
Formação de Professores para as Redes Públicas de Ensino, especificamente
no Módulo IV, onde se pode evidenciar a realidade acerca do uso dos
espaços nas escolas e seu entorno como elementos de enfrentamento,
ou não, à pobreza e à reprodução da desigualdade social.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)180
Para tanto, podemos levantar algumas questões: Como se
estruturam os espaços e ambientes das escolas e quais as possibilidades
de desenvolvimento de experiências e interações entre as crianças, os
adolescentes, os jovens e os profissionais da escola? Como a escola
organiza e disponibiliza os materiais nos espaços de modo que possibilite
o acesso dos sujeitos (estudantes)? Qual a concepção que os diretores,
professores e estudantes têm dos espaços da escola e seu entorno? Como
as atividades pedagógicas desenvolvidas na escola dimensionam os
tempos e espaços da escola? Há articulação entre os espaços escolares e
seu entorno? Quais as ações do educador para mediar a organização do
currículo e dos espaços da escola visando potencializar o acesso da criança
aos bens simbólicos e culturais produzidos pela humanidade?
Essas indagações, embora não estejam diretamente ligadas com
as questões da pesquisa, contribuíram para elucidar a análise sobre os
espaços escolares como promotores de combate à pobreza e à
desigualdade social, pelo olhar do professor cursista, durante as
observações do desenvolvimento do trabalho pedagógico na escola.
É importante salientar que o reconhecimento da relevância dos
espaços para o desenvolvimento do trabalho pedagógico e curricular nas
escolas ainda é muito recente. Embora, as geografias e histórias precedam
o sujeito, este exerce influência na singularização de seus lugares, como
também, é influenciado por eles. Na relação entre os planos da filogênese
(história da espécie), ontogênese (desenvolvimento dentro da espécie),
sociogênese (a cultura do grupo) o desenvolvimento individual é
produzido e o sujeito torna-se singular na experiência coletiva (VYGOTSKY;
LURIA, 1996; LOPES, 2009).
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181Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Por isso a experiência espacial é sempre umaexperiência mediada pelos artefatos e objetos nelapresentes, é um contato que permite vivenciar afilogênese humana, na sua própria ontogênese, nãopara repeti-la ou recapitulá-la, mas para possibilitaremancipação humana e a condição de humanização(LOPES, 2009, p. 127).
Nessa perspectiva, os espaços são inerentes à condição humana e
constituição de subjetividades, os quais influenciam e são influenciados
num movimento dinâmico contribuindo significativamente para a
organização espacial e temporal do desenvolvimento da criança nos
primeiros anos de vida. É nos processos de socialização e interações sociais
que os espaços assumem maior importância, pois são neles que as práticas
sociais e econômicas demarcam e definem modos de ser, de viver e agir.
Um exemplo disso é uma criança que brinca e vive nas ruas e
outra que brinca nos playgrounds dos edifícios de classe média. No
primeiro caso, as crianças, além de terem seus direitos negados, são vistas
como ameaçadoras para a sociedade, não importando a sua condição e
os motivos pelos quais se encontram nas ruas em situação de
vulnerabilidade e exclusão. No segundo caso, a criança é vista e tratada
como criança. A sua própria imagem, refletida pelas formas de se vestir e
de falar, conduz a comportamentos de cuidado e preocupação.
Esses dois exemplos nos mostram as diferentes formas de viver
as infâncias. A falta de moradia, das relações humanas familiares, do
cuidado e proteção aos tempos da infância, que fica comprometida quando
as condições sociais, materiais e espaciais se deterioram. Esse coletivo de
pessoas; sejam crianças, adolescentes, jovens ou adultos têm suas vidas
“roubadas” na medida em que se tornam invisíveis perante a sociedade.
Diante dessa dura realidade se constata que o espaço que o sujeito ocupa
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)182
define, também, a sua posição social e econômica, implicando,
significativamente, a sua acessibilidade e as formas de tratamento nos
diferentes espaços sociais.
A escola é um desses espaços que se caracteriza como espaço de
socialização, onde a criança deverá ser compreendida como um sujeito
que tem como singularidades a brincadeira, a imaginação, a criatividade,
sendo possuidora de um jeito próprio de pensar e formular explicações
acerca dos fenômenos, fatos e objetos de sua realidade circundante.
Nas pesquisas realizadas no Módulo IV ficou evidenciado que os
espaços de algumas escolas das cidades de Manaus, Urucará, Presidente
Figueiredo e Rio Preto da Eva, comprometem o desenvolvimento de
práticas pedagógicas, por apresentarem sérias limitações do ponto de
vista físico e serem destinados, na maioria das escolas, às salas de aula,
salas administrativas, refeitórios e quando muito, apresentam uma quadra
destinada a atividades físicas e atividades comemorativas como o Dia das
Mães, Dia dos Pais, Páscoa e Hora cívica entre outras. Muitas dessas escolas
têm sua ampliação inviabilizada, por estarem instaladas em prédios
alugados. Com a ampliação da demanda escolar, fica difícil acomodar
grandes contingentes de crianças, porque as salas ficam muito lotadas,
inviabilizando o desenvolvimento do currículo quanto a práticas
pedagógicas que demandem um maior uso dos espaços.
O entorno da escola e do bairro se constituem, ou deveriam se
constituir, como objeto de reflexão da criança no sentido de levá-la a
conhecer os espaços e tudo que contém neles, nos trajetos entre a sua
casa e a escola. Esse conhecimento, articulado com o currículo escolar,
proporciona ao estudante (criança, adolescente ou jovem) um olhar
diferenciado sobre a sua relação com o espaço e seu entorno, além de
contribuir com a construção do sentimento de pertença, de constituição
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183Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
de identidade e de memórias. Essa articulação dá sentido aos conteúdos
curriculares produzidos pela humanidade e sua consequente emancipação.
A esse respeito, as falas dos cursistas evidenciaram que:
O conteúdo curricular é trabalhado e até articulado com arealidade do estudante, contudo não há vivências. [...]uma grande dificuldade é a falta de apoio por parte dosgestores e da própria comunidade [...] poucos pais seenvolvem com a escola. Os que se envolvem são os paisdas crianças que não precisam, que estão bem naaprendizagem1.
E também
Os currículos atuais não oferecem e nem reduzem asdesigualdades no conjunto das relações sociais, mascontribuem para o acréscimo da diferença, classificaçãopor grupo, preconceito e discriminação aos que estão nacondição de pobreza2.
As falas dos cursistas evidenciaram não apenas o modo como o
currículo está organizado, mas a concepção de sujeito que norteia o
trabalho pedagógico da escola e suas práticas, refletindo uma organização
equivocada quanto aos processos de ensino e aprendizagem. Pautado
num modelo burocratizado e mecanizado dos processos pedagógicos, o
currículo escolar não atende às necessidades individuais (aprendizagem)
e peculiaridades dos coletivos plurais existentes na escola. Ou seja, é
também o modo como o currículo é organizado e desenvolvido que pode
1 Cursista, 2016.2 Cursista, 2016.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)184
contribuir para minimizar a situação de pobreza e desigualdades sociais
em que se encontra a grande maioria das crianças, em especial, as
beneficiadas do Programa Bolsa Família.
Na ótica de Arroyo (2014) os currículos escolares acabam, por
vezes, ignorando a pobreza e os pobres como coletivos, atolando-os em
formas de viver distantes. Além disso, os currículos das escolas
investigadas ainda não incluíram uma abordagem da historicidade da
pobreza e seus determinantes. Os alunos são estereotipados, sofrem
preconceito e discriminação, como foi constatado nas entrevistas realizadas
pelos professores cursistas, com os profissionais das escolas e familiares
de beneficiários do Programa Bolsa Família.
Constata-se que é necessário refletir o papel da escola na sociedade
atual, no que se refere à gestão do conhecimento e acompanhamento
nos processos de ensino e de aprendizagem. As pesquisas nas escolas
investigadas evidenciaram a necessidade de se repensar a organização
dos espaços no sentido de favorecer interações com vivências intencionais
estruturadas em rede de relações entre as crianças, adolescentes,
professores e diretores, favorecendo a construção da autonomia da criança
e do adolescente e sua participação como sujeitos capazes de extrair
significados de suas experiências (KISHIMOTO; FREYBERGER, 2012).
Todavia, a pesquisa revelou que a atividade pedagógica
desenvolvida intervém de diferentes formas nas situações de diferenciação
e de exclusão social que as crianças sofrem, as quais, por vezes, iniciam-
se em casa. Alguns entrevistados nas escolas afirmam que as atividades
promovidas:
São atividades recreativas (jogos, pula corda, leituras eetc.), culturais (folclore brasileiro: danças, músicas,
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185Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
manifestações artísticas em geral de um povo) eeducadoras (feiras e mostras científicas) durante o anoletivo para que todos interajam harmoniosamente, semdistinção de gênero, raça ou etnia3.
Para que a ação educativa nas escolas seja eficaz e garanta, de
fato, a emancipação dos sujeitos aprendentes torna-se necessário, para
o educador, conhecer as bases legais que orientam a educação, tais como:
Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil - DCNEI (2009), as
Referências Curriculares Nacionais para o 1º e 2º segmentos do Ensino
Fundamental, as quais sugerem e orientam, didaticamente, as atividades
a serem desenvolvidas pela escola, tanto nos espaços internos quanto
nos externos a ela.
Com base nas pesquisas “in loco” nas escolas constata-se que, de
um lado, duas delas, no município de Manaus, que atendem a crianças
com necessidades especiais, apresentam várias salas de aulas, quadra
esportiva, biblioteca. Já em outras duas escolas, na mesma cidade,
apresentam salas de aula pequenas e climatizadas, refeitório, sala de
diretoria, banheiros e pátios. Porém, essas escolas encontram-se em
prédios alugados, cujos espaços reduzidos dificultam a realização das
atividades, limitando o desenvolvimento dos estudantes. Na análise dos
cursistas, “[...] a aprendizagem da criança também fica comprometida pela
falta de laboratório de informática e sala para atividades artísticas”4.
Outra realidade analisada é a escola do município de Presidente
Figueiredo, que apesar de contar com espaço amplo, apresentando
instalações e estrutura física de qualidade, o laboratório de informática
3 Professores, 2016.4 Cursista, 2016.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)186
superequipado permanece, boa parte do ano letivo fechado. Ainda que
apresente variados materiais didáticos e pedagógicos, não é utilizado
por não possuir equipe de profissionais especializados.
Numa outra realidade escolar, no município de Urucará, a pesquisa
constatou que o prédio da escola ainda se encontra em construção,
constituindo-se de salas de aula, sala de diretoria e pequeno refeitório,
mas a quadra esportiva utilizada pertence à comunidade.
Essas realidades apontam para um confinamento do trabalho
pedagógico circunscrito apenas aos espaços das salas de aulas. Isso
reforça o pensamento de que:
[...] é na sala de aula que [crianças ou jovens] encontramdificuldades, gerando desinteresse e descontentamento,atribuídos ao descompasso entre a forma de trabalhopedagógico e a descontextualização dos assuntospassados aos mesmos, sendo o ambiente físico e adistribuição espacial também fatores relevantes para odesinteresse (CORTELLA, 2009, p. 32).
Para Horn “[...] o modo como organizamos materiais e móveis, e
a forma como crianças e adultos ocupam esse espaço e como interagem
com ele são reveladores de uma concepção pedagógica” (2004, p. 15).
Quanto à concepção de sujeito e conhecimento, constata-se na pesquisa,
a perpetuação da concepção de sujeito como um sujeito passivo em seu
desenvolvimento e em sua aprendizagem. Essa visão tem ancorado,
consideravelmente, a organização do currículo e das práticas pedagógicas
(BECKER, 2012).
Na concepção de Horn (2004) a literatura sobre a discussão do
espaço para o desenvolvimento da criança é vasta. Em sua leitura da
teoria construtivista de Piaget (1973), o espaço é objeto de interação
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187Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
que lhe possibilita vivê-lo com intencionalidade. Já numa leitura da
abordagem sociohistórica de desenvolvimento, que tem em Wallon (1989)
e Vygotsky (1984) seus principais fundamentos, os espaços da escola
deverão ser desafiadores e acolhedores às crianças no sentido de levá-
las a criar e transformar, pois assim enriquecem o repertório de interações
entre elas e os adultos.
Contudo, observa-se na maioria das escolas investigadas a falta
de salas voltadas ao desenvolvimento das linguagens artísticas (pintura,
desenho, dança etc.), além de atividades esportivas e motoras, como se
pôde constatar que, pelos menos em duas escolas do município de Manaus,
faltam quadras esportivas, comprometendo, de algum modo, o
desenvolvimento motor dos alunos. Para um coordenador pedagógico
de uma das escolas participantes da pesquisa,
A escola comporta crianças de 3 a 5 anos de idade, e aestrutura não é adequada para o conhecimento empírico,não possui quadra, sala de vídeo, poucos brinquedoslúdicos. O que a escola tem é pouco para suprir ademanda5.
Nesse sentido, é importante se pensar em uma lógica de
estruturação e organização do espaço escolar para além da lógica de
espaços panópticos que, no sentido discutido por Foucault (1977), servem
para controlar e vigiar os comportamentos. O espaço da escola não pode
mais se configurar de modo fechado. As observações realizadas pelos
cursistas nas escolas evidenciam que os espaços físicos são ainda muito
fechados, isto é, “encaixotados”, e em suas salas de aulas, as carteiras
5 Coordenador Pedagógico, 2016.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)188
ainda são organizadas de modo enfileirado, cuja disposição do professor
ainda o coloca no papel de vigia e controlador de todas as ações e
interações que ocorrem na sala de aula. Esse modo de organização revela
a concepção de educando enquanto sujeito passivo.
Para Horn (2004), não basta organizar a sala de aula, é necessário
organizar como uma intencionalidade. Para Wallon (1989), ao tratar do
desenvolvimento da tonicidade muscular e postural da criança em seus
primeiros anos de vida, afirma que o espaço escolar, em sua organização,
deve ser amplo para possibilitar e potencializar o movimento livre da
criança. Para este teórico, quanto mais amplo for o espaço e mais
intencional for o trabalho pedagógico desenvolvido, mais a criança
desenvolve suas habilidades motoras, cognitivas e afetivas, de modo
global e integrado.
Nessa perspectiva, salienta-se a importância do planejamento do
espaço escolar no sentido de se conceber atividades específicas para a
faixa etária à qual se destina, o que implica em repensar a forma de
disposição dos materiais e mobiliários, favorecendo o acesso das crianças.
Esse planejamento do espaço deve incorporar o fato de que tanto a criança
quanto o adolescente e jovem, aprendem tanto mais quanto interagem
com seus pares. É na convivência com a diversidade de grupos étnicos,
sociais, etc., em diferentes faixas etárias que o uso dos espaços para o
trabalho pedagógico favorece o desenvolvimento de papéis e o
conhecimento de si (HORN, 2004). A pesquisa também evidencia que a
escola ainda não reconhece a função educadora dos espaços.
Por outro lado, como destaca Horn (2004), apenas organizar a
sala de aula de modo a assegurar ao professor a função de observador e
controlador das ações pedagógicas e das atividades das crianças não
garante a descentralização da figura do professor, enquanto educador e
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189Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
mediador do conhecimento. E, como destaca a autora, ainda que se
permita que a criança escolha materiais, desenvolva competências por
iniciativa própria e fique sozinha isto não garante uma atitude
emancipatória (HORN, 2004, p. 25).
Na análise dos professores cursistas, com base nas observações
in loco nas escolas investigadas nos municípios de Manaus, Rio Preto da
Eva, Presidente Figueiredo e Urucará, ainda se faz necessária uma
reorganização dos espaços e seu repovoamento com materiais didáticos,
incluídos os lúdicos, como os jogos, os brinquedos, gêneros textuais e
literários diversificados, no sentido de se favorecer os processos de
socialização das crianças e a construção de novos conhecimentos.
Pode-se depreender que a qualidade pedagógica dos espaços não
está apenas em sua infraestrutura física e organização administrativa,
mas, sobretudo, nos seus modos de organização dos processos
pedagógicos. Ainda com base na análise dos cursistas, a situação se agrava
à medida que não se constatam articulações entre o projeto político-
pedagógico e os componentes do espaço escolar.
A organização desses espaços também envolve uma articulação
com outros espaços do entorno da escola, tais como: ruas, praças,
monumentos históricos, instituições sociais, culturais, de lazer e saúde.
O modo como a escola promove essa articulação favorece tanto a melhoria
do ambiente do entorno como também a sua humanização. Salienta-se
que a centralidade da escola, nessas ações, para além dos espaços da
escola envidará esforços que envolvem outros atores sociais envolvidos
em diferentes áreas do conhecimento (saúde, lazer, esporte, cultura etc.).
É uma nova concepção de educação, de sujeito e de cidade. É nessa
perspectiva interinstitucional que é possível construir espaços educativos
para além da escola que favoreçam a educação integral dos sujeitos.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)190
É nessa articulação dinâmica entre escola e a comunidade que os
espaços podem se constituir como educadores, na medida em que servem
de base para dar sentido ao currículo da escola, que ao considerar o
conhecimento informal construído pelas experiências e práticas sociais
dos sujeitos, amplia e ressignifica os conhecimentos científicos, tornando
o currículo escolar mais vivo e dinâmico. O impacto dessa articulação
incidirá direto em aprendizagem significativa, contribuindo, tanto para a
permanência e continuidade da escolarização, bem como para a redução
da pobreza, na medida em que os sujeitos estudantes conseguem concluir
a sua escolarização. De acordo com a pesquisa realizada, a grande
dificuldade da escola em se articular com o seu entorno reside tanto na
falta de profissionais responsáveis por projetos, envolvendo questões
sociais, como na resistência dos atores sociais da comunidade em relação
aos projetos já existentes. A fala da professora de uma das escolas
participantes da pesquisa enfatiza que:
Não há articulação da escola com outras instituições sociais[...] O maior problema reside na resistência dosresponsáveis por instituições como também da escola, poiseles entendem que não há necessidade deles [atoressociais] participarem no processo educacional da escola,uma vez que ela é a responsável pela educação. Porque aescola não tem projeto político-pedagógico que se voltepara a comunidade6.
Desse modo, fica evidente que a escola se isola em sua própria
estrutura organizacional, em seu currículo engessado e desenvolvido de
modo mecânico, e com práticas pedagógicas burocratizadas, com
6 Professora, 2016.
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191Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
professores mal qualificados e que continuam reproduzindo práticas
excludentes, na medida em que a criança e suas condições não são
consideradas para o desenvolvimento dos processos pedagógicos. Portanto:
Cada modo de relação com o entorno implica umdeterminado equilíbrio funcional que, por sua vez, é umaexpressão da historicidade tanto da maturação individualcomo da evolução do meio humano. Logo, o espaço nãoé algo dado, natural, mas sim construído. Pode-se dizerque o espaço é uma construção social que tem estreitarelação com as atividades desempenhadas por pessoasnas instituições (HORN, 2004, p. 16).
Sendo assim, enquanto constituidor também de desenvolvimento
e de subjetividades, os espaços contribuem também para demarcar o sujeito,
seja ele criança, adolescente ou jovem, na sociedade. Os sujeitos carregam
marcas dos espaços vividos, de suas condições objetivas e materiais de
existência. Os espaços da escola são espaços instituídos com a finalidade
de favorecer os processos de socialização e interações, engendrados por
uma concepção de sujeito, de educação, de conhecimento e sociedade.
Dependendo da concepção de sujeito, conhecimento e sociedade,
é a escola que irá definir a organização curricular, seus processos e suas
práticas pedagógicas. Dessa forma, a sua configuração envolve aspectos
pedagógicos e políticos, os quais serão desenvolvidos no interior de suas
práticas pedagógicas, as quais podem contribuir para a emancipação ou
a reprodução da pobreza.
2 REFLEXÕES SOBRE OS TEMPOS DE VIDA E TEMPOS NA ESCOLA
A subjetivação humana se materializa no tempo objetivo para o
desenvolvimento da humanidade. Um exemplo disso é o prestígio que
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)192
requer um profissional ao fazer lembrar o tempo que tem de exercício ou
a indignação de um grupo liderado por um chefe recém-formado, ora
escamoteando ora reivindicando o tempo social, subjetivo.
2.1 OS DIVERSOS TEMPOS NA ESCOLA: INFÂNCIA, ADOLESCÊNCIA E ADULTEZ
Todas as fases de desenvolvimento humano são contempladas na
escola que acolhe para educar em todas as etapas da vida, uma vez que
suas ações não ficam restritas apenas ao atendimento de crianças, já que
há coexistência nos diversos tempos. Há o tempo cronológico linear, o
tempo da infância, o tempo da adolescência, o tempo da prática escolar
e seus diversos atores, o tempo curricular das disciplinas, o tempo de
cada sujeito do contexto escolar que para uns passa mais rápido, exigindo
diferentes demandas da escola e da comunidade escolar, já para outros o
tempo passa mais devagar exigindo adaptações frente ao tempo da
aprendizagem, em uma perspectiva subjetiva do tempo que não se prende
a currículos engessados e cronogramas pré-estabelecidos.
Por ser a escola um espaço simbólico, fruto da diversidade, do
convívio, local germinador de significados culturais ela é também é um
lugar de conflitos em que as ideias são geradas e compartilhadas. Nela,
os discursos e as práticas estão enredados, os quais são assimilados pelos
alunos e, preservados ou substituídos, a partir de um sistema de elaboração
de práticas e discursos, engendrados na cultura escolar e, na maioria das
vezes, pelos professores, estabelecido, assim, como conhecimento
genuíno na maior parte dos espaços escolares.
Cada escola pensa e organiza o tempo de acordo com a concepção
de sua cultura escolar,
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193Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
[...] o nosso dia-a-dia na escola é bem aproveitado e nósestamos cumprindo nosso planejamento dentro docronograma estabelecido, nossos alunos tem tempodeterminado para cada atividade até para reforçar osconhecimentos para o ANA e provinha Brasil7.
A gestora explicita em sua fala que a categoria tempo apresenta
especificidade, não observando a carga semântica implícita que carrega,
destacando apenas seu significado basilar, fazendo referência ao tempo
cronológico, sem mencionar o tempo subjetivo da criança, da consciên-
cia e emoções.
Ao ser concebido, o ser humano passa ao longo da vida por eta-
pas que são fundamentais para o seu desenvolvimento cognitivo. Ao longo
de sua vida apresenta características marcantes de cada fase, seja na in-
fância, adolescência e adultez, que poderão favorecer um melhor desen-
volvimento sócio-emocional e cognitivo.
É na escola, espaço de representações sociais e de sociodiversi-
dade, que irão interagir as crianças, adolescentes, jovens e adultos de
acordo com o seu papel social. Ao se pensar nesses tempos de existência,
requer a compreensão das concepções de infância e juventude em vivências
de pobreza como construção social. Mas, definir um conceito sobre estas
duas categorias não é uma trabalho fácil, uma vez que as interpretações
sobre o que é ser criança, jovem e adulto. São categorias, socialmente,
produzidas que adquirem diferentes significados em contextos históri-
cos, sociais e culturais distintos.
[...] ao se pensar as idades da vida, as relações entre asdimensões históricas, culturais, sociais e biológicas, pois,
7 Gestora, 2016.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)194
se há características universais (dadas pelas transformaçõesbiológicas) que acontecem numa determinada fase, é muitodiversificada a forma como cada sociedade – e no seuinterior, cada grupo social –, em um momento históricodeterminado, representa e convive com essastransformações (BRANDÃO, 1984, p. 7).
Nessa perspectiva, o modo de ver as infâncias e adolescências em
situação de pobreza, se molda de acordo com o conceito social, visto
como sujeitos com características físicas e opiniões diversas, ou como
coitados e incapazes. Dessa forma, sabe-se que no Brasil, apesar da
legislação ser comum a todos e o direito à educação escolar ser um direito
universal, como mostra o artigo 205 da constituição, nem todos têm as
mesmas oportunidades de forma igualitária:
A educação, direito de todos e dever do Estado e dafamília, será promovida e incentivada com acolaboração da sociedade, visando ao plenodesenvolvimento da pessoa, seu preparo para oexercício da cidadania e sua qualificação para otrabalho. (BRASIL, 1988).
Na infância, a criança não possui uma construção elaborada, mas
através de suas vivências e experiências, ela construirá paulatinamente a
sua realidade e o seu mundo de faz de conta. Nesta fase, a cultura lúdica
tem fundamental importância no desenvolvimento infantil, pois desde
os primórdios da civilização, vem sendo utilizada de forma coletiva para
o desenvolvimento das atividades pertinentes de sua tribo.
Todavia, o lúdico compreende uma gama de atividades que
possibilita o início de uma brincadeira, visando a produzir outra realidade
do seu cotidiano. É através da brincadeira que a criança desenvolve
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195Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
inúmeros conhecimentos, simula situações rotineiras de um adulto através
de sua representatividade, então,
[...] acredito que trabalhando de forma lúdica, o aluno,além de compreender, ele vai construindo posicionamentosvalorativos e morais, começará a questionarcontextualizando, passará dum aspecto abstrato àsubjetividade8.
Deste modo, destaca-se a importância de atividades
extracurriculares que também ensine sobre o mundo e tudo que nele há.
A pesquisa realizada permitiu constatar que, na cultura escolar,
cada sujeito apreende o tempo de forma diferenciada, mostrando-se nas
falas dos entrevistados seus modos ver e estar no mundo, bem como os
sentidos que se constroem em interações intersubjetivas sobre o controle
da frequência, acreditando que
Os alunos do programa bolsa família agora vão aprendermais porque não podem faltar, né? Se faltar muito perdema bolsa. Com essa regra eles aprendem, [...] Eu achoque para esses alunos valeu muito9.
O entendimento do professor entrevistado expresso em três
orações traz, contudo, alguns aspectos significativos a considerar. Será
que se pode mesmo afirmar que existe essa correlação entre “não fal-
tar” e “aprender mais”? Por um lado, o entrevistado expressa que o
aluno não pode faltar, senão perde a bolsa, o que caracteriza um condi-
cionamento em que o ganho da bolsa é a recompensa e a perda da
8 Professor, 2016.9 Professor, 2016.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)196
bolsa, a punição, numa perspectiva behaviorista; reconhece, porém, que
o aluno aprende também com realização de atividades lúdicas e espor-
tivas, destacando que as práticas escolares não se restringem a conteú-
dos curriculares.
O entrevistado defende o ponto de vista de que vale muito à pena
para os beneficiários o tempo empreendido, sugerindo, porém, que essas
atividades são menos importantes do que os conteúdos, ao atribuir risco/
medo de perder a bolsa como a principal razão de frequência e
permanência. A partir dessa constatação:
O passo urgente será fazer que essa nova cultura enovo tratamento do tempo, dos corpos e do direitoprimeiro à vida passem a redefinir os ordenamentos eos tratamentos no turno regular, nos tempos durosdas disciplinas, dos conteúdos, de suas sequenciações,do seu ensino-aprendizagem, das avaliações,retenções, rupturas de percursos e tempos de criançase adolescentes com vidas, corpos, vivências temporaise espaciais tão desumanas fora e tão esquecidas dentrodas escolas (ARROYO, 2012, p. 43).
Independentemente, da faixa etária cronológica, toda criança
deverá passar por etapas que terá como foco principal a brincadeira, cujo
papel no contexto escolar deve ser muito claro, bem como o acesso de
todos a ela, porque:
A criança que brinca livremente e no seu nível, à suamaneira, estão não somente explorando o mundo aoseu redor, mas, também comunicando sentimentos,idéias, fantasias, intercambiando o real e o imaginárionum terceiro espaço, de brincar e das futuras atividadesculturais. (MACHADO, 1999, p. 26).
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197Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Para este autor, o brincar é a primeira forma de cultura, sendo
esta um bem pertencente a todos permitindo a participação de ideais e
objetivos em comuns. Entretanto, existem alguns fatores que podem
influenciar o ato de brincar, como os fatores regionais e culturais que
apresentam formas de brincar diferente de cada região, assim como os
fatores contextuais que é também uma grande influência para as
brincadeiras infantis, pois elas se transformam conforme o contexto e os
fatores naturais que influenciam, em sua faixa etária.
De acordo com alguns teóricos, a brincadeira livre proporciona
uma sensação de liberdade e autonomia na criança, que passa a explorar
o seu mundo real e o seu imaginário de forma mais aguçada e concreta,
considerando que:
O direito a uma vivência digna do tempo da infânciaé precário quando as condições materiais de seu viversão precárias: moradia, espaços, vilas, favelas, ruas,comida, descanso. [...] as relações humanas, familiares,de cuidado e proteção dos tempos da infância sãoameaçadas quando as condições sociais, materiais eespaciais se deterioram. (ARROYO, 2012, p. 34).
Para ilustrar a ideia do autor, no contexto escolar podem-se
evidenciar crianças que vivem em situações de vulnerabilidade social,
por não possuírem moradia digna, saúde, rede de esgoto, coleta de lixo
e muito menos escola. Não há tempos dignos para brincadeiras, deixando
os sujeitos a todo tipo de violência e exploração dos adultos, que lhes
atribuem, em alguns casos, ainda responsabilidade de cuidar dos irmãos
menores ou mesmo ser provedor da sobrevivência pessoal e familiar.
O conceito de tempo no programa foi trabalhado a partir da ideia
de que o tempo é a própria vida que transcorre. Diante desta concepção,
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)198
analisaram-se os novos espaços educativos ofertados através dos
programas federais como Programa Mais Educação, Escola de Tempo
Integral e Escola Integrada que surgiram com a proposta de educação
integral, melhorias na educação pública, mais tempo na escola e novos
espaços de aprendizagem para a infância e adolescência populares.
De acordo Arroyo (2014), a proposta desses programas não pode
somente ampliar o tempo na escola, mas reorganizar os tempos e espaço
do viver da infância e adolescência, tornando-os mais próximo de um
digno e justo viver, uma vez que:
Quando este programa foi desenvolvido na escola,observou-se um grande índice de aproveitamento escolardos alunos. Pois se entendeu que a escola não é apenasum espaço para estudar, mas um local de aprendizagensétnicas, culturais e também lúdicas que só melhoram aaprendizagem da criança10.
O tempo que a criança e o adolescente permanecem na escola
requer qualidade e não a perpetuação de modelos tradicionais de
educação, uma vez que o tempo aluno permanecerá na escola se relaciona
com a qualidade de vida de alunos e professores.
Vejo que as comemorações cívicas ainda são muitoimportantes para a formação social do aluno, além deprogramas sociais voltados para o combate às drogas eviolência na escola11.
10 Pedagogo, 2016.11 Gestor, 2016.
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199Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
A vida não sofre intervalo com a ida da criança e do adolescente
à escola, ao contrário, é o espaço no qual eles se desenvolvem e aprendem
a se relacionam em contextos sociais mais amplos, construindo
aprendizados em processos culturais.
Na perspectiva de uma escola cidadã, é fundamental analisar o
acesso aos bens culturais, o tempo de acesso aos espaços públicos, direito
a educação, alimentação e saúde, a fim de promover uma educação de
qualidade, voltada para o desenvolvimento cognitivo, psicológico,
emocional e social de todos os atores da comunidade escolar em um
clima harmonioso para a construção da cidadania plena.
Portanto, os processos mais elementares de humanização, de
aprender a ser humano, de apreender a produção intelectual, ética e
cultural, função central da escola e da docência, estão condicionados aos
direitos mais básicos da vida: corpo, espaço e tempos humanos. São esses
direitos que acabam sendo cerceados em função de concepções
equivocadas da noção de tempo e espaço no âmbito escolar.
2.2 OS TEMPOS DA ESCOLA: TEMPOS DE PERMANÊNCIA, TEMPOS DAS
DISCIPLINAS E ATIVIDADES CURRICULARES
Na escola, o tempo objetivo, cronologicamente, determinado, traz,
em sua potência, a capacidade de sobrepujar o tempo emocional,
cognitivo, afetivo, impondo as regulações e exigências curriculares.
Vejamos o quanto é importante abordar essas questões de forma teórico-
prática, buscando vislumbrar soluções, mesmo que provisórias para a
melhoria da qualidade de ensino e aprendizagem no interior da escola.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)200
2.2.1 Tempo de Compreender o Lugar e Valor dos Tempos numa PráticaPedagógica
Partindo da experiência de um tempo de convivência em orientação
de TCC do Programa EEPDS, foi possível constatar, em meio às temáticas
dos ateliês, que a categoria “tempos” proposta do ateliê 4, não foi
assimilada adequadamente pelo grupo de cursistas.
Evidenciou-se, através dos dados das pesquisas empíricas, o
desconhecimento sobre o valor epistemológico do termo quanto ao teor
de subjetivação temporal:
O aluno não se compreende como pobre a partir desteconceito, por isso é muito importante discutir sobre isso,pois o aluno não compreende que, ao ser desprovido debens e materiais, ele terá muitas dificuldades em escolhasjustas. Partindo disso eu procuro trabalhar em sala deaula questões como injustiça social, direitos e deveresindividuais e coletivos12.
O tempo subjetivo é largado à margem, não acompanhando de
modo a dosar as diretrizes, as estruturas curriculares, os planejamentos,
as formações, ficando no tempo dos discursos vazios “Devido esse
engessamento o tempo disponível é quase irrisório”13, reduzindo à
compreensão desse tempo diverso ao tempo cronológico.
É necessário que a categoria “tempo”, na prática pedagógica possa
ser, em cada comunidade de realidade distinta, fruto de uma herança
teórica de formação, concebida nos movimentos de reflexão-produção e
12 Gestor, 2016.13 Professor, 2016.
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201Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
não apenas discursos vazios de ideários de inclusão, pois, se na base de
formação não houver a reflexão da subjetivação dos tempos de modo
coerente, os discursos vazios nas formações continuadas não se
sustentarão.
Em se tratando dos temas extracurriculares, “Pode-se discutir, mas
não pode registrar, assim vai dar a entender que não valerá de nada trabalhar
isso”14. Como afirma Becker (2012, p. 50): “[...] a impressão que me passa
é a de que a escola tem como hábito fazer de conta que os acontecimentos”
do tempo social, subjetivo “nada tem a ver consigo”, pois:
[...] alguns alunos recebem a bolsa família, mas nãocompreendem como se dá o processo e, também, não têminteresse, por isso, percebo que se trabalhar a coisapropriamente dita, não haverá interesse15.
Se a cultura escolar, através dos atores do processo de ensino-
aprendizagem, especialmente, o professor, não construir um referencial
teórico que inclua em sua prática pedagógica concepções epistemológicas
de subjetivação do tempo, não haverá modo de sustentar o discurso dessas
formações a posteriori.
É necessário refletir os “tempos” de aprendizagens desde que, na
prática, se respeite os tempos de cada sujeito, e cada tempo em particular,
pois se constatou, com base na interação com os cursistas e com os dados
das pesquisas realizadas é que o tempo subjetivo não é respeitado, ou é
entendido em meio à passividade, ou seja, até se reconhece que existam
os diferentes tempos a se respeitar e que são importantes, mas não se faz
14 Professor, 2016.15 Gestor, 2016.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)202
nada para mudar a realidade da predominância, para se valorizar o tempo
subjetivo, cronológico, impassível, irreversível.
3 A REPRODUÇÃO E RESISTÊNCIA À POBREZA NOS ESPAÇOS E TEMPOSDA ESCOLA
A escola é um espaço onde transcorre a vida, é tempo plural,
como plurais são o sujeito e suas ações. Os muitos e diversos atores que
constituem a escola e a fazem funcionar produzem cultura no dia-a-dia, a
partir da reprodução da hierarquia de poder como extensão da vida em
sociedade.
3.1 A ESCOLA ENTRE O MESMO E O DIFERENTE
Embora, a pesquisa realizada tenha revelado que há iniciativas de
sujeitos da equipe pedagógica em inovar suas práticas, o fazer escolar
manifesta resistências às transformações, “[...] porque a criança e o jovem
não apresentam interesse em desenvolver e nem aprender”16. Esta visão
pessimista sobre o sujeito do aprendizado escolar impõe ações urgentes
no plano da formação do professor, conforme objetivos do curso de pós-
graduação que originou este trabalho de pesquisa.
Por comodismo, insegurança ou falta de autonomia, o professor
do Ensino Básico tem feito a opção de reproduzir práticas tradicionais de
ensino, em geral, descoladas da diversidade cultural, focando fortemente
nos conteúdos curriculares em detrimento do protagonismo social e
autonomia, por considerar que:
16 Professor, 2016.
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203Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
[...] nos dias atuais é muito complicado trabalhar essestemas porque os alunos têm dificuldades de discutir arealidade onde estão inseridos, devido à escola sepreocupar apenas com os assuntos tradicionais 17.
É como se os alunos devessem desenvolver as habilidades de
“compreender e discutir a realidade” fora da escola para facilitar o trabalho
do professor, ao invés de este preparar situações didáticas para
potencializar esse desenvolvimento. É claro que a percepção das realidades
é habilidade que não depende só da escola, depende também da
convivência do aprendiz nos vários espaços que transita. Mas, cabe à
escola ajudá-lo a organizar, estruturar, sistematizar as suas compreensões
em torno das realidades.
Uma reflexão se faz necessária sobre os processos de formação
do professor, que se submete, sem questionar e sem resistir minimamente,
à reprodução e registro de “[...] conteúdos no diário de acordo como está
na proposta curricular, dificultando a flexibilidade dos assuntos, bem como
a diversidade temática”18.
O entendimento de “habitus” é proposto por Bourdieu (1989)
como uma matriz de percepções, apreciações e ações que fornece
“esquemas” necessários para a nossa intervenção na vida diária, isto é, o
aprendizado social ou cultural necessário à produção da vida. Não há
sinais na fala do entrevistado de que ele se dê conta de que está se
colocando em um lugar que jamais deveria ocupar dada a sua importância
social, o lugar de oprimido e vítima da tirania das secretarias de ensino.
Sendo um produto da história, o “habitus” é um sistema subjetivo
interiorizado, mas aberto, por não ter disposições fixas; depara-se o tempo
17 Professor, 2016.18 Professor, 2016.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)204
todo com novas experiências, afetando-as e vindo a ser afetado por elas,
provocando transformações na realidade objetiva e subjetiva; é
conhecimento adquirido e prática incorporada da estrutura social no
agente em ação; é poder simbólico que classifica os símbolos de acordo
com a existência ou ausência de um código de valores; é também
subjetividade socializada.
A pressão social existe, de fato, nas relações institucionais, mas
evidenciou-se que há sinais de disposição em resistir à manutenção das
antigas práticas, sendo fundamental, contudo, como diz um professor,
apreender a dimensão crítica em relação à realidade e ao fazer pedagógico:
Trazer a realidade do aluno para discussão, pois nãoadianta ensinar pobreza africana ou nordestina, sem queo aluno aprenda que seu direito é cerceado quando eleadentra a um ônibus escolar, parecendo um carro decarregar bois; que ele pode estudar numa escola que ficaa 30 km de onde mora, sem evocar o ECA, a DUDH. Épossível discutir e ensinar, sempre digo, e é possível oaluno questionar e aprender19.
Tais como fórmulas exatas e infalíveis, as práticas pedagógicas se
reproduzem com técnicas replicáveis a despeito dos tempos e dos espaços
diferenciados e específicos, entretanto, mesmo prevalecendo velhas
práticas de ensino e tendência pedagógica de abordagem tradicional, é
possível identificar sujeitos docentes a protagonizar fazeres autênticos,
ao considerarem que “A escola também deve fazer seu papel: formadora,
motivacional, dinâmica e acessível”20.
19 Professor, 2016.20 Gestor, 2016.
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205Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
O professor deixa suas marcas particulares ao longo dos processos
de ensino-aprendizagem, “[...] tentando retrabalhar os erros, elencando
para eles os erros mais usuais e, também, os acertos deles para que os erros
sejam corrigidos e os acertos positivos, sejam mantidos”21. Além disso,
“Sempre procuro em aulas temáticas desenvolver esses assuntos, mas vemos
desinteresses por uma parte dos alunos”22. Ele se manifesta contrariamente
a “Trabalhar esses assuntos como são propostos, pois seria fazer manobra
para o governo, [...] sendo conivente”23.
Constatou-se também, nas falas de alguns entrevistados, o desejo
do trabalho diferente do comum, para evitar a mera reprodução sem refletir
sobre os processos. Por essa razão:
Trabalho essa temática, propondo uma provocação,perguntando: Como seria a sociedade mais pobre sem essesprogramas?[...] Eu prefiro que o aluno reveja seu papel,construa novas possibilidades realizando atividadescoletivas e de grupos com discussões de temascontextualizando a realidade do alunado24.
Nessa fala do professor, se expressam atitude consciente e
habilidades requeridas ao professor como mediador (GADOTTI, 2004) ao
trazer à discussão temas que subsidiem o aprendizado significativo, a
autonomia e o protagonismo social, isto é, “Em sala de aula a participação
é maior, onde é possível discutir os temas da atualidade”25. A partir da
realidade da comunidade para um plano mais geral dos problemas
21 Professor, 2016.22 Professor, 2016.23 Professor, 2016.24 Professor, 2016.25 Professor, 2016.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)206
nacionais e globais, os temas são tratados, a fim de se pensar e agir com
vistas ao direito de acesso aos direitos individuais e coletivos,
promovendo e possibilitando assim a compreensão e o enfrentamento
dos problemas sociais.
Esses temas proporcionam aos alunos a oportunidade de “[...]
serem corresponsáveis por suas ações”26, postura indispensável ao
protagonismo social e à compreensão de que “[...] podem melhorar o
mundo em que vivem, mas devem começar primeiro pelo local onde moram”27,
considerando o conhecimento e a familiaridade com os problemas da
realidade vivida.
4 OS MODELOS PADRONIZADOS DE FUNCIONAMENTO ESCOLAR
A pós-modernidade transcorre com antigos desafios a superar,
dos quais se destaca a necessidade de transformar a sociedade e, por
conseguinte, a escola. Considerando o modelo de escola e de cultura
escolar hegemônico em nossa sociedade, surgido com o nascimento do
Estado-Nação, da necessidade de se ter uma única cultura circunscrita a
um único território:
[...] a escola pode disseminar ideias, informar, politizaro indivíduo, mas a transformação só acontece se houvermudança nos aspectos econômicos, com mais igualdade28.
26 Professor, 2016.27 Professor, 2016.28 Gestor, 2016.
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207Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
No entendimento de (LEITE, 2014, p. 8), o modelo de escola que
se tem não dialoga com a realidade construída na pós-modernidade, pois
tem sido considerada como um motor de desenvolvimento, quando se
sabe que há muitas determinações a influenciar o desenvolvimento da
sociedade. A escola é uma instituição social que carrega as promessas da
Modernidade relativas ao progresso e ao desenvolvimento individual e
social de seus cidadãos, a partir do controle da natureza. Mas as
expectativas relativas à ideia de que o processo de escolarização reverteria
na melhora da qualidade de vida e na formação de uma sociedade mais
igualitária apresentaram muitos contrapontos ligados ao insucesso, ao
abandono de seus estudantes e à precarização da escola.
Ao deixarem de se cumprir as promessas da modernidade, o
progresso alcançado com o avanço das ideias e da ciência não se
reverteram em benefício da totalidade das sociedades, de tal modo que
muitas populações não têm tido seus direitos básicos respeitados.
Algumas escolas pesquisadas passaram, porém, a ser:
[...] ponto de referência para as ações da comunidade.As articulações do espaço e o entorno possibilitaramminimizar as desigualdades sociais considerando as váriasações ao longo do ano, como Juizado itinerante, carretasde saúde, palestras educativas como o combate a dengue,queimadas entre outras29.
A escola se torna uma fonte rica de exemplos de como a realidade
pode ser transformada, com a participação de outras instituições em
benefício da comunidade, com sua participação efetiva, aproximando-a
29 Gestor, 2016.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)208
de seus direitos de cidadão pleno, constatando-se que é possível “[...]
melhorar o futuro dos nossos filhos, com o apoio da escola [...] na escola do
meu filho existe uma bela horta que ajuda na alimentação das crianças”30.
Além disso,
[...] esse programa, o Bolsa Família, tem possibilitadomudanças e novas perspectivas de vida. As pessoas quefazem parte deste programa têm incentivo, que emmomentos anteriores a ele, não tinham, como cursosgratuitos, acompanhamento regular da saúde, tem apossibilidade de participar de programas de moradias comoo Minha casa, minha vida31.
A escola que participa dos programas sociais públicos se torna
um espaço potencialmente emancipador.
Os programas sociais públicos não representam, portanto, sim-
ples medidas assistencialistas, já que visam à inclusão de seus beneficiários
no corpo político, contrariamente à reprodução do discurso
discriminatório, preconceituoso e estereotipado de que os pobres prefe-
rem viver do Programa Bolsa Família, ao invés de trabalhar (PINZANI;
REGO, 2014, p. 226-233).
Durante os encontros presenciais, contudo, verificou-se que al-
guns cursistas, mesmo sendo eles próprios beneficiários do PBF, com
história emancipatória no âmbito do referido programa, manifestavam
em seus discursos traços discriminatórios em relação a outros
beneficiários sem, contudo, apresentarem argumentos para validar seus
pontos de vista contrários à concessão de bolsa família ao público
30 Beneficiário do PBF, 2016.31 Gestor, 2016.
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209Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
concernido e, mesmo diante de seus relatos pessoais sobre os benefícios
e as conquistas que o PBF lhes proporcionara, não defendem sua conti-
nuidade por considerarem que as pessoas não aproveitam como elas pen-
sam que tem que ser, com base em resultados idealizados.
Algumas falas de cursistas e entrevistados engrossaram, porém,
um coro de vozes que se mostraram reacionárias, no que diz respeito aos
programas sociais que minimizam a pobreza, porque o entendimento
coletivo é que “[...] não poderia ser o mecanismo favorito dos políticos de
manter as pessoas incompetentes com a vida”32. Pode-se entender que o
PBF é visto como um mero programa de distribuição de recursos financeiros,
cuja consequência seria a dependência, mas esses posicionamentos
contrários não se aprofundam nas diversas falas, concluindo-se que há
resistência ao combate à pobreza e defesa da meritocracia.
O valor recebido pelas famílias é, na verdade, complementar à
baixa renda de famílias consideradas pobres, portanto, usado para gastos
com material escolar para as crianças, roupas, sapatos e alimentos,
conforme os dados apreendidos na pesquisa desenvolvida, sendo o uso
do valor da bolsa um aprendizado importante, para além dos conteúdos
curriculares. Desenvolver-se em ambientes inclusivos, ser aceito, interagir
em grupos sociais diversos e fazer uso do dinheiro recebido também são
aprendizados importantes para a vida, finalidade maior da educação.
4.1 A TRANSFORMAÇÃO POSSÍVEL
O direito a ser diferente é o que produz a igualdade, isto é, não se
educa para a homogeneidade o que é diverso na origem, sem impor
32 Cursista, 2016.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)210
violência física ou simbólica e infligir o sofrimento humano e a dor
existencial. A diferença, ao contrário das vozes da cultura dominante, é
riqueza, não pobreza. Não é necessário, portanto, reduzi-la a pó, mas
conhecê-la a partir de pesquisas e registros do professor com base em
suas vivências no espaço escolar e seu papel no processo de ensino-
aprendizagem.
A escola deve ser emancipatória e flexível, respeitando-se os
diferentes pontos de vista que emergem da interação com a realidade
vivenciada pelos alunos, pois:
[...] quando questionamos a compostagem da escola,que era feito ao céu aberto, provocando mau cheiro epossível atração de insetos e outros bichos como o rato. Oprofessor falou que podíamos ir até a diretora e falardisso, mas pediu que fizéssemos sem bagunça. Econseguimos! Outro exemplo é o resultado da negociaçãoa que se chegou sobre as provas e as pesquisas cujasdatas são marcadas ora pelos alunos ora pelo professor33.
Ao tomar conhecimento da diversidade de sua sala de aula, de sua
escola e comunidade, o professor terá condições de planejar, coerentemente,
suas ações e práticas educativas ora como sujeito ora como meio pelo qual
a criança tem acesso ao conhecimento e o produz, pois,
Todos os espaços são entendidos como minimizadores dapobreza. Esses espaços só se tornam reprodutores dasdesigualdades, se não houver interferência positiva porparte dos educadores34.
33 Aluno, 2016.34 Gestor, 2016.
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211Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Reconhecem-se, então, as habilidades necessárias aos educadores
para que as práticas sejam emancipadoras: conhecimento, autonomia e
protagonismo. O registro de experiências docentes marca os resultados
de trabalhos realizados na sala e em outros espaços, os quais revelam
atitudes ativas de adultos e crianças e assim poder constar que:
As crianças estão mais presentes nas escolas, e as famíliaspuderam ter um acompanhamento educacional e de saúde.Tendo prioridade nos Programas de Governo, tanto noque se refere à moradia quanto à formação35.
A exposição desses processos de trabalho em painéis, varais,
paredes, dentre outras possibilidades, denota uma forma de valorizá-
los, avaliá-los e, também, permitir à comunidade escolar e à família sua
apreciação (LIMA; MELLO, 2006, p. 68).
A homogeneidade é uma ilusão em qualquer contexto, portanto,
é necessário abandonar o desejo de homogeneizar, querer tornar todos
iguais, porque é no direito à diferença que nos tornamos iguais e, deste
modo, emerge a escola como espaço das expressões infantis, dos modos
específicos da criança se apropriar de novos conhecimentos, de objetivar
seus aprendizados e de externar seu modo de relacionar-se com o mundo
(LIMA; MELLO, 2006, p. 68).
Para Ferreiro (2002) a diversidade sempre foi um desafio,
considerando que a escola busca homogeneizar os processos educativos,
desrespeitando principalmente as minorias étnicas, às quais se negam os
hábitos e expressões culturais, como se constatou:
35 Professor, 2016.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)212
Na área da pesquisa, onde existe um grupo de índios oqual já foi questionado quanto ao uso das indumentáriasindígenas no ônibus escolar, o que é um contraste, poisas outras crianças usam boné e não sofrem advertências.E no Dia do Índio todas as crianças são caracterizadascomo um índio genérico36.
Para atender crianças indígenas, componentes de um contexto
plural de uma das escolas pesquisadas, é preciso primeiro entender o
mundo em que ela está inserida: ambiente, cotidiano e brincadeiras. Elas
participam de tudo o que acontece em sua aldeia, sendo esta uma grande
fonte de conhecimentos ancestrais, não contemplados no currículo escolar
urbano. A diversidade é invisibilizada, não se permitindo a expressão
cultural dos diversos grupos sociais étnicos e religiosos. Do mesmo modo,
a pluralidade de gênero é tratada como indesejável e a combater,
impedindo que os alunos se desenvolvam plenamente nos espaços e tempos
da escola.
A submissão da diversidade cultural a uma cultura dominante e,
só serve à manutenção do status quo e não às mudanças necessárias na
base da sociedade para que plantemos no presente a justiça social que
desejamos vivenciar no futuro, combatendo o uso de termos pejorativos
e tendenciosos para se referir aos grupos minoritários e condicioná-los à
meritocracia como antídoto à pobreza.
O investimento em ações de formação continuada para a equipe
pedagógica e gestão escolar com extensão à comunidade se faz necessária
para a aproximação dos diversos agentes, a fim de que os direitos sejam
respeitados e não se pense que os diferentes “[...] vêm sempre cheios de
36 Beneficiário do PBF, 2016.
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213Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
direitos”37, quando tudo o que eles desejam são os mesmos direitos dos
que se consideram iguais. Isto é, sentir-se valorizado em seus respectivos
tempos e pertencentes ao espaço e à cultura escolar.
Em se tratando dessas questões relacionadas ao tempo e espaço,
vimos que são categorias que os cursistas demonstraram dificuldade em
compreender durante as orientações para o desenvolvimento da pesquisa
e elaboração do TCC. Nos encontros presenciais, ficou evidente a
necessidade de prosseguirem em formações continuadas que lhes
permitam superar os paradigmas manifestados em pontos de vistas
preconceituosos e discriminatórios, que reproduzem os discursos da classe
dominante que perpetua a pobreza e a manutenção da hierarquia das
classes sociais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados da pesquisa evidenciaram que as escolas demonstram
esforços para desenvolver um trabalho pedagógico que possibilite a
emancipação e a não exclusão de seus sujeitos, através de um leque variado
de atividades culturais e de ensino. Contudo, ainda é notável uma cultura
discriminatória, uma vez que os temas relacionados à pobreza e às
diferenças individuais e a própria desigualdade social não se constituem
como objeto de ressignificação do currículo e reorganização dos espaços
para o desenvolvimento dos processos pedagógicos, comprometendo,
portanto, o próprio desenvolvimento e aprendizagem das crianças de
várias camadas sociais.
37 Pedagoga, 2016.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)214
Nessa diversidade de coletivos, inserem-se os beneficiários do
Programa Bolsa Família que ao serem tratados como “iguais” não são
reconhecidos em seus processos de desenvolvimento e suas condições
materiais e trajetórias de vida. Como consequência dessa pseudo
igualdade, as crianças que não respondem às demandas curriculares
impostas pela escola, acabam não sendo reconhecidas, isto é, tornam-se
invisíveis, ampliando as estatísticas da pobreza e a reprodução das
desigualdades sociais.
Por outro lado, a pesquisa aponta a falta de compreensão dos
profissionais da escola acerca das bases teóricas, das orientações legais
e diretrizes curriculares acerca dos conceitos de tempo e espaço como
elementos que contribuem com os processos de constituição dos sujeitos,
como também na organização dos processos pedagógicos tais como: a
organização e desenvolvimento curricular. A concepção que esses
profissionais apresentam sobre tempo e espaço é física, estrutural e
burocrática na medida em que se resume à estrutura física e divisão da
escola em salas de aulas, refeitório, quadra esportiva etc. Como mostra a
análise da fala de uma cursista,
[...] pode-se afirmar que a pobreza e as desigualdadessociais são reproduzidas quando a escola carece nãoapenas de espaços com condições ambientais favoráveisao desenvolvimento e aprendizagem da criança, mas,sobretudo, quando não existem condições materiais emseus espaços que favoreçam o acesso das crianças àaquisição de bens simbólicos e culturais produzidos pelohomem. Mas empobrecedor é ainda quando a escola nãomedeia e nem potencializa as interações da criança emseu entorno no sentido de levá-la a exercer plenamentesua cidadania no espaço público da/com a cidade38.
38 Cursista, 2017.
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215Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Com base nas reflexões tecidas no texto, constata-se que os
impactos do Programa Bolsa Família são residuais por garantir a presença
da criança na escola pelo critério da frequência, mas que isto não incide,
significativamente, na qualidade da aprendizagem e na diminuição da
pobreza. Seriam necessárias tomadas de decisão eficazes, que viessem
atingir as estruturas sociais, não jogando a responsabilidade para o
estudante, para a comunidade e para a sociedade, em geral. Mas, que as
autoridades do País vislumbrassem políticas públicas que melhorassem a
qualidade de vida das demandas escolares.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)218
Pobreza e Currículo: uma análise sobrediferentes realidades escolares no Estado doAmazonas
Valdete da Luz Carneiro | Isamara da Silva Ohana
Josete da Silva Ohana
5
INTRODUÇÃO
Historicamente, a formação social da população brasileira está
constituída por uma diversidade de povos e origens. Como observa
Emanuel Mariano Tadei (2002)1, em seu artigo “A mestiçagem enquanto
um dispositivo de poder e a constituição de nossa identidade nacional” o
dispositivo de mestiçagem tem sido alvo de um interesse internacional o
que é possível destacar na fala de Michel Serres, quando de sua entrevista
no programa Roda Viva, da TV Cultura, exibido em 08/11/1999, por
ocasião de sua estada no Brasil para participar do Congresso Internacional
do Desenvolvimento Humano, realizado pela Universidade São Marcos. A
Serres foi perguntado: “O senhor chegou a pensar e escrever sobre o
Brasil. Sobre esse grande caldeirão de raças que é o Brasil. O que isso é
bom ou ruim para o Brasil (esse caldeirão de raças)?”
1 Ver Emanuel Mariano Tadei http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932002000400002. Acesso em: 25 maio 2017.
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219Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Em sua resposta, Michel Serres apontou os problemas que a
globalização tem trazido, recentemente, pois ela cria uma porosidade
(grifo nosso) entre as fronteiras, afetando as pessoas. Além, disso, ele
menciona o problema das guerras mundiais, que tanto preocupam a
humanidade. Em seguida, ele diz que:
No Brasil, o que me encanta à minha volta é que amaioria dos brasileiros tem uma genealogia totalmentecruzada, múltipla, complexa, extremamente rica, e que,em seus corpos vivos, há muito tempo, eles atenuaramos conflitos de hoje. Escrevi um livro, muito maistarde, que chamei ‘O Terceiro Instruído’ e foi traduzidopor um belo título em português onde aparece oadjetivo ‘mestiço’ [Filosofia Mestiça]. E, nesse livro,eu dizia que todo processo de conhecimento é umamestiçagem. Porque, quando falamos outra língua, elamento muito não falar o português, temos um outrocorpo. Quando pensamos em outra ciência, entramosem outro ser humano. E, de tanto falar línguasdiferentes, de tanto conhecer disciplinas diferentes,fabricamos em nós um mestiço. E há, no conhecimentomestiço, uma espécie de paz entre as disciplinas, umaespécie de armistício entre as oposições do saber. Éuma imagem intelectual do que aconteceu na vida realno Brasil. Vocês conseguiram tantas mestiçagens entretodas as populações do mundo porque, no Brasil, omundo inteiro está representado: asiáticos, europeus,americanos, nativos da América, do Hemisfério Sul,etc. Portanto, vocês conseguiram tão bem, na paz,este tipo de mestiçagem, que creio que deveriam terconsciência de que têm o modelo das soluçõesrequeridas hoje pelas guerras mundiais.
Nesse artigo, Tadei (2002) ressaltava a importância de observar
que o dispositivo de mestiçagem foi alvo de um interesse internacional,
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)220
mais, especificamente, entre os intelectuais franceses, os quais parecem
haver vislumbrado a possibilidade de usar esse dispositivo, tão bem
sucedido no Brasil, para resolver seus problemas locais. Naquela
conjuntura, a Europa sofria muito com os problemas raciais, num momento
em que discutia a integração dos vários países no Mercado Comum
Europeu. Contexto em que Michel Serres, um pensador bem intencionado,
via no caso particular do Brasil um modelo que poderia ser adotado para
solucionar os problemas europeus e mundiais; e avaliava que a
mestiçagem, tão criticada em outros tempos, por ter sido considerada a
principal causa de nossas mazelas sociais passou a ser considerada como
fator capaz de promover a paz e a harmonia entre os vários povos e
nações.
Essas ideias apontam um cenário plural das culturas e, também,
de posturas e práticas discriminatórias e autoritárias, as quais, de acordo
com Santos (s.d.), camufladas pelo “humor” desqualificam pessoas por
sua origem social e regional; e veladas na forma da fraternidade autoritária,
como soe ser o domínio dos Senhores de Engenho sobre toda e qualquer
propriedade, além de ter poder de vida e morte sobre tudo e sobre todos
os seus, impondo ostensiva e, autoritariamente, seus valores sobre os
demais membros da sociedade (RIBEIRO, 1995 apud SANTOS, s.d.),
puderam se esconder atrás de uma pseudo “cordialidade” e de uma pseudo
“pacífica convivência” (RIBEIRO, 1995 apud SANTOS, s.d.), culminando
na falsa crença de que existe efetivamente no Brasil uma democracia racial,
onde todos os cidadãos seriam iguais perante a lei conforme reza [...] a
Constituição Brasileira (BRASIL, 1988).
Na realidade amazônica essa questão não é diferente e,
acompanhada dessa diversidade sócio-cultural, estão presentes também
todos os conflitos advindos dessa pluralidade cultural. Há algum tempo
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221Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
já se vem discutindo sobre essas temáticas nas universidades de modo
geral e, de modo particular, no Fórum de Reitores das Instituições
Federais de Ensino Superior da Região Norte – Em Defesa dos Interesses
da Região Norte.
Intelectuais (representados por cursistas, mestres e doutores) e
comunitários (representados por associações, instituições parceiras e
outras organizações) têm dialogado com vistas a refletir e instaurar ações
que façam avançar as práticas de reconhecimento dessas diversidades e
de convivência respeitosa entre os diferentes. Entretanto, essa discussão
tem chegado ao campo educacional de forma precária. Frente às
adversidades ainda está muito incipiente a força da possibilidade real de
transformação das relações pedagógico-sociais e históricas que superem
as formas discriminatórias e violentas que fazem predominar a exclusão
e as desigualdades educacionais.
A partir do Programa Bolsa Família alguma mudança passa a ser
introduzida nesse contexto, no interior das escolas onde atuam os
profissionais da educação engajados neste processo de formação superior.
As discussões e reflexões acerca de temáticas antes esquecidas – como
oportunidades iguais de acesso à educação para superar as desigualdades,
atendimento qualificado aos pobres e suas vivências, dentre outros temas
- passaram a ser mais freqüentes nas rodas de conversas e nas discussões
travadas por esses sujeitos, na própria comunidade escolar.
O Estatuto da Criança e Adolescente – ECA – Lei n° 8069, de 13 de
julho de 1990 – representou um grande avanço ao estabelecer no seu
Art. 4º, em conformidade com o Art. 227 da CF/1988, que:
É dever da família, da comunidade, da sociedade emgeral e do poder público assegurar, com absoluta
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prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida,à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, aolazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, aorespeito, à liberdade e à convivência familiar ecomunitária (BRASIL, 1990, s.p.).
Entretanto, mesmo com todos os avanços ocorridos nos últimos
anos, apoiados pela legislação, ainda são muito presentes as formas de
exclusão e dentre os excluídos, encontram-se pessoas classificadas em
grupos e reduzidas a “categorias” que percolam a dignidade humana de
pessoas pobres, negros, índios, entre outros ainda mais discriminados
como mulheres, gays, lésbicas, moradores de rua, seres submetidos à
desqualificação por sua origem étnica, econômica e social.
Atualmente, em meio a contradições e lutas travadas nos contex-
tos em que as relações de forças se dão de forma desigual, muitos países
do mundo globalizado estabeleceram, numa nova Agenda de Desenvol-
vimento Sustentável Pós-2015, a promessa de inclusão plena de cada
pessoa no processo de desenvolvimento como oportunidade. Oficialmente
adotada pelos Chefes de Estado e de Governo do mundo todo na “Cúpula
das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável 2015”, essa Agen-
da representou o anúncio do compromisso desses líderes com o desen-
volvimento sustentável e com a materialização do “Futuro que Quere-
mos”, consubstanciado na denominada Agenda 2030. Nela estão defini-
dos o conjunto de programas, as ações e as diretrizes que orientarão os
trabalhos das Nações Unidas e de seus países membros rumo ao desen-
volvimento sustentável, em suas três dimensões: social, econômica e
ambiental.
A referida Agenda propõe 17 Objetivos do Desenvolvimento Sus-
tentável (ODS) e 169 metas correspondentes, fruto do consenso obtido
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223Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
pelos delegados dos Estados-membros da ONU. Sua operacionalização
está em processo desde janeiro de 2016 e se estenderá até o ano de
2030. Tal consenso se fundamenta no reconhecimento de dois movimen-
tos importantes: que o mundo se encontra num momento de enormes
desafios para o desenvolvimento sustentável, pois bilhões de cidadãos
continuam a viver na pobreza e a eles é negada uma vida digna; e que a
erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões, incluindo
a pobreza extrema, é o maior desafio global e um requisito indispensável
para o desenvolvimento sustentável.2
Essa é uma demonstração de que o mundo, formalmente, se une,
a fim de trabalhar para a superação da pobreza, com a inclusão de cada
pessoa, uma vez que a promessa é para que ninguém seja excluído (ne-
nhum a menos). A proposição de Objetivos interdependentes, cuja
operacionalização requer boas práticas e sólidas parcerias, estimula cada
individuo a conhecer e compreender os processos que produzem e repro-
duzem a pobreza e a opressão, com a intenção de que todos assumam
novas atitudes para ultrapassá-las.
Neste contexto, a compreensão de que “[...] a pobreza é um fenô-
meno social, histórico e complexo e, como tal, exige cuidados para não
ser interpretado de um modo reducionista” (GARCIA, 2009, p.112). Ca-
naliza a discussão para uma polêmica ampla e controversa sobre o papel
da educação na sua relação necessária com o conhecimento e sua recons-
trução; com as emoções humanas e sua relevância para a aprendizagem,
na perspectiva da finalidade da educação brasileira, cujo cerne é o pleno
desenvolvimento de cada pessoa/seu preparo para a cidadania e forma-
2 Ver a Agenda 2030 - Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/desenvolvimento-sustentavel-e-meio-ambiente/135-agenda-de-desenvolvimento-pos-2015.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)224
ção para o trabalho, no sentido da sua omnilateralidade; bem como sua
redução à instrução a serviço do poder.
Muitas pesquisas mostram a educação na sua relação com o co-
nhecimento como um importante caminho para superar as situações de
pobreza, desigualdades e injustiça estrutural. Pedro Demo informa que a
própria ONU, por meio do PNUD tem produzido, desde 1990, os Relatóri-
os do Desenvolvimento Humano, os quais apresentam o ranking dos pa-
íses membros baseado nos indicadores de: educação; expectativa de vida;
e poder de compra. Afirma que tais indicadores estão escalonados de
acordo com sua relação mais estreita com a capacidade de fazer e fazer-se
oportunidade.
Dessa forma, os indicadores educação e expectativa de vida ocu-
pam os primeiros lugares como promotores da qualidade política da po-
pulação, significando sua valorização superior para o desenvolvimento
dos países. Isso, em relação às condições econômicas, colocadas em ter-
ceiro plano nessa perspectiva do desenvolvimento como “oportunida-
de”, em que a educação pode ser reconhecida como fator principal da
invenção de oportunidades, o que tem levado a aceitar que a carência
material não seria o centro da pobreza, mas a ignorância (pobreza polí-tica) (DEMO, 2000 p. 14-15).
Nessa direção, os conteúdos, os métodos e as formas que consti-
tuem o cerne do desenvolvimento da educação formal ensejam a necessi-
dade de uma atenção especial ao currículo escolar. Este deve estar
contextualizado, no sentido de produzir-se e desenvolver-se na sua com-
plexa relação com as pessoas que vivem em situação de pobreza, com os
conhecimentos científicos e populares, com a formação do cidadão.
De acordo com Sacristán (2000, p. 36), o currículo pode ser assim
definido: “[...] um projeto seletivo de cultura, cultural, social, política e
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225Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
administrativamente condicionado, que preenche a atividade escolar e
que se torna realidade dentro das condições da escola tal como se acha
configurada”.
Dessa forma, o currículo, tecido na complexidade dos saberes ci-
entíficos e populares, articula, organicamente, conteúdos culturais que
compõem a proposta educacional da escola, e que, ao mesmo tempo,
ultrapassam os muros desta. O currículo, assim constituído, deve refletir
tanto as aspirações educativas no âmbito formal/científico, quanto aten-
der aos anseios e saberes da comunidade na qual a escola está inserida.
Os questionamentos suscitados neste trabalho decorrem dos re-
sultados da investigação pedagógica realizada pelos cursistas durante o
desenvolvimento da sua formação no CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDU-
CAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL (EEPDS). A exposição desses
resultados tem por objetivo alimentar uma discussão e reflexão sobre o
currículo atual, a partir do diálogo sobre pobreza e suas vítimas, os po-
bres, valores éticos e a inclusão do Programa Bolsa Família (PBF) no
contexto escolar.
A intenção é a de contribuir para possibilitar uma mudança de
postura, de pensamento e ação (práxis) de profissionais da educação e
das pessoas em geral, frente a estas problemáticas, desafios, ameaças de
retrocesso em relação aos avanços até então alcançados. Tais avanços
são, especialmente, em relação à inclusão, com qualidade, para acesso/
permanência/sucesso das pessoas em estado de pobreza na escola.
O universo da pesquisa contemplou quinze escolas do sistema
estadual de ensino das redes públicas municipais da área urbana e rural
do Estado do Amazonas dos municípios de Autazes, Maraã, Manacapuru,
Manaquiri e Novo Airão. Os sujeitos da pesquisa foram gestores escola-
res, coordenadores pedagógicos, professores, alunos e pais beneficiários
do Programa Bolsa Família, comunitários e os próprios cursistas da EEPDS.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)226
Durante o Modulo V – Pobreza e Currículo: uma complexa articu-
lação, desenvolvido no Curso de Especialização, Educação, Pobreza e De-
sigualdade Social foi realizada a pesquisa empírica e bibliográfica com
uma abordagem qualitativa, na qual os cursistas utilizaram como instru-
mento de coleta de dados a entrevista com questões semiestruturadas
direcionadas aos participantes, conforme aparecem abaixo.
As perguntas 1 e 2 foram dirigidas para gestores, coordenado-res pedagógicos e professores com o seguinte teor: – pergunta 1. Se as
formas ETNOCÊNTRICAS de pensar os coletivos empobrecidos nos currí-
culos têm sido inferiorizantes, antipedagógicas e antiéticas, como avan-
çar para currículos que os reconheçam sujeitos de saberes e os valori-
zem? – pergunta 2. Como possibilitar na construção do currículo novos
padrões cognitivos, culturais, sociais, pedagógicos e formadores de va-
lores éticos e de atitudes?
A pergunta 3 foi destinada aos alunos, pais e comunitários: –
pergunta 3. Os conteúdos das disciplinas escolares possuem relação com
a vida diária e social dos alunos?
As perguntas 4 e 5 foram direcionadas apenas para alunos: –
pergunta 4. As aulas criam oportunidade para desenvolver o seu senso
crítico? – pergunta 5. Qual a importância do trabalho dos seus professo-
res na construção da sua cidadania, do seu direito a aprender?
Este trabalho, dividido em dois tópicos, apresenta no tópico 1 “Um
breve resgate da história do Programa Bolsa Família e do Curso de
Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social”; e no tópico 2
contém a exposição dos resultados da investigação, tecendo algumas
“Reflexões sobre Currículo, Pobreza e Valores Éticos.”
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227Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
1 UM BREVE RESGATE DA HISTÓRIA DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E DO
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL
Ao iniciar a discussão neste trabalho é importante resgatar a
compreensão sobre o Programa Bolsa Família/PBF. O que se entende por
Programa Bolsa Família?
Muitos se referem ao programa apenas como transferência de
renda. Entretanto, o Programa Bolsa Família não é apenas isso! Ele é,
sem dúvida, um programa de transferência direta de renda, mas impõe
condicionalidades nas áreas da educação e saúde. Foi criado pelo Governo
Federal em 2003, por meio da Medida Provisória nº 132, posteriormente
convertida na Lei n° 10.836, de 9 de janeiro de 2004.
A gestão administrativa do programa é atribuída ao Ministério de
Desenvolvimento Social e Combate à Fome/MDS. Ao Ministério da Educação
– MEC compete o acompanhamento da freqüência escolar e ao Ministério
da Saúde – MS o acompanhamento da agenda de saúde das famílias. Para
realizar esse acompanhamento, cada Estado da federação instituiu uma
Comissão Estadual Intersetorial do programa, da qual participam
representantes das secretarias da educação, saúde e assistência social
com o objetivo de acompanhar e orientar ações intersetoriais às famílias
beneficiárias.
Os ministérios orientam, acompanham e realizam o monitoramento
das ações desenvolvidas por estas comissões estaduais, por meio de
reuniões periódicas. O processo de atuação das comissões exige o diálogo
entre elas, por meio de reuniões nacionais sistemáticas. Durante essas
reuniões, muitos membros das comissões relatavam que quando os
coordenadores da frequência escolar chegavam à escola para coletar os
formulários de frequência dos alunos beneficiários, os profissionais da
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)228
educação3 manifestavam sua desinformação, afirmando “não saber a razão
pela qual um programa social está no ambiente escolar”.
Tal revelação dos profissionais da educação expôs aos olhos dos
coordenadores do PBF uma necessidade básica de aprendizagem desses
profissionais, suscitando a preocupação de elaborar formas de
convencimento desses profissionais para o acompanhamento efetivo do
PBF. A cada encontro passaram a ser discutidas estratégias que
viabilizassem a melhoria desse acompanhamento.
Uma dessas estratégias articuladas em nível nacional foi a proposta
da formação continuada para este público específico, a fim de que, como
profissionais da educação, não só compreendessem o objetivo do PBF,
como também fizessem parte, efetivamente, da rede de parceiros. A
intenção dizia respeito a oferecer aos profissionais os meios para levá-
los a compreender o PBF e a situação das pessoas pobres com maior
clareza; além de fazer com que os mesmos se apropriassem das informações
para se tornarem aptos a oferecer esclarecimentos e orientações básicas
aos beneficiários sobre o programa, com qualidade.
Em 2013, foi formado, dentre os coordenadores da educação, um
grupo com os representantes estaduais de acompanhamento da freqüência
escolar por região, coordenado pelo MEC/SECADI, juntamente, com alguns
pesquisadores das temáticas relacionadas à pobreza, à educação e à
3 Conforme a LDBEN/1996 - Ar t. 61. Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que, nela estando emefetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são:I - Professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na educação infantil e nos ensinosfundamental e médio;II - Trabalhadores em educação por tadores de diploma de pedagogia, com habilitação em administração, planejamen-to, supervisão, inspeção e orientação educacional, bem como com títulos de mestrado ou doutorado nas mesmasáreas;III - trabalhadores em educação, por tadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim.
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229Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
desigualdade social. O propósito do Grupo foi elaborar uma proposta
para um curso de formação continuada que viesse a atender às
necessidades prementes de aprendizagem das pessoas engajadas nesse
programa nas escolas públicas. Esse curso foi planejado para ser oferecido
aos coordenadores municipais da frequência escolar e aos demais
profissionais da educação, bem como outros profissionais que
desenvolvem atividades junto aos programas sociais.
Assim, a partir de 2014, foi lançado e implantado em 15 Estados
brasileiros o Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade
Social, visando o desenvolvimento de um processo educativo para
alcançar a possibilidade real de promover reflexões, diálogos, formação
de atitudes e de valores que ultrapassem ações individualistas e
preconceitos arraigados, por meio da mudança da postura ética e política
dos profissionais, em relação aos sujeitos de direitos, em vivência de
pobreza.
No Amazonas, a instituição responsável pelo curso é a Universidade
Federal do Amazonas, através da Faculdade de Educação – FACED, que
coordena o Centro de Formação Continuada, Desenvolvimento de
Tecnologia e Prestação de Serviços para a Rede Pública de Ensino – CEFORT.
A FACED iniciou o planejamento do formato do curso ofertado ao conjunto
de profissionais dos Sistemas de Educação Estadual e Municipais, tendo
presente que as distâncias geográficas são continentais no Amazonas.
O curso foi pensado, planejado, implantado e realizado na
modalidade à distância, alocado na Plataforma Moodle, com encontros
presenciais entre professores e cursistas no início de cada módulo para
apresentação e estudo das temáticas; prosseguindo com acompanhamento
e orientação dos Tutores. Foram acordadas as parcerias entre Ministério
da Educação, Universidade Federal do Amazonas, a Secretaria de Educação
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)230
Estadual e 17 Secretarias Municipais dos Municípios de: Anori, Autazes,
Borba, Careiro, Iranduba, Itacoatiara, Manacapuru, Manaquiri, Manaus,
Maraã, Maués, Novo Airão, Nova Olinda do Norte, Presidente Figueiredo,
Rio Preto da Eva, Tapauá, Urucará.
2 REFLEXÕES SOBRE CURRÍCULO, POBREZA E VALORES ÉTICOS
Feitos esses primeiros esclarecimentos sobre o Programa Bolsa
Família e o curso de especialização, a reflexão sobre Currículo, Pobreza e
Valores Éticos constitui esta segunda parte.
A experiência vivenciada por meio da oportunidade oferecida no
Curso de Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social – EEPDS
para a formação de profissionais da educação proporcionou a
possibilidade de contestar o estabelecido sobre pobreza, os pobres, o
currículo oficial, bem como as formas (anti) pedagógicas de relação
travadas entre os profissionais da educação nas escolas com a comunidade
escolar e a comunidade local. A intenção de contestar o estabelecido
sobre a relação pobreza e currículo na escola básica, se constituiu na
busca de articular novas sínteses e novos sentidos para a discussão/
reflexão/elaboração superior de uma nova compreensão das condições
históricas enfrentadas pelas pessoas em situação de pobreza e
vulnerabilidade social que, ao serem precariamente “incluídas” na escola
básica, são “excluídas” por força de muitos fatores que se conjugam para
justificar a usurpação desse direito fundamental à escola.
O que Garaudy (1981) chama de “democracia estatística” é um desses
fatores para essa justificativa, pois os resultados medidos pelos índices de
avaliação como o IDEB têm sido utilizados em muitas escolas para descartar
alunos com baixo desempenho que podem manchar a meta estabelecida.
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231Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
A visão centrada na “possibilidade lógica” (JAPIASSU, 1983) do fracasso
dos alunos considerados sem chance de fortalecer e dar boa visibilidade à
escola prevalece sobre os direitos constituídos desses cidadãos.
Tais formas, ao estabelecerem o efeito perverso no lugar do direito
à educação como um bem comum (acesso a educação com igualdade e
qualidade social/permanência na escola com equidade/pleno
desenvolvimento como pessoa digna), resultam na usurpação do direito
subjetivo de que cada cidadão é portador, independente de sua condição
social, econômica, étnica, religiosa, entre outras. A possibilidade lógica
implica uma projeção linear do que é planejado para ser oferecido,
expondo como legítima a injustiça estrutural e a desconstrução da
finalidade maior da educação brasileira, definida para assegurar a cada
cidadão o direito ao seu “pleno desenvolvimento como pessoa” (ver o
Artigo 205 da CF/1988) (BRASIL, 1988).
As pessoas classificadas como pobre, ao serem precariamente
incluídas na escola, como analisa Santos (s.d., s.p.) “[...] servem como
uma espécie de tranquilizador de consciências”, legitimando as
desigualdades e aprofundando a injustiça estrutural tão perniciosa à
dignidade humana das pessoas assim categorizadas. Dessa forma, segundo
esse autor: enquanto “simples categorias” lhes são atribuídos valores,
funções, hierarquias e qualidades generalizantes, exatamente como se
faz com objetos: canetas azuis são mais úteis, as coloridas são infantis,
as importadas são melhores etc., gerando os aviltantes estereótipos.
Nas escolas, os estereótipos podem ser manifestados como
descreve Santos (s.d., s.p.) pelo “processo chamado de profecia auto-
confirmatória”, isto é: cada indivíduo é induzido a corresponder ao
estereótipo do seu grupo. Dessa forma, a vítima envergonha-se de
pertencer àquele grupo econômica e socialmente desfavorecido; sofre
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)232
pelo isolamento, violência e humilhação praticados contra ela; na condição
de estudantes pobres encararam a reprovação nos estudos e dos seus
modos de vida como uma prática “justamente” natural; ainda internalizam
e reproduzem o discurso dominante que, consequentemente, podem
resultar na sua cooptação, dentre outras formas perversas de negação de
seus direitos.
Com tal configuração, a escola básica obrigatória está ainda
distante do ideário de desenvolver a educação na perspectiva do direito
público subjetivo. Sem as condições materiais objetivas que assegurem,
plenamente, esse direito a cada cidadão, e profissionais com precária
formação no campo da educação, sobretudo, sem as referências aos
Direitos Humanos (compreendidos como direitos de bandidos), à educação
das relações étnico-raciais e com precário domínio da legislação pertinente,
logo são feitas as conclusões apressadas de que “na prática a teoria é
outra”.
Feito esse argumento como um atalho, cria-se uma confusão
(proposital) entre direito e privilégio, entre crescimento econômico e
desenvolvimento humano sustentável. Como afirma Becker “[...] é neste
clima de complexidade que o nosso aluno vai para a escola e que, depois
de provar que é pobre, doente e burro, a abandona.”
A importância de refletir, de rever e discutir o que as ideologias
do cotidiano sobre o Currículo - em suas formas, conteúdos e métodos
de operacionalização nas escolas dos Sistemas Públicos de Educação -
significam na formação dos profissionais da educação que partilharam
com os formadores do EEPDS e também com suas comunidades de
aprendizagem as experiências de pensar, investigar; avaliar/sopesar a
própria prática pedagógica e seu comportamento antipedagógico com a
intenção de superá-lo.
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233Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Para, assim, tais seguimentos assumirem novas atitudes
compromissadas com a transformação das relações históricas no interior
da escola e na sociedade. Elaborar/reelaborar novas interpretações e
sínteses num exercício de verdadeira catarse; tudo isto ensejou a
apresentação de algumas ideias para fazer prosseguir o diálogo das
questões prementes suscitadas pelo tema do curso e do Módulo V que
tratou da “Pobreza e Currículo: uma complexa articulação”.
Para dar vazão a essas ideias que circulam nos ambientes das
aprendizagens múltiplas, de forma “natural”, elas estão apresentadas de
modo livre, como o define Nóvoa (2014, s. p.) no “Ensaio sobre a História
Futura da Escola.”
O que é um ensaio? É uma experiência, um esboço, abusca de sentidos para o que nos está a acontecer, umesforço para reflectir fora das lógicas habituais. É umaprovocação, uma experiência do pensamento, ideiasque nos preocupam e das quais nos tornamosverdadeiramente conscientes no momento da escrita.Um ensaio não vale nada, não faz parte das listasintermináveis de citações e ‘científicos’, não é umexercício de rigor, não pode ser controlado, nemavaliado, nem validado. É um espaço para duvidar,para errar, para entrar em diálogo com os outros. Valeapenas, e não é pouco, como liberdade, como exercíciode pensamento.
Nessa direção, a abordagem das questões pautadas para a formação
dos profissionais da educação pública e referidas neste ensaio teve como
ponto de partida a necessidade do diálogo como método de criar espaços
de participação e partilha de ideias e práticas sintonizadas com os
princípios da formação desses profissionais. Sobretudo, no que diz
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)234
respeito ao trabalho em equipe, pouco desenvolvido na maioria dos cursos
de formação de professores.
No Módulo V – Pobreza e Currículo: uma complexa articulação, o
tratamento do tema tomou como premissa a educação compreensiva, em
consonância com o método do diálogo, no sentido de ser compartilhada
e de atingir tanto a razão quanto a emoção4. Maria Aparecida da Silva
afirma em “História do currículo e currículo como construção histórico-
cultural” que o currículo não é uma realidade abstrata, à margem do
sistema socioeconômico, da cultura e do sistema educativo.
Assim, ao entender o currículo como um meio concreto de
desenvolver a formação humana em suas diferentes dimensões, deve-se
ter claro seu vínculo com as transformações operadas na sociedade em
sua relação dialética com a educação e com as finalidades e objetivos
desenhados para as conjunturas nas quais ocorrem as transformações.
Mecanismos autoritários, etnocêntricos, tecnicistas, entre outros têm
permeado as práticas da geração, transmissão, produção e reprodução
dos conhecimentos; bem como da avaliação da aprendizagem na
conjuntura atual, em contraposição ao que a Constituição Federal de 1988
estabelece como diretrizes, orientando a educação para a formação do
cidadão na escola formal, no contexto do Estado Democrático de Direito,
em que a dignidade da pessoa humana é o núcleo fundamental para essa
elaboração de extrema complexidade.
Uma vez percolados os princípios que dão base para a construção
democrática de currículos destinados a formação cidadã, currículos que
precisam ser desenhados no interior dos Projetos Políticos Pedagógicos
4 Ver Maria Victoria Benevides. Palestra de aber tura do Seminário de Educação em Direitos Humanos, São Paulo, 18/02/2000. Disponível em: http://www.hottopos.com/convenit6/victoria.htm
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235Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
das escolas concretas, as propostas curriculares que deveriam ser gestadas
a partir da complexidade que informa as realidades históricas. A
centralidade dessas realidades se constitui dos sujeitos de direitos na
sua rica diversidade cultural e emocional produzida nos contextos
cotidianos – são traçadas como “grade” e sem a referência prática
fundamental condizente com sua concretude.
Dessa forma, as escolas passam a operar um currículo único em
contextos diversos nos quais a maioria dos profissionais é seduzida pelo
pensamento único e resistem à possibilidade real de transformar esse
núcleo em torno do qual o trabalho pedagógico se realiza. Se a escola é
o retrato do seu currículo é fundamental que, como afirma Arroyo (2014,
p. 6), a compreensão que temos sobre o currículo seja determinante nas
nossas ações pedagógicas, nas escolhas que fazemos e nas estratégias
que adotamos.
Muitas vezes, o educador não percebe que suas ações em sala de
aula são opressoras e que não dão oportunidade para que o aluno se
posicione sobre os assuntos apresentados e tão pouco percebe que ao
trabalhar o currículo sem problematizá-lo está contribuindo para a
alienação e opressão de seus alunos. A investigação pedagógica realizada
pelos cursistas apontou as percepções que os entrevistados expressaram
por meio de suas respostas às perguntas feitas a diferentes sujeitos.
Em certa medida, essas respostas correspondem às ideias
afirmadas por Maria Aparecida da Silva (s.d.) quando diz:
O currículo é uma práxis, não um objeto estático.Enquanto práxis é a expressão da função socializadorae cultural da educação. Por isso, as funções que ocurrículo cumpre, como expressão do projeto culturale da socialização, são realizadas por meio de seus
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)236
conteúdos, de seu formato e das práticas que gera emtorno de si. Desse modo, analisar os currículosconcretos significa estudá-los no contexto em que seconfiguram e através do qual se expressam em práticaseducativas (p. 4820).
Os sujeitos que desenvolvem as propostas curriculares (gestor,
coordenador pedagógico e professor) foram inquiridos sobre o seguinte
questionamento: “Se as formas ETNOCÊNTRICAS de pensar os coletivos
empobrecidos nos currículos têm sido inferiorizantes, antipedagógicas e
antiéticas, como avançar para currículos que os reconheçam sujeitos de
saberes e os valorizem? “
As respostas dos entrevistados não se prendem ao teor da
pergunta deduzindo-se que eles apresentam precário conhecimento do
tema do etnocentrismo:
Gestor 1 – Manaquiri “No meu ver, o currículo deve ser diferenciado,
o atual não abrange o direito da criança, e o professor não tem voz nem
vez.”5.
O gestor ao responder essa pergunta expôs a falta de autonomia
da escola para realizar um bom trabalho porque as autoridades municipais
violaram os direitos das crianças de ir e vir para a escola. Não há índice
de aproveitamento na aprendizagem sem a freqüência do (a) aluno (a)
na escola. Se o currículo está impermeável aos direitos e necessidades
das crianças, obviamente, estabeleceu-se a violação desses direitos
consagrados, mas não usufruídos. Ao expressar que o professor não tem
vez nem voz denuncia a situação de desvio da atividade principal do
professor que se refere à sua participação efetiva na construção do
5 Gestor 1 - Manaquiri.
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237Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
currículo, como parte relevante do Projeto Político e Pedagógico da escola
e do desenvolvimento da formação básica dos alunos.
Durante os primeiros encontros presenciais do curso EEPDS,
observou-se o desconhecimento de alguns cursistas (profissionais da
educação) sobre temáticas relacionadas à pobreza, por meio de algumas
falas, tais como: qual a necessidade de se usar o termo pobreza (no nome
do curso), se o mesmo já estaria contemplado no termo desigualdade social?
Por que as entrevistas que realizavam sempre envolviam beneficiários do PBF?
Constatou-se que é necessário refletir sobre o papel da escola, do
currículo escolar na sociedade atual, no que se refere às vivências da
pobreza que seus partícipes trazem para o âmbito escolar. A pobreza é
uma das maiores violações dos direitos humanos, uma vez que subtrai do
indivíduo sua dignidade. E, quando o sujeito está em situação de pobreza,
como este pode pensar nas garantias de outros direitos? Que pobreza é
esta da qual se está falando? Enquanto educador, precisa-se, urgentemente,
compreender esse fenômeno tão complexo que é a pobreza e a inclusão
dos pobres na escola, como um direito inalienável. Assim,
[...] pobreza, enquanto conceito, só pode seren-tendida de forma relativa, já que não há umconsenso em torno de uma definição que possa seraplicada a toda e qualquer situação, de modo objetivo,visto que a compreensão do fenômeno depende dacompre-ensão da sociedade em torno dele. Os padrõespara o estabelecimento do nível de pobreza mudamhistoricamente, o que justifica o desenvol-vimentoda compreensão de pobreza como privação relativa.(GARCIA, 2012, p. 110).
Tomando como base o que afirma Garcia, acredita-se que o conceito
de pobreza não pode nem deve ser pensado de outra forma que não a
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)238
privação relativa. Esse conceito somente vai ser entendido dentro de certa
perspectiva de sociedade, da historicidade dessa mesma sociedade em
que o indivíduo está inserido. Como evidenciam as respostas dos
coordenadores entrevistados:
O currículo deve ser contextualizado com a realidaderegional no aspecto social, cultural e os saberes dascrianças que vivem na localidade. E o professor deve serpesquisador, observador e mediador 6.
Neste ano, o MEC está elaborando a Base NacionalCurricular Comum – BNCC e envolver os professoresbrasileiros nessa discussão seria uma oportunidade de aclasse avançar nos currículos, se as práticas inferiorizantes,antipedagógicas e antiéticas não estivessem entranhadasnas ideias daqueles que preparam os currículos. As teoriasque cerceiam os menos favorecidos já estão arraigadasnos currículos. A Constituição garante a dignidade dapessoa humana, mas a prática é bem diferente. É fácilnão cumprir a lei, uma vez que aqueles que sãoprejudicados não têm consciência, porque desconhecemseus direitos. É fácil satisfazer o cidadão com migalhasdaquilo que ele não conhece em sua totalidade. Sódisseminando conhecimento, promovendo discussões nacomunidade escolar é que será possível avançar,gradativamente7.
Os coordenadores concordam que o currículo deve ser
contextualizado de acordo com a realidade local, e que há necessidade
de melhorar a formação dos educadores, e que isso contribuirá para a
melhoria da educação. Trazer a discussão de temáticas como pobreza e
6 Coordenador Pedagógico 1- Manaquiri.7 Coordenador Pedagógico 2- Manacapuru.
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239Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
desigualdade social para dentro da escola, é dar voz e vez aos pobres que
participam do contexto escolar. A resposta do coordenador pedagógico
2 evidenciou, claramente, que a discussão sobre a Base Nacional Curricular
Comum - BNCC não chegou a sua escola, ao seu município, apesar da
propaganda oficial de que a proposta foi discutida amplamente nas escolas
de todo Brasil.
As respostas dos professores também seguem o mesmo diapasão
de que a discussão sobre o currículo tem que ser participativa e deve
conter os anseios da comunidade escolar. É imprescindível refletir sobre
o papel do currículo nas escolas, visando que seu conteúdo não seja
excludente, e sim respeite a diversidade das culturas que na escola estão
inseridas, possibilitando aos alunos efetivarem mudanças na sociedade
por meio dos conhecimentos adquiridos em sua formação escolar.
Tem que pensar numa política pública onde envolvam todosos sujeitos e que o currículo seja de acordo com as classessociais. Na realidade, atualmente há diferenciação noscurrículos, exemplo: escola do campo, escola indígena,escola da terra, etc., entretanto não atende à realidadelocal8.
[...] O indivíduo deve ser formado para ter iniciativa eautonomia aprendendo algo que possa usar na sociedade,ou seja, ser um empreendedor, um construtor, umidealizador na sociedade em que vive. Portanto, precisa-se repensar o currículo atual, e direcioná-lo para asociedade que queremos no futuro9.
8 Professor 1- Manaquiri.9 Professor 2- Manacapuru.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)240
Arroyo (2014, p. 7) explicita:
[...] as vivências e sofrimentos da pobreza, bem comoos processos históricos de sua produção são complexos,e tentar tratar nos currículos essas vivências e essahistória é uma tarefa extremamente desafiante. Talvezpor isso a pobreza, suas vivências, os pobres e a históriade sua produção tenham estado ausentes tanto noscurrículos de Educação Básica quanto nos de formaçãode seus profissionais.
Realmente, os currículos das escolas investigadas ainda não
incluíram uma abordagem da historicidade da pobreza dentro de seus
vários contextos. Por conseguinte, as vivências dos sujeitos empobrecidos
que adentram a escola não são reconhecidas, como foi constatado nas
entrevistas realizadas.
Todavia, a pesquisa revela ainda a importância do trabalho dos
professores na construção da cidadania, do direito a aprender napercepção dos alunos de Novo Airão. (grifo nosso). Alguns entrevistados
afirmam que:
[...] é por meio do trabalho dos professores, dodesenvolvimento das suas aulas é que podemos ter umfuturo melhor. É a partir daí que se planeja um futurobom pra gente. Hoje até um gari ou serviços gerais, temque ter um comprovante de escolaridade [...]10.
Para esses alunos, é clara a importância do trabalho do educador
na contribuição para sua formação, sua ajuda é primordial para que
10 Entrevistados.
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241Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
vislumbrem uma possibilidade de ascensão na sociedade por meio dos
estudos. Estes enxergam o educador como o indivíduo conhecedor dos
pressupostos teóricos que fundamentam sua práxis e contribuirá com a
formação de preceitos, valores e hábitos na sua formação humana e
profissional. Este profissional que desenvolve práticas pedagógicas
inovadoras, emancipatórias ao mesmo tempo em que leva o aluno a
dialogar, problematizar a realidade em que está inserido, leva-o também
a construir vivências, positivamente, exitosas.
Na busca de uma escola que atenda aos anseios da comunidade,
de uma escola cidadã, é importante se fazer uma reflexão sobre o acesso
e permanência do aluno no ambiente escolar. Assim, como também, da
inserção destes aos bens culturais, aos conhecimentos construídos ao
longo da história da humanidade, a compreensão de sua realidade e quais
os fatores históricos que levaram a essa produção e reprodução da pobreza
em que estão inseridos.
É importante ressaltar a contribuição do PBF quanto ao acesso e
permanência da criança e do jovem na escola, pois, a família tem que
cumprir com a condicionalidade da freqüência escolar que é informada a
cada dois meses e os motivos de ausência do aluno na escola, também.
Essas informações geram diagnósticos socioeducacionais territorializados,
podendo com isso se encontrar facilmente a criança ou jovem em situação
de vulnerabilidade social11. A pobreza, antes tão subjetiva, hoje é mapeada
e traduzida a partir das informações das condicionalidades intersetoriais
(educação e saúde) do programa.
11 Palestra proferida pela Coordenadora Nacional da Frequência Escolar/MEC durante o II Encontro Intersetorial doPBF/AM, 2017
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)242
Relacionando as vivências dos alunos aos conteúdos escolares,
foi feita a seguinte pergunta: Os conteúdos e disciplinas escolares
possuem relação com a vida diária e social dos alunos? Abaixo, estão
relacionadas algumas respostas de pais e alunos do município de Autazes
e Novo Airão:
Sim, a escola me ajuda muito, me ensinou a ser maiseducado do que eu era antes, me ajudou a dar maisatenção a minha família, e também incentiva meus paisa terem orgulho de mim. O PROERD (Programa Educacionalde Resistência às Drogas) na escola me ajudou a ficarlonge das drogas, a resistir às pressões, por isso amomuito minha escola e meus amigos12.
Sim quando passo em frente à escola ouço a professorade matemática fazendo conta e dando exemplo com ospeixes que os meninos pescam. E quando os meninoschegam em casa faço pergunta sobre o que elesaprenderam e o que a professora ensinou, eles me falamde animais daqui da comunidade e que fizeram pesquisasobre as árvores, ensinam poesias. Eles ensinam muitascoisas que interessa a gente13.
Sim, o português, por exemplo, porque sem a disciplinade português você não chega a lugar nenhum. Se quiser,por exemplo, encontrar um emprego sem escrever e lercorretamente não vai conseguir. Sim, tem matérias comohistória, geografia e ciências, os professores falam comopoderemos enfrentar o mundo, e sem estudo nãoconseguiremos. É importante, porque eles nos ajudam aconstruir o nosso futuro14.
12 Aluno 1 - Novo Airão.13 Mãe - Novo Airão.14 Aluno 2 - Autazes.15 Aluno 3 - Autazes.
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243Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
É de fundamental importância. Pois é através das aulas edos diálogos realizados na escola que vamos aprender alidar com situações em nosso cotidiano, sem falar que aescola nos prepara para a vida15.
O currículo, os saberes nele contido, deve estar relacionado com
as vivências e as experiências do aluno, possibilitando a este indivíduo,
construir seus conhecimentos de forma holística. De acordo com Santos
(2009, p. 13-14):
[...] os conteúdos curriculares devem permitir que osalunos desenvolvam sua capacidade de argumentação,de questionamento, de crítica e sua capacidade deformular propostas de solução para problemasdetectados. [...] é fundamental que o currículotrabalhe com habilidades que vão além dodesenvolvimento cognitivo e envolvam diferentescampos da cultura, garantindo a presença de produçõesculturais dos mais diferentes grupos sociais e culturais,de tal modo que os estudantes sejam capazes de lidarcom a diferença, valorizando e respeitando a culturado outro, condição necessária para a vida em umasociedade realmente democrática.
No Amazonas, é importante e necessário ressaltar o sentido da
equidade, pensar o fator amazônico a partir do entendimento e do
reconhecimento das especificidades da região. Principalmente, no que dizrespeito a questões de: território, etnias amazônicas e suas diversidades
culturais, tensões, violências e conflitos advindos das relações de disputa
entre grupos de grandes proprietários de terras na Amazônia e posseiros,
indígenas, quilombolas, ribeirinhos, etc. (grifo nosso)
No mapa, a seguir, estão representadas algumas dessas
especificidades amazônicas, dentre os beneficiários de 6 a 17 anos do
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Figura 1 - Especificidades amazônicas
Fonte: II Encontro Intersetorial do PBF/AM (2017).
PBF, além do quantitativo de alunos que abandonaram a escola nesse
mesmo período (nov/dez/2016).
Por meio do cruzamento das informações da frequência e do censo
escolar, tem-se a informação de que 65% das matrículas no Estado do
Amazonas são de beneficiários do PBF.
Quando perguntado ao aluno do município de Novo Airão Se as
aulas criam oportunidade para desenvolver o seu senso crítico o mesmo
respondeu demonstrando ter consciência de seus direitos e deveres:
Sim, os professores nos ensinam que temos deveres, masque também temos nossos direitos e que devemosreivindicá-los quando precisarmos. Um exemplo foi umtempo atrás, quando os professores nos deram forças parafazermos reivindicações de ventiladores para nossas salasde aula, porque é um direito que temos, assim como todosos outros alunos do país, não é porque somos da área dointerior que não temos os mesmos direitos! Tambémfizemos algumas reclamações a respeito da merendaescolar, que melhorou, não foi muito, mas tá melhor do
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245Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
que antes. Também temos oportunidade de protestarmosquando as aulas estão ficando rotineiras. Mas às vezes,isso não é bem visto pelas pessoas, pelos comunitários eaté mesmo por alguns alunos. Porque houve situaçãoaqui mesmo na comunidade, onde os líderes, no caso opresidente da comunidade, não aceita que existam leisque podem punir quem desviar a merenda escolar paraoutros fins, por exemplo. Aí o professor que for dar essainformação pode entrar em conflito com a comunidade(líder) e fazem de tudo para tirar esse professor dacomunidade16.
De acordo com o relato desse aluno, os professores cumprem seu
papel de prepará-los para a vida, levando-os a lutar por seus direitos,
fazendo uma leitura e releitura da sociedade atual, a partir dos
conhecimentos adquiridos no cotidiano escolar. Fica evidente a
possibilidade de esses sujeitos fazerem mudanças em sua comunidade.
Entretanto, esses profissionais ao cumprir com ética e senso crítico o seu
fazer pedagógico, estão sujeitos a represálias. No momento em que a
comunidade estudantil fica ciente de seus direitos e deveres, evidencia-
se a nova condição de exercício da cidadania que enseja a possibilidade
real de que os estudantes não serão facilmente manipulados, mas serão
sim, participantes ativos da comunidade em que vivem. Apple (2003, p.
42) pronuncia-se:
A educação é um espaço de luta e conciliação. Servede representante e também de arena para batalhasmaiores sobre o que nossas instituições devem fazer, aquem devem servir e quem deve tomar essas decisões.E, apesar disso, é por si mesma uma das maiores arenasem que os recursos, o poder e a ideologia específica à
16 Aluno do município de Novo Airão.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)246
política, finanças, currículo, pedagogia e avaliaçãono ensino são debatidos.
Toda prática educativa envolve uma tomada de decisão, implica
em uma opção política que pode libertar um povo como também subjugá-
lo, priorizando os interesses de poucos em detrimento da maioria da
sociedade. O educador é o agente que poderá propiciar aos estudantes
libertar-se dessas amarras truculentas da classe política dominante.
Aí, percebe-se a contradição de que se está vivendo em uma soci-
edade que, ao mesmo tempo em que contesta determinadas práticas e
matérias veiculadas na televisão sobre desonestidade, que clama por uma
sociedade sem corrupção; assume comportamentos que se contrapõem a
uma vivencia cotidiana de boas práticas fundadas em valores éticos com
seus pares.
Pensando como Aristóteles, que “o homem é um ser político”,
tem-se um grande dilema diante daqueles que se negam a aceitar-se como
tal e questionam essa dimensão própria de cada pessoa: afinal de contas
o que é ser político? Ser político é não querer se envolver com as situa-
ções problemáticas do cotidiano? Mas, como não se envolver, se as
consequências do não envolvimento com os problemas reais e atuais vi-
rão para cada um individualmente? E, ao se envolver, ao dizer o que
pensa e no que acredita muitas vezes o indivíduo é repudiado por ser ou
estar contra o que dizem determinados grupos políticos e/ou até mesmo
os colegas da mesma classe?
Aqui se faz uma breve digressão para falar sobre algumas contra-
dições que se verifica durante a formação do indivíduo. Cada pessoa é
ensinada desde criança para dizer sempre a verdade, pois “quem fala a
verdade não merece ser castigado”, já diz o ditado popular! Entretanto,
percebe-se que a sinceridade nem sempre é bem aceita. Que na verdade,
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247Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
ela é na grande maioria das vezes, recebida com restrições ou até mesmo
com antipatia.
A história nada mais é do que um emaranhado de contradições.
Vive-se em uma sociedade na qual se é ensinado a assimilar alguns valo-
res éticos. Entretanto, esses mesmos valores são questionados como cer-
tos ou errados por alguns. Tonetto (2013, p. 182), citando Kant afirma
que: “[...] a autonomia é o fundamento da dignidade e isto é uma propri-
edade da vontade de todo ser racional.”
Que dignidade pode-se ter se, ao acreditar em mudanças - estru-
turais, que quebrem esse esquema social montado; mudanças que não
sejam hipócritas, mudanças que transformem a vivência do ser humano -
o indivíduo se vê em um eterno retrocesso? Seria como um movimento
de Sísifo, interminável e inútil. Observa-se então, que a mudança tão
almejada e esperada pela grande maioria da população torna-se uma
busca incessante de poder, de um poder individual em detrimento do
coletivo! Uma mudança que nada muda! E se constata que é apenas mais
uma das inúmeras contradições dessa realidade em que se vive.
O significado contemporâneo desta situação está relacionado com
a ideia de que por mais trabalho e esforço que se faça em relação a algo,
os resultados são sempre infrutíferos, irrelevantes e frustrantes. Os valo-
res que os pais tanto tentam ensinar aos filhos durante toda a vida, des-
de a mais tenra idade, são considerados valores jurássicos na sociedade
de valores invertidos, na qual se priorizam os valores pessoais em detri-
mento dos valores coletivos, do bem comum.Retomando a frase “o homem é um ser político”, mesmo que ele
não o queira faz parte de uma determinada sociedade, nela está inserido
e os valores daquela sociedade farão parte de seu cotidiano. Daí a
importância de se ter e lutar pelos valores éticos em qualquer situação.
Não se pode falar de falta de ética de um grupo de político, se, enquanto
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indivíduo, não se possui ou não se pratica atitudes éticas na comunidade
em que se vive. Isso poderia vir a ser uma regra de ouro para todos, sem
distinção de gênero, classe ou credo.
Retoma-se o que resultou da investigação com a pergunta feita
aos gestores, coordenadores pedagógicos e professores dos municípios
de Maraã e Manacapuru sobre como possibilitar na construção do
currículo novos padrões cognitivos, culturais, sociais, pedagógicos eformadores de valores éticos e de atitudes? Estampa-se nas respostas
o que se constitui o modo de pensar desses sujeitos:
Partindo de princípios, a ação humana poderá transformarcaminhos sociais e culturais a fim de formar valores éticosna sociedade17.
Através do resgate de normas de condutas há muitoesquecidas; priorizando a qualidade no ensino da educação;viabilizando mecanismos para incorporar nas aulas a boaconduta, o respeito e o aprendizado18.
Na escola, em sua prática cotidiana, o professor assume algumas
atitudes e estas já fazem parte de um posicionamento político, de uma
tomada de decisão. Pois, há intencionalidades por trás de toda atitude, e
as intencionalidades educativas não ficam de fora. A preocupação dos
gestores enseja a importância da forma transversal de abordagem desses
novos padrões cognitivos, culturais, sociais, pedagógicos e formadores
de valores éticos e de atitudes que façam a ruptura com comportamentos
danosos à convivência social.
17 Gestor 1 - Maraã.18 Gestor 2 - Manacapuru.
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249Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Assim, na visão desses gestores, o professor, com seus alunos,
tem a possibilidade de cultivar pequenas ações, ultrapassando
comportamentos e formando atitudes incorporadas pelas crianças por
meio das próprias ações desenvolvidas no cotidiano da escola, e elas
próprias, serão multiplicadoras dessas atitudes fora do contexto escolar.
Valorizando primeiramente o conhecimento prévio doaluno, e a partir daí, pode-se criar possibilidades paraque este possa avançar em sua aprendizagem semdesrespeitar sua origem19.
Um bom começo para se construir um novo currículo seriaconsiderar as diferenças, incluir temas que tentem nivelaras oportunidades. Seria um processo gradativo de mudançade ideias. O documento maior que é a BNCC está sendoconstruído, a partir daí as escolas poderão em seus ProjetosPolíticos Pedagógicos, Regimento Escolar e ConselhoEscolar, envolver todos numa discussão e construção. Sema participação de todas e sem a luz de uma base curricularnão é possível construir um novo currículo20.
As respostas dos coordenadores pedagógicos encontram respaldo
no que diz Arroyo (2014, p. 40):
Esses sujeitos constroem suas identidades coletivas apartir de uma rica história de lutas por espaços dedignidade. É necessário incorporar essas histórias noscurrículos para garantir o direito desses indivíduos aconhecimentos que os afetem verdadeiramente.
19 Coordenador pedagógico 1 - Maraã.20 Coordenador pedagógico 2 - Manacapuru.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)250
Planejando ações que visem uma aprendizagem positiva,sempre incentivando os alunos a fazer o correto, semprevalorizando seus costumes e tradição e respeitando asoutras pessoas21.
Devemos criar mecanismos para que o indivíduo possaalém de conhecer conteúdos éticos, possa praticá-lo. Ouseja, para que a pessoa seja consciente de que suas açõessão necessárias, que no decorrer do seu crescimento, elapossa realizar tarefas e atividades que a estimule a serum cidadão crítico. Está mais que comprovado que nãovale a pena ter o conteúdo e saber o que está certo ouerrado apenas, o que irá fazer a diferença é a prática deatitudes do que é considerado correto22.
A pesquisa revelou que alguns professores durante suas aulas
incentivam os alunos a fazer o que é correto, a valorizar seus costumes
tradicionais e a valorizar às outras pessoas. Assim, sendo, desenvolver
valores éticos, com atitudes profícuas, o pensamento no bem comum, irá
levar a sociedade a ter num futuro próximo os valores éticos vivenciados
no cotidiano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em 2004, quando os coordenadores estaduais da educação do
Programa Bolsa Família ansiavam e reivindicavam, junto ao Ministério
da Educação, um curso que possibilitasse aos profissionais da educação
compreender as razões que levaram o PBF a ser vinculado à escola, não
imaginaram ver suas expectativas atendidas de forma tão exitosa. Essa
21 Professor 1 - Maraã.22 Professor 2 - Manacapuru.
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251Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
reivindicação deu origem à formação continuada para esses
profissionais, por meio do Curso de Especialização em Educação, Pobreza
e Desigualdade Social.
O aluno pobre, marcado pela pobreza - essa que está em nossas
escolas, ao nosso redor e passa despercebida - não está nos planos
descendentes que vêm das secretarias. Uma vez que o centro das
preocupações está no anseio de alimentar, estatisticamente, o sistema
(democracia estatística), no controle administrativo e na pressão feita
para cumprir com o programa escolar.
Sob tal pressão e com “o foco” na proposta curricular e nos prazos
que devem ser cumpridos, o professor não reconhece esse aluno que é
beneficiário do PBF e que vive na pobreza ou extrema pobreza. Esse aluno,
por não apresentar o aproveitamento idealizado pela escola, em
decorrência da fome (por mais que queira estudar não consegue se
concentrar) que o faz aguardar ansiosamente pela merenda escolar (sua
única refeição do dia), será excluído mais uma vez, porque é considerado
um problema, pois não desenvolve sua aprendizagem da forma que a
escola deseja. Uma escola etnocêntrica e referenciada na eugenia, cujo
currículo está engessado, não considera as peculiaridades e vivências
desses sujeitos empobrecidos.
Contudo, a perspectiva de transformação dessa realidade por meio
de boas práticas pedagógicas pode se concretizar em um futuro próximo.
No decorrer da defesa pública dos Trabalhos de Conclusão de Curso - TCC,
muitos cursistas declararam que os estudos promovidos nos cinco
módulos, com a realização do efetivo trabalho acadêmico promovido com
os encontros presenciais, fóruns de debates, atividades e pesquisas,
produziram a oportunidade de reflexão e elaboração superior de novas
sínteses que lhes possibilitarão articular ações inovadoras.
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Tais sínteses servirão de base para ir de encontro a mudanças de
paradigmas, quanto ao modo como pensavam a pobreza, a desigualdade
social e o PBF; como se comportavam em relação às pessoas em situação
de pobreza que acorrem à escola onde trabalham; e como repensar os
currículos situados nos contextos cotidianos carregados da diversidade
própria das culturas nas suas diferenças emocional e histórica.
Relatos de alguns cursistas do município de Maraã, Manacapuru,
Novo Airão corroboram essa possibilidade. A cursista a seguir, desenvolveu
um projeto a partir do estudo dos módulos para trabalhar leitura e
cidadania na escola em Maraã.
Este curso tem sido um presente muito valioso, apesardas dificuldades, hoje posso dizer que me sinto mais pre-parada para atuar na área da educação, me sinto umaprofissional qualificada, com um conhecimento maisaprofundado, enfim um ser humano melhor que enxergaalém da aparência, de suas necessidades e particularida-des, e fará o melhor para contribuir com a melhoria denossa educação.
Outro Cursista do município de Manacapuru avaliou que:
O curso Educação, Pobreza e Desigualdade Social meproporcionou momento ímpar ao conduzir-me a um mundoreal, onde as desigualdades e injustiças sociais mascaradase invisíveis tornaram-se visíveis. Conduziu-me atransformação profissional, pessoal e social superandopreconceitos enraizados ao longo dos anos. Preconceitosesses decorrentes do desconhecimento e ignorância dosmales que a pobreza e desigualdade social ocasionam navida do ser humano, em especial àqueles que estãoiniciando a vida escolar, onde a anulação dosconhecimentos e vivências de milhões de crianças pobres
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253Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
que chegam à escola são tratadas como inferiores eincapazes de aprender por que vivem na pobreza23.
Uma participante de Novo Airão afirmou que:
De fato muito contribuiu os relatos dos pais, comunitáriose alunos, para ampliar meu desenvolvimento profissionale pessoal, pois a partir do curso adquiri conhecimentosque em outros cursos nunca foram abordados. Játrabalhava nessa linha de raciocínio, porém por meio dosrelatos pude constatar o quanto se pode crescer naprofissão, enquanto ser humano e nos sensibilizar comas vivências da pobreza e com isso fazermos a articulaçãoda pobreza e o currículo24.
De Autazes, o novo modo de pensar a realidade foi expressado
pela Cursista que afirmou:
Ao iniciar o Curso de Especialização Educação, Pobreza eDesigualdade Social houve uma grande expectativa noque se refere à questão de se aprofundar, em conheceressa realidade que apesar de estarmos inseridos e sermosparte integrante dessa vivência, muitas vezes fingimos ea ignoramos. Optamos por julgar nossos estudantes,dizemos que são incapazes quando não acompanham osconteúdos, quando na verdade são vítimas de um sistemaeducacional seletista, além de serem ignorados pelasociedade civil. E, continuam abandonados à margem dasociedade como se a sua condição fosse opcional por nãose esforçarem para mudar a sua condição de vida25.
23 Cursista do município de Manacapuru.24 Par ticipante de Novo Airão.25 Cursista do município de Autazes.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)254
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257Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Aldenei Moura Barros
Mestre em Educação Especial pela Universidade do Minho. Especialização
em Tecnologia Educacional e Licenciatura Plena em Filosofia pela
Universidade Federal do Amazonas pela Universidade Federal do
Amazonas. Tutor à Distância do Curso de Formação Continuada de
Capacitação para Aplicação do LSE em parceria do FNDE com a Universidade
Federal do Amazonas, CEFORT/FACED/UFAM; Tutor à Distância no Curso
de Pós Graduação Lato Sensu em Gestão Escolar do Programa Nacional
Escola de Gestores, na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), CEFORT/
FACED/UFAM; Tutor à Distância no Curso de Pós Graduação Lato Sensu em
Coordenação Pedagógica do Programa Nacional Escola de Gestores, na
Universidade Federal do Amazonas CEFORT/FACED/UFAM; Tutor à Distância
no Curso de Pós-Graduação em Educação, Pobreza e Desigualdade Social,
CEFORT/FACED/UFAM.
Clotilde Tinoco Sales
Professora Adjunta do Departamento de Métodos e Técnicas- DMT, da
Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas - UFAM.
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade
de Educação da Universidade Federal do Amazonas. Mestra em Educação
pela Universidade Federal do Amazonas UFAM (2006), especialista em
SOBRE OS ORIENTADORES
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)258
Educação Especial pela Universidade Federal do Amazonas (1988),
especialista em Psicopedagogia e interdisciplinaridade pela Universidade
Luterana do Brasil - ULBRA (2001), Licenciada em Pedagogia pela UFAM
(1985). Participa do Grupo de Pesquisa Comunicação, Tecnologia e Cultura
na Educação Presencial e a Distância - CEFORT. Como docente da Faculdade
de Educação da UFAM, ministra várias disciplinas, destaca-se: Planejamento
e Avaliação do Ensino e da Aprendizagem, Didática, Metodologia da
alfabetização, Jogos e Atividades Lúdicas e Orientação de PIBIC. Atuou
como Coordenadora Adjunta Pedagógica do Programa de Formação
Continuada denominado “Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade
Certa” (2013-2015).
Maria Marly de Oliveira Coelho
Professora Adjunto IV da Faculdade de Educação da Universidade Federal
do Amazonas. Doutora em Educação pela Universidade Federal do
Amazonas – UFAM; Mestra em Educação e Especialista em Metodologia
do Ensino Superior pela Universidade Federal do Amazonas. Licenciada
em Pedagogia – Habilitação Orientação Educacional – pela UFAM. Assumiu
alguma funções administarativas na UFAM, entre estas destacam-se:
Coordenadora Acadêmica do Instituto de Natureza e Cultura – INC/UFAM;
Chefe de Departamento de Métodos e Técnicas/FACED; Membro da
Comissão Própria de Avaliação Institucional da UFAM. Publicação: Educação
a Distância: uma alternativa para a formação do professor leigo rural no
estado do Amazonas (livro); Capítulo do livro Coordenação Pedagógica:
reflexão e prática, além de alguns artigos publicados na Revista Dialógica
da FACED e em Anais de Eventos científicos na Afirse Portuguesa, na SBPC,
entre outros.
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259Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Francinaldo Mendes de Oliveira
Professor da rede municipal de ensino. Mestre em Educação em Ciências
pela Universidade do Estado do Amazonas. Especialista em Educação
Matemática pela Escola Batista Superior do Amazonas. Licenciado em
Normal Superior e em Matemática pela Universidade do estado do
Amazonas. Ganhou o 1º lugar do Prêmio Destaque Pedagógico da
Secretaria Municipal de Educação de Manaus/SEMED (2012). Atualmente
atua como assessor pedagógico responsável pelo currículo de matemática
da SEMED, Programa Matemática Viva e coordenador na Olimpíada
Brasileira de Matemática no município de Manaus.
Gisele Lima Vieira
Funcionária pública da rede Municipal de Ensino em Manaus. Instrutora
Educacional na Divisão de Desenvolvimento Profissional do Magistério
(DDPM) da rede municipal de ensino. Mestre em Educação pela
Universidade Federal do Amazonas pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação -PPGE/UFAM (2016). Licenciada em Normal Superior pela
Universidade do Estado do Amazonas (2008).
Hellen Bastos Gomes
Professora de Serviço Social nível I da Universidade Nilton Lins -Unilins.
Assistente Social do Programa Observatório dos Direitos da Criança e
Adolescente – PRODECA. Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia,
Especialista em Saúde da Família pela Faculdade da Grande Fortaleza e em
Políticas de Enfrentamento a Violência Doméstica pela Universidade Federal
do Amazonas – UFAM. Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal
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do Amazonas. Participa do Grupo de Estudos e Pesquisas Contemporâneassobre Processos de Trabalho e Serviço Social na Amazônia (GETRA). Possuiexperiência na área de Serviço Social, com ênfase em Política, atuandoprincipalmente nos seguintes temas: trabalho, direitos, avaliação, exercícioprofissional e criança e adolescente.
Isamara da Silva Ohana
Professora da Secretaria Estadual de Educação do Amazonas/SEDUC/CEPAN/GEFOR. Mestranda em Ciências da Educação pela UniversidadeLusófona de Humanidades e Tecnologias-ULHT (PT). Especialista emMetodologia do Ensino Superior, pela Universidade Federal do Amazonas.Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Amazonas. Atuoucomo professora e pedagoga nos anos iniciais do Ensino Fundamentalem Escolas da Educação Básica (SEDUC/AM). Atuou como professoraassistente na Universidade Estadual do Amazonas/UEA. Coordenouprojetos de formação para os profissionais da educação, comoPROFUNCIONÁRIO, PNAIC, GESTAR II, dentre outros (SEDUC/AM).Experiências profissionais: Supervisora e Formadora em Projeto deLetramento de professores das redes estadual e municipal (UEA/AM);Articuladora Pedagógica de Educação Infantil - PROINFANTIL (MEC/SEDUC); Tutora e Supervisora em cursos de especialização em EaD (CEFORT/FACED/UFAM); Professora formadora e coordenadora de cursos para osprofissionais da educação (SEDUC/AM). Orientadora de TCC no cursoEducação, Pobreza e Desigualdade Social (CEFORT/FACED/UFAM).
Josete da Silva Ohana
Professora da Secretaria Estadual de Educação do Amazonas/SEDUC/CEPAN/GEFOR. Mestranda em Ciências da Educação pela Universidade
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261Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Lusófona de Humanidades e Tecnologias-ULHT (PT). Especialista em
Metodologia do Ensino Superior, pela Universidade Federal do Amazonas.
Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Amazonas.
Experiência profissional: Professora e Pedagoga nos anos iniciais do Ensino
Fundamental em Escolas da Educação Básica (SEDUC/AM); Professora
Assistente na Universidade Estadual do Amazonas/UEA; Coordenou
projetos de formação para os profissionais da educação, como GESTAR I
e II, PROFUNCIONÁRIO, dentre outros; Professora e tutora do Curso
PROGESTÃO (SEDUC/AM); Supervisora e formadora em projeto de
Letramento de professores das redes estadual e municipal (UEA/AM);
Coordenadora Auxiliar da Frequência Escolar no Estado do Amazonas pelo
Programa Bolsa Família (2004 a 2013); Tutora e pedagoga em cursos de
especialização em EaD (CEFORT/FACED/UFAM); Professora formadora e
coordenadora de cursos para os profissionais da educação (SEDUC/AM);
Tutora do Curso PROGESTÃO on line (SEDUC/AM); Orientadora de TCC no
curso Educação, Pobreza e Desigualdade Social (CEFORT/FACED/UFAM).
Lourdes Benedita de Oliveira Lira
Professora da Universidade Federal do Amazonas/FACED/DMT. Mestra em
Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal do
Amazonas. Licenciada em Pedagogia pela Faculdade Martha Falcão e
Especialista em Docência do Ensino Superior pela Universidade Estácio
de Sá. Foi Professora de Educação Profissional no SENAC, CETAM e
Pedagoga na Secretaria Municipal de Educação/SEMED. Tutora em EaD na
Unopar Virtual e Escola de Gestores/CEFORT/UFAM. Colaboradora do
PNAIC/CEFORT/UFAM. Orientadora de TCC no curso Educação, Pobreza e
Desigualdades Sociais CEFORT/UFAM. Tem experiência na área de Educação
Profissional, Tecnológico na Modalidade a Distância e Educação Básica.
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Luciana de Lima Pereira
Professora da Rede Municipal de Ensino atuando do 1º ao 5º ano.
Doutoranda em Educação no Programa de Pós-Graduação da FACED/UFAM.
Mestra em Educação PPGE/UFAM. Especialista em Metodologia do Ensino
Superior e Licenciada em Pedagogia - Habilitação e Orientação e Supervisão
Escolar pela Universidade Federal do Amazonas.
Marcia Jossanne de Oliveira Lira
Professora da Universidade Federal do Amazonas/FACED/DMT. Doutoranda
no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do
Amazonas/FACED. Especialista em Literatura Brasileira, Mestra em Educação
pela Universidade Federal do Amazonas. Licenciada em Letras e Psicologia
pela Universidade Federal do Amazonas. Atuou como professora em escolas
de Educação Básica (SEDUC/AM), lecionando língua portuguesa, língua
francesa e literatura brasileira. Atuou como professora de língua francesa
no curso de Letras da Universidade Federal do Amazonas de 1988 a 2010.
Coordenou projetos de extensão universitária e participou de projeto de
pesquisa na área de Letras e Educação que atenderam populações
indígenas Sateré-Mawé e Yanomami, bem como haitianos e comunidades
rurais da cidade de Manaus. Atuou também como professora formadora
em cursos de especialização em EaD e como revisora textual de materiais
didáticos em cursos desenvolvidos pelo CED/UFAM (Amazonas e Roraima)
e CEFORT/UFAM. Foi professora formadora do PNAIC nos anos I, II e III.
Orientadora de TCC no curso “Educação, Pobreza e Desigualdades Sociais
CEFORT/FACED/UFAM.
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263Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Maria de Jesus Souza Belém
Professora Assistente II da Universidade Federal do Amazonas. Doutora
em Educação pela Universidad de Valladolid/UVA-Espanha. Mestra em
Educação pela Universidade Federal do Amazonas. Licenciada em
Pedagogia pela Universidade Federal do Amazonas. Tem experiência na
área de Educação, com ênfase em Metodologia da Pesquisa em Educação,
Formação Inicial e Continuada de Professores, Coordenação Pedagógica,
Currículos e Práticas Pedagógicas na Educação Infantil e Anos Iniciais.
Membro do Grupo de Pesquisa CEFORT – Comunicação, Tecnologia e
Conhecimento para Educação Presencial e a Distância.
Maria do Perpétuo Socorro Duarte Marques
Professora Adjunta da Universidade Federal do Amazonas – FACED/UFAM.
Doutora em Ciências, área Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FFCLRP/USP.
Mestre em Supervisão e Currículo pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo - PUC/SP. Especialista em Metodologia do Ensino Superior pela
Universidade Federal do Amazonas - UFAM. Licenciada em Pedagogia.
Experiência Profissional: Coordenadora do Colegiado do Curso de Pedagogia;
Secretária Executiva da Secretaria de Educação e Qualidade do Ensino do
Estado do Amazonas - SEDUC/AM (2000/2002), Subsecretária da Secretaria
Municipal de Educação do Município de Manaus - SEMED (2003/2004).
Maria Ione Feitoza Dolzane
Professora Assistente da UFAM - lotada no Centro de Educação a Distância.
Atua na área de Gestão de Projetos e Sistemas para a Educação a Distância.
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Doutoranda em Educação no campo das Novas Tecnologias aplicadas àEducação. Mestrado em Educação: Gestão aberta em plataformas digitaisno campo da formação continuada de professores-2015(UFAM).Especialização em Produção de Material Didático para EAD (UFAM);Especialização em Produção Textual (UFAM); Especialização emMetodologia do Ensino Superior (UFAM). Licenciatura em Letras LínguaPortuguesa (UFAM). Experiência na área de Letras, atuando principalmentenos seguintes temas: Leitura e produção textual. Revisão textual EducaçãoEspecial de Surdos. Educação a Distância atuando em acompanhamento eAvaliação de Material Didático para Educação à Distância.
Maria Sônia Souza de Oliveira
Professora da Universidade Federal do Amazonas- UFAM/FACED. Mestraem Educação pela Universidade Federal do Amazonas na área da Educaçãode Jovens e Adultos - EJA. Especialista em Docência do Ensino SuperiorPela Faculdade Cândido Mendes e em Psicopedagogia pela UFAM.Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Amazonas/UFAM.Coordenou o Núcleo de Educação de Jovens e Adultos da SecretariaMunicipal de Educação SEMED/Manaus. É membro do Centro de Formação,Desenvolvimento de Tecnologias e Prestação de Serviços para a RedePública de Ensino – CEFORT. É pesquisadora dos seguintes temas: EducaçãoInfantil e Anos Iniciais, Ensino, Desenvolvimento e Aprendizagem,Formação de Professor e Educação à Distância.
Raimunda Josinete dos Santos Carvalho Buás
Professora da rede estadual de ensino, trabalhando no Centro de FormaçãoProfissional Padre José de Anchieta - CEPAN/SEDUC. Especialização emHistória Social da Amazônia e Licenciada em História pela UFAM.
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265Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
Regina Marieta Teixeira Chagas
É Assessora Técnica da Câmara de Educação Superior. Mestra em Educação
pela Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas (2010).
Especialista em Gestão de Sistemas Educacionais pela Faculdade de
Educação da Universidade Federal do Amazonas (2000). Bacharel em
Filosofia pelo Centro de Estudos do Comportamento Humano - CENESCH
(1988) e Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Amazonas
(1997). e Trabalhou como professora credenciada no PEFD Programa
Especial de Formação Docente /FACED-UFAM. Atuou como Diretora de
Departamento - Secretaria de Estado da Educação e Qualidade do Ensino.
Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Planejamento e
Avaliação Educacional, Didática e Teoria e Prática da Alfabetização.
Conselheira do Conselho Estadual de Educação - CEE/AM.
Robert Langlandy de Lira Rosas
Professor de Língua e Literatura Portuguesa da Faculdade de Letras da
UFAM. Graduado em Letras e Mestrado em Educação pela Universidade
Federal do Amazonas. Doutorando em Educação no Programa de Pós-
Graduação em Educação da FACED/UFAM. Exerceu várias funções públicas:
Chefe do Departamento de Letras e Literatura Portuguesa (UFAM).
Atualmente é Secretário de Educação do Município de Itacoatiara.
Principais temas de estudo: formação em leitura e produção textual,
gêneros do discurso, produção de sentidos; na área de Educação: didática
de gêneros textuais.
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)266
Rosejane da Mota Farias
Professora da Universidade Federal do Amazonas. Doutora em Educação
pela Universidade Federal do Amazonas. Pesquisadora nas áreas da Surdez
e Arte-educação com ênfase nas seguintes temáticas: Estudos Surdos,
Educação Especial, Identidades Surdas, Libras, Políticas Linguísticas,
Língua Portuguesa, Teatro e Música. Intérprete de Libras (Língua Brasileira
de Sinais). Musicista e Atriz da Companhia de Teatro “A RÃ QI RI”.
Rosenir de Souza Lira
Professor Adjunto da Universidade Federal do Amazonas, vinculado ao
Departamento de Administração e Planejamento/DAP, da Faculdade de
Educação/ FACED. Doutor em Educação pela Universidad de Valladolid –
Espanha. Mestre em Educação pela Universidade Federal do Amazonas.
Bacharel em Filosofia, Educação Física e Direito. Tem experiência na área
de Educação, com ênfase em Administração de Sistemas Educacionais,
atuando principalmente nos seguintes temas: Legislação educacional,
Projeto de Pesquisa em Educação, antropologia e educação; cidade e
educação ambiental.
Salete da Silva Lima
Mestra em Educação pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM.
Especialista em Produção de Material Didático para Ensino a Distância
pela UFAM e em Divulgação e Jornalismo Científico em Saúde na Amazônia
– FIOCRUZ. Bacharel em Comunicação Social habilitação em Jornalismo
pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Tem experiência na área
de Comunicação, com ênfase em Vídeodifusão, atuando principalmente
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267Um trajeto pelas estradas da pobreza, das desigualdades sociais, dos direitos humanos, daEducação no Estado do Amazonas
nos seguintes temas: televisão, educação e tecnologia e jornalismo
científico.
Thaiany Guedes da Silva
Pesquisadora licenciada em Pedagogia pela Universidade do Estado do
Amazonas. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Mestra em Educação do PPGE
– UNESP (Universidade Estadual Paulista). Temas de interesse: Processos
Cognitivos da Didática das Ciências; Desenvolvimento do Ensino e
Aprendizagem no contexto dos anos iniciais do Ensino Fundamental;
Relações e Mediações dos Saberes da Docência no contexto das práticas
de formação continuada, foco da sua atual pesquisa.
Valdete da Luz Carneiro
Professora Adjunto IV da Universidade Federal do Amazonas, lotada no
Departamento de Administração e Planejamento da FACED. Mestre em
Educação pela Fundação Getúlio Vargas. Tem experiência na área de
Educação, com ênfase em Administração de Sistemas Educacionais e
Planejamento Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas:
Educação do Campo; Currículo e Educação; Educação Básica e Planejamento;
Gestão da Educação. Presidente da Comissão Própria de Avaliação
Institucional/UFAM.
Waldemir Rodrigues Costa Júnior
Professor Assistente I do Departamento de Métodos e Técnicas - DMT da
Faculdade de Educação - FACED/UFAM. Mestre em Geografia pela
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Rosa Mendonça de Brito (Org.)268
Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Atua na formação continuada
de professores, em cursos de pós-graduação lato sensu e como
pesquisador no Centro de Formação Continuada, desenvolvimento de
Tecnologias e Prestação de serviço para a Rede Pública de Ensino – CEFORT/
FACED/UFAM. Tem experiência na área de Geografia e Educação, com ênfase
em Geografia Humana, Geografia Cultural, Ensino de História e Geografia,
atuando principalmente nos seguintes temas: Métodos e técnicas de
ensino; Teorias e métodos de Geografia; Espaço, Cultura e Urbanização
na Amazônia; Currículo, Metodologias de Ensino e Práticas pedagógicas
de História e Geografia no Ensino Fundamental e na Educação Infantil;
Metodologias do Ensino de História e Geografia nos Anos Iniciais do
Ensino Fundamental, entre outros.
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