Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 1
Módulo 1 • Unidade 1
Memória e IdentidadePara início de conversa...
Vamos começar esta unidade, contando uma pequena história. Tra-
ta-se de um caso médico de um paciente do sexo masculino, 26 anos, da
cidade de Raposos, Minas Gerais, casado, Ensino Médio completo, garçom
e cozinheiro. No dia 6 de fevereiro, ele saiu do trabalho às 21 horas, mas
não retornou a sua casa. Ficou dois dias desaparecido e foi encontrado,
vagando próximo à rodoviária de Belo Horizonte, no dia 8, quando foi en-
caminhado ao hospital Instituto Raul Soares.
Ele não se lembrava de nenhum fato relacionado à sua autobiogra-
fia. Não sabia seu nome, nem reconhecia nenhum de seus familiares. Nas
entrevistas com a equipe médica, o paciente dizia não se lembrar de qual-
quer fato ocorrido antes do dia 6 de fevereiro, mostrando dificuldades na
compreensão e no uso de palavras, no reconhecimento e na utilização de
objetos e conceitos culturais. Não sabia mais ler ou escrever.
No hospital, o paciente passou a mostrar-se preocupado com a
perda de memória, tentando aprender tudo o que lhe era informado. Aos
poucos, começou a lembrar-se de alguns fatos, especialmente eventos
isolados da infância.
Após um ano de acompanhamento, o paciente ainda apresentava
apenas lembranças esparsas que não se articulavam bem. Não conseguia
contextualizar o que aprendia e, apesar de não exibir alterações do humor,
mantinha-se socialmente isolado.
Fonte: Este texto foi adaptado de um artigo científico, publicado na Revista de Psiquiatria Clí-nica, da Universidade de São Paulo. Ele esta disponível no endereço eletrônico: http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol35/n1/pdf/26.pdf (acessado em junho de 2010).
Figura 1: Perda de memória: algo não funciona bem na “engrenagem cerebral”.
Módulo 1 • Unidade 12
No caso relatado, um trabalhador simplesmente perdeu a memória sem nenhum mo-
tivo aparente. Ele não se lembrava mais quem era, não se recordava de sua família e havia es-
quecido quase tudo que aprendera durante sua vida. Praticamente, ao perder sua memória,
perdeu também sua identidade. Imagine-se numa situação semelhante: esquecer o próprio
nome, não reconhecer os filhos, não saber mais ler e escrever, ignorar todas as habilidades
profissionais já aprendidas. Como seria possível levar a vida desta forma? Dá para ter uma
ideia de como seria difícil a vida de um indivíduo sem memória, incapaz de ter relações so-
ciais, de trabalhar e ter amigos. E de como é importante a memória na construção da nossa
experiência pessoal e coletiva, e da nossa identidade.
Nesta unidade, vamos entender o que é memória e como ela se relaciona com nossa
identidade. Também vamos discutir o que é a memória social ou coletiva, aquela que nos iden-
tifica com um passado comum, e, portanto, torna-nos brasileiros. Como será que essa memória
foi sendo construída? Como ela é preservada? Quem cuida da memória do povo brasileiro?
Objetivos de aprendizagem � Identificar que a memória dá significado para nossas experiências pessoais e coletivas;
� Analisar as formas e instituições que produzem memórias coletivas;
� Compreender a importância das memórias coletivas e da memória nacional na formação das identidades e da identidade nacional brasileira.
Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 3
Seção 1O trabalho da memória: dar significado a nossas experiências
Todos temos alguma ideia sobre o que é a memória ou para que ela ser-
ve. Falamos em pessoas de “boa memória” ou “sem memória”, citamos aconteci-
mentos e histórias “de memória”, utilizando apenas o que está na nossa cabeça.
Também usamos a memória para realizar exames na escola, guardando certas
informações e utilizando-as na hora certa.
Além disso, sabemos o que é o contrário da memória, isto é, o esquecimen-
to. No caso do paciente que perdeu a memória, tudo era esquecimento. Mas, na
vida normal, esquecemos pouco a pouco, sem perceber que certos acontecimen-
tos, pessoas ou informações desaparecem da nossa memória. Ou ficam lá, bem
escondidos, até que, numa ocasião, voltamos a lembrar.
Quando alguém diz “No meu tempo, era diferente”, está se lembrando do
que viveu em sua época de juventude ou infância. Quando falamos de política,
muitas vezes recorremos a nossas lembranças: “no tempo da inflação alta, era
uma vergonha”, “na época da ditadura, ninguém podia falar mal do governo”. As-
sim, ao utilizar a memória, fazemos comparações, trazemos informações extraí-
das da televisão e dos jornais, coisas que ouvimos dizer e outras que se tornam,
pouco a pouco, experiências comuns.
Recordar é Viver (1985)
Grêmio Recreativo da Escola de Samba Portela (RJ)
Composição: Noca da Portela, J. Rocha, Edir e Poly
A Portela vem
Tão bela, oi, tão bela
Colorindo a passarela
Figura 2: Será que esqueci algo que deveria ter feito?
Módulo 1 • Unidade 14
Com pedaços de alegria
Traz na mente a saudade
No peito, a esperança
Voa Águia em sua liberdade
Abre as asas da lembrança
(Mergulhei)
Mergulhei no passado (e sonhei)
E sonhei, sonhei!
Com o meu mundo encantado
Majestoso e divino (...)
1. O samba-enredo da Escola de Samba Portela convida a um mergulho no passado. A partir desta canção, reflita sobre duas questões:
a) A letra da canção fala sobre as boas lembranças que temos do passado. Indique que versos da canção justificam esta imagem de um passado de felicidades.
b) A partir dos seus conhecimentos, escreva sobre um período ou um acon-tecimento da História do Brasil ou do mundo que traz lembranças ruins ou más recordações.
c) Você diria que concorda com o título da canção? Afinal, recordar é viver?
Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 5
A memória que utilizamos é resultado de
diversas experiências e envolve não apenas o que
lembramos pessoalmente, mas aquilo que a socie-
dade também considera como importante de ser
lembrado ou de ser esquecido. Como podemos ob-
servar pela letra da música “Recordar é viver”, temos
facilidade para lembrar do passado como se fosse
um “mundo encantado, majestoso e divino”. Mas, ig-
noramos ou mantemos em silêncio os momentos de
conflito, tristeza ou de violência.
Uma criança que tenha se queimado com
uma panela quente esforça-se para não se queimar
novamente porque se recorda da dor experimentada. Ainda na infância, a vida social e fa-
miliar mostram a importância de certos conhecimentos para o mundo prático. Daí o ditado
popular: “gato escaldado tem medo de água fria”.
Nós, seres humanos, somos profundamente culturais, isto é, aprendemos com a expe-
riência. O que nos mantém vivos, como indivíduos e espécie, é a nossa capacidade de regis-
trar, preservar e transmitir informações; tanto as informações das nossas próprias experiên-
cias, quanto aquelas que nos chegam por nossos antepassados e pela sociedade.
Por exemplo, um adulto pode alertar uma criança sobre os riscos de tocar numa pane-
la quente com a mão, mas pode ser que só a experiência ensine a ela uma lição inesquecível.
Por isso, na infância, gostamos tanto de experimentar tudo. Afinal, estamos construindo os
nossos conhecimentos sobre o mundo.
Quando nos tornamos jovens e adultos, continuamos a experimentar, mas, princi-
palmente, utilizamos nossos saberes anteriores para darmos respostas mais satisfatórias no
tempo presente. Isso, porém, parece tão natural que quase nunca pensamos no seu funcio-
namento, isto é, no trabalho elaborado pela memória.
Figura 3: Gostamos de recordar momentos bons, como as brincadeiras da infância.
Módulo 1 • Unidade 16
1. Leia o seguinte depoimento e depois responda às duas questões abaixo:
Meu nome é Francisco Alves dos Reis, nascido em 4 de junho de 1924, em Catas Altas da Noruega [Minas Gerais].
Meu pai é José Augusto Alves dos Reis e minha mãe Francisca Firmina de Barros. Eles nasceram em Catas Altas da Noruega [MG]. Meu pai tinha uma pequena fazenda, onde nós trabalhávamos com criação de gado e plantação. Dos 7 aos 12 anos, trabalhei direto na fazenda em todo tipo de serviço: plantar milho, arroz, feijão, capinar e guiar boi para arar a ter-ra. Aos sete anos, aprendi, trabalhando, quantas horas de luz solar há no mês de novembro. Eu guiava boi para arar a terra de sol a sol, naquele mês; e o mês de novembro, realmente, tem 14 horas de luz solar. Eu acor-dava cedinho, começava o serviço quando o sol nascia e acabava com o sol se pondo.
a) Neste depoimento, Francisco fala dos seus aprendizados, trabalhando, ao lado da família, numa pequena fazenda. Segundo o depoimento, quais fo-ram os conhecimentos adquiridos por Francisco?
b) Lembre-se de uma situação em que você considera ter adquirido conheci-mentos importantes para sua vida. Procure se lembrar também quem lhe ensinou ou se você aprendeu sozinho. Relate abaixo a sua experiência.
Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 7
Nas mais diversas situações,
portanto, nossa mente recupera
experiências, retira certas lições e
procura aplicá-las ao mundo pre-
sente. Veja alguns exemplos: uma
receita de bolo aprendida com a
avó; um jeito prático para dar nós
em cordas; a reviravolta no estô-
mago depois de uma apimenta-
da feijoada com couve frita; uma
música cantada pela professora na
escola infantil; as palavras de um
político ditas anos atrás na televi-
são – todos esses exemplos ficam
guardados em nossa mente e são
utilizados quando precisamos to-
mar decisões ou pensar sobre al-
guma situação concreta.
A memória produz significados para nossa história pessoal e auxilia a pessoa a se rela-
cionar com o mundo, com as outras pessoas e com as próprias experiências.
Mas, neste trabalho da memória, há muito mais conflitos que soluções, pois a nossa recor-
dação não é um computador ou um robô de filme de ficção científica que sabe todas as respostas.
Isto ocorre porque a memória transforma-se com a passagem do tempo. Ela se modi-
fica à medida que as experiências vividas exigem novas recordações que ajudem a explicar a
vida e dar-lhe sentido.
Assim, é importante reforçar que:
A memória exige esforço e trabalho, pois, ela constrói o modo como sentimos e entendemos
nossas experiências pessoais e, como veremos a seguir, nossas vivências coletivas.
Figura 4: Fotografia e memória – o registro fotográfico é um importante re-curso para a preservação da memória. A imagem acima registra uma situação ainda hoje muito comum: um grupo de pessoas reúne-se para marcar na me-mória um encontro.
Módulo 1 • Unidade 18
Seção 2A memória coletiva e as identidades
A memória ajuda-nos a construir a relação que temos com o mundo e com os demais
seres humanos. Cada um de nós vive num certo tempo e lugar e definimo-nos a partir das
experiências vividas e das ideias que temos sobre as coisas.
Por exemplo, Ezequiel é cearense de nascimento, filho de D. Luzia e Seu Antonio, am-
bos trabalhadores rurais. Ezequiel mora em Brasília, há 32 anos, trabalha como motorista de
ônibus, torce para o Flamengo, é católico, casado há 17 anos, tem 4 filhos.
Para cada uma destas características, Ezequiel tem as mais diversas memórias e ele se co-
loca no mundo a partir delas. Se perguntássemos a ele: “Ezequiel, quem é você?” O que será que
ele diria? E se ele for parado na rua por uma viatura policial, qual será a resposta? E se o chefe
dele perguntar a mesma coisa? E, finalmente, quando Ezequiel morrer, o que diremos sobre ele?
Para cada situação, a identidade e a memória de um individuo também se reorgani-
zam a partir das experiências, necessidades e desejos. E, principalmente, conforme as cir-
cunstâncias. Imagine que Ezequiel foi visitar o Estádio do Maracanã pela primeira vez e, por
engano, foi parar no meio da torcida do Fluminense. Ele poderá dizer que é um motorista de
ônibus, um cearense e pai de família, mas provavelmente não irá se apresentar como flamen-
guista, porque sabe que provocaria muitas inimizades.
Percebemos assim que:
A identidade pessoal precisa da memória para construir nosso lugar no tempo e no espaço.
Não dá para separar a memória do indivíduo da memória dos grupos sociais do qual ele faz
farte. Quando alguém se identifica como japonês ou mineiro ou agricultor ou jovem ou mulher,
já está se incluindo num grupo, isto é, numa coletividade, seja ela um país ou uma faixa de idade.
Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 9
1. Na sua comunidade ou na cidade onde mora, existem diversas coletividades e or-ganizações sociais, como times de futebol, igrejas, sindicatos, clubes, grupos de música e associações comunitárias.
Escolha uma destas organizações que você conheça melhor e, em seu caderno, identifique as seguintes características:
a) Quais são as principais atividades que as pessoas realizam nesta organiza-ção?
b) Que ideias e pensamentos comuns reúnem estas pessoas nesta organiza-ção?
c) Narre como foi o início desta organização: sua fundação, os primeiros par-ticipantes etc.
A partir da descrição que você fez desta organização social, podemos entender melhor
como construímos identidades coletivas. Nessas coletividades, vivemos experiências diversas e
relacionamo-nos, construindo uma memória comum sobre essas experiências. Essa memória
vai se transformando na própria história dos grupos sociais e, à medida que nos identificamos
com ela, também nos mantemos identificados com outros membros do mesmo grupo.
Assim, as identidades coletivas são resultado da experiência dos vários grupos e da
sociedade. Desse modo, um indivíduo pode se identificar como morador de um certo lugar,
torcedor de um time de futebol, membro de um sindicato, fiel a uma determinada religião e
pertencente a uma nação.
Módulo 1 • Unidade 110
Mas, as memórias coletivas não são apenas
resultado das nossas experiências pessoais, isto é,
das situações vividas efetivamente por nós. Numa
sociedade complexa como a nossa, as memórias co-
letivas são construídas de um modo imaginário, isto
é, são difundidas como se todos tivessem compar-
tilhado o mesmo passado de experiências comuns.
Veja um exemplo. Todo cristão tem um passa-
do comum de vivências religiosas que relembram a
trajetória do conjunto dos cristãos e até mesmo, de
Jesus Cristo. Para celebrar a sua fé, os cristãos realizam
rituais religiosos onde reproduzem os mesmos gestos, rezam as mesmas orações e utilizam
os mesmos símbolos. Cada cristão, em qualquer parte do mundo, sabe da existência da sua
comunidade religiosa, mas ele não pode conhecer pessoalmente todos os outros cristãos. Ele
vivencia sua comunidade de um modo imaginário.
Isso também é válido para
outras comunidades: de traba-
lhadores do comércio, de fla-
menguistas, de paranaenses ou
de brasileiros. O problema, en-
tão, é o seguinte: por que acredi-
tamos nestas comunidades ima-
ginárias, se não as vivenciamos?
Em outras palavras, o que nos faz
crer que participamos de uma
identidade coletiva, se não vive-
mos junto com todas as pessoas
da mesma comunidade?
Veremos, na próxima seção, como essa construção da memória coletiva acontece!
Figura 5: Cristãos, em várias partes do mundo, realizam rituais religiosos onde reproduzem gestos e orações que os tornam parte da mesma comunidade.
• Memória coletiva: conjunto
de significações, construído
por um grupo social, a partir
de vivências comuns.
• Identidade: quando um indí-
viduo ou grupo social constrói
uma identificação específica
sobre seu lugar no tempo e
no espaço, a partir de uma
memória (vivência).
Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 11
Seção 3A construção das memórias coletivas
Na seção anterior, dissemos que a memória precisa de ação individual e coletiva, um
trabalho que realizamos sobre o passado, recordando e recriando significados que nos aju-
dam a viver e relacionar-nos.
A memória coletiva de grandes comunidades (uma religião, uma categoria profissio-
nal, um time de futebol) também é uma forma de trabalho que se realiza sobre o passado.
Mas, nesse caso, não é apenas um indivíduo ou grupo de pessoas conhecidas que interpreta
o passado, mas instituições sociais que reconstroem a história e procuram dar sentido à ex-
periência do presente.
Tais instituições podem ser as igrejas, os sindicatos ou os clubes. Elas utilizam várias
estratégias para difundir significados sobre o passado e garantir que uma certa memória seja
preservada. Por isso, dizemos que as instituições produzem a memória e contribuem para
que as pessoas participem destas identidades coletivas.
Há várias formas de construir e difundir a memória coletiva, através de livros, filmes,
imagens, depoimentos pessoais, canções, hinos, símbolos, entre outros. Cada instituição en-
contra também cerimônias próprias para reforçar esses vínculos. Por exemplo, um sindicato
comemora o aniversário de fundação com uma grande festa, onde se recordam as lutas dos
primeiros trabalhadores. Nas igrejas, os rituais são mar-
cados pela memória dos fundadores daquela religião.
Numa cidade, as praças e ruas principais pos-
suem nomes de personagens conhecidos da sociedade
e da política local ou nacional. Também se constroem
monumentos arquitetônicos que reforçam uma deter-
minada memória. Esses monumentos podem ser de vá-
rios tipos: uma estátua no meio da praça, uma escultura
em formas abstratas, uma pequena placa de metal com
inscrições ou até mesmo um edifício público pode ser
construído para lembrar uma determinada personalida-
de ou um fato histórico. Figura 6: Praça Tiradentes, na Cidade do Rio de Janeiro/RJ.
Módulo 1 • Unidade 112
A foto anterior é da Praça Tiradentes, localizada na região central da Cidade do Rio de
Janeiro. A praça tem o nome de um daqueles que é considerado um dos heróis da História
do Brasil, Tiradentes, um dos líderes do fracassado movimento pela Independência do Brasil,
a Inconfidência Mineira de 1789. A praça, no entanto, tem em seu centro uma estátua de
D. Pedro I, líder do movimento que levou a nossa independência em 1822, nosso primeiro
imperador e herdeiro da família real que condenou Tiradentes à forca. Dessa forma, numa
memória pacificada, D. Pedro I habita a Praça Tiradentes.
1. Faça uma pesquisa durante o percurso entre a sua casa e o seu trabalho (ou entre sua casa e a escola), e registre em seu caderno a partir de três etapas:
1°) 1º) registre o nome de uma rua ou praça que você conheça e que se refere a um personagem histórico (não precisa ser apenas políticos conhecidos, pode ser alguém da comunidade);
2°) 2º) Escreva abaixo o que você sabe sobre este personagem;
3°) 3º) Em sala de aula, compartilhe o que escreveu com seus colegas e ouça o que eles descobriram.
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A partir desta atividade (mesmo que você
não tenha compartilhado com os colegas na escola),
você pode ter uma ideia de como a memória coletiva
é produzida. Alguns nomes lembram acontecimen-
tos e personagens, conhecidos e glorificados pela
História do país, como “15 de novembro”, “D. Pedro II”
etc., outros nomes valorizam os políticos locais, mas
há ainda espaço para a memória do homem comum, um trabalhador falecido de um modo
trágico, uma professora lembrada com carinho etc.
Portanto, há diferentes memórias
convivendo e sendo produzidas
ao mesmo tempo na nossa socie-
dade. Também convivemos com
múltiplas identidades coletivas.
Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 13
Seção 4A “construção da memória nacional e da identidade nacional“
Com frequência, ouvimos ou dizemos frases do tipo:
“No Brasil, é assim mesmo, político rouba e não vai preso.”
“Brasileiro é assim, amigo de todo mundo, acolhedor, mas quer levar a vida sem esforço e não gosta de trabalho”.
“Este país não vai pra frente porque fomos colonizados pelos portugueses. Se a Inglaterra tivesse nos colonizado, aí seria diferente, como nos Estados Unidos que é um país rico e poderoso”.
Essas perguntas ajudam-nos a explicar quem somos e a entender como nos formamos
como povo e como compatriotas. A condição de brasileiro também ajuda a interpretar como
vivem e quem são os “não brasileiros”. Com efeito, ouvimos ou repetimos por aí:
“Os japoneses são trabalhadores e sérios”.
“Os argentinos são arrogantes, pretensiosos, especialmente, no futebol”.
“Os italianos são muito simpáticos, brincalhões e falam alto”.
Mas, será que essas noções podem mesmo explicar nossa condição ou as condições
de vida dos outros povos? Será que só no Brasil os políticos corruptos não vão para a cadeia?
Será que não gostamos de trabalho ou não gostamos de salários baixos e exploração? Será
que as misérias do país são fruto apenas da colonização portuguesa? Enfim, será que cada
povo ou nação pode ser identificado por características tão reduzidas assim?
Módulo 1 • Unidade 114
Com certeza, os milhões de brasileiros, em meio à vastidão do nosso território e nossa
diversidade cultural, não poderiam ser definidos de forma tão simplificada. Trata-se de opini-
ões, pontos de vista e reduções de indivíduos, grupos sociais ou instituições que, em muitas
vezes, reforçam-os por interesses próprios.
A própria ideia de que somos brasileiros e
de que devemos nos sentir unidos e solidários foi,
portanto, construída ao longo de várias décadas e é
constantemente reforçada e transformada. Na Histó-
ria do Brasil quem teve maiores condições de definir
esta identidade foi o Estado brasileiro sob o controle
dos grupos sociais mais poderosos, isto é, as elites.
Isto ocorre porque os grupos e classes sociais
que controlam o Estado brasileiro procuram trans-
formar as suas memórias na memória do país. No entanto, outros grupos e classes também
lutam para garantir sua presença como parte da memória nacional. Assim, há uma tensão,
uma disputa pela memória.
Vejamos como este tema pode ser observado pelos feriados nacionais. Eles são defini-
dos pela legislação, aprovada no Congresso Nacional, pelos deputados e senadores. Por que
e para que uma determinada data é transformada
em feriado? No Brasil, temos feriados cívicos, isto é,
ligados a acontecimentos públicos, de caráter polí-
tico, e feriados religiosos. Em cada feriado, além de
aproveitarmos para descansar, sempre nos lembra-
mos, de alguma forma, do motivo que deu origem
ao feriado. No dia 1º de maio, sabemos que é Dia do
Trabalhador; no Natal, o nascimento de Cristo; em
15 de novembro, a Proclamação da República.
Apenas citando datas históricas, já é possível
refletir sobre as tensões que envolvem a construção
da memória nacional e os interesses dos vários gru-
pos sociais. As datas revelam um esforço de preser-
Há, portanto, uma diferença entre
as memórias e identidades cole-
tivas e a memória e identidade
nacional. As memórias coletivas
são múltiplas, diversas e convivem
com a diversidade, enquanto a
memória nacional tende a ser uma
só, unificada.
Figura 7: Manifestação operária na Cidade do Porto, em Portugal, em 1980. Comemoração do 1º de Maio reúne trabalhadores que lutam por melhores condições de vida e, desta forma, reforçam sua identidade coletiva.
Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 15
vação e manutenção das memórias coletivas que disputam entre si para ampliar sua influ-
ência sobre a sociedade. Pense, por exemplo, que o Natal é uma festividade importante no
Brasil, porque a maioria das pessoas que vive aqui é de origem cristã. Nos países muçulmanos
ou de tradição judaica, por exemplo, não existe Natal e as datas religiosas importantes são
outras.
Podemos pensar ainda numa situação mais evidente dessas disputas sobre a memó-
ria. Tradicionalmente, o fim da escravidão, no Brasil, é lembrado pela data 13 de maio, quando
a Princesa Isabel assinou a famosa Lei Áurea, em 1888, declarando livres todos os escravos
até aquele momento. Mas os movimentos sociais de combate ao racismo e afirmação da po-
pulação negra defendem, há muitas décadas, que a data fundamental é o 20 de novembro,
quando Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, foi morto, em 1695.
A disputa em torno das duas datas tem motivos muito sérios. Na primeira data, a me-
mória que fica registrada é a do ato da Princesa que concedeu a liberdade aos escravos; na
segunda data, permanece a memória do mais importante e conhecido líder negro que com-
bateu a escravidão. São leituras opostas sobre o passado que revelam as tensões e diferenças
entre os grupos sociais no tempo presente.
Discutiremos esse assunto mais a fundo na Unidade 3, quando falaremos da formação
do Estado e da sociedade brasileiros.
Nesta unidade, refletimos sobre a memória como um permanente trabalho de dar sig-
nificados a nossas experiências cotidianas. Com base nessa reflexão, discutimos como a me-
mória de cada um (a memória individual) relaciona-se com as memórias da comunidade e as
memórias da sociedade brasileira, e procuramos entender porque a memória é um elemento
importante da nossa identidade pessoal e coletiva.
Discutimos também como a memória coletiva é fruto de diversas contribuições e
vimos como ela constrói identidades coletivas. Finalmente, começamos a analisar de que
modo são produzidas as memórias coletivas e a memória nacional. Na unidade seguinte, va-
mos entender como a história da formação da sociedade brasileira tem sido contada e como
tem ocultado a memória de diversos grupos sociais e étnicos.
Módulo 1 • Unidade 116
O dia 13 de maio de 1888 marcou oficialmente o fim da escravidão no Brasil, através de uma lei assinada pela Princesa Isabel, durante uma via-gem de Dom Pedro II ao exterior. Naquela oportunidade, houve uma série de comemorações, principalmente no Rio de Janeiro, capital do Império. Vários ex-escravos saíram às ruas, comemorando o feito. É ver-dade que em várias regiões do país o trabalho escravo persistiu e só foi abolido no início do século XX. Ainda nos dias de hoje, volta e meia, a imprensa dá-nos informações sobre a existência do trabalho escravo em várias regiões do país.
O movimento negro, então, resolveu abolir essa data e comemorar a ne-gritude no dia 20 de novembro, denominado Dia da Consciência Negra. Razão mais que justa, pois, de fato, o 13 de maio foi uma data que ocor-reu de “cima para baixo”, sem a participação dos principais interessados no tema, apesar de haver no Brasil um movimento abolicionista bem forte naquele período, principalmente nas cidades mais importantes do sudeste do país.
Ricardo Barros Sayeg
Fonte: http://sinaisdahistoria.blogspot.com/2010/05/abolicao-da-escravatura-13- de-maio.html (acesso em 20 de março de 2011)
1. Em sua opinião, o que significa comemorar uma data histórica? Que data deveria ser comemorada: 13 de maio ou 20 de novembro?
2. Você conhece outras datas históricas que geram disputas entre memórias distin-tas? Por que isso ocorre?
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Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 17
Se você tem interesse em ampliar seus conhecimentos sobre memória e identidade,
damos as seguintes sugestões.
Filme
Narradores de Javé. Direção: Eliane Caffé. Brasil, 2003.
A pequena cidade de Javé será inundada pela construção de uma represa. A única chance dos moradores é provar que a cidade possui um “patrimônio histórico” que impeça a inundação. O carteiro Antonio Biá é o único que sabe escrever, por isto, é escolhido para recolher os relatos dos moradores e fazer um livro, documentando a importância do local. O filme é uma comédia sobre as dificuldades enfrentadas quando se pretende defender um patrimônio histórico que tem importância local, mas não é relevante para o Estado.
Livro
“Infância”, Graciliano Ramos, 1945.
Livro narra a infância do autor, o alagoano Graciliano Ramos (1892-1953), de um modo ficcional, isto é, misturando aspectos vividos por ele a outros elementos in-ventados.
Site
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional é um órgão responsável pela definição dos lugares, objetos e práticas culturais que serão preservados como “patrimônio”. No site, você pode acessar muitas informações sobre o pa-trimônio histórico brasileiro. Se você clicar em “coletânea”, no alto da página, e acessar “Dossiê do Patrimônio Imaterial”, pode conhecer as várias práticas popu-lares que foram registradas como parte do nosso patrimônio, no endereço www.iphan.gov.br
Módulo 1 • Unidade 118
Seção 1 – O trabalho da memória: dar significado a nossas
experiências
Atividade 1
a) A canção traz como título “recordar é viver” e fala sobre as lembranças e saudades que temos do passado. Na letra, o passado é representado como um mundo encantado, divino e maravilhoso.
b) Resposta pessoal onde o aluno a partir dos seus conhecimentos, deve re-latar sobre um período ou um acontecimento da História do Brasil ou do mundo que traz lembranças ruins ou más recordações.
c) Resposta pessoal que pede uma reflexão sobre a relação entre o recordar, a memória e a vida presente e futura.
Atividade 2
a) No depoimento, o senhor Francisco fala dos seus aprendizados, ao lado da família, numa pequena fazenda. Lá ele adquiriu conhecimentos sobre como plantar, capinar e manejar os bois no arejo. Também aprendeu sobre o tempo da natureza, as relações entre o sol, a duração dos dias e a ativida-de agrícola.
b) Resposta pessoal em que o aluno deve recordar-se de uma situação que considera ter adquirido conhecimentos importantes para sua vida.
Seção 2 – A memória coletiva e as identidades
Atividade 3
a) Relate as principais atividades que as pessoas realizam nesta organização pesquisada.
b) Identifique as ideias e pensamentos comuns que reúnem estas pessoas na organização pesquisada.
c) Faça uma breve narrativa, contando como foi o início desta organização: sua fundação, os primeiros participantes etc.
Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 19
Seção 3 – A construção das memórias coletivas
Atividade 4
a) Registre o nome de uma rua ou praça que você conheça e que se refere a um personagem histórico (não precisa ser apenas políticos conhecidos, pode ser alguém da comunidade);
b) Escreva abaixo o que você sabe sobre este personagem;
c) Em sala de aula, compartilhe o que escreveu com seus colegas e ouça o que eles descobriram.
Seção 4 – A “construção da memória nacional e da identidade
nacional“
Atividade 5
a) Expresse sua opinião sobre o que significa comemorar uma data histórica e explique qual a diferença entre o 13 de maio ou 20 de novembro.
b) Datas históricas geram disputas entre memórias distintas, como por exem-plo, as comemorações sobre o “Descobrimento do Brasil” ao qual se opõem várias outras interpretações que questionam a data, os sujeitos envolvidos e a noção de descobrimento.
Referências
Imagens
• http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=view&id=992762 • MajorosAttila.
• http://www.sxc.hu/photo/987763 • arte_ram(desconhecido).
• http://www.sxc.hu/photo/734189• MaartenUilenbroek.
Módulo 1 • Unidade 120
• http://www.sxc.hu/photo/1152328 • JosephineCarino.
• http://www.dominiopublico.gov.br/download/imagem/jn005231.jpg
• http://www.flickr.com/photos/ecpelotas/2968902204/ • EsporteClubePelotas.
• http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:PracaTiradentesRJ.JPG
• http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:1%C2%BA_Maio_1980_Porto_by_Henrique_
Matos.jpg
• http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=1220957 • IvanProle.
• http://www.sxc.hu/985516_96035528.
• http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=1254880 • ArtemChernyshevych.
Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 21
Anexo • Módulo 1 • Unidade 1
O que perguntam por ai?
(ENEM 2011, Ciências Humanas e suas tecnologias, questão 26)
1. É difícil encontrar um texto sobre a Proclamação da República no Brasil que não cite a afirmação de Aristides Lobo, no Diário Popular de São Paulo, de que “o povo assistiu àquilo bestializado”. Esta versão foi relida pelos enaltecedores da revolução de 1930, que não descuidaram da forma republicana, mas realçaram a exclusão social, o militarismo e o estrangeirismo da fórmula implantada em 1989. Isto porque o Brasil brasileiro teria nascido em 1930.
Mello M. T. C. A República Consentida: cultura democrática e científica no final do Império. Rio de Janeiro: FGV, 2007 (adaptado)
O texto defende que a consolidação de uma determinada memória sobre a Procla-
mação da República no Brasil teve, na revolução de 1930, um dos seus momentos mais
importantes. Os defensores da Revolução de 1930 procuraram construir uma visão negativa
para os eventos de 1889, porque esta era uma maneira de
a) valorizar as propostas políticas democráticas e liberais vitoriosas.
b) resgatar simbolicamente as figuras políticas ligadas à Monarquia.
c) criticar a política educacional, adotada durante a República Velha.
d) legitimar a ordem política, inaugurada com a chegada desse grupo ao poder.
e) destacar a ampla participação popular, obtida no processo de Proclamação.
Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 23
Anexo • Módulo 1 • Unidade 1
Caia na Rede
Você provavelmente já brincou de “jogo de memória”? É um jogo bem simples, que
“premia” aqueles que têm a melhor memória. O legal desse tipo de jogo é que você, brincan-
do, aumenta sua capacidade de armazenamento de informação.
Há uma infinidade de jogos deste tipo. Disporemos abaixo uns links com alguns deles. O
legal desses jogos na Internet é que não precisamos dos cartões e nem é preciso embaralhá-los.
Este primeiro jogo é o mais simples dos que iremos apresentar. Veja como você se sai:
� http://www.jogosweb.net/jogo/dino-memory/
Já este aqui é mais elaborado. Tem mais “cartões” e tem também uma pontuação (re-
pare no canto esquerdo superior da tela). Cada “cartão” virado resulta em um ponto a menos.
� http://www.jogosweb.net/jogo/memory-game/
Este último é o mais elaborado. Repare que ele tem três fases: fácil (easy), intermediário
(medium) e difícil (hard). Conforme a dificuldade vai aumentando, maior é o número de car-
tões. Repare que ao invés de uma pontuação, como no jogo anterior, este aqui mede o tempo
que você demora para fechar o jogo. O nível difícil tem 100 cartões! Será que você consegue
resolver? Boa sorte!
� http://jogos360.uol.com.br/testando_a_memoria.html
Ciências Humanas e suas Tecnologias • História 25
Anexo • Módulo 1 • Unidade 1
Megamente
Apesar das pessoas terem diferentes aptidões
quando se trata de memória, podemos sempre me-
lhorá-la através de exercícios. Os “jogos de memória”,
como os que sugerimos na seção anterior, são ótimos
para isso. Mas não são necessários cartões desse tipo
de jogo, nem os jogos online que sugerimos, para
podemos exercitar a memória a qualquer momento,
como no caminho de casa ou do trabalho. Você sabe,
por exemplo, quais são as ruas pelas quais você passa
diariamente, seja a pé, de ônibus ou de carro? Com
certeza sim e é até capaz de fazer todo o percurso no
“automático”, já que ele está memorizado.
Então, vou propor um desafio ao seu cérebro!
Experimente ir para o mesmo local que vai todos os
dias usando um caminho diferente. Entre em outras
ruas, pegue um ônibus que faça outro percurso! En-
fim, estimule seu cérebro a realizar tarefas diferentes!
O cérebro é rico em moléculas
chamadas neurotrofinas, produ-
zidas pelos neurônios, que agem
como uma espécie de nutriente
para o órgão. A quantidade de
neurotrofina produzida depende
da atividade das células cerebrais.
Alguns estímulos, especialmente
aqueles envolvendo experiências
novas e que quebram rotinas,
provocam a produção de maiores
quantidades dessas moléculas.
Exercícios conhecidos como neu-
roaeróbica tornam nosso cérebro
mais ágil e mais flexível de uma
forma geral, mais apto a realizar
qualquer tarefa mental, não im-
porta se relacionada à memoriza-
ção, operacionalização ou criação.