Mulheres Professoras a Busca dos seus Processos de Subjetivação a Luz da Teoriade João dos Santos
Patrícia Helena Carvalho Holanda-UFC1
A verdadeira higiene mental diz respeito
à educação, à introdução duma nova pedagogia.
A Higiene Mental é um mito, a Pedagogia é o futuro.
João dos Santos – ensaios sobre educação II, 1983
O trabalho trata de percursos de mulheres professoras, para entender algumas
mudanças, em curso quanto ao papel da mulher na sociedade brasileira, em face dos
diversos desafios postos pelo mundo atual. Parte da problemática histórica da função e
redefinição da família e da escola como nos mostram João dos Santos (2010), Del
Priore (2006), Roudinesco (2003), Tedesco (2008), entre outros, em face da crise social
do sistema tradicional de educação, ante a oferta ampliada de escolarização, as novas
tecnologias de comunicação, os conflitos de identidade de gênero, reformas educativas
ditadas pelo poder estatal e redefinição dos papéis de pais e professores.
Com base na literatura consultada, examina vários aspectos relacionados: 1) ao
papel atribuído à mulher na família e na escola; 2) aos novos arranjos familiares, onde
figuram distintas dinâmicas afetivas, funções sociais e regras de autoridade, que
envolvem crianças e adolescentes; 3) à transferência do papel educativo da família para
a escola; 4) ao crescente número de mulheres como chefe de família.
O texto é um recorte de uma pesquisa que se encontra vinculada a um projeto
maior de investigação, que configura-se mais claramente como um conjunto integrado
de estudos, que procura associar as investigações da Linha de História da Educação
Comparada (LHEC). Esta constituída por pesquisadores-orientadores e orientandos do
Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da UFC e pesquisadores
colaboradores de uma rede interinstitucional articulada e em processo de expansão. O
referido conjunto é composto por vários subprojetos, que têm como propósito dar
continuidade ao trabalho iniciado em 2011 e também ampliar suas possibilidades de
Professora Associada da Faculdade de Educação da UFC e do Programa de Pós-Graduação emEducação.
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investigação, ao adotar como temática de estudo Família, Educação, Mulher e
Sexualidade.
O nosso interesse em desenvolver uma investigação como professoras e
pesquisadoras da Linha História da Educação Comparada, especificamente, no eixo
Família, Sexualidade e Educação, contemplando a temática acima descrita, resulta de
um acúmulo de experiências que tivemos, quando da elaboração das nossas pesquisas
de mestrado, doutorado e pós-doutorado, assim como da nossa história de vida e prática
docente, as quais explicitaram a necessidade de, como intelectuais, estudarmos o
desenvolvimento de novos perfis da profissional do magistério, consciente do seu papel
e da exigência crescente, de que seja um agente capaz de desenvolver uma educação de
qualidade.
As discussões aqui desenvolvidas, tiveram início em nossa dissertação de
mestrado (HOLANDA, 1996)2, quando fizemos uma análise da aprendizagem da leitura
e da escrita, levando em conta, tanto os aspectos cognitivos inerentes a ela, mas também
considerando a aprendizagem como uma atividade inscrita, para além da esfera
cognitiva, no campo da afetividade, que pode ser alvo de distúrbios, no transcorrer do
seu desenvolvimento. Nesta pesquisa são levantados aspectos de ordem cognitiva e
subjetiva da aprendizagem, discutindo se os professores da escola se encontravam
preparados para lidar com questões afetas ao âmbito da Psicologia. Busca-se, ainda, a
necessidade de refletir sobre a relação entre a educação e a família, no sentido de
compreender algumas mudanças assinaladas pela literatura, nos anos 1990 e buscar uma
articulação entre economia e sociedade, em face dos desafios postos para a educação no
terceiro milênio.
A preocupação com as questões relacionadas ao papel educativo da família e
aos papéis assumidos pelas mulheres, na sociedade atual, tem permeado algumas
discussões realizadas no âmbito das instituições escolares, como nos mostra TEDESCO
(2008), em face da “crise do sistema tradicional” de educação, ante a necessidade de
2 Esta dissertação de mestrado foi publicada, em 1998, pela editora Unijuí no livro intitulado,Alfabetização: uma visão construtivista e psicanalítica.
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oferta de acesso e educação de qualidade ampliada, as novas tecnologias, os conflitos de
identidade, reformas educativas e redefinição dos papéis de pais e professores.
No Brasil, com a expansão das “políticas de inclusão”, por parte do Ministério
da Educação, que veicula um discurso em defesa da “educação como direito de todos” e
do processo de inclusão educacional, numa perspectiva coletiva3, as instituições de
ensino ficaram em evidência. Tal situação coloca em xeque, se os procedimentos dos
professores em sala de aula, por terem uma formação pedagógica deficitária, tendem a
repetir as práticas pedagógicas dos seus antigos mestres. Essa avaliação negativa teve
repercussão na teoria, na metodologia, na prática educativa, na relação professor-aluno
e, em última instância, na sala de aula, gerando novos sentidos e significados que estão
intrinsecamente relacionados à história de vidas de seus atores, ou seja, na relação entre
objetividade e subjetividade.
Destarte, retomamos o enfoque psicossocial desenvolvido na nossa dissertação
de mestrado e o ampliamos, no sentido de compreender como as mulheres professoras
estão lidando com as questões relativas à sexualidade e às políticas de inclusão social,
em face da problemática das diferentes origens sociais e configurações familiares,
refletidas nos seus discursos de construção de identidade.
Adicione-se a isso a indagação sobre o tipo de sujeito feminino e sexuado
enfocado na constituição de discursos socialmente produzidos sobre o papel das
mulheres e delas próprias sobre si mesmas. E por último, intencionamos responder
como essas representações sociais produzem efeitos nos próprios discursos produzidos
por mulheres professoras nos seus processos de construção de sua subjetivação no
âmbito de sua sexualidade e profissão.
Essa opção deve-se, ao fato, do papel da mulher na família ser considerado,
ainda hoje, parte fundamental. Essa situação se repete no debate sobre a educação
escolar nas sociedades atuais, em face dos novos arranjos familiares que envolvem
crianças e adolescentes, da transferência do papel educativo da família para a escola e
do crescente número de mulheres como chefe de família. Isso tem despertado a queixa
por parte do professorado, de que este estaria assumindo certas tarefas de socialização,
antes creditada à família e, em última instância, à mãe. Trata-se de um fenômeno que
Consulta Documento subsidiário à política de inclusão do MEC
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parece evidenciar que, apesar das mulheres nos dias atuais terem ampliado a sua
inserção no mercado de trabalho, tal fato não representa uma mudança ideológica
significativa, ao ponto de incidir sobre conquistas de direitos e valorização social
efetiva.
Para tanto, fizemos uma opção preferencial pelo referencial psicanalítico
privilegiando a teoria do psicanalista, médico e educador João dos Santos (1913-1987)4,
que pertence à segunda geração de psicanalistas ligados a Freud, considerado hoje um
dos introdutores da Psicanálise e um dos fundadores do Grupo de Estudos Português de
Psicanálise. Sua obra nos coloca diante de uma visão integrada de desenvolvimento
humano, que envolve a educação na família, na escola e na comunidade, ao propor uma
pedagogia terapêutica. Nossa fonte de consulta foi à tese de doutoramento de Maria
Eugenia Carvalho e Branco e a obra de sua autoria intitulada, João dos Santos: a saúde
mental em Portugal – uma revolução de futuro. Nesse trabalho, a autora dá continuidade
de forma primorosa à divulgação da obra do psicanalista e humanista português que foi
o responsável pelo “enraizamento da Psiquiatria Infantil na Psicanálise” em Portugal
(Branco 2013, p. 13). O autor aludido adota uma posição de vanguarda, ao defender um
“avanço para a Psicologia e a Educação, quando propõe uma teoria do indivíduo e uma
Pedagogia que abrange as dimensões cognitiva e afetiva” (Holanda e Cavalcante, 2013,
p.166).
Ao adotar tal referencial fizemos uma opção pela pesquisa qualitativa, o que se
deve ao fato de nossa abordagem incidir sobre o universo psicossocial, fenomenológico
e multidisciplinar, na qual serão tratados de forma articulada: Laços Familiares,
Inserção no Trabalho, Constituição do Sujeito e Processo Educacional. O enfoque
interdisciplinar envolve a Sociologia, a Psicologia, a Educação, a Demografia e a
História. Sem esquecer, da preocupação de buscar os significados atribuídos pelos
sujeitos da investigação sobre família, trabalho, educação e sexualidade.
Por se tratar de um estudo sobre mudança social, envolve ainda uma dimensão
de historicidade, o que exige alguma incursão no campo da História, no que se refere ao
No exílio em Paris, durante o regime salazarista, terá convivido com psicanalistas franceses importantes
e se aproximado dos estudos de Piaget (1896-1980) e Wallon (1879-1963).
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traçado genealógico da instituição familiar e ao entendimento do sentido da
transformação e diferenciação do significado social da família contemporânea.
No momento, apresentamos conclusões parciais da nossa investigação, que tem
como objetivo compreender a constituição de sujeitos, no âmbito de uma família que
parece ter deixado de ser patriarcal, para ingressar numa configuração de ascensão do
papel do feminino em sua regulação.
O Referencial Santiano
A teoria de João dos Santos aborda a relação entre a subjetividade e a
objetividade. Para ele, a subjetividade é o processo que constitui o indivíduo de modo
singular. É a trama psicológica de cada ser humano, como se dão as relações internas
destes, demonstrado que o educador tem que estar atento tanto nos alunos quanto em si
mesmo não só ao consciente, mas também, e principalmente, ao inconsciente, onde está
a sua maior força psíquica. A dimensão objetiva foi estudada por ele em autores como
Piaget por possibilita a compreensão biológica da gênese do conhecimento oferecendo
ao professor ferramentas para lidar com as particularidades de cada fase de
aprendizagem que o educando passa, explorando as possibilidades e respeitando os
limites de cada uma delas. Em seus estudos no laboratório de Psicobiologia criado por
Wallon, compreendeu que a formação da subjetividade do ser possui fortes e
determinantes influências dos meios sociais a que estes estejam inseridos. Dessa forma,
esses estudiosos despertaram o educador para o aspecto de que as diferenças sociais
podem vir a interferir no processo de aprendizagem de seus educandos, oferecendo
suporte teórico para lidar com elas, buscando mecanismos de superá-la. Para ele, “os
melhores educadores são os que actuam espontaneamente no plano que é social, porque
a educação não pode fazer-se somente na escola mas na comunidade integrada”
(Branco, 2010, p. 108).
João dos Santos critica essa pedagogia que apregoa um distanciamento da
família demonstrando a articulação da cognição com a subjetividade no registro que
Branco (2010) faz do seu pensamento quando escreveu, ao demonstrar a importância do
conhecimento psicanalítico para a educação, sobretudo, na ênfase que faz sobre a
importância da infância.
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O preconceito escolar que fez da educação uma técnica pedagógica levoua esquecer que a criança aprende com a mãe, antes dos três anos, tudo oque há de essencial ao homem: a dominar-se, a andar, a manipular, a falare a pensar. O desconhecimento de que não se aprende com a mãe, não ésusceptível de ser aprendido didacticamente, leva muitos a considerar eânimo leve as relações amorosas, o casamento, o divórcio e o destino dosfilhos (p. 456)
Como diz Branco (2010) o ser humano para João dos Santos tem uma dívida
impagável para com a mãe, no que é importante destacar que nesse aspecto ele vai ao
encontro do pensamento de Winnicott (1896 -1971). Para ele as bases da saúde mental
estavam na primeira infância. Ele é conhecido pela famosa frase “não há uma coisa
chamada bebê” ao intencionar dizer não há criança sem a mãe (que não precisa
necessariamente ser a biológica).
Para ele, o processo de subjetivação da criança depende de múltiplos fatores, tais
como, a relação mãe-bebê- pai, a família alargada, o meio, a educação, a
hereditariedade, os casos da vida. Tal processo vai constituir sua forma de pensar, se
comportar, sentir, reagir, ou seja, seu modo de ser que em última instância é a
subjetividade. Branco (2010) ilustra essa apropriação do material do mundo cultural e
social, ao referir-se como espaços que vão ser usado pela a criança para a construção de
si próprio. Para tanto, destaca a evocação autobiográfica de João dos Santos sobre a
importância do apoio da família alargada na constituição da subjetividade da criança e
do seu mundo subjetivo em movimento:
São as pessoas que nos permitem o deslocamento dos afetos mais diretos queactuámos, primeiro, para com os pais, depois, para com os outros personagensprivilegiados, como os avós e os tios (...). Que os homens da família, os meusinúmeros tios, tiveram uma importância grande na minha formação, é um factopara mim ausente. Com a tia Elvira aprendi a comunicar na espiritualidade poética.Com a tia Virgínia, a apreciar a inteligência dos homens cultos e a cultura que vemnos livros. Com a tia Virgínia Farpelinha aprendi o catecismo. Com a tia Cecília, oamor pelos animais. Com a tia Ermelinda aprendi a apreciar os petiscos; faziafilhós, na véspera de Natal, quando eu ia almoçar com ela. Com a tia Auroraaprendi a ler, como já contei, e outras coisas da vida, que talvez venha a contar.Com a prima Amélia, que era como se fosse minha tia, aprendi a povoar o meuespaço e a minha imaginação com aquilo que eu próprio crio e com as obras decriação que me oferecem aqueles que estimo ( p. 104-105).
A convicção de que deveria trabalhar para a saúde mental e educação da criança
coloca João dos Santos sintonizado com a multiplicidade das maneiras de abordar a
criança e se debruça na compreensão da família. Para ele, não existia receita miraculosa
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para compreender a criança, pois sua formação psicanalítica estava ali para demonstrar
que essa compreensão viria, por vias que se recortam e se complementam. Desenvolve o
conceito de Pedagogia Terapêutica na mesma linha de pensamento que solicitava aos
psiquiatras e pedopsiquitaras, que tivessem uma intencionalidade pedagógica, por
considerar suas intervenções terem tanta importância que se localizavam antes como
condição possibilitante da ajuda terapêutica. Branco (2013) revela que nessa tônica ele
pede aos pedagogos que partindo da observação e estabelecendo com elauma relação de empatia e interesse pela pessoa que ela é, antes de seinteressarem pelas suas dificuldades, se apoiem em conhecimentosteóricos, técnicos e em práticas de psicologia desenvolvimental, a quechama <<Pedagogia Terapêutica>>. Conceito através do qual mostra queesta Pedagogia, investida com espontaneidade e autenticidade no sucessoda aprendizagem e no interesse pelo bem-estar e alegria dos educandos,tem igualmente efeitos terapêuticos podendo mesmo, se necessário<<voltar atrás e retomar o fio da meada>>, para ajudar a reparar as falhas
precoces que dificultam o seu desenvolvimento. (p. 84)
Como se pode observar a visão integrada de desenvolvimento da criança de João
dos Santos, coloca para os psiquiatras, pedopsiquiatras, psicólogos, a importância de
trabalharem em equipe, com o intuito de promover a criança. Em sua orientação
recomenda que os profissionais que lidam com a criança adotem uma postura de
humildade, lucidez, humanismo e colaboração científica e faz a seguinte afirmação no
Seminário Introdução à Clínica Pedopsiquiátrica. Motivação e Seguimento de Caso,
1976,
A psicologia deve enriquecer-se coma experiência pedagógica, como apedagogia com a psicologia. O trabalho que se propõe à criança não éfecundo se não corresponder a uma necessidade de seu desenvolvimento.A pedagogia terapêutica deve ser integrada na “arte de curar” o quecorresponde a um certo regresso às origens, visto que medicina,compreensão psicológica e educação familiar estiveram sempre ligadasdesde a antiguidade. A pedagogia terapêutica é uma orientação que, nabase dos grandes inovadores da psicologia e da pedagogia fornece umaorientação metodológica susceptível de abrir novos caminhos para umapsicologia ao serviço de todas as crianças. Assim, a partir de uma ‘arte decurar’ bloqueios no processo de aprendizagem de certas crianças,conseguem-se afinar métodos capazes de prevenir as dificuldadesescolares. A pedagogia terapêutica averigua e aprecia o ponto de fracturaque entrava o processo de aprendizagem e intervém a esse nível. Inspira-se numa concepção genética e dinâmica do desenvolvimento para sedecidir por onde se pode pegar no caso (João dos Santos apud Branco,2013, p. 86)
Desse modo, João dos Santos demonstra que a Pedagogia pode ser reconhecidacomo uma área de conhecimento abrangente que pode atuar em diversos âmbitos da
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vida, a partir do momento que compreendemos a que a educação é um fenômenoinerente a vida humana. Portanto, ela ocorre na vida e não apenas na escola.
Vele destacar, ainda, que o psicanalista português compreendeu que o arcabouçoteórico da psicanálise responsável para explicar a subjetividade, continua atual adespeito do quadro cultural contemporâneo. Fundamentalmente, há uma recusa radicalem identificá-la com a consciência, ao situar a psicanálise no eixo descentramentocopernicano e darwiniano. Sintonizada com essas ideias vamos encontrar o pensamentode Garcia-Roza (1983), que ao afirma que a psicanálise,
....não vai colocar a questão do sujeito da verdade mas a questão daverdade do sujeito. Ela vai perguntar exatamente por esse sujeito dodesejo que o racionalismo recusou. (...) Paralelamente à clivagem dasubjetividade em Consciente e Inconsciente, dá-se uma ruptura entreenunciado e enunciação, o que implica admitir-se uma duplicidade desujeitos numa mesma pessoa (p. 23).
Ao usar tal tipo de argumento, o autor demonstra, que Freud rompe com a
concepção de subjetividade identificada com a consciência submetida à razão, na qual a
verdade residia no cogito cartesiano – penso, logo sou – para ser o lugar do ocultamento
de acordo com o cogito freudiano, como nos diz Lacan (apud Garcia-Roza, 1983, p. 23):
penso, onde não sou, portanto sou onde não penso. Ao deixar de privilegiar o Eu, Freud
faz uma ruptura com a filosofia moderna.
O referencial santiano evidência a convergência de suas ideias com o
pensamento de Freud e Garcia-Roza ao defender que para ensinar ou ser psicoterapeuta
é preciso que o profissional reflita sobre a sua história de vida e sobre sua infância.
Nos seus escritos o leitor pode perceber que o autor anteviu um dos grandes
debates da atualidade sobre as novas configurações familiares, isto é, novas formas de
estabelecimento de parentalidade que não correspondem ao tradicional. Pois, como
psicanalista tinha consciência do debate que vinha ocorrendo desde o século XIX acerca
do lugar do lugar dos homens e das mulheres nas relações sociais, no trabalho e na
reprodução, nas questões demográficas que para Ceccarelli, (2007) “uma das
consequências desse reposicionamento social foi à emergência de um discurso, sem
dúvida revolucionário, a respeito do sexual cujo um dos expoentes é a psicanálise: Os
Três ensaios”. Nos três ensaios Freud defende a tese de que a sexualidade humana não
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é natural. A observação permitiu a Freud mostrar que a vida sexual da criança tem um
relevante papel na constituição da sua subjetivação.
No entanto, João dos Santos não se deixa aprisionar pela dificuldade de assimilar
as mudanças que não vão de encontro do modelo da família patriarcal estudada por
Freud. Nos seus escritos deixa transparecer que as dificuldades das pessoas de lidar com
as mudanças, nas relações interpessoais na família, sobretudo, ao relembrar seu passado
através das memórias da infância, se encontram relacionadas às questões narcísicas. Na
obra de Freud (1939) existe uma alusão sobre o “encantamento de [nossa] infância, que
nos é apresentada por [nossa] memória não imparcial como uma época de interrupta
felicidade” (p. 89). Em outras palavras, isso pode ser relacionado à dificuldade que as
pessoas possuem de lidar com a mudança, o novo, que está acontecendo e com
limitações de avaliar a violência do passado. Por esse motivo, Ceccarelli (2007) nos
adverte que as novas configurações familiares são consideradas ameaçadoras, devido
trazer o diferente, que por sua vez provoca o estranhamento. Por via de consequência,
podemos deduzir que esse estranhamento também chega na escola, nos seus gestores,
professores indo repercutir nos alunos.
Por enfoque genealógico
Ao traçarmos uma breve genealogia da família ocidental, vemos, com a ajuda de
GIDDENS (2005), que esta passou de um formato patriarcal, herdado de séculos
passados, alcançou em espaços urbano-industriais um delineamento nuclear e esteve
inserida num contexto de mudanças lentas. Nesse momento a família se caracterizava
por uma prole numerosa e a mulher estava submetida ao poder masculino, com a vida
econômica ocorrendo fora do espaço doméstico, mas, ainda, sendo possível ocorrer uma
convivência em tempos bastante significativos entre pais e filhos.
A família contemporânea, sob o impacto de diferentes fases da industrialização,
vem atravessando grande transformação, face ao crescimento da urbanização, do êxodo
rural, do consumo, do ingresso da mulher no mercado, dos meios de informação e
comunicação e da mobilidade geográfica. Tais processos, formam um conjunto de
fatores que têm contribuído para a quebra dos padrões tradicionais no modo de
organização das famílias, que resultam, por exemplo, na diminuição da autoridade
paterna, na expectativa de aumento da responsabilidade do Estado como poder
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disciplinador das relações sociais básicas e, no âmbito jurídico-social, a
responsabilidade da família vem sofrendo um movimento de transferência para
instituições como a escola, os institutos de previdência social, o juizado de menores,
dentre outros.
Na contemporaneidade, portanto, a família surge com novas configurações,
levando estudiosos, como Carvalho (2003), a discutir o significado da família atual,
adotando como uma de suas premissas que
As expectativas em relação à família estão, no imaginário coletivo, aindaimpregnadas de idealizações, das quais a chamada família nuclear é um dossímbolos. A maior expectativa é de que ela produza cuidados, proteção,aprendizados dos afetos, construção de identidades e vínculos relacionais depertencimento, capazes de promover melhor qualidade de vida a seus membros eefetiva inclusão social na comunidade e sociedade em que vivem. No entanto,estas expectativas são possiblidades e não garantias. A família vive num dadocontexto que pode ser fortalecedor ou esfacelador de suas possibilidades epotencialidades (p. 15).
Araújo (2003), ao elaborar sua dissertação de mestrado, contribui para o debate,
apresentando sua compreensão de família, começando por defini-la como uma
instituição que possui processos e práticas sociais, que delimitam sua dinâmica e
organização. Para ele, a família encontra-se em crise devido à mudança de seu modelo,
antes patriarcal, ocorrida mais fortemente nas últimas décadas, apontando como causa
dessas mudanças os processos sociais, econômicos, culturais, inerentes a uma
instituição que sofre constantes mutações em sua função social. Para o autor, esses
fatores vão interferir na dinâmica familiar, provocando alterações na sua organização,
em especial, à medida que tenta assimilar o novo papel social da mulher, a
representação dos papéis, que os diversos membros da família vão assumindo,
relacionados ao perpassar de gerações e estabelecimento dos valores veiculados no seu
âmbito.
As mudanças supracitadas convergem para basear a formulação da questão
principal desta pesquisa, nos seguintes termos: como as instituições de educação estão
lidando com as novas configurações familiares, sabendo-se que estas estão refletidas,
por sua vez, na subjetividade dos seus atores sociais, bem como implicadas, de alguma
maneira, nas políticas de inclusão, em curso no Brasil?
A modernidade, sobretudo, entre o século XVIII e XIX, na Europa, se
caracteriza pelo surgimento do feminino na cena social, que vai crescendo, com o passar
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do tempo e atinge hoje uma dimensão mais considerável, o que nos leva a refletir sobre
as mudanças que vem ocorrendo na sociedade atual. Estas influenciam diretamente o
significado da família como instituição social, de modo que não podemos alimentar a
ilusão de que haja famílias passam à margem disso; ou seja, vivam sem interação com
essas mudanças, ao considerar que a tradicional configuração da família burguesa -
constituída pelo pai provedor, a mãe infatigável, carinhosa, dedicada aos trabalhos
domésticos e à educação dos filhos; sejam crianças ou adolescentes que, por sua vez,
entre o aconchego do lar e a escola, brincam e aprendem, felizes e despreocupadas - vai
deixando rapidamente de fazer parte do cenário atual da nossa sociedade. Como fica a
educação nesse novo contexto social? A elucidação do seu rumo e dinâmica social
necessita seguramente estabelecer pontos de conexão entre Família – Escola e Estado,
para que possamos entender hoje o seu significado social.
Alguns elementos do referencial teórico
Laços Familiares
Estudos investigativos já realizados no âmbito da temática que relaciona família
e educação revelam a necessidade das investigações levarem em conta o caráter
histórico e social da família, uma vez que o seu surgimento e ordenamento é fruto de
certas condições tipicamente culturais, que caracterizam as coletividades humanas.
Portanto, é sensato ao nos referirmos à família, adjetivá-la e/ou, situá-la no tempo e no
espaço.
Diante disso, a presente pesquisa toma como ponto de partida de sua
retrospectiva histórica a família burguesa do século passado, vendo o seu processo de
mudança até os dias atuais, no sentido de compreender como novas configurações
familiares afetam os indivíduos na construção da sua subjetividade. Para tanto, se busca
um aprofundamento do conhecimento sobre as principais propostas teóricas no âmbito
da sociologia e psicologia da família, que se produziram, desde a viragem do século
XIX para o século XX, até às teorias mais marcantes do século XX e aos recentes
contributos teóricos do século XXI. Ressalte-se a necessidade de dar atenção aos
núcleos e dilemas do debate contemporâneo, no âmbito da regulação jurídica das
relações familiares, e veiculado nos meios de comunicação social.
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Para compreender, as relações interpessoais no âmbito familiar adotamos aqui o
conceito de laço social, que foi desenvolvido a partir da tradição sociológica iniciada
por Durkheim, para explicar um tipo de família, como uma instituição definida pela
existência de um laço entre a mãe e o pai, e destes com sua prole, firmado por meio de
um sentido social de vida comum e em valores morais partilhados. Esse conceito tem
sido atualizado por BAUMAN (2004), quando discute a fragilidade das relações sociais
e afetivas no mundo atual.
No campo da Psicologia, tomamos a vertente da Psicanálise como referencial a
ser utilizado para um confronto com o surgimento das novas configurações familiares,
que envolvem, por exemplo: segundo casamento de pais e mães separadas,
homossexuais, pais idosos com filhos produtos de inseminação artificial, pai ou mãe
celibatário, com filho adotado, etc. Isso, sem falar na situação de inúmeras famílias
cuidadas pelas mães, ordenadas sem a presença da figura do pai e vice-versa.
No âmbito psicológico, consideramos o fato de que o fundamento teórico
freudiano, a sustentar a constituição do inconsciente por meio do complexo de Édipo,
traça um drama que se desenrola necessariamente no seio de um triângulo que é
familiar: no inter-jogo dos papéis encenados por indivíduos que ocupam as funções de
pai, mãe e filho, onde um indivíduo aprende a articular seu desejo com uma lei que opõe
a esse desejo, um freio, constitui-se num importante referencial, por destacar a
importância do Édipo, o que leva Freud (1905) a afirmar a sua universalidade: “a todo
ser humano é imposta a tarefa de dominar o complexo de Édipo”. Antes de saber o
alcance desse fundamento hoje, quando a família burguesa estudada por Freud está
dando lugar a outros arranjos e configurações familiares, pretendo usá-lo para entender
o alcance da mudança vivida hoje pela instituição familiar.
Constituição do Sujeito
Para a elucidação deste aspecto, usamos o referencial psicanalítico, clássico e
atualizado, no sentido de tentar efetuar uma integração das instituições escolares e da
família, e assim descobrir caminhos da subjetivação de professores e alunos,
respeitando as suas singularidades. Com o intuito de que alunos e professores não sejam
vistos apenas como seres produtivos ou portadores de cidadania, com base numa ideia
restrita de utilidade social.
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Com referência à teoria Psicanalítica, relacionamos, ainda, os tempos do Édipo,
eixo central e arcabouço teórico da Psicanálise. Este complexo é aqui retomado, para
mostrar que, em tese, ele pode servir de paradigma para a análise de toda estrutura e
dinâmica da sociedade, tanto em relação ao nível pessoal, como grupal, conforme a
literatura mais atual sobre o assunto.
No entanto, cabe aqui uma ressalva, que nos recomenda lembrar a posição de
Freud a respeito do tema Educação. Pois embora Freud tenha se preocupado com essa
dimensão da vida social no decorrer da sua obra, o número de páginas por ele escritas
em torno desse assunto não ultrapassa a marca de duas centenas. No início de sua obra,
Freud defendia a importância da Psicanálise para a Educação, e transmitia a crença de
que os ensinamentos psicanalíticos, transmitidos aos educadores, poderiam se constituir
em valioso instrumento de profilaxia das neuroses. Entretanto, no final da sua obra,
Freud já não defende mais esse pressuposto, ao concluir que não havia como prevenir o
aparecimento da neurose, através de boas orientações educacionais. Nesse sentido, a
educação existiria socialmente para normalizar as relações sociais, ou seja, para
imprimir-lhes direção e significação. Uma vez que o processo educacional, ao trabalhar
a construção do tipo psicológico padrão, não estará fazendo outra coisa, além de
reproduzir as normas sociais vigentes, abrindo assim, como nos ensina Foucault (2002)
o horizonte de instalação da anormalidade.
Da Normalista à Comerciária
Apesar das previsões alvissareiras divulgadas no livro Megatrends 2000,
defendendo os anos 90 como a “década das mulheres na liderança”, ao afirmar que, “a
medida que a década de 90 progredir, o senso comum admitirá que mulheres e homens
atuam igualmente bem como líderes no trabalho, e as mulheres alcançaram as posições
de liderança que lhes forma negadas no passado (Naisbitt e Aburdene 1990, p. 255),
parece ser necessário contextualizar essa constatação.
No caso do Brasil, em especial, a ocupação de cargos de poder ainda não se
mostra alterada de tal maneira, na proporção apresentada por seus autores, se
restringindo, quantitativamente, a um segmento minoritário de mulheres altamente
qualificadas profissionalmente ou pertencentes a estruturas familiares de poder. Isso
vem sendo perpetuado na nossa sociedade, colocando a mulher na inferioridade
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econômica. Isso contribui para a conservação e/ou perpetuação de atitudes
preconceituosas e de cunho machista e sexista. Tal situação, dificulta sobremaneira a
possibilidade da mulher concorrer em pé de igualdade, situação que é por vezes
justificada por meio da alegação de que seu lugar é no lar cuidando dos filhos.
Por outro lado, não podemos esquecer - como defende a famosa tese
antropológica de Mead (2000), concebida há mais de meio século, que a essas
diferenças entre homem e mulher se devem em quase sua totalidade a condicionamentos
sociais e culturais. Em outras palavras, a Sociologia, a Antropologia e a Psicologia
parecem concordar que cada ser humano é produto de uma transmissão genética e de
uma influência social, sendo que a herança genética não impõe um padrão de conduta
cultural, nem exclui outros.
Ao que podemos acrescentar que as características atribuídas tradicionalmente às
mulheres não são naturais e sim impostas. Portanto, a imagem da mulher vai depender
da cultura. Podemos apoiar tal assertiva no estudo da autora acima referida, publicada
em 1949 sob o título, Male and Female, que afirma ter encontrado diferenças
impressionantes nos papéis de homem e mulher em três povos da Nova Guiné: os
Arapesh, os Mundugumor e os Tchambuli.5
(...) Cada uma dessas tribos dispunha, como toda sociedade humana, do ponto dediferença de sexo para empregar como tema na trama da vida social, que cada umdesses povos desenvolveu de forma diferente. Comparando o modo comodramatizaram a diferença de sexo, é possível perceber melhor que elementos sãoconstruções sociais, originalmente irrelevantes aos fatos biológico do gênerohumano. (Idem, ibidem, p. 22)
Se fizermos, então, um recorte de classe social, com base em dados
demográficos, encontraremos, que as profissões mais procuradas pelas mulheres das
classes populares é o de comerciárias e professoras, contribuindo essa tendência para a
preservação de uma estrutura de poder, onde aquelas mulheres permanecem sem ter
acesso aos bens econômicos e aos cargos de liderança, sobretudo, devido aos baixos
salários, mesmo quando comparadas aos homens de sua classe social.
Tanto os homens quanto as mulheres Arapesh são seres pacíficos e segunda a antropóloga não existianenhuma distinção entre o comportamento masculino e feminino como se designa na cultura ocidental,enquanto os Mundugumor os homens e as mulheres se desenvolviam como indivíduos agressivos. E porúltimo, os Tchambuli Margaret Mead se deparou com o inverso das características sexuais concernente auma cultura ocidental, pois as mulher exercia o papel de dominadora e responsável enquanto o homemencarna o papel da submissão emocional.
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Tais aspectos são retratados na pesquisa do DIEESE realizada em 20096, ao
divulgar que 60% das mulheres comerciárias eram assalariadas, forma de inserção que
registra menor proporção na Região Metropolitana de Fortaleza (41,4%) e maior na de
Belo Horizonte (71,3%). Os dados da referida pesquisa revelaram que quase metade dos
assalariados no comércio são mulheres, o que corresponde a cerca de 840 mil
comerciárias nas regiões analisadas. Porto Alegre apresenta a maior proporção de mão
de obra feminina (45,6%) e Fortaleza, a menor (38,2%). Vale destacar, que 15% dessas
mulheres exercem o papel de chefe de família nas regiões pesquisadas e a maioria é mãe
independentemente da configuração familiar que ela integra.
Outro aspecto relevante, este divulgado pela Pesquisa Nacional por Amostra de
Domícilio (Pnad) 2011, incide sobre a mudança da predominância do trabalho
doméstico como ocupação da mulher, que sai dele para o comércio, uma vez que, no
período de 2009 a 2011, o percentual de domésticas caiu de 17% para 15,7% das
trabalhadoras. Enquanto isso, o de mulheres no varejo subiu de 16,5% para 17,6%7
A tendência do predomínio do segmento feminino na docência pode ser
constatada nos dados da Sinopse do Professor da Educação Básica divulgados pelo
Ministério da Educação, no final de 2010, ao revelar que as mulheres compõem 81,5%
do total de professores da Educação Básica no Brasil. E acrescentou, ainda, que nesse
período existem quase 2 milhões de professores, onde mais de 1,6 milhão são do sexo
feminino8.
No que toca às professoras, vamos perceber, que apesar das novas propostas
políticas apresentarem um discurso de capacitação e a valorização salarial9 proposto na
LDB e FUNDESP, em favor de novas políticas de formação de professor, ainda não é
6 Boletim Trabalho no Comércio intitulado, Mulher Comerciária: Trabalho e Família, nº 5, DepartamentoIntersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2010, que apresentou como objetivo analisar asdesigualdades entre homens e mulheres no espaço de trabalho e ao exame das diferentes faces datrabalhadora e seus arranjos familiares. O referido boletim foi elaborado utilizando os dados da Pesquisade Emprego e Desemprego - PED, resultante do convênio DIEESE/Seade/MTE – FAT e de parceriasregionais no Distrito Federal e nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife,Salvador, Fortaleza e São Paulo.
http://www.sinprocampinas.org.br. Consultado em 06/11/2012.
8 http://educacao.uol.com.br/noticias/2011/03/03/brasil-8-em-10-professores-da-educacao-basica-sao-mulheres.htm. Site consultado em 06/11/2012.
9 Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB
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palpável essa valorização social da mulher professora, especialmente, da que lida com
crianças e adolescentes.
Reporto às reflexões de Libâneo (2008) para auxiliar a compreensão da atual
circunstância do trabalho docente implementada pelas ultimas políticas educacionais,
que contribui para a sua precarização, ao afirmar em seu artigo intitulado alguns
aspectos da política educacional do governo lula e sua repercussão no funcionamento
das escolas
Estamos, efetivamente, frente a uma pedagogia de resultados: põem-se asmetas, e as escolas que se virem para atingi-las. Mas se virar com quemeios? Onde estão as instalações físicas? O material didático? Oatendimento à saúde das crianças? Os salários e as condições de trabalhodos professores? Onde estão as professoras que dominam os conteúdos,que sabem pensar, raciocinar, argumentar e têm uma visão critica dascoisas? Não contamos, para isso, com um sistema nacional de educação, naforma de um sistema único de educação pública, com metas pedagógicasconsequentes. O que temos são metas econômicas, burocráticas (p. 175 e176)
Sobre essa questão há de se considerar o peso da tradição, já que temos o
testemunho de uma tendência inscrita na nossa história educacional, onde sempre houve
uma desvalorização da profissão docente, notadamente, quando o ensino primário, antes
atividade entregue aos homens, foi passando para a esfera do trabalho feminino. A
historiografia mostra que, a partir das décadas de 1920 e 30, pode-se perceber, como
predomina ainda hoje, que a opção de mulheres professoras pela docência deveu-se ao
fato de eles viverem excluídos e não contarem com outras opções de emprego, que não
aquelas ligadas, na família e na escola, com os cuidados com a educação de crianças.
Daí serem mulheres em sua maioria, as professoras do ensino básico, em virtude
também de pertencerem a famílias de classes desfavorecidas, o que provoca uma
desigualdade permanente, responsável por quem vai ter acesso à instrução, que por sua
vez constitui uma hierarquia de acesso às profissões.
A expressiva e coincidente presença feminina no magistério e no comércio
chama sobremaneira a nossa atenção, recomenda um estudo comparado e exige algumas
formulações prévias. Uma explicação possível seria a necessidade de compor a renda
familiar, ao lado da busca da independência profissional e financeira dessas mulheres, o
que coloca a necessidade de se discutir mais profundamente o papel da mulher, sua
sexualidade, a família e as estruturas de poder.
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Uma rápida e esparsa alusão sobre o papel da mulher, ao longo do tempo e em
diversas sociedades, conforme a literatura aqui referida, nos leva-nos a destacar que
cada cultura ou momento histórico encara a sexualidade de forma diferenciada, devido
uma variação de contorno da função institucional da família e educação. Na Grécia
Clássica, por exemplo, que trazia como uma de suas características culturais a
predominância da razão, do pensamento crítico defendendo a personalidade livre,
vamos encontrar uma aceitação social da bissexualidade e homossexualidade. Já para os
Indus e os Arianos, à mulher pertencia o lugar do chefe da família, devido sua
capacidade de gerar a vida. Na modernidade, o papel da mulher no Ocidente aparece
vinculado a estruturas patriarcais de poder, que disseminadas pelo domínio europeu,
permanecem sólidas pelo menos, até final do século XIX e ao longo do século XX. Pois
a partir desse momento, movimentos feministas em prol de direitos políticos e liberdade
profissional começam a colocar esse poder em questão de forma crescente.
Sem esquecer, que a família, sob o regime patriarcal, desenvolve a função de
reprodução social, influencia na constituição da personalidade dos filhos, à medida que
os educa, sendo responsável pela transmissão de valores tais como, o da convivência
civil e de uma moralidade a ser cultivada, pautada na dignidade, no bom uso da
liberdade, no diálogo, na obediência e respeito às regras de solidariedade social. Exerce
ainda influência nas opções dos seus membros, no que se refere à carreira profissional,
círculo de amizades, uso do tempo livre e nas relações sociais, em geral.
Considerações Finais
A presente pesquisa nos mostra que a opção pela investigação do complexo
“família, trabalho, sexualidade, educação e cidadania” justifica-se por se constituírem
tais contextos institucionais, instâncias primordiais e inter-relacionadas para a
compreensão da subjetividade dos sujeitos da educação, que são mulheres professoras,
em sua maioria. Tal opção, é dada a sua importância nos mecanismos de socialização e
profissionalização, que estão inscritos nas transformações econômicas, políticas,
sociais, culturais e tecnológicas em curso, as quais, se por um lado têm causado grande
impacto no ordenamento simbólico dos diversos agentes e instituições educativas, nas
sociedades do conhecimento e da comunicação acelerada da atualidade, por outro,
alteram as relações de autoridade entre pais e filhos, professores e alunos.
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Para João dos Santos, cabe a Pedagogia se definir em relação à sociedade na
qual se encontra, tal como ele fez, permanecendo como psicanalista. Sua ação foi
desconstruir um sistema de valores que permanecia em Portugal fruto do governo
salazarista, realizando uma crítica radical em relação ao modelo de educação português.
Ele desconstruiu todo o sistema pedagógico português, denunciando através de uma
prática pedagógica preconceitos que impediam o crescimento de seres livres.
Ao contemplar a dimensão subjetiva e objetiva na formação docente transparece um
avanço na formação dos professores, e na visão da sala de aula, no que se diz respeito
ao relacionamento professor-aluno, e, também, como uma semente que se desenvolveu
para que atualmente a subjetividade do professor e aluno sejam exploradas nos cursos
de Pedagogia em todos os seus aspectos constituintes, tais como, o social, o psicológico
e biológico. Esses são aspectos importantes para a reflexão sobre a constituição da nossa
identidade de docente, para além do que afeta cada professor individualmente, porque
possibilita compreender que a questão posta é uma questão bem maior do que as
angústias pessoais possam indicar, quando se examina no âmbito do conjunto da
categoria.
Destarte, a pesquisa se dedica, no momento, à escuta dos discursos das mulheres
comerciárias e professoras acerca das mudanças em curso. Afinal, as crescentes
transformações pelas quais a família e em particular a mulher vem passando, em meio à
busca da construção de sua identidade pessoal e profissional, parecem questionar os
padrões tradicionais de casamento, pautados em funções fixas para o homem provedor e
a mulher cuidadora da casa e das crianças. Há tempos, a exemplo de Carl Rogers10, o
casamento tradicional é visto na perspectiva da psicologia social como uma forma de
viver que decaiu. Por esse motivo, propõe como forma de solução que as pessoas
aceitem experiências novas em termo de vida conjugal e relacionamento, para se evitar
a repetição de erros passados.
A mulher que emerge nesta pesquisa tem sua subjetividade marcada pela busca
de um lugar social de maior autonomia profissional e de provedora da família. Ao lado
disso, já não aceita ser alvo de sujeição ao autoritarismo de homens educados na cultura
http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=188 Consultado em 10/06/2013.
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herdada de um patriarcalismo decadente, mas que mesmo assim ainda é capaz de
exercer algum tipo de opressão e violência.
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