INCLUSÃO: O QUE PROPÕEM CRIANÇAS DO PRIMEIRO ANO DE UMA
ESCOLA DO MUNICÍPIO DE MARIALVA-PARANÁ PARA QUE ELA
ACONTEÇA?
Marcos Antonio dos Santos1
Rosana Lopes Romero2 Ercília Maria Angeli Teixeira de Paula3
Verônica Regina Müller4
Resumo: O objetivo geral deste trabalho consistiu em verificar maneiras propostas por crianças que já tiveram vivências com uma aluna inclusa, para viabilizar a real inclusão na escola. Este trabalho teve origem a partir de discussões sobre a importância de escutar as vozes das crianças e estudar as suas formas de pensar a educação para a formação de professores. A metodologia utilizada foi a Educação Popular proposta por Freire (1967) com rodas de conversas com as crianças sobre inclusão e o que pensam a respeito das deficiências. Em relação à escuta das vozes e análises do protagonismo infantil, os referenciais teóricos adotados foram da Sociologia da Infância de Oliveira e Gomes (2013). Para a execução deste trabalho foram utilizadas brincadeiras de simulações de deficiências físicas com algumas crianças do primeiro ano de uma escola de Marialva. As brincadeiras foram: imobilização de um braço, das duas pernas, dos dois braços e privação momentânea da visão por meio da cobertura dos olhos com um pano. Com essas atividades, a turma toda precisou pensar junto em como incluir os amigos deficientes nas brincadeiras. Posteriormente, as crianças expressaram suas ideias por meio de desenhos. Como resultados verificou-se os desenhos e relatos evidenciaram propostas criativas para uma inclusão, no sentido amplo da palavra, enquanto aquela que está nos pequenos detalhes, como chamar um amigo para brincar ou cuidar dele para que ele não se machuque. As crianças mostraram que compreendem o real sentido da inclusão e fizeram várias propostas interativas.
Palavras-chave: Inclusão. Crianças e Adolescentes. Sociologia da Infância.
INTRODUÇÃO 1 Acadêmico de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá e membro do Projeto de Extensão Arte Brincadeiras e Literatura: Educação Social em Saúde. E-mail: [email protected] 2 Acadêmica de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. E-mail; [email protected] 3 Professora Doutora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de Maringá e do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá e coordenadora e membra do Projeto de Extensão Arte Brincadeiras e Literatura: Educação Social em Saúde. E-mail: [email protected] 4 Professora Doutora do Departamento de Educação Física da Universidade Estadual de Maringá e do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: [email protected]
Pensar a inclusão na sociedade atual ainda é um desafio. Embora muitas pessoas
discutam o tema, as mídias, as escolas e a sociedade, alguns professores ainda têm
dificuldades de realizar a inclusão de alunos deficientes nas escolas, pois se consideram
despreparados para exercer esse papel. Também existe ainda a dificuldade em aceitar as
diferenças e que as pessoas e os alunos apresentam diferentes ritmos de aprendizagem, estilos
de vida e de formação diferenciados. No entanto, poucos discutem a inclusão dos alunos em
conjunto com os seus alunos.
Em nossas vivências enquanto pós-graduandos do Programa de Pós – Graduação em
Educação – PPE da Universidade Estadual de Maringá, tivemos a oportunidade de cursar a
disciplina intitulada “Infância e Educação Social” ministrada pelas Professoras Doutoras
Verônica Regina Müller e Ercília Maria Angeli Teixeira de Paula do referido programa de
pós. Como instrumento avaliativo da disciplina, nos foi proposto que realizássemos uma
prática educativa com o público infanto-juvenil que tivesse como tema central trabalharmos
com o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Tendo em vista que ambos os pós-
graduandos possuíam vivências e inquietações relacionadas com a inclusão dentro e fora do
âmbito escolar, optamos por trabalhar com a referida temática. Escolhemos para prática
proposta uma das turmas de primeiro ano das séries iniciais do Ensino Fundamental da escola
Municipal Nilo Peçanha, considerada a mais numerosa do município de Marialva-PR e seus
distritos, com 729 alunos matriculados no ano de 2016. O Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (IDEB) equivale a 6,9 (o maior do município e distritos). Esta escola
compreende especificamente, cinco turmas de primeiro ano (duas matutinas e três
vespertinas) com aproximadamente 25 alunos cada. Além disso, possui sala de recursos
multifuncionais para Atendimento Educacional Especializado (AEE).
O local proposto nos fez pensar em como a inclusão é vista por uma turma que já teve
uma aluna inclusa, desde o último ano da Educação Infantil até o início do primeiro ano,
momento em que ela mudou de escola. A aluna possui uma síndrome denominada Síndrome
de Down ou ainda, Síndrome do cromossomo XXI. Sua causa é atribuída à trissomia do
cromossomo 21, de maneira que os portadores da síndrome possuem 47 cromossomos ao
invés de 46 (no caso das pessoas que não possuem a síndrome). Esta modificação genética
ocorre no momento da concepção do feto e geralmente, atribui complicações no
desenvolvimento global do sujeito que possui a síndrome, tais como “alterações cardíacas,
hipotonia5, complicações respiratórias e alterações sensoriais, principalmente relacionadas à
visão e audição”. Em termos de aprendizagem, há um atraso cognitivo que afeta a linguagem,
o raciocínio e a memória (BISSOTO, 2005, p.81). Por conta deste atraso cognitivo, a
síndrome também acarreta deficiência intelectual e tem direito de frequentar o ensino regular.
De acordo com Estatuto da Pessoa com Deficiência: Lei Brasileira de Inclusão, Nº
13.146, de seis de julho de 2015 (BRASIL, 2015, p. 32) no Capítulo IV, do Direito a
Educação, está descrito:
Art. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem.
É notório neste artigo que existe a defesa da obrigatoriedade do direito a educação
para todos/as. Destacamos também que a inclusão, ainda que esteja presente na legislação, nas
pesquisas e nas principais discussões educacionais (o que é essencial e sumariamente
importante), implica mais profundamente, na mudança de olhares para com as deficiências
enquanto condição que envolve ao mesmo tempo igualdades e diferenças. Igualdades no
sentido de ser cidadão/ã e ter os mesmos direitos que os demais, sobretudo o de ser
respeitado/a plenamente no que tange diferenças, que correspondem às necessidades
específicas/ peculiares de quem possui determinada deficiência.
O sentido da palavra ‘diferença’ precisa ser constantemente problematizado, visto que
pode conotar a existência de um abjeto, excluído por possuir características distintas dos
padrões hegemônicos (WOODWARD, 2000). Ao pensar nesta lógica questionamos: o que é
ser diferente? Todos são iguais? Ser diferente incomoda? Por quê? Nosso pressuposto para
este trabalho é que a diferença abrange a todos e precisa ser discutida nas escolas.
O primeiro passo para compreendermos esta concepção de ‘diferença’, consiste em
desconstruir a ideia de que ela diz respeito a algo negativo. Bauman (2007, p.92) nominou
este sentimento de mixofobia, por referir-se ao medo, intolerância e enervância diante do
novo, diferente e inusitado. O sentimento oposto foi denominado pelo autor (2007) de
mixofilia que denota, por sua vez, o prazer em conhecer e conviver com o diferente. Sendo
assim, nossa proposta pauta-se na busca de um olhar mais mixofílico, por meio do qual, nosso
5 Significa “diminuição ou perda de tonicidade muscular”, de acordo com o dicionário Michaelis on line, Disponível em <http://michaelis.uol.com.br/busca?id=b99LX>. Acesso em dez. 2016.
principal intuito foi justamente buscar ideias/caminhos para efetivação da diversidade e da
igualdade na realidade.
Diante destas observações, este artigo teve como questão norteadora: como os alunos
que já conviveram com uma aluna inclusa percebiam a inclusão e como propunham sua
efetivação? O objetivo geral foi verificar as possíveis maneiras propostas pelas crianças do
primeiro ano de uma escola municipal na cidade de Marialva-PR (que já vivenciaram uma
situação de inclusão), para viabilizar a real inclusão na escola.
MÉTODOS
O percurso metodológico utilizado neste trabalho consistiu primeiramente em definir
quais práticas permitiriam tanto a discussão sobre a inclusão, quanto a devolutiva das crianças
com suas propostas para viabilizá-la. Inicialmente desenvolvemos uma roda de conversa
informal com todas as crianças (Teoria Freireana). Em um segundo momento, utilizamos
brincadeiras de simulações de deficiências físicas em algumas crianças (imobilização de um
braço, das duas pernas, dos dois braços e privação momentânea da visão por meio da
cobertura dos olhos com um pano) que deveriam fazer parte de diversas brincadeiras com as
demais crianças. A partir desta prática, todos precisaram pensar junto em como transformar a
brincadeira para que ela pudesse abarcar todos/as. Por fim, utilizamos o desenho como
instrumento de expressão política que permitiu que as crianças expressassem suas propostas
sobre a inclusão.
A metodologia desenvolvida foi embasada na Educação Popular proposta por Freire
(1967), com rodas de conversas e muita interatividade e sociabilidade. Também foram
utilizados os princípios da Sociologia da Infância que, de acordo com Oliveira e Gomes
(2013) tem o papel de romper com o modo limitado como a infância foi historicamente
pensada, e, acima de tudo, dar visibilidade a criança como ator social. Para tanto, nosso
pressuposto foi ouvir atentamente cada um dos alunos e discutir com eles tanto o conceito de
inclusão quanto as propostas para viabilizá-la de maneira próxima às suas vivências.
Para trabalharmos com ênfase nas práticas inclusivas, escolhemos o inciso I do Art.
206 da Constituição Federal promulgada em 1988(BRASIL, 1988) que prevê que o ensino
seja ministrado com base no princípio de “igualdade de acesso e permanência na escola”, bem
como o Artigo 16, inciso V do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990) que
postula o direito da criança/adolescente a “participar da vida familiar e comunitária, sem
discriminação”. Também trabalhamos de maneira concomitante o direito de brincar
assegurado a todas as crianças e adolescentes pelo Estatuto da Criança e do adolescente,
artigo 16, inciso IV.
Optamos em pedir propostas em forma de desenhos elaborados pelas crianças porque
consideramos, assim como Camargo (2005, p.68) que “ao desenhar, a criança se expressa,
transferindo para o papel suas experiências e seus sentimentos”. Neste sentido demos
liberdade quanto à escolha do material (lápis colorido, canetinha, giz de cera). Também
tomamos o cuidado de perguntar e anotar o que cada criança quis expressar por meio de cada
desenho, que ao final, compôs um livro.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Na prática educativa desenvolvida no dia 10 de dezembro de 2016 tendo como
mediadores os dois pesquisadores deste estudo, um com formação inicial em Educação Física
(Licenciatura e Bacharelado) e outra em Pedagogia (Licenciatura Plena), realizamos,
juntamente com as crianças, uma roda de conversa em cima de uma colcha de retalhos
bordada. Esta colcha foi produzida com retalhos trazidos pelas crianças e decorada por elas
mesmas em atividade anterior realizada em conjunto com as professoras e coordenadoras da
Educação Infantil do ano de 2015.
De acordo com Bego (2015) existem inúmeros aspectos que embasam a síntese das
práticas pedagógicas como: a acolhida, círculo de cadeiras, dinâmica de apresentação, roda de
conversa, exposição oral de determinados objetivos de trabalho em relação a um determinado
grupo, materiais como crachá (identificação com o nome), atividade escrita intitulada pela
autora como “Quero conhecer você”, e por fim a avaliação oral do encontro. Diante destes
aspectos é perceptível que a autora evidencia uma sensibilidade na aplicabilidade de qualquer
prática pedagógica, principalmente quando lidamos diretamente com crianças e adolescentes,
momento em que se faz necessário desconstruir nossa linguagem, de modo à ‘despir-se’
momentaneamente da formalidade acadêmica, para que possamos nos fazer compreender.
Iniciamos esta vivência com a preparação do ambiente, estendendo a colcha de
retalhos toda colorida no chão, com a inscrição “Roda de conversa” ao centro. Em princípio,
havíamos pensado em não usá-la, porém uma de nossas colegas da referida disciplina (e
também educadora), informalmente escutou-nos quanto à elaboração de nossa prática
educativa e rapidamente nos deu um “start” de como a colcha contribuiria com a modificação
do ambiente e ofereceria qualidade à nossas vivências, conforme também defende Bego
(2015). A partir deste olhar, de quem estava de fora, imediatamente optamos por incluir na
aplicabilidade da prática proposta a colcha da roda de conversa a fim de deixar o ambiente
mais harmonioso, diferenciado e informal, sobretudo com crianças onde o lúdico, o artístico
compõem diferenciais bem expressivos.
As crianças ao entrarem na sala de aula, ficaram curiosas em querer saber qual o
motivo da modificação da estrutura tradicional a qual estão comumente acostumados dentro
da sala de aula (carteiras enfileiradas), professor passando conteúdo no quadro etc. E partir da
explicação inicial feita pelos professores de como seria abordagem a serem desenvolvidos
durante esta prática educativa, os alunos foram se soltando e ficando mais a vontade em
participar, bem como expor as suas opiniões. Como primeira atividade, e devido aos alunos
não conhecerem o professor de Educação Física, utilizamos a metodologia proposta por Freire
(1967) com a Roda de Conversa, porém de uma forma diferenciada, pois foi proposto pelos
professores que os alunos deveriam em vez apresentar a si mesmo e falar do que gostam,
deveriam apresentar o amigo do lado direito, dizendo o nome, o que ele mais gostava e
porque você (aluno) gostava dele.
As respostas foram as mais incríveis e foi perceptível que existia uma sociabilização e
um afeto entre eles a partir das próprias explanações sobre o coleguinha. A grande maioria
disse que gosta do amiguinho “porque ele é legal”, “porque faz bem estar perto dele” e
“porque é o momento em que eles têm para brincar juntos” e até mesmo “porque ele/a me
levanta quanto eu caio”. Mas como toda criança, elas sempre nos surpreendem tanto na
capacidade de imaginação, assim como na forma de pensar e que muitas vezes é somente
perceptível em atividades propostas com finalidades diferenciadas, como essa da Roda de
Conversa. Nestas interações, apareceram os valores, a questão do “Cuidado”, da “Ajuda”, da
“Amorosidade”, do “Afeto”, do “Respeito”, até mesmo do “Diálogo”, a principal essência
defendida por Freire (1967) nos processos de socialização. Foi tão gratificante saber e
presenciar que as crianças possuem estas caraterísticas que nos deu vontade de escutá-las por
horas e horas, pois suas falas nos motivam e nos revitalizam a continuar nessa profissão da
arte de ensinar que é tão difícil.
Em segundo momento começamos a adentrar o assunto central de nossa intervenção, a
inclusão. Como didática inicial escrevemos no quadro com formato grande e em letra ‘caixa
alta’ a palavra I-N-C-L-U-S-Ã-O. A partir disso começamos a conversar com eles sobre qual
o seu significado e o que eles pensam sobre esse tema.
Foi engraçado e ao mesmo tempo diferente que a grande maioria dos alunos entendeu
a palavra como ‘exclusão’. A partir deste antônimo começamos então a explicar melhor sobre
do que de fato, a palavra se tratava. A relação que a maioria dos alunos fez sobre a referida
palavra foi sobre “Fazer novos amigos”, “Conhecer pessoas novas” e “Entender o outro”. Foi
incrível como eles tiveram uma percepção rápida das coisas e nos desmontaram de tal
maneira, pois na essência eles referiram-se sobre a inclusão em sua essência particular de
generosidade afetuosidade. Um dos momentos mais emocionantes ocorreu no momento em
que perguntamos se eles se lembravam da aluna inclusa que estudou com eles no ano anterior.
Eles começaram a descrever o comportamento dela e a compreensão que tinham com este
comportamento: “Ela pegava a bolsa da gente e mexia, mas era só pra olhar as coisas, depois
ela colocava de volta, e tinha gente que não entendia que ela só queria ver”. Começaram a
expressar a saudade que sentem dela e a relembrar as brincadeiras que faziam juntos. Um dos
meninos disse também que não brincava com ela porque tinha vergonha. Entretanto, a maioria
mostrou saudade, carinho e compreensão pela amiga.
Procuramos utilizar também variações durante a roda de conversa. Ficamos sentados
durante um tempo, depois deitamos de barriga para baixo, ficamos em pé de mãos dadas e por
fim, deitamos de barriga para cima com os olhos fechados. Esta variação evitou que a posição
na roda de conversa ficasse cansativa e as crianças se envolveram cada vez mais, de modo a
falarem por mais de uma hora e meia.
A partir dessa introdução inicial e de forma adaptada para linguagem deles
conversamos sobre o I do Art. 206 da Constituição Federal promulgada em 1988 (BRASIL,
1988) que prevê que o ensino seja ministrado com base no princípio de “igualdade de acesso e
permanência na escola”, bem como no Artigo 16, inciso V do Estatuto da Criança e do
Adolescente (BRASIL, 1990) que postula o direito da criança/adolescente a “participar da
vida familiar e comunitária, sem discriminação”. Concomitante, exploramos também o direito
de brincar assegurado a todas as crianças e adolescentes pelo Estatuto da Criança e do
adolescente, artigo 16, inciso IV.
Após as discussões nos organizamos para a brincadeira. Primeiramente retiramos a
colcha do chão, juntamente com as crianças e propomos que elas sentassem no chão. Pegamos
vários pedaços de T.N.T. colorido e uma cadeira de rodas, posicionando- os à frente das
crianças. Explicamos que a dinâmica consistia em simular deficiências físicas. Eles
mostraram-se muito animados/as e se ofereceram para fazer parte da simulação. Selecionamos
cinco por vez, de modo que todos pudessem experimentar como é não poder contar com um
braço, com as pernas, com os dois braços, ou com a visão. Brincamos principalmente de
ciranda e de repórter (faz de conta em que um deles era o repórter e outra cinegrafista, ambos
entrevistaram os demais sobre a aula daquele dia e o tema estudado). Utilizamo-nos do lúdico,
por considerar assim como Aranega, Nassim e Chiappetta (2006, 141) que “a atividade de
brincar é o aspecto mais importante da infância, sendo um ato natural e espontâneo, que pode
ser observado desde os primeiros meses de vida”. As autoras também afirmam que “a criança
precisa sentir um vínculo afetivo e confiável e é o adulto que a ampara e confere
oportunidades para as configurações psíquicas se formarem” (p.141). No intuito de seguir
estes pressupostos, participamos das brincadeiras com as crianças.
Havia algo de tão divertido, leve e instigante, que até mesmo nós adultos, entramos na
brincadeira, de maneira que as horas passaram rapidamente, de forma prazerosa. Sobre isto,
podemos considerar os estudos de Huizinga (1972) acerca do jogo enquanto elemento cultural
(considerado não– sério), pelo qual a sociedade surgiu e desenvolveu-se com motivações que
transcendem o biológico e o fisiológico das pessoas. Segundo o autor o jogo possui:
[...] uma função significante, um determinado sentido. No jogo existe alguma coisas “em jogo” que transcende as necessidades imediatas da vida e confere um sentido a ação. Todo jogo significa alguma coisa (1972, p. 4).
É justamente essa função significante e social do jogo que Huizinga pretendeu estudar.
Para tanto o autor delineia as características do jogo. A primeira característica mencionada é a
voluntariedade, ou seja, a liberdade. Neste sentido, oferecemos às crianças liberdade para não
participarem. Quem não quisesse participar, simplesmente sentava e ficava observando. A
maioria das crianças que sentou, ficou poucos minutos fora da brincadeira e logo voltou a
fazer parte dela novamente.
A segunda característica concerne a separação existente entre jogo e realidade.
Huizinga menciona que “toda criança sabe perfeitamente quando está “só fazendo de conta”
ou quando está “só brincando”” (1972, p. 11). Nesse sentido, o jogo é visto como “um
intervalo em nossa vida quotidiana” (p.12), que possui início, meio e fim. Este aspecto
evidenciou-se na disponibilidade e na compreensão das crianças de que amarrar os braços, as
pernas, sentar em uma cadeira de rodas e encobrir os olhos era apenas um simulacro, uma
brincadeira. A terceira característica relaciona-se com a duração do jogo. Ele possui uma
limitação de tempo, ou seja, um final. A outra característica diz respeito a sua fixação.
Segundo Huizinga (1972, p. 13):
Mesmo depois de o jogo ter chegado ao fim, ele permanece como uma criação nova do espírito, um tesouro a ser conservado pela memória. É transmitido, torna-se tradição. Pode ser repetido a qualquer momento, quer seja “jogo infantil” ou jogo de xadrez.
Isto se evidenciou no desenho de várias crianças que explicitaram a brincadeira
realizada conosco naquele dia. Esta foi à última etapa de nossa intervenção. Pedimos às
crianças que desenhassem jeitos diferentes de fazer com algum tipo de deficiência
participassem tanto do momento das brincadeiras, quanto da vida escolar como um todo.
Oferecemos à elas uma caixa grande de giz de cera, folhas brancas para somar aos materiais
que já possuíam em suas bolsas. Um de nós cuidou da distribuição dos materiais enquanto o
outro perguntou às crianças o que haviam desenhado e escreveu no verso da folha o que elas
falavam.
Algumas delas desenharam as nossas vivências da intervenção, outras, desenharam as
crianças brincando juntas em várias situações (com e sem deficiência), outro desenhou um
menino colocando um braço mecânico para poder pegar o lápis, outra desenhou um cadeirante
que voltou a andar graças a um milagre, conforme as figuras a seguir:
FIGURA 1- DESENHO DA INTERVENÇÃO
Fonte: Registro produzido pelas crianças (2016).
FIGURA 2- O MILAGRE FIGURA 3- BRAÇO MECÂNICO
Fonte: Registro produzido pelas crianças (2016). Fonte: Registro produzido pelas crianças (2016)
FIGURA 4- PEGA-PEGA FIGURA 5 - CUIDADO COM OS AMIGOS
Fonte: Registro produzido pelas crianças (2016) Fonte: Registro produzido pelas crianças(2016)
Algo que nos chamou a atenção, tanto na roda de conversa quanto em um dos
desenhos, foi o desejo de que os deficientes fiquem bem e sejam cuidados. Isto se evidenciou
na preocupação das crianças em proteger as pessoas com deficiência para que elas não se
machuquem na brincadeira. Também demonstraram a necessidade de adaptar a brincadeira no
intuito de fazer com que todos/as possam participar, como por exemplo, correr “mais
devagar” durante o pega-pega, para que o cadeirante possa participar. Os desenhos e relatos
produzidos pelas crianças foram registrados e constituíram um livro que servirá aparato para
intervenções posteriores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Consideramos, a partir dos estudos e intervenção realizados, que as crianças, quando
entendidas como atores sociais que precisam fazer parte de discussões e até mesmo decisões
políticas, surpreendem, por tamanha criatividade, originalidade e humanidade com que tratam
as questões consideradas ‘difíceis’ e/ou ‘coisas de adultos’.
Os desenhos e relatos evidenciaram propostas criativas para uma inclusão, no sentido
amplo da palavra, enquanto aquela que está nos pequenos detalhes, como chamar um amigo
para brincar ou cuidar dele para que ele não se machuque.
Também evidenciaram a abertura das crianças para discutir o tema, pela importância
que deram a cada uma das atividades. A roda de conversa se constituiu como um instrumento
importante para que esta abertura ocorresse, visto que demonstrou e delimitou o espaço para
que as crianças pudessem falar, porque, de fato, tinham pessoas também abertas a isto. Sobre
isto Karlsson (2008, p. 149) menciona que “[...] devemos também ouvir as crianças com
regularidade e levá-las a sério. Precisamos não avançar e nos concentrar; realmente escutar o
que as crianças estão nos contando e o que elas querem nos dizer”. Neste sentido, entendemos
que o ensino, tal como este organizado, não está propício a esta escuta e consequentemente,
ao desenvolvimento da criticidade das crianças.
REFERÊNCIAS
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