Teresa Caldas Camargo
O EX-SISTIR FEMININO NUM ROSTO SEM
MOLDURA: UMA ANÁLISE COMPREENSIVA
Escola de Enfermagem Anna Nery
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro - novembro de 1997
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Escola de Enfermagem Anna Nery
O EX-SISTIR FEMININO NUM ROSTO SEM
MOLDURA: UMA ANÁLISE COMPREENSIVA
Dissertação apresentada à Escola de Enfermagem Anna Nery como requisito final do Curso de Mestrado em Enfermagem.
Teresa Caldas Camargo
Rio de Janeiro - novembro de 1997
Ficha Catalográfica
Camargo, Teresa Caldas O ex-sistir feminino num rosto sem moldura: uma análise compreensiva / Teresa Caldas Camargo - Rio de Janeiro, 1997. ix, 146 p. Orientador: Ivis Emília de Oliveira Souza Dissertação (mestrado) Universidade Federal do Rio de Janeiro - Escola de Enfermagem Anna Nery, 1997. 1.Enfermagem oncológica. 2.Quimioterapia 3.Saúde da mulher. I.Heidegger, Martin - Fenomenologia. II.Título CDD. 614. 546
i Defesa da Dissertação
CAMARGO, Teresa Caldas. O ex-sistir feminino num rosto sem moldura: uma análise compreensiva. Rio de Janeiro: UFRJ, Escola de Enfermagem Anna Nery, 1997. 146 p. mimeo. Dissertação de Mestrado em Enfermagem.
Banca Examinadora
Professora Doutora Ivis Emília de Oliveira Souza
Orientadora
Professora Doutora Telma Apparecida Donzelli
1a Examinadora
Professora Doutora Regina Lúcia Mendonça Lopes
2a Examinadora
Professora Doutora Benedita Maria Rêgo Deusdará Rodrigues
Suplente
Defendida a dissertação:
Conceito:
Em: 21/novembro/1997
ii
Esta pesquisa foi desenvolvida com subsídio da Fundação Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, na modalidade de Bolsa de
Demanda Social nível Mestrado no período de março de 1996 à dezembro de 1997.
iii
Orientadora
Professora Doutora
Ivis Emília de Oliveira Souza
Sua tranquilidade e segurança,
consideração, e amizade, o seu
sendo, me possibilitaram ser-
no-mundo- com, ser pre-sença.
Dedicatória
iv
Aos meus queridos pais Sabino e Maria Thereza, que com o seu amor me possibilitaram ex-sistir e me ensinaram a com-preender.
Ao meu amado marido Reynaldo, por possibilitar a felicidade que traz a con-vivência autêntica e por ser com-panheiro nesta caminhada de aprendizado acerca do saber sobre oncologia e do saber das pessoas portadoras de câncer.
Aos meus filhos Antonio e Eduardo, grandes amores da minha vida, pela possibilidade da imensa alegria que é ser-mãe e de assim poder amá-los todos os dias e ser-no-mundo-com-eles.
Às depoentes Miriam, Zeni, Maria de Lurdes, Maria Auxiliadora, Nereida, Zilda, Edinéia, Maria Adelaide, Maria Teresa, Laurani, Lenice, Maria Lúcia, Jaciléia, Maria Antonia, Margarida, Sebastiana, Elenice, Jarcira e Margareth, por me mostrarem o valor, a importância e a possibilidade do encontro no cotidiano profissional de assistir ao meu semelhante.
v
Agradecimentos
Ao Instituto Nacional de Câncer (Inca), pela oportunidade de enriquecimento profissional e pessoal através da liberação para a realização do curso de Mestrado em Enfermagem.
Ao dr. Oscar Jesuíno da Silva Freire, diretor do Hospital Luiza Gomes de Lemos (HLGL), pelo apoio, pelo incentivo e pela valorização deste estudo.
À Maria de Fátima Rodrigues chefe da Divisão de Enfermagem do Hospital Luiza Gomes de Lemos (HLGL), pela consideração, pela compreensão e pre-sença. Sem o apoio da qual não poderia realizar este estudo.
Às colegas de trabalho Eli, Laísa, Liliam, Maria Cristina e Wilza, pelo incentivo, pelo apoio e pela com-preensão, principalmente durante o período em que muitas vezes ficaram sobrecarregadas devido aos meus afastamentos. E por com-preenderem a possibilidade de uma con-vivência preocupada com as nossas clientes.
À dona Lair e Gilma, da biblioteca do Hospital Luiza Gomes de Lemos, pela atenção e presteza com que sempre atenderam as minhas solicitações.
À professora doutora Ieda de Alencar Barreira, pre-sença que mediada pelo carinho, pela confiança, pelo incentivo, pelo apoio e pela disponibilidade colaborou na construção deste estudo.
À professora doutora Benedita Maria Rêgo Deusdará Rodrigues, por acompanhar e colaborar com o desenvolvimento deste estudo. Pre-sença na minha trajetória pessoal e profissional no Curso de Mestrado.
Às colegas do curso de Pós-Graduação Ana Lúcia, Aldira Samantha, Sonia Mara, Marilda, Elisabeth e Lia, pela alegria com que com-partilharam comigo esta caminhada na descoberta da Fenomenologia.
À Sonia da Secretaria Acadêmica de Pós-Graduação e a Cristina do Serviço de Apoio à Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery, pela colaboração, pelo sorriso e pela disponibilidade com que sempre me receberam.
Aos membros da Banca Examinadora, pre-senças incentivadoras desta iniciante no pensar heideggeriano, pelo aceite do convite para contribuir analisando este estudo.
vi
SUMÁRIO
RESUMO VIII
ABSTRACT IX
CONSIDERAÇÕES INICIAIS 1
VIVENCIANDO A TEMÁTICA COMO PESSOA E PROFISSIONAL: 1 ESTABELECENDO A QUESTÃO EM ESTUDO: 6 CONTRIBUIÇÃO DO ESTUDO: 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 9
O SABER EXISTENTE SOBRE O TEMA: 10
A DOENÇA E SEU DIAGNÓSTICO: 10 O TRATAMENTO E SUAS CONSEQÜÊNCIAS: 13 O PROBLEMA E SUAS DIFERENTES ÓTICAS: 16 A ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM: 21 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 27
REFERENCIAL FILOSÓFICO 30
CAMINHANDO PARA A FENOMENOLOGIA: 30 A FENOMENOLOGIA: 32 MARTIN HEIDEGGER E O MÉTODO FENOMENOLÓGICO: 34 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 39
ABORDAGEM METODOLÓGICA: 40
O CENÁRIO DO ESTUDO: 40 A TRAJETÓRIA DO ESTUDO: 44 APROXIMAÇÃO AO SER MULHER EM TRATAMENTO QUIMIOTERÁP ICO: 45 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 48
ANÁLISE COMPREENSIVA 49
CONSTRUINDO AS UNIDADES DE SIGNIFICAÇÃO: 49 UNIDADES DE SIGNIFICAÇÃO: 49 A COMPREENSÃO VAGA E MEDIANA: 69 A INTERPRETAÇÃO COMPREENSIVA: 73 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 90
vii
CONSIDERAÇÕES FINAIS 91
BIBLIOGRAFIA: 98
ANEXO: 102
viii CAMARGO, Teresa Caldas. O ex-sistir feminino num rosto sem moldura: uma análise compreensiva. Rio de Janeiro. UFRJ, Escola de Enfermagem Anna Nery. 146 p. mimeo. Dissertação de Mestrado em Enfermagem.
RESUMO
Este estudo tem como objeto o ex-sistir feminino diante da perda do cabelo, conseqüente ao tratamento quimioterápico para o câncer de mama. Teve como motivação as inquietações surgidas a partir de minhas experiências e vivências profissionais, enquanto enfermeira da Central de Quimioterapia do Hospital Luiza Gomes de Lemos, unidade hospitalar III do Instituto Nacional de Câncer, onde no contato diário com as mulheres submetidas a quimioterapia antineoplásica, pude constatar mudanças em seus comportamentos diante do efeito colateral, a alopécia. O objetivo do estudo foi compreender o ex-sistir feminino diante da perda do seu cabelo e desvelar o sentido que funda o comportamento assumido pela mulher face a este efeito colateral do tratamento. O método utilizado foi a Fenomenologia, sendo o suporte para a análise compreensiva dos depoimentos o pensamento do filósofo Martin Heidegger expresso em Ser e Tempo. A apreensão dos significados atribuídos pelas depoentes à questão da perda do cabelo e a hermenêutica heideggeriana, mostrou a mulher como ser-aí-com exposta ao falatório. Como pre-sença temerosa que diante da ameaça - quimioterapia - enfrenta as variações do temor: o pavor da perda do seu cabelo, o horror de ver-se sem o seu cabelo e o terror de ser vista pelos outros sem o seu cabelo. A análise compreensiva permitiu compreender que na cotidianidade, a mulher caminha da inautenticidade para a autenticidade, passando pela dimensão da angústia, e assim realizando um encontro consigo mesma e seu poder ser. Nesta compreensão, pude refletir sobre a assistência de enfermagem prestada a mulher e perceber como ela tem privilegiado os aspectos factuais e funcionais do dia a dia em detrimento dos existenciais, não valorizando portanto a dimensão humana e a singularidade do assistir ao nosso semelhante. Pontuei ainda a necessidade da enfermagem de buscar o seu rumo enquanto profissão de gente que cuida do seu semelhante. Considero este estudo como um movimento não acabado porque permite que se desvelem outras facetas deste fenômeno que tanto mobiliza o ser-aí, bem como um aprofundamento na disposição privilegiada da angústia.
ix CAMARGO, Teresa Caldas. A female “ex-sistere” on an unframed face: a comprehensive analysis. Rio de Janeiro. UFRJ, Escola de Enfermagem Anna Nery. 146 p. mimeo. Dissertação de Mestrado em Enfermagem.
ABSTRACT
The object of this study is the female being, who copes with hair loss as a result of chemotherapic treatment for breast cancer. The motivation for the study arose from my professional uneasinesses as a nurse in the chemotherapic center at Luiza Gomes de Lemos Hospital of the National Cancer Institute. During my daily professional practice close to women submitted to antineoplastic chemotherapy, I noticed changes in their behavior as a result of hair loss, one of the side effects of the treatment. Thus, the purpose of this study was to comprehend a female being coping with hair loss and the several meanings which determine their behavior when facing this side effect. Phenomenological approach was selected as the methodological reference. Martin Heidegger’s philosophical thinking expressed in Being and Time supported me in the comprehensive analysis of the testimonies collected. Women- being who had lost her hair gave a particular significance for their experience, and according to Heidegger’s thinking it seemed that woman-being was exposed to people’s remarks. And also, the woman-being, a fearful one, coped with the chemotherapy effect and passed through different variations of fear such as pavid of hair loss, horror to see herself without her hair and terror to be seen without it by others. The comprehensive analysis allowed me to understand that woman moved daily from untruth to truth, passing through anguish dimension and finally met herself in her original be-ing and possibility of being. In this understanding I could reflect about the nursing assistance to women. Actually, I noticed that the factual and functional aspects of daily care have been privileged putting the existencial values aside, and doing this, unworthing the human dimension and singularity of its fellows. Furthermore, I pointed out the necessity that nursing has to find out its way like a profession where people assist to its fellowman. I do not consider this study finished, but it allows to un-veil other aspects of this phenomenon, that overcomes the woman-being. Besides that, it allows go deep into a thorough study of this privileged dimension of anguish.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
VIVENCIANDO A TEMÁTICA COMO PESSOA E PROFISSIONAL:
Este estudo foi se constituindo a partir de minha experiência como enfermeira na
Central de Quimioterapia do Hospital Luiza Gomes de Lemos1, no Rio de Janeiro. No
entanto, há muito fazem parte da minha vida, momentos nos quais o câncer de mama e
a quimioterapia ganham relevo específico. Lembro-me de uma tia que foi acometida pela
doença e, por ser o câncer uma doença terrível, minha mãe e minha avó sempre
comentavam aos cochichos sobre a infelicidade de minha tia com a doença e a
mastectomia.
Anos mais tarde, já estudante de enfermagem, soube de uma jovem conhecida que
acometida pela doença, escondeu-se de todos. Ao visitá-la após a cirurgia, sua face era
de desespero, angústia, desesperança. A quimioterapia parece ter piorado sua situação
de isolamento já que além das náuseas e vômitos, atormentava-lhe a perda do cabelo.
Alguns anos após, uma amiga de infância, aos 23 anos, deparou-se com um
diagnóstico de câncer de mama. Essa amiga faleceu aos 24 anos e pouco contato tive
com ela durante a doença, já que sua família evitava o convívio social e acho que ela
também não o queria. Soube que, após a mastectomia, ela comparecia ao tratamento
quimioterápico sempre procurando alegrar as outras mulheres. Recordo-me do seu lindo
cabelo louro, comprido e liso, então reduzido a nada. Penso com tristeza em como esta
vivência transformou seu comportamento e suas perspectivas de vida.
Iniciei minha atividade profissional num hospital de ginecologia geral e de câncer
ginecológico e da mama. Lá, meus primeiros anos, foram dedicados a aprofundar meus
conhecimentos. Naquela época, o câncer de mama com freqüencia surgia mesclado a
1 Hospital Luiza Gomes de Lemos (HLGL), unidade hospitalar III, do Instituto Nacional de Câncer (Inca).
2 outras patologias. Hoje, ao contrário, este hospital atende principalmente às mulheres
com suspeita ou diagnóstico de câncer de mama. Após cinco anos de trabalho nas
enfermarias, comecei um treinamento efetivo na Central de Quimioterapia.
Inicialmente, me vi muito envolvida com os aspectos da manipulação das drogas:
sua nomenclatura, diluição, administração, problemas de punção venosa, efeitos
colaterais e cuidados pessoais preventivos. Após dominar essas técnicas e
procedimentos passei a perceber mais intensamente os sofrimentos dessas mulheres:
seu medo, desespero e angústias.
É normal, após a consulta médica, recebê-las e esclarecer eventuais dúvidas que,
diante da figura do médico, foram esquecidas, ou conscientemente deixadas de lado, por
vergonha ou medo. Esta inibição talvez tenha sua origem no fato de ser o médico
comumente reconhecido pelo doente como o detentor do saber e da cura. Assim diante
dele a mulher doente pode assumir uma postura de inferioridade, por achar que nada
sabe ou entende esquecendo-se do seu direito às informações relativas à sua saúde e
da intransferível responsabilidade do médico com ela.
Estando mais segura senti vontade de conversar com elas, especialmente durante a
administração dos medicamentos. De tudo ouvi: casamentos e lares desfeitos após o
diagnóstico da doença e durante o tratamento; problemas com a família; filhos em
pânico; vergonha da doença; e a perda do cabelo como o pior de tudo, o estigma
revelador de tantas perdas.
Assim, na assistência diária às mulheres submetidas à quimioterapia, pude captar,
através de diálogo informal e observação do estado geral delas, as transformações
físicas, psíquicas e sociais que ocorreram durante o tratamento.
A quimioterapia parece expor definitivamente a mulher diante de sua doença, tanto
para si mesma, como para a sociedade. O impacto sobre a pessoa parece ser, muitas
vezes, maior do que o causado pelo conhecimento da doença e a experiência da
3 mutilação através da mastectomia. Esta exposição parece ser determinada pelos efeitos
colaterais da quimioterapia, sendo que os mais aparentes são a náusea, o vômito e a
perda de cabelo. No entanto, apesar dos avanços no desenvolvimento de medicamentos
antieméticos, não se conseguiu resultado equivalente para prevenir-se a perda do
cabelo. Até agora este efeito só pode ser amenizado pelo recurso a expedientes,
geralmente pouco estéticos, de recobrir a cabeça exposta.
A assistência de enfermagem prestada na Central de Quimioterapia do HLGL, além
da diluição e administração de drogas, passa também pelo contato diário com estas
mulheres, seus familiares e suas vidas.
A assistência ali prestada pretende ser de uma natureza holística, no entanto, a
correria do dia a dia, a pressão do tempo que deve ser dedicado à atividade diária, o
grande número de mulheres agendadas para cada dia, impedem muitas vezes que a
equipe olhe cada mulher como ser singular e único. Isto confere uma característica de
massificação a um atendimento que pretende ser individualizado.
Não obstante, com o passar dos meses, a equipe de enfermagem acaba por fazer
parte do universo social dessas mulheres e seus familiares. É comum o diálogo sobre
como ela está se saindo em casa após cada dia de tratamento, como sua vida diária foi
alterada, o que sentiu ao ver-se sem o cabelo, suas expectativas e perspectivas quanto
ao tratamento.
Nesse processo, surgem as empatias e existem aquelas enfermeiras e/ou auxiliares
de enfermagem que são as preferidas por determinadas mulheres para realizar a punção
venosa, administrar a medicação e ouvir o que têm a dizer e perguntar... Há mulheres
que manifestam expressivamente sua gratidão ao ver certa enfermeira ou auxiliar de
enfermagem.
4
Muitas levam presentes, escrevem agradecimentos ao final do tratamento e
continuam a visitar-nos, após a alta da quimioterapia, quando vêm ao hospital para as
consultas de rotina, e nos mostram como realmente o cabelo voltou a crescer.
Mas também surgem aversões. Outras mulheres referem náuseas apenas ao ver a
enfermeira ou auxiliar de enfermagem que lhe traz a lembrança dos efeitos
desagradáveis da quimioterapia e do mal estar que sentem nos dias subsequentes ao
tratamento.
Em minha vivência profissional como enfermeira do setor de quimioterapia, pude
observar que o impacto da perda do cabelo no comportamento da mulher parece talvez
ser pior do que a mutilação causada pela mastectomia, já que esta última pode ser
melhor ocultada no convívio social, mediante o uso de próteses externas e vestuário
adequado. Sempre me chamou muito a atenção a reação das mulheres quando
menciono a queda do cabelo. A expressão delas ao desviar o olhar, em geral cheio de
lágrimas, é tão tocante que se faz necessário algum tempo de silêncio, ao fim do qual,
normalmente ouço indagações como: “Meu cabelo vai cair todo mesmo?”; “Quando isto
vai acontecer?”; “Cairá todo de uma vez?”.
O cabelo e sua perda sempre me tocaram muito. Toda vez que oriento a mulher
sobre isto parece que naquele instante ela me “foge”, fica inalcançável, fechada em si
mesma, inatingível. E ali nesta fuga, algo me escapa, algo essencial desaparece, algo
essencial para que eu possa auxiliar a mulher, dando-lhe efetivamente minha
compreensão, ajuda, amparo.
O que percebo é que, a cada vez que menciono a perda do cabelo, a mulher parece
esquecer-se dos demais efeitos colaterais, que podem ocorrer durante o tratamento
quimioterápico, do mal estar que sente durante vários dias após a administração das
drogas. Sua atenção volta-se toda para o cabelo e sua desastrosa perda.
5
Muitas mulheres, ao final do primeiro ciclo de quimioterapia, pedem-me para ver as
perucas que o setor possui para empréstimo. Parecem querer estar prevenidas, quando
seu cabelo começar a cair. Outras procuram-me já quando a queda do cabelo tornou-se
aparente e é sempre com certo constrangimento no olhar que me pedem para ver e
experimentar as perucas.
Foi assim que me decidi por este estudo. Fazer galhofa ao mostrar uma peruca,
dizer que o cabelo volta, que a saúde é mais importante, que cabelo cresce, que o
necessário é impedir o retorno ou a progressão da doença, nada disso parece amenizar
esta situação.
Com o passar dos meses, essas mulheres comparecem para o tratamento com
perucas, lenços, toucas ou turbantes e é sempre com tristeza que relatam sua
experiência e a forma como ocorreu a perda do cabelo. O que me parece é que, neste
período, elas começam a tentar uma adaptação à sua nova condição e muitas vezes
aparentam querer dizer: “Agora que o cabelo já caiu todo mesmo, só anseio pelo fim do
tratamento para vê-lo crescer e esquecer tudo isto”.
Percebo também no meu dia a dia que aquela mulher ali está para cumprir um
tratamento imposto a ela como meio de sobrevivência. Ela recebe muitas explicações
sobre a necessidade de seguir o tratamento para curar-se e evitar o retorno da tão
temida doença. Ela é orientada também sobre como agem os quimioterápicos e o porquê
dos efeitos colaterais que eles provocam. Mas, na realidade, a palavra não é dada à
mulher, ela está ali para ouvir, não para ser ouvida. Está ali para cumprir um tratamento
que lhe é oferecido, com as melhores intenções, pelos profissionais que a cercam por
todos os lados, sempre vigiando para que ela siga em frente, para que ela se sinta, ao
menos fisicamente, o melhor possível, para que ela não abandone o tratamento.
Esquecem-se, entretanto, de que cada uma destas mulheres é uma pessoa peculiar no
mundo, que pensa e que sente e que talvez desejasse partilhar este seu vivido.
6
Ao assisti-las diáriamente, passei a compreender como é importante ouví-las, trocar
idéias e outras vezes apenas respeitar seu silêncio... Percebo ainda como o tratamento
quimioterápico é desgastante, sofrido e tenso, tanto para a mulher como para a equipe
de saúde. Que é necessário não apenas educar e orientar a mulher e sua família quanto
ao que esperar do tratamento, mas estar disposta a ouvir e abrir espaço para uma
compreensão autêntica de cada ser-mulher e sua família ali presentes.
ESTABELECENDO A QUESTÃO EM ESTUDO: A partir das mulheres portadoras de câncer de mama que perdem seu cabelo ao
submeterem-se à quimioterapia antineoplásica, passei a me questionar sobre a pessoa
que vivencia tal situação, na busca de desvelar o sentido fundante do seu ex-sistir.
O OBJETO DE ESTUDO:
A partir das inquietações surgidas de minhas experiências e vivências profissionais,
tenho como objeto de estudo o ex-sistir da mulher diante da perda do seu cabelo,
conseqüente ao tratamento quimioterápico para o câncer de mama.
OBJETIVO DO ESTUDO: Compreender o ex-sistir da mulher com diagnóstico de câncer de mama diante da
perda do seu cabelo conseqüente ao tratamento quimioterápico e portanto, desvelar o
sentido que funda o comportamento assumido por ela.
7 QUESTÃO NORTEADORA DO ESTUDO: Como se sente a mulher que, ao submeter-se ao tratamento quimioterápico, ex-siste
sem o seu cabelo?
CONTRIBUIÇÃO DO ESTUDO:
Em minha experiência profissional, reconheço a importância do papel da enfermeira
como educadora da família, e no meu caso em que a clientela é feminina, da mulher em
tratamento quimioterápico. Ao ser informada sobre os objetivos do tratamento e dos
efeitos colaterais que podem advir, a mulher parece se sentir mais capaz de cuidar de si
mesma e menos aflita quando os efeitos colaterais ocorrem. Quanto a estar mais
preparada, fica uma interrogação, pois no caso da alopécia por exemplo, parece sempre
haver um choque e muita tristeza, apesar da informação anteriormente dada.
A orientação, que é realizada individualmente com cada mulher, também funciona
como um primeiro contato entre ela e a enfermeira, e traz ainda o conforto e a segurança
de ter a quem recorrer quando tem alguma dúvida ou problema relacionado ao
tratamento. Não é incomum, por exemplo, que muitas delas ou seus familiares,
telefonem para o setor de Quimioterapia, buscando mais informações, tirando dúvidas ou
pedindo auxílio para resolução de algum problema surgido.
A mulher e sua família parecem também sentirem-se apoiadas diante da atuação
da enfermeira como educadora e orientadora, pois compreendem que alguém sabe do
momento pelo qual estão passando, e têm a liberdade de procurá-la quando julgam
necessário.
O contato com outras mulheres que estão passando pela mesma experiência,
também é bem vindo no entender da mulher. Parece encontrar algum conforto por não
ser a única que enfrenta a quimioterapia, gosta de trocar experiência e falar de sua
8 vivência com outras na mesma situação que ela. No meu local de trabalho, isto é
extremamente facilitado, pois as pacientes estão juntas aguardando a consulta ou na
sala de quimioterapia. É comum que se consolem umas às outras.
Vemos que há preocupação com a alopécia resultante do tratamento quimioterápico
para o câncer de mama, e com os danos causados à auto-imagem e auto-estima das
mulheres à ele submetidas.
Porém, não há até hoje resultado efetivo para a prevenção deste efeito colateral e
nem tampouco houve preocupação em buscar o significado desta vivência para a mulher.
Entretanto Freedman (1994 :334-341), julga crucial que se tenha um entendimento
profundo do significado da perda do cabelo, para se compreender porque tantas
mulheres, na cultura americana, consideram esta perda particularmente traumática e de
efeito iatrogênico no tratamento do câncer.
À mulher não foi dada voz para expressar o sentido deste vivido. Inclusive vários
pesquisadores parecem negar o problema da alopécia para a mulher que se submete ao
tratamento quimioterápico, ao relacioná-lo apenas como conseqüência da frustação
causada pelo aparecimento do câncer de mama. Ao contrário, este estudo busca o
significado atribuído pela vivência da alopécia pela mulher em tratamento quimioterápico.
Espera-se assim contribuir, através da compreensão, para um melhor atendimento
das suas necessidades, durante este período tão difícil do tratamento do câncer de
mama. Espera-se também que a melhor compreensão do fenômeno, provoque uma
reflexão sobre a atuação da equipe de enfermagem na especialidade, face ao impacto
deste efeito colateral no comportamento destas mulheres.
9
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: FREEDMAN, Tovia G . - Social and cultural dimensions of hair loss in women treated for
breast cancer. Cancer Nursing, New York, Raven Press, ltd. 17 (4) :334-41, 1994.
10
O SABER EXISTENTE SOBRE O TEMA:
A DOENÇA E SEU DIAGNÓSTICO:
O corpo humano é constituído por vários tipos de células e cada uma tem sua
própria estrutura e função. Quando as células chegam ao fim de sua vida ou sofrem
algum dano, novas células são formadas, já que o corpo tem a propriedade de reparar-
se. Este processo é chamado divisão celular e, em condições normais, as células se
dividem e crescem ordenadamente e de maneira controlada. No câncer, as células se
dividem descontroladamente, construindo uma massa de células não saudáveis
chamadas de tumor. Um tumor maligno invade e destrói os tecidos adjacentes podendo
espalhar-se para outras partes do corpo, originando as metástases (Mead Johnson,
1994).
O câncer de mama vem sendo considerado uma doença importante e crescente em
várias partes do mundo. As maiores taxas são vistas nos países industrializados da
Europa e da América do Norte, porém o aumento da incidência do câncer de mama na
série histórica é menor nas nações industrializadas do que nas nações em
desenvolvimento da Ásia e da América do Sul. Apesar da incidência do câncer de mama
ser crescente na maioria dos países, a mortalidade mantém-se estável ou em declínio
naqueles países que estão conseguindo detectá-lo mais precocemente, possibilitando
assim um tratamento mais eficiente (Silva, 1995 :80).
O câncer de mama pode ser detectado através de três procedimentos: auto-exame
das mamas, exame clínico realizado por um profissional habilitado e mamografia. Os dois
primeiros são de baixo custo e, por isso mesmo, de fácil implantação em qualquer
programa de saúde (Brasil,1996 :3). Entretanto, segundo Lopes (1996 :128-30), o fato de
um exame ser de baixo custo, indolor, rápido e gratuito, não implica na adesão a ele pela
11 população alvo, já que a ação de prevenir não depende apenas da vontade do
profissional e da disponibilidade dos serviços. Importa, na instância existencial, a decisão
da cliente, a qual se dá a partir da compreensão e interpretação que tem da possibilidade
de prevenir a doença e ser responsável por cuidar da própria saúde.
Na Europa e nos Estados Unidos, o câncer de mama é a forma mais comum no
sexo feminino. Mant e col. (1991 :236) dizem que o Japão, apesar da forte
industrialização, apresenta baixo risco para esta patologia, porém suas mulheres ao
emigrarem para países com alta incidência da doença, aumentam o risco de desenvolver
este tipo de câncer.
O câncer de mama tem, como fatores de risco, a menarca precoce, menopausa
tardia, primeira gestação completa com idade acima de 30 anos, nuliparidade, doença
mamária benigna, doença tireoideana, exposição prévia à radiação ionizante, história
familiar da doença, câncer prévio de mama, dieta rica em gorduras e proteínas animais,
biópsia prévia de mama (Brasil,1995 :33-34).
O risco para o câncer de mama também é maior nas mulheres que vivem nas áreas
urbanas do que entre as que vivem na zona rural. Os fatores ambientais têm papel
preponderante sobre os raciais ou genéticos e as mulheres de situação sócio-econômica
mais elevada têm maior probabilidade de serem acometidas por essa doença. Ao
contrário do que comumente se pensa a amamentação não diminui o risco. Antes da
menopausa os fatores de risco estão principalmente relacionados à atividade ovariana,
tendo a ooforectomia bilateral produzido redução da probabilidade de câncer de mama,
especialmente se o procedimento for realizado antes dos 40 anos (Silva,1995 :80-82).
A expectativa de vida da população brasileira vem aumentando. Este é um indicador
sócio-econômico e de saúde positivo, mas ele demanda que o setor da saúde se prepare
para atender à população idosa a qual apresenta maior probabilidade de ter câncer
(Minayo1995, :12).
12
O Ministério da Saúde e o Instituto Nacional de Câncer estão agora com uma
proposta para a implementação de um programa nacional para a prevenção e
diagnóstico precoce do câncer cérvico-uterino e de mama (Brasil, 1996 :12).
Este programa vem da necessidade de ser o câncer de mama o mais freqüente em
incidência e mortalidade no sexo feminino. A faixa etária de maior concentração está
entre 45 e 50 anos, representando aproximadamente 20% de todos os casos
diagnosticados de câncer e 15% em média, das mortes por câncer em mulheres ou seja,
dos 43.050 óbitos por neoplasia ocorridos em 1996 em mulheres, 6450 serão por câncer
de mama. As regiões sul e sudeste do Brasil apresentam incidência do câncer de mama
comparáveis a dos países desenvolvidos que possuem taxas maiores. Porto Alegre
apresenta os níveis mais elevados do país (66,12%) segundo dados do Registro de
Câncer de Base Populacional local de 1991 (Brasil 1996, :3). Numa estimativa para o ano
de 1997, o número de óbitos esperados por cancer em mulheres computa 45.165 casos,
sendo que destes 6.780 serão por câncer de mama, o que mostra um crescimento em
relação a estimativa para 1996 ( Brasil 1997, :8 e 9).
Quanto à mortalidade, o câncer de mama juntamente com o câncer de colo do útero,
são responsáveis pelo maior percentual dos óbitos por câncer ocorridos em mulheres em
todas as regiões do Brasil. Segundo estatísticas de mortalidade do Ministério da Saúde
no ano de 1989, nas regiões sul, sudeste e centro-oeste, o câncer de mama apresentou
a maior frequência relativa (12%). Inclusive, os óbitos por câncer ocorridos nas mulheres
brasileiras nas faixas etárias de 30-39 anos e 40-49 anos, de 1981 a 1989, 20% em
média tiveram como diagnóstico o câncer de mama (Brasil, 1996 :5-7).
13
O TRATAMENTO E SUAS CONSEQÜÊNCIAS:
Os recursos para o tratamento do câncer de mama incluem cirurgia, radioterapia,
quimioterapia e hormonioterapia. O tratamento indicado depende do tipo de câncer, do
tamanho do tumor, do grau histológico e de disseminação da doença (estadiamento), da
dosagem de receptores hormonais, da idade, do status menstrual e do estado geral da
paciente.
A quimioterapia usualmente é combinada à cirurgia e/ou à radioterapia. As drogas
específicas atuam sobre as células cancerosas, destruindo-as ou impedindo sua
reprodução. A quimioterapia é um tratamento sistêmico, porque as drogas percorrem
todo o sistema circulatório. E pode ser realizada mais de uma vez ao longo do processo
de acompanhamento clínico da paciente, que após o diagnóstico e tratamento do câncer
de mama, perdura por toda sua vida. Assim a quimioterapia pode ser recomendada por
mais de uma vez, como por exemplo, quando há o retorno da doença, mesmo mediante
o tratamento quimioterápico realizado anteriormente.
Estas drogas, destroem os tipos de células que apresentam a característica de
multiplicação rápida, como as células do câncer, mas também células normais como as
do cabelo, da medula óssea, das mucosas, e as gastrointestinais. Apesar disto, a
quimioterapia pode dar à pessoa doente a oportunidade de curar-se ou, pelo menos,
afastar a ameaça mais imediata à sua vida. Devido a estes efeitos colaterais, a
quimioterapia é, em geral, realizada em ciclos com períodos de repouso (usualmente de
21 em 21dias), para permitir que as células normais se recuperem.
A doxorubicina2 é uma antraciclina, classificada como antibiótico antitumoral sendo
um agente citotóxico muito utilizado no tratamento do câncer de mama. Esta droga, de
coloração vermelha provoca muitos efeitos colaterais, e é conhecida pelas mulheres
14 antes mesmo de iniciado o tratamento quimioterápico. Elas comumente referem-se a
esta droga como a vermelha ou como a mais forte , aquela que, por sua potência, causa
mais náuseas e vômitos e que as fazem perder o cabelo.
No HLGL, um dos protocolos de tratamento quimioterápico para o câncer de mama,
inclui a doxorubina (ou a droga análoga epirubicina) sozinha ou combinada a outros
agentes citotóxicos. O tratamento quimioterápico pode ser utilizado como adjuvante à
cirurgia3, que visa a erradicação de micro metástases; neoadjuvante ou citorredutor, com
a finalidade de reduzir o tumor para que o tratamento cirúrgico possa vir a ser realizado;
ou em casos de câncer de mama metastático, como tratamento paliativo, visando à
diminuição de sintomas como dor, edema etc., bem como melhora do estado geral, da
qualidade de vida e o possível aumento de sobrevida.
A doxorubicina provoca a atrofia total do bulbo capilar. Os fios do cabelo, ao serem
lavados ou escovados, se quebram na base e a droga não permite que eles se
regenerem, o que só ocorrerá um a dois meses após o fim do tratamento. A alopécia
severa resultante pode provocar transtornos emocionais para o paciente. Além disso, a
alopécia pode causar ainda mudanças negativas à imagem corporal, diminuição da
atividade social e também alterar as relações interpessoais (Cline 1984 :221).
Assim, o benefício desta droga, pode ser ofuscado por seu desastroso efeito
psicológico e social, podendo levar a paciente a recusar o tratamento ou não realizá-lo
adequadamente (Anderson 1981 :423-24).
Cline (1984 :225-227), fazendo uma revisão da literatura sobre a prevenção da
alopécia durante o tratamento quimioterápico, afirma que, embora os estudos iniciais
sejam até promissores, suas limitações devem ser consideradas antes de utilizados na
prática de enfermagem, que tem a responsabilidade de ser prudente. Considera que,
2 Nomes comerciais Adriblastina ou Adriamicina. 3 Mastectomia, Segmentectomia ou Quadrantectomia da mama com linfadenectomia axilar, onde quatro ou mais linfonodos estão comprometidos pelo câncer segundo, o laudo histopatológico.
15 apesar da prevenção da alopécia ser de grande importância na adaptação do paciente
ao tratamento, no momento, a utilização de métodos como o torniquete ou hipotermia
localizada no couro cabeludo, deve ser considerada com cautela, devido às limitações
dos estudos realizados até agora, que não apresentam resultados conclusivos.
A utilização de capacetes de gelo ou hipotermia localizada no couro cabeludo, com o
objetivo de prevenir a circulação da droga no bulbo capilar através de uma
vasoconstricção temporária, foi abandonada nos Estados Unidos, em 1990, pois a Food
and Drug Administration (FDA) concluiu que não havia dados de pesquisa clínica
suficientes para manter o procedimento, colocando ainda como preocupante o potencial
para metástases do couro cabeludo, do crânio e possivelmente do cérebro, advindas do
uso destes artefatos, que ao provocarem vasoconstricção localizada, impedem o acesso
da droga (De Vita, 1993 :2394-95).
Dean e col. (1979 :1429), só encontraram eficácia na redução da alopécia em
pacientes que realizaram tratamento com a doxorubina na dose de 50mg, porém na
utilização de doses mais elevadas, o benefício mostrou-se bastante reduzido ou
inexistente. Tollenaar e col. (1994 :1448-53), também não encontraram eficiência do
método quando há combinação de drogas. Witman e col. (1981 :508), são de opinião
que o uso da hipotermia no couro cabeludo tem contraindicação no caso de tumores
sólidos (como o câncer de mama), já que apresenta possibilidade de disseminação para
o couro cabeludo.
De outro modo, o uso do Minoxidil, medicação que induz o crescimento do cabelo,
foi também tentado e, apesar de não tóxico, o produto não foi efetivo na prevenção da
alopécia induzida pela quimioterapia (Rodriguez,1994 :769-70).
Para Hussein (1993 :1446), parece que o tratamento e a prevenção da alopécia
induzida pela quimioterapia não tem tido progresso por não haver ainda um modelo
16 animal em laboratório, com o qual possam ser desenvolvidos experimentos e pesquisas
que conduzam à um novo saber que ajude a solucionar o problema.
O PROBLEMA E SUAS DIFERENTES ÓTICAS:
Vários autores, entre eles Mackenna (1991 :547) e Lesley e col. (1991 :1086),
estudaram a reação dos pacientes em relação à quimioterapia. Em geral, eles associam
as drogas a seus efeitos colaterais e podem concluir que elas não ajudam ou curam,
porque eles sabem de outros pacientes nos quais a quimioterapia falhou. A ansiedade
advinda da doença, combinada com a reação ao tratamento, levam pacientes e suas
famílias a grandes níveis de tensão, que podem fazer com que o doente não cumpra o
tratamento planejado, por reconhecê-lo como perigoso e incapacitante. Os efeitos
colaterais da quimioterapia antineoplásica podem ser tão desastrosos para a paciente
que ela pode vir a recusar esse tratamento, lançando mão de tratamentos alternativos e
de eficácia duvidosa. No entanto (apesar dos efeitos colaterais), muitas pacientes
aceitam o tratamento, desde que esclarecidas de que este pode melhorar suas chances
de sobrevivência.
Em um estudo de Kiebert e col. (1990 :1040-41), 88% das pacientes que fizeram
tratamento quimioterápico pré-operatório para câncer de mama consideraram este
período como o mais difícil, devido à perda do cabelo e à necessidade de usar peruca.
Não obstante, esses autores afirmam que, apesar de a alopécia ser mencionada pelas
mulheres como um dos efeitos mais difíceis de suportar no tratamento objetivamente, ele
não parece ter influenciado negativamente a imagem corporal ou a qualidade de vida
destas mulheres. Para eles, este aspecto contraditório pode ser explicado por ser o
câncer de mama em geral, e o tipo de cirurgia realizado em particular, condições que
afetam psicologicamente a qualidade de vida e, podem aumentar a importância da
17 alopécia, que além de geralmente ser associada à perda de parte da identidade feminina,
também pode ser o alvo deslocador para fora da raiva e do desespero causado pelo
inexplicável aparecimento do câncer de mama.
O significado simbólico do cabelo é tão grande, que a experiência de perdê-lo é
raramente percebida pela mulher como parte de um processo que visa a aumentar suas
chances de vida. A perda do cabelo é percebida pelas mulheres como mais traumática
do que a perda da mama. A perda da mama, podendo ser escondida ou disfarçada, não
torna evidente para todos a desfiguração da imagem corporal, podendo ser mantida na
esfera da vida privada; já a perda do cabelo, por ser inegável, faz com que a doença
invisível e silenciosa torne-se visível e pública . A mulher além de se ver confrontada
com a realidade de sua própria finitude, passa ainda a ser reconhecida pelos outros
como pessoa atingida por uma doença maligna. Assim a perda do cabelo afeta a
autopercepção, a auto-imagem e a auto-estima (Freedman,1994 :334-341).
Pickard-Holley (1995 :235-8), também diz que a perda do cabelo causa depressão,
perda da autoconfiança, e humilhação. Alerta ainda no sentido de que além da perda do
cabelo, pode ocorrer a perda de cílios e sombrancelhas, alterando drásticamente o
aspecto do rosto e a expressão facial, o que agrava o comprometimento de sua imagem
corporal, o que interfere em suas relações sociais e inclusive na expressão de sua
sexualidade.
Freedman (1994 :334-41), apresenta um estudo exploratório no qual um dos
objetivos é descobrir o significado da vivência do câncer de mama para a mulher. Os
relatos colhidos foram, segundo ela, mais do que histórias de câncer de mama. Trata-se
da vivência das mulheres, suas experiências no decorrer da doença. Vários temas
surgiram, entre os quais o da queda do cabelo, que aparece como simbolismo cultural
de crenças e valores, e é sobre ele, em especial, de que trata o artigo “Social and
Cultural Dimensions of Hair Loss in Women Treated for Breast Cancer”.
18
Analisa, então ela, que o cabelo representa simbolicamente a identidade e o
conceito de si mesma. Muito se pode saber sobre uma pessoa através do estilo do
cabelo, diz ela. Informações como classe social, religião, pensamento político-social, etc.
É indicador de personalidade, sexualidade, atração, feminilidade. O conceito de
identidade é transmitido aos outros, inicialmente, através da aparência do cabelo. Em
certa medida, o que a pessoa pensa de si mesma estaria relacionado à avaliação do(s)
outro(s) a seu respeito. E o sentimento em relação ao seu cabelo, expressa comumente
como alguém julga que os outros sentir-se-ão em relação a si como pessoa.
A autora citada ainda comenta que, sendo o cabelo associado à identidade pessoal,
a perda do mesmo pode ser entendida, simbolicamente, como uma sensação
devastadora de diminuição e eventual perda de si própria. Isto faz surgir o terror
psicológico e conseqüente medo de que o ser, como é reconhecido, não mais exista. E,
mesmo na transição para o novo ser (perda e crescimento do cabelo) existe a incerteza
do conhecimento deste novo ser que surgirá. Em nossa cultura ocidental, como afirma a
autora, a cabeça raspada tem a finalidade de despersonalizar o indivíduo, como nos
casos dos recrutas e prisioneiros. Em muitas culturas e religiões, a cabeça raspada tem
o significado simbólico de desgraça, significando pecado ou erro. Este simbolismo pode
ser parte da razão pela qual as mulheres se sentem envergonhadas pela perda do
cabelo.
Na França, após a libertação de 1944 (2a guerra mundial), as mulheres que foram
amantes de alemães costumavam ser punidas, tendo suas cabeças raspadas e, então,
eram obrigadas a desfilar sua vergonha pelas vilas (Brownmiller,1984 :61).
Segundo Vieira (1977 :28-29), a auto-imagem é o modo como a pessoa percebe a si
própria, como ela pensa que é. Assim, se ela tem uma percepção favorável de si própria,
surgirá a auto-estima. Para construir sua auto-imagem e sua auto-estima, a pessoa
baseia-se nas reações dos outros (para procurar alguma identificação), na comparação
19 de si mesmo com os outros (para se auto-avaliar comparando-se a um semelhante), no
efeito dos papéis desempenhados (para determinar sua auto-identidade como membro
de um grupo) e, na identificação com modelos (para ser igual a ele).
A mulher, ao longo de sua vida e nos contatos sociais que estabelece, enfrenta
questionamentos tais como: “Você é bonita ?”, “É desejável ?”. Sua beleza e
feminilidade estão relacionadas a diversos atributos, entre eles o cabelo que em nossa
cultura ocidental, tem sido também associado à sexualidade.
Em propagandas de revistas ou de televisão, podemos ver mulheres sempre com
lindos cabelos bem tratados, tingidos, esvoaçantes, sedosos ou penteados de acordo
com a moda, anunciando um novo xampu, uma nova tintura, um novo modismo, que irá
deixá-las mais femininas, mais desejáveis e as tornará bem sucedidas como
profissionais, mães e esposas. Quem não se lembra da moça do comercial de televisão
que ao anunciar um produto para embelezar o cabelo feminino pergunta: “Você se
lembra da minha voz ? Mas os meus cabelos... veja que diferença”.
Qual de nós, mulheres, já não passou pelo menos alguns minutos diante do espelho
para tornar o cabelo mais bonito, ou já não se viu a reclamar do fato de ele ser muito liso
ou crespo demais, ou até mesmo “ruim” ? Ou passou horas tentando alisá-lo ou cacheá-
lo ou ajustá-lo à moda mais atual, em casa ou no cabeleireiro? Os salões de beleza não
deixam de proliferar e como menciona Brownmiller (1984 :74-75), qualquer que seja o
evento público de que uma mulher participe, quer seja uma atividade profissional, ou um
funeral ou ainda apenas uma atividade de lazer, deve ser precedido de um ritual para
pentear o cabelo ou tê-lo penteado por um profissional.
Comentando ainda sobre o cabelo, uma mudança no modo de usá-lo, pode afetar a
expressão do rosto e alterar o humor. Um estilo de cabelo característico de determinado
grupo, pode afastá-lo de outro e significar, por exemplo, rebelião, devoção a Deus, etc. O
20 cabelo já serviu para indicar o masculino e o feminino, o escravo e o dono, o jovem, o
velho, a virgem, a casada, a viúva (Brownmiller, 1984 :57).
Vemos, na história recente, a luta das primeiras feministas para trazerem o cabelo
curto o que, para muitos, significava a masculinização da mulher. Hoje, apesar dos
diversos estilos e comprimentos do cabelo feminino, permanece nas mulheres e na
nossa cultura o desejo de mantê-lo como “cartão de visitas”. Como menciona
Brownmiller(1984 :76), o cabelo, apesar de trivial, é muito relevante para a definição
feminina. Para fundamentar seu ponto de vista, cita Edith Wharton que em 1900 disse:
“Genialidade é de pouco uso para a mulher que não sabe como arrumar seu cabelo.”
No mundo ocidental, o corte do cabelo e seu estilo, está relacionado à convenção
social que distingue o feminino do masculino. Para Brownmiller (1984 :61), o apelo
erótico do cabelo foi reconhecido pela igreja católica, ao não permitir que as freiras o
deixassem exposto, assim como as esposas judias ortodoxas que, ao terem que encobri-
lo, sofrem uma tentativa de omissão da sua sexualidade diante de estranhos.
A autora segue comentando que a mulher após um período difícil de sua vida,
sempre escolherá fazer algo diferente com o seu cabelo, já que uma nova forma de
apresentá-lo, dá a impressão de que ela deu a “volta por cima”, que este é o início de
uma nova fase a ser vivida..., que esta mudança no estilo do cabelo, tem mais do que
qualquer droga, poder de elevar seu humor. Isso porque mostra-a como uma pessoa que
está tratando de si mesma e de sua sobrevivência,saindo de uma crise com a moral
elevada (Brownmiller, 1984 :76).
21
A ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM:
A assistência de enfermagem, no que se refere ao câncer, passa por várias etapas.
Ela vai desde a participação em programas de prevenção e detecção precoce da doença,
até o assistir ao paciente em fase terminal.
Segundo Ades e col.(1991 :589-90), durante a fase de tratamento do câncer a
atuação da enfermeira deve estar voltada para a educação do paciente e sua família,
sobre a doença, seu tratamento e cuidados durante o mesmo; prover suporte emocional
ao paciente e sua família; minimizar a morbidade relacionada ao tratamento para, assim,
melhorar a qualidade de vida; coordenar o cuidado durante o tratamento; e assistir ao
paciente através da administração dos medicamentos.
Para as autoras referidas, educar o paciente e sua família é parte integral do
tratamento do câncer e reconhecidamente um componente da prática de enfermagem. A
enfermeira oncológica seria responsável por assegurar que o paciente e sua família
compreendam o suficiente sobre o tratamento e a doença e, para tanto, uma coleta de
dados junto ao paciente e familiares sobre o assunto possibilita o diagnóstico de
enfermagem e a elaboração de um plano de cuidados. O contato inicial da enfermeira
com o doente e aqueles responsáveis por ele é que estabelecem as bases para as
ações educativas, orientações e apoio.
Uma vez decidido o tipo de tratamento a ser seguido pelo paciente, a enfermeira
deve orientá-lo quanto ao mesmo, seus efeitos colaterais e ensinar medidas para
minimizar ou prevenir sua toxicidade. As orientações educativas podem se realizadas
pela enfermeira de forma verbal, individual ou em grupo, com o uso de material áudio-
visual ou escrito, que possibilitam ao paciente consultar às informações quando em
casa, para alívio de sintomas. O contato com outros pacientes com o mesmo problema
22 deve ser facilitado e promovido, assim o paciente, ao conversar com outros, poderá
conseguir suporte emocional e educacional.
As autoras prosseguem ainda dizendo que o cuidado de enfermagem prestado ao
paciente em tratamento para o câncer envolve quatro componentes: suporte emocional
para facilitar o doente lidar com o diagnóstico e o tratamento; controle da toxicidade;
educação do paciente e sua família para a identificação e controle dos efeitos colaterais
esperados; e administração dos medicamentos citotóxicos.
Segundo estas autoras, a maioria dos efeitos colaterais ocorrem com o paciente em
casa. Assim estando orientados, eles podem ter um senso de participação ativa no seu
tratamento e controle sobre si mesmos. Continuam comentando que os pacientes devem
ser orientados também sobre quais podem ser controlados em casa, e quais devem ser
logo notificados à enfermeira e/ou ao médico. Dentre os efeitos colaterais comuns temos
a náusea, o vômito, a estomatite e a alopécia que podem ser controlados em casa. No
que se refere à alopécia a conscientização no início do tratamento e o suporte emocional
dado pela enfermeira podem minimizar o profundo efeito que ela exerce sobre a
percepção do paciente acerca dele mesmo.
Em uma pesquisa realizada com pacientes em quimioterapia, notou-se que as
enfermeiras tendem a se acostumar com a calvície dos pacientes porém, eles
necessariamente não se habituam a se verem calvos, mesmo que não usem qualquer
disfarce (Pickard-Holey, 1995 :237).
Afirma ainda a referida autora, que a intervenção da enfermagem na questão
deveria ser direcionada à ajuda ao paciente e sua família na adaptação, e meios de lidar
com a alopécia. A educação do paciente, a identificação de recursos disponíveis e ouvir
como apoio o que o paciente tem a dizer, são consideradas por ela medidas de
intervenção terapêuticas.
23
Ehmann e col. (1991 :769-73) relatam uma pesquisa com enfermeiras e pacientes
acerca das necessidades da pessoa portadora de câncer que vivencia a alopécia. Os
resultados mostram ser necessário educar pacientes e enfermeiras sobre os recursos
que podem ser utilizados para disfarçar a falta do cabelo, e a necessidade de determinar
as preocupações com o autocuidado (a ser desenvolvido pelos pacientes que perderam
o cabelo). Os pacientes também indicaram que gostariam de uma participação ativa das
enfermeiras ao auxiliá-los a lidar com a alopécia.
Os autores notaram que muitos pacientes estavam despreparados quando ocorreu a
queda do cabelo. Recomendam que a enfermagem, antes de iniciado o tratamento,
oriente a paciente a guardar uma mecha de cabelo juntamente com uma foto sua
recente. Deste modo um cabeleireiro poderá ajudar a encontrar a cor e o estilo de
penteado mais adequados à peruca a ser usada.
A American Cancer Society elaborou um livreto instrucional denominado “Perda do
Cabelo e Quimioterapia do Câncer” que é utilizado em alguns programas de ajuda aos
pacientes. A informação e divulgação junto aos profissionais de saúde, sobre produtos e
recursos que possam ser utilizados pelas pacientes para ajudá-las a lidar com a alopécia,
também foi proposta.
Para Keller e col. (1988 :1038-42), a assistência de enfermagem diante da alopécia,
deve ser direcionada às três funções primárias do cabelo: física, psicológica e social.
Físicamente, o cabelo dá proteção a várias partes do corpo pois participa dos
mecanismos termo-reguladores que conservam o calor. O paciente com alopécia num
clima frio portanto, deve ser encorajado a usar touca ou chapéu como proteção. Nos
climas quentes, o uso de filtro solar é recomendado. Segundo as autoras no entanto, os
pacientes raramente parecem se importar com esta função do cabelo, estando mais
preocupados com as alterações sociais e psicológicas provocadas pela perda abrupta e
indesejável do mesmo.
24
Psicológica e socialmente, a perda do cabelo provoca stress no paciente e sua
família. Assim as autoras recomendam que, no início do tratamento, a enfermeira esteja
atenta e avalie a percepção do paciente e de sua família ao orientá-los quanto a este
efeito colateral da quimioterpia, pois muitos relatam, que não importa o quão bem
tenham sido orientados sobre a alopécia, pois quando ela ocorre, é emocionalmente
traumatizante. A enfermeira deve atuar como um agente facilitador, promovendo o
contato do paciente com outras pessoas que vivenciam ou vivenciaram a queda do
cabelo como decorrência da quimioterapia, pois a troca de experiências e infomações
pode diminuir a sensação de medo.
As autoras acrescentam ainda que uma súbita mudança na aparência dos pais,
pode assustar as crianças. Portanto os pais devem ser encorajados a informar aos filhos
sobre a provável ocorrência da alopécia, esclarecendo que ela é temporária e indolor.
Por fim, enfatizam, que a enfermeira deve examinar seus próprios sentimentos acerca da
alopécia para assim não influenciar com sua opinião pessoal o paciente ou seu familiar,
na hora de orientá-los. Utlizando a aproximação individual, a enfermeira pode ajudar o
paciente a lidar física e emocionalmente com a alopécia.
Para Ades e col. (1991 :591), as enfermeiras estão assumindo cada vez mais a
responsabilidade na administração dos agentes citotóxicos, e com isso, adquirem o
conhecimento e habilidades necessárias para a administração segura dos
medicamentos. Também estão familiarizadas com a reação às drogas e seus efeitos
sobre o organismo, podendo portanto avaliar e monitorar os pacientes, planejar
intervenções apropriadas e educar a família e o paciente para o autocuidado.
O treinamento efetivo da enfermeira que atua manuseando e administrando agentes
citotóxicos é fundamental para a assistência eficiente ao paciente, pois possibilita o
conhecimento dos riscos pessoais ao lidar com tais medicamentos e ainda, os riscos
ambientais e para o paciente, quando administrados sem os cuidados necessários.
25
Assim é que a Oncology Nursing Society (1988 :2-13), preconiza o treinamento de
enfermeiras para lidar com as drogas através do conhecimento do preparo,
armazenamento, transporte e administração; dos cuidados com o paciente; dos cuidados
ao desprezar o material contaminado; do ambiente propício ao trabalho e das medidas
de segurança pessoal e ambiental; das ações de enfermagem na vigência de
estravazamento da droga durante sua administração ou quando ocorre exposição
acidental aos quimioterápicos antineoplásicos.
Para Bonassa (1996 :25-36), é fundamental que a enfermeira seja adequadamente
treinada para lidar com as drogas quimioterápicas, conhecendo como conservá-las,
manuseá-las, diluí-las. E deve também saber dos riscos ambientais e ocupacionais ao
lidar com elas.
A autora recomenda que haja no local destinado ao tratamento, um manual que
contenha as informações importantes sobre cada droga (por exemplo:nome
farmacológico e comercial, diluição, conservação, ação vesicante4, efeitos colaterais,
etc.).
Enfatiza, que o preparo das drogas para a administração, deve obedecer à técnica
estritamente asséptica, já que se destinam a pacientes imunodeprimidos, quer seja pela
própria doença quer seja como resultado do próprio tratamento.
Aponta ainda que nos EUA e em outros países desenvolvidos, a manipulação destas
drogas é realizada pelo farmacêutico, porém no Brasil, a sua diluição e administração é
feita pela enfermagem, que na maioria das vezes não tem conhecimento, nem técnico e
nem científico para realizar a tarefa, pondo em risco a segurança do paciente e a sua
própria. Comenta também que em nosso país não há regulamentação específica a
respeito do manuseio de medicamentos antineoplásicos, o que leva à sua manipulação
4 Droga vesicante é aquela que provoca irritação severa com formação de vesículas e destruição tecidual quando infiltrada fora do vaso sanguíneo.
26
por pessoas despreparadas e também a falhas na apresentação comercial de
alguns quimioterápicos, que são fornecidos pelos laboratórios de maneira inadequada
para resguardar a segurança de quem o manipula. Além disso, ressalta que poucas
instituições tem capela de fluxo laminar, equipamento essencial para a diluição segura
das drogas, que preserva a integridade pessoal e evita a contaminação ambiental.
27
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30
REFERENCIAL FILOSÓFICO
CAMINHANDO PARA A FENOMENOLOGIA:
A partir de minha vivência e experiência profissional, e por entender a enfermagem
como uma assistência que se dá ao outro, numa relação entre pessoas, optei por
desenvolver este estudo na abordagem fenomenológica a qual, ao buscar a
compreensão do humano em seu cotidiano, poderá mediar a interação tão necessária ao
prestar o cuidado ao meu semelhante.
Para Capalbo (1994:70),
A tendência atual da enfermagem é voltar-se para pessoas conscientes e livres e não para pacientes anônimos. A fenomenologia busca compreender o homem em sua totalidade existencial complexa, enquanto homem que vive numa dada sociedade histórico-cultural situada, em seu todo de carne e espírito.
No meu caminhar em direção à Fenomenologia, importou o meu cotidiano
assistencial onde apareceram minhas inquietações iniciais e o olhar atentivo
questionador dos fatos técnico-científicos, que não davam conta de todas as questões
surgidas no meu dia-a-dia profissional.
Como enfermeira da Central de Quimioterapia, pude constatar o distanciamento
surgido entre mim e a cliente, que ali comparecia para um tratamento quimioterápico, em
conseqüência do qual perdia o cabelo. Apesar de tentar abordar a questão de forma
diferente e variada, ao final sempre me restava a impressão de não ter alcançado aquele
ser singular que estava diante de mim.
31
Inclinei-me portanto influenciada pela Fenomenologia, a pensar sobre os aspectos
existenciais e não factuais daquela vivência, procurando buscar o sentido fundante do
comportamento assumido pela mulher diante da perda do cabelo.
Pude, mediada por esta abordagem metodológica, vislumbrar um meio de chegar à
compreensão do comportamento assumido por aquela mulher e assim, eliminar o vazio
trazido pelas formas explicativas da abordagem tradicional de pesquisa, que não dão
conta de questões como o significado da tristeza, da ansiedade, da vergonha, dentre
outros.
Como mencionam Lopes e col. (1995:49):
Questões significativas à existência humana, como o amor, a angústia, o medo, a liberdade e o próprio existir, situam-se no homem e merecem um olhar de natureza compreensiva, sendo o homem sujeito e não objeto...
Através da compreensão do mundo, do outro, da vida, neste relacionar-se podemos
compreender que o homem tem mais valor que as coisas, pois possuem uma vida
espiritual, e esta lhe dá a possibilidade de poder-ser, de coexistência.
A compreensão do outro, ao qual presto cuidado, foi portanto tomando forma no
meu cotidiano assistencial, levando-me a ser-no-mundo-com-a-mulher, que a seu modo
e com um sentido próprio, ex-siste sem o seu cabelo.
Martin Heidegger, filósofo do ser, foi o referencial de suporte escolhido para a
interpretação compreensiva deste estudo, porém esta não foi uma opção fácil!
Esta empreitada deu-se com dificuldades, já que a minha formação profissional
como enfermeira, não abordou a filosofia.Assim, com o intuito de aproximar-me do
método fenomenológico e do pensar heideggeriano, além de leituras exaustivas,
32 participei de encontros com a professora Telma Apparecida Donzelli, onde discutíamos a
obra de Heidegger Ser e Tempo. Também inscreví-me em uma disciplina eletiva no
Instituto de Filosofia da UFRJ, onde o assunto a ser discutido e analisado foi o pensar
heideggeriano relacionado à afetividade, tendo como base a obra anteriormente referida.
A FENOMENOLOGIA: A fenomenologia nasceu como método alternativo de pesquisa em Ciências
Humanas, opondo-se ao positivismo. Ela parte do princípio de que os seres humanos
não são objetos e, portanto, suas atitudes não podem ser analisadas como simples
reações, como fatos.
A questão ontológica do ser do homem é recolocada em evidência pela
Fenomenologia como direção de sua investigação, já que ela vem examinar a estrutura
da consciência. Desta forma, ela vai influenciar as Ciências Humanas, as quais já não
encontravam respostas na aplicação metodológica das Ciências da Natureza, para a
compreensão do homem em sua totalidade existencial (Capalbo, 1994 :70).
A Fenomenologia, como comenta Capalbo (1994 :194),
...define-se como ciência descritiva, rigorosa, concreta, que mostra e explicita o ser nele mesmo, que se preocupa com a essência do vivido, em suma, ela se apresenta como ciência eidética material pois os vividos intencionais dão forma aos conteúdos de significação.
Portanto o reino da fenomenologia é segundo Capalbo (1994 :193), não somente
descritivo “mas também o da significação”. E é nesta significação que ocorre a unidade
fenomenológica que dá sentido ao objeto conhecido.
33
Edmund Husserl, alemão, nascido em 1859, é considerado o pai da fenomenologia e
propõe uma ciência de rigor que irá preocupar-se com a essência do fenômeno.
Husserl pretendia assim não apenas renovar a prática das Ciências Humanas, mas
também fundar seu sentido ( Dartigues, 1992 :29).
Husserl parte do princípio de que é preciso que se volte às coisas mesmas, e desta
forma, se apreenda a essência do fenômeno. Fenômeno do grego “phainomenon,
significa discurso esclarecedor a respeito daquilo que se mostra para o sujeito
interrogador, do verbo “phainesthai” como mostrar-se, desvelar-se. Fenômeno é, então,
tudo o que se mostra, se manifesta, se desvela ao sujeito que o interroga (Martins e col.,
mimeo, sd. :4).
A essência, que para Husserl é a forma objetiva como significações vivenciadas pelo
homem, se obtém através da redução ao fenômeno, ou seja, chegando-se a sua pureza,
retirando-se tudo o que o fenômeno tem de não essencial ao colocar-se em suspensão
preconceitos e pressupostos acerca do mesmo, conservando-se assim apenas o seu
núcleo invariante ou essencial.
A redução eidética, como é chamada por Husserl, é assim algo que não se obtém
através do simples manipular, mas sim a partir de um “esforço de pensamento que se
exerce sobre o fenômeno cujo sentido se busca” (Dartigues, 1992 :30).
Portanto, para se chegar à essência parte-se dos fatos, que se referem ao que é
casual, repetitivo, pode ser controlado, sendo então objetos da ciência. Porém as
essências são objetos da intuição, da compreensão das significações e expressam
fenômenos. Fenômeno que para Husserl é a consciência e para seu discípulo Martin
Heidegger é o ser.
Estando voltada para a mulher em tratamento quimioterápico para o câncer de
mama no qual perde seu cabelo, e portanto compreendendo-a como um ser que ex-siste,
como pessoa que passa por um momento difícil de sua existência, e não apenas
34 olhando-a como mais um doente de câncer, voltei-me para a busca de sua compreensão
como um poder-ser, ao ex-sistir frente à doença, ao tratamento e seu efeito colateral.
Para tanto a Fenomenologia de Martin Heidegger e sua obra Ser e Tempo, apresentou-
se como caminho mais adequado à realização deste estudo.
MARTIN HEIDEGGER E O MÉTODO FENOMENOLÓGICO:
Martin Heidegger (1889-1976), nasceu e viveu na Alemanha e em 1909, entrou na
Universidade de Friburgo, seguindo os cursos de Filosofia e Teologia. Em 1913, recebe o
grau de doutor em Filosofia. Foi professor desta mesma Universidade, sucedendo ao
mestre Husserl e tendo sido nomeado reitor em 1933.
Sua mais famosa obra, Ser e Tempo, publicada em 1927, é considerada por Leão
(1995:11), “um marco na caminhada do pensamento pela história do Ocidente”.
Segundo Trotignon (1990:11), o conhecimento do pensamento de Heidegger nos
auxilia “a compreender, a interrogar e a criticar a nossa própria existência”.
O objeto da investigação de Heidegger é o ser, este ente que foi esquecido pela
filosofia na sua tradição metafísica. Para este filósofo, nós nos mantemos em relação ao
ser, numa compreensão vaga e mediana, sem apreender-lhe portanto o sentido.
Buscando o sentido do ser, a fenomenologia apresenta-se como conceito de método
adequado para Heidegger (1995:65) por “deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se
mostra, tal como se mostra a partir de si mesmo”.
A fenomenologia enquanto método de investigação, tem a preocupação da
mostração do objeto de estudo tal como ele é em si mesmo, e não o que ele é em si.
Parte portanto do princípio da transparência, do princípio de que as coisas se mostram5.
5 Anotações de encontros com a professora Dra. Telma Apparecida Donzelli, UERJ - 1996.
35
No entanto, como diz Heidegger (1995:66), o fenômeno não se mostra diretamente
na maioria das vêzes. Ele mantém-se velado, encoberto pelo que parece mas não é.
Porém, este que parece mas não é, faz parte essencial do que se mostra velado, e que
se constitui no sentido e fundamento.
Para Heidegger, na questão do sentido do ser, é necessário que se torne
transparente este ente que cada um de nós é em seu ser, pois o homem é um ente que
compreende o Ser, ente que foi designado pelo filósofo de ser-aí, pre-sença, Dasein.
Este ente que somos é diferente dos outros entes - coisas e objetos - por ter em seu ser,
o privilégio de se questionar como possibilidade.
Ao referir-se a questão do sentido do ser, questão esta considerada como
“privilegiada”, Heidegger parte do princípio de que “todo questionamento é uma procura”
e como tal, possui em sua estrutura um questionado, que é o ser; um interrogado, que é
o ser que como ente já é conhecido porque é o saber factual oriundo do modo de
entender o ser apenas como ente, mantendo-o assim velado em seu sentido; e um
perguntado, que é o sentido do ser, este que não foi primeiramente apreendido
(Heidegger, 1995 :30-32).
Na busca do sentido do Ser, necessita-se pois partir de uma direção que possibilite
um modo adequado de se chegar ao ser do ente. Assim Heidegger ( 1995 :32), tem o
ente como ponto de partida de acesso ao ser e define-o como:
... tudo que falamos, tudo que entendemos, com que nos comportamos dessa ou daquela maneira, ente é também o que e como nós mesmos somos.
36
Utilizando o método fenomenológico, Heidegger realiza a de-construção filosófica do
ser, este que foi visto pela metafísica como ente e não como ex-sistente.
O homem é o único que pode “pensar Ser”, logo ele ex-siste. A hifenização dada por
Heidegger significa a compreensão de existência como esta “capacidade do homem para
ficar fora de si mesmo”, ao contrário por exemplo de uma árvore, que por não ter tal
capacidade, e embora tenha vida, apenas é, não ex-siste ( Steiner, 1978 :65). Ser
homem é pois um projetar-se, é ser possível, é poder-ser. A essência do homem está em
sua ex-sistência.
Como Lopes (1996 :54) destaca, a ex-sistência no pensar de Heidegger possui tres
aspectos: a facticidade, a transcendência e a de-cadência.
A facticidade refere-se ao fato de o homem encontrar-se assim, lançado no mundo,
sendo-no-mundo, sem que tenha escolhido ou optado por tal situação. Portanto o
homem está sempre situado em relação ao mundo, que não significa um espaço
delimitado ou homogêneo no qual ele ex-siste, mas sim quer dizer mundo das coisas e
dos outros sujeitos, onde o Dasein relaciona-se com os entes que vem ao seu encontro,
onde con-vive com outros que também são pre-sença.
Assim ser-no-mundo, significa esta familiaridade, o sentir-se confiante, sentir-se em
casa. Ser-no-mundo é como o homem vive e pode viver de várias maneiras e os vários
modos como ele pode relacionar-se com os entes que a ele se apresentam ( Spanoudis,
1981 :16). Portanto ser-no-mundo tem em sua essência ser-com, isto é, a possibilidade
de partilhar este mundo com outros.
Transcendência significa o projetar-se do homem para além de si mesmo conferindo
sentido ao seu ser, ao realizar o encontro com este ente que ele mesmo é, e
compreendendo-se em seu ser. Ex-sistindo, sendo, a pre-sença é um poder-ser, é
possibilidade. Sobre isso Heidegger ( 1995 :78) afirma que
37
As características constitutivas da pre-sença são sempre modos possíveis de ser. ... A pre-sença se constitui pelo caráter de ser minha segundo este ou aquele modo de ser. ... O ente, em cujo ser, isto é, sendo, está em jogo o próprio ser, relaciona-se e comporta-se com o seu ser, como sua possibilidade mais própria. A pre-sença é sempre sua possibilidade.
A de-cadência significa o de-caimento da pre-sença de si mesma na cotidianidade,
ou seja, é o modo de ser cotidiano onde o ser-aí se afasta de seu projeto originário, de
sua singularidade e esconde-se no anonimato do mundo público onde todos são e
ninguém é.
Neste modo de ser do impessoal, no qual o ser-aí se encontra na maioria das vezes,
ele está descompromissado consigo mesmo e com os outros e neste modo inautêntico,
acolhe tudo e todos apenas como entidades.
No pensamento de Heidegger (1995 :236-237), o termo de-cadência não significa
algo negativo, quer apenas indicar o modo de ser da pre-sença no qual ela está “junto e
no mundo das ocupações” na maioria das vezes, sendo conduzida assim para a “public-
idade do impessoal”, em seu empenho na convivência. E Heidegger (1981 :53), afirma
ainda referindo-se ao impessoal ou “a gente” : o “a gente” é um existênciário e, enquanto um
fenômeno primordial, pertence à constituição positiva do ser-aí.
Empenhada na convivência que é determinada pelo falatório, a curiosidade e a
ambiguidade, a pre-sença vê no fenômeno da de-cadência uma tentação, que a mantém
na public-idade dando-lhe uma sensação de tranquilidade. Sobre isso Heidegger (1995
:239) comenta que:
A pretensão do impessoal, de nutrir e dirigir toda “vida”autêntica, tranquiliza a pre-sença, assegurando que tudo “está em ordem”e que todas as portas estão abertas. O ser-no-mundo da de-cadência é, em si mesmo, tanto tentador como tranquilizante.
38
Em Ser e Tempo, Heidegger desenvolve portanto uma analítica existencial da pre-
sença considerando seus modos de ser-no-mundo, sua relação com o mundo como pre-
sença e co-presença na cotidianidade, enfim como ex-sistente.
A cotidianidade mediana apresenta-se como o solo adequado para que se tenha
acesso à pre-sença pois segundo Heidegger (1995 :44),
... as modalidades de acesso e interpretação devem ser escolhidas de modo que esse ente possa mostrar-se em si mesmo e por si mesmo. Elas têm de mostrar a pre-sença em sua cotidianidade mediana, tal como ela é antes de tudo e na maioria das vezes.
Em sua ontologia, Heidegger não pretende ditar fórmulas e conceitos para
determinar o ser. Pois para ele ontológico, ao contrário da tradição que conceitua a
ontologia como as essências fundamentais concretamente definidas, é a possibilidade
dos vários modos como algo tende a manifestar-se. Ser portanto é a maneira como algo
se torna percebido, compreendido e conhecido pelo humano, pelo ser-aí.
39
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: CAPALBO, Creusa. - Considerações sobre o método fenomenológico e a enfermagem.
Revista Enfermagem UERJ. Rio de Janeiro, 2, (2), 193-194, out., 1994. CAPALBO, Creusa. - Abordando a enfermagem a partir da fenomenologia.Revista
Enfermagem UERJ. Rio deJaneiro, 2, (1), :70, maio, 1994. DARTIGUES, André. - O que é a Fenomenologia? 3a. ed., São Paulo, Editora Moraes,
:29-30, 1992. HEIDEGGER, Martin - Ser e Tempo. Parte I. 5a ed. Trad. Márcia de Sá Cavalcanti.
Petrópolis. Editora Vozes, :65, 1995.(Coleção Os Pensadores). LEÃO, Emmanuel C. Apresentação. In: Ser e Tempo. Martin Heidegger. Parte I. 5a
ed.Trad. Márcia de Sá Cavalcante. Petrópolis editora Vozes, :11-22,1995. LOPES, Regina Lúcia Mendonça, et al - A fenomenologia e a pesquisa em
enfermagem. Revista Enfermagem UERJ. Rio de Janeiro, 3, (1), :49-52, maio, 1995. LOPES, Regina Lúcia Mendonça. - O Avesso da Prevenção do Câncer Cérvico-Uterino
- O Ex-sistir Feminino sob a Ótica da Enfermagem. Tese (Doutorado) Escola de Enfermagem Anna Nery. Universidade Federal do Rio de Janeiro, :54, mar.,1996.
MARTINS, Joel, et al - A Fenomenologia como Alternativa Metodológica para Pesquisa -
Algumas Considerações. Mimeo, s.d.,:4. STEINER, George. - As Idéias de Heidegger. Trad. Álvaro Cabral, São Paulo, Editora
Cultrix, : 65, 1978. SPANOUDIS, Solon - Apresentação. In: Todos nós...ninguém. Martin Heidegger.
Trad.Dulce Mara Critelli.São Paulo,Editora Moraes,1981,72p. TROTIGNON, Pierre. - Heidegger. Trad. Armindo José Rodrigues. Rio de Janeiro
Edições 70, :11, 1990.
40
ABORDAGEM METODOLÓGICA:
Trata-se de um estudo de natureza qualitativa. O objetivo a ser alcançado aponta
para a fenomenologia como abordagem metodológica adequada.
Carvalho (1987:14) diz que compreender não é explicar, mas sim apreender
vivências e sentidos originários. Portanto, sendo a fenomenologia um método que
direciona a compreensão, penso que foi o mais adequado para obter respostas às
minhas inquietações.
O CENÁRIO DO ESTUDO:
O hospital Luiza Gomes de Lemos, do Inca, onde trabalho desde 1986, foi o local
escolhido para o desenvolvimento deste estudo. No entanto, vale ressaltar, que sua
trajetória é pontuada por crises institucionais que, ao longo de quase quarenta anos de
existência, alteraram seguidamente seus propósitos, estatuto legal e financeiro, com
importantes conseqüências para seus clientes e servidores.
Em 21 de novembro de 1957, tendo como diretor o dr. Arthur Campos da Paz Filho,
foi inaugurado no Rio de Janeiro, no bairro de Vila Isabel, o Centro de Pesquisas Luiza
Gomes de Lemos (CPLGL), uma iniciativa das Pioneiras Sociais, sob o patrocínio da sra.
Sara Kubitschek, então presidente desta sociedade civil, criada em Minas Gerais. O
nome desse Centro de Pesquisa, foi uma homenagem à mãe da sra. Kubitschek,
falecida dois anos antes, devido a um câncer ginecológico. A doença da mãe inspirou-a a
fundar esta obra pioneira, cuja finalidade era a prevenção e o controle do câncer
ginecológico.
41 Quando a Associação das Pioneiras Sociais foi incorporada pela “Fundação das
Pioneiras Sociais” (FPS), entidade de âmbito nacional, com sede em Brasília, e cujos
objetivos eram “a assistência médica, social, moral e educacional da população pobre,
em suas variadas formas, e as pesquisas relacionadas com suas finalidades”, o CPLGL
tornou-se uma de suas unidades (Brasil, 1960).6
Mais tarde com o dr. Arthur Campos da Paz Filho na presidência da FPS, em 1976,
foi criado o Instituto Nacional de Ginecologia Preventiva e Reprodução Humana Luiza
Gomes de Lemos, com a finalidade de ampliar a esfera de ação do CPLGL, assim
atendendo à “diversificação e o aspecto multidisciplinar em que deve ser conceituada a
prevenção e o diagnóstico precoce do câncer ginecológico” (Fundação das Pioneiras
Sociais, 1977 :19). Em 1977, com a conclusão do Hospital Santa Rita, conhecido até hoje
como Hospital das Pioneiras Sociais, o Instituto pôde dispor de local necessário para a
internação de casos que necessitassem esclarecimento, diagnóstico e tratamento
cirúrgico, tanto no caso de câncer ginecológico, como no de mama.
E, em 1981, no governo do presidente João Figueiredo, sendo o presidente da FPS
o dr. Aloísio Campos da Paz Jr, o Instituto foi extinto, passando o conjunto formado pelo
ambulatório e o hospital a constituir o Centro de Ginecologia Luíza Gomes de Lemos
(CGLGL), dedicado apenas a atividades assistenciais, ambulatoriais e cirúrgicas de
ginecologia e mastologia, tanto na prevenção, como no tratamento de patologias
benignas e malignas. Terminaram portanto as atividades de pesquisa.
Em 1991, em virtude da extinção da FPS7, o CGLGL foi incorporado ao Instituto
6 Criada pelo decreto-lei número 3736/60 de 22/3/1960,assinado pelo presidente Juscelino Kubitscheck 7 Em 22 de outubro de 1991, pelo decreto-lei número 8246/91, o presidente Fernando Collor de Mello instituiu o Serviço Social Autônomo Associação das Pioneiras Sociais, que tem como finalidade “prestar assistência médica qualificada e gratuita a todos os níveis da população e de desenvolver atividades educacionais e de pesquisa no campo da saúde em cooperação com o Poder Público” (Brasil, 1991 :2381). Forma-se, assim, um contrato de gestão e em 20 de dezembro de 1991, pelo decreto-lei número 370, ficou extinta a FPS.
42 Nacional de Câncer (Inca), como unidade hospitalar III. O CGLGL sofreu modificações,
passando a não mais tratar patologias ginecológicas e da mama de origem benigna, de
modo a adequar-se ao seu novo propósito, ou seja, o controle e tratamento do câncer
ginecológico e da mama (Brasil, 1994 :11). A partir de 1994, o CGLGL passou a ser
identificado como Hospital Luíza Gomes de Lemos (HLGL).
O período que antecedeu a passagem para o Inca foi extremamente conturbado.Os
funcionários da Instituição, inclusive eu, vivíamos sobressaltados pelos boatos, ansiosos
com o destino indefinido do hospital. O questionamento frequente era o de qual
instituição nos assumiria. Primeiro surgiu a possibilidade do contrato de gestão,
assumido pela atual Associação das Pioneiras Sociais, que nos traria de volta à época da
CLT. Depois a possibilidade da incorporação ao SUS, que era vista como o que de pior
poderia nos acontecer. Por fim surgiu o Inca, embora não tenha sido aceito por
unanimidade, porém trouxe-nos de volta a estabilidade necessária à continuação do
serviço, mesmo diante da mudança do perfil do hospital.
O Inca, passou em 1993 a incorporar o Plano Nacional de Ciência e Tecnologia do
Ministério de Ciência e Tecnologia que veio então incentivar a pesquisa e o
aprimoramento profissional, portanto permitindo-me fazer o curso de mestrado.
A Divisão de Enfermagem, no HLGL, compõe-se da Chefia de Enfermagem e de
quatro setores, sendo eles: Centro Cirúrgico e Central de Material Esterilizado; Unidade
de Internação; Ambulatório; e Quimioterapia.
Cada setor conta com uma enfermeira responsável, sendo que todas atuam em
conjunto nos seus respectivos setores, atuando tanto nas questões administrativas,
quanto na supervisão da equipe de enfermagem e em cuidados diretos com as mulheres
internadas.
A enfermeira é responsável pela admissão diária de todas as mulheres que
comparecem para internação, realizando entrevista individual, orientada por um roteiro
43 pré-determinado. Antes de encaminhar as mulheres admitidas à unidade de internação, a
enfermeira realiza uma “dinâmica de grupo” com material audiovisual, para explicar-lhes
tudo o que acontecerá no pré, trans e pós-operatório, até o dia da alta. Nesta
oportunidade também é feita uma apresentação da área de internação, assim como dos
diversos profissionais que atuam no setor e aos quais elas podem recorrer, quando
necessário.
A Quimioterapia conta diariamente, em média, com duas enfermeiras, duas
auxiliares de enfermagem e residentes de enfermagem. Neste setor são atendidas as
mulheres provenientes da consulta médica prévia, na oncologia clínica.
O encaminhamento para a oncologia clínica, no caso do câncer de mama, pode ser
feito pelo médico mastologista após consulta ambulatorial, na qual foi constatada a
necessidade de avaliação para a realização de quimioterapia pré-operatória ou
complementação de tratamento pós-operatório ou ainda no caso de doença metastática.
Também é feito pela enfermeira do ambulatório, a qual acompanha as pacientes
mastectomizadas na consulta de enfermagem, a avaliação dos resultados de exames
periódicos pedidos pelo setor de mastologia. Assim, no caso por exemplo de suspeita ou
evidência de doença metastática, a mulher é encaminhada pela enfermeira para
avaliação pelo médico oncologista, que determinará o tratamento a ser realizado.
Ao chegar pela primeira vez ao Setor de Quimioterapia, a mulher recebe orientação
individual da enfermeira. Um resumo dessa orientação é entregue a ela, na forma de
folheto explicativo. Nessa oportunidade, a mulher é esclarecida sobre o tratamento
quimioterápico e sua finalidade, individualizando-se a orientação para cada estágio da
doença. Ela é informada, ainda, sobre como age a droga no organismo, seus efeitos
colaterais, nutrição adequada para este período, sinais e sintomas que devem ser
comunicados ao médico no período entre os ciclos de quimioterapia, rotinas do setor e
do atendimento médico. Ao final, há espaço para qualquer questionamento e lhe é
44 assegurado retorno a qualquer dúvida ou indagação que possa ter durante o período em
que estará em tratamento no setor.
Cabe ainda à enfermeira a diluição e o preparo das drogas quimioterápicas e sua
administração, punção venosa periférica ou de catéteres implantados no tecido
subcutâneo, supervisão e treinamento das auxiliares e residentes de enfermagem, que,
após serem consideradas aptas, realizarão também punção venosa periférica e
administração das drogas antineoplásicas.
A TRAJETÓRIA DO ESTUDO:
O grupo estudado foi o das mulheres com alopécia secundária à quimioterapia
antineoplásica com a doxorubicina (ou seu análogo a epirrubicina), sozinha ou
combinada a outras drogas, e os depoimentos colhidos a partir da técnica da entrevista
fenomenológica, que se dá sob a forma de ex-sistência situada no encontro.
Segundo Boemer (1984 :27), em fenomenologia, empatia significa sentir com o
outro o que ele sente, mas sem com isso estar vivenciando o mesmo que ele. A empatia
permite o encontro com o outro e nos possibilita ser-aí-com o nosso semelhante.
Para Capalbo (1987 :6), a empatia é a forma de acesso que se tem para penetrar
nos objetos vividos e portanto a entrevista com abordagem fenomenológica é por ela
mediada. Assim, numa relação empática, procurei chegar à compreensão do vivido
destas mulheres ao perderem o cabelo, distanciando-me dos pressupostos para buscar o
saber deste fenômeno tal como ele se dá.
As entrevistas foram gravadas, transcritas, em número de dezenove, analisadas
compreensivamente visando a construção das unidades de significação e a
hermenêutica à luz do pensamento de Martin Heidegger.
45
Em decorrência do olhar atentivo, que este estudo tornou possível, procedi à uma
aproximação ao ser-aí-mulher em tratamento quimioterápico. Este olhar foi
possibilitando-me cada vez mais observar inúmeras situações ocorridas no meu dia-a-dia
assistencial, e que levaram-me a questionar o atendimento a estas mulheres.
A formalidade no atendimento, que enfoca a quimioterapia e seus efeitos colaterais
apenas como fatos, conduziram-me cada vez mais ao encontro destas mulheres, com o
intuito de tentar uma aproximação ao ser-aí, a partir da facticidade e do significado
atribuído buscando o desvelamento do sentido.
APROXIMAÇÃO AO SER MULHER EM TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO:
Tendo em vista o desenvolvimento de minhas atividades assistenciais concomitante
à realização do curso de mestrado, procurei iniciar meus primeiros passos, rumo à
ambientação tão necessária à etapa das entrevistas, conversando informalmente sobre a
perda do cabelo conseqüente ao tratamento quimioterápico, com as mulheres que
aguardavam a consulta médica no corredor ou durante a administração dos
medicamentos ou ainda após o tratamento daquele dia. Neste processo, pude penetrar
no cotidiano do ex-sistir daquelas mulheres. No entanto, notei que não seria possível
realizar as entrevistas na Central de Quimioterapia devido ao tumulto do ambiente, onde
havia muitas pessoas falando ao mesmo tempo e as outras mulheres interferindo em
nossas conversas, o que impedia uma relação empática.
Concluí que o melhor local para realizar as entrevistas, seria o consultório médico
que me permitiria privacidade e um ambiente tranquilo e que não é utilizado antes da
chegada dos resultados dos exames laboratoriais, quando então começam as consultas
médicas.
46
Por estar invariávelmente neste horário escalada para a diluição de medicamentos a
serem administrados naquela manhã, tive que contar com o apoio e a boa vontade da
colega enfermeira escalada comigo naquele dia, para realizar essa tarefa por mim.
Assim, as entrevistas foram realizadas no HLGL, entre sete e meia e nove e meia da
manhã, que corresponde a um período ocioso para a mulher, que chega ao hospital para
colher sangue às sete horas da manhã e depois tem que aguardar até às nove e meia
para ser atendida pelo médico. A questão orientadora da entrevista a ser utilizada,
também foi decidida naqueles primeiros contatos com as mulheres, quando pude
analisar o modo de abordá-las. Assim decidi-me por chegar a elas perguntando: “O que
significou para você a perda do seu cabelo?”
Os depoimentos foram obtidos durante os meses de outubro e novembro de 1996,
nos dias em que eu estava cumprindo minha escala de serviço (,já que estou
parcialmente afastada do trabalho para realizar o curso de mestrado). O número de
entrevistas realizadas por dia, não ultrapassou a quatro. Após cada uma delas, sozinha,
voltava a fita para o início do diálogo e procurava escutá-la atentamente, para deste
modo tentar fixar a imagem de cada mulher, sua linguagem gestual, seu silêncio, seu
choro, enfim suas emoções e expressões faciais, com a intenção de assim buscar o
sentido daquela fala singular, própria e única de cada ser-no-mundo.
O uso do gravador foi autorizado por cada mulher e os nomes mantidos para
singularizar cada entrevista. Não houve qualquer problema com o uso do gravador, ao
contrário, cada mulher mostrou-se grata por poder falar e compartilhar seu modo de ser,
sentir e seu mundo próprio. Percebi aí mais fortemente, como a mulher tem desejo de
conversar mais prolongadamente e como esta oportunidade lhe é negada pelo ritmo
intenso do serviço, que impede os profissionais de dedicarem mais tempo à convivência
com elas, e que deste modo, acabam privilegiando as rotinas e horários, em detrimento
daquele ser singular que deveria ser o centro de sua atenção e dedicação.
47
Durante as entrevistas, procurei suspender meus pressupostos acerca da perda do
cabelo durante o tratamento quimioterápico, procedendo assim à redução
fenomenológica, e busquei a empatia com cada uma daquelas mulheres. Portanto, com
a entrevista fenomenológica, pude me emocionar e sentir com cada mulher o que
significava para ela a perda do cabelo, realizando assim o encontro com o outro, sendo
no mundo com ela, sendo pre-sença.
48
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BOEMER, Magali R . - Empatia - proposta de abordagem fenomenológica. Revista da
Escola de Enfermagem, USP, São Paulo, 18 (1): 23-9, 1984. BRASIL / DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO - Decreto-lei número 3736/60, 1960. BRASIL / MINISTÉRIO DA SAÚDE, INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER,
COORDENAÇÃO DE PROGRAMAS DE CONTROLE DE CÂNCER- PRO -ONCO - Registro hospitalar de câncer 1992. Pro-Onco,Rio de Janeiro, :11, 1994.
CAPALBO, Creusa Prefácio In: Metodologia da entrevista: uma abordagem
fenomenológica. Rio de Janeiro, Livraria AGIR editora, : 5-8, 1987.
CARVALHO, Anésia S. - Metodologia da entrevista. Rio de Janeiro, Livraria AGIR editora, :14, 1987.
FUNDAÇÃO DAS PIONEIRAS SOCIAIS . Relatório das Atividades do ano de 1977. :19 e
31, 1977. PIONEIRAS SOCIAIS, CENTRO DE GINECOLOGIA LUÍZA GOME S DE LEMOS.
Boletim. 1, (1), ago., 1958.
49
ANÁLISE COMPREENSIVA
CONSTRUINDO AS UNIDADES DE SIGNIFICAÇÃO:
Após a obtenção dos depoimentos, iniciei a transcrição dos mesmos e sua
leitura, mediada pela empatia, procurando recordar-me dos momentos que tive com cada
uma das mulheres. Assim, procedendo à leitura de cada depoimento em separado, fui
procurando alcançar o que expressava cada mulher ao relatar a sua vivência. Fiz várias
leituras, sempre me guiando pela questão norteadora do estudo, que expressa as
inquietações surgidas no meu cotidiano assistencial, e procurando chegar aos
significados atribuídos pelas mulheres à perda do cabelo durante o tratamento.
Ao procurar os significados, busquei a essência deste vivido pelas mulheres, já que
como menciona Capalbo (1994 :192), “Essência são significações que são
compreendidas porque são vividas na existência humana concreta”. Assim os
significados exprimem as percepções que as mulheres têm do que vivenciam
conscientemente, atribuindo-lhe significado.
Utilizando o pensamento de Martin Heidegger, expresso em Ser e Tempo, procurei,
posteriormente, desvelar o sentido velado em cada uma das unidades de significação,
elaboradas a partir dos depoimentos obtidos (os quais encontram-se transcritos na
íntegra no final deste estudo).
As unidades de significação construídas a partir dos significados atribuídos pelas
mulheres diante da perda do cabelo consequente ao tratamento quimioterápico para o
câncer de mama, numa compreensão vaga e mediana, são a seguir apresentadas.
UNIDADES DE SIGNIFICAÇÃO:
50
Nesta compreensão, a mulher diante da perda do cabelo consequente
ao tratamento quimioterápico para o câncer de mama, mostrou-se como
pessoa....
1. ... assustada pela maneira inesperada como ocorreu
esta perda e por vezes tem dúvidas quanto à reversão de
sua condição.
“...Olha, quando meu cabelo começou a cair, um buraco aqui, outro buraco ali, eu fiquei
com aparência de doente limpa. Me fez muito mal...”
Miriam (dep.1)
“...Mas tem gente que diz: tem gente que não cresce mais! Vai toda vida tratando,
tratando... caindo, caindo. Aí olha, tem duas vêzes que caiu e tá aí olha. É aquela coisa
de receio. Depois, quando eu vi assim (mostra o cabelo crescendo), ah! Tem jeito...”
Zeni (dep.2)
“...Aí,começou a cair, aí foi assim me dando aquela... Bom, o cabelo tá caindo. Quinze
dias, fez quinze dias... Aí, entrei no chuveiro e quando abri o chuveiro, quando passei
assim (passa a mão na cabeça), aí foi caindo, entendeu? Caiu mesmo, tudinho, ficou só
aquelas penugezinhas...”
Maria de Lurdes (dep.3)
“...É... o dia que eu fui cortar o cabelo no salão, a moça passou o pente, saiu aquela
porção... Passava o pente, saía tudo. Aqueles cabelo comprido que eu tinha... aí, as
pacientes que tava tomando, disse: é bom assim na terceira a Sra. já começar a cortar o
51 cabelo. Aí, eu fui cortar mas cheguei lá, passou o pente assim e caiu aquela porção...
Mas aí, depois que eu vi cair, pôxa...”
Zilda (dep.6)
“...Tô até com medo de botar a mão assim prá... e dá de choque assim com a realidade,
né? A cabeça pelada... eu não quero, eu não quero vamos dizer assim... eu não quero
ter assim aquela... tá dentro da realidade, que realmente, eu vou ficar totalmente
careca... Mas quando cheguei em casa que eu botei a mão assim (passa a mão atrás da
cabeça), que vi isso aqui igual... sei lá, assim meio afastado, eu fui botar a mão, os
dedos foi entrando, eu digo: ai meu Deus, chegou a hora! Tô triste (com os olhos cheios
d’água)...”
Maria Teresa (dep.9)
“...Eu tenho muito cabelo...tinha né? (ri). Aí, quando foi na sexta-feira, é que começou
mesmo. Só despencando o meu cabelo, mas de montão, sabe? Tô com pouquinho,
pouquinho mesmo, muito pouquinho (silêncio)...”
Lenice (dep.11)
“...Pôxa, você vai lavar a cabeça, saindo aquelo monte de cabelo, né? Você perdendo
cabelo, fica angustiada, né? Dá uma sensação muito estranha (ri). Você em frente ao
espelho, né? E eu tinha muito cabelo... mas agora já tô acostumando mais...”
Maria Antonia (dep.14)
“...Ah ...fiquei muito, assim muito triste porque caiu muito rápido. Aí, fiquei muito
agoniada(ri). Aí é isso, fiquei muito nervosa porque caiu muito rápido... É, caiu muito
rápido, rapidinho mesmo. Agora não tem mais nada. Eu tinha muito cabelo, aí caiu
rápido...”
52
Elenice (dep.17)
“...prá mim foi triste e quando eu pentiei que veio caindo todo, todo meu cabelo, que eu
sou muito cuidadosa, não é?...”
Margareth (dep.19)
53
2. ... com dificuldades para desenvolver atividades sociais
e de conviver com as outras pessoas e consigo mesma.
“...Aí, comprei uma coleção de boné. Combinava o boné com a roupa. Não tive grandes
problemas não. Em alguns casos, que riam, tem gente que ri, depois eu levava na
brincadeira eu...”
Miriam (dep.1)
“...É devido aos meus vizinhos que é pessoas que toma conta de tudo, então eu não
gosto assim... Eu me dou com todos os meus vizinho... Mas não gosto de
comentário,essas coisas... Eles gostam de ficar reparando... No princípio eu tinha
vergonha por causa deles. Que eles ficam na janela, todo mundo olhando, quer saber o
que houve e tal. Tem que menti, que faz candomblé...”
“...Ainda olham, ficam olhando, as vêzes. Agora quando tá assim (sem lenço e com
cabelo começando a crescer), eu vou no portão... Eu não gosto de tá comentando.
Porque eu que tô passando né? Prá que ficar falando, falando... Não sabe ajudar. Quer
saber só como é que é, curiosidade. Parecem entrevistadoras. Mas ajudar, ninguém
quer. Eles quer é discriminar...”
“...Uma vez na condução, quando caiu, ficou carequinha, então eu tinha medo... Doeu,
eu amarrei bem o lenço com medo da pessoa as vêzes, sem querer, de poder acontecer,
a condução cheia, passa o braço, puxar... Brigar com a pessoa eu não podia brigar,
porque ela não fez por mal. Ninguém vai adivinhar que eu tô doente, que eu tô careca,
ninguém...”
“...É porque o que adianta usar peruca, ficar nervosa, não me sentir bem. Acho que
aquilo parece que as pessoas vai começar a reparar. Sabe, vai incentivar...”
54
Zeni (dep.2)
“...A diferença que faz, só que a gente... Sair na rua, porque as pessoas cobra da gente.
Porque eu não usava lenço, não é?... Sempre um olha, outro olha... E eu não posso ficar
na minha casa sem um lenço na cabeça porque constantemente chega pessoas.E o meu
problema é que eu não falei para ninguém, a não ser a minha família, né? ...Aí fiquei
assim aqueles dias com vergonha de ficar na frente dos meus filhos mesmo, meu
marido, né?...”
“...porque as pessoas vai me cobrar porque estou careca. Porque estou assim...”
“...O que está me impedindo...Porque eu sou testemunha de Jeová. Então eu estou
querendo ir a reuniões e eu estou muito em falta... Porque ali é um conforto que a gente
tem... Na minha congregação, ninguém sabe, a não ser uma irmã. Nenhum deles ainda
sabe o que está se passando...”
“...Que eu tô de lenço, quer saber, como agora com essa história de piolho. Deve ter
botado por causa de piolho, sabe...”
“...O meu cunhado diz né: agora você tá usando pano na cabeça? Porque ele detesta
mulher que usa pano. Ele diz que mulher que não penteia o cabelo bota lenço...”
Maria de Lurdes (dep.3)
“...É, prefiro usar lenço do que peruca... Mas agora tenho que ir nesse casamento, vou
mandar arrumar a peruca prá poder ir que... tapeia...”
“...Eu sinto muita tristeza. Mas eu estava ciente que nós nessa quimioterapia, nós ia ter
muitas, assim, horas que ia querer até jogar as coisas pro alto e não continuar o
tratamento. Então, quando eu vejo assim, então eu procuro passar por cima,entendeu?
55 Eu procuro me distrair, saio da frente do espelho, eu procuro o melhor , faço o melhor prá
mim...”
Maria Auxiliadora (dep.4)
“...Eu fico, eu fico assim triste, no mesmo tempo fico com vergonha. Onde moro, os
pessoal lá, tudo quer saber, fica perguntando o que foi, o que é que é... fica, os pessoal
as vêzes, pensa que é outra coisa demais, aí fica querendo saber...”
Edinéia (dep.7)
“...As pessoas chega na minha casa, eu cubro logo a cabeça prá ninguém ver, só meus
filhos e meu marido é que vê. Aí, as visita chega, eu cubro logo a cabeça, não deixo
ninguém ver...”
“...Todo mundo sabe, todo mundo sabe, mas eu não amostro a ninguém não...”
Maria Adelaide (dep.8)
“...Eu gosto de tá bem apresentada em qualquer lugar que eu compareça, eu gosto de tá
bem apresentada, sabe? Aí eu fico chocada...”
Maria Teresa (dep.9)
“...Uso lenço assim mais prá sair. Em casa eu já fico sem lenço. Só quando meus filhos
tá perto, aí o pequenininho de cinco anos, fica: não tira não mãe! Fica muito feio! Aí eu
coloco...”
Laurani (dep.10)
“...Prá mim todo mundo sabe que estou usando peruca, sabe? Todo mundo tá sabendo.
Ah, me sinto tão mal!...”
56 “...Eu já falei que vou ficar fechada dentro de casa, que não vou sair na rua. Só prá entrar
dentro do carro prá ir ao médico. Tudo isso eu falei lá em casa. Gente estranha... não
vou atender ninguém na minha casa... Prá mim foi um choque muito grande. Está sendo
muito difícil (silêncio)...”
Lenice (dep.11)
“...Fiquei triste por isso, porque meu filho também adorava meu cabelo... Foi difícil prá
mim tê que chegar na minha casa depois de seis meses e ter que enfrentar minha família
da maneira que eu estou agora, né?...”
Jaciléia (dep.13)
“...Aí,eu procuro, eu procurei fazer o seguinte: é não olhar tanto. Então eu ponho uma
meinha, uma meia calça, né? Eu, eu cortei e ponho debaixo da peruca. Então,
automáticamente, eu tiro a peruca e a meinha fica. Prá hora do banho né, é a mesma
coisa. Então eu não vejo, não olho. Então, a gente vai levando...”
Margareth (dep.19)
57
3. ... inicialmente entristecida, deprimida porém, após o
fato consumado procura controlar-se, tranquilizar-se e
adaptar-se à sua nova condição.
“...A expectativa do cabelo cair é que me incomodou bastante. Entende? Aí, eu ficava
angustiada, ficava nervosa. Meu cabelo vai cair, vou ficar careca. Depois do fato
acontecido, aí foi mais tranquilo. Entendeu? Não é que eu tenha... ah tudo bom... Depois
do fato consumado, fui adaptando...”
Miriam (dep.1)
“...Aí o meu nervoso era esse, dentro do ônibus, quando caiu a primeira vez que eu
tomei, comecei o tratamento. Aí eu tinha aquele nervoso. Depois eu fui me acalmando,
prá me controlar... Não sei, agora já estou mais forte. Senti, não vou dizer que não sente.
Com o cabelo enorme que eu tinha, cair assim...”
“...Agora eu coloco o lenço normalmente e se ele cair, eu vou continuar. Consegui
controlar aquele complexo, não sei se é complexo, é um nervoso que eu tinha. Mas não
foi muito não porque eu já sabia que ia cair (risos)...”
Zeni (dep.2)
“...Mas agora, de noite, já tiro o lenço e fico ali a vontade, entendeu? Agora já me
habituei, já acostumei. A gente é assim, a gente tem que acostumar para poder aceitar
as coisas, né? E eu aceitei bem...”
Maria de Lurdes (dep.3)
58 “...Quando caiu o meu, eu fiquei numa tristeza, fiquei até deprimida. Deprimida
mesmo...”
“...Aí, eu fiz de novo, foi como se tivesse feito a primeira vez. Aí, caiu tudo de uma vez,
mas dessa vez, eu não me deprimi não, eu já senti que ia cair porque começou a doer o
meu couro cabeludo. Aí, eu falei: vai cair tudo de novo. Mas caiu tudo, não ficou um
fiapinho, ficou carequinha igual do Buda. Aí, eu reparei, tava parecendo a reencarnação
do Buda. Mas na segunda vez eu não fiquei deprimida não, mas na primeira, fiquei muito
deprimida. Estive arrasada mesmo. Fiquei por baixo...”
Nereida (dep.5)
“...Agora tô menos.Tô triste ainda mas... devagar ele vai crescendo, né? Só vou ficar
feliz mesmo depois que fizer a operação e não precisar tomar mais isso (sorri). Mas é
assim, né...”
Zilda (dep.6)
“...A primeira vez que começou a cair, eu entrei num... fiquei desesperada. Depois eu
me conformei... o problema de cair o cabelo nem é tanto o caso... o problema é a reação.
A reação que...”
Laurani (dep.10)
“...Chorei muito quando tive que cortar, mas no espelho mesmo e olhando prá mim, vi
que o cabelo não era muito importante, que mais tarde eu poderia é... ter um cabelo
talvez até mais bonito do que tinha, né?...”
Jaciléia (dep.13)
59 “...Prá mim foi horrível, né? É, nos dias eu fiquei muito nervosa é... mas agora já
passou...”
Maria Antonia (dep.14)
“...No começo eu fiquei desesperada, fiquei mesmo. Chorei muito, fiquei nervosa, mas
agora tô bem, tem que aceitar mesmo, né?...”
Sebastiana (dep.16)
“...No início eu fiquei muito nervosa, mas agora não. Tô calma. Depois vai nascer
mesmo, né? Tem que nascer mesmo depois... tem que se conformar, é a vida, né? Olha
a moça como tá chorando! (mostra outra paciente). É pior, porque fica mais nervosa...”
Elenice (dep.17)
60
4. ... que encontra junto à família, aos amigos próximos e
aos profissionais de saúde, apoio para enfrentar este
momento.
“... Prá outros já tem que dizer que que aconteceu, pros pouquinhos mais íntimos...”
“...Então fui meia chateada, também não comentei com ninguém, só com meu marido...”
Zeni (dep.2)
“...E o meu problema é que eu não falei para ninguém, a não ser a minha família, né?
Que eles são meus filhos...”
“...Minha garota falou: mãe, eu vou comprar uma peruca prá você, prá você poder...
Porque nós temos um congresso, né? Então muita gente vai....”
Maria de Lurdes (dep.3)
“...a gente faz oração pelos médicos, pelas enfermeiras...várias coisas. Porque...
Precisa ter muita paciência, muito amor no coração...”
“...Mas aqui é um lugar que a chateação tem que deixar prá trás. Você tem sempre que
tá com um sorriso, tá alegre, aquela coisa. Então eu acho muito bacana. Então eu acho
que esse setor precisa de muita oração. Porque pelo mundo que a gente vive, né?...”
Maria Auxiliadora (dep.4)
“...Ah... eu saí, saí, fui passear. Chamei uma amiga, fomo prá praia, fomo sentar lá
embaixo das árvores, ficar conversando... Que eu tenho uma amiga que eu converso
61 muito com ela, até mais que com minhas irmãs. Nós saímo, fomo conversar, depois fomo
pro bar, tomei uma cerveja, aí me melhorou (risos). Fiquei na boa de novo. Agora eu já tô
bem, graças a Deus...”
“...Minha família, nós somos muito unida, nós somos assim uma porção de irmã velha
dentro de casa. Aí, eu fiquei chorando, a minha irmã que tinha rido acabou chorando
também. Mas elas ficaram assim muito unidas comigo, graças a Deus. Bom, se eu não
tivesse a família, acho que eu nem aguentava este sofrimento todo, sinceramente
(chora)...”
Nereida (dep.5)
“...Ah! A queda do cabelo, no início a gente fica... mulher é meia vaidosa (ri), mas aí
agora, graças a Deus, meus parentes tudo, me deram apoio, sabe? Todo mundo me deu
apoio. Aí... você engana...”
Laurani (dep.10)
62
5. ... que se submete ao que for necessário para recuperar
a saúde.
“...A única coisa que tenho mais assim em mim, é ficar boa. Agora o cabelo cresce tudo,
depois cresce liso (risos)... Deixa ele...”
“...No meu íntimo mesmo eu quero é ficar boa. Minha... eu tô lutando é prá recuperar a
saúde. O cabelo dá um jeito, tem jeito. Já caiu duas vêzes aí... Não tá grande coisa
mas... (risos)....”
“...Então eu vou procurando esquecer. Assim distrai, não pensa. E tô conseguindo. A
única coisa que eu tenho mesmo como te falei, é ficar boa...”
Zeni (dep.2)
“...Acabou, eu continuo a fazer meu tratamento, poque eu não tenho medo de fazer
exame nenhum... E outra, vou sem saber o que vou fazer. Só vou saber na hora, porque
é importante... Todos os exames e eu...”
Maria de Lurdes (dep.3)
“...E por mais que a gente esteja derrotado, a gente encontra pessoas muito
maravilhosa...”
“...Então tudo isso, tudo dá força à gente. Porque você vem aqui, como eu, então
aquela confiança que eu passei a ter, né? Isso aumenta muito. Dá muita confiança na
gente viu. É muito importante as pessoa que dá esse apoio a gente, entendeu?...”
Maria Auxiliadora (dep.4)
63 “...Fiquei apavorada. Custei a me conformar, mas enfim... eu vi que era em meu
benefício...”
“...Fiquei triste, fiquei muito arrasada, mas enfim não é, a gente tem que passar por isso,
não é?...”
Zilda (dep.6)
“...Acho que foi a única coisa na minha vida que eu falei que não ia fazer e...é, voltei
atrás e comecei a fazer. Só pelas dores, senão não fazia não...”
Lenice (dep.11)
“...Mas a gente tem que aceitar, fazer o que? Depois já sabe que vai nascer de novo,
não vai ficar careca prá sempre, né? Vai nascer, acabando a aplicação, aí volta tudo ao
normal, falei: então tá tudo bem. Vamo encarar numa boa porque... não adianta entrar
em pânico. Vou levando bem...”
Maria Lúcia (dep.12)
“...Fiquei muito triste, mas depois eu comecei vê que cabelo não é tudo prá gente. Não
é o mais importante mas o mais importante, é a saúde da gente. Quer dizer, não
adianta eu ter o cabelo tão bonito e tá com um problema de saúde tão sério. E aos
poucos eu fui aceitando que eu ia perder meu cabelo...”
“...Prá mim o cabelo agora não é mais importante. Importante prá mim é minha saúde...”
“..E a gente não deve olhar prá o câncer como uma derrota, como um ponto final na vida
da gente não. Devemos encarar ele como um problema que vai ser resolvido. Devemos
é levantar a cabeça e lutar, que não tem ninguém prá nos ajudar...”
“...Quer dizer, eu luto. Luto porque ainda tenho muita vontade de viver e um dia ser
feliz...”
64 “...Então, eu quero ficar boa e tô lutando...”
Jaciléia (dep.13)
“...Eu quero é melhorar meu estado de saúde, que eu acho que é mais importante que a
vaidade. Eu acho. Tá certo que ninguém gosta de ficar esquisita e tudo, né? Mas eu
quero em primeiro lugar a saúde, depois vem a vaidade. Isso que eu quero...”
“...Não é dizer que eu aceitei, gostei, que ninguém gosta, mas prá mim...”
Margarida (dep.15)
“...Ah...tem que ... como é que se diz? Que... pacientemente tem que... isso é prá gente
mesmo, né? Isso foi feito prá gente, quer dizer que eu tenho que me conformar. A gente
se... se desesperar não posso. Desesperar não vai adiantar nada...Tenho que ficar bem.
Toda a vida a gente não vai ficar assim, né? Tem que ficar boa que aí...”
Elenice (dep.17)
65
6. ... que tem fé em Deus e Nele deposita sua confiança,
esperança e seu destino.
“...Estou pegada a Deus, segurando mesmo, então tive conforto, né? Como estou tendo
até hoje...”
“...Mas eu já esperei este problema e eu tenho fé em Deus que vou superar isto...”
“...Olha filha, porque eu tenho a espiritualidade, eu tenho o apoio de Deus. Todos têm,
mas não tem a segurança que eu tenho. Porque nós temos que servir um Deus
verdadeiro. Deus de amor, Deus puro, limpo...”
Maria de Lurdes (dep.3)
“...Porque se eu fosse outra, graças a Deus, eu tenho muito que agradecer a Deus,
porque pelo que... De onde eu vim, era prá eu ser uma pessoa arrasada. Porque lutei
com minha irmã dois anos. Perdi minha irmã com esse mesmo problema. Então era prá
mim pensar... Então eu vou morrer igual a minha irmã, entendeu? Se entregar... Mas
graças a Deus, sabe, até agora tô firme e forte, não penso nisso entendeu?...”
Maria Auxiliadora (dep.4)
“...Mas agora eu tenho muito motivo prá tá alegre. Eu já tinha quatro neto, na semana
passada ganhei mais uma neta. Quer dizer, Deus tira uma coisa, mas dá sempre outra
prá gente, né?...”
Nereida (dep.5)
“...Eu fico chocada com um negócio desse. Não posso fazer nada, né? São as
circunstâncias da vida... tem que aceitar, né? Deus quis assim, né?...”
Maria Teresa (dep.9)
“...E eu digo assim, as pessoas que tiverem passando por algum problema como esse,
que lute, que tenha esperança e não tem coisa melhor que a gente lutar e confiar em
66 Deus... Se não for de Deus, se não for a vontade de Deus, não adianta o homem lutar.
Mas se não tivermos confiança em Deus, colocarmos todinha nossa confiança ao
homem, nós não temos êxito. As minhas palavras...”
Jaciléia (dep.13)
“...A gente tem que se conformar com isso tudo porque... que que a gente pode fazer... é
a vontade de Deus, né? Tem que ter paciência...”
Sebastiana (dep.16)
“....Nem o cabelo, nem o seio... eu queria sim, se Deus permitir, que me desse... apesar
de eu não ser católica, não ser de nenhuma dessas religião, se ele deixasse que eu
vivesse mais uns anos, prá mim fazer alguma coisa que eu planejei. Mas se não vier, até
a morte eu aceito bem (chora)...”
“...E se Deus te mandou aquilo, se você não aceitar, você vai viver uma pessoa
revoltada, vai prejudicar todo mundo que tá do seu lado, todo mundo que você gosta e
você mesmo...”
Jarcira (dep.18)
67
7. ... que encara esta perda com grande tristeza, a qual
pode ser maior que aquela causada pela gravidade da
doença, o sofrimento do tratamento e a mutilação pela
mastectomia.
“...Prá mim a perda do meu cabelo foi o pior de tudo. Até hoje né, quando eu chego
assim em frente ao espelho, eu tenho aquela depressão. Não me conformei com a perda
do cabelo. Prá mim até agora, foi mais triste que ter dado a notícia que eu tive câncer. Eu
ainda não me adaptei a história do cabelo não... Mesmo a gente sabendo que vai nascer,
mesmo que a gente teve explicação que ia ter a perca do cabelo, mas que ia renascer...”
Maria Auxiliadora (dep.4)
“...Bom eu vou falar a verdade. Foi a única vez que eu chorei, foi quando caiu meu
cabelo. Eu fiquei muito triste mesmo. Acho que eu fiquei mais triste aliás que quando...
de ter tirado a mama... Porque eu sempre tive um cabelão, sempre tive muito apego
assim a arrumar cabelo, trazer ele bonito. Ah! Fiquei muito triste mesmo. Foi como se
tivesse tirado um pedaço de mim...”
Nereida (dep.5)
“...Olha, eu caí numa depressão e continuo numa depressão danada. Quando me olho
no espelho que vejo a falta do meu cabelo, eu choro igual a criança, tá? Muito triste,
muito triste mesmo. Primeiro que eu tinha um cabelo que vinha aqui embaixo (mostra a
coxa). Eu tive que cortar ele, guardar a trança dele. Aí, quando eu vi eu careca, tô
68 carequinha... realmente eu caí numa depressão danada. E ainda continuo, eu choro igual
a criança...”
Maria Adelaide (dep.8)
“...Tristeza. Tristeza porque eu sou muito vaidosa e porque eu realmente estou assim
muito chocada, apesar de ter tido uma orientação anterior, né? Mas não dá prá gente
aceitar assim, assim de imediato, né? As... as ligações que vai influenciando a gente
assim, a vaidade da gente...”
Maria Teresa (dep.9)
“...Foi a pior coisa da minha vida. A coisa mais... sempre falei que eu não ia fazer a
vermelha, desde do dia que operei...”
“...Vi que não tinha jeito mesmo, né? Comecei a fazer. Prá mim foi a pior coisa da minha
vida, de tudo. A doença, a cirurgia, tudo foi prá mim... tirei de letra. Mas o cabelo, tá
sendo terrível. Começou a cair agora, sexta-feira... todinho...”
“...Prá mim foi. Tá sendo ainda. Tá sendo muito ruim (chora)...”
Lenice (dep.11)
“...No começo foi difícil prá mim, né? Aceitar. Porque desde de criança eu tive o cabelo
comprido e nunca, em hipótese nenhuma, eu cortei o cabelo curto. E, quando eu
comecei a observar algumas pessoas aqui usar lenço, peruca, logo que eu entrei no
hospital prá fazer o tratamento, eu me senti muito mal porque eu sabia que eu ia chegar
naquela situação...”
Jaciléia (dep.13)
69
A COMPREENSÃO VAGA E MEDIANA:
Este não foi um momento fácil! Pois por já estar embrenhada na leitura de Ser e
Tempo e no pensamento heideggeriano, tive a tentação de desenvolver direto a
hermenêutica, porém a análise compreensiva e o método destacam a compreensão vaga
e mediana como o primeiro momento, anterior e necessário à interpretação.
Através dos pensamentos, emoções e percepções das mulheres acerca do que lhes
perguntei, elas foram pouco a pouco se mostrando em sua facticidade, em seu universo
ôntico. A partir então desta compreensão vaga e mediana, comecei a estruturar as
unidades de significação, buscando, posteriormente desvelar, o sentido velado em cada
uma delas.
Assim, a compreensão vaga e mediana, mostrou que a mulher em tratamento
quimioterápico para o câncer de mama, recebe da equipe de saúde toda a informação e
explicação acerca do factual, ou seja, a perda iminente do cabelo. Além da orientação
verbal que recebe da enfermeira e do médico sobre este efeito colateral no início do seu
tratamento, ela também tem na mesma oportunidade e à sua disposição, uma peruca
como empréstimo.
No seu cotidiano do tratamento quimioterápico, tem ainda a oportunidade de
constatar o fato de que outras mulheres já iniciaram o tratamento e em conseqüência
perderam seu cabelo. Este contato ocorre no período em que aguarda a consulta médica
ou durante o próprio tratamento, quando as mulheres estão reunidas no corredor de
espera ou na sala de quimioterapia. Ela tem então, a possibilidade de conversar com
outras mulheres e observar a falta do cabelo em algumas, e no entanto, parece realizar
um movimento ambíguo onde apesar de orientada e de já ter visto outras mulheres sem
o cabelo, não projeta para si mesma esta consequência do tratamento. É como se a
orientação recebida, que muitas vezes é seguida de lágrimas e desvios de olhares e a
70 experiência da visão de outras na situação informada, não fosse considerada como
realidade futura para ela,apesar de temê-la e constatá-la. É como se não acreditasse.
Assim, há sempre surpresa diante do modo súbito como ocorre a perda do cabelo.
O impacto desta perda parece causar espanto e ela sente-se entristecida, apavorada,
incrédula com a situação. Sente-se impotente diante deste fato que a deixa incapacitada
de ajudar-se a si mesma, evitando que o cabelo caia. Está fora de suas mãos qualquer
ação que impeça ou atenue esta perda.
Portanto, ela tem conhecimento do que lhe vai acontecer, vê em outras o
acontecido, porém não o reconhece como seu futuro imediato e assim, o impacto com o
acontecendo não impede o susto, a tristeza, a vergonha, o medo.
Sente-se então envergonhada sem o seu cabelo. Os artifícios que existem para
disfarçar esta perda, nem sempre são bem aceitos por ela. Percebe que os outros vão
notar o disfarce. Acredita que todo mundo sabe que está usando algum artifício para
encobrir a falta do cabelo, mas não tem coragem de expor-se sem o cabelo,
consequência de um tratamento para uma doença maligna. Para os outros assim,
permanece encoberto o fato da doença e do tratamento. Eles, na visão dela, notam a
diferença, a falta do cabelo, fazem suposições, mas não sabem na realidade o porquê, e
ela, não tem interesse em dar explicações e partilhar este seu momento, ao contrário,
esquiva-se do que considera curiosidade alheia e vontade apenas de comentar, sem a
preocupação de ajuda.
A mulher não se sente ela mesma, é como se fosse estranha para si mesma e
portanto para os outros. É como se perdesse a identidade. Sente-se discriminada, tem
medo, vergonha e tristeza de ser vista sem o cabelo, incomoda-se com o que os outros
vão pensar ou dizer dela. Sente-se mal até mesmo ao olhar-se no espelho, assim
desfigurada. Chega a pensar em abandonar o tratamento e isolar-se.
71
Além desta perda, outras também ocorrem. O convívio social fica prejudicado, deixa
de participar de atividades do dia a dia como ir a Igreja, participar de festividades, sair à
rua, estar com os vizinhos. Evita os outros e tende a restringir sua convivência aos que
têm conhecimento da sua doença e tratamento, ou seja, a família, os amigos mais
chegados e a equipe de saúde.
E de fato, fecha-se no seu núcleo familiar, naqueles que lhe são mais próximos e
também nos profissionias de saúde, onde encontra apoio e conforto. Diante deles, sente
cumplicidade na sua desventura e compreensão do seu sofrimento. Isto a auxilia a
continuar sua vida rotineira, ajuda-a a prosseguir com o tratamento, pois pelo menos
existe alguém com quem pode compartilhar este seu momento. São pessoas que não
vão questioná-la, que não estão curiosas e nem interessadas em comentar sobre seu
novo aspecto, mas sim estão ao lado dela para apoiá-la.
Inicialmente, a mulher desespera-se diante de sua nova realidade, muitas vezes
encarando-a como o pior de tudo que lhe aconteceu desde que foi diagnosticada a
doença. Descreve-se como nervosa, deprimida, chorosa, angustiada, abalada mesmo.
Pois a mulher além de ver-se diante de uma doença grave, da cirurgia mutilante ou de
sua perspectiva, ainda percebe-se frente a uma desfiguração exterior provocada pela
falta do cabelo. É como se fosse a gota d’água, é coisa demais para ela. Sem o cabelo
parece estar exposta de modo definitivo diante de si mesma e dos outros como pessoa
doente, pois a perda da mama ou o próprio tumor, podem ser ocultados mas não há
como fazer o mesmo com o cabelo.
A mulher sente também que há algo maior que ela, que olhará por ela com
benevolência e a ajudará a superar tudo pelo que está passando. É como se não
pudesse fazer nada por ela mesma, pois seu destino é ditado e guiado segundo a
vontade de Deus.
72 Após o temor inicial no entanto, a mulher busca superar o abalo pela perda do
cabelo, e embora muitas vezes identifique este fato como o pior de tudo, tenta adaptar-se
à situação. Parece menos desesperada e menos triste, mais acostumada, mais
conformada, pois não há mesmo o que fazer diante do ocorrido. Nesse processo de
aceitação, procura então voltar às suas atividades rotineiras aceitando usar disfarces
para cobrir a cabeça e tentando levar sua vida da forma mais normal possível. E quando,
por contingências do tratamento, ocorre uma segunda perda do cabelo, encontra-se, no
seu entender, mais capaz de enfrentar a situação já vivenciada anteriormente.
A certa altura do tratamento, e já conformada com a perda do cabelo, a mulher
volta-se então para o que julga ser o mais importante de tudo: a recuperação da saúde, a
cura. Ela está é querendo viver, e então, confia no tratamento, na equipe de saúde, e
tem como objetivo, ficar saudável novamente. Por isso, qualquer que seja o sofrimento
pelo qual tenha que passar, ele é aceito como válido e menos importante, já que agora
encara-o como benefício futuro. É como se fosse necessário sofrer para alcançar a cura.
Assim a perda do cabelo torna-se no seu pensar e dizer, menos importante. E espera,
pacientemente, o fim do tratamento, o crescimento do cabelo e a continuação da vida
com a saúde recuperada. O pesadelo terminou e a vida até aquele momento parece ter
voltado ao normal, apesar das cicatrizes...
73
A INTERPRETAÇÃO COMPREENSIVA:
O ser-no-mundo cotidiano, é o modo de ser em que estamos na maioria das vezes e
é aquele da inautenticidade, pois ele é regido pelo impessoal, pelo quem, onde todos são
e ninguém é. A pre-sença, neste modo de ser, encontra-se na impessoalidade, não tendo
encontrado a si própria. Para Heidegger (1995:182),
O próprio da pre-sença cotidiana é o próprio-impessoal que distinguimos do si mesmo em sua propriedade...Enquanto o próprio-impessoal, cada pre-sença se acha dispersa na impessoalidade, precisando ainda se encontrar
Assim, ser-no-mundo na cotidianidade é o modo predominante como o humano
relaciona-se com o mundo circundante, ou mundo próximo, ou mundo doméstico, com os
outros e consigo. Neste modo de ser que é o da ocupação, neste relacionar-se, o ser-no-
mundo é guiado pela circunvisão, ou seja, para o que está ao seu redor, voltando-se
para as entidades e não para a pre-sença em seu aí mais próprio e originário que
pertence ao ser. Portanto na inautenticidade, a mulher que é informada de que vai perder
seu cabelo, volta-se para as possibilidades abertas pelo impessoal e para a
compreensão e interpretação medianas ditadas por ele.
O que compreendi a partir da unidade de significação número um, ... assustada pela
maneira inesperada como ocorreu esta perda e por vezes tem dúvidas quanto à reversão de sua
condição8, foi que sendo informada de que perderá o cabelo e podendo constatar o fato
8 O período em itálico é a reprodução textual de unidades de significação conforme apresentadas anteriormente.
74 através da visão de outras na mesma situação, a pre-sença parece descompromissada
com o acontecer, estando voltada para a coisa que ocorre, de modo superficial,
acolhendo apenas a informação na superficialidade, achando que compreendeu o que
afinal todo mundo já sabe e conhece, quando na verdade nada foi compreendido
autenticamente. Por isso, a mulher sofre um impacto quando seu cabelo cai, pois antes,
presa ao modo da ocupação e exposta ao falatório e à curiosidade, que estão ocupados
apenas em pressentir, a pre-sença vê apenas as suas possibilidades ditadas pela
ambigüidade, que está ali para tirar-lhe a força. Com a realização do que se pressentia, a
pre-sença é remetida para si própria e o falatório e a curiosidade perdem seu poder. É
como dizem Maria Teresa (dep.9) e Maria Antonia (dep.14) em suas falas:
“... Mas quando cheguei em casa que eu botei a mão assim(passa a mão atrás da
cabeça), que vi isso aqui igual... sei lá, assim me io afastado, eu fui botar a mão, os
dedos foi entrando, eu digo: ai meu Deus, chegou a hora!...”
“...Você perdendo cabelo, fica angustiada, né?Dá um a sensação muito estranha(ri).
Você em frente ao espelho, né?...”
O falatório, o qual pude perceber na unidade de significação dois, ...com dificuldades
para desenvolver atividades sociais e de conviver com as outras pessoas e consigo mesma, é um
modo de ser da pre-sença, a partir do qual ela realiza a compreensão e interpretação
cotidiana. Ele se constitui pela falta de solidez, pois não está preocupado com uma
apropriação originária do ente referencial, mas sim ocupa-se apenas em falar, em passar
adiante a fala, sem fundamentá-la ou deter-se em sua compreensão originária. Para
Heidegger (1995 :228),
75
Tanto a escuta quanto a compreensão já se colaram previamente no que foi falado no falatório. A comunicação não “partilha” a referência ontológica primordial com o ente referencial, mas a convivência se move dentro de uma fala comum e numa ocupação com o falado. O seu empenho é que se fale.
A interpretação e a compreensão mediana cotidiana ditada pelo falatório, está
consolidada na pre-sença e Heidegger (1995 :229) comenta que
É dessa maneira que nós aprendemos e conhecemos muitas coisas e não poucas jamais conseguem ultrapassar uma tal compreensão mediana. A pre-sença nunca consegue subtrair-se a essa interpretação cotidiana em que ela cresce. Toda compreensão, interpretação ou comunicação, toda redescoberta e nova apropriação se cumpre nela, a partir dela e contra ela.
Portanto, o falatório constitui o modo de ser da pre-sença descompromissada
consigo mesma e com os outros. Ele não está voltado para uma compreensão genuína e
autêntica, segundo as possibilidades essenciais da pre-sença, de si mesma e dos entes
que vêm ao encontro no mundo. Assim é que Heidegger (1995 :230) pondera que,
...como ser no mundo, a pre-sença que se mantém no falatório rasgou suas remissões ontológicas primordiais, originárias e legítimas com o mundo, com a co-presença e com o próprio ser-em. Ela se mantém oscilante e, desse modo, sempre é e está junto ao “mundo”, com os outros e consigo mesma.
Assim como o falatório ocupa-se com o falar, a curiosidade ocupa-se em ver apenas
por ver, sem almejar compreender aquilo que se vê. Para Heidegger (1995 :233),
76
A curiosidade nada tem a ver com a meditação que admira os entes, ...Ela não se empenha em se deixar levar para o que não compreende através da admiração, do espanto. Ela se ocupa em providenciar um conhecimento apenas para tomar conhecimento.
Por não estar interessada em apreender aquilo que vê e sim apenas buscar a visão
de algo novo, para depois logo passar a outra novidade, a curiosidade caracteriza-se
pela impermanência e pela dispersão, levando a pre-sença a um desenraizamento e
descompromisso contínuos.
No modo de ser cotidiano, a curiosidade é arrastada pelo falatório, o qual determina
o que deve ser visto. Esses dois modos de ser tendem a manter a pre-sença
desenraizada e na inautenticidade e Heidegger (1995 :233) comenta que,
A curiosidade, a que nada se esquiva, o falatório, que tudo compreende, dão à pre-sença, que assim existe, a garantia de “uma vida cheia de vida”, pretensamente autêntica.
Estando na inautenticidade, no modo cotidiano de ser do impessoal e portanto
afastada de si mesma e de suas possibilidades mais próprias, a mulher de-cai no mundo
em seu empenho na convivência ditada pelo falatório. Este que não está preocupado
com o ser-aí, mas sim ocupa-se com o falado, em falar.
A mulher vê-se então lançada no mundo e exposta ao que vão dizer ou pensar dela.
Assim, no fechamento do falatório, se deixa levar pela interpretação mediana e pública
que a arrasta para a disposição do temor, como compreendi nas unidades de
significação dois, ...com dificuldades para desenvolver atividades sociais e de conviver com as
outras pessoas e consigo mesma, tres, ... inicialmente entristecida, deprimida porém, após o fato
consumado procura controlar-se, tranquilizar-se e adaptar-se à sua nova condição, e sete, ... que
77 encara esta perda com grande tristeza, a qual pode ser maior que aquela causada pela gravidade
da doença, o sofrimento do tratamento e a mutilação pela mastectomia.
Para Heidegger(1995:229-30),
O predomínio da interpretação pública já decidiu até mesmo sobre as possibilidades de sintonização com o humor, isto é, sobre o modo fundamental em que a presença é tocada pelo mundo. O impessoal prescreve a disposição e determina o que e como se “vê”.
A disposição ou sentimento de situação, é o que onticamente reconhecemos como
humor, clima, atmosfera, tonalidade afetiva, em que a pre-sença sempre se encontra. O
temor é um modo da disposição, um modo de ser da mulher que ao perder o cabelo,
vivencia a convivência com os outros e consigo mesma como ameaça, como pude
compreender nas unidades de significação um, ...assustada pela maneira inesperada como
ocorreu esta perda e por vezes tem dúvidas quanto à reversão de sua condição, dois, ...com
dificuldades para desenvolver atividades sociais e de conviver com as outras pessoas e consigo
mesma, e sete, ... que encara esta perda com grande tristeza, a qual pode ser maior que aquela
causada pela gravidade da doença, o sofrimento do tratamento e a mutilação pela mastectomia.
Segundo Heidegger ( 1995 :195), o fenômeno do temor pode ser analisado pela
perspectiva do que se teme, o temer e pelo que se teme.
Assim, o que se teme, o temível, é o que é ameaçador, aquilo que ameaça e que
apresenta-se como “um ente que vem ao encontro dentro do mundo, podendo ter o
caráter do manual ou do ser simplesmente dado ou ainda da co-presença” ( Heidegger,
1995 :195).
Aquilo que se teme tem o caráter da ameaça e trás consigo o perigo. Um dos
aspectos do que se teme é o de dano, o que causa prejuízo em certo contexto, vem de
78 determinada região e que é, ainda, conhecido. O danoso, sempre está numa
proximidade e emana algo que ameaça ( Heidegger, 1995 :195).
Assim, a mulher teme a quimioterapia, encarando-a como algo ameaçador, pois
segundo lhe informaram, fará com que perca o seu cabelo e portanto causar-lhe-á dano
ao afetar a imagem que tem de si própria e expondo-a ainda, aos outros.
A crescente aproximação do que se teme, representa também o crescimento do
temor. No entanto embora na proximidade e aproximando-se, o danoso pode ou não
chegar.
O temor tem assim um forte caráter de aproximação, percebe-se que algo está se
aproximando, porém pode não chegar. O que constitui portanto o temor, é esta
possibilidade de não chegar, é a esperança de que a ameaça não chegue, a esperança
de escapar dela9 . Por isso também, a mulher não considera a perda do cabelo que lhe é
informada e pode ser notada por ela em outras, como realidade futura, pois há sempre a
esperança de que ela nunca se concretize, como compreendi a partir das unidades de
significação um, ... assustada pela maneira inesperada como ocorreu esta perda e por vezes tem
dúvidas quanto à reversão de sua condição, e sete, ... que encara esta perda com grande tristeza,
a qual pode ser maior que aquela causada pela gravidade da doença, o sofrimento do tratamento
e a mutilação pela mastectomia .
O que provoca o temor não é isto que se teme, essa ameaça que está se
aproximando. Mas sim o temer ele mesmo, que abre assim a possibilidade e libera a
ameaça enquanto ameaça10 .
9 Anotações de aula da disciplpina “A Questão da Tonalidade Afetiva (Stimmung) em Heidegger”, ministrada pelo professor Dr. Roberto Charles Feitosa, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais ( IFCS), 1o semestre de 1997. 10 Ibdem.
79
O temer, é a disposição afetiva, é aquela que permite o contato e o encontro com
algum ente dentro do mundo. O temer é que é condição de possibilidade do que é temido
e não o contrário. O temer abre portanto o ser-aí para o temível. Sendo o ser-aí temer, é
que possibilita a existência do temível11 .
Sendo pre-sença temerosa, a mulher se vê lançada na possibilidade de ficar sem
o seu cabelo, e portanto aberta para o temível. Segundo Heidegger (1995 :196), “Como
possibilidade adormecida do ser-no-mundo disposto, o temer é “temerosidade” e, como
tal, já abriu o mundo para que o temível dele possa se aproximar”.
Pelo que se teme, é o que é ameaçado, é o que está em risco podendo ser a
própria existência, a de outro ou ainda os objetos que nos pertencem, etc. No entanto
segundo Heidegger ( 1995 :196), o que o temor mostra é o ser-aí temendo por si próprio.
O que está em risco no temer é o ser do ser-aí: “Apenas o ente em que, sendo, está em
jogo seu próprio ser, pode temer”.
O que o temor mostra, é pois, a pre-sença temendo por si própria em seu ser-no-
mundo junto as coisas e aos outros. O temor é uma possibilidade existencial, e abre a
pre-sença para suas possibilidades de estar em perigo, lançando-a em seu aí originário.
Para Heidegger (1995 :196),
O temer abre esse ente no conjunto de seus perigos, no abandono a si mesmo. Embora em diversos graus de explicitação, o temor desentranha a pre-sença no ser de seu pre... a pre-sença,enquanto ser-no-mundo, é um ser em ocupações junto a. De início e na maior parte das vezes, a pre-sença é a partir do que se ocupa. Estar em perigo é a ameaça do ser e estar junto a
11 Ibdem.
80
A mulher aberta na disposição do temor e enquanto pre-sença que teme pelo seu
ser-no-mundo, revela uma preocupação antecipadora e temorosa diante da reação que
os outros terão ao vê-la sem o cabelo. Demonstra também temor diante da doença,
agora revelada de forma contundente para si e para os outros.
“...Uma vez na condução, quando caiu, ficou carequi nha, então eu tinha
medo...Doeu, eu amarrei bem o lenço com medo da pes soa as vêzes, sem querer,
de poder acontecer, a condução cheia, passa o braço , puxar...”
Zeni (dep.2)
“...A diferença que faz, só que a gente... Sair na rua, porque as pessoas cobra da
gente...”
Maria de Lurdes (dep.3)
“...As pessoas chega na minha casa, eu cubro logo a cabeça prá ninguém ver...”
Maria Adelaide (dep.8)
“...Eu já falei que vou ficar fechada dentro de cas a, que não vou sair na rua...”
Lenice (dep.11)
“...Aí,eu procuro, eu procurei fazer o seguinte: é não olhar tanto... Então eu não
vejo, não olho...
Margareth (dep.19)
“... Prá mim a perda do meu cabelo foi o pior de tudo. A té hoje né, quando eu chego
assim em frente ao espelho, eu tenho aquela depress ão...”
Maria Auxiliadora (dep.4)
81 “...Bom eu vou falar a verdade. Foi a única vez que eu chorei, foi quando caiu meu
cabelo. Eu fiquei muito triste mesmo. Acho que eu f iquei mais triste aliás que
quando... de ter tirado a mama...”
Nereida (dep.5)
O temor é uma abertura que coloca em risco o equilíbrio do ser-aí. Ele abre o
próprio do ser-aí de forma tão radical e privativa, que o ser se mostra em desequilíbrio,
em confusão e necessita se recompor quando ele passa, ou seja, se achar de novo até
voltar assim ao modo de ser cotidiano conhecido de si próprio12 .
Portanto, sentindo-se ameaçada, em perigo e temendo a perda do cabelo, a mulher
experimenta após o fato consumado, uma sensação de recomposição, foi o que
compreendi nas unidades de significação tres, ... inicialmente entristecida, deprimida porém,
após o fato consumado procura controlar-se, tranquilizar-se e adaptar-se à sua nova condição, e
sete, ... que encara esta perda com grande tristeza, a qual pode ser maior que aquela causada
pela gravidade da doença, o sofrimento do tratamento e a mutilação pela mastectomia.
E sobre isso, comentando acerca do temor Heidegger (1995:196) diz que,
Ele confunde e faz “perder a cabeça”. O temor vela, ao mesmo tempo, o estar e ser-em perigo na medida em que deixa ver o perigo a ponto da pre-sença precisar se recompor depois que ele passa.
É como relataram Miriam (dep.1), Zeni (dep.2) e Laurani (dep.10)
12 Ibdem.
82 “...A expectativa do cabelo cair é que me incomodou bastante... eu ficava
angustiada, ficava nervosa. Meu cabelo vai cair, vo u ficar careca. Depois do fato
acontecido, aí foi mais tranquilo...”
“...Agora eu coloco o lenço normalmente e se ele ca ir, eu vou continuar. Consegui
controlar aquele complexo, não sei se é complexo, é um nervoso que eu tinha...”
“...A primeira vez que começou a cair, eu entrei nu m... fiquei desesperada. Depois
eu me conformei...”
Heidegger (1995 :197) afirma que o temor apresenta momentos variados e é dentro
deles que aparecem as diferentes possibilidadaes de ser do temer. Assim o pavor ocorre
quando a ameaça de algo conhecido, que se encontrava na proximidade, subitamente se
concretiza para o ser-no-mundo. O horror ocorre quando algo não conhecido se
concretiza subitamente para o ser-no-mundo. E o terror, é algo súbito que se concretiza
para o ser-no mundo, possuindo o caráter de pavor e horror ao mesmo tempo.
Pude então compreender que a mulher submetida ao tratamento quimioterápico
para o câncer de mama no qual perde seu cabelo, sente pavor diante da quimioterapia
que subitamente a faz perder o cabelo. A quimioterapia, esta conhecida de antemão
como recurso para se combater a doença, e que sempre esteve numa proximidade real
da mulher desde o diagnóstico do câncer de mama, com sua possibilidade ameaçadora
de trazer a perda do cabelo. Sente horror ao ver-se sem o seu cabelo. Embora
prevenida anteriormente sobre a perda do cabelo, a mulher desconhece o impacto
causado por esta visão não familiar de si própria e que subitamente se abate sobre ela. E
sente terror ao ver-se exposta, assim desfigurada, aos outros. A vivência desta nova
83 aparência, na qual a mulher desconhece a si própria e que ocorre de modo súbito, é
assim mostrada de forma inegável para si mesma e para os outros.
A pre-sença sempre se encontra de humor e qualquer que ele seja, sempre ocorre
uma abertura. Assim Heidegger (1995 :189) comenta que
No estado de humor, a pre-sença já sempre se abriu numa sintonia com o humor como o ente a cuja responsabilidade a pre-sença se entregou em seu ser e que, existindo, ela tem de ser.
Na trajetória da mulher, a partir do aparecimento da doença, do seu diagnóstico e do
seu tratamento, ela tem a possibilidade de voltar-se para si mesma como ser possível em
sua propriedade e assumir de forma autêntica o seu ter de ser e a responsabilidade do
seu ser como pre-sença lançada no mundo numa situação de doença.
Porém, estando na disposição do temor, permanece no modo de ser cotidiano,
recusando o encontro com o próprio possibilitado pela abertura que se faz no humor.
Não se deixa levar pela abertura, pelo estar lançada que indica a facticidade de ser
entregue à responsabilidade. A pre-sença ao contrário, se esquiva ao ser que se abre no
humor, dele e do seu peso de ter de ser sem proveniência e sem destino, faz pouco
caso.
Mas é no próprio movimento de esquivar-se, que o pre da pre-sença se abre em seu
ser e Heidegger (1995 :189-90), pondera que
O ente que possui o caráter da pre-sença é o seu pre, no sentido de se dispor, implícita ou explícitamente, em seu estar-lançado. Na disposição, a pre-sença já se colocou sempre diante de si mesma e já se encontrou, não como percepção mas como um dispor-se no humor. Enquanto ente entregue à responsabilidade de seu ser, ela também se entrega à responsabilidade de já se ter sempre encontrado- encontro que não é
84
tanto fruto de uma procura direta mas de uma fuga. O humor não realiza uma abertura no sentido de observar o estar-lançado e sim de enviar-se e desviar-se.
A mulher, na disposção do temor, realiza um movimento de desvio, de fuga do ser
que se abre no humor, recusando o confronto com o si e sua propridade, permanecendo
na inautenticidade. Mas o que torna possível o temor, é a angústia. Só há temor porque
podemos nos angustiar, e sobre isso Heidegger (1995 :254) comenta que,
Como a angústia já sempre determina, de forma latente, o ser-no-mundo, este, enquanto ser que vem ao encontro na ocupação junto ao “mundo”, pode sentir temor. Temor é angústia imprópria entregue à de-cadência do “mundo” e, como tal, angústia nela mesma velada”.
Compreendi então na unidade de significação sete, ... que encara esta perda com
grande tristeza, a qual pode ser maior que aquela causada pela gravidade da doença, o
sofrimento do tratamento e a mutilação pela mastectomia, que a mulher ainda temerosa,
entregue a decadência do mundo e expressando profunda tristeza pela perda de seu
cabelo, que parece ser o ponto culminante de tantas perdas, inicia ali um processo de
singularização, de voltar-se para si mesma como ser-no-mundo. Começa assim, a
realização da passagem do indefinido, do indeterminado onde todos são e ninguém é,
para uma maior determinação onde cada um vai ter de assumir a responsabilidade sobre
seu próprio ser. Diz Nereida (dep. 5) :
“...Bom eu vou falar a verdade. Foi a única vez que eu chorei, foi quando caiu meu
cabelo. Eu fiquei muito triste mesmo. Acho que eu f iquei mais triste aliás que
quando... de ter tirado a mama... Foi como se tives se tirado um pedaço de mim...”
85
Percebi também, na unidade de significação seis, ... que tem fé em Deus e Nele deposita
sua confiança e seu destino, que ainda na inautenticidade, a mulher entrega a Deus o
cuidado de si própria e refere-se e volta-se para Ele como entidade, não percebendo
neste seu invocar a Deus, o chamamento de si mesma e a abertura plena para sua
possibilidade mais pura. No entanto, mesmo sem esta compreensão, ela mostra-se
movendo neste sentido, pois ao falar de Deus prenuncia a busca de suas possibilidades
mais próprias13. É como diz Jaciléia (dep.13):
“...A minha confiança não tá no homem, não tá no mé dico mas tá em Deus... Se
não for de Deus, se não for a vontade de Deus, não adianta o homem lutar...”
Então, em dado momento do tratamento, a mulher volta-se para si mesma como
ser-no-mundo e mostra-se num aí, como me foi possível compreender na unidade de
significação cinco, ... que se submete ao que for necessário para recuperar a saúde. Ao
angustiar-se, a pre-sença, é remetida para o seu poder-ser mais próprio. A angústia,
como disposição privilegiada, singulariza a pre-sença em seu
ser-no-mundo e realiza a abertura dela como ser possível.
Para Heidegger (1995:252),
Na pre-sença, a angústia revela o ser para o poder ser mais próprio, ou seja, o ser-livre para a liberdade de assumir e escolher a si mesmo. A angústia arrasta a pre-sença para o ser-livre para... para a propriedade de seu ser enquanto possibilidade de ser aquilo que já sempre é. A pre-sença como ser no mundo entrega-se, ao mesmo tempo, à responsabilidade desse ser.
13 Anotações de encontro com a professora Dra. Telma Apparecida Donzelli, setembro de 1997.
86
A angústia, ao provocar essa abertura que singulariza a pre-sença, traz um
sentimento de estranheza pois, retira-a da de-cadência, revelando-lhe a propriedade e
impropriedade de seu ser como possibilidades. Segundo Heidegger (1995 :255),
Na angústia, essas possibilidades fundamentais da pre-sença, que é sempre minha, mostram-se como elas são em si mesmas, sem se deixar desfigurar pelo ente intramundano a que, de início e na maior parte das vezes, a pre-sença se atém.
Assim a mulher assume-se como ser que luta pela recuperação da sua saúde,
entrega-se ao tratamento como possibilidade de escolha para ficar curada, e sendo,
encara em sua abertura e possibilidades de estar lançada a perda do cabelo
conseqüente ao tratamento quimioterápico com aceitação, pois submeter-se a esta
terapia foi resultado de sua decisão, do seu poder-ser.
Segundo Heidegger (1995 :256),
Esse poder-ser é a destinação onde a pre-sença é sempre como ela é. Em seu ser, a pre-sença já sempre se conjugou com uma possibilidade de si mesma. É na angústia que a liberdade de ser para o poder-ser mais próprio e, com isso, para a possibilidade de propriedade e improprieade se mostra numa concreção originária e elementar.
Esta compreensão me foi dada a partir dos depoimentos de Zeni (dep.2), Lenice
(dep.11), e Jaciléia (dep.13),
“...A única coisa que tenho mais assim em mim, é fi car boa. Agora o cabelo
cresce tudo, depois cresce liso(risos)... Deixa ele ...”
87 “...Acho que foi a única coisa na minha vida que eu falei que não ia fazer e...é,
voltei atrás e comecei a fazer...”
“...Fiquei muito triste, mas depois eu comecei vê q ue cabelo não é tudo prá gente.
Não é o mais importante mas o mais importante, é a saúde da gente...Quer dizer,
eu luto. Luto porque ainda tenho muita vontade de v iver e um dia ser feliz... Então,
eu quero ficar boa e tô lutando...”
Ser-no-mundo é essencialmente ser-com e o mundo é sempre mundo
compartilhado. Com seu núcleo familiar mais próximo e com a equipe de saúde, a mulher
com-partilha o mundo com outros que se preocupam com ela e não apenas se ocupam
dela, como foi por mim compreendido na unidade de significação quatro, ... que encontra
junto à família, aos amigos próximos e aos profissionais de saúde, apoio para enfrentar este
momento.
No pensar de Heidegger, o ser-com enquanto característica existencial da pre-
sença, deve se exprimir na convivência através de um preocupar-se com o outro e um
ocupar-se das coisas.
O se ocupar, não é uma característica ontológica do ser-com, mas sim um modo de
ser da pre-sença para com os entes que vem ao encontro no mundo como ocupação.
Sobre isso Heidegger (1995 :173) nos diz que,
O ente com o qual a pre-sença se comporta como ser-com, também não possui o modo de ser do instrumento à mão, pois ele mesmo é pre-sença. Desse ente não se ocupa,com ele se preocupa.
88
A preocupação, é uma característica ontológica da pre-sença enquanto ser-com.
Porém, cotidianamente e na maior parte das vezes nos encontramos nas formas
deficientes da preocupação, caracterizada pela indiferença. Assim, na convivência
cotidiana agimos na maioria das vezes ocupando-nos do ser como à um manual, e desta
forma entificando-o.
A preocupação no que se refere a seus modos positivos de convivência, possui duas
possibilidades. Uma chamada de substituição dominadora, onde o cuidado do outro lhe é
retirado podendo ele tornar-se então dependente ou dominado por não ter
responsabilidade consigo próprio e sim, tê-la ao encargo de outro. E a preocupação
denominada de anteposição liberadora, onde o cuidado é devolvido ao ser como tal e
ajuda-o a tornar-se livre para assumir a responsabilidade por si mesmo e suas
possibilidades mais própria.
A mulher junto à sua família e junto à equipe de saúde, encontra o segundo modo
positivo da preocupação. Esta que guiada pela consideração e tolerância, tem o caráter
positivo de co-existência autêntica.
Heidegger (1995:174) pondera que
Essa preocupação que, em sua essência, diz respeito à cura propriamente dita, ou seja, à existência do outro e não a uma coisa de que se ocupa,ajuda o outro a tornar-se, em sua cura, transparente a si mesmo e livre para ela.
A mulher reconhece assim, na co-presença dos outros, uma co-existência de ajuda
como relatam Maria Auxiliadora (dep.4) e Nereida (dep.5)
“...a gente faz oração pelos médicos, pelas enferme iras... várias coisas. Porque...
Precisa ter muita paciência, muito amor no coração. ..”
89 “...Chamei uma amiga, fomo prá praia, fomo sentar l á embaixo das árvores, ficar
conversando... Que eu tenho uma amiga que eu conver so muito com ela... saímo,
fomo conversar, depois fomo pro bar, tomei uma cerv eja, aí me melhorou (risos).
Fiquei na boa de novo...”
Assim mediada pelo olhar compreensivo que a Fenomenologia possibilita, pude
refletir e ver o outro, no caso a mulher em tratamento quimioterápico para o câncer de
mama em conseqüência do qual perde seu cabelo, no seu em si mesmo.
90
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: CAPALBO, Creusa. - Considerações sobre o método fenomenológico e a enfermagem.
Revista Enfermagem UERJ. Rio de Janeiro, 2, (2), out., 1994. HEIDEGGER, Martin - Ser e Tempo. Parte I. 5a ed. Trad. Márcia de Sá Cavalcanti.
Petrópolis, Editora Vozes,1995, 325p.(Coleção Pensamento Humano).
91
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As inquietações surgidas em meu cotidiano profissional, conduziram-me a pensar
sobre os motivos da distância existente entre mim e a mulher quando à orientava sobre a
perda do seu cabelo. Tais inquietações levaram-me a refletir e a buscar o significado de
tal perda para ela.
Observava que apesar da orientação recebida, a mulher parecia sempre triste,
chorosa, fechada em si mesma, e nada parecia atenuar esta perda. Nem a visão de
outras na mesma situação, ou que já tinham vivenciado a alopécia, ou ainda a explicação
de que seu cabelo voltaria a crescer posteriormente.
Ao aproximar-me da Fenomenologia, voltei-me para a compreensão de quem ex-
siste diante da possibilidade da perda do cabelo, e que me permitiria assim chegar ao
sentido fundante do comportamento daquela mulher que tanto sofria, chorava e parecia
ter vergonha.
O olhar atentivo que a Fenomenologia propiciou, permitiu-me perceber que a
formalidade da assistência de enfermagem prestada à mulher ao orientá-la sobre o
tratamento na primeira vez em que chega a Central de Quimioterapia, conduz a um
enfoque da quimioterapia e de seus efeitos colaterais, psicológicos e sociais apenas
como fatos, tornando o profissional e o seu fazer, na maioria das vezes, fechado para a
sua possibilidade originária de ser-no-mundo-com na preocupação, mantendo-o assim
numa relação inautêntica e regida pelo modo do impessoal e da ocupação, entificando a
cliente.
Ser-com o outro, é ser co-presença origináriamente, e não lidar com o outro como
coisas simplesmente dadas no mundo. E sobre isso Heidegger (1995 :178) diz:
92
... Na medida em que a pre-sença é, ela possui o modo de ser da convivência. Esta não pode ser concebida como o resultado da soma de vários “sujeitos”. O deparar-se com o contingente numérico de “sujeitos só é possível quando os outros são tratados como “números”. Tal contingente só se descobre por meio de um determinado ser-com e para os outros.Esse ser-com “desconsiderado” “computa” os outros sem “levá-los em conta” seriamente, sem querer “ter algo a ver” com eles.
A forma de orientação autoritária, que pela imposição do saber científico e factual,
impede a mulher de ter voz ao invés de dar-lhe voz, para desvelar o sentido desse seu
ex-sistir, diante da informação anteriormente dada pelo médico e repetida pela
enfermeira acerca do tratamento e conseqüente perda do seu cabelo, e que além disso,
é realizada num ambiente onde há muitas pessoas ao mesmo tempo acaba assim por
coletivizar um momento no qual dever-se-ia buscar a singularidade de cada um. Esta
condição mantém a enfermeira e a equipe de efermagem num desenraizamento e
descompromisso contínuos com aquela que é o objeto de seu assistir e de seu cuidado.
Segundo Capalbo (1994 :74),
O que importa não é a doença, mas o ser que vive esta doença, e que, ao vivê-la, não perde a sua dimensão ontológica de ser humano, que é, por isso mesmo, portador e merecedor de respeito, de dignidade, de valor na sua existência concreta.
Assim, percebi que a forma de aproximação à mulher, no primeiro contato que ela
tem com a enfermagem da Central de Quimioterapia, poderia contribuir para uma relação
enfermeira/cliente mais humanizada, e deveria ser realizada em um ambiente tranquilo,
na forma de consulta de enfermagem, possibilitando tanto ao profissional como a mulher,
o encontro.
Nessa primeira abordagem com a mulher, pode-se mostrar a ela, através de uma
relação empática, que nos importamos e temos a possibilidade de compreender as
93 dificuldades pelas quais passará, e que ela encontra ali pessoas as quais pode recorrer
para falar sobre o sentido desse seu ex-sistir. É claro que compreendo a necessidade de
orientação para as normas e as rotinas, porém vejo a possibilidade delas emergirem
durante a conversação com a mulher.
Penso que ao invés de abordá-la instruindo-a sobre as normas, as rotinas e a perda
iminente do cabelo, poder-se-ia deixá-la a vontade para dizer o que sabe e o que sente
sobre a quimioterapia e a perda do cabelo que ela provocará, dando-lhe assim a
oportunidade de expressar-se, permitindo-lhe falar sobre seu temor diante desse efeito
colateral tão significativo para ela.
Importa lembrar que aquela mulher chega ali não por escolha pessoal, mas sim por
estar lançada no mundo, numa situação onde é portadora de câncer de mama. Encontra-
se ali então, para submeter-se a um tratamento que a fará perder o cabelo, e que é o
único meio do qual a ciência até então dispõe para ajudá-la a sobreviver. Mas ela está
apavorada diante da quimioterapia e suas conseqüências!
À ela são dadas muitas explicações científicas, muitas das quais ela já ouviu
anteriormente do médico, e se lhe oferece uma peruca. Porém não se está, desta forma,
eliminando o problema de quem está ali ex-sistindo apavorada diante da doença, do
início de um tratamento penoso e de seu efeito colateral inegável. Não se pode também
pensar que através deste artifício estético, está solucionado ou prevenido o temor do ser-
aí.
Considerando o significado do verbo prevenir, Lopes (1996 :128), menciona como
uma de suas definições “realizar antecipadamente”. No entanto, a mulher está ali diante
de algo que ela teme, e que se constitui numa ameaça que a coloca em perigo e causa
dano.
Quando retorna a Central de Quimioterapia já sem o seu cabelo, a mulher está
horrorizada com o que está lhe acontecendo e aterrorizada ao ter que enfrentar-se e aos
94 outros. Compreender o que está se passando, ter um local adequado para conversar
com ela, nos possibilita chegar a essa mulher e ouvir o que pode ter a dizer. Possibilita,
ao apreender o significado desta sua vivência, também acompanhar seu movimento em
direção a seu aí originário, o qual, este sim, traz consigo a escolha pessoal, a decisão
existencial, de se tratar e de não abandonar o tratamento.
O assistir da enfermagem portanto, não deve se limitar a uma única conversa
caracterizada como orientação ou consulta de enfermagem à cliente, por ocasião da
primeira vez em que ela chega a Central de Quimioterapia. Um acompanhamento de seu
progresso em direção a liberdade e serenidade que traz o encontro consigo mesma, é
fundamental para que ela receba um assistir adequado, o qual lhe dá a oportunidade de
sobreviver e de curar-se.
Diante da compreensão que este estudo apontou, pela possibilidade de
compreensão do impacto e do comportamento assumido pela mulher causado por este
efeito colateral e das transformações determinadas no seu ex-sistir, penso que não só a
equipe de enfermagem mas a equipe multiprofissional (médicos, psicólogos, assistentes
sociais e nutricionistas), pode se apropriar deste novo conhecimento para melhor assistir
aquela de quem cuida.
Mantendo uma relação empática com a mulher, dando-lhe liberdade para a
possibilidade de poder-ser, posso vislumbrar a compreensão do comportamento
assumido pelo ser-aí, estabelecendo um relacionamento interpessoal genuíno e uma
assistência humanizada e holística.
Ao deixar-se tocar pelo outro que vem ao seu encontro no mundo, tanto a
enfermeira como a equipe de enfermagem e demais membros da equipe de saúde,
podem partilhar com a mulher seu ser-aí, realizar o encontro empático sendo-com ela.
Para Heidegger(1995 :177),
95
No ser-com e para os outros, subsiste, portanto, uma relação ontológica entre pre-senças. Essa relação, pode-se dizer, já é constitutiva de cada pre-sença própria, que possui por si mesma uma compreensão do ser e, assim, relaciona-se com a pre-sença. A relação ontológica com os outros torna-se, pois, projeção do ser-próprio para si mesmo “num outro”.
A Fenomenologia, enquanto metodologia utilizada por mim neste estudo, e o pensar
de Martin Heidegger, possibilitaram-me olhar esta mulher por uma outra ótica: aquela da
compreensão como possibilidade do agir profissional.
Abordar a mulher que inicia o tratamento quimioterápico no qual perderá seu cabelo
sob a ótica da compreensão, traz a possibilidade de encontro com o ser-aí, que também
somos, permitindo não somente que ela seja ela mesma, mas sim nos possibilitando
também sermos nós mesmos.
Ao buscar, com um olhar compreensivo, desvelar o sentido que funda o
comportamento assumido pela mulher diante da perda do seu cabelo conseqüente ao
tratamento quimioterápico para o câncer de mama, objetivo deste estudo, pude
interpretar este sentido não como uma série de comportamentos, mas como as
possibilidades do ser-mulher ex-sistindo diante deste fenômeno. Heidegger (1995 :204),
referindo-se a compreensão e interpretação, afirma que:
Na compreensão, a pre-sença projeta seu ser para possibilidades. Esse ser para possibilidades, constitutivo da compreensão, é um poder-ser que repercute sobre a pre-sença as possibilidades enquanto aberturas. O projetar da compreensão possui a possibilidade própria de se elaborar em formas. Chamamos de interpretação essa elaboração. Nela, a compreensão se apropria do que compreende. Na interpretação se funda existencialmente na compreensão e não vice-versa. Interpretar não é tomar conhecimento de que se compreendeu, mas elaborar as possibilidades projetadas na compreensão.
96
Continuando, comenta que:
No projeto da compreensão, o ente se abre em sua possibilidade. O caráter de possibilidade sempre corresponde ao modo de ser de um ente compreendido. O ente intramundano em geral é projetado para o mundo, ou seja, para um todo de significância em cujas remissões referenciais a ocupação se consolida antecipadamente como ser-no-mundo. Se junto com o ser da pre-sença o ente intramundano também descobre, isto é, chega a uma compreensão, dizemos que ele tem sentido.
(Heidegger, 1995 :208)
O olhar compreensivo trazido por esta abordagem, possibilitou-me ir ao encontro do
ex-sistir feminino diante da perda do cabelo, e das possibilidades abertas por esse
fenômeno ao ser-mulher em tratamento quimioterápico para o câncer de mama.
Lançada no mundo numa situação de doença e enfrentando o tratamento como
possibilidade de cura, essa mulher é remetida para si mesma e suas possibilidades mais
próprias. Percorrendo o caminho do modo impessoal e presa a língua de tradição que
dita nossa existência cotidiana, ex-sistindo com o temor do tratamento que a expõe
diante dos outros e de si mesma, acaba por encontrar-se em seu ser mais próprio e
originário ao angustiar-se. E a partir daí, assume seu ex-sistir de modo autêntico,
enfrentando as adversidades e as situações decorrentes do estar lançada de modo
singular e único.
Diante do exposto, vejo esta interpretação não como um movimento acabado. Foi
possível compreender que a mulher diante da perda do cabelo conseqüente ao
tratamento quimioterápico para o câncer de mama, em sua cotidianidade, caminha da
inautenticidade para a autenticidade, desenvolvendo um movimento na dimensão da
angústia, o que lhe permite ir ao encontro de si mesma.
Esta compreensão, também abre a possibilidade de continuidade deste estudo
através de um aprofundamento nesta disposição privilegiada do ser-no-mundo, que o
97 conduz a liberdade de ser si mesmo. Segundo Leão (1996 :51), Heidegger, dentre várias
questões, se ocupa do processo que constitui a liberdade real, e esta é “o empenho de
realização das possibilidades de ser e de ter”.
Além disso, há o caminho para desvelar-se outras facetas deste fenômeno como por
exemplo a influência da linguagem de tradição, que media nossa existência, interferindo
nos aspectos relativos a feminilidade e a vaidade da mulher, e a dor e o desconforto
físico no couro cabeludo provocada pela perda iminente do cabelo relatada em alguns
depoimentos.
Este estudo trouxe ainda a possibilidade de refletir sobre a formação profissional da
enfermeira e de sua equipe. Percebo que ela tem sido pautada pelo modelo biomédico
que privilegia as patologias e diagnósticos em detrimento da pessoa doente, e não
valoriza na formação dos profissionais, as concepções teórico-filosóficas que aproximam
o ser doente de seus cuidadores. No entanto está posto para a enfermagem, enquanto
profissão de pessoas que cuidam de seus semelhantes, o desafio de seu rumo para o
próximo milênio, muito discutido atualmente nos meios acadêmicos. Muito se comenta
sobre a necessidade de humanização nos serviços de saúde, mas para tanto é
necessário que se passe a privilegiar o nosso cliente como pessoa no dia a dia do fazer
profissional e não valorizar apenas os aspectos factuais e funcionais da assistência (as
normas, as rotinas, os quantitativos de atendimento e as escalas de serviço).
A abordagem fenomenológica, ao valorizar o outro como ser único e singular, vem
possibilitar um outro caminho para a arte de enfermagem, no qual se possa conjugar às
práticas diárias do assistir, um olhar de natureza compreensiva que toda pessoa merece,
porque além de ter um corpo, ex-siste.
98
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102
ANEXO:
AS DEPOENTES
Miriam (22/10/96-D.1)
O que significou para você a perda do seu cabelo?
“Olha,quando meu cabelo começou a cair, um buraco aqui, outro buraco ali, eu fiquei
com aparência de doente limpa. Me fez muito mal. Aí, eu sentei no salão e mandei
raspar. Aí, eu comecei a curtir (risos). Sabe, aquele negócio quando você chama a
atenção? Passei a ser centro de atenção. Isso satisfazia meu ego(risos). Mesmo com a
carequice. Aí, comprei uma coleção de boné. Combinava o boné com a roupa. Não tive
grandes problemas não. Em alguns casos, que riam, tem gente que ri, depois eu levava
na brincadeira eu... Sabe, não me abalou, sinceramente não me abalou.
-E quando começou este crescimento de volta? O que você sentiu, foi...
-Que que eu senti quando ele começou a crescer? Eu já sabia que ele ia crescer, quer
dizer, não me pegou de surpresa, fui acompanhando o crescimento dele, fui
acompanhando. Então estou procurando como eu fico melhor. Com ele baixinho (risos),
para aí fazer tipo.
-Está na moda não é?
-Tá na moda com certeza. Que mais?
-Era isso que eu queria saber...
-Não foi caótico não. Não abalou a minha personalidade. Não me criou problemas de
rejeição. Nada disso. Eu encarei como se tivesse fazendo moda. Antes, antes de cair, eu
me preocupava mais. A expectativa do cabelo cair é que me incomodou bastante.
Entende? Aí, eu ficava angustiada, ficava nervosa. Meu cabelo vai cair, vou ficar careca.
103 Depois do fato acontecido, aí foi mais tranquilo. Entendeu? Não é que eu tenha... ah tudo
bom... Depois do fato consumado, fui adaptando. Como o povo carioca é muito chegado
à modismo, você faz disso uma moda.”
104 Zeni (22/10/96-D.2)
-Zeni, o que eu queria saber, é o que significou para você perder o cabelo?
- “Eu não senti ele assim... Eu fiquei meia, no princípio, nervosa né. Mas não assim com
complexo... É devido aos meus vizinhos que é pessoas que toma conta de tudo, então eu
não gosto assim... Eu me dou com todos os meus vizinho... Mas não gosto de
comentário, essas coisas... Eles gostam de ficar reparando. Mas não fiquei... No princípio
eu tinha vergonha por causa deles. Que eles ficam na janela, todo mundo olhando, quer
saber o que houve e tal. Tem que menti, que faz candomblé... Prá outros já tem que dizer
que que aconteceu, pros pouquinhos mais íntimos. Mas por mim mesma assim (risos)...
Mas já tá crescido meu cabelo. Quer ver? (tira o lenço). Caiu duas vezes. Mas não é
como era antigamente. Mudou completamente. Era crespinho, mas tá diferente (risos).
Eu tenho assim um tipo de um nervoso. Isso no princípio foi assim... Mas já acostumei. A
única coisa que tenho mais assim em mim, é ficar boa. Agora o cabelo cresce tudo,
depois cresce liso (risos)... Deixa ele. Eu ainda não estou usando porque eu quero que
ele fique mais assim... prá disfarçar um pouco. Ainda tá meio assim... na costeleta.
Depois eu uso curto, uso de qualquer jeito. No meu íntimo mesmo eu quero é ficar boa.
Minha... eu tô lutando é prá recuperar a saúde. O cabelo dá um jeito, tem jeito. Já caiu
duas vêzes aí... Não tá grande coisa mas...(risos).
-Mas você ainda está usando lenço, não é?
-Ainda uso, ainda uso mas eu quero que fique... Agora nessa aplicação eu não sei se vai
cair né? Aí, não sei. Mas eu boto lenço, faço um turbante, passo um batom... (risos).
-E seus vizinhos, ainda te incomodam?
-Ainda olham, ficam olhando, as vêzes. Agora quando tá assim (sem lenço e com cabelo
começando a crescer), eu vou no portão. Porque as vêzes chama, eu tenho que ir
correndo no portão. Aí, quer dizer, elas já vêem assim. Já está acostumado, porque eu
105 tinha um cabelão. Fica todo mundo... Aquilo me chateia, sabe? Eu não gosto. Eu não
gosto de tá comentando. Porque eu que tô passando né? Prá que ficar falando, falando...
Não sabe ajudar. Quer saber só como é que é, curiosidade. Parecem entrevistadoras.
Mas ajudar, ninguém quer. Eles quer é discriminar. Eu não gosto sabe, de tá
comentando. Minhas cunhadas também são enjoadas, sabe? Mas continua assim? Não
cresce? Tá sempre desse tamanho? São enjoadinhas sabe?
-Isso fez você sentir alguma diferença assim em você mesma, como pessoa?
-Não. Uma vez na condução, quando caiu, ficou carequinha, então eu tinha medo...
Doeu, eu amarrei bem o lenço com medo da pessoa as vêzes, sem querer, de poder
acontecer, a condução cheia, passa o braço, puxar... Eu acho que mesmo assim eu
encarava a careca (risos). Que que eu ia fazer, né? Colocar o lenço no lugar de novo... É
o jeito, né? Brigar com a pessoa eu não podia brigar, porque ela não fez por mal.
Ninguém vai adivinhar que eu tô doente, que eu tô careca, ninguém... Aí o meu nervoso
era esse, dentro do ônibus, quando caiu a primeira vez que eu tomei, comecei o
tratamento. Aí eu tinha aquele nervoso. Depois eu fui me acalmando, prá me controlar...
Não sei, agora já estou mais forte. Senti, não vou dizer que não sente. Com o cabelo
enorme que eu tinha, cair assim... Eu já estava avisada, então eu já fui me preparando. E
aos pouquinhos, sentida tudo, mas... Não vou dizer também que estou feliz porque tô
assim, também não, também não dá. Mas eu também fui me preparando, a Dra disse vai
cair, costuma cair o cabelo... Então fui meia chateada, também não comentei com
ninguém, só com meu marido. Depois minhas cunhadas viram... Ih! Eu procurei a não
incentivar, a mesma coisa o seio. O seio também. Se a gente ficar também incentivando,
as pessoas fica reparando (risos). Então eu vou procurando esquecer. Assim distrai, não
pensa. E tô conseguindo. A única coisa que eu tenho mesmo como te falei, é ficar boa.
-Esse é o mais importante?
106 -É o mais importante. O cabelo tem jeito sim. Dá-se um jeito. Mas tem gente que diz: tem
gente que não cresce mais! Vai toda vida tratando, tratando... caindo, caindo. Aí olha,
tem duas vêzes que caiu e tá aí olha. É aquela coisa de receio. Depois, quando eu vi
assim (mostra o cabelo crescendo), ah! Tem jeito. Eu tenho assim como loucura é ficar
boa. Mas o cabelo, no princípio... Ah! Bota uma peruca diziam. Não sei, acho que não vai
dar certo.
-Você tem que ficar como se sente melhor, não é? Se o lenço te satisfez...
-É porque o que adianta usar peruca, ficar nervosa, não me sentir bem. Acho que aquilo
parece que as pessoas vai começar a reparar. Sabe, vai incentivar. Prefiro ficar assim,
uma coisa simples, um lencinho prá mim. Eu já podia até usar se eu quisesse, porque já
está crescendo.
-Então Zeni, o principal para você foram as pessoas? O jeito como elas olhavam e
reparavam em você é o que te afligia mais?
-Agora não. Agora eu coloco o lenço normalmente e se ele cair, eu vou continuar.
Consegui controlar aquele complexo, não sei se é complexo, é um nervoso que eu tinha.
Mas não foi muito não porque eu já sabia que ia cair (risos)”.
107 Maria de Lurdes (22/10/96-D.3)
O que significou para você a perda do seu cabelo?
“Normal. O meu cabelo, quando é de manhã, eu tenho essa mania de escovar e passar
a mão molhada assim no cabelo (gesto; passa a mão na cabeça). Aí, começou a cair, aí
foi assim me dando aquela... Bom, o cabelo tá caindo. Quinze dias, fez quinze dias. Aí
esqueci de lavar a cabeça, porque eu lavo a cabeça assim 5a feira e domingo. Eu lavo a
cabeça duas vêzes na semana. Meu cabelo tem pouco crescimento, custa muito a
crescer. Aí, no outro dia, sabe de uma coisa, vou lavar meu cabelo. Aí, entrei no chuveiro
e quando abri o chuveiro, quando passei assim (passa a mão na cabeça), aí foi caindo,
entendeu? Caiu mesmo, tudinho, ficou só aquelas penugezinhas. Porque meu cabelo é
preto, ele já tá grisalho, bem grisalho mesmo, então só tem aquelas penugezinha branca.
E foi... aceitei bem.
-E o que você sentiu quando seu cabelo caiu?
-Normal, não senti nada.
-Não fez diferença para você?
-A diferença que faz, só que a gente... Sair na rua, porque as pessoas cobra da gente.
Porque eu não usava lenço, não é? Agora tô passando a usar lenço. Sempre um olha,
outro olha, incomoda de calor porque é pano e ainda boto dobrado. E eu não posso ficar
na minha casa sem um lenço na cabeça porque constantemente chega pessoas. E o
meu problema é que eu não falei para ninguém, a não ser a minha família, né? Que eles
são meus filhos. Meu esposo, fui falar muito depois. Então a diferença que dá na gente é
essa. Aí fiquei assim aqueles dias com vergonha de ficar na frente dos meus filhos
mesmo, meu marido, né? Mas agora, de noite, já tiro o lenço e fico ali a vontade,
108 entendeu? Agora já me habituei, já acostumei. A gente é assim, a gente tem que
acostumar para poder aceitar as coisas, né? E eu aceitei bem.
-Então pelo que eu estou vendo, dentro de casa você não tem mais este problema de
ter vergonha. Sua família apóia você, não é? E diante dos outros, você também age
dessa forma?
-Não, porque as pessoas vai me cobrar porque estou careca. Porque estou assim.
Agora quando começar a crescer, que eu puder fazer o pé, assim o pé do cabelo, a
costeleta. Porque eu usava o cabelo curtinho, mas não pelado. Curtinho como se fosse
uma nuca batida. Aí, mas... Eu queria saber, não sei se você sabe, com quanto tempo o
cabelo cresce?
-Olha, terminado o tratamento, em dois meses ele já está grandinho. Ele vai crescendo
devagarinho. Vai ficando igual aquela penugenzinha. Você não tem visto aí no corredor?
Vai crescendo um pouco diferente. Pode crescer mais crespo ou mais liso. O cabelo
nunca fica inicialmente do mesmo jeito que era antes não. Ele fica um pouco diferente.
-O meu cabelo, quando estava ficando grisalho, ele era um pouco crespo, grosso. E eu
tenho para mim, que ele agora vai vir branco, fininho.
-Mas ele vai voltar com certeza.
-Porque olha só... O que está me impedindo... Porque eu sou testemunha de Jeová.
Então eu estou querendo ir a reuniões e eu estou muito em falta. Eu já estou a tres
meses sem ir a reunião e isso, está fazendo muita falta. Porque ali é um conforto que a
gente tem. As minhas meninas não quer que eu vá porque eles vão me cobrar. Na minha
congregação, ninguém sabe, a não ser uma irmã. Nenhum deles ainda sabe o que está
se passando. A não ser quando tocada a cirurgia, eu tenho que falar com o ancião,
porque nós não podemos receber sangue. Aí eu tenho que conversar com ele.
-Mas eles vão cobrar o que da Sra?
109 -Que eu tô de lenço,quer saber, como agora com essa história de piolho. Deve ter
botado por causa de piolho, sabe...
-Vão questionar, não é?
-Mas eu acho que tenho que quebrar esse meu pensamento. Ir para as reunião e não
ligar porque estou com lenço na cabeça. Porque ali é um conforto, né? A gente sente
muita segurança. Porque desde o momento que eu vim saber que estava com câncer, foi
normal, eu não chorei, entendeu? Aceitei bem, não é poque todos tem que eu também
vou ter, certo? Mas aceitei porque eu tenho confiança na minha religião. Estou pegada a
Deus, segurando mesmo, então tive conforto, né? Como estou tendo até hoje. A única
coisa que está me incomodando, é praticamente o cabelo. Minha garota falou: mãe, eu
vou comprar uma peruca prá você, prá você poder... Porque nós temos um congresso,
né? Então muita gente vai.
-E você está impedida de participar...
-É...
-Maria de Lurdes, pela conversa que a gente teve, acho que você é uma pessoa forte,
que está lutando pela sua sobrevivência. Acho também que neste momento, estes
apoios fazem muita falta à gente. E acho legal que você esteja pensando sobre a
possibilidade de voltar a sua religião, mesmo sendo questionada. Porque ela vai te dar
apoio, não é assim?
-Muita força. Porque olha, você vê, é... Eu quando viva queria este problema. Porque eu
fiquei numa depressão muito grande quando perdi meu neto (chora). Então, aquilo me
acabou muito, sabe? Muito, muito mesmo. Então, com isso tive este problema... Porque
eu queria chorar, eu já acordava chorando, aquilo me acabou muito, me acabou muito. E
foi sugir este problema. Então, quando eu vim me alertar, que eu deveria me conformar,
que eu não poderia ficar o tempo todo, a minha vida toda... Olha, eu fiquei um tempo
sem me alimentar, entendeu? Aquilo por dentro de mim parece que ia explodir,
110 entendeu? Então, ter esse problema foi por causa disso. Então, eu não quero mais entrar
nessas depressões. Porque essas depressões, acaba com a gente. Porque se eu
continuasse naquilo, eu ia morrer. Porque eu pedia noite e dia prá morrer. Então, eu vi
né, deixar... esquecer. Aí, que surgiu este problema. Mas eu já esperei este problema e
eu tenho fé em Deus que vou superar isto. Porque este problema não me abalou, e não
está me abalando. Foi a perda do meu neto. Foi duro (chora), porque nós lutamos seis
anos né... Todo dia né, eu vendo meu neto... seis anos. Mas tudo bom. Agora eu tô
querendo sair, minhas meninas tão querendo fazer aquele arranjo prá comprar uma
peruca. Então eu digo prá elas: não precisa não, porque em dois meses o cabelo
começa a crescer e vai ser uma boa. Um dinheiro gasto... esse dinheiro dava prá
comprar outra coisa.
-A Sra não viu nenhuma daqui?
-Porque meu cabelo era grisalho meu amor...
-Porque a gente tinha umas grisalhas. Não tem não é? Devem estar emprestadas...
-Não sei..
-Vou pegar a caixa para a Sra.
-Aí sim. Se tiver grisalha... Porque meu cabelo não estava branco. Aparecer de repente
com peruca preta...Vai ficar muito diferente porque eu não quero pintar meu cabelo.
Estava adorando meu cabelo branco, entendeu? Eu não pinto. Quer dizer, só lavava com
xampu, tudo direitinho. Meu cabelo sempre curtinho, bem bonitinho, bem penteadinho,
mas pintura não. Então você vê, o salão são duzentas e poucas pessoas. Não são tres
nem dez pessoas, né? De repente cabelo preto? Pintou... Cabelo assim preto, russo,
não... O meu era grisalho. Aí não me interessei de procurar. Mas francamente, prá
passear no mercado, no médico, na psicóloga, na nutrição, é... Eu vou muito bem. Mas
na reunião... São tres meses, isso tá me decaindo um pouco... O que tá impedindo é o
cabelo, a careca.
111 -Vou ver se a gente tem a peruca prá te ajudar. Mesmo que não tenha, você pode
pegar a peruca e pintar do jeito que você quiser. Pode pintar de branquinho...
-Foi o que minha garota falou: mãe, a Sra vê porque se der, a gente dá um jeitinho. A
gente escova, entendeu? A gente dá um jeitinho prá Sra poder ir prá reunião. Só isso. Só
mesmo prá reunião. Porque prá passear eu vou de lenço. A única coisa que tá fazendo
falta...
-Compreendi que na família a Sra é muito querida e está sendo bem assistida. Mas fora
dela ainda existem alguns impedimento, não é? E você está lutando contra eles...
-A gente... Você vê, igual você. Todo domingo você vai a missa. O domingo que você
não vai, parece que você ficou um mês sem ir lá. Já reparou? Levar esse tempo todo...
Não sei, prá mim tá fazendo uma falta muito grande. As vêzes eu me arrumo e digo: eu
vou assim mesmo. Não mãe, não vai não, porque a Sra não falou prá ninguém. A Sra
não quer falar... Se a Sra falasse... Tudo bem. Não quero falar porque não é uma nem
duas pessoas. São várias pessoas e eu não quero. Você acha que todos tem que saber
o problema da gente? Porque na palestra que eu assisti, nem todos precisam saber, não
é isso?
-A gente conta para quem a gente quer. Com quem a gente acha que pode dividir...
-Porque você sabe, cada um tem uma opinião, cada um tem um jeito de confortar. E
sou assim, se eu não posso confortar, calada eu fico. O que eu puder dizer, eu digo.
Agora o que não posso, não vou passar... Procuro ajudar, mas tem pessoas que não. Ai
ficou assim, ai ficou assim. Então aquilo, quando a pessoa não tem a cabeça muito boa,
aquilo vai fazer uma confusão na cabeça né? Por isso que eu não... entendeu? Na
minha... em casa, sabe que eu tô de lenço mas não me perguntam nada. O meu
cunhado diz né: agora você tá usando pano na cabeça? Porque ele detesta mulher que
usa pano. Ele diz que mulher que não penteia o cabelo bota lenço. É porque agora eu
pintei a cabeça, botei uma tinta de branquinho, então eu... Agora ele vai lá algumas
112 vêzes. Ele vai ver o irmão. Meu mariddo é infartado, né? Então as vêzes ele vai lá prá ver
o irmão. Gostei de conversar, poque conversar é sempre bom não é? Conversa sadia,
né? É um alimento espiritual. Porque a religião da gente incentiva muito a gente a ajudar
as pessoas. A gente vai na casa das pessoas... A psicóloga diz: dona Maria eu não
acredito, você é tão calma, eu não sei porque você é assim. Olha filha, porque eu tenho
a espiritualidade, eu tenho o apoio de Deus. Todos têm, mas não tem a segurança que
eu tenho. Porque nós temos que servir um Deus verdadeiro. Deus de amor, Deus puro,
limpo. Eu tenho, então ela fica boba sabe? Porque eu converso... Desde que eu soube
do resultado, porque eu fui saber. Eu fui lá. Quando a carta chegou na minha casa, eu já
sabia. Quando a carta chegou...
-A Sra é muito forte e tem muita força de vontade. E o que está atrapalhando a Sra
neste momento, a gente já sabe o que é. Vamos ver se a gente consegue amenizar isso.
E também acho que só o fato da Sra pensar sobre isso,pensar e descobrir o que está
atrapalhando, já é de muito adianto. Acredito que muito em breve a Sra vai solucionar
este problema por si mesma.
-Se Deus quiser porque isso aí prá mim, eu vou dizer a você, vai ser... Acabou, eu
continuo a fazer meu tratamento, poque eu não tenho medo de fazer exame nenhum... E
outra, vou sem saber o que vou fazer. Só vou saber na hora, porque é importante...
Todos os exames e eu... O que meu marido cobrou de mim foi isso. Você só vive no
médico! De seis em seis meses fazendo exame! Como foi acontecer isso comigo, né?
Ele me cobrou, né? Isso é uma cobrança. Eu disse:olha essas coisas acontecem.
Acontecem comigo, com vários, com todos e agora tá acontecendo com mais freqüência.
Você vê aí as vêzes você nova com esses problemas. E eu convivi com meu neto,
porque ele se tratava no Mario Kroeff, sabe onde é? No hospital de câncer. Meu neto era
tratado lá, entendeu? Então eu já tava mais acostumada com essas coisas. Mas ele não
tinha câncer não, era encefalite. Ele era outra coisa. Mas ele se tratou lá porque botou a
113 válvula lá. Quer dizer, então, praticamente eu vivia lá com ele no hospital e tudo, e aí a
gente acostuma. Tudo aquilo a gente vai vendo e aí... podia acontecer comigo. O que a
gente vai querer? Se não acontece comigo, podia acontecer com outro. Quando você vai
dar uma coisa prá pessoa, se tem que dar o que? O melhor, você fica com o pior prá
você, porque é prá você, não é? Então você vai dar sempre o melhor não é isso? É
assim que eu sou”.
114 Maria Auxiliadora (22/10/96-D.4)
O que significou para você a perda do seu cabelo?
-“Prá mim a perda do meu cabelo foi o pior de tudo. Até hoje né, quando eu chego assim
em frente ao espelho, eu tenho aquela depressão. Não me conformei com a perda do
cabelo. Prá mim até agora, foi mais triste que ter dado a notícia que eu tive câncer. Eu
ainda não me adaptei a história do cabelo não. Sei lá, e eu tenho conversado com as
minhas colegas, nem todas, mas várias, hoje mesmo tem aí tres, elas também dizem a
mesma coisa. Que o cabelo prá elas foi um choque. Quando elas chegam assim na
frente do espelho, que se olham, aquilo prá elas... ficam arrasadas, entendeu? Mesmo a
gente sabendo que vai nascer, mesmo que a gente teve explicação que ia ter a perca do
cabelo, mas que ia renascer... Mas prá mim, elas diz também né, prá elas foi muito triste
e até hoje. Umas usa peruca, outras não adaptaram com peruca como eu, entendeu?
Mas... horrível.
-Você usa lenço?
-É, prefiro usar lenço do que peruca. Tô até prá ir num casamento, fui intimada a ir num
casamento agora dia 9, eu acho que vou ter que mandar arrumar uma peruca lá. Apesar
que eu... você sabe? Eu nunca me preocupei. Quando falavam que eu ia fazer química,
eu não preocupei com lenço, não preocupei com peruca nem nada. Uma colega daqui,
uma Sra de Friburgo, que também estava aqui, até foi ela que me deu a peruca de
presente, entendeu? Foi muito bacana, mas não adaptei não. Sei lá, eu acho tão
esquisito! Tudo é o costume, né? Mas eu prefiro lenço. Mas agora tenho que ir nesse
casamento, vou mandar arrumar a peruca prá poder ir que... tapeia.
-O que você sente assim, o que se passa com você quando você se vê sem o cabelo?
-Eu sinto muita tristeza. Mas eu estava ciente que nós nessa quimioterapia, nós ia ter
muitas, assim, horas que ia querer até jogar as coisas pro alto e não continuar o
115 tratamento. Então, quando eu vejo assim, então eu procuro passar por cima, entendeu?
Eu procuro me distrair, saio da frente do espelho, eu procuro o melhor, faço o melhor prá
mim. Portanto eu venho aqui, a Dra Luciana disse que eu tava com umas coisas, disse
que eu tinha que ficar internada, falou de repente, eu procurei passar por cima... E por
mais que a gente esteja derrotado, a gente encontra pessoas muito maravilhosa, porque
Dra Luciana, tem acho quinze dias que fiquei internada aqui, a Dra Luciana, ela foi Dra,
foi mãe ela foi pai. Ela parecia que eu era um bebê prá ela, entendeu? Ela me deu muita
força, eu recuperei até antes do dias que ela falou que eu ia ficar e foi uma alegria no
corredor... Então tudo isso, tudo dá força à gente. Porque você vem aqui, como eu, então
aquela confiança que eu passei a ter, né? Isso aumenta muito. Dá muita confiança na
gente viu. É muito importante as pessoa que dá esse apoio a gente, entendeu? Minha
visita... Até hoje o comentário na minha casa... nunca pensaram de uma Dra ser como
ela foi, tá entendendo? Então eu calculo assim, ela foi comigo e ela é com as outras
pacientes. Aquilo é dela mesmo. Muito bacana, me deu todo apoio, procurou me ajudar
mais, conversou com as outras. Aquele... ela foi muito... Prá falar a verdade, ela ficou
mais contente do que eu, ela chegou me balançar. Porque que você não tá rindo? Eu tô
feliz! Você recuperou rápido. Mas eu tô feliz. Mas ela tava numa euforia, sabe? Parecia
que ela tava vendo Deus na frente dela, sabe? É bom porque a competência dela né,
que ela ficou ali em cima,enquanto eu me recuperava.Então foi maravilhoso prá ela.Mas
tirando ela, as outras também, porque a gente, não sei porque, fica tipo num isolamento,
porque a gente tá com o organismo fraco. As outras também trataram a gente muito
bem. É muito maravilhoso! Então isso dá muita força a gente, entendeu? Mas sobre a
queda do cabelo, a gente sabe que tem que passar por cima. Então a gente tem que
procurar, assim, de dentro da gente tirar isso. Hoje eu tô um pouco triste porque a minha
colega ali, ela tá chorando. Mas isso deve ser depressão, né? Então a gente fica dando
força uma para outra. Isso não há de ser nada não. Porque se eu fosse outra, graças a
116 Deus, eu tenho muito que agradecer a Deus, porque pelo que... De onde eu vim, era prá
eu ser uma pessoa arrasada. Porque lutei com minha irmã dois anos. Perdi minha irmã
com esse mesmo problema. Então era prá mimm pensar... Então eu vou morrer igual a
minha irmã, entendeu? Se entregar... Mas graças a Deus, sabe, até agora tô firme e
forte, não penso nisso entendeu? É... o pessoal lá em casa em vez de dá mais força... É
eu que tenho que dá a eles. E assim vai tocando a vida, né? Olha, hoje eu pensava da
minha última ser amanhã, né? Dra Rute... não você está maravilhosa, você está muito
bem, você pode fazer hoje e é a última, você está saudável... Então vou prá radioterapia,
né? Então isso tudo dá força a gente, né? Porque quando você chega perto dum médico,
que todo mundo tem problema, esse problema nosso já é arrasado... Que pega uma Dra
que não dá um sorriso, que não dá nada... Eu sei que as vêzes aquilo ali... Muita gente
diz que não vale nada mas é muito importante, entendeu? Portanto eu sou da religião
católica, então eu tô num grupo, então o nosso grupo, e tem vários grupos, todo um dia
da semana a gente faz oração pelos médicos, pelas enfermeiras... várias coisas.
Porque... Precisa ter muita paciência, muito amor no coração. Porque a gente, sabe, a
gente encontra muita coisa, né? Em todo serviço, em todo lugar, você encontra uma
barreira, não é? Todo serviço. Não adianta você falar que um é melhor que o outro,
sempre tem um probleminha ali, um probleminha aqui. Fulano não botou isso no lugar...
A pessoa sempre fica um pouco chateada. Mas aqui é um lugar que a chateação tem
que deixar prá trás. Você tem sempre que tá com um sorriso, tá alegre, aquela coisa.
Então eu acho muito bacana. Então eu acho que esse setor precisa de muita oração.
Porque pelo mundo que a gente vive, né?”
117 Nereida (29/10/96-D.5)
Oque significou para você a perda do seu cabelo?
-“Bom eu vou falar a verdade. Foi a única vez que eu chorei, foi quando caiu meu
cabelo. Eu fiquei muito triste mesmo. Acho que eu fiquei mais triste aliás que quando...
de ter tirado a mama. Porque eu cheguei em casa, a minha irmã olhou minha cabeça e
riu, sabe? Ah! Me deu uma tristeza tão grande. Eu abri um berreiro... Porque eu sempre
tive um cabelão, sempre tive muito apego assim a arrumar cabelo, trazer ele bonito. Ah!
Fiquei muito triste mesmo. Foi como se tivesse tirado um pedaço de mim.
-Foi pior que tirar a mama?
-Foi, foi, porque a mama eu sabia mesmo que ia perder, né? Então eu já tava preparada
prá perder, mas o cabelo não. Inclusive porque minha irmã fez quimioterapia e não
perdeu o cabelo. Quando caiu o meu, eu fiquei numa tristeza, fiquei até deprimida.
Deprimida mesmo.
-E... você ficou deprimida. E ainda está deprimida?
-Não, agora não. Agora já acostumei, porque já caiu a segunda vez (risos). Porque o
médico tinha passado seis quimioterapia prá mim. Aí, eu fiz a primeira e duas semanas
depois caiu o cabelo. Aí, depois que eu operei, ficou faltando uma. Aí, eu operei e fiquei
mais dois meses sem fazer. Aí, eu fiz de novo, foi como se tivesse feito a primeira vez.
Aí, caiu tudo de uma vez, mas dessa vez, eu não me deprimi não, eu já senti que ia cair
porque começou a doer o meu couro cabeludo. Aí, eu falei: vai cair tudo de novo. Mas
caiu tudo, não ficou um fiapinho, ficou carequinha igual do Buda. Aí, eu reparei, tava
parecendo a reencarnação do Buda. Mas na segunda vez eu não fiquei deprimida não,
mas na primeira, fiquei muito deprimida. Estive arrasada mesmo. Fiquei por baixo.
-Mas quando você ficou muito triste, o que é que você fez para ver se conseguia sair
dessa tristeza? Fez alguma coisa...
118 -Ah... eu saí, saí, fui passear. Chamei uma amiga, fomo prá praia, fomo sentar lá
embaixo das árvores, ficar conversando... Que eu tenho uma amiga que eu converso
muito com ela, até mais que com minhas irmãs. Nós saímo, fomo conversar, depois fomo
pro bar, tomei uma cerveja, aí me melhorou (risos). Fiquei na boa de novo. Agora eu já tô
bem, graças a Deus.
-Agora você acostumou com a queda do seu cabelo...
-É, agora não. Agora ele não vai cair mais não. Na segunda etapa, ele tá nascendo
pequenininho, mas não vai cair mais não.
-Você sempre usou lenço?
-Não, eu já usei chapeuzinho, peruca, mas tudo esquenta muito. Então acho melhor
lenço. Na hora também que esquenta muito, eu tiro o lenço na rua, fico careca, não ligo
mais.
-E sua família? Eles ajudaram você nesta época?
-Eles ajudaram sim. Minha família, nós somos muito unida, nós somos assim uma
porção de irmã velha dentro de casa. Aí, eu fiquei chorando, a minha irmã que tinha rido
acabou chorando também. Mas elas ficaram assim muito unidas comigo, graças a Deus.
Bom, se eu não tivesse a família, acho que eu nem aguentava este sofrimento todo,
sinceramente (chora).
-Você ainda se emociona quando fala sobre isto, não é?
-Fico muito emocionada sim (chora). Minha família é muito unida... minhas irmãs, meu
irmão vinha de Niterói todo dia prá me ver. O dia que ele sabe que eu faço quimioterapia,
quando eu chego em casa, ele tá lá. Prá saber se eu estou bem, como é que estou, meu
filho liga, todo mundo quer saber como é que eu estou. Então, tô indo, tô indo. Eu sou
muito emotiva mesmo, não é? As vezes tá na rua, quando vê tá chorando. Mas em...
essa doença, assim, me deixa um pouco assim... Mas agora eu tenho muito motivo prá
119 tá alegre. Eu já tinha quatro neto, na semana passada ganhei mais uma neta. Quer dizer,
Deus tira uma coisa, mas dá sempre outra prá gente, né?
120
Zilda (8/11/96-D.6)
-O que significou para você a perda do seu cabelo?
-Fiquei apavorada. Custei a me conformar, mas enfim... eu vi que era em meu
benefício... (chora; silêncio).
-Isso emociona a Sra.? Falar sobre isso?
-(silêncio; chora) Agora já tá crescendo (chorando). São seis que eu já tomei (chora).
-A Sra. disse que custou a se conformar... Porque?
-Eu tinha um cabelo bonito até... (chora;silêncio). Eu tava avisada pelo médico que eu ia
perder, né? Ele avisou: a Sra vai tomar, a Sra vai perder o cabelo mas depois vai nascer
um cabelo mais bonito ainda.
-Mas o que significou isto para a Sra, perder o cabelo?
-Nem sei te dizer, sabe? Fiquei tão chocada... acabei depois me conformando, que é pro
meu benefício, né? Eu tinha que perder mesmo, né?
-A Sra. Ainda está triste com esta perda?
-Não, eu tô aguardando a minha operação, que no dia 14 vou passar pela junta médica
prá eles marcar, por causa da ferida que eu tenho. Então, aí, vamo ver como é que vai
ficar, se eu não preciso tomar mais isso aí. Issoaí, isso aí, isso aí, o dia que a gente
toma, mexe com a gente toda, mexe com o nosso organismo todinho. Quer dizer que tô
doida prá me livrar, né?
-E o cabelo vai nascer de novo a Sra sabe, não é?
-Já tá nascendo devagar. Aqui... (mostra a cabeça). Perdi tudinho, mas tô... é o jeito, né?
O meu filho falou: mãe a Sra. tá perdendo o cabelo todo! Eu disse: não, é o remédio que
eu estou tomando, já tô avisada que vou perder. Ele ficou apavorado!
-Seu filho?
121 -É... o dia que eu fui cortar o cabelo no salão, a moça passou o pente, saiu aquela
porção. Aí a moça disse: a Sra. tem que ir ao médico de... eu não disse que tava
fazendo não. Dar satisfação da vida da gente... aí eu disse: vou no médico sim. A Sra.
Tem que ir ver o que é isso aí. A Sra. Tá tendo uma queda horrível de cabelo! Passava o
pente, saía tudo. Aqueles cabelo comprido que eu tinha...
-A Sra. foi cortar antes que ele caísse todo?
-Fui cortar, né? Prá aparar ele todo, porque aí, as pacientes que tava tomando, disse: é
bom assim na terceira a Sra. já começar a cortar o cabelo. Aí, eu fui cortar mas cheguei
lá, passou o pente assim e caiu aquela porção.
-Agora...
-Porque eu sempre pintava e cortava mas nesse dia, não quis nem pintar, só cortar.
Porque eu disse: tô tomando esse remédio, não vou dar tintura nenhuma no cabelo. Mas
aí, depois que eu vi cair, pôxa... Fiquei triste, fiquei muito arrasada, mas enfim não é, a
gente tem que passar por isso, não é?
-Agora a Sra. ainda tá triste?
-Agora tô menos. Tô triste ainda mas... devagar ele vai crescendo, né? Só vou ficar feliz
mesmo depois que fizer a operação e não precisar tomar mais isso (sorri). Mas é assim,
né...
122 Edinéia (8/11/96-D.7)
-O que significou para você a perda do seu cabelo?
-Prá mim, achei uma coisa comum, porque cai depois disse que nasce de novo, né?
-Mas o que significou isso para você? Essa perda do cabelo?
-É, fica um pouquinho triste, chato. A pessoa andar sem cabelo... tem que tá o tempo
todo de touca. A pessoa fica com vergonha as vêzes de sair prá rua... (silêncio)
-Você tem vergonha de sair na rua?
-É porque antigamente você não precisava usar lenço. Agora tem que usar, prá não
sair... fica chato (longo silêncio).
-É chato prá você Edinéia, ter que sair assim na rua?
-Sim, com lenço, né? Com cabelo é melhor.
-Isso deixou você triste?
-Um pouquinho. Já era triste, aí fiquei mais um pouco.
-Você já era triste?
-Já, era triste. Primeiro porque perdi meus pais, depois perdi meus filhos, depois isso, aí
depois perdi o companheiro, perdi uma irmã... (chora; longo silêncio).
-Você anda sempre de lenço?
-Tô andando agora por causa do cabelo que caiu. Eu não andava de lenço.
-Mas desde que o cabelo caiu você usa lenço?
-Agora tô usando lenço (longo silêncio).
-E você fica triste por ter que usar lenço?
-Eu fico, eu fico assim triste, no mesmo tempo fico com vergonha. Onde moro, os
pessoal lá, tudo quer saber, fica perguntando o que foi, o que é que é... fica, os pessoal
as vêzes, pensa que é outra coisa demais, aí fica querendo saber... (silêncio).
-Então o que você sentiu quando perdeu o seu cabelo foi isso? Foi vergonha?
123 -É, tristeza e um pouco de vergonha. Porque eu queria sair assim... no quintal não podia
sair sem o lenço... aí você quer ir fazer qualquer coisa não pode, tem que usar lenço
(chora; silêncio).
-Você quer conversar mais alguma coisa? Estou vendo que você está emocionada.
-Não, eu tô é triste.
-Porque você está triste?
-Pela vida.
-Pela vida?
-É, que a gente passa... (silêncio).
Sua vida é triste?
-A minha é um pouco... eu moro sozinha... (silêncio).
-Quer conversar mais um pouco?
-Não, quanto mais eu conversar, aí mesmo é que eu choro.
-Não faz mal, não faz mal você chorar... não quer mais conversar?
-Parar por aqui (chora).
124 Maria Adelaide (12/11/96-D.8)
-O que significou para a Sra.perder o cabelo?
-Olha, eu caí numa depressão e continuo numa depressão danada. Quando me olho no
espelho que vejo a falta do meu cabelo, eu choro igual a criança, tá? Muito triste, muito
triste mesmo. Primeiro que eu tinha um cabelo que vinha aqui embaixo (mostra a coxa).
Eu tive que cortar ele, guardar a trança dele. Aí, quando eu vi eu careca, tô carequinha...
realmente eu caí numa depressão danada. E ainda continuo, eu choro igual a criança.
-A Sra, ainda está triste?
-Tô. São duas coisaa que me deixou triste esse problema aqui, esse problema de mama.
É a minha magreza, que eu emagreci muito, e a perda do meu cabelo. Pô, eu tinha 56kg,
eu tô com 42kg.
-Como está sendo isto para a Sra. então?
-Um pesadelo, um grande pesadelo. Eu nunca imaginei de tá hoje aqui não... é triste.
-E a Sra.continua triste...
-Continuo... fui lá tratar... (silêncio).
-E usa lenço?
-Uso, uso. Eu uso esse lenço quando eu saio e dentro de casa eu uso um bonezinho.
-Quando sai, sai de lenço na cabeça...
-É...
-A Sra.tá muito triste ainda dona Adelaide?
-Eu tô, eu tô numa depressão danada. Eu choro igual a criança...
-Que mais?
-Só isso. Não me conformo de perder minha mama, sei que vou perder... não me
conformo de perder minha mama não... que que eu posso fazer? Diz que é assim, né?
(silêncio). Tô chateada, né? As pessoas chega na minha casa, eu cubro logo a cabeça
125 prá ninguém ver, só meus filhos e meu marido é que vê. Aí, as visita chega, eu cubro
logo a cabeça, não deixo ninguém ver...
-Ninguém sabe que a Sra.tá com esse...
-Todo mundo sabe, todo mundo sabe, mas eu não amostro a ninguém não...
126 Maria Teresa (14/11/96-D.9)
-O que significou para você a perda do seu cabelo?
-Tristeza. Tristeza porque eu sou muito vaidosa e porque eu realmente estou assim muito
chocada, apesar de ter tido uma orientação anterior, né? Mas não dá prá gente aceitar
assim, assim de imediato, né? As... as ligações que vai influenciando a gente assim, a
vaidade da gente...
-Você tá triste porque perdeu o cabelo?
-Tô, ainda num tá de tudo perdido, mas tá numa espécie de chapéu (ri). Tô até com
medo de botar a mão assim prá... e dá de choque assim com a realidade, né? A cabeça
pelada... eu não quero, eu não quero vamos dizer assim... eu não quero ter assim
aquela... tá dentro da realidade, que realmente, eu vou ficar totalmente careca.
-Você ainda tem um pouquinho de cabelo...
-Aqui...
-Não precisa tirar o lenço não...
-Mas tá uma parte assim... tá soltinha. Eu tô com medo da arrancar, de tirar tudo...
-Você tá com medo de passar a mão e cair este restinho que tá aí?
-Tô... totalmente com medo e olha que eu tenho uma força... vamos dizer assim, uma
força, uma coisa muito forte, mas agora tô fraquejando, eu tô... sei lá...
-Você tá usando sempre lenço?
-Não, eu botei hoje, hoje que eu botei. Ontem ainda molhei, fiz assim, vim com ele assim
natural, né? Mas quando cheguei em casa que eu botei a mão assim (passa a mão atrás
da cabeça), que vi isso aqui igual... sei lá, assim meio afastado, eu fui botar a mão, os
dedos foi entrando, eu digo: ai meu Deus, chegou a hora! Tô triste (com os olhos cheios
d’água).
-Tá triste?
127 -Tô triste, mas como é por pouco tempo... são tres meses, né?
-O que, a quimioterapia?
-Não, assim prá... depois.
-Depois que ele cai? Mas aí você precisa terminar o tratamento, entendeu? Ele só volta a
crescer com o fim do tratamento.
-Eu sei. Então só faltam... é, só faltam duas depois dessa.
-Ele vai cair todinho mesmo, aí depois...
-Vai ficar lisinho?
-Vai. Mas aí, você... faltam duas não é? Quando terminarem essas duas, ele vai voltar a
crescer e em tres meses mais ou menos, ele vai ficar igual aquela... sabe esse cabelinho
que tá na moda? Bem batidinho...
-Bem rasteirinho?
-É... depois ele cresce todinho de volta...
-Eu fiquei impressionada assim com cara... porque eu tenho o rosto muito cheio, né?
Fica ridículo a gente de rosto cheio de cabeça pelada.
-Você se acha ridícula?
-Eu acho.
-Porque vai ficar com a cabeça pelada?
-Eu gosto de cabelo baixo mas não tão... não careca. Cabelo baixinho, mas não careca.
Porque eu tenho o rosto muito redondo prá ficar com a cara pelada, sabe?
-Mas você pode usar uma peruca nesse intervalo... a gente tem prá emprestar Teresa...
-Tiririca...
-Qual é tiririca?
-Aquela tiririca...
-Não, tem uma porção de perucas aí, você depois pode olhar e você pode fazer com ela
o que quiser. Pentear do jeito que quiser...
128 -Vou experimentar... mas que é triste é. Muito triste, quer dizer, prá minha vaidade é
muito triste.
-Você é muito vaidosa?
-Eu sou. Eu gosto de tá bem apresentada em qualquer lugar que eu compareça, eu
gosto de tá bem apresentada, sabe? Aí eu fico chocada...
-O que?
-Eu fico chocada com um negócio desse. Não posso fazer nada, né? São as
circunstâncias da vida... tem que aceitar, né? Deus quis assim, né?
-Eu vou te mostrar as perucas...
129 Laurani (14/11/96-D.10)
-O que significou para você a perda do seu cabelo?
-“A primeira vez que começou a cair, eu entrei num... fiquei desesperada. Depois eu me
conformei... o problema de cair o cabelo nem é tanto o caso... o problema é a reação.A
reação que... (silêncio).
-Desde que caiu o cabelo você usa lenço?
-Uso lenço assim mais prá sair. Em casa eu já fico sem lenço. Só quando meus filhos tá
perto, aí o pequenininho de cinco anos, fica: não tira não mãe! Fica muito feio! Aí eu
coloco.
-Ele pede a você prá colocar o lenço?
-Prá colocar o lenço ou senão um boné, sabe? (silêncio)
-Então como foi isto prá você? Como você está se saindo?
-Não, graças a Deus depois disso, tô me saindo bem. O pior de tudo é ficar longe dos
filhos, né? Eu sou do Espírito Santo, não sou daqui.
-Ah! Você é do Espírito Santo? Você fica aqui muito tempo?
-Não, de 21 em 21 dias eu venho. Agora, dessa vez, vou ficar mais porque hoje não pude
fazer a quimioterapia, vou fazer na quarta-feira.
-Então o pior para você foi a distância?
-É o pior foi a distância e longe dos filhos.
-E o cabelo, já tá crescendo?
-Tá começando a crescer, sabe? Mas aí, de ontem prá cá, comecei a sentir assim
dolorido, sabe? Ele vai tornar a cair. Da primeira vez foi assim, começou aí caiu.
-E como foi prá você, assim, a perda do cabelo?
130 -Ah! A queda do cabelo, no início a gente fica... mulher é meia vaidosa (ri), mas aí agora,
graças a Deus, meus parentes tudo, me deram apoio, sabe? Todo mundo me deu apoio.
Aí... você engana.”
131 Lenice (19/11/96-D.11)
-O que significou para você a perda do seu cabelo?
-“Foi a pior coisa da minha vida. A coisa mais... sempre falei que eu não ia fazer a
vermelha, desde do dia que operei. Aí fiz a amarela, fiquei bem, quando foi agora
apareceu em outro lugar, no fígado. Aí era prá fazer a vermelha, eu falei que não ia fazer.
Aí fiz a lilás, fiz cinco. Aí, quando chegou na sexta, fiz exame. Aí, não deu melhora
nenhuma e eu com dores, dores, dores... aí, foi que ela falou: ou eu fazia a vermelha, ou
então eu ia continuar com as dores. Aí foi outra paulada. Vi que não tinha jeito mesmo,
né? Comecei a fazer. Prá mim foi a pior coisa da minha vida, de tudo. A doença, a
cirurgia, tudo foi prá mim... tirei de letra. Mas o cabelo, tá sendo terrível. Começou a cair
agora, sexta-feira... todinho.
-Então foi terrível prá você?
-Prá mim foi. Tá sendo ainda. Tá sendo muito ruim (chora).
-Você fica emocionada quando fala disso ainda?
-Eu fico, mas caiu agora. Hoje é a segunda, né? Até demorou um pouco. Eu tenho muito
cabelo... tinha né? (ri). Aí, quando foi na sexta-feira, é que começou mesmo. Só
despencando o meu cabelo, mas de montão, sabe? Tô com pouquinho, pouquinho
mesmo, muito pouquinho (silêncio).
-E como foi isso para você?
-Tão chato... o problema é que eu não ia aceitar, né? Te falei. Há tres anos atrás, eu falei
que não ia fazer. Acho que foi a única coisa na minha vida que eu falei que não ia fazer
e... é, voltei atrás e comecei a fazer. Só pelas dores, senão não fazia não.
-E você dizia que não ia fazer por causa do cabelo?
-Do cabelo, principalmente o cabelo e por causa do enjôo. Daí, a Dra falou que o enjôo
não, que ela garantia que não ia passar mal, que ia colocar remédio, né? Mas o cabelo
132 não podia garantir, que ia cair mesmo, né? Só pelas dores, se não fosse as dores não
fazia não (silêncio).
-Você agora então está usando peruca?
-Primeira vez. Tô me sentindo terrível. Estou muito mal, muito ruim.
-A peruca fez você se sentir assim, terrível?
-Ah, estou! Prá mim todo mundo sabe que estou usando peruca, sabe? Todo mundo tá
sabendo. Ah, me sinto tão mal!
-Todo mundo sabendo faz você se sentir mal?
-Perto da minha casa, na rua, quase ninguém sabe nada. Que eu tive este problema, que
passei por isso. Ninguém praticamente sabe, entendeu? Eu já falei que vou ficar fechada
dentro de casa, que não vou sair na rua. Só prá entrar dentro do carro prá ir ao médico.
Tudo isso eu falei lá em casa. Gente estranha... não vou atender ninguém na minha
casa. Tudo isso eu falei. Pode ser que eu mude de idéia, na minha cabeça ainda está
assim. Prá mim foi um choque muito grande. Está sendo muito difícil (silêncio).
-E em casa, também é difícil prá você?
-Não, porque começou agora. Aí, em casa, esses dois dias eu passei com lenço e tal.
Em casa eu fico praticamente sozinha o dia todo, né? Aí, fico mais a vontade, mas prá
mim sair assim... tá sendo difícil (silêncio).
-Quer conversar mais?
-Não...”
133 Maria Lúcia (21/11/96-D.12)
-O que significou para você a perda do seu cabelo?
-“Bom, primeiro eu já tava preparada, né? Que antes o médico avisou prá mim, no
começo né? Que ia cair. Depois a menina aqui da quimioterapia, essa menina ali
(mostra), no primeiro dia que eu vim tomar a aplicação, ela avisou: daqui a quinze dias o
cabelo cai. Mas a gente nunca quer acreditar que vai cair, né? Achava que não ia cair.
Mas aí eu cortei bem curtinho, tava grande, pelei a cabeça, quando começou a cair eu...
estranhei não, aceitei bem. Achava que eu ia mudar, esse negócio de sair... tô levando
numa boa. Agora ela falou que se quisesse peruca, aí tinha, arrumava prá gente usar...
Por enquanto eu falei: Ah! Vou levando de lenço mesmo, dá prá sair... aí, tô... não
esquentei muito não. Tem gente que leva susto, fica incomodada, né? Mas a gente tem
que aceitar, fazer o que? Depois já sabe que vai nascer de novo, não vai ficar careca prá
sempre, né? Vai nascer, acabando a aplicação, aí volta tudo ao normal, falei: então tá
tudo bem. Vamo encarar numa boa porque... não adianta entrar em pânico. Vou levando
bem”.
134 Jaciléia (21/11/96-D.13)
-O que significou para você a perda do seu cabelo?
-“No começo foi difícil prá mim, né?Aceitar. Porque desde de criança eu tive o cabelo
comprido e nunca, em hipótese nenhuma, eu cortei o cabelo curto. E, quando eu
comecei a observar algumas pessoas aqui usar lenço, peruca, logo que eu entrei no
hospital prá fazer o tratamento, eu me senti muito mal porque eu sabia que eu ia chegar
naquela situação. Fiquei muito triste, mas depois eu comecei vê que cabelo não é tudo
prá gente. Não é o mais importante mas o mais importante, é a saúde da gente. Quer
dizer, não adianta eu ter o cabelo tão bonito e tá com um problema de saúde tão sério. E
aos poucos eu fui aceitando que eu ia perder meu cabelo. Chorei muito quando tive que
cortar, mas no espelho mesmo e olhando prá mim, vi que o cabelo não era muito
importante, que mais tarde eu poderia é... ter um cabelo talvez até mais bonito do que
tinha, né? Apesar de todas as pessoas que me viram com o cabelo grande, meu cabelo
era um cabelo que chamava muito a atenção, era um cabelo muito bonito. Todo mundo,
todas as pessoas que foram minhas amigas, admiravam meu cabelo. Fiquei triste por
isso, porque meu filho também adorava meu cabelo... Foi difícil prá mim tê que chegar na
minha casa depois de seis meses e ter que enfrentar minha família da maneira que eu
estou agora, né? Mas eu pude colocar estes problemas de lado e superar tudo isso aí.
Prá mim o cabelo agora não é mais importante. Importante prá mim é minha saúde e
minha família. É isso.”
-Obrigada.
-Só isso?
-Você quer falar mais?
-“É, você pode perguntar o que você quiser... como uma pessoa se sente tendo câncer,
né? Inclusive eu no começo, quando descobri há seis anos atrás, eu me senti muito
desequilibrada no começo. Depois não, eu comecei ver que a vida não ia parar ali, por eu
135 ter descoberto que tinha um problema. Quer dizer, eu não tenho câncer, eu não aceito
que eu tenho câncer, os médicos descobriram que no meu corpo existe um câncer, eu
não aceito isso como um câncer. Eu aceito como um problema que vai ser resolvido um
dia, né? E, eu tenho levado isso,não naturalmente porque eu sei que não é fácil.
Principalmente quando nós não temos apoio da família, quando nós não temos nenhuma
pessoa que teja ali nos ajudando naquilo que nós precisamos. O que é aquilo? É o amor,
é o apoio, né? Foi difícil prá mim porque no começo eu não tive apoio da minha família.
Principalmente do meu esposo, né? Eu fui uma pessoa muito discriminada, juntamente
no meu casamento, né? Não tive apoio nenhum. Mas eu comecei a pensar em mim e
pensar nos meus filhos, que eu deveria lutar prá que eu vencesse essa barreira, essa
luta toda e chegasse na vitória. E eu creio, se Deus quiser, eu vou chegar na vitória. Foi
muito difícil prá mim, não foi fácil não. Uma coisa muito difícil. Inclusive eu vim prá cá, pro
Rio, fazer esse tratamento e passei seis meses aqui. Resolvi visitar minha família.
Quando cheguei na minha casa,encontrei meu esposo com outra mulher e ela está
grávida de quatro meses. Foi mais difícil prá mim superar isto tudo, quer dizer, no
momento eu quis largar tudo de mão mas eu pensei que ainda teria muita coisa prá fazer
pelos meus filhos, né? Eu precisava lutar prá que eu tivesse êxito prá me levar adiante,
os problemas que eu estava ainda prá ser resolvido. Meus filhos são ainda criança.
Tenho um de 14 anos, tenho um de 12 anos e uma de 8 anos. Sendo que só o de 14 é
meu e os dois são adotados, né? Então eu tenho um compromisso com eles até o dia
que Deus permitir, que eu fique aqui nessa terra, prá assumir um compromisso com eles.
Qual é o compromisso? De poder educar, criar eles na melhor maneira que eu puder,
né? Então eu tô lutando, talvez nem seje por mim mesmo mas seje pelos meus filhos,
porque precisam de mim. E a gente não deve olhar prá o câncer como uma derrota,
como um ponto final na vida da gente não. Devemos encarar ele como um problema que
vai ser resolvido. Devemos é levantar a cabeça e lutar, que não tem ninguém prá nos
136 ajudar. Quer dizer, se você, se você for fraco, se realmente você for fraco, não tiver força
prá ajudar você, vai ser difícil alguém ajudar você. Mesmo que ele prepare a melhor
palavra, mesmo que ele tenha o melhor carinho por você. Mas se você não lhe ajudar,
você não chega lá, ao final dessa luta, né? Então eu tenho lutado prá chegar lá, e se
Deus quiser, eu vou vencer isso tudo, tá? E as pessoas que talvez descubram uma
doença, um problema assim como eu estou passando, pode pensar que não existe cura.
Existe cura dependendo da sua cabeça. Se você superar isso, se você levar isso como
um problema, ele vai ser resolvido. Mas se você olhar prá ele como um câncer que não
tem cura, realmente você vai chegar a sepultura, né? Todos nós vamos chegar até lá,
mas se nós pudermos lutar contra isso, melhor ainda. Quer dizer, eu luto. Luto porque
ainda tenho muita vontade de viver e um dia ser feliz. Eu tenho 39 anos, todo o meu
casamento, casei com 13 anos, nunca fui feliz no meu casamento. Não tive uma infância
muito boa e uma adolescência. Mas eu luto que daqui prá frente, eu luto ainda por essa
felicidade e creio que eu vou conseguir ser feliz. Por algum tempo, não sei, mas eu luto
prá isso. Então, eu quero ficar boa e tô lutando. Deixei todas as coisas prá lutar pela
minha saúde e eu creio que vou conseguir, tá? Que as pessoas que possam, que
venham a ouvir esta fita né, não sei porque ela tá sendo gravada ou prá que... eu sei
uma coisa que ainda... quando há vida, há esperança de muita coisa. Então, esperança
da gente lutar prá chegar ao objetivo, né? Quer dizer, se a gente não lutar, esperar que
alguém lute pela gente, não vai ter êxito. E eu digo assim, as pessoas que tiverem
passando por algum problema como esse, que lute, que tenha esperança e não tem
coisa melhor que a gente lutar e confiar em Deus. A minha confiança não tá no homem,
não tá no médico mas tá em Deus. Claro que Deus usa o homem, né? Mas toda minha
confiança tá em Deus. Se não for de Deus, se não for a vontade de Deus, não adianta o
homem lutar. Mas se não tivermos confiança em Deus, colocarmos todinha nossa
confiança ao homem, nós não temos êxito. As minhas palavras...”
137 Maria Antonia (26/11/96-D.14)
-O que significou para você a perda do seu cabelo?
-“Prá mim foi horrível, né? É, nos dias eu fiquei muito nervosa é... mas agora já passou.
Quer dizer, eu não consigo usar peruca em casa, já coloquei peruca mas não gostei, não
me adaptei, aí vou usando esse bonezinho, entendeu? Espero de nascer um cabelo
bonito, né? (risos). Assim as meninas aí me dão esperança, né”?
-Ele nasce. Quando terminar o tratamento ele vai voltar.
-“Se Deus quiser!”
-Você anda sempre de chapéu?
-“Sempre. As vêzes eu boto bonezinho em casa e chapeuzinho assim prá sair. Achei
mais elegante prá mim (ri). Peruca eu não gostei. Vou ver se depois... com o tempo, né?
Que tem duas... é a terceira aplicação que eu vou fazer, se vou me adaptar, entendeu?
Vou levando assim aos pouquinhos, mas prá sair mais eu tô usando o chapeuzinho
(silêncio).”
-Você disse que no começo foi horrível...
-“Pôxa, você vai lavar a cabeça, saindo aquelo monte de cabelo, né? Você perdendo
cabelo, fica angustiada, né? Dá uma sensação muito estranha (ri). Você em frente ao
espelho, né? E eu tinha muito cabelo... mas agora já tô acostumando mais.”
-O chapéu resolveu prá você?
-“É prá mim resolveu. Tô satisfeita (ri). Lavo, coloco de novo, tem dia que e boto um
branquinho, outro dia esse azulzinho, listadinho, varia de chapéu, né? Comprei uma
porção... Mas tô bem, tô bem, graças a Deus.”
138 Margarida (26/11/96-D.15)
-O que significou para você a perda do seu cabelo?
-“A gente não gosta, né? Claro. Mas eu já tava esperando, sabe? Aí, fiquei assim, coisa
assim, um pouquinho prá baixo mas... aí, minha nora, meu filho me levaram, compraram
esta peruca prá mim, né? Tô levando numa boa. Eu quero é melhorar meu estado de
saúde, que eu acho que é mais importante que a vaidade. Eu acho. Tá certo que
ninguém gosta de ficar esquisita e tudo, né? Mas eu quero em primeiro lugar a saúde,
depois vem a vaidade. Isso que eu quero”.
-Como foi isso prá você, perder o cabelo?
-“É como eu tô falando, não é? A gente não gosta, mas eu já sabia porque há nove
anos eu perdi uma nora. Quer dizer que eu acompanhei o drama todinho dela, eu tava
boa ainda, né? O dela foi um tumor na cabeça, foi horrível, foi pior. Quer dizer que eu vivi
aquilo ali, quer dizer que mais ou menos eu já sabia. E depois eu leio muito, escuto
muito, eu procuro me informar muito. Não é dizer que eu aceitei, gostei, que ninguém
gosta, mas prá mim...”
139 Sebastiana (27/11/96-D.16)
-O que significou para vcê a perda do seu cabelo?
-“Eu fiquei triste, né? Quando meu cabelo começou a cair... mas agora eu tô
conformada (silêncio).”
-Você tá de peruca?
-“Tô de peruca”.
-Como foi isso prá você, ficar sem o cabelo?
-“Ah, eu... fiquei triste mesmo, mas o que que a gente pode fazer? Se conformar
mesmo. Vai nascer outro, né?”
-Mas alguma coisa?
-“A gente tem que se conformar com isso tudo porque... que que a gente pode fazer... é
a vontade de Deus, né? Tem que ter paciência... ah! No começo eu fiquei desesperada,
fiquei mesmo. Chorei muito, fiquei nervosa, mas agora tô bem, tem que aceitar mesmo,
né?”
140 Elenice (27/11/96-D.17)
-O que significou para você a perda do seu cabelo?
-“Ah... fiquei muito, assim muito triste porque caiu muito rápido. Aí, fiquei muito
agoniada (ri). Aí é isso, fiquei muito nervosa porque caiu muito rápido.
-Ficou nervosa?
-É, caiu muito rápido, rapidinho mesmo. Agora não tem mais nada. Eu tinha muito
cabelo, aí caiu rápido. Mas antes deu operar mesmo, ele já tava caindo, depois que eu
operei e comecei a fazer, aí ele caiu de vez mesmo. Tô com uma coisinha a toa, bem
pouquinho.”
-E como tá sendo isso prá você?
-“Ah... tem que ... como é que se diz? Que... pacientemente tem que... isso é prá gente
mesmo, né? Isso foi feito prá gente, quer dizer que eu tenho que me conformar. A gente
se... se desesperar não posso. Desesperar não vai adiantar nada. Quer dizer que eu
tenho... a coisinha de vagarzinho prá vê até... quando chegar, eu tenho que chegar lá,
entendeu? Tenho que ficar bem. Toda a vida a gente não vai ficar assim, né? Tem que
ficar boa que aí... tem gente que fica mais... mas eu não fico muito desesperada não. Eu
me conformo, sabe?”
-Você tá sempre de lenço?
-“Não eu comecei a botar o lenço ontem. Tava caindo muito, aí eu comecei a botar
lenço.”
-Então agora você não tá mais desesperada?
-“Não, não. No início eu fiquei muito nervosa, mas agora não. Tô calma. Depois vai
nascer mesmo, né? Tem que nascer mesmo depois... tem que se conformar, é a vida,
né? Olha a moça como tá chorando! (mostra outra paciente). É pior, porque fica mais
nervosa”.
141 -O que chorar, a Sra. diz?
-“É, chorando fica mais nervosa, né? Eu acho, se chorar fica mais nervosa.”
142 Jarcira (28/11/96-D.18)
-O que significou para você a perda do seu cabelo?
-“Não importa não, eu aceito bem tudo que a vida me deu. Eu considero que a vida me
deu muito. Me deu um marido bom, dois filhos maravilhosos, então como a vida não
podia ser boa em tudo, ela me deu este problema de saúde. Eu aceito normal. Outro dia
eu fui na faculdade e eu tava sentindo um calor danado, aí falaram assim: tira o lenço. Eu
tirei, fiquei careca, sem lenço. Aí na... agora até eu tô andando, mas não é nem por
minha causa, mas por causa dos meus filhos que falou assim: mãe, tá tudo prá cima
assim, tudo levantado, ou raspa ou bota! Aí, peguei e botei o lenço novamente, mas não
importo muito não. Nem o cabelo, nem o seio... eu queria sim, se Deus permitir, que me
desse... apesar de eu não ser católica, não ser de nenhuma dessas religião, se ele
deixasse que eu vivesse mais uns anos, prá mim fazer alguma coisa que eu planejei.
Mas se não vier, até a morte eu aceito bem (chora)... agora eu vou chorar, porque
quando eu falo, as vêzes eu me emociono, mas quando eu acabo de falar aqui, aquilo
passou prá mim, acabou. Eu não fico lamentando, nem reclamando, nem chorando prá
nada que eu perdi na vida (chora)... eu suporto bem, quando falo, as vêzes, aí eu me
emociono. Mas passou daquilo ali, tudo bem (chora). Porque eu... olha eu tinha formado,
morava em Minas, eu lecionava. A coisa que eu mais gosto é de lecionar. Aí, quando eu
mudei prá aqui, eu tive que abandonar lá prá poder viver aqui, porque a vida ficou muito
difícil prá mim e meu salário não dava prá adiantar... meu marido muito enjoado, por
causa das crianças... que tinha que ficar, não podia deixar as crianças sozinha... Aí os
filhos cresceram. Minha filha mais nova vai fazer quinze anos agora dia primeiro. Aí,
voltei prá aqui. Quando voltei, quando ajeitou a vida, que eu pensei assim: agora vou
procurar um trabalho, a minha mãe adoeceu de câncer também. E morreu assim num
estadao lastimável... Quando minha mãe morreu, passou... aí eu comecei a estudar, fui
prá UERJ, fui fazer Geografia. Fiz o 1o período, aí me apareceu esse problema. Eu
143 continuei, eu ia formar agora, só não vou porque não consegui fazer a matemática.
Porque quando eu faço a quimioterapia, eu fico com a cabeça muito ruim. Mas estas
coisas que eu perdi, cabelo, mama, não importa muito não (silêncio).”
-Quer conversar mais?
-Posso converssar, mas desliga o gravador prá não, gastar sua fita.
-Não importa...
-“Aceito bem o que a vida me deu. Acho assim... e nem fico rezando todo dia, pedindo e
coisa, porque todo mundo... pode acontecer alguma coisa nessa vida. Ou você vai viver
bem a vida toda ou vem uma doença, alguma outra coisa. E se Deus te mandou aquilo,
se você não aceitar, você vai viver uma pessoa revoltada, vai prejudicar todo mundo que
tá do seu lado, todo mundo que você gosta e você mesmo. Então o melhor é aceitar, não
perturbar todo mundo. Já pensou se eu não aceitar? Atrapalho a vida dos meus filhos,
eles não vão conseguir estudar. Eu tenho um filho que é uma maravilha. Brigo muito com
ele, ele tem o mesmo defeito que eu tinha quando era criança: malcriado. Aí, ele tá
fazendo o 2o grau no Pedro II, ele sempre teve as melhores notas, ele ficou na turma
especiais e tudo, agora tá na segunda série, passou desde o 3o bimestre. Eu acho assim
se... a minha filha também é boa sim. Ele estuda... só que ela não é tão boa de estudo
quanto ele. Ela tem que sacrificar mais, bater mais. Ela é assim uma filha que não
preciso preocupar mais com a roupa prá passar, nem com a casa prá arrumar... de vez
em quando ela começa assim, aí eu vou: pôxa agora eu vou deitar, ninguém tá vendo
que não tô podendo! Aí, ela começa tudo de novo. Aí, eu tenho dois filhos bom. Se eu
ficasse louca da vida, eu vou atrapalhar a vida deles, reclamando cabelo que perdi,
mama que perdi... Teve sua serventia na hora certa. Também eu já não era tão bonita
(ri). Dava muito trabalho, ele não faz muita falta não.”
144 Margareth (28/11/96-D.19)
-O que significou para você a perda do seu cabelo?
-“Bom Teresa, prá mim foi triste e quando eu pentiei que veio caindo todo, todo meu
cabelo, que eu sou muito cuidadosa, não é? Bem tratada... foi muito triste, muito
deprimente. Mas graças a Deus eu reagi bem, né? Gostaria que esse tratamento não
fosse assim tão desgastante, que é prá todos, né? Você tem que ter uma cabeça legal,
bem esclarecida, é difícil, muito difícil (silêncio).”
-Como foi isso prá você, estar sem o cabelo?
-Estar sem o meu cabelo? Como vou dizer prá você... (silêncio). É... não tem resposta,
toda resposta. É deprimente, é isso. Estar sem o meu cabelo. Não queira imaginar, quem
passa é que sabe. Quem realmente está passando, vivendo... a cada dia cresce um
pouquinho, depois cai. Aí, eu procuro, eu procurei fazer o seguinte: é não olhar tanto.
Então eu ponho uma meinha, uma meia calça, né? Eu, eu cortei e ponho debaixo da
peruca. Então, automáticamente, eu tiro a peruca e a meinha fica. Prá hora do banho né,
é a mesma coisa. Então eu não vejo, não olho. Então, a gente vai levando.”
145