Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012
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O GALATEO DE GIOVANNI DELLA CASA E A FORMAÇÃO DO
HOMEM MODERNO
RODRIGUES, Divania Luiza (UEM)1
OLIVEIRA, Terezinha (UEM)2
Agência financiadora: Fundação Araucária
Neste texto objetivamos situar alguns aspectos relativos à contribuição da obra
Galateo ou Dos costumes (1558), de Giovanni Della Casa (1503-1556), para a educação
dos homens no contexto do século XVI. Para tanto, primeiramente, situamos a
importância da obra como um clássico, que influenciou a formação do homem moderno
e, depois, pontuamos questões relativas às transformações sociais presentes no século
XVI e que repercutiram na elaboração de novas regras de comportamento, expressas em
manuais e tratados como o Galateo.
Notamos que pela leitura do passado, dos clássicos, buscamos elementos para
compreender o homem em sociedade. A história nos auxilia na compreensão das
transformações de nossas ações, em que buscamos o passado com perguntas do
presente. Assim, pensamos que a leitura do Galateo pode auxiliar na compreensão da
educação dos homens do século XVI - situados em um tempo e um espaço específico.
Por outro lado, no presente, a obra nos ensina a pensar na necessidade de definição de
regras, de clareza em planejar a educação de modo que atenda a formação do homem
para a vida em sociedade. Desse modo, concordamos que o caráter histórico das obras
clássicas se expressa por elas “[...] traduzirem o movimento da sociedade em sua
profundidade mais recôndita que nos fazem pensar em nós mesmos, por mais afastada
que estejam do tempo e, como diz Braudel, das borrascas em que vivemos”
(LEONEL,1998, p. 88).
1 Aluna do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPE) - Doutorado em Educação, da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Bolsista do Programa de Capacitação Docente das Instituições Estaduais de Ensino Superior pela Fundação Araucária. 2 Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPE) - Doutorado em Educação, da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
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Sabemos que a repercussão de um clássico no tempo se deve a intensidade com
que atinge as questões humanas, ou seja, a presença da humanidade, ou ainda, em que
medida ele nos permite refletir as questões/problemas humanos. Por isso, por exemplo,
as obras de William Shakespeare (1564-1616) e de Anton Tchékhov (1860-1904), são
lidas, encenadas no teatro e transpostas pelo cinema, ainda hoje, em diferentes países.
Neste contexto, podemos situar Giovanni Della Casa, com o seu Galateo ou Dos
costumes, que vivendo em um contexto de transformações sociais, pensa a educação
necessária para a formação do homem. Nunes (1980, p. 93) define o autor assim:
“Homem experiente, diplomata afeito aos costumes de cortes e palácios, letrado,
arcebispo de Benevento e núncio pontifício em Veneza, Giovanni della Casa esboça em
traços nítidos a figura do homem bem-educado, equilibrado e sensato [...]”.
O nascimento de Giovanni Della Casa consta de 28 de junho de 1503, em
Mugello (ou Florença), na Itália. Mais tarde viveu em Roma e, em Bolonha, fez seus
primeiros estudos. A trajetória de Della Casa é marcada pela vida religiosa, poética,
política e educacional. Formado em Direito, em Bolonha, no ano de 1525, conheceu
Pietro Bembo (1470-1547), um dos maiores poetas do período, com quem, em 1527,
estreitou laços e publicou poemas em Pádua (PÉCORA, 1999). Mesmo formado em
Direito, Della Casa passou a dedicar-se aos estudos literários. Foi poeta e tradutor. Em
Bolonha conheceu importantes nomes ligados à literatura e à poesia humanista, tais
como: Ludovico Beccadelli, Carlo Gualteruzzi e Alfonso Ariosto (MILANINI, 2010).
Em Roma, no ano de 1529, fundou a Accademia de’ Vignaccioli e em 1541, em
Florença, entrou para a Accademia Fiorentina. Neste mesmo ano, atuou na educação
dos filhos de sua irmã Dianora com Luigi Rucellai. A tradição atribui que o tratado
Galateo foi dirigido e tem como interlocutor um desses filhos: Annibale Rucellai
(DELLA CASA, 1999). Quanto ao título Galateo – forma latina de Galeazzo - é
atribuído como homenagem ao bispo de Sessa, que encomendou a redação do tratado:
Galeazzo Florimonte (1478-1567), teólogo, comentarista de Aristóteles e um dos quatro
juízes do Concílio de Trento3 (PÉCORA, 1999, p. 3).
3 Nunes (1980, p. 102-103) explica que o Concílio de Trento ocorreu no período de 1545 a 1563 e objetivou definir a doutrina católica e a condenação das heresias protestantes, a reforma dos costumes e a disciplina dos eclesiásticos. Dele decorreram decretos que prescreveram reformas, as quais demoraram
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Com relação à vida religiosa e política, Della Casa, em 1529, comprou título
clerical e em 1537, obteve ofício de clérigo da Camara Apostolica. Mais tarde, no ano
de 1544, tornou-se arcebispo de Benevento e, depois, núncio pontifício em Veneza, em
que permaneceu até o ano de 1550. Neste último, teve como função política levar
Veneza a participar da “[...] liga de príncipes italianos contra a Espanha de Carlos V e
receber em seu território o tribunal da Inquisição, com seu primeiro Indice dei libri
proibiti4” (PÉCORA, 1999, p. 34).
A escrita do Galateo foi iniciada em 1551 (ou 1552)5, quando Della Casa
encontrava-se na abadia de Nervesa, na Marca Trevigiana e completada em 1555, ano
em que o autor aceita o convite de Paulo IV para Secretário de Estado. Em 1556, o
autor adoece, retira-se em Montepulciano e falece em 14 de novembro. A primeira
publicação, com o título Galateo ou dos costumes (Galatheo, ò vero de’ costumi)
ocorreu em Veneza, dois anos após a morte de Giovanni Della Casa - em 1558 - quando
seu secretário Erasmo Gemini De Cesis, com Carlo Gualtieruzzi, organizou os escritos
em uma coletânea (DISTANTE, 1999; PÉCORA, 1999).
No texto de Galateo, o autor se apresenta pela pessoa de um velho rústico –
narrador - que orienta um jovem discípulo [sobrinho Annibale Rucellai] a comportar-se
educadamente e a evitar certos modos na sociedade. O rústico oferece ensinamentos a
partir da experiência que acumulou trabalhando em cortes de grandes senhores. A obra
o Galateo ou dos Costumes trata de princípios educacionais básicos aos homens que
queiram viver bem em uma sociedade. Trata da necessidade da aprendizagem de novas
regras e de disciplinar os comportamentos dos homens para uma nova ordem social, que
emergia no século XVI.
Nesse sentido, com relação ao século XVI, muitas transformações ocorreram,
marcando o fim da Idade Média e início da Idade Moderna. Neste momento histórico há
demanda por um novo homem, portanto, uma nova forma de educação. Essas
um longo tempo para se efetivarem como prática no mundo católico. No Catecismo Romano foram compiladas as doutrinas da Igreja, o qual se tornou um verdadeiro tratado de pedagogia. 4 O Index librorum prohibitorum, de 1564, indicava e proscrevia os livros considerados heréticos ou imorais. Foi abolido pelo Concílio Vaticano II (NUNES, p. 103). 5 Há divergências relativas à data de início da elaboração da obra O Galateo. Na Enciclopédia Britânica Online consta “Escrito entre 1550 e 1555 [...]”. Em Distante (1999, p. 8) encontramos “[...] foi escrito entre 1551 e 1555 [...]”. Em Tanaka e Oliveira (2001, p. 1618) “[...] foi escrito em 1552 [...]”. O ano de 1552 aparece na cronologia apresentada na versão brasileira (DELLA CASA, 1999).
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transformações não ocorreram de imediato, mas percorreram um longo tempo. O
desenvolvimento do comércio e o crescimento das cidades favoreceram novas
possibilidades de contatos, de estudos – da cultura greco-romana - e de novos modos de
pensar ao homem.
Na Europa, dos séculos XV e XVI, há um grande desenvolvimento no campo
intelectual, artístico e literário, denominado pelos historiadores de “Renascimento”.
Nunes (1980, p. 1) destaca dois fatores principais que marcaram o “fato histórico do
Renascimento”. O primeiro resultou de uma diversidade de elementos, como:
[...] grandes transformações econômicas e sociais, os descobrimentos marítimos e a formação dos impérios coloniais, surgimento de nova arte, aparecimento do humanismo e da ciência moderna, e a crise religiosa que levou à revolução protestante e à reforma católica (NUNES, 1980, p. 1).
O segundo fato, é que o Renascimento foi um fenômeno essencialmente italiano.
A Itália foi o “palco” primeiro do movimento renascentista que, depois, propagou-se por
outras nações européias. Isso ocorreu pois,
A Itália fora a sede do Império Romano do Ocidente e a terra nativa da língua latina. Durante o século XIV, em conseqüência da renovação cultural anterior, do progresso e do enriquecimento das cidades italianas, surgiu e afirmou-se a consciência da identificação dos italianos com os antigos romanos, e essa tomada de consciência era propiciada e facilitada pelos vestígios materiais da passada civilização romana e pelos venerandos monumentos que se espalhavam pelas cidades italianas (NUNES, 1980, p. 1-2).
O Renascimento italiano se constituiu em um período fundamental para a Idade
Moderna. Para Distante (1999, p. 8) “Nada se explica do mundo moderno sem o
Renascimento italiano”, um “[...] período revolucionário que alçou a humanidade da
Idade Média ao mundo moderno”.
Em um momento marcado por grandes transformações, o desenvolvimento da
ciência coloca em contradição a religião, que é própria do período medieval. Dentre
essas mudanças, destacamos a passagem do “[...] geocentrismo ptolemaico ao
heliocentrismo copernicano e galileano” (DISTANTE, 1999, p. 8-9), o que altera a
posição do homem no mundo e a imagem que ele faz desse universo.
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Para Oliveira e Albuquerque (1981) o desenvolvimento da Astronomia, neste
momento, permite ao homem saber que a Terra não é o centro do universo; na Medicina
o corpo humano é estudado e o desequilíbrio de suas leis próprias é visto como causa
das doenças, afastando a idéia de relações diretas com forças ocultas ou castigo divino;
a Matemática é usada sistematicamente como instrumento de pesquisa, cuja
generalização permite a integração de vários campos científicos. No entendimento
desses autores, o domínio do homem sobre a natureza é ampliado, marcado pelas
possibilidades de comércio e conhecimentos abertos pelas novas técnicas de navegação,
bem como pelas descobertas clássicas da bússola, da pólvora e da imprensa. Assim,
ciência e técnica estão mais voltadas para o homem enquanto ser natural e não enquanto
resultado da intervenção divina (OLIVEIRA; ALBUQUERQUE, 1981).
É importante salientar que, neste momento de transformações, somados aos
progressos econômicos – como o aumento da riqueza e a importância da moeda – o
aspecto educacional e cultural foi fundamental. Isso porque o estudo dos clássicos e o
contato com os sábios bizantinos, bem como, a leitura de autores gregos e latinos
determinaram a “[...] projeção do ideal pagão da vida” (NUNES, 1980, p. 2). Com a
crise religiosa, nos séculos XIV ao XVI ocorreu uma renovação espiritual por parte das
instituições religiosas, no entanto, segundo Nunes (1980, p. 2), o “[...] ideal pagão da
existência se converteu em projeto de vida e em vivência real para muitas pessoas,
especialmente, as mais ricas e mais cultas”. Esses exemplos de costumes paganizados
refletiram-se também no modo de vida das camadas mais pobres.
Nunes (1980) e Distante (1999) concordam que o Renascimento italiano marca
uma mudança de olhar do homem. A cultura da religiosidade presente na Idade Média,
em que em várias situações da vida, “para além das aparências” o homem voltava seu
olhar para Deus, no Renascimento, os homens começam a olhar as aparências das
coisas, desviando-se da Face divina. Neste momento de transição, Nunes (1980, p. 4)
explica os motivos das mudanças comportamentais dos homens na época do
Renascimento.
No Renascimento houve um desvio do olhar dos homens que trocaram a contemplação de Deus pela das coisas humanas, a crença no céu pela exclusiva fixação das belezas da natureza; a meditação dos mistérios
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cristãos pelo estudo dos fenômenos, e o doce e sereno enlevo das realidades espirituais pelo gozo fementido e único dos prazeres carnais (NUNES, 1980, p. 4).
Observamos que as inovações ocorridas no período renascentista influenciaram a
mudança de olhar do homem e, em parte, uma grande crise da Igreja, no século XVI,
marcada pela Reforma Protestante. A Reforma indicava, para além da crise religiosa, as
alterações sociais e econômicas que geraram muitas lutas na Europa (ARANHA, 2006).
Com relação ao período de protesto que a igreja enfrentou citamos Feracine (1998, p. 7)
que afirma:
De repente, aquele mundo novo está ameaçado pela iminência da catástrofe. É que eclodira a Reforma liderada por Lutero e a unidade da civilização do continente europeu corria o risco de sofrer rupturas irreparáveis, podendo mesmo levar de roldão todo aquele projeto de humanismo (FERACINE, 1998, p. 7).
Em reação à expansão protestante, a Igreja desencadeou várias ações para
recuperar o seu poder, com a denominada Contra-Reforma. Dentre as ações da Igreja
estavam o incentivo à criação de seminários e ordens religiosas – como a Companhia de
Jesus6 (1534) - e a criação e ampliação de escolas. Neste momento, percebemos o
grande enfoque na educação, pois tanto a Igreja quanto os protestantes, com objetivos
específicos, buscaram se fortalecer na ação pedagógica. Pela educação, a Igreja buscou
a preservação dos ideais católicos e os protestantes, por sua vez, a superação destes e a
expansão de um novo ideal de homem.
O tratado Galateo foi escrito por Della Casa no período da Contra-Reforma.
Neste aspecto, destacamos que as dificuldades enfrentadas pelo autor estão em tratar do
tema, da educação do dirigente, do lado de quem está perdendo poder neste momento: A
Igreja. Della Casa, como representante da Igreja, manteve-se fiel aos princípios cristãos
e utilizou desse conhecimento para fortalecer esta instituição.
Vale dizer que a Itália, no início da Renascença, estava dividida em pequenos
estados independentes (a maioria repúblicas). Todavia, no século XVI, o cenário se
6 Para Nunes (1980, p. 108) a Companhia de Jesus, criada em 1534 por Santo Inácio de Loiola, foi a “[...] Ordem religiosa que mais atuou no campo da educação devido às suas concepções, ao método pedagógico, à quantidade de escolas, ao número de professores, às iniciativas, ao brilho excepcional e ao fervor religioso [...]”.
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modifica com a intervenção da França e da Espanha e da política expansionista das
repúblicas mais fortes. “A hegemonia política ficou dividida entre os ducados de Milão,
as repúblicas de Veneza e Florença e os Estados da Igreja” (TOTA; BASTOS, 1993, p.
68). Nesse momento de crise na Itália, de não centralização do poder, Della Casa está
preocupado com a formação do dirigente.
As transformações ocorridas na vida política, social, moral e intelectual – o que
caracteriza uma verdadeira revolução - são geradoras de instabilidade e demandam o
encontro de novas regras que disciplinem a vida e “proporcionem uma nova ordem
estável”. As novas regras, neste caso, determinam uma nova ordem e estabilidade à
vida. Por isso, Distante (1999) caracteriza o Renascimento italiano como o período
histórico de “triunfo das regras”, em que
[...] mesmo sendo um período histórico revolucionário, foi também um período marcado pelo nascimento das regras, que são, em todos os sentidos, a base daquele a que chamamos mundo moderno, que historicamente vai da descoberta da América (1492) até o século XIX, à exceção de alguns elementos originários do Barroco e do Romantismo (DISTANTE, 1999, p. 9).
O controle dos comportamentos e as normas de civilidade, segundo Chartier
(2004), marcaram o século XVI, como condição para assegurar a disciplina, a hierarquia
e a ordem social.
O controle social, segundo Revel (1991) é feito pelas formas educativas, em que
os manuais de civilidade prescrevem os valores corporais e o sistema dos
comportamentos sociais. Neste sentido, a finalidade pedagógica desses tratados coincide
no objetivo de expor e ensinar as maneiras legítimas. No entanto, segundo Revel (1991,
p. 170) os tratados e manuais “[...] realizam esse projeto de modos bem diversos,
segundo a importância que atribuem às regras de conduta, segundo o público a qual se
destinam, segundo as formas de aprendizagem que sugerem”.
É importante ressaltar que o século XVI é marcado pela escrita e publicação de
manuais e tratados de civilidade em toda a Europa. Um exemplo bastante expressivo é a
obra A Civilidade Pueril (1530) de Erasmo de Rotterdam (1466/69-1536), um tratado
didático que por três séculos garantiu “[...] à pedagogia das ‘boas maneiras’ sua mais
ampla difusão social” (REVEL, 1991, p. 171). No contexto italiano, citamos O Príncipe
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(1513), de Maquiavel (1469-1527), um tratado de regras políticas; Prosas da língua
italiana (1525) de Pietro Bembo (1470-1547), um tratado de normas lingüísticas e
gramaticais (DISTANTE, 1999); O Cortesão, de Baldassare Castiglione (1478-1529),
publicado em 1528 - “traduzido para todas as línguas da Europa”– foi por dois séculos
a leitura destinada a disciplina e ao refinamento da sociedade cortesã (REVEL, 1991, p.
192). O Galateo (1558) de Giovanni Della Casa - que trata das regras do bom
comportamento social - fecha um ciclo, visto que “[...] marca cronologicamente o
encerramento, grosso modo, dos grandes tratados da Renascença italiana, os quais
tinham por finalidade ditar as regras que deveriam ser seguidas pelas pessoas para se
fazerem apreciar durante a vida”. (DISTANTE, 1999, p. 7 - grifos do autor). Quanto a
fecundidade de escritos pedagógicos no século XVI e a relevância dos autores italianos,
Nunes (1980, p. 93) afirma que “[...] os seus autores nada mais fizeram que parafrasear
e desenvolver os temas propostos e tratados pelos educadores italianos dos séculos XV
e XVI”.
Com relação ao Galateo, Distante (1999, p. 10) nos lembra que Della Casa não
tinha como objetivo, no tratado fazer um estudo profundo dos problemas humanos.
Nunes (1980, p. 93) concorda que “Della Casa não teve a pretensão de escrever obra
moral, mas quis apenas ensinar os preceitos mais comezinhos da boa convivência
social”. No entanto, continua Distante (1999, p. 10), a importância do tratado reside
nesta proposta modesta, cuja intenção era “[...] de disciplinar, pode-se dizer até
hedonisticamente, o comportamento cotidiano de uma pessoa que quisesse ser bem
aceita socialmente”. Mas, quais são as regras de comportamento propostas no Galateo?
Na figura do velho rústico, que possui uma experiência de passar por vários
lugares, Della Casa, se propõe a iniciar a educação do jovem interlocutor – de “tenra
idade” e de “nobre família” - de modo que evite os erros e mantenha-se reto em seu
caminho.
Contanto seja que tu começas só agora essa viagem da qual já percorri, como vês, a maior parte, isto é, a desta vida mortal, e tendo-te grande afeição, como tenho, propus a mim mesmo mostrar-te os vários lugares onde, como alguém que os experimentou, temo que, caminhando por eles, pudesses facilmente cair ou errar, a fim de que, instruído por mim, possas manter o reto caminho com cuidado de tua
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alma e com louvor e honra da tua honorável e nobre família (DELLA CASA, 1999, p. 3-4).
Inicia a instrução por aquilo que, muitos poderiam considerar “frívolo”, mas que
estima “[...] ser conveniente para ser educado, agradável e de boas maneiras ao
comunicar e tratar com toda gente” (DELLA CASA, 1999, p. 4). Para o autor, esta
educação que se caracteriza, principalmente, pelos modos e pela fala, assemelha-se à
virtude e tem valor igual ou superior a de uma pessoa que possui elevados e nobres
modos. Desse modo escreve:
E embora ser liberal, constante ou magnânimo seja por si, sem dúvida alguma, coisa maior e mais louvável do que ser gentil e educado, talvez a docilidade dos costumes e a conveniência dos modos, das maneiras e das palavras não tragam menos vantagem aos que as possuem do que a grandeza de ânimo e a confiança em si aos que possuem a estas (DELLA CASA, 1999, p. 4).
Para o autor do tratado, ser gentil e educado constitui-se em um exercício diário,
em que os pequenos modos requerem mais zelo do que os grandes, como a justiça e a
fortaleza, que são usados com menos freqüência.
Isto porque convém que aquelas sejam exercitadas todos os dias muitas vezes, sendo necessário a cada um tratar com os outros homens todos os dias e todos os dias conversar com eles; mas a justiça, a fortaleza e outras virtudes mais nobres e maiores são colocadas em ação mais raramente; tampouco o generoso e magnânimo é obrigado a agir toda hora magnificamente, ao contrário, não há quem possa fazer isso de um modo muito freqüente; e, igualmente, os homens impetuosos e confiantes raras vezes são obrigados a demonstrar seu valor e virtude com obras. Portanto, quanto estes por grandeza e quase por peso vencem aqueles, tanto aqueles, em número e em freqüência, ultrapassam estes (DELLA CASA, 1999, p. 4-5).
Della Casa valoriza os modos gentis entre os homens, em contraposição aos
modos rudes, como condição essencial para a vida em sociedade. Assim, afirma; “E se
os modos agradáveis e gentis têm força para provocar a benevolência daqueles com os
quais convivemos, os modos boçais e rudes, ao contrário, incitam os outros a nos odiar e
desprezar” (DELLA CASA, 1999, p. 5). Para o autor, a vida em sociedade, na cidade,
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requer a polidez no trato entre os homens, uma vez que, uma pessoa não educada pode
causar repúdio tanto quanto a pessoa malvada.
[...] ocorre que a maioria das pessoas odeie tanto ou mais os homens desagradáveis e aborrecidos do que os maldosos. Por isso, ninguém pode duvidar que, a qualquer um que se disponha a viver não na solidão ou nos ermitérios, mas nas cidades e entre os homens, não seja utilíssima coisa saber se conduzir, nos costumes e nas maneiras, de modo gracioso e agradável (DELLA CASA, 1999, p. 5-6).
Um comportamento considerado importante na educação do homem, pensado
por Giovanni como um princípio que percorre todo o texto, reside no prazer alheio: “[...]
convém fazer do desejo do outro o próprio prazer” (DELLA CASA, 1999, p. 22). Isso
consiste em agradar na conversação e no trato “o outro”, a companhia, o que deve ser
tomado como prioridade.
[...] deves saber que convém temperar e ordenar os teus modos, não segundo o teu arbítrio, mas segundo o prazer daqueles com quem tratas, e a ele dirigi-los. [...] pois quem por demais se deleita em secundar o prazer alheio na conversação e no trato parece antes bufão, bobo, ou porventura adulador, do que gentil-homem educado; assim como, ao contrário, quem não se preocupa com o prazer ou o desprazer alheio, é grosseiro, mal educado e deselegante (DELLA CASA, 1999, p. 6).
Para Pécora (1999) o critério de civilidade e boa educação segundo o costume do
grupo ou da companhia, presente na obra de Della Casa, constitui numa das mais
importantes formulações da Itália moderna. A obra enuncia uma indistinção entre moral
e costumes. Este fato, segundo o autor, em termos retóricos indica “[...] um marco nas
releituras católicas do período”. As leituras amparadas nas reflexões éticas de
Aristóteles entendiam a virtude moral como resultado de bons hábitos, que adquiridos e
praticados em longo prazo se efetivariam como virtude. Esse critério ultrapassa as
formulações platônicas, uma vez que, “[...] pensa-se a retórica em relação aos hábitos
que ordenam a vida civil e moral das pessoas, em diversos tempos, lugares e modos”
(PÉCORA, 1999, p. 23). Assim, a adoção de hábitos considerados bons em relação à
companhia indica um comportamento adequado e aceito na ordem social.
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Na educação do gentil-homem, além dos modos gentis, há recomendação de se
evitar modos que aborreçam os sentidos e a imaginação da companhia. Assim, é preciso
evitar a ação suja, fétida e nojenta, bem como os modos que levem a recordação de tais
atos pelos sentidos. Dentre os atos que devem ser evitados estão: colocar “[...] as mãos
em qualquer parte do corpo quando o queiram”; “[...] preparar-se para as necessidades
naturais diante dos homens”; mostrar e oferecer coisas repugnantes aos companheiros,
ranger os dentes, assobiar, causar sons desagradáveis, como atritar e friccionar pedras e
ferro, cantar de forma desarmônica, tossir e espirrar alto e bocejar (DELLA CASA,
1999, 7-8).
Ao ato de bocejar, o autor considera que deve ser evitado por muitos motivos. O
homem educado deve evitar o bocejo em som alto e, com a boca aberta, tentar falar,
pois causa aborrecimento para quem o vê e ouve. O bocejo pode indicar, também, certo
aborrecimento ou tédio ou descaso ou pouco agrado com a conversa da companhia. Esse
costume deve ser evitado, ainda, pois estimula que pessoas ociosas o façam e oferece
um indício ruim da pessoa que pode ser considerada desanimada e sonolenta.
Outro ato repugnante que ofende os sentidos da companhia, que segundo Della
Casa (1999, p. 9) além de tornar a pessoa que o pratica menos amada, pode causar
desarmonia caso alguém a ame, é o de assoar “[...] aquilo que tu tiveres no nariz, abrir o
lenço e guardá-lo dentro, como se pérolas ou rubis tivessem descido de teu cérebro
[...]”. Em outra passagem afirma: “Não ofereças teu lenço, ainda que esteja lavado, a
ninguém, pois aquele a quem tu ofereceres, não o sabe e poderá ter nojo” (DELLA
CASA, 1999, p. 14). Nestas duas passagens do texto vemos referência ao uso do lenço.
A ação de assoar o nariz no lenço na presença da companhia é aqui considerada como
“má educada”. Segundo Elias (1994) o desenvolvimento e necessidade de uso do lenço -
este instrumento tão simples nos dias de hoje - percorreram um longo tempo. Na Idade
Média, os homens assoavam o nariz nas mãos, assim como comiam com as mãos. Esta
regra, restrita à mesa, foi alterada por consideração ao outro. Assim, se assoava o nariz
em uma das mãos, na outra pegava-se o alimento. No fim do século XVI poucas pessoas
possuíam o lenço, pois eram caros e preciosos. “O uso do lenço – como o do garfo –
surgiu primeiro na Itália e se difundiu devido ao seu valor de prestígio” (ELIAS, 1994
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p. 152). Este comportamento expressa o desenvolvimento do processo civilizador, em
que determinados comportamentos se agregam como necessidade aos homens.
No tratado, são descritos muitos outros modos inadequados que precisam ser
evitados pelo homem que queira se apresentar como gracioso e agradável e, ao mesmo
tempo, orienta sobre “[...] a conduta conveniente em reuniões, nas festas, à mesa, em
conversas e apresenta minuciosamente o rol de preceitos higiênicos e de normas de
civilidade (NUNES, 1980, p. 93). Para Della Casa, no momento da conversação na
presença da companhia deve-se evitar: dormir à vontade, levantar-se e andar pelo salão,
se mexer, espreguiçar-se, tirar do bolso e ler uma carta, cortar as unhas, cantarolar,
balançar os dedos e as pernas, dar as costas à pessoa que fala e cutucar outros. Neste
ponto, ressalvados os possíveis anacronismos, esta passagem muito que lembra cenas e
comportamentos atuais apresentados por alguns alunos dos mais variados níveis de
escolaridade em relação aos que falam ou ensinam. Onde se lê “tirar do bolso e ler uma
carta”, poderíamos pensar em “tirar do bolso e da bolsa os aparelhos celulares e laptops
que são constantemente consultados”, de modo que as mensagens e as informações ali
consultadas parecem revelar maior urgência e importância que o conhecimento
ensinado.
Nesses comportamentos relativos às funções corporais presentes na obra de
Della Casa - e de Erasmo – são indicativos do processo de transição no século XVI.
Segundo Elias (1994, p. 94) a referência às questões corporais estavam presentes
também na Idade Média, todavia se apresentam, neste contexto, enriquecidas “[...] pela
observação, pela consideração ‘aos que os outros podem pensar’”. Compartilha deste
argumento Revel (1991, p. 169) quando afirma que a linguagem dos corpos “[...]
destina-se aos outros, que devem poder captá-la. Ela projeta o indivíduo para fora de si
mesmo e o expõe ao elogio ou à sanção do grupo”. O processo de mudança no
comportamento das pessoas é entendido por Elias (1994) da seguinte forma:
A tendência cada vez maior das pessoas a se observarem e aos demais é um dos sinais de que toda a questão do comportamento estava, nessa ocasião, assumindo um novo caráter: as pessoas se moldavam às outras mais deliberadamente do que na Idade Média (ELIAS, 1994, p. 91).
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Para este autor, a realidade do século XVI é marcada por uma aparente
contradição, em que comportamentos considerados medievais se misturam a
comportamentos atuais. A dificuldade reside na aferição desse estágio, em que a
conduta e seus códigos encontram-se num movimento lento. Os livros de boas maneiras,
neste sentido, auxiliam com informações de aspectos particulares desse movimento, em
especial os modos à mesa. Os tratados e manuais, para Elias (1994, p. 95) tem uma
função histórica, pois mostram “[...] o padrão de hábitos e comportamento a que a
sociedade, em uma dada época, procurou acostumar o indivíduo”. São ainda
instrumentos de modelação e de adaptação do indivíduo aos comportamentos que a
sociedade julga necessários e mostram a divergência do que era considerado boas ou
más maneiras.
Quanto aos modos à mesa, o tratado faz referência aos homens que parecem
devorar a comida no lugar de comer são semelhantes a porcos, pois
[...] inteiramente entregues com o focinho na sopa, sem nunca levantar o rosto e nunca tirar os olhos e muito menos as mãos dos alimentos, com ambas as faces inchadas, como se soassem uma trompa ou assoprassem o fogo [...] Os quais, lambuzando as mãos até quase o cotovelo, reduzem a tal situação o guardanapo que os trapos das latrinas são mais limpos? (DELLA CASA, 1999, p. 13)
Para o bispo italiano, esses homens deveriam ser privados de conviver com os
homens educados. No entanto, Della Casa, não exclui esse sujeito que não apresenta
bons modos, mas ensina como deve se comportar.
O homem educado deve portanto evitar lambuzar os dedos de modo que o guardanapo não fique emporcalhado, pois isso é repugnante de se ver. Também esfregá-los no pão que deve comer não parece um costume polido (DELLA CASA, 1999, p. 13).
No tocante ao comportamento à mesa, observamos, nesta transcrição, um
exemplo de como aos poucos ocorre uma mudança no comportamento das pessoas.
Notamos que a limitação em comer o alimento com a mão e o uso do guardanapo indica
a preparação para um comportamento que se tornará costumeiro, no século XVIII, pela
“sociedade burguesa civilizada” (ELIAS, 1994). Elias (1994) salienta sobre a
dificuldade em precisar as transições de uma fase a outra. No entanto, assinala que nos
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séculos XVI, XVII e XVIII há uma fase de mudança para um comportamento mais
refinado à mesa em relação ao hábito de comer com as mãos, presente no florescimento
da sociedade feudal e cortês. Os talheres são em número limitado, o garfo é conhecido,
mas com a função limitada de tirar o alimento de um prato de servir comum. “E tal
como o lenço, o guardanapo já aparece, ambos ainda – sinal de transição – como
guarnições opcionais, e não necessárias: se tem lenço, dizem os preceitos, use-o, em vez
dos dedos” (ELIAS, 1994, p. 115).
Observamos, ainda com relação à transcrição, que esta atitude de orientar o
homem para determinados comportamentos que ele ainda não possui sinaliza uma
mudança de caráter social e educacional. O homem “não educado” não é excluído das
relações, mas é tratado com tolerância, em que pela sutileza, pela cortesia, se ensinam
novas formas de comportamento. Esse processo se qualifica pela civilidade, em que o
homem que não possui boas maneiras, pode ser corrigido sem constrangimentos e
bondosamente (ELIAS, 1994).
Neste ponto, exemplificamos com a história contada pelo velho rústico, quando
se identifica como o Galateo. Trata-se do caso do Bispo de Verona, senhor Giovanni
Matteo Giberti (1495-1543) conhecido por sua sabedoria e erudição, que recebeu a
visita do nobre Ricciardo. Este homem se apresentou como gentil e de belas maneiras,
no entanto, um pequeno defeito foi observado pelo bispo em seu modo. Depois de
consultar algumas pessoas de sua intimidade, o bispo concluiu que o conde precisava
ser avisado do costume inconveniente. Para isso, convocou um “discreto familiar” - de
idade avançada, muito douto, agradável, eloqüente e de gracioso aspecto – o senhor
Galateo para acompanhar o duque em sua partida e cumprir a missão de ensinar
civilidade. Durante a viagem, antes da despedida, Galateo inicia sua missão dizendo ao
nobre homem:
[...] sois o mais elegante e o mais educado gentil-homem que o bispo jamais viu. Por isso, tendo ele atentamente observado vossas maneiras, examinando-as uma a uma, não encontrou nenhuma dentre elas que não fosse totalmente agradável e louvável, com exceção apenas de um ato destoante que fazeis com os lábios e a boca, mastigando à mesa com um estranho barulho muito desagradável de ouvir (DELLA CASA, 1999, p. 11-12).
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Quanto à instrução de não estalar os lábios quando se come, segundo Elias
(1994, p. 93), ocorria também no período medieval. No entanto, neste momento, mostra
não somente a importância do bom comportamento, mas “[...] a pressão que as pessoas
exercem reciprocamente umas sobre as outras”. Assim, a maneira polida e gentil de
corrigir alguém, especialmente por um superior, exerce um forte controle social, capaz
de surtir efeitos maiores na aprendizagem de hábitos duradouros que a ameaça e a
violência.
O ato de educar é anunciado por Galateo como um presente, oferecido pelo
bispo ao conde. Eis o presente:
[...] isso vos encarece o bispo, rogando que vos esforceis para abster-se dele totalmente, e que tomeis como um estimado presente a sua amável repreensão e advertência, pois ele tem por certo que ninguém no mundo vos faria tal presente. O conde, que seu defeito jamais havia se apercebido até então, corou um pouco ao ser repreendido; mas, como homem valoroso, retomou rapidamente a coragem e disse: - dizei ao bispo que, se todos os presentes que se fazem fossem como o dele, os homens seriam muito mais ricos do que são; e por tanta cortesia e liberalidade comigo agradecei-lhe infinitamente, assegurando-lhe que, a partir de agora, sem dúvida, bem diligentemente me resguardarei de meu defeito; e que Deus vos acompanhe (DELLA CASA, 1999, p. 12).
Neste ponto, consideramos de grande beleza este trecho, em que a instrução é
entendida como presente, como algo que pode ser aceito ou recusado por aquele que o
recebe. “A bela medida, síntese de todas as outras, vale para os corpos, como para a fala
e os atos do gentil homem” (PÉCORA, 1999, p. 30). Neste trecho, a educação se mostra
como presente na vida dos homens, cuja surpresa pode levar a novos caminhos. A
beleza de Galateo reside em seu próprio significado: o de ser civilizado, que se expressa
na fala e no modo daquele que ensina o modo gentil e educado.
Quando lemos este tratado, temos a grata surpresa de perceber/refletir as
transformações ocorridas nas regras de convivência, na civilidade, na relação com o
outro, no modo de portar-se, de falar, de conviver, de receber7, de vestir e,
7 O professor Alain Montandon dirige um Centro de Estudos sobre Literatura Moderna e Contemporânea na Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade Blaise Pascal - Clermont-Ferrand, na França. No texto Hospitalidade ontem e hoje, Montnadon (2003, p. 132) fala da hospitalidade como forma essencial de socialização e, referenciando a hospitalidade abordada em Homero, afirma que ela é
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especialmente, o modo como os homens foram educados em determinado momento
histórico. E neste ponto - parafraseando Figueira (1998, p. 4) quando trata da
importância do texto de Erasmo – lemos o Galateo não para aprendermos hoje as regras
que ele propõe, mas a sua atualidade reside na “[...] necessidade de regras para o
‘convívio social’, regras para tornar político este animal humano”. Sabemos que cada
momento histórico requer regras próprias de convívio social. Sabemos que educar os
homens nas regras necessárias para a vida em sociedade não é de todo uma tarefa fácil,
mas ao contrário, requer muito trabalho e convicção do que é preciso ensinar. Assim,
Della Casa nos mostra que é pela educação, pelo trato, que se forma o gentil-homem, o
homem moderno.
Galateo nos apresenta um modelo educacional de articulação entre teoria e
prática, uma vez que, a sua pedagogia se baseia essencialmente em palavras e gestos,
em que os modos de comportamento são orientados por formas de pensar e falar; não se
realiza a educação, a mudança do comportamento sem que as ações combinem com a
pessoa. Além de que, essa formação – sem exageros, baseada em atitudes equilibradas e
comedidas - é necessária para a vida em sociedade.
Ponderamos ainda acerca da leitura do Galateo que pode se traduzir ao leitor
como um clássico, uma vez que, “Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós
trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços
que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na
linguagem ou nos costumes) (CALVINO, 1993, p. 11).
A leitura do Galateo nos desafia, assim, a pensar na formação do homem, em
que a responsabilidade do educador não prescinde de uma tomada de decisão. Assim,
nos ensina que mesmo quando nos apresentemos do lado de quem perde poder, não
podemos negligenciar os princípios que orientam o ato de educar. Della Casa nos
ensina, que a ação educativa, de pesquisa, vai além do atendimento de interesses
particulares. Assim, sentimo-nos desafiados pela coragem de ensinar, a pensar na
necessidade de definição de regras e de clareza para planejar uma educação
transformadora, que atenda a formação do homem para a vida em sociedade. “[...] uma maneira de se viver em conjunto, regida por regras, ritos e leis”. MONTANDON, Alain. Hospitalidade ontem e hoje. In: DENCKER, Ada de Freitas Maneti; BUENO, Marielys Siqueira (Orgs.). Hospitalidade: cenários e oportunidades. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003. p. 131-142.
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REFERÊNCIAS
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