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urea AdoCarlos Manique da SilvaJoaquim Pintassilgo(org.)
O Homem vale,
sobretudo, pela educao que possui:Revisitando a primeira reforma republicanado ensino infantil, primrio e normal
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Ficha Tcnica
Autoria / Coordenao .................. urea Ado, Carlos Manique da Silva
e Joaquim Pintassilgo
Edio ............................................. Instituto de Educao
da Universidade de Lisboa
1. edio ....................................... Maio de 2012
Coleo ................................................. Encontros de Educao
Composio e arranjo grco ................... Maria Marques
Disponvel em ................................ www.ie.ul.pt
Copyright ........................................ Instituto de Educao
da Universidade de Lisboa
ISBN ................................................ 978-989-96999-4-6
Esta edio nanciada por Fundos Nacionais atravs da FCT - Fundao para a Cincia e a Tecnologia no mbito doProjeto Estratgico Unidade de Investigao e Desenvolvimento em Educao e Formao PEst-OE/CED/4107/2011.
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Introduo ................................................................. 5
Repblica e Regimentao Escolar:
O Estatuto Fundante da I. Reforma Republicana doEnsino Primrio
por Justino Magalhes .................................. 11
Republicanismo, Municipalismo e Ensino Primrio: Entre
Desgnios e Condicionalismos
por urea Ado .............................................. 25
Repblica e Ensino Normal:
Sob o Signo da Pedagogia da Escola Nova
por Maria Joo Mogarro .............................. 45
O Ensino Primrio Superior em Sintra (1919-1926)
por Carlos Manique da Silva ................................ 63
Reformismo Republicano e Inovao Pedaggica:
A Difuso do Ensino Intuitivo
por Joaquim Pintassilgo ......................................... 81
Direitos dos Jovens Alunos: Elementos na Reforma
Republicana do Ensino e na Escola Atual
por Feliciano H. Veiga ........................................... 99
Introduo
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O Homem vale, sobretudo,
pela educao que possui5
O homem vale, sobretudo, pela educao que possui. Assim comea o prem-
bulo do Decreto de 29 de maro de 1911. Este diploma, dedicado ao ensino infantil,
primrio e normal, contm aquela que , porventura, a mais emblemtica das re-
formas republicanas do ensino. Para alm de constituir um magnco exemplar da
retrica educativa republicana, o referido prembulo sistematiza alguns dos princi-
pais pressupostos e lugares-comuns do reformismo contido no discurso republicano,
acima de tudo a crena no progresso por via da educao. Educar uma sociedade faz-la progredir, a se arma. Em contraponto imaginada decadncia, pela qual
se responsabilizava a Monarquia, os republicanos acreditavam que a via para rege -
nerar Portugal e conduzi-lo no sentido do progresso e da civilizao era a propagao
da instruo e da educao, binmio corrente ao tempo e que procurava chamar a
ateno para a complementaridade dessas duas dimenses.
O combate contra o analfabetismo, assumido como desgnio nacional, decorre da
crena de que s os portugueses que soubessem ler e escrever poderiam aspirar a
ser os cidados conscientes e participativos indispensveis nova sociedade. Por
isso, o abc a apresentado como sendo o fundamento lgico do carter. Mas
no era suciente. Tornava-se igualmente necessrio formar os cidados noutras
dimenses: moral, cvica, fsica e esttica. Portugal precisa de fazer cidados, essa
matria-prima de todas as ptrias, adianta-se no prembulo. Nesse sentido, a Re-
pblica procurou desenvolver um ambicioso projeto de formao de cidados, no
contexto escolar mas tambm no espao pblico, que inclua todo um vasto sistema
de smbolos, cultos e rituais, para alm de aprendizagens formais e da doutrinaoaxiolgica. O ideal de educao integral constitua um elemento central desse proje-
to, ao pretender formar a pessoa nas mltiplas dimenses da sua vida individual e
social, mas, tambm, de alguma forma, governar essa formao.
O projeto de laicizao da sociedade e da escola merece destaque no prembulo
da reforma. Acreditando serem a Igreja Catlica e o catolicismo os grandes inimigos
da Repblica e o principal obstculo construo de uma nova identidade, os repu-
blicanos movem-lhes uma luta sem quartel, com fortes implicaes na vida escolar.
A religio foi banida da escola, proclama-se com f assente na cincia e na razo.
O espao vago preenchido por uma outra ideologia, aglutinadora de vontades e de
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crenas: o patriotismo. A Ptria passa a ser encarada como o Deus da nova igreja
cvica do Povo, homenageada em cerimnias e coreograas tanto alternativas como
ambivalentes. O professor, sacerdote laico da Repblica, acarinhado pela reforma,sendo apresentado como guia supremo da conscincia dos povos, grande obreiro
da civilizao ou rbitro dos destinos morais da Ptria. A escola primria, o templo
da nova sociedade, ocupa um lugar central no projeto republicano. nela, segundo
se cr, que se h de formar a alma da ptria republicana.
No podemos negar a elevao e nobreza dos ideais apresentados. Por isso, a
Repblica ainda inspira alguns dos pensamentos atuais sobre a educao. No s a
pedagogia ocial, mas, em particular, muito do que que foi feito em prol da educao
no contexto, inquestionavelmente rico e multifacetado, em que a Repblica evoluiu,
com destaque para as escolas operrias, as universidades livres e populares, os
jardins-escolas Joo de Deus, as escolas-ocinas e muitas outras experincias nas
reas da educao popular, da inovao pedaggica ou da proteo criana. Mas
temos, igualmente, que reconhecer o carter irrealista, tendencialmente utpico, de
muitos dos projetos do republicanismo e, em especial, o enorme desfasamento entre
a retrica reformista e as realizaes prticas.
Na sequncia das comemoraes do centenrio da implantao do regime re -publicano, o Instituto de Educao da Universidade de Lisboa, atravs da rea de
Histria e Psicologia da Educao, realizou, no dia 1 de Abril de 2011, um colquio
com o objetivo de reetir sobre o contedo e o sentido do reformismo educativo do
republicanismo ao evocar a publicao de um dos seus mais prestigiados alicerces
legais: o decreto com a data de 29 de Maro de 1911. A iniciativa teve como tema
o celebrado lema que encima o texto da reforma: O homem vale sobretudo pela
educao que possui. No se pretendia uma celebrao, mas antes uma reexo
crtica, fundada no rigor da anlise histrica e no em pressupostos de natureza ide-
olgica. Realizado o evento, os participantes assumiram o compromisso de aprofun-
dar as suas reexes e dar corpo s suas pesquisas sob a forma de textos, a compilar
em publicao prpria. A inaugurao, em boa hora, da coleo de livros em formato
eletrnico do Instituto de Educao criou o suporte ideal para abrigar esta produo.
Agradecemos a todos/as os/as que a tornaram possvel.
O livro abre com uma abordagem geral dos pressupostos reformistas do republica-
nismo, luz do conceito de regimentao escolar, a cargo de Justino Magalhes. Oautor elenca o que considera ser um conjunto de princpios estruturais e fundantes
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da chamada educao republicana. urea Ado analisa as promessas e as desilu -
ses decorrentes da concretizao, ao nvel do ensino primrio, de uma das traves-
-mestras do pensamento republicano: a descentralizao municipalista. Maria JooMogarro avalia a especicidade pedaggica e organizacional do projeto de formao
de professores desenvolvido durante a Repblica e assente num conjunto de reno-
vadas Escolas Normais Primrias. Carlos Manique da Silva d a conhecer uma das
experincias mais interessantes e, paradoxalmente, das menos estudadas, do pero-
do republicano e inaugurada pela reforma de 1911: as escolas primrias superiores.
Joaquim Pintassilgo reete sobre a temtica da inovao pedaggica em contexto
republicano, tomando como referncia propostas metodolgicas alvo de celebrao
como eram o ensino intuitivo, as lies de coisas ou o mtodo ativo. Finalmen-
te, Feliciano Veiga articula o presente dos direitos humanos entre os jovens escolares
com o passado do reformismo republicano que os teria eventualmente subjacentes.
urea Ado
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Introduo .......................................................................... 5
Repblica e Regimentao Escolar:
O Estatuto Fundante da I. Reforma Republicanado Ensino Primrio
por Justino Magalhes ............................. 11
Republicanismo, Municipalismo e Ensino Primrio: Entre
Desgnios e Condicionalismos
por urea Ado .............................................. 25
Repblica e Ensino Normal:
Sob o Signo da Pedagogia da Escola Nova
por Maria Joo Mogarro .............................. 45
O Ensino Primrio Superior em Sintra (1919-1926)
por Carlos Manique da Silva ................................ 63
Reformismo Republicano e Inovao Pedaggica:
A Difuso do Ensino Intuitivo
por Joaquim Pintassilgo ......................................... 81
Direitos dos Jovens Alunos: Elementos na Reforma
Republicana do Ensino e na Escola Atual
por Feliciano H. Veiga ........................................... 99
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O Homem vale, sobretudo,
pela educao que possui11
Comemorar sempre um gesto ideolgico, religioso, festivo; um ritual desti-
nado a atualizar a memria. A comemorao permite fazer do passado um lugar
de memria, dar lugar histria, fazer histria. Sobre a I Repblica no h vises
passivas, nem incuas, pelo que a comemorao da I Lei Republicana para o Ensino
Primrio tambm a oportunidade para revisitar e aprofundar a histria, articulan-
do, de forma crtica, o binmio passado-presente, com recurso ao duplo exerccio
de tomar o presente como antecipao do futuro e de reconhecer o presente como
condicionamento, quadro de expectativa, jogo de probabilidades. Tomar o presente
como condicionamento e horizonte de futuro proceder a um exerccio de histria
intelectual da Educao, na medida em que previamente aos contextos, aos espa-
os, s aes, aos processos, aos intervenientes, aos produtos, se focalizam as ra-
cionalidades, suas genealogias e formas de circulao, conguraes e manifesta-es discursivas, conceptuais, factoriais. Neste texto procuro divisar os arquitextos
que enformaram e deram sentido aos fenmenos e aos acontecimentos histricos
constantes das primeiras reformas republicanas, que caracterizam a regimentao
educativa.
Observando o comportamento dos reformistas pombalinos e o dos reformistas
republicanos, ressalta um contraste. Os primeiros submeteram o passado a um libe-
lo acusatrio, justicando a mudana com base na proscrio e na condenao dosagentes histricos anteriores; tal condenao incidiu muito particularmente sobre
os Jesutas. Diferentemente, os reformistas do primeiro ciclo republicano, imbudos
de esprito de presente e orientados para um horizonte de expectativa, zeram
uso da histria para entender a mudana e assumiram-se como fundadores da Re-
pblica; em face da realidade histrica que bem conheciam, replicando a atitude de
Plato, intentaram tornar realidade aquilo que Scrates, Adimanto e Glauco haviam
idealizado: construamos uma Repblica () as suas bases sero () as nossas
carncias (Plato, 1971, p. 90). Nesse ensejo, enquanto decorria a formao da
Assembleia Constituinte, os reformistas republicanos socorreram-se da governao
Repblica e Regimentao Escolar:
O Estatuto Fundante da I. Reforma Republicanado Ensino Primrio, por Justino Magalhes
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e converteram o ano de 1911 numa conjuntura edicante do novo regime: arquiteta-
ram uma estrutura orgnica, vertical, com papis e formas de comunicao, tendo
a educao, e muito particularmente a instruo, como principal fator e a cidadaniacomo motivo.
Farei uso do termo Regimentao para signicar esse ciclo histrico de condicio-
namento e vnculo entre escola e regime poltico. Nos casos portugus e europeu, tal
condicionamento foi determinante com o Regime Republicano, e veio a ser prolonga-
do e fortalecido pelos regimes totalitrios, designadamente, no caso portugus, pelo
Estado Novo. um ciclo caracterizado pela aproximao e, em certas circunstncias,
pela fuso resultante do grau com que a tnica ideolgica, governativa, administrati-
va do regime poltico impregnou a relao entre a Escola e o Estado.
1. A histria educao, ainda que a recproca o possa no ser. A comemorao
a oportunidade para atualizar e tornar educativa uma efemride, bem assim como
para ampliar e aprofundar o conhecimento, posto que proporciona o pretexto e a
circunstncia para atualizar o vnculo entre passado e presente. O passado histrico
atualiza-se pela educao, dando-lhe substncia e fundamento, mas sendo ilumina-
do por ela. o presente educacional que d sentido ao passado e o torna razo defuturo. Daqui decorre o axioma que consta do Prembulo da Reforma republicana do
Ensino Infantil, Primrio e Normal, consignada no Decreto, com fora de lei, publica -
do em 29 de maro de 1911: o homem vale, sobretudo, pela educao que possui.
A lei assentava na noo cientca de que o processo educativo tem uma dupla fun-
o pois que, ao desenvolver harmonicamente as faculdades humanas, potencia-as
em benefcio do prprio e dos outros.
Montesquieu (1979), que procedeu a um estudo diacrnico e comparativo sobre a
Instituio das Leis e do Estado Moderno, esclareceu a relao entre regime poltico
e educao: les lois de lducation doivent tre relatives aux principes du gouver -
nement () dans les monarchies, elles auront pour objet lhonneur; dans les rpubli-
ques, la vertu; dans le despotisme, la crainte (p. 155). Em seu entender, cest dans
le gouvernement rpublicain que lon a besoin de toute la puissance de lducation
(p. 155). Com efeito, justica Montesquieu, a virtude que caracteriza a repblica
penosa, porque envolve uma renncia dos indivduos a si prprios e dene-se como
lamour des lois et de la patrie (p. 160). Sintetizando o pensamento de Montes -quieu, Jean-Jacques Rousseau (1964) reconheceu a reversibilidade entre repblica
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e educao: Dans la naissance des socits, dit Montesquieu, ce sont les Chefs des
Rpubliques qui font linstitution, et cest ensuite linstitution qui forme les chefs des
Rpubliques (p. 165).Os reformistas de Setecentos tinham-se apoiado numa viso racionalista e no Ilumi -
nismo para denunciarem e transformarem em libelo acusatrio e processo judicatrio
o estado a que havia chegado o ensino, particularmente o ensino universitrio. Tal pro-
cesso cou registado, entre outros documentos, no Compndio histrico do estado da
Universidade de Coimbra, publicado em 1771. Assumindo uma atitude contrastante,
o Governo sado da Revoluo Republicana de 5 de outubro de 1910, baseado num
diagnstico sobre o estado do pas e da sociedade portuguesa, adotou uma atitude
fundante, tendo como primeiro princpio a resoluo das principais carncias.
No decurso do ano de 1911, foram elaborados e promulgados, no campo da edu-
cao e do ensino, pelo menos 36 instrumentos legais leis, decretos, regulamen-
tos. Muito embora, na sua generalidade, zessem referncia (ou por contraste ou
por contiguidade) a reformas anteriores, continham uma argumentao centrada na
necessidade e na convenincia da reforma, revendo os princpios legitimadores da
ao do Estado na Educao, como fator da aliana entre Repblica e Nao. No
houve sector de ensino, nem segmento sociocultural que no tivesse sido objeto delegislao e em que o mbil no tivesse estado associado relao entre Repblica
e Educao.
Signicativamente, o Governo da Repblica, aps reiterar um corpo legislativo
pombalino e liberal de teor condenatrio, designadamente em matria confessional,
tomou como prioritria a reforma do ensino mdico, aludindo, em simultneo, s
decincias em matria de sade pblica e convenincia de uniformizar as prti-
cas de ensino. Prosseguindo no ensejo de fazer corresponder o ensino superior s
necessidades e aos desgnios do progresso nacional, o Governo da Repblica fez do
Ensino Universitrio e de suas sociabilidade, geograa e modernizao, o primeiro
marco legitimador da aco revolucionria. Deste modo, como se l no prembulo
do Decreto de 22 de fevereiro de 1911, tornando real a convico de trazer para as
Universidades uma verdadeira elite de alunos, adstritos assiduidade, trenados [sic]
no esforo e selecionados pelo seu mrito nas famlias mais humildes da Nao, o
Governo estatuiu bolsas de estudo (para os ensinos liceal e universitrio) ebolsas
de aperfeioamento, enquanto simultaneamente criou a Universidade de Lisboa ea Universidade do Porto. Esta socializao e multiplicao do ensino superior, que
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14 . Ado, C. Silva e J. Pintassilgo
passava a contar com trs universidades, conrmavam tambm uma perspetiva de -
senvolvimentista de espectro regional, pois que consagrava o reconhecimento e a
valorizao das trs economias e das trs principais etnoculturas que compunham oPas, no trnsito do Oitocentos (Coimbra, Lisboa e Porto).
2. Uma leitura transversal s mais de trs dezenas de instrumentos legais refe-
rentes educao e ao ensino (decretos e regulamentos vrios), promulgados na
implantao do regime republicano, evidencia uma comunalidade de princpios fun-
dantes/(re)instituintes da relao entre Estado e Sociedade, legitimadora da aco
do Estado, em benefcio da educao e do ensino como res publica. De igual modo,
ressalta uma cadeia de princpios estruturais, orgnicos e de funcionamento. De en -
tre estes ltimos, permito-me sistematizar os seguintes, cuja estrutura congura um
regime de educabilidade:
a) o princpio da subsidiariedade a educao e a instruo, particular-
mente no que se refere alfabetizao, ao ensino primrio elementar e
complementar, ao ensino tcnico e prossional, passavam a poder ser
assegurados por uma pluralidade de contributos materiais, tcnicos e -
nanceiros, podendo incluir organismos diversos e diferentes formas de or-ganizao. Este princpio, enunciado no Prembulo do Decreto de 22 de
fevereiro de 1911, trazia subjacente a confederao como congregao
do singular, do prossional, do especco, num todo integrado, progressi-
vo, vertical;
b) o princpio da escolarizao da educao e do ensino, sustentado, en-
tre outros aspetos, pela conformao dos espaos, pela normalizao das
funes docentes, pela padronizao burocrtica, pela ao inspetiva;
c) o princpio da inovao pedaggica, concretizado, designadamente, na
combinao de atividades grupais e atividades individuais, e proporcio-
nando o ensino intuitivo, aberto a processos experimentais e a estrat -
gias ativas, a fruio da diversidade de espaos e de vivncias, o envol-
vimento dos alunos na instituio e na dinmica escolar, com recurso ao
mutualismo e a iniciativas de carter cooperativo e de self-government
(como a caixa escolar ou a escola-municpio, perspetivada, entre outros,
por Antnio Srgio);d) a colegialidade na administrao cientca e pedaggica das escolas;
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15O Homem vale, sobretudo,pela educao que possui
e) a replicao de uma mesma base pedaggica assente na cultura es -
crita, no livro e na leitura, bem assim como na congruncia das vivn-
cias educativas disto so prova a existncia de bibliotecas escolares,museus pedaggicos, jardins, ptios, hortas, laboratrios , bem assim
como rituais escolares (a festa, a efemride, a parada pblica);
f) a educao continuada ao longo da vida, implementando e promoven-
do a frequncia de cursos de alfabetizao e educao de adultos, emis -
ses de rdio, museus, bibliotecas, colees editoriais, universidades po-
pulares;
g) uma administrao descentralizada e integrativa, hierrquica, assente
na comunicao e na burocracia escritas, culminando no Reitor de cada
uma das Universidades.
Estes princpios estruturais de carter orgnico consignam um regime de edu-
cabilidade. O recurso a esta expresso intenta recuperar e aplicar a perspetiva de
regime, centrada no questionamento do tempo, tal como o entenderam Reinhart Ko-
selleck e Franois Hartog. A combinao da noo de regime com a perspetiva pro -
gramtica inspirada em Imre Lakatos permite traduzir com propriedade o imaginrio
e o processo desenvolvimentista republicanos, em que a educao, progredindo nasdiferentes dimenses (ideolgica, pedaggica, cognitiva, social, subjetiva, institucio-
nal), sedimentava e servia de matriz ao sistema poltico e ao quadro de moderniza-
o econmica, administrativa, cultural. , no entanto, assunto que no se resolve
no mbito desta comunicao.
3. No que se refere aos princpios fundantes, ou melhor, (re)instituintes, possvel
evidenciar um quadro de reviso do binmio Estado-Sociedade, no sentido em que
dele tomaram conscincia os reformistas republicanos.
Um desses princpios reside no facto de a educao ter sido tomada como o cen-
tro do processo de reforma e de modernizao. Do Prembulo do Decreto de 22 de
fevereiro de 1911, consta, como referido, a prioridade de intervir no ensino mdico,
submetendo-o a uma orientao programtica extensiva a todos os nveis de ensino:
A Revoluo Portuguesa de 5 de outubro tem o dever de reformar os
diversos ramos de ensino para chamar a Nao ao exerccio da Demo -cracia, pela difuso da cultura primria; para educar pessoal dirigente,
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16 . Ado, C. Silva e J. Pintassilgo
pela remodelao do ensino superior; e ainda para satisfazer duma for-
ma cabal as necessidades sociais futuras e de ocasio, pelo aperfeioa-
mento das escolas que preparam para o exerccio dos servios pblicose prosses liberais.
Aproveitando o descontentamento geral resultante da inacessibilidade sade
pblica e formao mdica, e fazendo depender da deciente preparao mdica
uma irregularidade no exerccio da funo clnica, este decreto visava, em simult-
neo, a reforma do ensino nas trs Escolas de Medicina do Pas e a legitimao da
aco governativa e desenvolvimentista do Regime Republicano.
Outro princpio prende-se com a soberania do Estado sobre os protegidos pelo
errio pblico, ou seja, a relao entre o Estado e a Sociedade. Dando nova legitimi-
dade ao Regime para intervir nos destinos dos bolseiros, o mesmo Decreto de 22 de
fevereiro de 1911 trazia a Universidade para o centro de uma socializao do ensino
e do vnculo das elites letradas aos destinos dos sujeitos, das regies, da nao, da
humanidade, posto que Universidade cabia a atribuio dos trs tipos de bolsas de
ensino (secundrio, universitrio e de aperfeioamento). Em consequncia, o legis-
lador foi perentrio na legitimao de uma soberania sobre o destino dos bolseiros,designadamente dos universitrios. Com efeito, nos termos do Decreto de 23 de
maro de 1911, A Universidade arroga-se o patronato do seu educando, facultando-
-lhe todos os meios que em si couberem para o aperfeioamento da sua educao
cientca, artista, moral e social (Art. 26).
Um terceiro princpio respeita cidadania como programa e compromisso. Assim,
uma verso muito particular das repblicas sobre a Regimentao consagrada
pelo conceito de cidadania. Trata-se de um conceito matricial da educao republi-
cana e foi como tal rearmado na Reforma do Ensino Infantil, Primrio e Normal,
consignada no Decreto de 29 de maro de 1911. No Prembulo deste Decreto, o ter -
mo cidado foi introduzido como metaeducao, de que decorre uma orientao
programtica:
O homem vale, sobretudo, pela educao que possui, porque s ela
capaz de desenvolver harmonicamente as suas faculdades, de maneira a
elevarem-se-lhe ao mximo em proveito dele e dos outros () Portugal pre -cisa de fazer cidados, essa matria-prima de todas as ptrias, e, por mais
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alto que se arme a sua conscincia coletiva, Portugal s pode ser forte
e altivo no dia em que, por todos os pontos do seu territrio, pulule uma
colmeia humana, laboriosa e pacca, no equilbrio conjugado da fora dosseus msculos, da seiva do seu crebro e dos preceitos da sua moral.
Segundo este mesmo Prembulo, o ensino, orientado para a cidadania, seria gra-
duado, concntrico e metdico, mantendo, numa harmonia constante, o desenvolvi -
mento orgnico e siolgico, e o desenvolvimento intelectual e moral.
Um ltimo princpio fundante residiu na aliana entre cidadania e pragmtica,
enquanto autonomizao dos sujeitos (produo autnoma). A associao entre os
destinos coletivos e os destinos individuais foi consignada expressamente na Refor-
ma do Ensino Agrcola, que, entre outros aspetos, foi apresentado como alternativo
e contendo uma progresso desde a instruo primria. Como se l no Prembulo
do Decreto de 26 de maio de 1911, o m comum aos diferentes nveis do ensino
agrcola era o de obter a formao de indivduos aptos a viverem dos seus recursos
fsicos, intelectuais e morais no meio social contemporneo. Noutro passo deste
mesmo Prembulo, l-se:
A orientao pedaggica moderna, absolutamente fundada na psicolo-
gia cientca, deitou por terra os mtodos educativos at h pouco em voga
e ainda, infelizmente, muito em uso. () Poucos meios se prestam tanto
verdadeira educao como o meio rural; as escolas novas tm-se estabe -
lecido todas nestas condies: assim a escola agrcola presta-se prtica
duma educao racional, porque a vida higinica, o contacto contnuo com
a natureza, o exerccio fsico e, portanto, a ausncia de sedentariedade dos
alunos, a necessidade de aprender a cincia do meio em que o homem
vive, quer fsico, quer social, constituem ptimos elementos educativos.
Tratava-se de dar um novo sentido ao ensino agrcola, contrariando, como expli-
citado no mesmo local, o m de fornecer unicamente aspirantes ao funcionalismo,
mas, pelo contrrio, criar indivduos de iniciativa, capazes de se governarem e de
produzirem, e s secundariamente prepar-los para as situaes formadas.
Na Base 4 do Prembulo do Decreto com fora de lei de 25 de maio de 1911, aorientao para a produo autnoma era retomada: Pela sua organizao, as esco-
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18 . Ado, C. Silva e J. Pintassilgo
las nacionais de agricultura visam a fornecer, com os conhecimentos agrcolas pros-
sionais, uma educao integral, e a ser uma arma de combate contra as tendncias
antieconmicas para o funcionalismo e para as prosses liberais. De igual modo,ao reformular as Escolas Regimentais, conadas ao Ministrio da Guerra, cava pro-
clamado que uma sociedade s pode progredir quando os seus membros possuam
uma desenvolvida educao e uma instruo essencialmente prtica.
Entre os aspetos mais notrios da Regimentao pode assinalar-se a instrucio-
nalizao da formao prossional, no mbito da qual foram includos outros dom-
nios, designadamente a Arte de Representar (Decreto de 22 de maio de 1911), de
cujo corpo docente deveria constar ao menos uma atriz conceituada, escolhida pelo
Conselho Escolar. Como referido, o mesmo princpio prossional estava presente no
ensino agrcola e no ensino tcnico.
4. Um dos aspetos mais notrios da Regimentao, muito particularmente no que
se refere ao regime republicano, residiu na convocao e na centralidade da gura
do pedagogo e sobretudo da gura do professor, tomados como promotores do na -
cionalismo, agentes de cidadania. Para alm destes aspetos ideolgicos e de militn-
cia cvica, era esperado deles uma ao normativa e normalizadora.O conceito de Escola Normal fora consagrado pela Conveno francesa, e cou
como denominao adequada s escolas de formao de professores. Sobre este
assunto, a Repblica teve uma interveno progressiva, vindo a criar Escolas Nor-
mais Superiores junto das Universidades de Coimbra e Lisboa. Mas a vigilncia da
ao docente estava presente em todos os nveis e segmentos, no s porque os
professores estavam sujeitos a uma mesma inspeo, como circulava uma uniformi -
zao de impressos e formulrios que assegurava a regulao docente. O mesmo se
pode dizer acerca dos manuais escolares e dos programas, uns e outros sujeitos
tutela do Conselho Superior de Instruo.
Continuando a reetir sobre a Regimentao como prtica de um regime de edu-
cabilidade, torna-se sintomtico trazer colao o conceito de escola republicana,
consagrado, entre outros, por Joo de Barros, um dos pedagogos mais inuentes da
primeira Repblica. Professor, publicista e poltico, Joo de Barros entendia que re-
publicanizar a escola, fazer educao republicana, inspirar a nossa pedagogia nos
princpios educativos absolutamente contrrios queles que dantes seguia e adota-va a escola portuguesa e tambm ensinar ao aluno o mais arreigado amor ptria
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19O Homem vale, sobretudo,pela educao que possui
(como citado in Reis, 1979, p. 51). Para ele, o m da escola era o de desenvolver e
espalhar o ideal patritico e o ideal republicano e ambos eles so uma e a mesma
aspirao desde a escola infantil (p. 51). A res publica educacional apresentava--se como condiosine qua non para a realizao humana e social. Tambm Antnio
Srgio (1984) proclamou o lema pedaggico que operacionalizasse oself-govern-
ment e a Repblica infantil (p. 84).
5. Inovao escolar e crtica pedaggica no se apresentaram coincidentes inte-
gralmente com regimentao/republicanizao da escola. Em diversas fases e por
distintos motivos, republicanizao e regimentao entraram em rutura. No incio
dos anos 20, redigindo as Bases para a Soluo dos Problemas da Educao Na-
cional, Faria de Vasconcelos, em representao do Grupo Seara Nova, preconizou
como princpio para o seu programa regenerador a neutralizao poltica do Minis-
trio da Educao pelo menos durante um perodo transitrio que permita levar a
cabo com unidade de vistas as reformas necessrias (Cardia, 1971, p. 313). Toda-
via, consciente do papel que o Estado deveria continuar a manter em benefcio da
educao como causa pblica, avanava: preciso pr a salvo das utuaes e das
contingncias da poltica o Ministrio da Educao e convert-lo no organismo deao perseverante e de largas perspetivas (p. 313). Preconizava Faria de Vasconce-
los que a neutralizao poltica traz[ia] como consequncia imediata a estabilidade
da funo ministerial e portanto a possibilidade real no s de estudar mas de levar
prtica uma srie de reformas indispensveis (Cardia, 1971, p. 313).
A escola republicana consagrou prticas e ritos constituintes da norma pedaggica
e cvica, atribuindo-lhe consistncia discursiva. Com a Regimentao, a pedagogia es-
colar ganhara nova coerncia entre o dizer e o fazer (ou, se se preferir, do dizerpara
o fazer), conquanto, no essencial, tivesse sido mantida a escola do dizer. A catequese
cvica incidia num conjunto de regras memorizadas, escritas, e reproduzidas pelos alu-
nos; a memria e a gesta ptrias, para alm das representaes teatrais e da festa, fo-
ram transformadas em textos apelativos, hagiogrcos e biografados, que as crianas
deveriam consubstanciar; os saberes sobre a natureza organizavam-se em pequenas
denies e/ou em curtas narrativas efabuladas e com efeitos moralizadores.
Disciplinado pela ordem e pela prtica de exerccios e valores militares ou para-mi-
litares, o cidado republicano acreditava na ptria, em cujo destino, pela energia co-letiva, estava comprometido. Formar cidados possuidores de vontade e virtude era
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20 . Ado, C. Silva e J. Pintassilgo
operacionalizar a republicanizao da escola, viabilizando a converso da Repblica
em ideal da nao. O positivismo cientco proclamava o realismo pedaggico como
superao da escolstica e do dogmatismo. Para formar a vontade pela virtude, eranecessrio tornar realista a ao educativa e estrutur-la em torno da formao c-
vica e da educao moral. Deste modo, na cultura escolar republicana, a laicidade
cou associada prtica de uma economia domstica e social, ensaiada e treinada
atravs da participao e da responsabilidade institucional. Os alunos formavam-se
participando na gesto de assuntos econmicos, escriturando e tomando decises,
para o que foram criadas Caixas Econmicas e Caixas Escolares.
O Decreto de 29 de maro de 1911 denia o Ensino Primrio como compreenden -
do trs graus e a durao de 8 anos: elementar (3 anos); complementar (2 anos);
superior (3 anos). A obrigatoriedade dizia respeito ao primeiro grau no qual constava
como rea curricular a moral prtica, tendente a orientar a vontade para o bem e a
desenvolver a sensibilidade (...). Noes muito sumrias sobre educao social, eco-
nmica e cvica. Argumentos fundantes da ideologia pedaggica republicana eram
o amor e o culto ptria. O patriotismo fundia-se com republicanismo, tal como a
educao republicana com a educao patritica. O culto da ptria era uma mani-
festao de religiosidade, atravs da ligao ao meio social e ao meio natural, e datomada de conscincia dos problemas reais.
Enm, os princpios (re)instituintes da relao entre Escola e Sociedade continu-
aram a orientar a poltica republicana, mas uma parte signicativa dos princpios
orgnicos que estruturavam o regime de educabilidade bem cedo caram compro-
metidos.
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21O Homem vale, sobretudo,pela educao que possui
Referncias
Cardia, S. (1971). Seara Nova. Antologia. (Vol. I). Lisboa: Seara Nova.
Compndio histrico do estado da Universidade de Coimbra: 1771. (1972). Coimbra: Por ordem da Universidade.
Montesquieu (1979). De lesprit des lois. (Vol. I). Paris: Flammarion.
Plato (1971).A Repblica. (Vol. I, 2 ed.). Lisboa: Guimares Editores.
Reis, M. A. (Sel.) (1979).A pedagogia e o ideal republicano de Joo de Barros. Lisboa: Terra Livre.
Rousseau, J.-J. (1964). Du contrat social. Paris: Gallimard.
Srgio, A. (1984). Educao cvica. (3 ed.). Lisboa: S da Costa.
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Introduo .......................................................................... 5
Repblica e Regimentao Escolar:
O Estatuto Fundante da I. Reforma Republicanado Ensino Primrio
por Justino Magalhes ......................................... 11
Republicanismo, Municipalismo e Ensino Primrio:
Entre Desgnios e Condicionalismos
por urea Ado ...................................... 25
Repblica e Ensino Normal:
Sob o Signo da Pedagogia da Escola Nova
por Maria Joo Mogarro .............................. 45
O Ensino Primrio Superior em Sintra (1919-1926)
por Carlos Manique da Silva ................................ 63
Reformismo Republicano e Inovao Pedaggica:
A Difuso do Ensino Intuitivo
por Joaquim Pintassilgo ......................................... 81
Direitos dos Jovens Alunos: Elementos na Reforma
Republicana do Ensino e na Escola Atual
por Feliciano H. Veiga ........................................... 99
Republicanismo, Municipalismo e Ensino Primrio:Entre Desgnios e Condicionalismos,por urea Ado
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O Homem vale, sobretudo,
pela educao que possui25
boa? m? Pelos seus resultados prticos ela se poder melhor avaliar, mas
no devemos escurecer a nossa admirao, o nosso assombro diante dessa me-
dida de altssimo alcance social e poltico, que sem contestao o trabalho mais
consciencioso, mais honesto e mais acabado que at hoje se realizou em favor da
Instruo nacional1.
Estas palavras reetem o sentir de grande parte dos professores do ensino pri-
mrio no que respeita promulgao da primeira reforma republicana do ensino
primrio, em 29 de maro de 1911 e cujo centenrio comemoramos agora. No seu
prembulo, este diploma legislativo enfatiza a concretizao de uma das promessas
programticas do Partido Republicano: entregam-se s cmaras municipais as re-gras administrativas do ensino primrio. Honra-se assim a obra da Revoluo e a Re-
pblica fazendo-o, cumpre uma das disposies () sobre que mais incidiu a palavra
dos seus propagandistas.
A administrao do ensino primrio que, no ltimo perodo da Monarquia, estava
organizada como servio do Estado pago pelos municpios, passaria a ser, com aquela
lei republicana de 1911, um servio municipal largamente subvencionado pelo Estado.
So atribudas s cmaras municipais as seguintes competncias: elaborar o oramen-to destinado ao ensino primrio do concelho; celebrar os contratos necessrios regu-
lar administrao escolar; promover o cumprimento da escolaridade obrigatria, a fre-
quncia das aulas e o apoio assistencial aos alunos; organizar os processos de criao,
transferncia, converso, supresso ou encerramento de estabelecimentos; preparar
o cadastro das escolas pblicas e particulares assim como dos respetivos professores;
nomear, transferir, demitir o pessoal docente e propor ao poder executivo a sua aposen-
tao; dar posse aos professores e conceder-lhes licenas at 15 dias em cada ano.
1. A reforma de instruo primria (1911, abril 2). Educao Nacional, 15 (759).
Republicanismo, Municipalismo e Ensino Primrio:
Entre Desgnios e Condicionalismos,por urea Ado
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26 . Ado, C. Silva e J. Pintassilgo
No que respeita ao oramento, estabelece-se que a Administrao central custeie
as despesas com a direo e scalizao do ensino primrio e que as cmaras mu-
nicipais se responsabilizem pelo pagamento de:a) ordenados dos professores e outras regncias,
b) subsdios de residncia e renda de casa,
c) arrendamento e seguro das casas para funcionamento das escolas e habitao
dos professores,
d) aquisio de mobilirio e material escolares,
e) despesas feitas pelos docentes com expediente e limpeza das escolas,
f) servio de exames.
Para fazer face a estes encargos, cada municpio devia gerir um oramento espe -
cial, o fundo escolar, constitudo por verbas de diversa natureza, desde as provenien-
tes das receitas municipais ordinrias e do rendimento de donativos, doaes ou
heranas, ao produto do imposto municipal para a educao lanado sobre as contri-
buies gerais diretas do Estado. Os decits seriam suportados pelo Tesouro pblico.
No sentido de agradar aos professores e regularizar a sua situao nanceira, a lei
determina que os vencimentos sejam pagos antecipadamente at ao dia 10 de cadams. As cmaras que no cumprissem as normas estabelecidas sofreriam multas
entre 10$000 e 60$000 ris e os seus vereadores seriam considerados solidrios
com esse incumprimento; no caso de reincidncia, o governo demiti-los-ia e os seus
direitos polticos cariam suspensos durante cinco anos. Certamente, para evitar
abusos, determina-se que as cmaras municipais enviem ao Ministro da tutela, anu -
almente, dois relatrios desenvolvidos (maro e setembro) sobre a sua atividade no
setor da Educao.
Com esta primeira reforma, as cmaras passam a ter dois delegados em cada pa-
rquia, sendo um deles membro da respetiva junta. Competir-lhes-ia: cumprir e fazer
cumprir as leis e regulamentos em vigor; prestar as informaes pedidas pelas c -
maras; informar sobre a criao, converso, transferncia ou supresso de escolas
ociais do seu territrio; registar as faltas dos professores e particip-las cmara e
ao inspetor do crculo escolar; dirigir os servios de assistncia escolar.
Os professores do ensino primrio acolhem esta reforma com satisfao. H mui-
to que o princpio da descentralizao era por eles debatido e desejado.
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1. Os ltimos anos da Monarquia
A centralizao administrativa do ensino primrio pblico existiu desde a refor-ma pombalina dos Estudos menores e acompanhou praticamente toda a Monarquia
Constitucional. Somente no perodo de 1881-1892, se viveu em Portugal uma ex-
perincia descentralizadora do ensino primrio promulgada pela Lei de 2 de maio
de 1878, devida a Rodrigues Sampaio e conrmada por Jos Luciano de Castro, em
11 de junho de 1880. Ou por falta de recursos nanceiros e humanos ou por inex-
perincia administrativa, os municpios no conseguiram cumprir os encargos que
lhes tinham sido atribudos, no procurando difundir a instruo nos seus concelhos
e, por isso, no contribuindo para a reduo do analfabetismo. O pagamento dos
vencimentos dos professores encontrava-se, por todo o pas, com atrasos de muitos
meses; as autarquias no possuam verbas para a criao de novas escolas e con-
tratao de pessoal. Alm disso, os professores sentiam-se desprovidos de garantias
jurdicas, sendo-lhes aplicadas sanes por eles consideradas injustas, desde sus-
penses arbitrrias e transferncias sem justicao at demisses impostas. As
chamadas representaes eram inmeras quer provenientes dos professores que se
sentiam lesados, quer das prprias cmaras municipais que no possuam verbaspara satisfazer os encargos que lhes estavam atribudos.
O m da Monarquia Constitucional foi marcado pelo regresso gesto centrali -
zada, a qual se caracterizou por uma burocracia cada vez mais acentuada e con-
sequente demora na resoluo dos processos administrativos. Quanto ao nan-
ciamento escolar, essa centralizao provocou uma distribuio desigual a nvel
nacional, sendo frequentes as queixas de que os municpios sob a responsabilida-
de do partido poltico que assegurasse a governao recebiam verbas maiores que
os restantes.
Durante a realizao do 3. Congresso dos Professores Primrios, em dezembro
de 1897, a Comisso organizadora preparou um questionrio no qual inclua a se -
guinte pergunta: Quais as bases em que deve assentar uma reforma descentrali -
zadora que melhor satisfaa s condies da escola popular e aos interesses mo-
rais e materiais do respetivo corpo docente?2. Nessa ocasio, j os congressistas
2. (1897, novembro 14). Educao Nacional, II (159).
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28 . Ado, C. Silva e J. Pintassilgo
manifestam-se a favor da chamada reforma de Rodrigues Sampaio, atribuindo as
falhas ento registadas na aplicao do sistema descentralizador inexperincia
das administraes municipal e paroquial.Os republicanos, enquanto opositores ao regime vigente, usam a descentraliza-
o como uma das suas propostas programticas basilares, prometendo fortalecer
a vida municipal, a qual se encontrava quase extinta nos ltimos anos da Monarquia
Constitucional. Como diz Catroga (2000), a componente descentralista manter-se-
como uma das reivindicaes fortes de um setor signicativo do republicanismo por-
tugus (p. 57). Armam os republicanos que o perodo ureo da instruo primria
foi precisamente aquele em que a sua administrao esteve a cargo dos municpios.
Criticam o retorno centralizao, consideram o Decreto de 6 de maio de 1892, que
retirou s cmaras municipais a administrao do ensino, um erro muito grave, de
consequncias desastrosas () a justia foi muito mais postergada, as iniquidades
sucederam-se em muito maior escala, pesando duramente, por vezes, no s sobre
o professor, mas ainda sobre a escola3.
O republicano Elias Garcia, que desenvolver um trabalho importante no pelouro
da Instruo Pblica da Cmara Municipal de Lisboa durante a dcada de 1880,
num comcio eleitoral realizado em Lisboa, aquando da publicao da reforma deRodrigues Sampaio, elogia o diploma, e mostra-se esperanado com os seus resul-
tados: O povo usando e sabendo usar do seu direito, habituado a intervir nos neg-
cios, na parquia, na comuna, no distrito, e no Estado; instrudo e ilustrado resolve
as questes nanceiras4. E, durante outro ato de campanha eleitoral, reitera a sua
admirao pelo processo descentralizador que contribuir, no seu entender, para a
educao dos cidados:
no tememos a descentralizao, e desejamo-la, porque desejamos a
vida espalhada em todos os membros da nao () no nos associamos
aos que a pretexto de encargos para os municpios, pretendam priv-los
de se dedicarem melhor obra, mais profcua, mais fecunda a de
espalhar a instruo por todos os muncipes5.
3. Interveno do deputado Carvalho Mouro (1912, maio 28). Dirio da Cmara dos Deputados [DCD]. 1912, 10.4. (1878, novembro 1). Democracia, VI (1481).5. (1879, outubro 17). Idem, VII (1765).
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29O Homem vale, sobretudo,pela educao que possui
Porm, enquanto deputado da Oposio monrquica, no pode deixar de criticar a
descentralizao promulgada. Esta maneira de descentralizar curiosssima, con -
sidera ele, e justica:
O governo descentraliza, dizendo aos outros que paguem, que trabalhem,
que vigiem e que scalizem. Olhai, diz o governo, que os meios que tnheis
at aqui co com eles, e vs haveis de fazer mais do que eu at agora,
no com os meios que tinha minha disposio, e ainda conservo, mas
com os que vs haveis de criar6.
Critica veementemente: Isto no descentralizar, oprimir, vexar, uma ironiana aplicao do princpio da descentralizao; e estas ironias no so permitidas
quando se governa um pas com seriedade7.
Em vsperas do advento do regime republicano, tambm o deputado Antnio Jos
de Almeida (1907, abril 6) faz o elogio da efmera reforma de D. Antnio da Costa,
promulgada em 1870, que pelo seu largo esprito descentralizador chamou o mu -
nicpio faina educadora e v a reforma de Rodrigues Sampaio como o derradeiro
claro, como o ltimo arranco da instruo pblica no nosso pas8. Em junho de
1910, em plena campanha eleitoral, realiza-se no Porto um Congresso Municipalistade cuja Comisso organizadora fazem parte republicanos destacados como Duarte
Leite, Mendes Correia e Jacinto Nunes, empenhando-se este ltimo, desde h muito,
pela aplicao sria de uma descentralizao do ensino e a quem, mais tarde, cha-
mam o patriarca da descentralizao9.
Mas, no eram s os republicanos que defendiam o princpio da descentralizao.
Tambm Adolfo Coelho [1911] elogiava a reforma de Rodrigues Sampaio:
A descentralizao do ensino primrio teve resultados felizes, malgrado al-
gumas irregularidades que se praticaram e que, diria o relatrio do diretor
geral da instruo em 1884, iam diminuindo; entre esses resultados cum-
pre citar o grande aumento da dotao escolar em relao s receitas muni-
cipais, a criao de 547 escolas sob o novo regime at 1889, o assinalado
melhoramento dos edifcios e mobilirio escolares em Lisboa, etc. (p. 167).
6. (1882, maio 3). DCD. 1882, 2206.7. Idem, ibidem.8. DCD. 1907, 13.9. Em 1901-1902 escreveu uma srie de artigos na imprensa, conseguindo, com essa sua campanha, que oadicional de 15% passasse para 20%.
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30 . Ado, C. Silva e J. Pintassilgo
Igualmente Bernardino Machado (1898, maio 15), ainda militante do Partido Re-
generador, critica o princpio centralizador do ensino e o fato de o poder central reco -
lher as verbas pagas pelas localidades e distribu-las pelas escolas sem que tenha apreocupao de canalizar para a populao os respetivos tributos que os muncipes
vo pagando para o ensino10.
H muito que era abordada a questo de responsabilizar o poder local pelos encar-
gos com a instruo primria. A partir de nais da dcada de 1840, as diculdades
nanceiras para fazer face a essas despesas e o consequente atraso no pagamento
dos vencimentos dos professores so temas abordados nos discursos polticos e na
imprensa. Em incios de 1851, Jeronymo Jos de Mello, lente de Coimbra, membro
do Conselho Superior de Instruo Pblica e deputado, defende (janeiro 29) que o
meio mais ecaz para a pontualidade desses pagamentos ser entregar essa res-
ponsabilidade s cmaras11. Logo apoiado por outro colega que declara:
Cada vez estou mais desenganado de que o chamado sistema de centra-
lizao ser muito bom em teoria, mesmo em regra na prtica, mas deve
ter algumas, e no poucas excees, muito mais, em relao a ns, como
j a experincia tem bem demonstrado12
.
Tambm o Conselho Superior de Instruo Pblica (1854, abril 3) vem reconhecer
que a situao do Tesouro no proporciona que se crie um nmero muito elevado
de escolas e que as nicas instituies, que ainda do algum sinal de vida, so as
municipais13. Por isso, entende que convm abrigar sombra delas a instruo
primria, para poder prosperar14. E, a partir de ento, na Cmara dos Deputados
abordada esta questo, dividindo-se os intervenientes entre a manuteno do mode-
lo de centralizao em vigor e um modelo misto em que a gesto nanceira e admi -
nistrativa que sob a responsabilidade das cmaras.
Foi precisamente em 1851 que Flix Henriques Nogueira publica os seus Estudos
sobre a reforma em Portugal que constituram um dos apoios-base dos republicanos
para desenvolverem as suas propostas programticas de municipalismo e de descen-
10. Educao Nacional, II (85).11. DCD. 1851, 157.12. Interveno do deputado Joo Mexia Salema (1851, janeiro 29). Idem, p. 159.13. DCD. 1854, 32.14. Idem, ibidem.
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tralizao e tiveram, decerto, repercusso nas intervenes atrs referidas, embora
proferidas por monrquicos convictos. Empenhado num novo plano de instruo pbli -
ca para a transformao do homem comum em cidado esclarecido, aquele autor de-fendia que essa instruo deveria ser ministrada em escolas municipais e que a base
para a diviso do territrio se encontrava no municpio, a unidade fundamental do
estado, elo de ligao entre o governo local e o central, isto , a primeira ptria. Para
ele, iguais em direitos e em deveres, os cidados de cada localidade encontrariam nas
instituies municipais uma multiplicidade de apoios (econmicos, educativos, assis-
tenciais, jurdicos e outros) que contribuiriam para a criao de condies necessrias
obteno da sua felicidade (Neto, 1988, p. 766). Cinco anos depois, Flix Nogueira
(1856) reitera a sua convico nas potencialidades dos municpios enquanto unida-
des administrativas e fragmentos polticos, competindo-lhes a criao de escolas e
a difuso dos conhecimentos teis por todas as classes da sociedade (p. 139).
Seguindo esta mesma orientao, j no nal de Oitocentos, Telo Braga (1893)
considerava que o municpio era a base de independncia local e primeiro elemento
de federao poltica e que deveria ser desenvolvido como o ncleo da vida para
educar os povos a resistirem contra a absoro centralista (p. 69).
2. A execuo da reforma de 29 de maro de 1911
Previa-se que o incio de aplicao da reforma tivesse lugar a 1 de janeiro de
1912. Contudo, essa execuo deparou-se, desde logo, com trs pontos fracos: a
indisponibilidade nanceira, o deciente funcionamento das estruturas administrati-
vas tanto centrais como municipais, a atitude de muitos dos eleitos municipais.
As diculdades nanceiras
O ano escolar de 1911-1912 condicionado pelas dvidas assumidas anterior-
mente, desde o atraso de liquidao de subsdios de residncia, de renda de casa e
limpeza das escolas e de vencimentos dos professores at falta de pagamento do
aluguer de edifcios onde funcionavam escolas ou iriam funcionar outras recm-cria-
das bem como das despesas contradas com novas construes e obras de conser-
vao j efetuadas. O senador Eusbio Leo (1911, novembro 22), que se destaca
pelas suas intervenes sobre a instruo pblica, lamenta-se:
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32 . Ado, C. Silva e J. Pintassilgo
Ns temos pouco mais de metade das escolas que so necessrias para
difundir a instruo primria e a competente educao. Antes de procla -
mada a Repblica o nmero de escolas era muito menor do que atual-mente. Mas eu no me contento com escolas no papel, s me contento
com as escolas que realmente funcionam, que prestam servios. (Muitos
apoiados) 15.
E questiona: Que importa dizer que temos por exemplo, dez mil escolas, se fun -
cionam realmente, apenas cinco ou seis mil?16.
J durante os trabalhos da Assembleia Constituinte republicana, alguns deputa-
dos dirigem requerimentos ao Ministrio do Interior, pasta tutelar da Instruo Pbli-
ca, que reetem as suas preocupaes quanto s dvidas existentes. Afonso Costa
(1911, julho 4), ainda deputado, apresenta uma nota de interpelao ao Ministro
para tratar da situao em que se encontravam alguns pequenos proprietrios que
gastaram as suas economias na adaptao de prdios para espaos escolares e que
ainda no tinham recebido o mais pequeno juro do capital empregado 17.
Se existiam municpios que, pelas suas dimenses, eram prejudicados por ter de
contribuir para um fundo geral destinado ao ensino primrio, com uma importnciasuperior quela de que necessitavam para custear aqueles servios ( semelhana
do que se havia passado com o subsdio literrio), outros havia que beneciavam com
a lei monrquica at ento em vigor. Estava neste caso o Municpio de Lisboa que con-
tribua apenas com a verba de 96 contos de ris e, a partir da execuo da lei repu -
blicana, teria de despender s em pessoal e rendas de casa cerca de 246 contos. No
Senado republicano, critica-se que a reforma tenha sido preparada precipitadamente,
sendo por isso prejudicado o princpio da descentralizao do ensino: Resolveu-se
que a instruo primria passasse para os municpios, atiraram-se para eles as des-
pesas, mas no se criaram as respetivas receitas e acusaram-nos de desleixados18.
Faltava um ms para o incio da aplicao da reforma, quando o deputado Tom
de Barros Queiroz (1911, dezembro 4) lana um alerta: No princpio do prximo ano
devem passar para os municpios alguns servios que legitimamente lhes perten-
cem; mas alguns deles acarretam aumento de despesa e poucos so os concelhos
15. Dirio do Senado. 1911, 2.16. Idem, ibidem.17. Dirio da Assembleia Constituinte. 1911, 8.18. Interveno do senador Goulart de Medeiros (1913, janeiro 13). Dirio do Senado. 1913, 44.
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33O Homem vale, sobretudo,pela educao que possui
que esto habilitados para isso. O mais importante desses servios a instruo 19.
Com as receitas dos municpios e enquanto a lei da contribuio predial no estives-
se em vigor, no seu entender, seria impossvel as cmaras cumprirem os encargosrespeitantes instruo primria. Para mais, elas no tinham ainda recebido instru-
es acerca do modo de elaborao dos seus Oramentos anuais nem to-pouco
quanto forma de organizar as folhas de vencimentos e seu pagamento.
Em contrapartida, outras vozes se passam a ouvir, que temem que se assista a
um movimento alargado contra a descentralizao dos Servios de instruo prim-
ria. Julgam que seria prefervel no pr de imediato a lei em execuo no que respei-
ta administrao e dotao escolares e esperar pela promulgao do novo Cdigo
administrativo. Silvestre Falco (1911, dezembro 14), ministro do Interior, mostra-se
de acordo:
Efetivamente as diculdades em que se vo encontrar as cmaras muni-
cipais sero enormes, porque essas cmaras no esto evidentemente
preparadas para elas, nem tm os seus oramentos feitos. indispens-
vel que haja um perodo transitrio, que se tome qualquer medida para
prevenir esse desastre20
.
Deste modo, no nal do ms de dezembro, a Cmara dos Deputados discute um
projeto de lei da autoria da sua Comisso de Instruo Primria e Secundria no
sentido de manter-se em vigor a legislao anterior at aprovao da nova reforma
administrativa. Reconhece-se que ser impossvel cumprir o legislado uma vez que
o Oramento Geral do Estado ainda no se encontra aprovado e no esto denidas
as percentagens com que as cmaras tero de constituir o seu fundo de instruo
primria. Alm disso, os funcionrios da Administrao local so ainda em nmero
reduzido. Carvalho Mouro (1912, janeiro, 26) relator do projeto, armando-se parti-
drio da descentralizao desde h muito, esclarece que se ops que se refere ao
ensino porque as teorias podem ser muito bonitas, muito atraentes, muito seduto-
ras; mas, quando as querem traduzir em factos, na vida prtica, oferecem diculda -
des que, por vezes, so invencveis21.
19. DCD. 1911, 18.20. DCD. 1911, 6.21. DCD. 1912, 169.
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34 . Ado, C. Silva e J. Pintassilgo
Para uma regularizao dos pagamentos dos vencimentos e procurando que o Go-
verno republicano mantenha uma das suas bases de apoio, ou seja, o grupo dos pro-
fessores de ensino primrio, o Ministro das Finanas (Sidnio Pais), j em nais de1911 (dezembro, 27), vai ao Parlamento pedir autorizao para que sejam inseridas
nas despesas do Ministrio da tutela as verbas necessrias para fazer face queles
encargos22. No entanto, as chamadas de ateno continuam no decorrer do novo ano.
A burocracia existente
As diculdades burocrticas criadas no aparelho de Estado, provocavam queixas
contra os processos complicados no intrincado labirinto da sua contabilidade, que
levavam ao no pagamento durante largos meses dos subsdios de renda de cada,
de expediente e limpeza, ou demora na criao de novas escolas, no preenchi -
mento de lugares vagos e o consequente encerramento prolongado de centenas de
estabelecimentos de ensino. Apenas a ttulo de exemplo, apontamos dois casos: so
necessrios 91 dias para pr um lugar vago a concurso; em nais de 1912, no con -
celho de Ferreira do Zzere, onde existia apenas uma escola, em pssimas condi-
es, que no comportava mais de 25 alunos, uma Comisso paroquial, por meio
de subscries, conseguiu dinheiro para a construo de dois novos edifcios, pediuao Ministrio do Fomento que lhe concedesse a madeira de umas rvores plantadas
numa estrada e aguardava h cinco meses por uma resposta23.
Por outro lado, os servios da Direo-Geral da Instruo Primria encontravam-se
num caos, no eram ecientes e exigiam mltiplas e diversas formalidades. Tanto na
Cmara dos Deputados como no Senado, era muitas vezes reconhecida a necessi -
dade urgente de uma reorganizao desses servios e, em particular, da respetiva
Repartio de Contabilidade onde faltava pessoal e, consequentemente, os proces-
sos se iam acumulando.
Embora tenha alimentado algumas expectativas, a entrada em funcionamento
do Ministrio de Instruo Pblica, em nais de 1913, no evita as verdadeiras
barbaridades24 cometidas pelos sucessivos governos contra a lei de 29 de maro
de 1911.
22. DCD. 1911, 13.23. (1912, dezembro 5). DCD. 1912, 6.24. Palavras de Jacinto Nunes (1914, fevereiro 11). DCD. 1914, 6.
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35O Homem vale, sobretudo,pela educao que possui
As inuncias polticas
A revistaA Federao Escolar, cerca de dois meses depois da publicao daquela
lei, comentava:
Conquanto a descentralizao do ensino em Portugal, seja uma necessi-
dade indiscutvel, preciso proceder com prudncia na sua regularizao
de forma a que se no v colocar o professor numa situao mil vezes
pior que a atual. () A descentralizao do ensino boa, tima numa
sociedade educada, com grau de civilizao que lhe permita conhecer o
valor da sua alta misso e, concomitantemente, o cumprimento do seu
dever. Infelizmente, se quisermos ser sinceros, temos que confessar que
a nossa no est nessas condies. Temos de a educar, de a instruir, de
a civilizar, previamente25.
E recomendava que fosse retirada s cmaras a possibilidade de interferir nas
transferncias dos professores, situao privilegiada para atuao do caciquismo
local que ainda no deu por nda a sua misso26. Na realidade, as transferncias
compulsivas de professores ou as suas nomeaes arbitrrias so objeto de quei-xas sucessivas. Encontrmos diversas denncias relativamente s inuncias que
alguns republicanos exercem sobre o seu eleitorado muito semelhana do que
se passava com os monrquicos. H deputados, por exemplo, que se deslocam de
repartio em repartio, como se fossem caciques a pedir pelo amor de Deus que
lhe abram as escolas que esto fechadas27.
Assim, para alguns, no nal de 1911, os efeitos da Repblica, da mudana do
sistema, s so conhecidos na provncia pela mudana da Bandeira e do Hino28.
Embora o regime seja outro, continua-se a associar a situao aos motivos que leva-
ram promulgao da ltima centralizao oitocentista: eram e so cerca de umas
dezenas de milhar de docentes, traduzidas em outros tantos votos. Ou seja, como
mais tarde lembra o deputado Jacinto Nunes (1914, fevereiro 11): Isso quer dizer
que o Poder Central no se pode conformar com a emancipao dos municpios; quer
conservar na sua mo a tutela que, de resto, no serve seno para arranjar votos29.
25. (1911, junho 3).A Federao Escolar, II (125).26. Idem, ibidem.27. Palavras do deputado Carvalho Mouro (1912, maio 28). DCD. 1912, 10.28. Palavras do deputado Joo Lus Ricardo (1911, dezembro 27). DCD. 1911, 13.29. DCD. 1914, 6.
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36 . Ado, C. Silva e J. Pintassilgo
Muitos professores reconhecem que o princpio da descentralizao apresenta-se
teoricamente louvvel, na coerncia dos princpios democrticos30. Contudo, no
estado moral e intelectual em que a maioria do povo portugus se encontra, mercduma educao, conjuntamente fradesca e demolidora dos ltimos tempos31, os
poderes locais no esto preparados para cumprir com iseno os deveres que as
suas novas funes reclamam. Eles, que tantas esperanas depositaram na reforma
de 29 de maro de 1911, dois anos depois j esto desiludidos. Tanto as suas es -
truturas associativas como a imprensa da especialidade fazem eco dessa situao.
O Sindicato dos Professores Primrios envia um telegrama Cmara dos Deputados
(1912, fevereiro 23) lembrando a necessidade de car concluda rapidamente a re -
forma administrativa, em discusso, na qual se deniam os encargos obrigatrios
dos rgos paroquiais e municipais, em matria de instruo pblica32. Por sua vez, a
revistaArauto Escolar, publicada em Aveiro, envia aos rgos legislativos o seguinte
telegrama:
interpreta sentimentos classe professorado primrio protesta energica-
mente contra passagem administrao ensino primrio do Estado para
cmaras municipais classe movimenta-se havendo j reunies protestolavram-se representaes que baixaro breve Parlamento33.
E as chamadas representaes subscritas por grupos de professores comeam
a ser publicadas: contra o atraso no pagamento dos subsdios de renda de casa e
de residncia, contra os reduzidos vencimentos. Sem esperana, pedem o retorno
centralizao. Mas, os governantes continuam a acreditar nas potencialidades da
descentralizao. O Programa do Partido Republicano Portugus aprovado em Bra-
ga, em abril de 1912, estabelece como um dos objetivos para o sector da Instruo
Pblica, a entrega do ensino aos municpios (1913, p. 4).
Existe, de facto, uma outra diculdade para a aplicao da lei: a promulgao do
novo Cdigo administrativo do regime republicano. O seu adiamento sucessivo leva
existncia de cerca de mil escolas fechadas porque esto suspensos os concursos
30. Exposio de um grupo de professores dos concelhos de Anadia, Rio Maior e Belmonte (1913, abril 27). AFederao Escolar, III (61).31. Idem, ibidem.32. DCD. 1912, 3.33. Apresentado na Cmara dos Deputados (1913, fevereiro 19). DCD. 1913, 3.
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37O Homem vale, sobretudo,pela educao que possui
de provimento e as transferncias. Como vimos, h denncias de que o Governo
republicano no est, tambm ele, interessado em emancipar os municpios: O Es-
tado quer ter todo o funcionrio pblico nas suas mos, e os professores constituemlegies que ele no pode desprezar como agentes eleitorais34. Perante tantas irre-
gularidades cometidas, exige-se que quem claramente expressas, no primeiro Cdi-
go administrativo republicano, as obrigaes legais das cmaras municipais pois
indispensvel que os professores, enquanto funcionrios do Estado, sejam protegi-
dos dos dios e interesses locais.
Este novo Cdigo promulgado em julho de 1913, quando a primeira reforma
republicana do ensino primrio entra de facto em vigor. Um diploma de 29 daquele
ms dene claramente as responsabilidades municipais em matria de administra-
o e dotao escolares.
3. A necessidade de alterao do modelo
Trs anos depois da publicao do diploma normativo de 29 de maro de 1911, os
vencimentos dos professores voltam a estar em atraso e as reclamaes aparecem
com muita frequncia contra as decises que lesam os interesses coletivos e indivi-duais dos docentes.
Por isso, assiste-se a algumas tentativas de modicao do sistema. Refora-se a
ateno da Administrao central quanto s competncias das cmaras municipais;
os inspetores so responsabilizados cada vez mais pela scalizao das delibera-
es tomadas ou dos atos praticados e respeitantes a assuntos do ensino primrio35.
No entanto, os professores continuam a manifestar o seu descontentamento e a
exprimir o desejo de verem aceites algumas modicaes, pois da norma estabele -
cida prtica quotidiana encontrava-se um verdadeiro abismo. Se, por um lado, eles
no apoiam um modelo de administrao escolar demasiado centralizado, por outro
lado, desconam e temem as atitudes parciais dos eleitos municipais.
O Congresso do Sindicato dos Professores Primrios de Portugal, realizado em
abril de 1914, exige publicamente, pela primeira vez, o restabelecimento da cen-
tralizao administrativa do ensino porque as cmaras municipais no podem ou
no querem satisfazer o pagamento dos vencimentos, porque muitas exorbitam das
34. Interveno do deputado Jacinto Nunes (1912, julho 1). DCD. 1912, 16.35. Decreto n. 389, 26 de maro de 1914.
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suas atribuies, porque o professor est sujeito inuncia da poltica local. No
o princpio da descentralizao que os congressistas condenam, mas reclamam
contra o desleixo, o desrespeito lei, a m vontade, a prepotncia e a ignornciade certas vereaes36. E lamentam principalmente a atitude das cmaras que se
julgam investidas em poderes que nem a lei, nem a lgica, nem o bom senso podem
atribuir-lhes37.
Nesse incio de 1914, o Ministro da Instruo Pblica, Jos de Matos Sobral Cid,
mostra-se interessado em regularizar a situao e declara que tem consagrado al-
gum do seu tempo na recolha de informaes para poder apresentar um balano
sobre a situao do ensino primrio e os seus progressos, que julga demasiado alis
morosos. E, a 8 de junho, apresenta na Cmara dos Deputados uma proposta de lei
sobre a remodelao dos seus servios administrativos, a qual ser publicada no
Dirio do Governo do dia seguinte.
Entendia o Ministro que a soluo estaria num modelo misto, propondo a criao
de uma estrutura administrativa intermdia entre o Estado e o municpio, a provncia
escolar, que poderia agregar dois distritos. Nela funcionaria uma junta escolar que
passaria a desempenhar as funes atribudas, at ento, s cmaras. Como esta-
belece a proposta, essas juntas nem so propriamente corpos eletivos da provncia,nem meras delegaes provinciais do Governo; so adrede constitudas por uma
espcie de consorcium de representantes do Estado, dos municpios administrados
e do professorado ocial da provncia (Cid, 1914, p. 11).
Porm, este Ministro, que ocupa a pasta da Instruo Pblica de 9 de fevereiro
a 12 de dezembro de 1914, no consegue ver a sua proposta aprovada. No entan -
to, tornada ela conhecida, os professores mobilizam-se e, em grupos concelhios ou
por intermdio do seu Sindicato, constituem um forte movimento reivindicativo para
que a reforma proposta seja discutida em sede legislativa. Manifestam, simultanea-
mente, o seu descontentamento e exprimem a sua rme vontade de uma alterao
efetiva do sistema.
A imprensa especializada faz eco desse movimento de contestao. A revista A
Federao Escolar, no obstante estar mais empenhada na construo de uma nova
Escola republicana, constata:
36. (1914, maio 3).A Federao Escolar, III (114).37. (1914, maio 17). Idem, III (116).
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39O Homem vale, sobretudo,pela educao que possui
Dos professores primrios a maioria so pela centralizao, com medo
de que as cmaras municipais lhes no paguem os vencimentos em dia,
os persigam ou de qualquer modo os molestem; outros pedem uma cen-tralizao, temperada com a descentralizao dos servios de ordem ad-
ministrativa; e poucos advogam uma descentralizao completa38.
A Educao Nacional, mais moderada, sugere que volte ao poder central a instru-
o primria por onde nos ltimos anos, apesar de todos os defeitos oportunamente
apresentados, ia sem dvida correndo com muito mais regularidade39.
Atendendo o Governo s constantes reclamaes dos professores, procede in-
troduo de algumas modicaes. Dene regras quanto aos encargos com o ensino
primrio, estabelecendo claramente as que estariam sob a responsabilidade das
cmaras municipais e aquelas que cariam sob a administrao direta do Estado40.
Suspende a nomeao de delegados camarrios, to contestados, e probe que os
j nomeados intervenham no servio dos professores, cuja apreciao e tudo o que
respeite a disciplina, mtodos e processos de ensino, livros escolares, etc., passe a
ser da exclusiva competncia dos inspetores41.
Alm disso, o Ministrio de Instruo Pblica vai promulgando uma ou outra me-dida avulsa procurando satisfazer alguns dos pagamentos em atraso. Mas, intensi -
ca-se o movimento de protesto por parte dos professores contra a administrao
escolar descentralizada, criticando-se fortemente a incompetncia dos vereadores
e presidentes das cmaras municipais. Em incios de 1916, a revista A Federao
Escolarrealiza um inqurito sobre esta grande questo, cujos resultados no so
muito animadores: 622 professores defendem uma administrao escolar a cargo
somente do Estado, enquanto apenas 229 optam pela manuteno do regime mu-
nicipalista em vigor42.
38. (1914, junho 28). Idem, III (122).39. (1915, abril 4). Educao Nacional, 20 (2).40. Decretos n. 1 503, 14 de abril e n. 1 843, 20 de agosto de 1915.41. Lei n. 424, 11 de setembro de 1915.42. (1916, janeiro 3).A Federao Escolar, III (149).
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40 . Ado, C. Silva e J. Pintassilgo
Concluindo
O Governo ditatorial de Sidnio Pais, para o ano escolar de 1918-1919, retoma a
administrao educativa centralizada, apontando como justicaes, para alm dodescontentamento dos professores por no receberem os vencimentos com regula-
ridade e da parcialidade com que muitas cmaras gerem os processos a seu cargo,
tambm as decincias das estruturas municipais e o facto de ser um nmero muito
limitado de cmaras, a quem os interesses do ensino e os do professorado tenham
merecido o justo desvelo e considerao que lhes devido43.
Porm, com o restabelecimento do governo republicano democrtico no ano se-
guinte, a centralizao novamente rejeitada adotando-se um sistema misto de cen-
tralismo/descentralismo44. A principal inovao est na criao de juntas escolares de
mbito municipal, alis j propostas por Sobral Cid, procurando-se que os centros de -
cisrios no se reduzissem s cmaras municipais. Estes novos rgos, que poderiam
constituir um instrumento privilegiado para a administrao das escolas e o desenvol-
vimento da assistncia escolar, so compostos pelos vereadores dos pelouros da Fa -
zenda e da Instruo, por um representante das juntas de freguesia do concelho, pelo
inspetor do crculo, pelo secretrio de Finanas e por trs professores do ensino prim-
rio, eleitos por todos os seus colegas a trabalharem no mesmo municpio. A maior par-te das atribuies anteriormente da responsabilidade das cmaras passa para estes
novos rgos. Mas, determina-se que a denio do estatuto prossional dos profes-
sores da competncia exclusiva do poder central, alterao esta resultante, decerto,
das inmeras queixas contra as parcialidades por parte dos eleitos municipais.
Os professores regozijam-se pela participao neste novo modelo de gesto es-
colar e as suas associaes, nomeadamente a Unio do Professorado Primrio, ade-
rem abertamente45. Em contrapartida, os sectores mais conservadores e algumas
cmaras contestam-no por temerem uma scalizao maior sobre a sua ao e ve-
rem usurpadas algumas das suas funes que as colocavam mais em destaque.
De acordo com o evoluir da situao poltica, esta forma de participao ativa dos
professores sofre os seus golpes e no obtm resultados muito positivos. Uma pri-
meira medida determina que sejam dissolvidas todas as juntas que faltem ao cum-
primento dos seus deveres, que cometam sucessivas ilegalidades ou que funcionem
43. Decreto n. 4 594, 12 de julho de 1918.44. Decreto n. 5 787-A, 10 de maio de 1919.45. Ver, por exemplo: (1919, agosto 10). O Professor Primrio, II (20).
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41O Homem vale, sobretudo,pela educao que possui
irregularmente46. Finalmente, em 1925, as juntas escolares concelhias so denitiva-
mente extintas e regressa-se a uma centralizao administrativa47. A partir de ento,
os professores so afastados da gesto escolar at nal do regime do Estado Novo.A vontade poltica dos primeiros governantes republicanos para introduo do seu
modelo de descentralizao administrativa do ensino primrio atravs da promulga-
o da reforma de 29 de maro de 1911, no resolve os problemas existentes e, em
contrapartida, provoca o descontentamento e o desnimo daqueles que trabalham
na escola de ensino primrio. A razo no estaria no modelo, mas sobretudo no atra-
so da sociedade portuguesa, nas decientes condies das estruturas econmicas e
sociais, nos vcios polticos instalados.
46. Decreto n. 8 140, 12 de maio de 1922.47. Decreto n. 10 776, 19 de maio de 1925.
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42 . Ado, C. Silva e J. Pintassilgo
Referncias
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Catroga, F. (2000). O republicanismo em Portugal Da formao ao 5 de Outubro. Lisboa: Editorial Notcias.
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(pp. 161-186). Lisboa: Instituto Gulbenkian de Cincia, Centro de Investigao Pedaggica.
Neto, V. (1988). Iberismo e municipalismo em J. F. Henriques Nogueira. Revista de Histria das Ideias, 10, 753-
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Nogueira, J. F. H. (1851). Estudos sobre a reforma em Portugal. Lisboa: Typographia Social.
Nogueira, J. F. H. (1856). O municpio no sculo XIX. Lisboa: Typographia do Progresso.
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Introduo .......................................................................... 5
Repblica e Regimentao Escolar:
O Estatuto Fundante da I. Reforma Republicanado Ensino Primrio
por Justino Magalhes ......................................... 11
Republicanismo, Municipalismo e Ensino Primrio: Entre
Desgnios e Condicionalismos
por urea Ado............................................. 25
Repblica e Ensino Normal:
Sob o Signo da Pedagogia da Escola Nova
por Maria Joo Mogarro........................ 45
O Ensino Primrio Superior em Sintra (1919-1926)
por Carlos Manique da Silva ................................ 63
Reformismo Republicano e Inovao Pedaggica:
A Difuso do Ensino Intuitivo
por Joaquim Pintassilgo ......................................... 81
Direitos dos Jovens Alunos: Elementos na Reforma
Republicana do Ensino e na Escola Atual
por Feliciano H. Veiga ........................................... 99
Repblica e Ensino Normal:Sob o Signo da Pedagogia da Escola Nova,por Maria Joo Mogarro
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O Homem vale, sobretudo,
pela educao que possui45
Os professores so beneciados com esta reforma. () O ensino normal, como
ca institudo por este decreto, elevar cada vez mais o nvel intelectual do professo-
rado, tornando-o apto para a sua misso social. A escola normal, agora decretada,
corresponde s exigncias da pedagogia moderna. O Governo orientou-se neste as-
sunto pelo que h de mais perfeito, procurando-o adapt-lo, com justeza e critrio
modalidade espiritual dos portugueses. E nem s o Governo se preocupou em fun-
dar, em bases cientcas, a escola normal, para educar professores de instruo pri-
mria. Deliberou j, para a seu tempo ser executada, em harmonia com os recursos
de Tesouro, a criao da escola normal superior, onde se habilitem os professores
que ho de educar os professores primrios.1
1. O ensino normal na reforma de 1911: a consagrao legal das inten-
es generosas
O texto reformador de 1911 conferia ao ensino normal a importncia atribuda
pelos republicanos formao de professores, que estavam investidos da misso
de formar verdadeiros cidados, que se queriam instrudos, ativos e mobilizados na
defesa do regime. O ensino normal conheceu a sua fase de apogeu durante este
perodo, articulando-se com a conceo de que a educao era o motor do desen-
volvimento e progresso do pas, assim como a pea fundamental na construo do
chamado Homem Novo o tal cidado republicano, culto e participante ativo na vida
poltica da nova nao que a Repblica, laica e democrtica, queria criar. Os profes -
sores eram os agentes desta poltica e as reformas republicanas do ensino normal,
a partir da de 1911, reetiram a preocupao com a formao deste professor que
tambm se queria novo.
1. Prembulo, Reforma do ensino infantil, primrio e normal, 29 de maro de 1911.
Repblica e Ensino Normal:
Sob o Signo da Pedagogia da Escola Nova,por Maria Joo Mogarro
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A reforma de 1911 consagrou um curso de formao de professores primrios
de 4 anos (mais um que a anterior reforma, de 1901), em trs escolas normais
primrias localizadas nas principais cidades do territrio da Repblica Lisboa,Porto e Coimbra. O regime de coeducao era tambm legislado, na modalidade
de externato (enquanto no se puder organizar o internato, referia o art. 108.),
organizando-se o processo de formao num curso geral para ambos os sexos, com
19 matrias de ensino, que se completava com cursos especiais para cada um dos
sexos. Na preparao do professorado feminino destacava-se, no respetivo curso
especial, a Jardinagem e horticultura, Trabalhos manuais e economia domstica
e a frequncia de uma maternidade nos ltimos meses do curso. Destacavam-se
ainda as Aulas de habilitao para a regncia das escolas infantis, no caso das
professoras que se destinavam a estas escolas. Para os alunos do sexo masculino,
o curso especial era composto por Trabalhos manuais e agrcolas e Exerccios
militares e de natao.
Proclamava-se o ensino essencialmente prtico, prevendo-se instituies auxi-
liares do ensino anexas s escolas normais para o cumprimento desse carcter pr-
tico, tais como: escola infantil e escolas primrias de um e outro sexo; escolas para
ensino de cegos e surdos-mudos; escolas de aperfeioamento para os arrires einstveis; ginsio e parques de jogos; caixa econmica, cooperativa, mutualidade e
cantina; boletim da escola; ocinas de trabalhos manuais e domsticos; ocinas de
fotograa, litograa, tipograa, etc; campos experimentais agrcolas; museu e biblio-
teca; laboratrios de fsica, qumica, antropometria e psicologia experimental.
Previam-se ainda outras instituiesde carcter cientco e manual, que assu-
missem um signicado nacional, social e econmico, julgadas necessrias forma-
o do professorado primrio, de modo que este receba uma instruo completa e
possa rmemente desempenhar a misso de que incumbido, isto , a preparao
para a vida da mocidade portuguesa (ponto 12. do art. 114., sublinhado nosso).
O texto legal de 29 de maro de 1911 que estamos a revisitar, salientava, no
entanto, que estas instituies, fundamentais na formao do professorado prim-
rio republicano, seriam organizadas medida que os recursos do Tesouro o forem
permitindo. Esta expresso revela uma prudncia ditada pela realidade e que foi
inscrita na lei, revelando a fragilidade socioeconmica em que se movia este dispo-
sitivo legal e as reais condies de concretizao das inovaes que se reclamavamno campo educativo, em tempos republicanos.
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A reforma consagrava ainda a organizao das matrias de ensino em seces e
grupos. As seces indicadas foram as seguintes: literria e cientca (cujos grupos
seriam denidos posteriormente); a) Seco pedaggica (1. grupo pedagogia ge-ral, pedologia, metodologia do ensino primrio, lies de coisas; 2. grupo higiene,
legislao e organizao escolares); b) Seco artstica (1. grupo msica e canto
coral; 2. grupo desenho e trabalhos manuais, para as alunas, lavores e corte;
3. grupo fotograa, litograa, tipograa, etc; c) Seco de cincias aplicadas (1.
grupo educao fsica, com ginstica, jogos, exerccios militares, etc.; 2. grupo
agricultura, com jardinagem, pomologia, horticultura, etc.; 3. grupo noes gerais
de comrcio e indstria).
Na sequncia do que acautelava com as instituies auxiliares de ensino, o textolegal da Reforma de 1911 tambm remetia para momento oportuno, no futuro, a
criao dos cursos complementares especiais para professores que se destinavam
s colnias e ao ensino de anormais, fsicos e mentais (art. 118.). Os programas
(que no chegariam a ser publicados) deviam ser organizados dentro dos limites
do ensino primrio e em harmonia com os caracteres de toda a educao: fsica,
percetiva, manual, moral, regional e cientca (art. 119.).
Os alunos eram admitidos nas escolas normais quando se situavam numa faixa
etria entre os 15 e os 25 anos e deviam apresentar os seguintes requisitos: possuir
o diploma de aprovao no curso das escolas primrias superiores ou na classe
correspondente dos liceus, podendo ser tambm sujeitos a aprovao em concurso
de admisso escola normal (concurso sujeito s convenincias de recrutamento).
Estes critrios representavam a exigncia de uma qualicao mais elevada que no
enquadramento legal anterior (Reforma de 1901), pedindo-se aos alunos um perl
academicamente mais elevado.
Os alunos com reduzidos meios econmicos podiam solicitar uma penso, candoobrigados a servir no ensino durante 10 anos ou a restituir as penses recebidas. O
Estado reservava-se ainda o direito de regular o nmero de candidatos matrcula
no ensino normal, conforme as necessidades de ensino (art. 124.).
Esta reforma estabelecia tambm um quadro de docentes das escolas normais.
Estes formadores de professores deviam ser formados pela Escola Normal Superior,
a criar posteriormente, o que signicava que os professores de instruo primria
deixavam de ter a exclusividade de formao de docentes. No entanto, estes tinham
direito a ocupar a tera