O MALOGRO DA EDUCAÇÃO POPULAR NA PARAÍBA (1930-1945)1
Wojciech Andrzej Kulesza2
Roberta Costa de Carvalho3
Cherlane Maranhão Rêgo4
Katiuska Fernandes Araújo5
Lucilene Maria da Conceição Santos6
O desfecho na Paraíba do movimento revolucionário de 1930 que levou Getúlio
Vargas ao poder, foi a ascensão política do grupo ligado a José Américo de Almeida,
inaugurando no Estado um período que na historiografia política paraibana tem sido
denominado de americismo. Assumindo a intervenção federal no Estado logo nos
primeiros dias de outubro juntamente com a “chefia civil do Norte”, José Américo seria
logo nomeado por Getúlio para o importante cargo de Ministro da Viação e Obras
Públicas por indicação do tenente Juarez Távora, líder da revolução na região, que
justificou sua escolha como “uma merecida homenagem que a revolução presta à
Paraíba, na pessoa do mais devotado e destemido dos auxiliares de João Pessoa”
(Gurjão, 1994:104). Escritor já consagrado nacionalmente, não só pelo romance “A
Bagaceira” mas principalmente pela obra “A Paraíba e seus Problemas”, o intelectual
paraibano aliado do tenentismo não poderia deixar de empunhar as bandeiras
educacionais desse movimento nascido dentro do exército brasileiro.
Aparentemente, os “tenentes civis” que José Américo deixou no poder na
Paraíba atacaram com vigor no Estado a questão da educação popular. O primeiro
interventor, Antenor Navarro, duplicou a matrícula no ensino primário oficial no seu
governo de apenas dezesseis meses, assim encurtado devido à sua morte trágica num
acidente de avião em abril de 1932. Segundo Gurjão,
é consenso entre os conhecedores da gestão de Navarro que seu maior destaque foram as medidas em prol da educação. Neste sentido, unificou o ensino primário estadual, ampliou consideravelmente a rede escolar, utilizou 18% da receita do Estado para a instrução pública e suspendeu todas as taxas antes cobradas (1994:209-10)
Se bem que possamos suspeitar desses dados, obtidos pela Seção de Estatísticas
Educacionais por ele mesmo criada e largamente afetados pela estadualização da
escolas municipais também realizada em seu governo, não há dúvida sobre a enorme
1 Trabalho parcialmente financiado pelo CNPq.2 Departamento de Metodologia da Educação, Universidade Federal da Paraíba3 Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal da Paraíba4 Aluna do Curso de Pedagogia, Universidade Federal da Paraíba, Campus I5 Aluna do Curso de Pedagogia, Universidade Federal da Paraíba, Campus I6 Aluna do Curso de Pedagogia, Universidade Federal da Paraíba, Campus I
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expansão quantitativa do ensino primário ocorrida nesse período e que continuaria no
governo de seu sucessor, Gratuliano Brito, que havia sido seu Secretário de Interior e,
portanto, responsável direto pela implementação da nova política educacional
introduzida no Estado.
Frustrado pela reforma educacional de 1931 posta em marcha pelo governo
provisório que, apesar da centralização de poder, não ousou legislar sobre o ensino
primário, tradicionalmente sob a responsabilidade dos governos locais desde o ato
adicional de 1834, o tenentismo insistia na necessidade urgente de uma “educação
intensiva da massa popular”, cuja ausência teria constituído um dos principais fatores da
falência da Velha República. Na introdução ao esboço do programa revolucionário de
reconstrução política e social do Brasil editada pelo Clube 3 de Outubro em 1932, este
diagnóstico é explícito : “houvesse, na lei das leis, dispositivos que cuidassem,
precavida e eficientemente, da educação do povo, problema primordial, outros teriam
sido a evolução e o desenvolvimento da primeira República” (citado por GUIMARÃES,
1982:84).
Neste sentido, as preocupações do outubrismo convergiam com aquelas dos
signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, contribuindo assim para o
estabelecimento de condições concretas para a participação de educadores como
Fernando de Azevedo, Almeida Junior, Lourenço Filho, Anísio Teixeira, na renovação
da educação popuilar promovida pelos Estados. De fato, mesmo sem considerar os
dados obtidos pelo Serviço de Estatística criado após a revolução de 30, é flagrante a
expansão quantitativa do ensino primário neste período. Tomando-se apenas os dados
censitários, verifica-se que enquanto a população total aumentou em 34% de 1920 a
1940, a matrícula no ensino primário cresceu 300% nesse período (Romanelli,
1973:62). Analisando diversos dados estatísticos, Rodrigues chega a afirmar que
“nenhum período da história da educação brasileira conhecera até então – 1932/1936 –
um crescimento efetivo da mesma envergadura” (1980:57), confirmando o grande
impulso dado à educação após 1930.
Também na Paraíba pode-se vislumbrar a mesma convergência de interesses no
contexto da conjuntura político-educacional local e que teve como conseqüência a
expansão do ensino. O Diretor de Ensino Primário no governo de Antenor Navarro, José
Baptista de Mello, assim se manifestava em relatório dessa época :
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É do conhecimento de V.Excia o avanço que vem se operando em todos os ramos de ensino, cujos processos, hoje seguidos, visam dar à escola uma feição mais prática e mais útil.A escola nova, vitoriosa em toda parte, veio alterar, completamente, o ensino primário, que, atualmente, obedece a uma orientação mais consentânea às necessidades do aluno.A escola tradicional vai, aos poucos, sofrendo os influxos dos novos processos pedagógicos, de modo a garantir melhor educação ao nosso povo.Assim é que, por toda parte, instalam-se novos tipos de educandários, com feição essencialmente prática, transformando o ambiente escolar em verdadeiros centros de trabalho e de socialização. O aluno vai aprendendo executando. É o artífice, é o homem prático do dia de amanhã(MELLO, 1996:95).
Ex-aluno da Escola Normal, fundador da Sociedade dos Professores Primários e
editor na década de 20 da revista O Educador dessa associação, o entusiasmo de José
Baptista de Mello ao encetar seu trabalho de reforma da educação paraibana nos faz
recordar as memórias de Paschoal Lemme acerca do seu envolvimento na reforma
educacional do Rio de Janeiro, mais ou menos pela mesma época. Como veremos, suas
atividades nos permitem considera-lo como um legítimo representante do
escolanovismo na Paraíba dos anos 20 e 30. Aliás, Eduardo de Medeiros, encarregado
de apresentar sugestões sobre a instrução pública na comissão designada por José
Américo para traçar o programa revolucionário de governo na Paraíba, constantemente
se refere em seu relatório à necessidade de uma “escola nova” ou “Escola Ativa”
(Vv.Aa., 1931: 116-21).7
Inspirado nas experiências de Pernambuco, para onde mandou uma comissão de
professores para um “melhor conhecimento dos processos da ‘escola nova’ que Recife
realiza, desde alguns anos”, Mello institui a partir de 1933 as Semanas Pedagógicas,
encontros estaduais de educação realizados ao final do ano letivo. Considerado por ele
um acontecimento memorável na história da Instrução Pública da Paraíba, assim ele se
refere à Semana realizada em 1934 :
Realizada no salão nobre da Escola Normal, onde se via inédita exposição de grandes quadros de estatística educacional, numa demonstração do que fizeram os governos revolucionários, foi um verdadeiro congresso de educação. As suas sessões técnicas e plenárias concorridíssimas deixaram, pelos trabalhos executados, inapagável lembrança no espírito do nosso professorado que a ela afluiu, cheio de entusiasmo e desejoso de colher os melhores frutos(Idem:99).
7 Eduardo Monteiro de Medeiros, que havia sido inspetor geral de ensino no governo de João Pessoa, assumirá a Diretoria de Ensino Primário criada por Antenor Navarro. Comissionado para outra função no ensino federal, ele seria logo substituído por José Baptista de Mello, que ocupava o cargo de inspetor da Capital.
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Claramente, o objetivo da preparação de professores, qualitativa e
quantitativamente, se impunha para os renovadores naquele momento de expansão e
mudança. Já no relatório anteriormente citado, José Baptista de Mello, afirmava
compreender “que no professor está a base de toda a reforma que se precisa levar
avante”. Desse modo, através do decreto 497 de 12 de março de 1934, é criada uma
Escola de Aperfeiçoamento de Professores que começou a funcionar imediatamente sob
sua direção, investido que estava no cargo de Diretor de Ensino Primário. Dentre os
considerandos do referido decreto, destaca-se o argumento de que “os centros
adiantados vêm envidando esforços para elevar o nível intelectual de seus professores,
criando campos experimentais para pesquisas bio-psicológicas dos educandos”.
Consistentemente, o decreto, que localizava a Escola num Grupo Escolar da Capital,
previa, “para atender as necessidades da prática de ensino”, o funcionamento naquele
educandário de “um jardim de infância, uma escola complementar e uma escola
elementar” (Idem:102).
Num contexto nacional marcado pelas escolhas das constituintes federal e
estadual, nas quais as demandas por educação tinham um papel destacado, não só em
termos ideológicos, mas também em termos eleitorais, o impulso educacional em prol
da educação primária ia se mantendo, apesar do seu apelo original estar claramente
direcionado para uma sociedade urbano-industrial. Deste modo, as iniciativas
educacionais na Paraíba sofriam a influência direta dos rumos que ia tomando a
educação nos Estados economicamente melhor aquinhoados. Como evidência flagrante
da sintonia da reforma paraibana com os “centros adiantados”, o decreto 498, também
de 12 de março de 1934, criava o Orfeão do Estado, sob a direção do maestro Gazzi de
Sá que, aliás, iria ser o professor de Educação Artística da Escola de Aperfeiçoamento,
introduzindo assim o canto orfeônico nas escolas paraibanas.
Observe-se todavia que, se havia condições favoráveis de incrementar a
educação popular, do mesmo modo o contexto local reproduzia o quadro nacional no
qual se dava o embate em torno dos rumos da educação nacional. Assim, enquanto o
Secretário da Fazenda de Gratuliano de Brito era o então tenente Ernesto Geisel, as
hostes católicas no Estado eram lideradas pelo monsenhor Pedro Anísio, que publica em
1933 seu Tratado de Pedagogia, já no interior da disputa entre católicos e liberais
acerca do papel do Estado na educação, contendo forte crítica aos partidários da escola
nova (Anísio, 1955). Por outro lado, refletindo o pensamento das oligarquias de base
rural, o companheiro de Mello no Serviço de Estatística Educacional, Sizenando Costa,
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defende na Revista do Ensino de 1934, órgão oficial do Departamento de Educação do
Estado, a necessidade de se criar na Paraíba uma Escola Rural Modelo, exatamente para
aprimorar a base produtiva da economia paraibana (Pinheiro, 2001:186). Como se vê, a
redistribuição produtiva capitaneada pelo capital industrial do Sudeste em curso no
Brasil a partir de 30 demorou a ser assimilada pela oligarquia local.
Tendo travado conhecimento com Teixeira de Freitas durante a celebração do
Convênio Estatístico de 1931, José Baptista de Mello fez questão de escrever ao
“prezado amigo” para acusar o recebimento do livro do Diretor Geral de Informações,
Estatística e Divulgação do Ministério da Educação, O Ensino Primário no Brasil. Esta
carta8, datada de 19 de agosto de 1934 e escrita em papel timbrado da Diretoria de
Ensino Primário da Paraíba, é bastante elucidativa da sua posição :
A nós professores, além da missão de educar, assiste-nos um trabalho muito mais penoso : convencer os governos do dever que têm de cuidar com todo carinho da educação do povo. E isto vamos, aos poucos, conquistando(...)As estatísticas de 1932, se bem que revelassem a dolorosa deficiência do nosso aparelhamento educativo, tiveram a virtude de desvendar aos olhos do Brasil, o seu verdadeiro estado de alfabetização, obrigando-nos assim a lutar com mais energia para resolver o maior e o mais grave problema nacional.De minha parte, posso assegurar-lhe que ao lado dos professores paraibanos tudo envidarei afim de que o meu Estado não fique em plano inferior ao de outros de iguais possibilidades econômicas(...)Temos transformado, vagarosamente é verdade, a nossa instrução e se esta ainda não nos satisfaz plenamente, é que nos faltava tudo : desde o interesse das administrações até a libertação da escola da politicagem malsã e destruidora.(grifos nossos)
Elogiando a atuação de Teixeira de Freitas à frente da Diretoria de Informações
e Estatística que teria se tornado assim “a alma do Ministério da Educação”, Mello
considera-a “o fator principal dessa onda de renovação e entusiasmo que contagia, na
hora presente, os professores do Brasil. E esse entusiasmo é necessariamente o início da
vitória”. Finalizando, Mello, defende a centralização da administração do ensino, pois
“os Estados, só por si, com os seus governantes de mentalidades diferentes, são
incapazes de levar a bom termo a grande missão que lhes cumpre, precipuamente”.
De certa forma, a situação de Teixeira de Freitas no Ministério era algo
semelhante a de Mello na Paraíba, ou seja, concretizar efetivamente as propostas
educacionais que até então se limitavam ao nível da doutrina. Aliás, na carta de Mello
ele diz que recebeu “com o maior júbilo” a notícia da realização da Convenção Nacional
8 Os originais encontram-se no Arquivo Teixeira de Freitas do Museu Nacional no Rio de Janeiro, caixa 15, pasta 37.
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de Ensino, a que a Paraíba teria aderido “graças sobretudo à generosa mediação e ao
alto patriotismo do meu nobre e esclarecido amigo”. Conforme Rocha, a proposta de
Teixeira de Freitas de uma Convenção entre União, Estados e Municípios, definindo
suas obrigações em relação à educação elementar, reapresentada no âmbito da
Comissão Nacional de Ensino Primário quatro anos depois, só começaria a ser
concretizada com a criação do Fundo Nacional de Ensino Primário em 1942 (1990:90).
Por isso, é compreensível que na resposta à carta de Mello, em 25 de setembro de 1934,
Teixeira de Freitas repita a afirmação de Mello de que “o entusiasmo é o início da
vitória” e do qual. “mais depende a grandiosa realização social que no Brasil está
reservada aos educadores”.
Com a volta da Paraíba ao regime constitucional, Argemiro de Figueiredo, é
eleito e empossado governador em 25 de janeiro de 1935 pela Assembléia Legislativa
do Estado. Secretário do Interior do governo anterior, Argemiro havia implementado a
Escola de Professores ficando assim, em princípio, assegurada a continuidade da
reforma educacional e a permanência de José Baptista de Mello que, agora passará a
encabeçar o novo Departamento de Educação do Estado, criado de acordo com a nova
Constituição Federal. Representante da Paraíba na VI Conferência Nacional de
Educação realizada em janeiro de 1934 em Fortaleza, o pioneiro da educação nova na
Paraíba é enviado pelo governo em abril de 1935 ao Rio de Janeiro e São Paulo, para
colher subsídios para a formulação de um projeto de reforma completa da educação no
Estado.
Iniciando sua visita pelos estabelecimentos de ensino do Distrito Federal, Mello,
como era natural, recorre aos préstimos de Teixeira de Freitas :
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Ali [no Rio de Janeiro] tive a grata satisfação de me pôr logo em contato com o sr. dr .M.A.Teixeira de Freitas, Diretor Geral de Informações e Estatísticas do Ministério da Educação – espírito brilhante e senhor de uma das maiores capacidades de organização de que se orgulha o Brasil. O dr. Teixeira de Freitas, meu velho amigo, gentilmente prontificou-se a me apresentar a todas as autoridades superiores de ensino do Rio, com a solicitude e bondade do seu espírito patriótico. Assim é que tive o ensejo de conviver por largos dias com esses mestres admiráveis que são Anísio Teixeira, Lourenço Filho..9
Neste relatório, José Baptista de Mello, faz a seguinte descrição do Instituto de
Educação do Distrito Federal, que era composto de quatro escolas:
a) Escola de Professores; b) Escola Secundária; c) Escola Primária; d) Jardim de Infância, mantendo perfeita continuidade de ensino. Está organizado como um sistema educacional completo, com oportunidade de educação em todos os graus. O mesmo aluno pode passar no estabelecimento, em seguidos, dezesseis anos: 3, no Jardim de Infância; 5 na Escola Primária; 6, na Escola Secundária; 2 ou mais na Escola de Professores. Essa circunstância devidamente aproveitada nas minúcias da organização, permite não só a observação continuada da criança e do adolescente, nas fases de maior interesse para a educação escolar, e a experimentação com rigoroso controle dos resultados, dos processos didáticos modernos, como também o arquivo de dados objetivos para o estudo do escolar brasileiro.
Assim, o projeto por ele elaborado para o Instituto de Educação da Paraíba,
adotava configuração semelhante à do Instituto de Educação do Rio de Janeiro,
adequado-o às condições locais, ainda que, no seu relatório, Mello, advertisse que não
tinha a “veleidade de querer transplantar para o nosso Estado os trabalhos formidáveis
que realizam o Rio e São Paulo”.
Desta forma, Mello trazia em sua volta para o Departamento de Educação do
Estado o espírito da renovação educacional que então se alastrava pelo sul do país.
Efetivamente, inteiramente baseada na proposta de José Baptista de Mello, a
Assembléia Legislativa da Paraíba aprova a reforma da instrução pública no Estado
através da lei no 16, que é sancionada por Argemiro de Figueiredo em 13 de dezembro
de 1935. No dia seguinte, em entrevista ao jornal A UNIÀO, Mello proclama Argemiro
de Figueiredo “benemérito da instrução pública na Paraíba”. De fato, além da criação de
um Instituto de Educação nos moldes daquele organizado por Anísio Teixeira no Rio de
9 Conforme relatório de José Baptista de Mello existente na caixa 28 do Arquivo Histórico da Fundação Espaço Cultural da Paraíba. Na correspondência citada de Teixeira de Freitas, encontramos uma delicada carta datada de 12 de junho de 1935 na qual ele se desculpa por não ter comparecido ao embarque de Mello para a Paraíba, devido à mudança de horário na partida do navio. No entanto, não encontramos nenhum rastro de sua passagem pelo Rio de Janeiro nos arquivos de Anísio Teixeira e Lourenço Filho que se encontram no CPDOC.
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Janeiro em 1932, a reforma estabelecia uma carreira para os professores, promoção
quadrienal e transformação dos adjuntos em efetivos.
Na solenidade, refletindo o clima de repressão reinante no país que, inclusive,
havia levado à demissão de Anísio Teixeira da Secretaria da Educação do Distrito
Federal no início de dezembro, Argemiro dirige-se diretamente aos professores :
Para a vossa classe, pobre de recursos materiais, mas rica de patriotismo e nobreza, rica principalmente pela grandeza da sua finalidade, devem voltar-se as vistas dos responsáveis pelos poderes públicos (...) Quando necessitamos preparar o elemento humano para continuar a obra de cultura e civismo da nacionalidade é que se faz mais precisa a ação dos educadores que terão de exercer, diante do quadro doloroso das classes desorganizadas, decisiva influência para a recomposição social...(A União, 14/12/1935)
O coração da reforma proposta consistia no estabelecimento de um Instituto de
Educação, composto por um jardim de infância, uma escola de aplicação (grupo
escolar), uma escola secundária (equiparada ao Ginásio Pedro II) e uma escola de
professores (aperfeiçoamento), assemelhando-se à reforma empreendida por Anísio
Teixeira no Distrito Federal (ACCÁCIO, 1993). Guiadas por um projeto de arquitetura
estilo art-decô elaborado por Clodoaldo Gouveia, profissional ligado à escola
modernista do Rio de Janeiro segundo Sales (1998), com mais de 2000 m2 de área a ser
construída, as obras do Instituto de Educação, cuja pedra fundamental havia sido
lançada em 25 de janeiro de 1936, começam em julho de 1936 pela edificação do prédio
que abrigaria a Escola de Professores e a Escola Secundária, local onde funciona ainda
hoje o Liceu Paraibano.
O engenheiro responsável pelas obras, Ítalo Joffily Pereira da Costa, que
também havia sido mandado ao Rio de Janeiro em 1936 para visitar o Instituto de
Educação de lá, em matéria publicada na imprensa sobre o plano do instituto paraibano,
demostra ter assimilado muito bem as idéias escolanovistas, como pode ser ilustrado por
este trecho : “Criou-se, pode-se dizer, uma nova dignidade do aluno, que já não é, como
antigamente, mero depositário das idéias e conhecimentos do mestre, porém elemento
que vive e contribui ativamente de sua parte, na educação geral do povo” (A UNIÀO,
24/10/1937). Além do demais, nesse texto Joffily cita reiteradamente a Lúcio Costa,
Almeida Junior e Lourenço Filho, dentre outros, ilustrando caráter moderno de que se
revestia o empreendimento, como pode ser ilustrado pelo trecho seguinte :
Conforme referi antes, os edifícios estão projetados de maneira que fácil e econômico será ampliá-los mais tarde, quando necessário. De resto é mais uma vantagem da moderna arquitetura facilitar o crescimento natural do
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prédio, não o subordinando, desde a sua forma inicial, aos limites acadêmicos da simetria, não o considerando acabado. Nas edificações escolares, então, sobe de importância o assunto; são aquelas, talvez, que mais necessidade têm de crescer. O profº. Lourenço Filho diz expressivamente que um caráter essencial ao edifício escolar é ser obra inacabada. (Idem, grifos no original)
As obras não sofrem solução de continuidade com o golpe de 10 de novembro
de 1937 que institui o Estado Novo, mesmo porque Getúlio Vargas mantém o
governador, nomeando a Argemiro de Figueiredo interventor da Paraíba. Entretanto, o
fechamento do regime, acelerado na Paraíba a partir do levante armado de novembro de
1935 iniciado nos Estados vizinhos, começa a ter conseqüências sobre as políticas
sociais na Paraíba. O “Estado de compromisso” moldado ao longo do tempo por
Vargas, faz seu governo se aproximar das oligarquias ao mesmo tempo em que anula os
setores mais radicais das forças que o levaram ao poder. Na Paraíba, desde sua posse
Argemiro trata de recompor seu governo através do concurso das várias facções
oligárquicas reconduzindo o Estado à situação política anterior à revolução de
30(Santana, 1999:209 e ss).
Com o apoio decisivo da Igreja, Argemiro silencia no Estado os setores nos
quais seriam capazes de repercutir os anseios de renovação da educação propalados no
sul do país, anseios estes que seriam totalmente desfeitos pelo golpe de novembro.
Desde muito antes, no entanto, Argemiro vinha adequando à máquina estatal ao
autoritarismo oligárquico e encontraria seu caminho livre no Estado após a perda de
sentido da candidatura de José Américo à presidência da República em virtude do golpe.
Todavia, em outubro de 1937 já se encontrava instalada a “Comissão Nacional de
Propaganda contra o Comunismo” em João Pessoa, que funcionava no gabinete do
diretor do Liceu Paraibano. E, em 3 de novembro, um decreto do governador obriga os
professores do Estado a transformar suas aulas em “focos de civismo” através de
agressiva propaganda anticomunista (Gurjão, 1994:168). No dia seguinte ao golpe, o
Estado Novo é saudado na imprensa oficial, apregoando-se que “a Democracia está
viva, bem viva, na sua feição autoritária” (Idem, 182).
O arrefecimento da vontade política de alavancar a educação popular por parte
do governo central, esvazia as iniciativas em curso nos Estados mais urbanizados
tomados pelos renovadores, afetando diretamente os projetos de outros Estados, como a
Paraíba, que nelas haviam se inspirado. Aliás, a disparidade de perspectivas entre as
oligarquias e o escolanovismo sobre o ensino elementar já poderia ser vislumbrada nos
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pronunciamentos públicos de Argemiro. Justificando a ida de Mello ao sul do país,
afirma o então governador :
Queremos, tanto quanto possível, contribuir para que a mocidade forme o seu caráter na escola do trabalho desviando-se da educação livresca, que só tem conseguido arrastar dos campos e de outros centros de atividades produtivas elementos que poderiam ser preciosos, para converte-los em pobres escravos da burocracia (A UNIÀO, 03/05/1935).
E, na mensagem apresentada à sessão ordinária da Assembléia Legislativa no
mesmo ano, Argemiro precisa melhor seu pensamento :
É doloroso ver como se avoluma cada dia a onda dos desocupados. Bem estudadas as razões do fenômeno, concluiremos que elas residem em grande parte nas falhas dos nossos processos de ensino. São inúmeros os moços, energias magníficas lançadas à dispersão, que poderiam produzir os melhore frutos, se a escola os radicasse ao campo de onde saíram ignorantes de que o labor cotidiano do camponês encerra a nobreza sem par de um edificante patriotismo.(citado por Pinheiro, 2001:185)
Num Estado baseado numa economia essencialmente agrícola dominada pelos
grandes proprietários de terra, uma proposta de educação popular gestada tendo em
vista uma sociedade urbano-industrial teria que ser necessariamente vista com reservas
por “coronéis” como Argemiro. Na verdade, a vitória eleitoral das oligarquias com o
forte apoio da Igreja na Constituinte de 1934, já havia sinalizado para o descaso a que
seria entregue a educação popular no governo Vargas a partir de então. O autoritarismo
do Estado Novo iria somente tornar mais explícita a verdadeira prioridade da política
educacional de seu governo : o ensino médio a cargo majoritariamente de colégios
religiosos para atender ao crescimento das classes médias em virtude do processo de
urbanização em curso em todo o país Segundo BOMENY, referindo-se à política
educacional de Capanema, “o ministro estava convencido de que com verdadeiras elites
se resolveria não somente o problema do ensino primário, mas o da mobilização de
elementos capazes de movimentar, desenvolver, dirigir e aperfeiçoar todo o mecanismo
de nossa civilização” (1999:139).
Na Paraíba, o autoritarismo virá desfigurar exatamente nessa direção o projeto
de educação popular no qual o Instituto de Educação desempenhava papel fundamental.
Nesta direção, já no início de 1936 Argemiro nomeia o monsenhor Pedro Anísio para
diretor geral do recém criado Departamento da Educação, afastando José Baptista de
Mello para um cargo mais técnico no Departamento de Estatística (A IMPRENSA,
09/01/36). Em 1939, o Liceu Paraibano é transferido para as dependências onde deveria
funcionar a Escola Secundária do Instituto de Educação para, daí em diante, dominar
totalmente a cena da educação secundária pública na Paraíba, como vinha fazendo,
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aliás, desde sua criação em 1836. O decreto 1265 de 21 de janeiro de 1939 extingue a
Escola Secundária do Instituto de Educação transferindo seus alunos para o Liceu
Paraibano que passa por esse decreto a fazer parte do Instituto de Educação.
A julgar pelo que ocorreu na Paraíba com a formação de professores, a evolução
das escolas normais públicas no Brasil em direção à criação de Institutos de Educação
Superiores depois de 1930. representou uma materialização dos ideais de uma educação
popular emancipadora frente às transformações da sociedade brasileira no período.
Como pudemos perceber, essas realizações foram solapadas inteiramente com o advento
do Estado Novo, tanto aqui como no Rio de Janeiro. A abordagem dessa questão
desenvolvida neste trabalho, permite compreender a recente querela em torno da criação
de Institutos Superiores de Educação nas universidades públicas para a formação de
professores para o ensino fundamental e educação infantil como um reflexo tardio, num
outro contexto, do mesmo processo histórico que condiciona a questão da educação
popular no Brasil.
Na realidade, o Liceu Paraibano, isto é, a escola secundária pública propedêutica
ao ensino superior, se apropriaria completamente das dependências originalmente
destinadas à preparação de professores primários. Isto fica claro no discurso do padre
Matias Freire, diretor do Liceu, durante a inauguração oficial do Instituto por Argemiro
de Figueiredo ocorrida emblematicamente no dia 19 de abril de 1939, aniversário de
Getúlio Vargas :
Através dos 103 anos de sua existência, é este o maior dia do Liceu Paraibano, este glorioso educandário cuja pedra fundamental, foi lançada em 1745, pelo jesuíta padre Gabriel Malagrida, lá naquela venerável casa de onde nos transferimos, há menos de trinta dias (...) Estamos agora instalados no melhor edifício escolar do norte do Brasil (...) O Liceu Paraibano, tal como o estais vendo, tal como pode observar todo mundo, quer na sua soberba arquitetura, quer na eficiência de seu ensino (...) este Liceu, assim, meus senhores, é uma das mais grandiosas e das mais úteis realizações do governo Argemiro de Figueiredo (A UNIÃO, 20/04/1939).
Embora existente no papel e nas grandes letras que nomeavam o edifício,
facilmente reconhecíveis nas fotografias da época, o Instituto de Educação era saudado
pelo diretor do Liceu, como Liceu... Falando em seguida, Álvaro de Carvalho, “dada a
minha qualidade de velho professor desta casa”, confirma a transformação. Em seu
discurso, o antigo catedrático de inglês do Liceu e vice-presidente do Estado no governo
de João Pessoa, além de fazer uma caracterização clara do tipo de escola que estava se
inaugurando, exalta a política educacional do Estado Novo :
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Desta casa, sr. Interventor, desta casa que é, já hoje, um padrão de glória de seu governo, hão de sair para todas as profissões, para todos os postos que a vida nos franqueia, moços capazes, futuros técnicos, trabalhadores eficientes nos vários departamentos da atividade humana.No plano educacional da Paraíba, o velho Liceu é como a peça mestra de todo o edifício ou a célula germinativa da nossa vida mental. Nesse ponto de vista, a obra de V. Excia. representa o maior esforço de sistematização acaso aqui realizado. É um exemplo de pensamento e de ação.Nela corporificam-se as tendências construtivas do Estado Novo : educar tendo em vista os destinos da Pátria; disciplinar para alcançar a ordem; instruir para que o indivíduo sirva melhor aos destinos da nacionalidade de que é parte; selecionar para formar as elites (...) (Idem)
Na prática, a apropriação do Instituto pelo Liceu significou a extinção da Escola
Normal Oficial, uma vez que esta havia se transformado na Escola Secundária criada
quando da aprovação do projeto do Instituto de Educação. Na Paraíba, não chegou a
ocorrer o conflito acontecido no Rio de Janeiro entre a Escola Secundária do Instituto de
Educação e o Colégio Pedro II por conta da federalização da primeira em detrimento da
segunda e que, segundo Accácio, quase levou a um embate físico entre os alunos dos
dois estabelecimentos em junho de 1934 (1993:168). No projeto do Instituto da Paraíba,
a Escola Secundária era conscientemente equiparada ao ginásio do Colégio Pedro II,
tanto é que logo após a sua aprovação, José Baptista de Mello declara que daí em diante
“fica estabelecido o nível universitário para as escolas normais, donde sairão
professores com maior soma de conhecimentos e habilidades a ingressar em qualquer
escola superior do país” (A UNIÃO, 14/12/1935).
Como pode se ver, para evitar que os professores e, principalmente, as
professoras, tivessem a possibilidade de concorrer com as “elites” no ingresso às escolas
superiores, a Escola Secundária simplesmente foi extinta. Ao mesmo tempo, pelo
decreto 1042 de 13 de maio de 1938, era criada em João Pessoa uma Escola Rural
Modelo, destinada à formação aligeirada de professores para a zona rural mas que, nos
anos seguintes, se constituiria na Escola Normal padrão, tanto para os estabelecimentos
públicos como privados. Inequívoca demonstração do abandono do ideário
escolanovista, a organização dessa escola mostra bem a gradual adaptação ao meio da
política educacional oligárquica. Segundo o governo sustentou em sua Revista do
Ensino de 1938, a criação dessa Escola ajustava-se aos
princípios de uma nova mentalidade voltada para os problemas vitais de nossa vida econômica. Assim pensando, era natural que tomássemos o ensino rural como base desta campanha de progresso educativo que liga a educação aos mais positivos fatos de nossa evolução.
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É da terra principalmente que temos de arrancar os principais fatores da nossa riqueza e é para o estudo e amanho da terra que devemos encaminhar a juventude brasileira.Não podemos ter uma cultura superficial agrícola. Não devemos ter por simples questão de vaidade, conhecimentos especiais de agricultura, o que nos interessa é formar uma geração naturalmente apta à cultura do nosso solo (citado por Pinheiro, 2001:187).
Para demonstrar ainda melhor a adaptação crescente das ações educativas na
Paraíba aos discursos da oligarquia, transcrevemos abaixo alguns trechos do artigo
“Novos rumos à educação na Paraíba”, escrito por José Baptista de Mello em
colaboração com Sizenando Costa, ambos agora responsáveis pelo redirecionado
Departamento de Estatística e Publicidade do governo Argemiro e publicado na mesma
Revista do Ensino de 1938 :
A Paraíba, integralmente subordinada ao ritmo do Estado Novo, implantado no Brasil, pela Constituição de 10 de novembro, atravessa uma fase de dinamismo, com a concretização de um vasto programa de construções, não só pelo aspecto material que empolga logo à primeira vista, mas sobretudo pelo lado moral, que é sem dúvida um dos objetivos imediatos da atual carta constitucional que criou no país um forte espírito nacionalista.Uma das prementes exigências do momento é, indiscutivelmente, a formação de uma mentalidade nova, sadia e culta, que será criada por meio de uma intensa campanha educacional, imprimindo-se ao regime escolar rumos claros e definidos com o fim de disciplinar gerações para consolidar as instituições estatais, gerações que possam fortalecer e garantir as suas nacionalidades, conduzindo-as para destinos gloriosos dignos da cultura, e da civilização contemporânea (Idem:171-2)
A verdadeira usurpação do espaço do Instituto de Educação pelo Liceu
Paraibano deixou nos documentos da época sinais dos mais desconcertantes.10 É
absolutamente impossível saber quando a Escola Normal se transformou em Escola
Secundária e ninguém sabe dizer se houve alguma vez um diretor do Instituto de
Educação. Por exemplo, um ofício, datado de 18 de agosto de 1937, respondendo a uma
solicitação de Teixeira de Freitas dirigida ao Instituto de Educação é respondido pelo
“Diretor da Escola Secundária do Instituto de Educação”, cônego Nicodemus Neves,
que, em ofício de 2 de junho do mesmo ano é tratado como diretor da Escola Normal.11
A transferência do Liceu para o novo edifício, e parece que também da Escola Normal,
uma vez que no majestoso edifício ocupado por esta passa a funcionar, a partir de julho
10 Só em 1944, através do decreto-lei 543 de 7 de fevereiro, é formalizada a separação do Liceu do Instituto, passando este a englobar apenas a Escola de Professores, Escola de Aplicação e o Jardim de Infância enquanto o Liceu passa a se denominar Colégio Estadual da Paraíba, já dentro do espírito da reforma Capanema do ensino secundário.11 Documentos existentes na caixa 27 do Arquivo Histórico da Fundação Espaço Cultural do Estado da Paraíba em João Pessoa.
13
de 1939, o Tribunal de Justiça do Estado (conforme Leitão, 1991:263), também se
deram num contexto político conturbado.
Formalmente, os decretos que legitimaram a transformação foram baixados
durante a gestão de Epitácio Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, filho de João Pessoa,
na Secretaria de Educação e Cultura do Estado. Este órgão, criado pelo decreto 1193 de
25 de dezembro de 1938, segundo o próprio Epitácio, teria sido arranjado para ele por
“instâncias de Getúlio Vargas” junto a Argemiro (Albuquerque, 1940:160). Dez dias
antes da inauguração solene do Instituto, Argemiro extingue a Secretaria da Educação e
Cultura, demitindo Epitácio, episódio inaugural de uma crise que terminaria por levar à
deposição de Argemiro da interventoria por Getúlio no ano seguinte. Mathias Freire,
que discursou na inauguração em nome do Instituto, será alvo de virulentos ataques por
parte de Epitácio (1940:155). E, Álvaro de Carvalho, o orador seguinte, tinha se auto-
exilado da Paraíba depois dos acontecimentos de 30 em função exatamente de seu
descontentamento com o grupo americista hegemônico..
Na historiografia paraibana há um silêncio um tanto quanto envergonhado sobre
esse episódio, como dele restasse uma dívida a ser paga. José Rafael de Menezes, ao
escrever a história do Liceu, reconheceu explicitamente esta dívida ao afirmar que no
final dos anos 50, quando seria construído por detrás do Liceu um prédio para abrigar as
normalistas, “o então Colégio Estadual recebeu a cota feminista do Instituto de
Educação, como se estivesse a retribuir as origens da Escola Normal” (Menezes,
1983:183). Naturalmente, o Instituto de Educação a que ele se refere é aquele já agora
totalmente desvirtuado e enquadrado na Lei Orgânica do Ensino Normal elaborada
ainda na gestão de Gustavo Capanema durante o Estado Novo. Entretanto, a mística do
Instituto permaneceu durante algum tempo e seria amplamente explorada por Argemiro.
A jornalista carioca Lola de Oliveira, visitou o Instituto em 11 de setembro de
1939 na companhia de Olivina Carneiro da Cunha, professora da Escola Normal, e de
Alice Azevedo Monteiro e Lilia Guedes, da Federação Paraibana pelo Progresso
Feminino, lavrando o seguinte depoimento :
Visitamos o Instituto de Educação, o suntuoso templo de luz que faz honra não só à Paraíba como ao Brasil. Percorremos as suas vastas e claras e claras salas de aulas, os amplos corredores, os bem montados gabinetes de física e química, os enormes terraços onde se pratica a educação física (1940:155).
Muito mais ilustrativo da publicidade enganosa espalhada por Argemiro a respeito do
Instituto, é o depoimento publicado no Diário de Pernambuco do professor, Silvio
14
Rabelo, que esteve em João Pessoa no final de junho de 1939. Apesar de longas, vale a
pena transcrever as impressões eivadas de crítica e ironia do insigne educador
pernambucano :
O edifício do Instituto de Educação que se vê à margem de um lago, de estranha beleza, é o estabelecimento de ensino que mais fortemente me impressionou de todos quantos conheço. Arquitetura de linhas sóbrias, nada há nela de supérfluo e de extravagante. Se externamente é o edifício de uma grandeza de massas e linhas bem proporcionadas, internamente uma distribuição de espaço ao gosto do que hoje se deve compreender por uma casa de ensino. Pôs-se assim a Paraíba ao ritmo do desenvolvimento de ensino normal dos grandes Estados – o que é mais um passo no sentido da federalização e uniformização das escolas de professores. Mil alunos freqüentam diariamente os vastos salões de aula e os bem aparelhados laboratórios que se estendem de um lado e de outro de largos corredores. Por uma vez os professores dispõem de acomodações que as criaturas de má vontade poderiam chamar de luxuosas, mas que são na realidade dependências à altura da função social do professor. Não quis deixar a Paraíba sem visitar o Instituto de Educação, aliás o maior objetivo de minha ida até lá. Infelizmente não foi empreendimento fácil : o Instituto tinha suas portas fechadas sob pretexto que se estava de férias. Não posso atinar como os interessados podem entender-se com a direção do estabelecimento, quando todos estão a gozar de férias que devem ser escolares e não administrativas. Mas insisti apesar de tudo. E meio mundo foi abalado à procura de chaves misteriosas que abrissem portas a um professor que foi à Paraíba para ver estabelecimentos da importância do Instituto de Educação da Capital e do grupo escolar de Santa Rita, outra casa de ensino que, para desgosto meu, fez-me recordar as tristes escolas do tempo de menino (citado por Moura, 1940:299-303).
O descompromisso com os ideais da Revolução 30 foi aumentando à medida que
as oligarquias voltavam ao poder político paraibano nos quadros de um regime
autoritário consolidado institucionalmente no Estado Novo. Assim, por exemplo, a
matrícula geral no ensino primário que vinha crescendo regularmente desde 1930 atinge
seu maior valor em 1938, passando em seguida a diminuir para retomar o valor
alcançado em 1938 só em 1945, quando se encerra o regime autoritário e se retoma o
crescimento da matrícula nesse nível de ensino (BRASIL, 1950:11). Comportamento
semelhante se verificou em relação ao número de unidades escolares e ao número de
docentes, que normalmente acompanham a evolução do número de alunos.
Com relação aos professores, pode-se notar claramente o aumento da influência
das escolas particulares na sua formação. Desde 1917, quando o Colégio de Cajazeiras
foi equiparado à Escola Normal da Capital, que Igreja e Estado na Paraíba vinham se
dando as mãos para enfrentar o problema da educação. Gozando de amplos subsídios,
inclusive econômicos, fornecidos pelo Estado, a Igreja, como fazia com os Colégios
15
para os meninos, tomava a si a formação das normalistas na Paraíba, dado o pouco
empenho do governo estadual na melhoria da instrução pública. A desvirtuação do
Instituto de Educação como centro de formação de professores, viria a acentuar esta
tendência, favorecida ainda pelo fortalecimento da aliança da Igreja com os setores
conservadores a partir da promulgação por Getúlio da Lei de Segurança Nacional em
1935(Octávio, 1996:198). Em conseqüência, o número de alunos matriculados em
Escolas Normais públicas, que era de 21,2% em 1937(Brasil, 1940), baixou para apenas
10,8% em 1946(Brasil, 1950), ao mesmo tempo em que o número de escolas normais
particulares aumentava de 7 para 13.
Apesar das proclamações de Getúlio e de seu desejo de que “todos precisam ser
educados dentro da doutrina do Estado Novo”, as ações do governo em direção à
educação popular esbarravam na estrutura de classes da sociedade brasileira (Horta,
1994:172 e ss). Concretamente, enquanto o enquadramento legal do ensino secundário,
que já havia começado em 1931, sai em 1942, a lei orgânica do ensino primário só será
promulgada em 1946, já nos marcos de redemocratização do regime. Desde a
constituição da Comissão Nacional de Ensino Primário em novembro de 1938, que
apresentou um anteprojeto de lei orgânica para o ensino primário publicado no Diário
Oficial de 20 de dezembro de 1939 e que chegou a propor um “Plano de Campanha em
Prol da Educação Popular”, a questão é empurrada com a barriga pelo governo, pois
envolve os poderes locais aos quais ela tradicionalmente é afeta.
Como mostrou Rocha (1990), desde a criação dessa Comissão outras questões,
mais importantes para o Estado Novo que o ensino primário propriamente dito, a
perpassam. Assim, por exemplo, a oportunidade de sua instalação naquele momento
atendia às “razões imediatas da desnacionalização do ensino primário, nas áreas de
colonização estrangeira” (Idem:85). Em razão do descompromisso da União com o
problema da educação popular, o governo tenta convencer os interventores a resolve-lo.
Antes da publicação do anteprojeto da Comissão, Getúlio Vargas reúne os interventores
no Rio de Janeiro para anunciar a proposta. Na ocasião, mais do que depressa, Teixeira
de Freitas, ainda empolgado com o sucesso do convênio que possibilitou a
uniformização das estatísticas em todo o país, incita o ministro Capanema à ação : “Não
estamos agora, meu caro Ministro, ante uma oportunidade única para tornar realidade a
Convenção Nacional de Ensino Primário e Profissional” e conclui, após explicar mais
uma vez sua proposta :
16
Não sei se desta vez terei tido a felicidade de convence-lo. Mas de uma coisa tenho a certeza : depois de ler estas linhas o espírito de V.Excia. estará mais perto da fórmula cooperativa por que me venho batendo para dar conformação orgânica – não em letra morta, mas em letra viva – à nossa educação popular. E mais próximo estará o dia em que teremos a ventura de aplaudir uma iniciativa de V.Excia nesse sentido12
Na verdade, Capanema, assim como Getúlio, concebia a ação do Estado Novo
em matéria de ensino primário apenas no sentido normativo ideológico, estando longe
de enfrentar a tradicional atribuição da educação popular aos Estados e Municípios,
através da interferência federal. Procurando cooptar os interventores, Capanema solicita
formalmente dos interventores uma apreciação do anteprojeto de lei para o ensino
primário. Em carta datada de 24 de abril de 1940, Argemiro elogia a oportunidade da
“adoção duma solução legislativa que estabeleça a organização duma rede escolar de
todo o país, baseada numa lei orgânica e com as diretrizes que figuram no
anteprojeto”.13 Aproveitando para expressar sua própria concepção de educação popular,
diz Argemiro
Bem avisada andou a Comissão entendendo que o ensino das primeiras letras não deve ter aspecto exclusivamente teórico, forcejando por lhe dar caráter prático, de acordo com as preocupações da vida do trabalho, dentro do espírito político vigorante no país. Sem orientação para as profissões, o ensino primário continuaria a ser um viveiro de sonhadores eleitorais e funcionários públicos. Sem o ensino técnico-profissional, desde cedo e logo de mistura com o primário dado obrigatoriamente à infância e juventude nacionais, não resolveremos o grande problema de nossa educação.
“Da leitura acurada” que fez do anteprojeto, um único ponto não mereceu a sua
“adesão plena” : exatamente a parte financeira que obrigava ao dispêndio de 20% das
rendas do Estado em educação. Expondo a situação das finanças do Estado, Argemiro
retira como conclusão de sua análise a proposta de que
Talvez o razoável fosse estabelecer uma quota mínima para cada Estado, 10 ou 12%, ficando aos que pudessem, estabelecer mais alta porcentagem sobre suas rendas. A Paraíba não pouparia sacrifício para uma contribuição à altura do próprio interesse local e do nacional.Julgo que mesmo assim conseguir-se-iam recursos necessários, dada a contribuição da União, para um eficiente impulso à instrução popular em todo o país.
Argemiro finaliza suas considerações sobre o anteprojeto fazendo uma profissão
de fé :
12 Carta de Teixeira de Freitas a Gustavo Capanema de 10 de novembro de 1939, Arquivo Teixeira de Freitas do Museu Nacional no Rio de Janeiro, caixa 15, pasta 27.13 Documento existente no Arquivo Gustavo Capanema do Centro de Pesquisa e Documentação em História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC) no Rio de Janeiro.
17
sou um convencido de que ao poder público incumbe preparar, mediante a difusão do ensino primário, os indivíduos para a sociedade onde eles devem viver. Só organizando-se sistematicamente a educação popular poderemos estabelecer a transição necessária entre a família e o Estado, e modelar as gerações novas, não ao sabor do acaso, dos caprichos individuais, ou dos preconceitos domésticos, mas tendo em vista a vida comum ulterior, e mesmo as necessidades políticas do país.
Alvo nesta época do processo administrativo movido contra ele pelo seu ex-Secretário
de Educação, como vimos, que culminará com seu afastamento três meses depois,
Argemiro não deixa de manifestar a opinião das oligarquias, aceitando a ingerência
doutrinária da União na educação ministrada pelo Estado, mas se recusando a assumir
seu ônus financeiro.
Tendo deposto Argemiro em julho de 1940, Getúlio Vargas não nomeia
Epitácio, preferindo colocar como interventor a Ruy Carneiro, que havia sido secretário
de José Américo no Ministério da Viação (Santana, 1999:249-0). Próximo a Getúlio,
residindo no Rio de Janeiro, o novo interventor procura cercar-se de pessoas ligadas ao
presidente para poder governar a Paraíba. Inicialmente, através de Lourenço Filho, Ruy
contata o técnico do MEC, Fernando Tude de Souza, convidando-o para dirigir o
Departamento de Educação do Estado (A UNIÃO, 01/08/41). Embora nunca tenha
vindo à Paraíba, Tude de Souza é nomeado por Ruy, delegado do Estado à Conferência
Nacional de Educação que se realizará no Rio de Janeiro em novembro de 1941. Para
assessora-lo, o interventor da Paraíba envia ao Rio de Janeiro seu irmão, Janduí
Carneiro, e Vicente Trevas Filho.
Partidário das teses de Teixeira de Freitas, especialmente da necessidade de
intervenção da União no ensino primário, Tude de Souza publica vários artigos na época
da Conferência defendendo a proposta da Convenção do Ensino Primário, nos quais
considera explicitamente a Teixeira de Freitas como o autor intelectual da proposta e
seu grande defensor.14 Segundo Rocha, em meados de 1941, Lourenço Filho, que no
início havia discordado da proposta de Teixeira de Freitas, passa a se tornar seu grande
propagandista, em face da evidência das estatísticas educacionais que demonstravam
uma queda acentuada nos níveis de escolaridade a partir de 1938 (1990:113). Dessa
forma, cria-se um consenso no Ministério sobre a necessidade premente de engajar os
Estados na causa da educação popular.
A indicação de Tude de Souza por Ruy favorecia assim a estratégia de Lourenço
Filho : como delegado da Paraíba ele trabalharia em prol da aprovação das posições 14 No arquivo pessoal de Teixeira de Freitas, encontram-se vários recortes destes artigos publicados não só na imprensa carioca como de outros Estados (pasta 27).
18
defendidas pelos técnicos do Ministério. De fato, na sessão de 7 de novembro presidida
por Capanema, o “nobre delegado da Paraíba”, apresenta um projeto de resolução, “com
o apoio de 18 Estados”, no qual propõe a convocação da Convenção Nacional de
Educação e a criação de um Fundo Nacional de Educação.15 Imediatamente, o Ministro
considerando que se trata “de assunto que envolve questão também de ordem
constitucional”, designa uma Comissão Especial para encaminhar a questão. Como o
projeto de resolução, no seu artigo 2o, vinculava explicitamente uma determinada
porcentagem dos recursos arrecadados, não só pelos Estados e Municípios, mas também
pela União, ele seria rejeitado. No entanto, por iniciativa de Capanema, as idéias gerais
da resolução, sem especificação orçamentária, são reapresentadas e aprovadas.16 De
fato, o Fundo Nacional de Ensino Primário será criado pelo decreto-lei 4958 de 14 de
novembro de 1942 e o Convênio Nacional de Ensino Primário será promulgado pelo
decreto-lei 5293 de 1o de março de 1943.17
Como mostrou Rocha, esta última tentativa dos renovadores de garantir um
instrumento de financiamento da educação, reeditando os dispositivos da Constituição
de 1934 que fixavam os dispêndios mínimos da União, Estados e Municípios com a
educação, na prática não deu em nada, principalmente no que se referia à contribuição
financeira da União (1990:115-7). Fora das prioridades do governo central e sob a
influência direta dos poderes locais, a educação popular pública durante o Estado Novo
iria voltar à situação calamitosa vigente na República Velha, piorada ainda pelo
autoritarismo do regime. A intervenção de Janduí Carneiro no começo da Conferência é
bem ilustrativa dessa situação. Em face da “momentosa questão” das contribuições
municipais para a educação em discussão na Conferência, Janduí relata a experiência da
Paraíba, defendendo a estadualização do ensino primário, contribuindo os municípios
com quotas financeiras para o Estado. Como no Estado Novo, tanto os Estados como os
Municípios, já viviam num regime de intervenção, restava a questão do que fazer no
caso do não pagamento dessas contribuições. Ingenuamente, Janduí exprime seu ponto
de vista :
Na Paraíba, as Prefeituras entram, mensalmente com sua contribuição, sem que para isso tenha havido necessidade de o Senhor Interventor Federal tomar medidas vexatórias. Trata-se de ponto meramente administrativo, porquanto o orçamento é lei e o Prefeito é obrigado a cumprir a lei,
15 Conforme os Anais da Primeira Conferência Nacional de Educação, Arquivo Gustavo Capanema, CPDOC, pp. 657-64.16 Para uma descrição do clima de autoritarismo presente nesta Conferência, consultar Horta(2000).17 O convênio seria ratificado na Paraíba pelo decreto lei 479 de 7 de outubro de 1943 e o decreto-lei 487 de 3 de novembro do mesmo ratificará o convênio entre o Estado e os municípios paraibanos.
19
depositando, no fim de cada mês a sua quota. Se ele não a cumprir, terá o castigo merecido.18
Cumprida sua missão de representar a Paraíba na Conferência, Tude de Souza
permanecerá no Rio de Janeiro.19 Ruy Carneiro volta a contatar a Lourenço Filho, então
na direção do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) e que, na década de 20,
havia saído de São Paulo para reformar o ensino no Ceará, presumidamente um Estado
na mesma situação da Paraíba. A pedido, Lourenço Filho escreve então, um relatório
intitulado “A administração dos serviços da educação no Estado da Paraíba”, contendo
uma proposta de reorganização geral da educação no Estado, já dentro da nova
orientação política do Ministério (Lourenço Filho, 1942). Através da intervenção de
Getúlio Vargas, por intermédio do ministro Capanema, seria designado o técnico do
Ministério da Educação, Pedro Calheiros Bomfim, para colaborar com Lourenço Filho
na elaboração do referido relatório, já na perspectiva de sua vinda para a Paraíba.
É visível no relatório elaborado por Lourenço Filho a hesitação com relação ao
posicionamento do ensino normal, tradicionalmente colocado junto ao ensino primário
nas administrações estaduais, uma vez que eram atribuições constitucionais dos Estados.
Em uma alternativa, o Departamento de Educação teria duas divisões : Divisão do
Ensino Primário e Normal e Divisão do Ensino Profissional, Secundário e Superior. Na
outra disposição sugerida pelo relatório, o ensino normal estaria a cargo dessa segunda
Divisão, isto é, junto com o ensino profissional e secundário (Idem, 1942:5). Esta
segunda alternativa estaria mais de acordo com o objetivo de centralização das diretrizes
educacionais perseguida pelo Estado Novo, uma vez que facilitava sua interferência no
ensino primário através do controle do ensino normal.
Quando Pedro Calheiros Bomfim toma posse do cargo de Diretor do
Departamento de Educação em 5 de março de 1942, a realidade educacional do Estado,
que vinha se desobrigando cada vez mais do ensino normal público, se coadunava muito
mais com a segunda alternativa de organização proposta por Lourenço Filho. Em
entrevista realizada no dia da posse de Bomfim, à qual Lourenço Filho fez questão de
estar presente, o diretor do INEP informava que : “o Ministério da Educação vai
ensaiar, pela primeira vez, a sua colaboração direta com um Estado, e penso que, desse
empreendimento, muito proveito advirá para a educação no país” (Paraíba, 1942:16).
18 Anais, pp. 183-7.19 Além do projeto citado, Tude de Souza, em nome da Paraíba, ainda propôs na Conferência um plano para despertar “consciência da educação” no brasileiro, uma proposta de colaboração dos técnicos federais com as administrações estaduais e a adoção de programas e métodos do escotismo na Juventude Brasileira.
20
Assim, há uma convergência de interesses entre o poder central e o local, servindo o
Estado da Paraíba como “laboratório” para a reforma a ser empreendida em todo o país.
Reafirmando esta interpretação, em telegrama expedido em 9 de março para Ruy
Carneiro, Lourenço Filho diz que “a obra da reforma a ser executada na Paraíba (...)
constitui o primeiro ensaio de mais direta cooperação da administração federal com a
estadual” (Idem:10).
Naturalmente, a influência direta do governo reforça o autoritarismo reinante
como podemos ver pelas medidas tomadas pelo técnico vindo do Ministério. Em sua
primeira circular para as escolas, Bomfim cria em todos os estabelecimentos de ensino
primário do Estado a “hora cívica”, momento do qual “constará obrigatoriamente uma
formatura em local apropriado, de todo pessoal docente, discente e administrativo do
estabelecimento de ensino, devendo ser cantado a seguir o Hino Nacional” (Idem:49).
Embora essa iniciativa estivesse ligada de uma forma mais orgânica à ideologia
totalitária do Estado Novo, registre-se que antes mesmo do golpe de novembro de 1937,
o decreto 757 de fevereiro daquele ano, que regulamentava o Departamento Oficial de
Propaganda e Publicidade, instituído por lei no final do ano anterior, previa uma seção
educativa responsável pela organização da “hora da educação” nas escolas públicas
(Paraíba, 1938:9). Mais do que impor uma determinada diretriz, o governo central
reforçava dessa maneira iniciativas já latentes na sociedade.
É claro que as ações originadas do poder central tinham uma consistência e
amplitude ainda desconhecida dos dirigentes locais. Assim, por exemplo, enquanto o
decreto-lei de 5 de maio de 1941 que organizava a Escola de Professores relacionava
como conteúdo básico “metodologia geral e das matérias do ensino primário” e
“psicologia aplicada à educação”, Bomfim, um mês após a sua posse, cria um Curso de
Aperfeiçoamento cuja primeira parte consistia dos seguintes pontos, cada um a cargo de
um professor :
1. O professor na organização escolar. Funções capitais do professor, requisitos e qualidades.
2. Como organizar as classes de ensino.3. Escrituração, registro de lições e dos fatos mais interessantes ocorridos em
uma classe.4. Disciplina.5. Freqüência, pontualidade e evasão escolar.6. Higiene do mobiliário e material escolar e dos alunos.7. Organização do horário de trabalho.8. Verificação do rendimento escolar
21
enquanto que somente na segunda parte do Curso seriam “debatidos e examinados
pontos referentes à Metodologia geral e especial” (Paraíba, 1942:56). Como mostrou
Horta (1994), o objetivo de uniformização da escola perseguido pelo regime autoritário,
mais do que impor conteúdos fixos de ensino, pretendia disciplinar o processo educativo
através do controle estrito da prática escolar.
No entanto, seria muito breve a permanência de Bomfim na Paraíba. Em carta ao
Ministro Capanema de 6 de outubro de 1942, Argemiro após reafirmar seu desejo de
“adaptar os respectivos serviços [de educação] à orientação desse Ministério, tão
esclarecidamente desenvolvida através do INEP”, comunica que “o dr. Calheiros
Bomfim, espontaneamente, apresentou o seu pedido de exoneração”.20 O motivo teria
sido a impossibilidade de “prosseguir no plano educacional iniciado”, devido ao aperto
nas finanças do Estado, uma vez que, “infelizmente a seca e a guerra influíram e
continuam influindo desgraçadamente sobre a economia e as finanças da Paraíba”
(lembre-se que o Brasil havia entrado na Guerra em agosto daquele ano). Nesta carta,
Ruy reitera sua intenção de continuar seguindo as orientações do Ministério :
Entretanto, não preenchi o cargo do qual ele se afastou. Escrevi ao dr. Lourenço Filho expondo o caso e pedindo suas sugestões, pois os assuntos gerais de Educação, no meu Governo, continuam na dependência do INEP. É a palavra autorizada desse órgão a minha diretriz na administração das cousas do ensino
À guisa de conclusão, podemos afirmar que apenas os objetivos dos
escolanovistas e as diretrizes do Estado Novo compatíveis com a realidade local se
concretizaram na educação da Paraíba. As determinações socioeconômicas das reformas
empreendidas no ensino primário no período considerado neste trabalho manifestaram-
se plenamente no momento de sua implantação fazendo com que sua maior ou menor
eficácia na prática escolar ficasse ao arbítrio dos dirigentes políticos locais. Se não
podemos falar de uma intervenção bem sucedida do poder central na educação popular,
também não podemos deixar de reconhecer a influência do contexto socioeconômico
dos Estados da Federação para que tal intervenção tenha se dado de modo tão débil e
indefinido. Como sempre tem acontecido na educação brasileira, os Estados não podiam
cumprir um dever de cuja necessidade não estivessem absolutamente convencidos.
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