1
UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
CAMPUS DE MARLIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS
JLIO DE MESQUITA FILHO
GREICE FERREIRA DA SILVA
O LEITOR E O RE-CRIADOR DE GNEROS DISCURSIVOS NA EDUCAO
INFANTIL
Marlia SP
2013
2
GREICE FERREIRA DA SILVA
O LEITOR E O RE-CRIADOR DE GNEROS DISCURSIVOS NA EDUCAO
INFANTIL
Tese apresentada ao Programa de Ps Graduao em
Educao da Faculdade de Filosofia e Cincias da
Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita
Filho, Campus de Marlia na rea de concentrao:
Ensino na Educao Brasileira Abordagens
Pedaggicas do Ensino de Linguagens, para a
obteno do ttulo de Doutor em Educao
Orientador: Dagoberto Buim Arena
Marlia
2013
3
Silva, Greice Ferreira da
S586l O leitor e o re-criador de gneros discursivos
na Educao Infantil / Greice Ferreira da Silva. Marlia,
2013.
315 f. ; 30 cm.
Tese (Doutorado em Educao) Faculdade de
Filosofia e Cincias, Universidade Estadual Paulista, 2013.
Bibliografia: f. 253-262
Orientador: Dagoberto Buim Arena.
1. Leitura (Ensino elementar). 2. Escrita. 3. Educao
de crianas. 4. Crianas - Escrita. 5. Crianas - Linguagem.
I. Autor. II. Ttulo.
CDD 372.6
4
GREICE FERREIRA DA SILVA
O LEITOR E O RE-CRIADOR DE GNEROS DISCURSIVOS NA EDUCAO
INFANTIL
Tese apresentada ao Programa de Ps Graduao em
Educao da Faculdade de Filosofia e Cincias da
Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita
Filho, Campus de Marlia na rea de concentrao:
Ensino na Educao Brasileira Abordagens
Pedaggicas do Ensino de Linguagens, para a
obteno do ttulo de Doutor em Educao
Orientador: Dagoberto Buim Arena
Aprovao: Marlia, ______ de ________________ de ______
Membros componentes da banca examinadora
Dr. Dagoberto Buim Arena (UNESP Marlia-SP) __________________________________
Dra. Cludia Beatriz de Castro Nascimento Ometto (UNIMEP Piracicaba-SP)__________
Dr. Irineu Aliprando Viotto Filho (UNESP Presidente Prudente-SP) ___________________
Dra. Stela Miller (UNESP Marlia-SP) __________________________________________
Dra. Suely Amaral Mello (UNESP Marlia-SP) ___________________________________
Suplentes:
Dra. Cyntia Graziela Guizelim Simes Girotto (UNESP Marlia - SP)
Dra. Nanci Lzara de Barros Amancio (UFMT Rondonpolis MT)
Dra. Renata Junqueira de Souza (UNESP Presidente Prudente SP)
5
A todas as crianas...
(SCHULZ, 2012, p. D4).
6
AGRADECIMENTOS
Agradeo,
A Deus, por tudo.
A minha me Ivelin Tabachini Ferreira, que sempre esteve presente com seu apoio
valorizando minhas conquistas. Com sua luta e perseverana, me deu as condies para alcanar
meus prprios sonhos.
Aos meus irmos amados, Melrian Ferreira da Silva Simes e Kelson Tabachini Ferreira, que
nos momentos de alegria compartilharam dos meus sorrisos e, nos momentos de desnimo, me
ajudaram a continuar.
Ao meu orientador Prof. Dr. Dagoberto Buim Arena, que me acolheu como sua orientanda
por duas vezes. Obrigada por acreditar em mim e por incansavelmente investir na minha
formao. Agradeo sua atitude responsiva que, em todas as situaes, potencializaram a minha
atuao docente e acadmica. Agradeo sua orientao generosa, sua presena sincera, intensa e
sensvel e por ser exemplo de educador, de trabalho e de competncia. Quando eu crescer, quero
ser como voc!.
s crianas que criaram em mim a necessidade de compreender o meu objeto de estudo e por
reiterarem diariamente que, aprender, uma das melhores coisas que existe.
Prof Dr. Stela Miller, por todas as contribuies valiosas, no somente na minha
trajetria como pesquisadora, mas tambm como docente. Obrigada por seu olhar criterioso e
cuidadoso com o trabalho de pesquisa. A voc dedico meu respeito e gratido.
Ao Prof Dr. Irineu Aliprando Viotto Filho pelas sbias palavras e por contribuir de maneira
valorosa com esta tese.
Prof Dr. Suely Amaral Mello, a quem tenho imensa admirao. Obrigada pela confiana
de sempre. Agradeo por potencializar meus estudos e por me instigar a buscar uma educao
humanizadora para as nossas crianas.
Prof Cludia Beatriz de Castro Nascimento Ometto por fazer parte da banca de defesa e
por sua disponibilidade em ajudar.
7
Especialmente s professoras Dr. Cyntia Graziela Guizelim Simes Girotto, Dr. Nanci
Lzara de Barros Amncio e Dr. Renata Junqueira de Souza pela leitura atenta e pelo apoio
oferecido.
A Meire Alice Tonini pelo incentivo, apoio e amizade acompanhando com entusiasmo cada
etapa desta tese, e, agradeo tambm a equipe da escola em que foi realizada a pesquisa.
As minhas amigas Adriana Frabetti e Cristiane Maria Martini que me fortalecem sempre com
sua amizade fraterna.
A minha querida Flvia Cristina de Oliveira Murbach de Barros pela parceria, pelas
reflexes e pelo presente da sua amizade iniciada no doutorado.
A Silvana Paulino de Souza que, com sua generosidade e sabedoria, me sustentou em um
momento difcil da caminhada. Jamais me esquecerei do seu gesto humanizado que me trouxe
tanto alento.
Ao meu amigo querido, Alexandro Henrique Paixo, que mesmo distante sempre presente.
Obrigada por ser essencialmente voc.
A Eliana Maria D. Romera de Souza, pessoa querida, presena inestimvel que zela pelos
meus avanos. Obrigada por me ajudar a entender tantas coisas...
Obrigada a todos que participam da minha vida e da minha formao e aqueles que, direta ou
indiretamente, contriburam para este trabalho.
8
S me torno consciente de mim, s me torno eu mesmo
me revelando para outrem, atravs de outrem e com a
ajuda de outrem. Os atos mais importantes, constitutivos
da conscincia de si se determinam por uma relao
com outra conscincia (a um tu). A ruptura, o
isolamento, o fechamento em si a razo fundamental
da perda de si [...] O ser mesmo do homem uma
comunicao profunda. Ser significa comunicar. Ser
significa ser para outrem e atravs dele, para si. O
homem no possui territrio interior soberano ele est
inteiramente e sempre numa fronteira; olhando para si,
ele olha nos olhos de outrem ou atravs dos olhos de
outrem. Eu no posso prescindir de outrem, no posso
tornar-me eu mesmo sem outrem; eu devo me encontrar
em outrem, encontrando outrem em mim (no reflexo, na
percepo mtua). [...] (BAKHTIN, 1987, p. 287).
9
RESUMO
Esta tese relata a pesquisa que apresenta como objetivo geral: analisar como ocorre o processo de
apropriao da leitura e da escrita das crianas de cinco e seis anos por meio dos gneros
discursivos no contexto das tcnicas Freinet, e como objetivos especficos: 1) Analisar como o
ensino dos gneros discursivos carta, relatos de vida, notcia de jornal interfere na
aprendizagem da leitura e da escrita das crianas de cinco e seis anos; 2) Discutir quais relaes
as crianas de cinco e seis anos estabelecem com os elementos dos gneros discursivos
contedo temtico, estilo e construo composicional e de que forma estas relaes atuam no
processo de formao do leitor e do re-criador de textos; 3) Identificar condutas prprias de leitor
e de re-criador de textos (orais e escritos) como parte do processo de apropriao da leitura e da
escrita; 4) Investigar como o trabalho pedaggico com os diferentes gneros discursivos pode
contribuir para a apropriao da leitura e da escrita pelas crianas de cinco e seis anos. A
pesquisa ancorou-se nos pressupostos tericos de Bakhtin em dilogo com a Teoria Histrico-
Cultural, com a Pedagogia Freinet e estudiosos do tema abordado. O trabalho de investigao
corresponde a uma pesquisa-ao com durao de sete meses, compreendidos entre maio e
dezembro de 2010. Participaram 20 crianas com idade de cinco e seis anos, de uma turma de
Infantil II, de uma escola pblica municipal de Educao Infantil da cidade de Marlia SP,
quatro professoras das crianas dos anos anteriores pesquisa, e a professora-pesquisadora. Foi
realizado um trabalho pedaggico intencionalmente organizado com enfoque em trs gneros
discursivos: carta, relato de vida e notcia de jornal. Como instrumento para gerao e coleta de
dados fez-se uso de entrevistas, observaes e das tcnicas Freinet como a correspondncia
interescolar, o livro da vida, o jornal da turma, a roda da conversa, a aula passeio. Os
instrumentos de anlise foram a anlise microgentica e anlise do discurso na perspectiva
enunciativa discursiva de Bakhtin. Os resultados da investigao indicaram a reconceitualizao
do ser leitor e do ser re-criador de textos na Educao Infantil. A criana concebida como
sujeito de suas aprendizagens em que atua de forma interativa; os gneros discursivos, a forma
como so apresentados e as mediaes estabelecidas no seu ensino contribuem para o processo de
apropriao e objetivao da leitura e da escrita pelas crianas pequenas, se ocorrerem de forma
dialgica e dinmica. Aponta-se tambm que as relaes com os elementos dos gneros
discursivos interferem no processo de formao leitora e escritora e com essas condies o
trabalho pedaggico orientado pela codificao e decodificao de sinais grficos para o ensino
do ato de escrever e do ato de ler pode ser descartado.
Palavras-chave: Leitura; escrita; gnero discursivo; Tcnicas Freinet; Educao Infantil.
10
ABSTRACT
This thesis reports research that presents as general objective: analyze how occurs the process
of appropriation of reading and writing for children five and six years by means of discursive
genres in the context of Freinet techniques, and as specific objectives: 1) Analyze how
teaching of discursive genres - letter, life stories, newspaper article - interferes with the
learning of reading and writing for children five and six years; 2) Discuss which relations
children of five and six years to establish the elements of discursives genres - thematic
content, style and compositional construction - and how these relations act in the process of
formation of the reader and the re-creator of texts; 3) Identify behaviors own reader and re-
creator of texts (oral and written) as part of the appropriation process of reading and writing;
4) Investigate how the pedagogical work with different discursives genres can contribute to the
appropriation of reading and writing for children five and six years. The research was
anchored on the theoretical principles of Bakhtin in dialogue with the Historical-Cultural
Theory, with Freinet Pedagogy and studious of the boarded subject. The research corresponds
to an research-action with duration of seven months, understood between May and December
of 2010. Participants were 20 children aged five and six years, a class of Child II, a municipal
public school kindergarten in Marlia - SP, four teachers of children in the years preceding the
survey, and the teacher-researcher. It was performed a pedagogical work intentionally
organized focusing on three genres: letter, life report and newspaper article. As a tool for the
generation and collection of data was made use of interviews, observations and techniques
such as matching interscholastic Freinet, the book of life, the newspaper of the class, the wheel
of the conversation class ride. The analysis tools were microgenetic analysis and discourse
analysis in the perspective of discursive enunciation Bakhtin. The research results indicated
the reconceptualization of being a reader and being re-creator of texts in Early Childhood
Education. A child is conceived as the subject of their learning in which it operates
interactively, the discursives genres, the way they are presented and mediations established in
their teaching contribute to the process of appropriation and objectification of reading and
writing by young children, if occur in a dynamic and dialogical. It is pointed out that relations
with elements of discursive genres interfere in the formation reader and writer and with these
conditions pedagogical work guided by the encoding and decoding of graphic signs for
teaching of writing and the act of reading can be discarded.
Keywords: Reading, writing, discursives genres; Freinet techniques; Childhood Education.
11
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Caracterizao dos sujeitos docentes ...........................................................57
Quadro 2 Caracterizao dos sujeitos docentes quanto formao.............................58
Quadro 3 Caracterizao dos sujeitos crianas.............................................................59
12
LISTA DE FOTOS
Foto 1 Situao de leitura de carta 19/03/10 Captulo IV...................................154
Foto 2 Situao de leitura de carta 16/05/10 Captulo IV...................................157
Foto 3 Situao de leitura de carta 01/06/10 Captulo IV...................................160
Foto 4 Situao de leitura de notcia de jornal 14/09/10 Captulo IV...............176
Foto 5 Situao de leitura de notcia de jornal 25/09/10 Captulo IV................183
Foto 6 Situao de escrita de carta 22/11/10 Captulo V....................................204
Foto 7 Situao de escrita de relato de vida 04/06/10 Captulo V.....................227
13
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Desenho de C1 e observaes escritas Captulo IV................................169
Figura 2 Carta escrita por C13 em 29/09/10 Captulo V.......................................210
Figura 3 Carta escrita por C13 em 02/12/10 Captulo V.......................................214
14
SUMRIO
INTRODUO.............................................................................................................................15
CAPTULO I A PESQUISA E A CRIANA: CAMINHOS DA METODOLOGIA........23
1.1 A concretude da pesquisa.........................................................................................................23
1.2 A pesquisa com crianas...........................................................................................................32
1.3 Metodologia de pesquisa: a pesquisa-ao...............................................................................36
1.3.1 Gerao, coleta e anlise dos dados......................................................................................39
1.4 Metodologia do trabalho docente e o ensino dos gneros discursivos.....................................49
1.5 Crianas e adultos: os sujeitos da pesquisa...............................................................................55
CAPTULO II CONCEITOS DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM DA LEITURA E
DA ESCRITA NA EDUCAO INFANTIL: DOS PROFESSORES E DAS
CRIANAS...................................................................................................................................62
2.1 A criana pequena, a cultura escrita e os gneros discursivos: ler e escrever na Educao
Infantil.............................................................................................................................................63
2.2 A atividade na leitura e na escrita.............................................................................................68
2.3 Aspectos da teoria bakhtiniana para se pensar o ensino da lngua...........................................70
2.4 Os que aprender a ler e a escrever na Educao Infantil? Os conceitos das
professoras......................................................................................................................................75
2.4.1 O ensino do ato de ler e de escrever......................................................................................93
2.4.2 O ensino da lngua materna...................................................................................................97
2.4.3 As prticas de leitura e de escrita: o gnero literrio...........................................................101
CAPTULO III A LEITURA E A ESCRITA NA ESCOLA DE EDUCAO INFANTIL:
O QUE PENSAM AS CRIANAS..........................................................................................109
3.1 Os conceitos das crianas no incio da pesquisa....................................................................110
3.2 Os conceitos das crianas no final da pesquisa......................................................................132
CAPTULO IV O ENSINO DA LEITURA E OS GNEROS DISCURSIVOS............146
4.1 A criana e seu estatuto de leitor...........................................................................................146
15
4.2 A leitura do gnero discursivo carta......................................................................................152
4.3 A leitura do gnero discursivo relatos de vida.......................................................................164
4.4 A leitura do gnero discursivo notcia de jornal....................................................................173
CAPTULO V O ENSINO DA LINGUAGEM ESCRITA E OS GNEROS
DISCURSIVOS..........................................................................................................................188
5.1 A criana e seu estatuto de criador de textos.........................................................................189
5.2 A escrita do gnero discursivo carta......................................................................................191
5.2.1 Evoluo na escrita do gnero discursivo carta..................................................................212
5.3 A escrita do gnero discursivo relatos de vida.......................................................................216
5.4 A escrita do gnero discursivo notcia de jornal....................................................................230
CONCLUSO.............................................................................................................................242
REFERNCIAS.........................................................................................................................253
APNDICES
APNDICE A Termo de consentimento livre e esclarecido do professor participante............263
APNDICE B Termo de consentimento livre e esclarecido da criana participante................265
APNDICE C Roteiro para entrevista semi-estruturada do professor.....................................267
APNDICE D Roteiro para entrevista semi-estruturada da criana........................................268
APNDICE E Transcrio das informaes coletadas por meio das entrevistas semi-
estruturadas das professoras.........................................................................................................269
APNDICE F Transcrio das informaes coletadas por meio das entrevistas semi-
estruturadas das crianas (Incio da pesquisa)..............................................................................280
APNDICE G Transcrio das informaes coletadas por meio das entrevistas semi-
estruturadas das crianas (Final da pesquisa)...............................................................................309
ANEXOS
ANEXO A Quadro de normas utilizadas na transcrio das entrevistas.................................315
16
INTRODUO
Se escrever entendido como o ato de construir sentidos pelo discurso, o ato de
ler tambm seria de construir sentido. Essa funo transformadora da lngua
obriga a didtica da leitura a elaborar novas condutas metodolgicas para
atender a esse novo leitor e s funes redescobertas do ato de ler. (ARENA,
2010b, p. 243).
So bastante conhecidas e debatidas as prticas mais comuns do ensino da leitura e da
escrita nas creches e pr-escolas brasileiras. Subsiste entre os professores a ideia de que ler e
escrever so habilidades para o domnio das quais os treinos de escrita as cpias, exerccios de
coordenao motora, de discriminao visual e auditiva, a repetio dos nomes das letras e das
slabas seriam suficientes (BISSOLI, 2009).
A despeito das pesquisas e de iniciativas que se contrapem a essas prticas, h
profissionais que insistem em limitar a formao de leitores e de re-criadores1 de textos ainda na
Educao Infantil, ao proporem exerccios de escrita enfadonhos e desvinculados da realidade, da
vida e dos interesses infantis. Esse fato causa um distanciamento para a criana perceber a lngua
em seu funcionamento, de estabelecer relaes com ela e por meio dela e de ser capaz de us-la
nos mais diversos contextos da sua realizao concreta, nas diferentes formas de comunicao
verbal que o sistema em uso permite realizar. Diante disso, o ensino da escrita nem sempre tem
calcado o seu objeto como linguagem escrita, o que, consequentemente, faz com que o foco
recaia nos aspectos formais do sistema lingustico.
Essas consideraes trazem outro problema. Sob o pretexto de evitar uma possvel
desmotivadora experincia com textos cuja compreenso estaria, supostamente, para alm das
possibilidades das crianas pequenas, evidenciando um conceito de criana, de educao, de
ensino e de aprendizagem empobrecidos, continuam a ser apresentados a elas, textos
simplificados, artificiais, cartilhescos, seguidos por exerccios que no permitem que a criana se
1 Neste trabalho, optei por utilizar a expresso re-criador de gneros discursivos por entender que a criana, ao re-
criar gneros discursivos, cria-os e recria-os a partir do que j foi criado e apropriado da cultura humana. Entende-se
que o ato de escrever, que envolve a imaginao, a criatividade est diretamente relacionado ao processo de
apropriao da cultura humana e das experincias que a criana participa. A opo pelo uso dessa expresso tambm
se justifica pela tentativa de estar em consonncia com os pressupostos tericos assumidos neste trabalho. Pensar em
re-criador de gneros discursivos entender que o to absolutamente novo to inconcebvel como o absolutamente
mesmo. (BAKHTIN, 1992, 2003). Nessa perspectiva, compreende-se a lngua como algo vivo, em movimento, que
se d nas relaes sociais, na interao com o outro, como criao da histria e da cultura humanas, que se renovam
e se reconstroem.
17
insira e participe da cultura escrita pela principal via: a do significado e do sentido (LEONTIEV,
1978).
Formar leitores e re-criadores de textos na Educao Infantil: eis o desafio que esta
pesquisa se prope a refletir tendo como fundamentao terica as contribuies de Vygotsky2 e
dos estudiosos da Teoria Histrico-Cultural; de Bakhtin e pesquisadores das concepes
bakhtinianas, e da Pedagogia Freinet.
Essa pesquisa tem origem em minhas inquietaes diante desses apontamentos acerca do
ensino da leitura e da escrita, e da minha experincia docente. Durante dez anos, como professora
dos anos iniciais do Ensino Fundamental na rede particular de ensino, e, atualmente, h oito anos
como professora na Educao Infantil na rede pblica municipal, sempre me intrigou o ensino da
leitura e da escrita com nfase na codificao e decodificao de sinais grficos, apartado da
produo de sentido e da prtica cultural, histrica e social. Esse quadro me instigava a buscar
outros encaminhamentos que pudessem contribuir para a reverso dessa situao.
Ao ingressar no trabalho na Educao Infantil me deparei com a incumbncia de
alfabetizar as crianas para que pudessem ingressar no Ensino Fundamental dominando a leitura
e a escrita, para que no encontrassem dificuldades nas aprendizagens nesse segmento e nos
demais. Havia uma crena por parte dos pais e dos professores de que quanto mais cedo as
crianas se alfabetizassem, melhores condies de sucesso na vida elas teriam, e isso era
considerado sinnimo de maior competncia dos professores que se empenhavam a todo custo
para faz-lo. Essas premissas no se coadunavam com o que eu constatava diante da minha
prtica porque as crianas no se interessavam, de modo geral, pelas tarefas que se detinham ao
ensino do ler e do escrever nessas condies.
Diante dessa situao e de outras experincias vividas no magistrio, busquei dedicar-me
ao estudo de uma teoria que alicerasse o meu fazer pedaggico. Na necessidade de romper com
a dicotomia teoria-prtica, gradativamente pude ir me apropriando de conhecimentos sobre a
criana, como ela aprende em cada idade, sobre a leitura, sobre a escrita e como a criana se
apropria dessa prtica cultural.
2 Nas diversas obras do autor russo e naquelas que tm seus pressupostos como objeto, a grafia de seu nome aparece
de maneira diferenciada: Vigotskii, Vigotski, Vygotsky, Vygotski. Optei, neste trabalho, pela grafia Vygotsky.
Entretanto, para ser fiel s indicaes presentes nas referncias bibliogrficas das quais utilizo, no caso de citaes
diretas ou indiretas, manterei a grafia presente nos originais.
18
O aprofundamento dessa temtica de forma mais sistemtica principiou-se com a pesquisa
de mestrado3 que se preocupou em estudar como as crianas iniciam o processo de apropriao
da leitura por meio do gnero discursivo histria em quadrinhos. Neste estudo, constatei que as
crianas tinham uma experincia de leitura focada na decifrao dos sinais grficos vinculada ao
ensino da leitura a que foram submetidas nos primeiros anos da Educao Infantil. A escolha do
uso do gnero discursivo histria em quadrinhos se deu devido ao fato de a maioria dos sujeitos
da pesquisa desconhecer o gnero e demonstrar interesse na ocasio de um contato inicial com
ele. Essa situao foi modificada quando pensei propor situaes reais de leitura que ocorreram
dentro de um contexto dialgico e intencional em que as relaes travadas pelas crianas
descartaram a possibilidade de conceber e viver a leitura desde a pequena infncia de forma
simulada e tcnica. Essas constataes permitiram perceber que desde a Educao Infantil,
A padronizao dos comportamentos, independentemente da natureza do objeto
ou da finalidade da ao praticada, constri obstculos para o aprendiz, porque
ele levado a enfrentar todos os objetos e todas as finalidades com as mesmas
ferramentas. Ao usar ferramentas inadequadas e colocar em ao
comportamentos inadequados em sua relao com o objeto, o aprendiz
independentemente de sua idade e nvel de escolaridade ser sempre
considerado como quem no sabe ler este ou aquele objeto, mas pode ser
considerado como leitor se utilizar adequadamente as ferramentas necessrias
para ler um material especfico. Relativiza-se, desse modo, o conceito de leitor,
porque este passa a no ter existncia nica e isolada, mas vincula-se ao objeto
de sua ao. (ARENA, 2003, p. 57).
Com a pesquisa do mestrado foi possvel reconceitualizar o ser leitor na Educao Infantil
assumindo o conceito de leitura como compreenso, produo de sentido, como prtica cultural,
histrica e social (ARENA, 2010b). Foi possvel constatar ainda que as crianas no conhecem
diferentes gneros discursivos. Em geral, predomina a leitura dos contos de fadas, por no serem
apresentados a elas outros gneros de forma mais intencional.
Com essas consideraes, esta pesquisa de doutorado prope a ampliao e
aprofundamento da discusso iniciada no mestrado, ao trazer tona, a investigao do processo
de insero da criana pequena na cultura escrita. A hiptese que norteia esse trabalho a de que
3 SILVA, Greice Ferreira da. Formao de leitores na Educao Infantil: contribuies das histrias em quadrinhos.
2009. 237f. Dissertao (Mestrado em Educao). Faculdade de Filosofia e Cincias, Universidade Estadual Paulista,
Marlia, 2009.
19
as crianas aprendem a lngua desde a Educao Infantil por meio dos gneros uma vez que a
lngua se manifesta pelos gneros quando o professor introduz o ensino dos gneros na escola
como instrumento de humanizao, como forma de apropriao da cultura humana. Dessa forma,
a relevncia desta pesquisa reside no fato de propor uma alternativa de trabalho na Educao
Infantil que envolva a leitura e a escrita que efetivamente contribua para a formao leitora e re-
criadora de textos das crianas inserindo-as na cultura escrita.
Esta pesquisa apresenta, como objetivo geral, analisar como ocorre o processo de
apropriao da leitura e da escrita das crianas de cinco anos por meio dos gneros discursivos no
contexto das tcnicas Freinet, e como objetivos especficos: 1) Analisar como o ensino dos
gneros discursivos carta, relatos de vida, notcia de jornal interfere na aprendizagem da
leitura e da escrita das crianas de cinco e seis anos; 2) Discutir quais relaes as crianas de
cinco e seis anos estabelecem com os elementos dos gneros discursivos contedo temtico,
estilo e construo composicional e de que forma estas relaes atuam no processo de formao
do leitor e do re-criador de textos; 3) Identificar condutas prprias de leitor e de re-criador de
textos (orais e escritos) como parte do processo de apropriao da leitura e da escrita; 4)
Investigar como o trabalho pedaggico com os diferentes gneros discursivos pode contribuir
para a apropriao da leitura e da escrita pelas crianas de cinco e seis anos.
Para tanto, dediquei-me ao estudo dos gneros discursivos na perspectiva bakhtiniana para
poder planejar as situaes de leitura e de re-criao de textos. Fiz um estudo sobre as
especificidades de cada um dos gneros discursivos a ser abordado no trabalho pedaggico
carta, relatos de vida, notcia de jornal aprofundando os conhecimentos que caracterizam cada
gnero. Ao tratar sobre os gneros discursivos na escola desde a Educao Infantil considero que
No d para higienizar essa perspectiva com o trabalho com a linguagem. No
d para deixar a vida de lado. Se isso acontecer, perdemos a possibilidade de
pensar em gneros do discurso, porque no teremos mais a linguagem
funcionando como correias de transmisso entre a histria da sociedade e a
histria da linguagem (BAKHTIN, 2003, p. 268). No porque estamos na
escola que vamos inventar um trabalho com a linguagem que dispense no
refletir de modo mais imediato, preciso e flexvel todas as mudanas que
transcorrem na vida social (idem, p.268). A escola das nuvens, lugar de
formao de um no-lugar, tem que ser destruda, e ceder lugar a uma escola
onde cabe a vida. (GRUPO DE ESTUDOS DOS GNEROS DO DISCURSO,
2010, p.47).
20
De acordo com estas afirmaes, os autores, ao partilharem as ideias de Bakhtin,
esclarecem:
E a vida est sempre em movimento, se instabiliza , pode ser olhada de ngulos
diferentes, se renova constantemente, apresenta sentidos atualizados. Assim
tambm a linguagem vive esse jogo de ser a mesma e ser diferente ao mesmo
tempo; ela joga com as foras centrfugas e com as foras centrpetas; vida e
lngua se constituem nos acontecimentos. (GRUPO DE ESTUDOS DOS
GNEROS DO DISCURSO, 2010, p.47).
Por concordar com os pressupostos apresentados que assumo neste trabalho de pesquisa
o conceito de linguagem, de leitura, de escrita, de gnero na perspectiva bakhtiniana. Para Rojo
(2005, p. 185), na perspectiva do interacionismo sociodiscursivo (ISD), a [...] teoria dos gneros
do discurso centra-se, sobretudo no estudo das situaes de produo dos enunciados ou textos
em seus aspectos scio-histricos [...] e [a] teoria dos gneros de textos na descrio da
materialidade textual. O quadro do ISD (SHNEUWLY E DOLZ, 2004; BRONCKART, 1997;
1999) prope uma teoria textual na qual os textos mobilizam gneros, em outras palavras, essa
teoria aborda gneros textuais. Bakhtin (2003) revela uma teoria discursiva em que os gneros
mobilizam textos e, desse modo, aborda gneros discursivos. Sobral (2006, p. 119) prope uma
diferenciao para gnero do discurso e gnero textual, o primeiro seriam formas de insero do
discurso em lugares scio-histricos e o segundo, formas especficas de materializao dessa
insero, sem que haja uma correlao necessria entre um dado tipo de textualizao e um dado
gnero. Assim,
O gnero mobiliza, mediante o discurso, formas textuais, mas no mobilizado
por elas, que so apenas seu aspecto material, um sine qua non necessrio mas
no suficiente para a compreenso e anlise do texto com os olhos do gnero. O
discurso o espao em que so mobilizadas as textualidades de acordo com o
gnero a que pertence o discurso. (SOBRAL, 2009, p. 130, grifos do autor).
Dessa maneira, os gneros discursivos so entendidos como prticas sociais relativamente
estveis de instaurao de eventos de sentido, realizando-se pelos discursos. Para Sobral (2006),
o gnero textual recobriria aspectos da significao, ou seja, aspectos relacionados ao sistema da
lngua, e de composio da estrutura textual, mas no abrangeria nem aspectos relacionados ao
sentido, ligados ao sistema de uso da lngua, nem da estrutura arquitetnica dos textos. O
21
conceito de gnero de Bakhtin abarca os aspectos textuais, discursivos e genricos de maneira
integrada, e vincula o texto ao gnero (SOBRAL, 2010). Texto, discurso e gnero so conceitos
que esto constitutiva e inseparavelmente ligados na teoria de gnero bakhtiniana. Pelos motivos
expostos, assumo neste trabalho o conceito de gnero discursivo. Esclareo ainda que na
entrevista com as professoras utilizo o termo tipos de textos porque em entrevista piloto as
professoras desconheciam o termo gneros do discurso e este termo foi gerador de dvidas.
Devido a esse fato, e na tentativa de aproximar ao conceito de gnero discursivo, optei adotar,
somente nas entrevistas, essa nomenclatura.
A pedagogia Freinet e suas tcnicas tambm foram alvo de estudos ainda mais
consistentes para que, aliados teoria Histrico-Cultural e a teoria bakhtiniana, pudessem
contribuir para a efetivao de uma prtica pedaggica promotora de aprendizagens.
Nesta pesquisa as tcnicas Freinet so compreendidas como um caminho para prticas que
possibilitem a apropriao da cultura pela criana, por seu uso social, ou seja, para aquilo para o
qual cada objeto da cultura foi criado e utilizado socialmente. Desta maneira, so vistas como
uma proposta alternativa para o trabalho na Educao Infantil que no antecipa o processo de
escolarizao, nem entrega ao espontanesmo o desenvolvimento das crianas.
O uso das tcnicas Freinet permite que a criana vivencie o papel das prticas sociais e
participe da vida na escola, porque a apropriao da cultura se estabelece com o desenvolvimento
de cada tcnica e as propostas tm maior possibilidade de se tornarem atividade (LEONTIEV,
1988) por envolverem a criana nesse fazer, porque os motivos que a levam a agir coincidem
com o resultado previsto para sua ao e, por essa razo, pode produzir sentido positivo aquilo
que realiza. Com as tcnicas Freinet no h necessidade de se criar situaes para ensinar a
leitura ou a escrita, porque elas so utilizadas para o registro de vivncias das crianas, o que
garante sua apropriao pelo prprio uso que a sociedade faz desses objetos culturais.
Desse modo, este trabalho de pesquisa organizado em cinco captulos. No captulo I A
pesquisa e a criana: caminhos da metodologia apresento os pressupostos terico-metodolgicos
desta investigao ao tratar da pesquisa e sua concretude, a aparncia e a essncia fenomnicas e
a superao da psedoconcreticidade no processo investigativo. Busco discutir a pesquisa com
crianas e suas implicaes na educao e apresento a metodologia adotada a pesquisa-ao e
a metodologia do trabalho docente para o ensino dos gneros discursivos. Ao tratar da
metodologia da investigao adotada, descrevo tambm a metodologia de coleta e de anlise de
22
dados. Apresento ainda a caracterizao dos sujeitos participantes da referida pesquisa no
momento histrico e cultural em que se deu a coleta dos dados.
No captulo II Conceitos de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita na Educao
Infantil: dos professores e das crianas, apresento o aporte terico dos conceitos basilares e
fundamentais para este trabalho concernentes ao ensino e aprendizagem, desenvolvimento
humano, cultura escrita, atividade, gnero do discurso, dialogismo. Realizo uma anlise dos
dados coletados nas entrevistas, os conceitos de leitura e de escrita, de gneros discursivos, de
ensino e de aprendizagem das professoras, participantes da pesquisa, e como eles influenciam os
conceitos ainda em elaborao pelas crianas. Essa anlise ancorada na concepo de
linguagem, de lngua e de gnero discursivo de Bakhtin, e na concepo de criana, de ensino e
de aprendizagem, de leitura e de escrita de Vygotsky, e de outros estudiosos da Teoria Histrico-
Cultural.
No captulo III A leitura e a escrita na escola de Educao Infantil: o que pensam as
crianas pequenas busco analisar e compreender por meio dos discursos das crianas, os
conceitos que elas elaboram sobre a leitura, a escrita e os gneros discursivos e de que forma os
conceitos das professoras que direcionam as suas prticas interferem nos conceitos e nas
aprendizagens dos sujeitos da pesquisa.
No captulo IV O ensino da leitura e os gneros discursivos discuto o que ser leitor na
Educao Infantil, como esse trabalho pode ocorrer dentro de um processo dialgico e o conceito
de leitura que norteia essa discusso. Em seguida, apresento situaes de leitura com as crianas
em trs momentos: o primeiro, no trabalho pedaggico com o gnero discursivo carta por meio
da correspondncia interescolar; o segundo, com o gnero discursivo relato de vida por meio do
livro da vida; e terceiro, com notcia, por meio do jornal escolar.
O captulo V O ensino da linguagem escrita e os gneros discursivos, destina-se
reflexo sobre o que ser re-criador de textos na Educao Infantil. Para tanto, trago o conceito
de texto e discuto a diferena entre criar textos e fazer redaes. Realizo ainda neste captulo, a
apresentao e anlise de situaes de re-criao de textos em trs momentos no trabalho
pedaggico, como foi proposto no captulo IV: o primeiro, no trabalho pedaggico com o gnero
discursivo carta por meio da correspondncia interescolar; o segundo, com o gnero discursivo
relato de vida por meio do livro da vida; e terceiro, com notcia, por meio do jornal escolar.
23
Devo esclarecer que nos captulos IV e V, nas situaes de leitura e de escrita dos gneros
discursivos, que explicitam o trabalho pedaggico denotando a minha ao direta com as crianas
num processo interativo, os dilogos apresentados sero escritos em primeira pessoa por ser eu
mesma a professora e a pesquisadora.
Ao finalizar a apresentao dos aportes tericos articulados com a anlise e a discusso
dos dados resultantes da pesquisa, elaboro a concluso desta tese de doutorado com a inteno de
explicar o percurso de sua elaborao e de apontar alguns caminhos que possam contribuir
possivelmente com o processo de formao do leitor e do re-criador de textos na Educao
Infantil, a sua insero e participao ativa na cultura escrita.
24
CAPTULO I
A PESQUISA E A CRIANA: CAMINHOS DA METODOLOGIA
A destruio da psedoconcreticidade o processo de criao da realidade
concreta e a viso da realidade, da sua concreticidade (KOSIK, 1976, p. 19).
A cincia se dedica a desvendar o mundo que nos cerca na tentativa de tornar explcito o
contedo dos fenmenos e compreender a realidade. O homem cria, em suas relaes, um
mundo cujos fenmenos compem e constituem a esfera do cotidiano, do imediato, do evidente e
da aparncia (ARENA, 2010a). Superar a psedoconcreticidade ultrapassar a aparncia em
busca do entendimento da realidade concreta, da criao dessa realidade concreta.
Baseado nessas afirmaes, este captulo se dedica em apresentar os pressupostos terico-
metodolgicos desta investigao ao tratar da pesquisa e sua concretude, a aparncia e a essncia
fenomnicas e a superao da psedoconcreticidade no processo investigativo. Nesse contexto,
busca discutir a pesquisa com crianas e suas implicaes na educao e apresenta a metodologia
adotada a pesquisa-ao e a metodologia do trabalho docente para o ensino dos gneros
discursivos. Em seguida, caracteriza os sujeitos participantes da referida pesquisa no momento
histrico e cultural em que se deu a coleta dos dados.
1.1 A concretude da pesquisa
Este trabalho parte do pressuposto de que a criana desde a Educao Infantil aprende a
lngua por meio dos gneros discursivos uma vez que a lngua se manifesta pelos gneros
quando o professor introduz o ensino dos gneros na escola como instrumento de humanizao,
como forma de apropriao da cultura humana.
Essa investigao objetiva compreender a pesquisa como um espao de constituio do
sujeito, como uma atividade da prxis humana (SILVA, 2009). Entender a pesquisa como
elemento essencial na formao do sujeito possibilita o desenvolvimento de aspectos
relacionados construo do conhecimento e da emancipao do homem (SILVA, 2009).
25
Compreender a formao do sujeito compreender o processo de tornar-se humano. Para
Vygotsky psiclogo russo e principal representante da Teoria Histrico-Cultural o homem
no nasce humano, mas aprende a ser humano medida que atua sobre a realidade e se apropria
da cultura humana e a transforma. Entende-se por cultura humana o conjunto da produo do
homem e da natureza que existe fora desse homem, objetivamente, independente dele. por meio
da relao com os objetos socialmente criados e com os outros homens presentes e passados e
que deixam a marca de sua atividade nos objetos da cultura historicamente produzidos que o
homem se humaniza (MELLO, 1999). O homem se diferencia dos outros animais no apenas
pela sua histria peculiar no processo de evoluo biolgica, mas principalmente porque ao
mesmo tempo em que produz a sua prpria histria produzido por ela. Ser homem decorrente
de todo um processo de formao ocorrido num ambiente denominado cultura (SILVA, 2009, p.
158). O processo de hominizao resultado de uma passagem vida organizada na base do
trabalho, atividade criadora, produtiva, fundamental que faz do ser humano um ser diferente dos
animais. O homem o nico animal que age intencionalmente em busca de satisfazer suas
necessidades e de transformao (SILVA, 2009). Ao fazer isso, com a ao transformadora
consciente se d a criao de si mesmo, uma vez que ao modificar a natureza, modifica a si, de tal
modo que se torna humano no processo dialtico homem-natureza (SILVA, 2009).
Leontiev (1978), fundamentado nos estudos de Marx e Engels, afirma que
O desenvolvimento do homem, da sua vida, exige evidentemente uma interaco
constante do homem como meio natural, uma troca de substncias entre eles.
Esta interaco executa o processo de adaptao do homem natureza. Todavia
o homem adaptar-se natureza circundante no seno produzir os meios da
sua prprias existncia. Graas a isto, o homem diferentemente do animal,
mediatiza, regula e controla este processo pela sua actividade; ele prprio
desempenha, em face da natureza, o papel de uma potncia natural.
(LEONTIEV, 1978, p. 173).
Sobre esses pressupostos, Marx e Engels (2006, p. 44 45, grifos dos autores) esclarecem
que:
Pode-se distinguir os homens dos animais pela conscincia, pela religio ou por
tudo o que se queira. No entanto, eles prprios comeam a se distinguir dos
animais logo que comeam a produzir seus meios de existncia, e esse salto
condicionado por sua constituio corporal. Ao produzirem seus meios de
existncia, os homens produzem indiretamente, sua prpria vida material.
26
E ainda:
A forma pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende sobretudo
da natureza dos meios de vida j encontrados e que eles precisam reproduzir.
No se deve, porm, considerar tal modo de produo de um nico ponto de
vista, ou seja, a reproduo da existncia fsica dos indivduos. Trata-se muito
mais de uma forma determinada de atividade dos indivduos, de uma forma
determinada de manifestar sua vida, um modo de vida determinado. Da mesma
maneira como os indivduos manifestam sua vida, assim so eles. O que eles so
coincide, portanto, com sua produo, tanto com o que produzem como com o
modo como produzem. O que os indivduos so, por conseguinte, depende das
condies materiais de sua produo.
Ao considerar essas afirmaes, compreende-se que a primeira atitude histrica dos
homens em relao aos animais no necessariamente o fato de pensar, mas o de produzir seus
meios de sobrevivncia e, ao produzir seus meios de existncia coletivamente, desenvolve
linguagem, pensamento, sentimento, conscincia. Essa uma concepo materialista da
existncia humana e esta concepo de como o homem produz a sua existncia material
compreende no o indivduo isolado, mas em sociedade, onde a sua produo individual
determinada socialmente. Desse modo, no o indivduo natural como produto da natureza,
mas o indivduo social como um resultado histrico, no o indivduo ideal, mas o real, como uma
particularidade histrica (BITENCOURT; GAMA; s.d, p. 4). Essa materialidade histrica diz
respeito forma de organizao dos homens em sociedade atravs da histria, ou seja, refere-se
s relaes sociais construdas pela humanidade durante vrios sculos de sua existncia. Para o
pensamento marxista, esta materialidade histrica pode ser compreendida a partir das anlises da
categoria considerada central: o trabalho.
Aliados aos conceitos expostos, Vygostki (1995) e Leontiev (1978) explicitam que a
atividade humana uma mediadora da relao entre o homem e a natureza e, por meio dessa
relao, o homem cria novas atividades em funo de novas necessidades que so criadas. Os
conhecimentos adquiridos durante o desenvolvimento das faculdades e propriedades humanas
acumularam-se e transmitiram-se de gerao em gerao e essas aquisies devem
necessariamente ser fixadas (LEONTIEV, 1978). Esta nova forma de acumulao da experincia
filognica entendendo-se por desenvolvimento filogentico a evoluo da espcie humana no
decorrer da histria dos homens pode aparecer no homem na medida em que a atividade
27
especificamente humana tem carter produtivo. Essa atividade o trabalho (LEONTIEV, 1978).
O trabalho, realizando o processo de produo, sob duas formas, material e intelectual, imprime-
se no seu produto.
Pode-se dizer que as aptides e outros caracteres especificamente humanos no se
transmitem pela hereditariedade biolgica, mas adquirem-se no decorrer da vida, em outras
palavras, no desenvolvimento ontogentico que caracteriza o desenvolvimento do indivduo, a
partir do seu nascimento, por um processo de apropriao da cultura criada pelas geraes
precedentes. Para se apropriar dos objetos ou dos fenmenos que so produtos do
desenvolvimento histrico, necessrio desenvolver em relao a eles uma atividade que
reproduza, pela sua forma, os traos essenciais da atividade cristalizada, acumulada no objeto
(LEONTIEV, 1978), caracterizando o processo de apropriao como aquele que cria novas
aptides, novas funes psquicas.
De acordo com o exposto, a pesquisa pode ser entendida como uma atividade humana,
uma atividade criadora em que o homem produz conhecimento ao mesmo tempo em que
produzido por ele. A produo de conhecimento resultado da relao sujeito e objeto e ambos
se formam neste processo na medida em que se encontram com o objetivo de desvelar o real.
Assim sendo, a tentativa de explicar o real a busca pela superao da pseudoconcreticidade
(KOSIK, 1976). Essa expresso designa
O complexo dos fenmenos que povoam o ambiente cotidiano e a atmosfera
comum da vida humana, que, com a sua regularidade, imediatismo e evidncia,
penetram na conscincia dos indivduos agentes, assumindo um aspecto
independente e natural. (KOSIK, 1976, p. 11).
Para Kosik (1976, p. 9) a dialtica trata da coisa em si. Mas a coisa em si no se
manifesta imediatamente ao homem. O homem cria o mundo das relaes cotidianas que
compem a esfera do aparente, do imediato (ARENA, 2010a). Esse pressuposto remete a uma
abordagem do real que no o atinge plenamente, que se esgota na aparncia, entendendo por
real a forma pela qual o mundo se apresenta. Nesse sentido, a realidade se reduz s suas formas
fenomnicas, aparncia das coisas.
O mundo real (ou a totalidade concreta) encontra-se oculto pelo mundo da
pseudoconcreticidade, precisando ser descortinado para que se possa ter uma aproximao com o
real. Essas aproximaes so sucessivas e permanentes como um ir e vir em relao ao fenmeno
28
analisado, ou seja, necessrio realizar um detur (KOSIK, 1976, p.9). Quanto a essa questo,
Kosik afirma que
A atitude primordial e imediata do homem, em face da realidade, no a de um
sujeito cognoscente, de uma mente pensante que examina a realidade
especulativamente, porm a de um ser que age objetiva e praticamente, de um
indivduo histrico que exerce a sua atividade prtica no trato com a natureza e
com os outros homens, tendo em vista a consecuo dos prprios fins e
interesses, dentro de um determinado conjunto de relaes sociais. Portanto, a
realidade no se apresenta aos homens, primeira vista, sob o aspecto de um
objeto que cumpre intuir, analisar e compreender teoricamente, cujo plo oposto
e complementar seja justamente o abstrato sujeito cognoscente, que existe fora
do mundo e apartado do mundo; apresenta-se como o campo em que se exercita
a sua atividade prtico-sensvel, sobre cujo fundamento surgir a imediata
intuio prtica da realidade. (KOSIK, 1976, p. 10).
Para Kosik (1976) a manifestao do fenmeno pseudo-essncia necessita ser
ultrapassada para que se chegue verdadeira essncia que pode ser alcanada pelo movimento
dialtico. Isto no se manifesta com um conceito de verdade plenamente alcanvel, mas com
sucessivas aproximaes em sua busca. Para o autor (1976, p. 19), a destruio da
pseudoconcreticidade significa que a verdade no nem inatingvel, nem alcanvel de uma vez
para sempre, mas que ela se faz; logo, se desenvolve e se realiza. Assim, pode-se dizer que a
maior aproximao com a verdade depende do conhecimento sobre esse fenmeno, que est
relacionado construo histrica do sujeito, influenciada por mltiplas relaes sociais e com a
prpria construo do conhecimento.
Kosik (1976) afirma que necessrio utilizar-se da conscincia de maneira dialtica, uma
vez que conscincia reflexo e ao mesmo tempo projeo, registra e constri, toma nota e
planeja, reflete e antecipa, ao mesmo tempo receptiva e ativa (1976, p. 26). Tem como
pressuposto uma viso dialtica de mundo pelas pessoas considerada ampliada. A partir do
conhecimento do velho possvel alcanar tal viso e atingir um conhecimento novo, em que a
histria o ponto de partida para atingir este conhecimento e, desse modo, se alcanar a
totalidade concreta. Esta totalidade concreta pode ser atingida ao obter-se o conhecimento da
concreticidade do real, sempre acrescentando fatos novos dialeticamente. Esta realidade um
todo dialtico que no compreende a realidade total, mas uma teoria da realidade em que o
conhecimento humano permanentemente acumulado e processado no qual a concretizao se
29
realiza das unidades para o todo e do todo para as unidades. Nesse movimento, todo princpio
abstrato e relativo. Com relao a isso, vale ressaltar que:
O mtodo da ascenso do abstrato ao concreto o mtodo do pensamento, em
outras palavras, um movimento que atua nos conceitos, no elemento da
abstrao. A ascenso do abstrato ao concreto no uma passagem de um plano
(sensvel) para outro plano (racional): um movimento no pensamento e do
pensamento. Para que o pensamento possa progredir do abstrato ao concreto,
tem de mover-se no seu prprio elemento, isto , no plano abstrato, que
negao da imediatidade, da evidncia e da concreticidade sensvel. A ascenso
do abstrato ao concreto um movimento para o qual todo incio abstrato e cuja
dialtica consiste na superao dessa abstratividade. O progresso da
abstratividade concreticidade , por conseguinte, em geral da parte para o todo
e do todo para a parte; do fenmeno para a essncia e da essncia para o
fenmeno; da totalidade para a contradio e da contradio para a totalidade, do
objeto para o sujeito e do sujeito para o objeto. (KOSIK, 1976, p. 30).
Isto posto, entende-se que para conhecer uma realidade, desvendar sua essncia, perceber
suas leis de movimento e funcionamento, o pesquisador faz uso da sua capacidade de abstrao e
este recurso abstrao que torna possvel ao pensamento, ao pensamento humano, decompor o
todo, uma vez que o real tal como se apresenta num primeiro momento tem um aspecto uno,
direto. Faz-se necessrio decomp-lo, identificar suas unidades fundamentais, apontar o que
secundrio para que, num segundo momento, compreendida a sua coerncia interna, ele seja
novamente reconstitudo em outros moldes, em outro todo. Como afirma Kosik (1976, p. 14) [...]
sem decomposio no h conhecimento e explicita ainda que [...] o conceito e a abstrao,
em uma concepo dialtica, tem o significado de mtodo que decompe o todo para poder
reproduzir espiritualmente a estrutura da coisa e, portanto, a coisa. Em outras palavras pode-se
afirmar que a mente humana precisa fazer uma anlise do objeto e separ-lo em partes porque o
real no se d a conhecer de forma direta em todo o seu ser. Por esse motivo h a necessidade de
se recorrer abstrao como um dos movimentos essenciais formulao do conceito, mas que
no este o momento final do conhecimento.
Para Kosik (1976), o processo de conhecimento parte do concreto imediato, da aparncia
das coisas, passa pela abstrao (analisando e seccionando o todo) e chega novamente ao
concreto, agora compreendido e recomposto em sua real ordem interna. Como Kosik explicita:
Da vital, catica, imediata representao do todo, o pensamento chega aos
conceitos, s abstratas determinaes conceituais, mediante cuja formao se
30
opera o retorno ao ponto de partida; desta vez , porm, no mais como ao vivo
mas incompreendido todo da percepo imediata, mas ao conceito do todo
ricamente articulado e compreendido. (KOSIK, 1976, p. 29).
Isto posto, Pires (1997) revela que para se compreender o fenmeno h a necessidade
lgica de descobrir nos fenmenos, a categoria mais simples (o emprico) para chegar categoria
sntese de mltiplas determinaes (concreto pensado). Quanto mais abstraes (teoria) se puder
pensar sobre a categoria simples, emprica, mais prximo se est da compreenso da realidade.
O sujeito nessa perspectiva um ser social, que se torna produtivo por meio do
desenvolvimento de suas atividades, pelas quais conhece o mundo e se relaciona dialeticamente
com ele. Por tal razo, necessrio conhecer a realidade social do sujeito, o contexto em que est
inserido e em que se do as relaes que estabelece para uma maior compreenso do todo. Ao
conhecer a realidade do sujeito historicamente construdo, aproxima-se da compreenso do todo e
afasta-se da pseudoconcreticidade, at a sua superao, sai-se da aparncia do fenmeno para se
chegar a sua verdadeira objetividade (KOSIK, 1976).
Em consonncia com essa afirmao, Silva (2009) esclarece que o problema do
conhecimento est representado no marxismo na relao dialtica sujeito e objeto. O princpio
da interao existente entre os eixos da relao cognitiva produzido no enquadramento da
prtica social do sujeito, que captura e dialoga com o objeto na e pela sua atividade (SILVA,
2009, p. 13) e acrescenta que o conhecimento diz respeito primeiro historicidade do sujeito e do
objeto. Nesse sentido, a dialtica surge como uma tentativa de superao da dicotomia, da
separao entre o sujeito e o objeto.
Com base nesses pressupostos, pode-se dizer que o que se tenta fazer no percurso da
pesquisa explicar o concreto e, para isto, necessrio transpor pela abstrao o concreto-dado
para o pensamento, produzindo assim, o concreto-pensado, que na realidade o concreto dado,
transposto para a mente humana. Feita essa transposio, preciso voltar novamente do concreto-
pensado para o concreto-dado, uma vez que ambos devem estar em ntima relao, pois do
contrrio, a pesquisa no teria sentido, na medida em que no conseguiria explicar a realidade,
fim ltimo de qualquer pesquisa compromissada e livre (SILVA, 2009, p. 13).
A pesquisa encontra no cotidiano, na prtica, o seu incio, seu ponto de partida. No
entanto, necessrio que por meio desse ponto de partida desenvolvam-se determinaes e
mediaes para que possam ser revelados os nexos constitutivos do objeto de estudo, para que os
31
sujeitos possam, por meio da unidade pensamento-reflexo, transformar a realidade e a si
mesmos. A dialtica pressupe que as interpretaes feitas relativas ao mundo devem ser
encaradas como passveis de modificaes e reconstrues, porque a interpretao prtica de
transformar o mundo em que vivemos desencadeia ao mesmo tempo um processo de
transformao social em um mundo de constantes e permanentes transformaes. Este processo
o da autocrtica e da crtica realidade social.
Neste processo investigativo ora apresentado, se busca compreender o fenmeno
educativo ao descobrir suas mais simples manifestaes, para que ao analis-las e elaborar
abstraes sobre elas, possa se aproximar cada vez mais da compreenso do fenmeno
observado.
Quanto dialtica Kosik (1976, p. 33) afirma que o mtodo da reproduo espiritual e
intelectual da realidade, o mtodo do desenvolvimento e da explicitao dos fenmenos
culturais partindo da atividade prtica objetiva do homem histrico. Nesta vertente, existe uma
unicidade entre teoria e prtica, em outras palavras, entre o conhecimento e a ao. na unidade
articuladora entre a ideia e a ao ou entre a teoria e a prtica que se efetiva a historicidade
humana, concretizada no movimento de constituio da realidade social (ABRANTES;
MARTINS, 2007, p. 315). Assim:
A construo prxica do conhecimento nos remete, portanto, realidade
histrica a se conhecer, visto que os indivduos se desenvolvem em relaes de
apropriao da histria contida nos objetos produzidos pelo homem e nas
relaes estabelecidas entre eles na base de tais produes. Mas para uma efetiva
compreenso da dimenso prxica do homem, outro preceito deve ser levado em
conta, qual seja, a unidade inicial existente entre sujeito e objeto do
conhecimento. (ABRANTES; MARTINS, 2007, p. 315).
Kosik (1976, p. 30) esclarece que o processo do abstrato ao concreto, como mtodo
materialista da realidade, a dialtica da totalidade concreta, na qual se reproduz idealmente a
realidade em todos os seus planos e dimenses. Por essa razo, para o pensamento dialtico h
duas formas e dois graus de conhecimento da realidade e, por conseguinte, duas qualidades da
prxis humana (KOSIK, 197, p.13). Uma delas est relacionada ao fato de que o conhecimento
da realidade histrica um processo de apropriao terica, crtica porque implica interpretar e
avaliar os fatos empricos, procurando superar as primeiras impresses, as representaes
fenomnicas e chegar ao cerne de suas leis fundamentais. Feito pelo pesquisador o trabalho de
32
apropriao, organizao e exposio dos fatos, o resultado ser o conhecimento objetivo desses
fatos, o concreto-pensado. Assim que, do processo dialtico de conhecimento da realidade
que a transforma no plano do conhecimento e no plano histrico-social, resulta uma prxis crtica
revolucionria da humanidade (BITENCOURT; GAMA, s.d, p. 7).
O outro conhecimento o do senso comum, dado pela imediaticidade, resultado da
atividade prtico-sensvel dentro de um determinado conjunto de relaes sociais e esse
conjunto dos fenmenos marcado pela regularidade, imediatismo e evidncia que constitui o
mundo da pseudoconcreticidade. Com isso,
A prxis que advm deste a prxis fragmentria dos indivduos, baseada na
diviso do trabalho, na diviso da sociedade em classes e na hierarquia de
posies sociais que sobre ela se ergue e neste contexto historicamente
determinada e unilateral, a prxis fetichizada dos homens. (KOSIK, 1976, p.
14 15).
nessa prxis fetichizada dos homens que se d o mundo da pseudoconcreticidade e
Kosik (1976, p. 11) define o mundo da pseudoconcreticidade como um claro-escuro de verdade
e engano e explicita que seu elemento prprio o duplo sentido, ou seja, o fenmeno indica a
essncia, mas tambm a esconde. Esclarece ainda que embora a essncia se manifeste no
fenmeno isso acontece s de modo inadequado, parcial, ou apenas sob certos ngulos e
aspectos (KOSIK, 1976, p. 11).
na tentativa de superar a pseudoconcreticidade que o processo de pesquisa deve ocorrer.
A tentativa de ultrapassar o aparente em busca da essncia no esforo de tentar compreender essa
realidade e poder tambm transform-la. Dessa forma, pode-se dizer que o caminho do
conhecimento humano uma trajetria construda na busca da realidade, no rompimento da
pseudoconcreticidade que nunca se esgota totalmente. Pelo fato do homem atuar no mundo nele
realizar sua prxis , a realidade que se desvenda ao conhecer humano nunca est pronta e
acabada, no existindo independentemente do homem (BREITBACH, 1988, p. 121). Nas
palavras de Kosik (1976, p. 19) [...] o mundo da realidade o mundo da realizao da verdade,
o mundo em que a verdade no dada e predestinada, no est pronta e acabada, impressa de
forma imutvel na conscincia humana: o mundo em que a verdade devm.
Nessa perspectiva o item a seguir, aborda a pesquisa com crianas e as suas implicaes
na educao e destaca o conceito de criana e de infncia nos quais esse trabalho se apoia. Isto se
33
justifica por se tratar de uma pesquisa com e sobre as crianas e que traz em seu cerne formas de
se pensar o trabalho pedaggico de formao leitora e escritora com crianas na Educao
Infantil.
1.2 A pesquisa com crianas
A criana e a infncia tem sido alvo de muitas pesquisas em diferentes reas do
conhecimento (ARIS, 1978; FARIA, 2009; LEONTIEV, 1988; MELLO, 2007; SARMENTO E
PINTO, 1997; VYGOTSKI, 1995; entre outros). A presente pesquisa elege como tema o
processo de insero da criana pequena na cultura escrita e o uso dos gneros discursivos na
Educao Infantil, uma vez que objetiva pensar em prticas de leitura e de escrita nesse momento
da escolaridade de modo que a criana estabelea relaes com o escrito, interaja com ele e pense
nos diferentes modos de usar o escrito. Objetiva tambm desenvolver prticas de leitura e de
escrita em que as crianas, no sendo ainda convencionalmente alfabetizadas, pensem sobre a
lngua e sobre o seu funcionamento de forma dialgica e dinmica.
A atitude adotada na pesquisa com as crianas e apresentada neste captulo a tentativa de
ir alm das aparncias do fenmeno para aproximar-se da sua essncia (KOSIK, 1976), dado que
essncia e aparncia so produzidas pelo mesmo complexo social (MARX, 1974).
Assim, essa pesquisa se prope a pensar as crianas no como sujeitos passivos e
descontextualizados em que somente so percebidas para se estabelecer comparaes, formando
um conjunto de negativo que nada nos diz das peculiaridades positivas que diferenciam a
criana do adulto (VYGOSTKI, 1995 apud MARTINS FILHO, 2009, p. 82), mas, ao contrrio,
procura entender a criana como sujeito ativo em todo o processo de elaborao, reflexo, anlise
e de possveis transformaes. Nesse contexto, o processo investigativo pretende conhecer as
crianas e suas formas especficas de se relacionar com o mundo dos instrumentos culturais
objetivos materiais como a leitura, a escrita, o uso dos objetos humanos, ou subjetivos
imateriais como as relaes, as interaes, as conceitualizaes e os parceiros mais experientes.
Isto posto, revela uma possibilidade de descartar prticas de pesquisa colonizadoras e
adultocntricas em que so evidenciadas as disparidades de poder entre adultos e crianas e se
considera a alteridade da infncia e os diferentes aspectos que a distinguem do outro - adulto.
34
Nessa perspectiva, h a necessidade de ultrapassar o discurso esmagador legitimado
historicamente pela razo adultocntrica e que at recentemente alimentou as cincias humanas.
Em outras palavras, pensar na possibilidade de ouvir as crianas, de perceb-las e de reconhec-
las como atores competentes para falar de si prprios (BARBOSA; MARTINS FILHO, s.d., p.
4). Desse modo, busca-se uma competncia cada vez maior no que se refere comunicao entre
adultos e crianas, principalmente no que diz respeito aos procedimentos terico-metodolgicos
utilizados em pesquisas.
Sobre essa questo, Barbosa e Martins Filho (s.d., p. 3) esclarecem que ao contextualizar
historicamente as teorias de metodologias de pesquisas com crianas, percebe-se que elas nunca
foram consultadas, olhadas, ouvidas e muito menos consideradas. Segundo Qvortrup (1999), as
crianas nunca foram estudadas por seu prprio mrito na histria da humanidade. Para a cincia
teria que prevalecer a racionalidade adultocntrica, a qual descarta de certa forma, as
manifestaes das crianas. Nesse contexto, o que seria indicado pelas crianas no teria
cientificidade. Se hoje podemos criticar as metodologias tradicionais de pesquisas com/sobre
crianas, muito ainda temos que construir e avanar para garantir a cientificidade do
protagonismo infantil (MARTINS FILHO; BARBOSA,ns.d., p. 3). Nesse vis, preciso
encontrar uma metodologia que ajude o pesquisador a no projetar o seu olhar sobre as crianas e
colher delas somente aquilo que reflexo dos seus prprios preconceitos e representaes. Alm
disso, h ainda o fato de que as metodologias tradicionais em cincias humanas e sociais
acabaram por reproduzir os mesmos critrios e princpios a partir dos consagrados pelas cincias
exatas (SARMENTO E PINTO, 1997 apud MARTINS FILHO; BARBOSA, s.d., p. 3).
Ao reconhecer a participao ativa das crianas no processo de pesquisa, reconhecem-se
tambm os padres ticos que envolvem essa participao. Em outras palavras, promover a
participao das crianas nos processos que dizem respeito a elas, no pressupe responsabiliz-
las por decises pertinentes a esses processos (SARMENTO E PINTO, 1997).
Problematizar a dimenso do ensino e da aprendizagem da leitura e da escrita no tempo da
infncia da criana pequena requer discutir o conceito de criana e de infncia assumidos nesta
pesquisa. Isso exige pensar na criana concreta historicamente situada , com sua prpria
biografia, carregada de significados e sentidos prprios do tempo e do espao em que vive, das
relaes que trava, das expectativas a que submetida (BISSOLI, 2005, p. 60 61).
35
A criana de hoje com suas expectativas, necessidades e maneiras de perceber e atuar no
mundo no a mesma criana de geraes anteriores. As novas geraes so constitudas por se
apropriarem do legado deixado pelas geraes anteriores. Isso significa que as conquistas
humanas historicamente acumuladas so a base sobre a qual as crianas se humanizam. As
crianas se apropriam da cultura existente e produz como sujeitos novas manifestaes de
humanidade. Nessa vertente, Mello (2007, p. 88) afirma que
Esse conceito de que o ser humano aprende a ser o que como inteligncia ou
personalidade, e de que a cultura e as relaes com os outros seres humanos
constituem a fonte do desenvolvimento da conscincia revoluciona a
compreenso do processo de conhecimento que tnhamos at agora. Com a
Teoria Histrico-Cultural, aprendemos a perceber que cada criana aprende a ser
um humano. O que a natureza lhe prov no nascimento condio necessria,
mas no basta para mover seu desenvolvimento. preciso se apropriar da
experincia humana criada e acumulada ao longo da histria da sociedade.
Apenas na relao social com parceiros mais experientes, as novas geraes
internalizam e se apropriam das funes psquicas tipicamente humanas da
fala, do pensamento, do controle sobre a prpria vontade, da imaginao, da
funo simblica da conscincia , e formam e desenvolvem sua inteligncia e
sua personalidade.
Nesse enfoque, a criana forte, competente e capaz de aprender. capaz de estabelecer
relaes, de interagir, de atuar, de criar e de recriar, de ser sujeito de suas aprendizagens, de
internalizar conhecimentos e atribuir sentido a eles por meio das relaes sociais de que participa
e do lugar que ocupa nessas relaes e no mundo (LEONTIEV, 1988). Desse modo, a infncia
o momento em que a criana entra na cultura humana e se apropria dela.
Mas a infncia tal como se pensa nos dias atuais uma conquista recente dos ltimos
duzentos anos da histria (RIES, 1978; MELLO, 2007). A ideia de infncia no existiu sempre
e da mesma maneira. Essa ideia aparece com a sociedade capitalista urbano-industrial, na medida
em que modificam a insero e o papel da criana na comunidade. Na sociedade feudal, a criana
exercia um papel produtivo direto um papel de adulto assim que ultrapassava o perodo de
alta mortalidade. Na sociedade burguesa a criana passa a ser algum que precisa ser cuidada,
escolarizada e preparada para uma atuao futura. Este conceito de infncia determinado
historicamente pela modificao nas formas de organizao da sociedade (KRAMER, 1982, p.
18). A historicidade da infncia implica diferenas fundamentais entre as crianas que vivem em
sociedades diversas, considerando que so as condies de vida e educao (LEONTIEV, 1978)
36
de cada espao e tempo os elementos responsveis pelo decurso do desenvolvimento das
capacidades humanas (MUKHINA, 1996). A concepo de infncia quer significar que as
crianas habitam, do cor, vida e movimento aos processos de sociabilidades e que pela
interao com a coletividade modificam as rotinas sociais. Isto implica afirmar que as crianas
no so apenas consumidoras de culturas, mas tambm re-produtoras ativas, sendo que o ato de
produzir cultura no neutro e nem natural, mas criado nas e pelas relaes que so
estabelecidas socialmente (MARTINS FILHO, 2011).
A criana um sujeito social e por tal razo, na pesquisa, a relao entre adulto e criana
no pode ser uma relao de submisso, mas de mediao, interao e negociao. Para negociar
preciso construir formas de comunicao e participao com, para e das crianas (MARTINS
FILHO; BARBOSA, s.d., p. 5).
As pesquisas acabam muitas vezes subestimando e subutilizando as informaes captadas
pelas vozes das crianas, ou em contraposio a isso, acabam superestimando as crianas, o que
de certo modo isol-las do contexto real. No que se refere participao dos adultos e das
crianas nas pesquisas, busca-se uma consonncia nessa relao porque se a criana ativa nesse
processo, o adulto no ser passivo e o contrrio tambm ocorre, o que ajuda a identificar a
posio dos sujeitos nas investigaes (MARTINS FILHO; BARBOSA, s.d. , p. 6). Essa
consonncia na relao entre adulto e criana no processo de pesquisa permite sair do
autoritarismo ou do espontanesmo muitas vezes presentes nas relaes pedaggicas e nas
pesquisas.
Essas proposies se direcionam para a necessidade de se buscar na pesquisa com as
crianas um processo dialgico. O ser humano, a criana, deve entrar em contato com os
fenmenos do mundo circundante por meio de outros homens, ou seja, num processo de
comunicao com eles. Pela sua funo, esse processo , portanto, um processo de educao e
produo cultural (VYGOTSKI, 1995). Ao assumir essa posio, pretende-se romper nesse
trabalho de investigao com a ideia de infncia como objeto de constante regulao e controle,
sendo necessrio, por isso, conhecer as especificidades dessa etapa da vida. Desta forma,
perceber as crianas nas relaes que elas travam com o professor, com o conhecimento e com
elas mesmas o que orientou todo o processo da pesquisa ora apresentada.
Pode-se dizer que a criana sujeito social, produto e produtora da sua prpria histria,
vivida e construda nas relaes com os adultos a sua volta (VYGOTSKI, 1995). Nesta
37
investigao considera-se a criana como um sujeito potencial competente para falar e informar
aos outros sobre si mesma. Pretende-se assim estabelecer uma relao dialgica na tentativa de
compreender a criana e as relaes que estabelece com o conhecimento no processo de insero
na cultura escrita.
O conceito de criana sob o olhar da Teoria Histrico-Cultural na qual essa pesquisa se
fundamenta e o estudo e a discusso sobre o processo de apropriao e objetivao da leitura e
escrita da criana desde a educao infantil foco desse trabalho no pretende deflagrar uma
ideia de que possvel e desejvel acelerar o desenvolvimento psquico da criana em detrimento
do encurtamento da infncia e submetendo-a a uma escolarizao precoce (ZAPHORZETS,
1987; MELLO, 2007). Ao contrrio, pretende compreender a criana em suas relaes com o
mundo respeitando as especificidades do seu desenvolvimento e poder contribuir com outras
formas de se pensar o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita com as crianas na pequena
infncia.
Envolver as crianas mais diretamente nas pesquisas pode resgat-las do silncio e da
excluso, e do fato de serem representadas implicitamente como objetos passivos (ALDERSON,
apud MICHELLI, 2005).
Segundo Sarmento (1997), os estudos da infncia, mesmo quando se concede s crianas
o estatuto de atores sociais, tm, geralmente, negligenciado a auscultao das vozes e
subestimado a capacidade de atribuio de sentido s suas aes e seus contextos. Por essa razo
que se pode afirmar que a participao das crianas nas pesquisas no se limita aos aspectos
exclusivamente da recolha de suas vozes, mas de querer compreender as suas expectativas e
representaes de mundo. Essa recolha de vozes refere-se aos olhares, expresses, gestos, falas,
atitudes, experincias e opinies das crianas que devem ultrapassar as formas de registros
utilizados na pesquisa, tentando compreend-los em sua essncia.
1.3 Metodologia de pesquisa: a pesquisa ao
Para Vygotsky e para Bakhtin, ns nos tornamos ns mesmos por meio das relaes que
estabelecemos com o outro. Ns existimos enquanto tal porque o outro nos completa e nos
orienta. Nessa perspectiva, Bakhtin (1992) permite pensar que uma situao de pesquisa sempre
um encontro entre sujeitos, um dilogo no qual pesquisador e pesquisado se re-significam. Desse
38
modo, a pesquisa passa da descrio e compreenso do que o outro apresenta, para um encontro
maior que vai alm (FREITAS, 2002). O pesquisador aquele que vai ao encontro do outro, que
interage com o outro de forma ativa colocando-se em seu lugar para perceber o que ele percebe,
mas que volta em seguida ao seu prprio lugar. Ao fazer isso, ter uma real compreenso do
outro promovendo uma resposta quilo que foi visto, dito e no dito. E essa resposta implica
ajudar o outro a avanar, a sair do lugar (FREITAS, 2002).
Posto isto, a pesquisa assume o compromisso de tentar compreender ativamente a
realidade de forma que possibilite transformaes em seus participantes. Por tal razo, a
metodologia adotada na realizao desta pesquisa caracterizada como uma pesquisa-ao. A
pesquisa-ao um tipo de pesquisa participante engajada que procura unir a pesquisa ao ou
prtica, em outras palavras, busca desenvolver o conhecimento e a compreenso como parte da
prtica. Este tipo de pesquisa surgiu da necessidade de superar a lacuna entre teoria e prtica
(ENGELS, 2000, p. 182).
Nessa perspectiva pode-se definir a pesquisa-ao como um tipo de pesquisa social com
base emprica que concebida e realizada em estreita associao com uma ao ou com uma
resoluo de um problema coletivo (THIOLLENT, 2003, p.14). Para tanto, os pesquisadores e
participantes representativos da situao ou do problema se encontram envolvidos de forma
cooperativa ou participativa. A pesquisa-ao crtica considera a voz do sujeito, sua perspectiva,
seu sentido, mas no meramente para registro e uma interpretao posterior do pesquisador. A
voz do sujeito far parte da tessitura da metodologia da investigao (FRANCO, 2005, p. 486).
Desse modo, a metodologia no se faz por meio das etapas de um mtodo, mas se organiza pelas
situaes relevantes que emergem no processo. Com base nessas afirmaes, reconhece-se o
carter formativo dessa modalidade de pesquisa, uma vez que o sujeito deve tomar conscincia
das transformaes que ocorrem em si prprio e no processo. tambm nesse sentido que este
tipo de pesquisa assume o carter emancipatrio, pois mediante a participao consciente, os
sujeitos da pesquisa passam a ter a oportunidade de se libertar de mitos e preconceitos que
organizam suas defesas mudana e reorganizam a sua autoconcepo de sujeitos histricos
(FRANCO, 2005, p. 486).
Os pressupostos epistemolgicos da pesquisa-ao caminham na direo de uma
perspectiva dialtica e consideram como fundamentais a priorizao da dialtica da realidade
social, da historicidade dos fenmenos, da prxis, das contradies, das relaes com a
39
totalidade, da ao dos sujeitos sobre suas circunstncias (FRANCO, 2005, p. 490). Neste caso, a
prxis deve ser concebida como mediao bsica na construo do conhecimento, uma vez que
por meio dela se veicula teoria e prtica, pensar e agir, pesquisar e formar. Nestas condies no
h como separar sujeito que conhece do objeto a ser conhecido, e o conhecimento no se limita
mera descrio, mas parte do observvel (aparncia) e o ultrapassa na tentativa de compreend-lo
e explic-lo (essncia) em busca da destruio da pseudoconcreticidade (KOSIK, 1976). Por esse
motivo, a interpretao dos dados s pode ocorrer num contexto determinado e concreto e o saber
produzido necessariamente transformador dos sujeitos e das circunstncias (FRANCO, 2005, p.
490).
Esses pressupostos se coadunam com a concepo de pesquisa apresentada neste trabalho
como um processo de formao e de emancipao do sujeito e por tal razo, opto pela pesquisa-
ao para a realizao desta pesquisa.
A escolha por esse tipo de pesquisa tambm se justifica diante das minhas experincias
como professora na Educao Infantil e por perceber nesse segmento da educao, prticas que
denotam uma preocupao com a alfabetizao precoce das crianas apoiada na codificao e
decodificao de sinais grficos. Tais prticas descartam a possibilidade de iniciar o processo de
insero da criana na cultura escrita nessa etapa da vida levando em considerao as
especificidades do desenvolvimento humano e garantindo vivncias que possam contribuir para
que as crianas se tornem leitoras e re-criadoras de textos. Outro elemento relevante se d pelo
fato de que h a predominncia de alguns poucos gneros discursivos em geral contos
narrativos no trabalho pedaggico com as crianas na Educao Infantil limitando por vezes as
possibilidades no ensino da lngua. Este fato pode ser constatado durante a minha pesquisa de
mestrado, quando as crianas participantes da pesquisa demonstraram desconhecer alguns
gneros discursivos como as histrias em quadrinhos gnero discursivo utilizado na realizao
da pesquisa com o intuito de investigar como ocorre a formao leitora das crianas na Educao
Infantil.
1.3.1 Gerao, coleta e anlise dos dados
Neste trabalho que ora apresento, realizei atividades prprias da pesquisa-ao e, como
pesquisadora e sujeito desta pesquisa, provoquei o aparecimento de dados por meio de aes
40
planejadas intencionalmente com o objetivo de criar necessidades de leitura e de escrita nas
crianas participantes da pesquisa. Para gerar os dados foi realizado um trabalho pedaggico
intencionalmente planejado no contexto das tcnicas Freinet, as quais abarcam diferentes gneros
discursivos. necessrio ressaltar que na pesquisa as tcnicas Freinet no foram realizadas
integralmente, mas foram adaptadas, uma vez que a turma de alunos faz parte de uma estrutura
global maior uma unidade escolar que no apresenta como proposta de trabalho a Pedagogia
Freinet. Essa perspectiva de trabalho com as tcnicas da Pedagogia Freinet faz parte da minha
prtica pedaggica como professora e dos estudos desse autor como pesquisadora da infncia e
dos processos de ensino e de aprendizagem da lngua. Todo o processo de gerao dos dados
relacionados ao trabalho pedaggico com as tcnicas Freinet ser abordado detalhadamente no
item 1.4 deste captulo em que ser exposta a metodologia do trabalho docente.
Inicialmente, para compreender a situao em que se encontram os sujeitos, verifiquei
como o ensino da leitura e da escrita e dos gneros discursivos foram abordados com as crianas
participantes desde que ingressaram na unidade escolar de Educao Infantil. As crianas fazem
parte de uma turma de Infantil II, que corresponde ao ltimo ano da Educao Infantil no
municpio de Marlia SP. Para tanto, tive contato direto com os sujeitos na turma em que
ministrava aulas e fiz as primeiras observaes em situaes de leitura e de escrita. Realizei um
levantamento e estudo da bibliografia referente ao problema da pesquisa estado da arte e
iniciei a etapa da coleta de dados.
Para a coleta de dados utilizei a entrevista com as professoras e com as crianas e a
observao. Entrevistei as quatro professoras dessa turma de Infantil II (crianas entre cinco e
seis anos) dos anos anteriores ao ano da realizao da pesquisa, desde quando as ingressaram na
unidade escolar, portanto, as professoras dessa mesma turma no Berrio (quando os sujeitos
tinham entre 1 ano seis meses a dois anos), Maternal I (quando os sujeitos tinham entre dois e trs
anos), Maternal II (quando os sujeitos tinham entre trs e quatro anos) e Infantil I (quando os
sujeitos tinham entre quatro e cinco anos). A entrevista com as professoras objetivou verificar
seus conceitos de leitura e escrita, seus conceitos sobre a insero da criana pequena na cultura
escrita e sobre o trabalho com os gneros discursivos na Educao Infantil, e tentar perceber
como essas prticas influenciaram a formao leitora e re-criadora de textos das crianas por
meio dos gneros discursivos.
41
Prestei as devidas informaes s professoras participantes quanto aos objetivos da
pesquisa, o livre arbtrio para participar ou no, ao uso dos dados coletados e o acesso aos
resultados. Esse mesmo procedimento de esclarecimento de participao de consentimento livre e
esclarecido foi feito com pais e/ou responsveis dos sujeitos crianas.
Duas das professoras foram entrevistadas no perodo contrrio ao seu perodo de trabalho
na prpria escola para que no houvesse nenhum prejuzo com relao s suas aulas ou
comprometimento quanto ao trabalho com seus alunos. E as outras duas professoras foram
entrevistadas numa tarde aps o trmino de uma reunio pedaggica da escola. Nesse dia de
reunio pedaggica, realizada em toda rede municipal da cidade de Marlia SP, somente a
direo, coordenao, professores e funcionrios comparecem unidade escolar, no havendo
aula para as crianas, e assim, as entrevistas se realizaram sem intercorrncias, em salas de aulas
desocupadas nas ocasies dadas, mas houve rudos de fundo em alguns momentos.
Com o objetivo de compreender mais detalhadamente o processo de insero da criana
pequena na cultura escrita e de compreender como a criana se apropria da leitura e da escrita por
meio dos gneros discursivos, realizei entrevistas com as crianas em dois momentos do trabalho
pedaggico: no incio da pesquisa, no ms de maio de 2010 e no final do ano letivo, no ms de
dezembro de 2010, momento do trmino do trabalho pedaggico com as crianas concernente
leitura e escrita dos gneros discursivos abordados nesta pesquisa carta, relatos de vida por
meio do livro da vida e a notcia de jornal. Ao entrevistar as crianas, verifiquei quais as ideias e
conceitos sobre leitura e escrita possuam, como lidavam com a leitura e a escrita, de que forma a
leitura e a escrita eram usadas em diferentes situaes na escola, quais os gneros discursivos que
conheciam e as informaes que tinham sobre eles. A deciso de entrevistar as crianas em dois
momentos foi com o objetivo de coletar o mximo de informaes e de analisar e avaliar as
variaes das respostas em diferentes situaes. Com esse pro