5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 1/57
(I) C.Q
Q
. . . . . . . ( 1 ) ,j;)' ::I,
- r - '~.I)0
c:'l (I)
~. 9:: 1 !.N CI)
~ 0CI) :l.S, 03 .~ ::I
9 ~CI)
y; 'n n::I ~.
n ::t.n;" ~
0
9 CI)
n "0:: s ~. . . . :: s0 CI)
~ ~0 c.
0. : : s "'IQ ~CI) < 1 > ,
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 2/57
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 3/57
Capitulo S
o saber local: fatos ~ leis em unla
perspectiva comparativa
\ .
IAssirn como a navegacao, a jardinagem e a poesia, 0
direito e aetnografla tarnbern sao artesanatos locals: funcio-
nam a luz do saber local. Urn caso individual, seja de 0 de
Palsgraff ou 0da Ponte sobre 0Rio Charles, proporciona ao
direito nao so as bases que dao origem a toda uma serie de
reflexoes, mas tarnbern 0proprio objeto que the da orienta-
c;ao; no caso da emografia, as praticas estabelecidas, tais
como 0otlatcb ou 0couvade, tern a rnesrna funcao, Sejarn
quais forern as outras caracteristicas que a antropologia e a
jurisprudencia possam ter em comum - como por exernplo
uma linguagern erudita meio incompreensivel e lima certa
aura de fantasia - ambos se entregam a tarefa artesanal de
descobrir principios gerais em fatos paroquiais, Repetindo,
lima vez mais, 0proverbio africano: "a sabedorla vern de lim
monte de forrnigas."
Dada a sernelhanca entre suas visoes do rnundo e ate na
maneira como focalizam 0objeto de seus estudos (urn
cnfoque no qual "para conhecer a cidade e precise conhecer
suas ruas'') pareceria que advogados e antropologos forum
feitos urn para 0 outro e que 0 intercarnbio de ideias e de
argurnentos entre des deveria fluir com enorrnc facilidade.
No entanto, essa sensibilidade pelo caso individual pode
tanto dividir como unir e, ernbora 0 hornem que dirija urn
iate e urn outro que plante uvas possam ter urna admiracao
reciproca pelo significado da vida do outro. isso n.io irnplica
que tenharn muitos assuntos em COJ11UJ11 para convcrsar, 0
advogado e 0 antropologo, ambos connoisseurs de casos
2-i9
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 4/57
j
!.I
I
I
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 5/57
t ribais - nern como urna forma de criucar 0que esd sendo
feito hoje em dia, sobre ternas sernelhantes e utilizando
concertos tarnbern sernelhantes (a excecao de alguns esru-
dos fascinanres como 0 de Sally Falk Moore sobre respon-
sabilidadc estrira ou Lawrence Rosen sobre discricao
judicial), e sim para distanciar-me desses trabalhos." A rneu
ver, aoconsidcrar 0produto do encontro da etnografia e Q9
direito como um desenvolvimento interno da propria antro-
pologia que teria dado origem a uma subdisciplina semi-au-
tonorna e especializada,' como a psicologia social, ou a
exobiologia, ou a historia da ciencia, os antropologos (res-
tringindo-me a eles por enquanto; minhas criticas aos advo-
gados vir iio a seguir) tentararn resolver 0problema do saber
local enveredando justamente pelo caminho errado. A evo-
lucao de novos ramos das disciplinas estabelecidas pode
fazer sentido quando sc trata do aparecimento de fenome-
nos genuinamenre intermediaries, que nao se cnquadrarn
inteirarnente em nenhum dos ramos ja desenvolvidos, como
no caso da bioquimica; ou quando se trata de transferir
conceitos-padrao para areas ainda nao padronizadas, comono caso da astrofisica. No caso do direito e da antropologia,
no cntanto, onde cada parte apenas se pergunta - a s vezesesperancosamente, outras, corn ceticisrno - se a outra parte
pode ter em algum lugar alguma coisa que Ihe vcnha a ser
util na resolucao de alguns de seus proprios problemas
classicos, a situacao e diferente. 0 que esses coloquialistas
ern potencial necessitarn ndo c uma disciplina centauro -
plantacao de uvas nautica ou navegacfio em vinhedos - e sim
uma consciencia rnaior e rnais precisa do que a outra disci-
plina significa.
,JI}
5.J
'1 -)
. ..l
2. B. Malmowsk]. Crime and custom in sartl:.:esociety, Londres. 19.1(,;K. Llewellyn
e E.A.l luchd. 711('cheyenne 1 1 ' < 1 . 1 ' . Norman, Oklahoma, 19-1I ; '.1. Gluckman. Tbe
judicial pmc ...ssamong the Barotsc 0/Xortbern Rhodesia, Manchester. 19;;.
rev. ed. 1<)(,7; I' Bohannan. justice and judgement amollg tbe 7 1 1 ' a/Nigeria,
Londre s , 19F.
2.,2
. - - - - - - -I
, ,
Por sua vez, creio que para que essa consctencia se
desenvolva c nccessario que se adore urna abordagem mais
desagreganre que a atual; niio urna mera tentativa de unir 0
direito, simpliciter, a anrropologia, sans phrase, mas sim
urna busca de temas especiflcos de analise que. mesrno
aprcsentando-se em forrnatos diferentes, e sendo tratados
de rnaneiras distintas, encontram-se no caminho das duas
disciplinas. Parece-rne tarnbern que isso exige um metodo
menos internalista, que nao seja algo como "nos lhe ataca-
mas, voces nos atacarn, c que os ganhos fiqucrn onde
cairern'': nao um esforco para imprcgnar costumes socials
com significados juridicos, nern para corrigir raciocinios
juridicos atr :~v~_Qe_descobertas antropologicas, e sim um ir
e vir hermeneutico entre os do is campos, olhando primeira-
mente em uma direcao, depois na outra, aJirn de fO!lll~ll~r
as questoes morais, politicas e intelectuais que sao impor-
tantes para ambos.
o tema de que gostaria de tratar a seguir, utilizando essa
metodologia, pode ser cxpresso, em termos os mais amplos
possiveis - tao amplos que chcgam a nao ter uma estrurura
- como 0clacionamento entre fatos e leis. Essa questao, em
sua formulacao e/deve ser, sein/sollen, e todas as ques. toes
rncnores par ela geradas, e urn tema classico na filosofia
ocidental, pdo rnenos desde Hurne e Kant; e na jurispruden-
cia, qualqucr debate sobre Ids narurais, ciencia politica ou
legitirnacao positiva tendern a transforma-Io no ponto rnais
crucial de todos os pontos cruciais. Aparece tambcrn, sob a
forma de interesses bastantc cspecificos, e expresses de
maneira bastante concreta, na Iinguagern cotidiana do direi-
to _c da antropologia: no primeiro caso, aparece associ ado
com a relaciio entre as dirnensocs evidenciais e nomisticas
cia adjudicac.io, ou seja, 0 que ocorreu e 0 que c legal: QO.
segundo. com a rclacao entre as padroes do cornportamento
observado que realmenre existent na pratica, e as convencocs
sociais que supostarnente as governam, ou seja, 0que
ocorreu c 0que e grarnaticalmente correro. Entre uma
simplificacao dos fatos que torna as questocs marais tao
') - 10, , _ ,
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 6/57
lirnitadas que podern ser solucionadas atraves do simples
uso de regras especificas (a meu ver, a caracteristica que
define 0processo juridico) e a esqucnl:ltiz:u;ao da acao social
de modo que seu significado possa ser ex pres so em terrnos
culturais (a caracteristica, tambern a melt ver, que define a
analise ernografica), existe algo mais que uma simples serne-
lhanca entre mernbros de urna mesilla familia.' A nivel do
monte de formigas, esses dois tipos de engenhosidades do
trabalho cotidiano podern ate descobrir algo substancial
sobre ° que conversar,
*
Para iniciar ° ir e vir na direcao juridica (e abusando
tambern de um titulo famoso), ° lugar dos fatos no universe
dos [ulgamentos passou a ser uma questao central desde que
os gregos a suscitararn contrapondo, como sempre ° fize-ram, natureza e convcn~oes; em tempos modernos, porern,
quando pbysis e nomos nao mais parecern ser realidades tao
puras, e quando, de certa maneira, parecern existir muitomais coisas a serem conhecidas, essa questao tornou-se urn
foco constanre da ansiedade juridica. A explosao dos fatos,
o ternor aos fatos, e, em resposta a essas ocorrencias, a
esterilizacao dos fatos, confundem, cada vez mais, tanto a
pratica do dire ito quanto as reflexoes que sobre ele se facarn.
Vernos a explosfio dos fates a nossa volta, diariarnente. A
principio existem os procedimentos que levarn a descoberta,
que por sua vez produzem guerreiros jornalisticos despa-
~J
"; t· ): J·.· ): 1
i1· .1· _ .
3. Sabre J sirnplificac.io dos fatos, vcja J - T . Noonan Jr. Persons and masks of the
late: Cardozo. Holmes. jefferson. and Ir'/;ytbe as makers of tbe masks. : ' - I m "1
torque. 19-6, Sobre 0 cstrcuamcnto de qucstocs mor .115pa ra a adjudiclc;ao. \CFI
L\, Fallers, Lau: u itbout precedent, Chicago, 1969. c f II .L A ,Har t. The concept
ofIau, Oxford. 1961 Sobre a vis.io "intcrprcrativa" da analise emogr.ifica, \CFI
C, Gce rtz , "Th ick des cri pti on : t oward an t nt erp rcr ivc theo ry o f cu ltu re" , i n 71), '
interpretation of cultures, xova torque. 1973. p. 3·.)0,
254
II
\!Ii1
il,1
II
I
chando docurnenros uns para os outros em carrinhos de
mao, e tentando obter declaracoes de qualquer pessoa capaz
de falar em um gravador, Ha tarnbem a rrernenda com pie-
xidade dos casos cornerciais em cujo labirinto nem mesrno
urn tesoureiro da IBM pode encontrar a saida - e0que dizer,
cntfio, de algurn pobre juiz ou algum infdiz jurado. Ha ainda
o aurnento inusitado de peritos que testernunham: nao so
as figuras ha multo farniliares do patologista frio e do psi-
quiatra esfuziante, mas outras que supostamente sabern
tudo 0que se precisa saber sobre cerniterios indios, proba-
bilidade bayesiana, qualidade literaria de romances eroticos,
historia da colonizacao do Cabo Cod, estilos da linguagem
oral nas Filipinas, ou os rnisterios da concepcao no cornercio
de aves - "0 que e urna galinha? Tudo aquilo que nfio for um
pato, um peru, ou urn ganso." Hi 0crescimento da litigacao
no direito publico - acoes classistas, advocacia institucional,
patrocinios de causa, rnesrres especiais, e assirn por diante
- que obriga juizes a saberern muito mais do que realmente
lhes interessa saber sobre clinicas psiquiatricas em Alabama,
compra e venda de imoveis em Chicago, a policia na Filadel-fia ou departamentos de antropologia em Providence. E hi
a inquietacao tecnol6gica da vida conternporanea, uma es-
pccic de auge da moda da invencao, que traz para os
tribunals, ao lade de tecnicas mais estabelecidas como a
balistica e a impressao digital, ciencias incertas como 0
grampo eletronico, a impressao da voz, pesquisas de opini-
io, testes de inteligencia, detectores de mentiras, e, em um
caso famoso, ate brincadeiras com bonecas. Mais que tudo
isso, porern, hi a revolucao geral de expectativas crescentes
com rclacao as possibilidades da deterrninacao factual e a
sua capacidade de resolver questoes insoluveis, que a cultu-
ra geral de cientisrno gerou em todos nos: enfirn, 0 tipo de
situacao que provavelruente levou 0magistrado Blackrnun
(e rnais rccenrernentc, com intencoes menos imparciais,
varios rnernbros do Congresso norte-americano) a penetrar
nos labirintos da crnbriologia, em busca de uma resposta
para a questao do aborto.
~
. .
Ir
~
II
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 7/57
,"
c
2 -r.:;
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 8/57
----------_.
tanto, torna os fates cada vez rnais tenues a medida em que
crescern a complexidade ernpirica (ou, uma distincao critica,
cresce a sensacao de eomplexidadc ernpirica) e 0temor a
esta cornplexidade. em fenomeno que vern preoeupando
seriamcnte a varios dos grandcs pensadores juridicos, do
juiz Frank a Lon Fuller ejohn Noonan, c tambern - e eu diria
que ate mais seriarnente - a urn numero ainda maior de
querelantes e de acusados que subitamente comecam a
perceber que seja hi0que for que 0direito busque, certa-
mente nao e a estoria real e completa.' A cornpreensao de
que os fates nfio, nascem espontaneamcnte e de que sao
feitos, ou, como diria um antropologo, sao construidos
socialmcnte por todos os elementos juridicos, desde os
regulamcntos sobre a evidencia, a etiqueta que regula 0
comportamento nos tribunals, e as tradicoes em relatorios
juridicos ate as tecnicas da advocacia, a retorica dos juizes,
e os academiclsmos ensinados nas faculdades de direito,
suscita questoes importantes para uma teoria da adrninis-
tracdo da justica que a considera, citando urn exemplo
representative, como "uma serie de ernparelhamentos deconflguracoes facruais com normas" nos quais ou "urna
situacao facrual pode ser emparelhada com uma das nor-
mas" ou "uma norma especifica ... pode ser sugerida por uma
selecao das versoes cornpetitivas sobre 0que aconteceu.t'"
Se as "configuracoes facruais" nfio sao meros objetos que se
encontrarn espalhados pelo rnundo, c que podenr ser carre-
gados fisicamente ate 0 tribunal para urna demonstracao
audiovisual, e sim diagramas altarnente editados da realida-
de, produzidos pclo proprio processo de emparelhamento
mencionado acima, entao rudo 0que aeontece no tribunal
torna-se algo assim como urn truque de rnaos.
7.). Frank.l.all' and 'he modern mind, 1\0\,;1 lorque, 1930; L Ful ler, 'Amer ican legal
realism", L'uirersity of Pennsylvania Lau: Rerieu. 82 (1933-34) : -129·62; :-:00-
nan, Personsand masks of 'be law.
8. ~1. Barkun, Law tcitbout sanctions, New Haven, 1968, p . 143.
25 8
Obviamentc, nao se trara de um truque de rnaos, ou pelo
menos nern sernpre, massim de urn fenorneno urn pouco rnais
crucial, urn fenorneno alias que e a base de toda a culrura: isto
e, 0processo de representacao, A descricao de urn fato de tal
forma que possibilite aos advogados defcnde-lo, aos juizes
ouvi-lo, e aos jurados soluciona-lo, nada mais c que uma
representacao: como em qualquer cornercio, ciencia, culto, ou
arte, 0direito, que tern um pouco de todos eles, apresenta urn
mundo no qual suas proprias descricoes fazem sentido. Discu-
tiremos, mais adiante, os paradoxos que este tipo de descricao
pode gerar; 0argumento aqui, no entanto, e que a parte
"juridica" do mundo nao c simplesmente um conjunto de
normas, regulamcntos, principios, e valores lirnitados, que
gcram rudo que tenha a ver corn 0 direito, desde decisoes do
juri, ate eventos destilados, e sim parte de uma maneira
especifica de imaglnar a realidade. Trata-se, basicarnente, nao
do que aconteceu, e sim do que acontece aos olhos do direito;
e se 0dire ito diferc, de um lugar ao outro, de uma epoca a
outra, entfio 0que seus olhos veern tambern se modifica.
Ao inves de imaginar que 0sistema juridico, nosso aualheio, esta dividido entre a preocupacao com 0que ecorreto e a preocupacao com 0que simplesrnente c (para
fazer uso da formulacao pungente de Llewellyn, quando
mais nao for, pela influencia que exerceu sobre antropolo-
gos); e que a "tecnica jurista", nossa ou alheia, e uma questao
de conciliar as decisoes eticas que respondern ao que ccorreto, com as determinacoes empirlcas que respondem ao
que sirnplesmente e , pare ceria bern melhor - ou ate mais
"realisra", se me permitern 0termo - irnaglnar que esses
sistemas descrevern 0mundo e 0que nele acontece em
termos explicitarnente judiciosos, e que essa "tecnica" nada
mais e que urn esforco organizado para que a descricao
esteja correta." A representacao juridica do fato e normativa
9. K . Llewellyn c E.A. Hocbel, Thecheyenne Il'ay, p. 3D·!.Cf . sobre " [usuca de faro"
uersus " iust i~a da lei", I.. Pospisil, Anthropology of kuo. a comparatiue perspec-
tive, p. 23-ls; ~I.Gluckman, Tbejudicial process, p. 336.
259
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 9/57
('"0\o
I .........,~v ,'-'-"'\..:) UT t.Jf\f~'v~~ !:.. - " u•~
1
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 10/57
---~--- --------
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 11/57
; ; : : :r:
r : . r :(") . . ," " 1 " 1
~ - C 1 C(")
C c
rr ~8 . . - 6-- 01 " 1 ' . . ,::l ...(") 0-- " ". - -
I
I -
r
-..,._.,. - .." I" . : ....... ' ••.•. --: .
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 12/57
nao era sufieiente, au nao lhe atirassem pedras para afasta-lo,
de remexia as montes de lixo em busca de algo mais. Depots
de varies meses nessa situacao, cada dia rnais desgrenhado,
Regreg fieou virtualmente incoercnte, e ja nao era capaz de
contar sua estoria aos gritos para as ouvidos moueos a seu
rcdor, como fazia antes; talvez nfio fosse sequer capaz de
lernbrar 0 que Inc acontecera.
A essa altura, no entanto, ocorreu algo bastante inespe-
rado, e, de certa maneira, sem precedentes. 0 rei de Bali
mais tradicional e de maior Irnportancia, que, segundo os
regularnentos em vigor na epoca, era tarnbern 0hefe regio-
nal do novo governo republicano, veio a aldeia para interfe-
rir em defesa de Regreg. Esse homem, que, nos sistemas de
goyerno Indices do Sudeste Asidtico, como 0existent~ em
Bali (que, em parte modificado, e em parte reforcado, ainda
existe) e na hierarquia mcncionada aeima, que vai dos deu-
ses aos animals, encontra-se situ ado no ponto onde 0hurna-
no transforma-sc gradativamente na divindade, ou, como
diriam os balineses, que consideram as categorias hierarqui-
cas de eima para baixo, a divindade se transforma gradativa-P , idmente no humane. - E, portanto, urn semi eus, ou
quase-deus [chamam-lhe de Dewa Agung - 0"Gran_de
Deus") a figura rnais sagrada da ilha, e, pelo menos em 19)8,
tambern a mais nobre em termos politicos e sociais. Seus
suditos ainda rastejavam em sua presenca, falavarn dele em
sentencas formallssimas, e acreditavarn que havia sido atra-
vessado por forcas cosrnicas que lhe davarn poderes tanto
benignos quanta terriveis. Em epocas passadas, alguern
como Regreg, exilado de sua aldeia, rnais que urn paria, scm
casta e incapaz, teria provavclmente terrninado seus dias no
pakicio do Detoa Agung, ou no de algum de se_usnobres,
como urn depcndente sob a protecao do rei - nao necessa-
riamente urn escravo, mas tarnpouco exatamente urn ho-
rnern livre. I
Quando essa cncarnacao de SivaVishnu, e outras perso-
.nagens imperials chegaram a aldeia - isto e, chegararn areuniao que 0Conselho organizou especialmentc para re-
cebe-la - 0 rei pas-se de c6coras no chao do pavilhao do
Conselho mostrando, atraves desse gesto simb6lico, que,
nesse contexte, de era sornente urn visitante, ainda que
importante, e nao urn rei, e menos ainda um deus. Os
membros do Conselho ouvirarn 0 que tinha a dizer com
enorme deferencia, e urna tremenda exibicao de cortesia
tradiclonal: no en tanto, 0que de tinha a dizer nao era nada
tradicional. Disse-lhes 0ei que estavam em uma nova era.
Que0pais havia se tornado independente. Que de entendia
os sentimentos dos aldeoes, mas que nao deviam continuar
exilando as pessoas, confiscando suas terras, negando-lhes
direitos politicos e religiosos, e assim por diante. Essa nao
era uma forma de agir moderna, dernocratica, condizente
com 0governo de Sukarno. Aocontrario, no espirito da nova
Indonesia, e para mostrar ao resto do mundo que os baline-ses nfioerarn urn POyO atrasado, deveriarn aceitar Regreg de
volta e, se fosse realrnente necessario puni-lo, deveriam
escolher outro tipo de punicao. Quando terminou (foi urn
longo discurso), os membros do Conselho -vagarosamente,
indiretamente e com deferencia ainda maior - Ihe disseram
que fosse plantar batatas. Que, como ele bem sabia, os
neg6eios relativos a aldeia erarn prerrogativa do conselho e
nfiodele, e os poderes reais, por mais que inimaginaveis em
sua extensao, e exercidos com maestri a suprema, erarn para
outras coisas. A forma de agir da aldeia, no caso de Regreg,
tinha 0apoio da constituicao local, e se des a ignorassem,
pragas e doencas cairiam sobre eles, os ratos devorariarn
suas colheitas, a terra trerneria, as montanhas explodiriam.
Tudo {}que rt:.!_c!isserasobrc a nova era1 era correto, verda-
dciro, nobre, belo e modernoJ e des estavarn tao ernpenha-
dos ni~ua~cl;-(O que era verdade, pois essa aldeia
era bern rnais progressista que as outras e mais da metade
12. C (iecrt7~Segar": Thetheatre state ill nineteenth-century Bali. Princeton.
1 9 i 1 O
26 6 26 7
.'
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 13/57
da pOpU);H;{lO era socialista.) Mcsmo assim, a res posta era
nao - Regreg nao seria readrnitido como parte da eomuni-
dade hurnana. 0 rei-dlvindade-funcioruirio publico, tendo
ouvido uma vez mais 0reconhecirnento do seu status
tradicional, e tendo, se n.io cumprido, pelo rnenos tentado
cumprir sua obrigacao de poli tico moderno, expressou
seu desejo de que a aldeia prosperasse, agradeceu 0cha,
e deixou 0ocal por entre os salarnalequcs dos presentes,
e 0 assunto nunea mais voltou a rona. A ultima vez que vi
Regreg, cle havia submergido ern uma psicose cngolfante,e perarnbulava pela aldeia perdido em um mundo de
alucinacoes, inacessivel a qualquer cornentario ou gesto
de compaixao.
Obviarnente, ha inumeras coisas a serem ditas sobre esse
episodic curto mas terrivel, urn episodic que talvez lembre
aqueles lei tores que sao admiradores das conferencias Storrs
da descricao que Grant Gilmore fez do inferno, como urn
lugar onde so existia a lei e onde os processos legals eram
seguidos mcticulosamente: eu esrarei me referindo a de,
utilizando-o como uma forma de pedra de toque 13. a medidaque prossigo na discussao de assuntos mais importances. 0
que e de relevancia mais imediata, no entanto, Cque ternos
aqui urna serie de eventos, regularnentos, poliricas, costu-
mes, crencas, sentirnentos, simbolos, procedimentos e con-
ceitos metafisicos agrupados de uma maneira tao estranha e
engenhosa que faz com que qualquer contraste menos so-
fisticado entre aquilo que " e " c aquilo que "deve ser pareca
- como dircmos? - primitivo.IA meu vcr, n.t:tll-. !lOdcnJ..Os,
nesse caso, ~gar a 'p~esensa d~_lima ~dade juridica
poderosa: urna sensibilidade que contern forma, personali-
dade. pcrspic.icia, e - rnesrno scm a ajuda de faculdades de
dircito, [uristas, reafirmacoes. periodicos, ou dcclsoes que
~),)J
,.J)
13. G. Grlmore. the agl!.<of (/1I/1!,.iCll1l {all', .'I/t:w Haven, 19":'-. pill
268
servern como pontes de rcferencia - lim conhecimento
profundo. hem desenvolvido, e ate obstinado de si rnesma,
Regreg certamenre (se ainda tivcs.,e a capacidade de expres-
sar urna opirufio) nfio iria querer negar a existencia dessa
sensibilidade,
Aqui, a ocorrencia e 0ulgamento fluern conjuntarnenre
em (utilizando uma frase de Paul Hyam sobre os ordalios
ingleses) lima mistura facil, que ruio encoraja nem urna
investigacao extensa dos detalhes factuais nern urna analise
sistenuiticn dos principios legals. 'iAo contrario, 0que pare-
ce permear todo 0easo, Se C que esse episodio pode ser
ch3rilado apropriadarnente de um caso, pois abrange desde
o aduiterio ate a desobedicncia a monarquia e inclusive a
loucura, C uma visao geral de que as coisas deste munilil.-e
entrt ;_<:!as os seres hurnanos, estao dispostas em categorias,
algumas hierarquicas, oucrasCOOrdenadas, mas toetascl;;-~ ~ ~ - C edistintas, e qualquer -asSlllltO que nao es(~j.~i·r;~luido
nessas-c~tego'ri;_ts_perturba-tod~'l a estrutura e, portan(o~-te~
qUeser'corrigido oud~struido. l\.qucsriionio era s c a esposa
de Regreg Ihe unha tetto isso ou aquilo, ou se Regreg tinhafeito isso ou aquilo com cia, ou ate mesmo se, no estado
mental em que se encontrava, ele estaria em condicoes para
ocupar 0posto de chefe da aldeia. Ninguem tinha °rnenorinteresse ncsses detalhes, nem fez 0 menor esforco para
descobri-los. Tampouco tratava-se de saber se as leis sob as
quais Regreg foi julgado cram ou nio repugnantes. Todos
Com quem falei, unanimemente, as consideravarn repugnan-
tes. Nao sc tratava sequer de saber se 0 conselho tinha agido
de forma admiravel. Todos com quem falei, acreditavam que,
em seus proprios termos, 0ei tinha algurna razfio, e que os
aldeoes rcalmente erarn um tanto ou quanta atrasados . .A-questao. cxpressando-a de lima forma que jamais serb - ou
l·t IJR. llyams, "Trial by Ordeal, the Key to Proof in the Common L!\\,", a scr
puhlicado
269
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 14/57
I~~ria ser - utilizada pclos balineses. c de que maneira as
representacoes construcionaisdo ··se!c~t;iQ~·_~ftoraduzidas
em rcprcsentasoes diretiva~_gQ_"con~~/portantq_"_ e vice-ver-
Sa. q~_:;eja, .~adas nossas cre~~~, ~omo devernos agir;-ou-,
dad~~ssos aros, em que dey~mos acrcditar, H----- --
Talcnfoque, que seria0ipo de perspectiva utilizada nao
por um antropologo juridico, nem por urn antropologo do
direito, mas sim por urn antropologo cultural que tivessc
abandonado por um morncnto os mitos e as estruturas de
parentesco para exarninar alguns assuntos que advogadosocidentais considerariarn pelo menos sernelhantes aqueles
com os quais eles proprios lidam, nao da prioridade nern a
regularnentos, nem a eventos, e sim ao que Nelson Good-
man chamou de "versoes do rnundo" e outras "formas de
vida", "epistemes", "Sinnzusammenbange", ou "sistemas
noeticos".15 Nossa visao se concentra no significado, ou seja,
como balineses (ou qualquer outro gru po) fazem sentido
daquilo que fazem - de forma pratica, moral, express iva ...
juridica - colocando seus atos em estruturas mais amplas de
slgniflcacao, e, ao mesmo tempo, como man tern, ou pelo
menos tentarn manter, essas estruturas mais amplas em seu
lugar, organizando suas acoes em seus termos. A separacao
dos varies campos de ac;ao das autoridades - 0grupo de
parentesco disringue-se do conselho, e 0conselho do rei; a
definicao da culpa nao como urn disnirbio da ordem politica
(;_tteimosia de Regreg nunca chegou a ser considerada comQ
~a amea!;a a essa ordem) m~ si!!!_cOI1!_<?.I_1!~2.meas~ aetjqueta pu~!Ls~; e a solucao Utilizada, urna destruicao radi-
caTaapersonalidade social, tudo isso ilustra uma concepcao
especifica e poderosa, e a nossos olhos ate estranha, de -
utilizando ourra das expressoes sucinras de Goodman -"como C 0 mundo",16
1;. :-;. Goodman. \t{lys of u.orldmaking; Indianapoli s e Cambr idge. . \Iass. , 19" .'S.
16. N. Goodman . "The :way t he worl d i s" , i n Problems and projects, Indian. ipol is e
Cambr idge, , \Iass. , 1972. p. 2·1-32.
270
_ Ate para esbocar muito superficialmcnte "como e 0
rnundo" na visao dos balineses, seria necessario urna mono-
graft a: urn numero gigantesco de dcuses, grupos, categorias,
bruxas, dancas, ritos, reis, arroz, parentesco, exrascs, e arte-
sanato, todos encaixados em urn labirinto de cortesia formal.
A chave para tudo, se e que existe, e provavelrnente essa
cortesia, pois tal e 0poder das boas maneiras em Bali, que
se lorna quase impossivcl para nos ocidentais imagina-lo e,
menos ainda, entende-lo. Seja hi como for essa sociedade -
e tentarei, ainda neste ensaio, tornar tudo isso urn poueo
menos marciano -fa contextualizacao cultural do incidente
c urn aspecto critico da analise juridica, e tam bern da analise
politica, estetica, historica ou sociologica, em Bali, aqui, ou
em qualquer outro lugar, Se existern elementos comuns
nessas varias contextualizacoes, e na rnaneira como ela e
feita quando 0 objetivo e especificamente a adjudicacao e
nao, digamos, uma explicacao causal, uma reflexao filos6fi-
ca, uma expressao ernocional ou urn julgarnento moral. 0
faro de que, em nossa propria sociedade, podemos - isto e ,achamos que podemos - tomar como certo, sem maior
analise, uma parte tao importante desse contexto, faz comque nao sejamos eapazes de identificar com clareza grande
parte daquilo que urn processo juridico realrnente e : umaforma de conseguir que nossas concepcoes do mundo e
nossos veredictos se ratifiquern mutuarnente, ou, utilizando
uma expressao menos cotidiana, fazer com que essas con-
cepcoes e esses veredictos sejam respectivamente 0lado
abstrato e 0ado prat ico da mesma razao constirutiva.
*
Se e que a antropologia - ou pelo rnenos 0 tipo de
antropologia que me interessa, e aquele tipo que, com
sucesso nao multo significative, venho tentando fazer com
que as pessoas chamern de interpretative - penetra no
cstudo do direito, 0faz nesse memento. Comparando nossa
propria versao da visao do membro do conselho com outras-~.--____.~--
271
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 15/57
I~,'
I:
c.,v
-------
,
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 16/57
-
s im de lim podio, muiro pUll co coriclusiva. c ate coktada de como mcnciorie iacirna. urna dialetica entre urna linguagcm
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 17/57
forma POllCO sistematica, mas, apcsar disso, e segundo tudo
aquilo que creio, bastanre instrutiva. Menos que provar
algurna coisa, seja 0que for que "prova" possa signlficnr no
caso de uma tarefa tao experimental, quero euocar alguma
coisa: a saber, outras forrnas de vida juridica. E, para esse
firn, e com 0riseo de ser considerado sirnplesrncnte ultra-
[ante, 0que necessitamos ou pelo menos 0que podernos
ter a esperanca de conseguir, nfio sao proposicoes exatas,
precisarucnte estabelecidas. 0 que necessirarnos, ou pelo
menos podernos ter a espcranca de conseguir, c 0 queNelson Goodman, cuja atitude nesses assuntos c bastante
parecida com a rninha, considera - e para de, ate aquele
exernplo perfeito da verdade nua e crua, a lei cientifica, pode
ser incluida nessa categoria - como a prirneira mentira?)
aceitavel e esclarecedora que este]a mais proxima.'?"
Se considerarmos 0 dircito sob essa perspectiva, como
uma forma de ver 0mundo, sernelhante, diriarnos, a ciencia,ou a rcliglao, ou a ideologia, ou a arte - mas que, no caso
especifico do direito, vem acornpanhada de um conjunto de
atitudes pratlcas sobre 0gerenciamento de disputas que essapropria forma de ver 0rnundo imp6e aos que a ela se
apegam - cntiio toda a questfio fate/leis passa a ser vista sob
urna luz difcrente. Descobre-se. entao, que a dialerica que
parecia existir entre 0 faro cru e 0 [ulgamento ponderado,
entre aquilo que simplesmente c , e aquilo que c correto, e,
22. N. Goodman, IttI)'S ojll'or/dllltlk;IIg, p. 121: . .Mas, c c1aro,:I verdade c menos
uma condic.io necessaria c mais uma condicao suficicnrc na escolha de umdcpoi nu :n to :\ .io 50pode aconrccc r que a c scolha reca ia sob re u rn depo imcnto
CUJ,IS <ju:l It<i Jdt' soutras que nao : I SU.I vcrucidadc scjam m:1i, cor rc tas, no lugar
de um quc Sl'JI m.iis proximo da verdade. mas tarnbem nos C:1SOS e rn que ;1
verd.rdc C muuo cornplcxa, ou dC'lgu:.l. c nio se ajusta cOnf()rt;1\'dmentc a
outr os p rmci pio s. Cpos sivcl quc no,s :I es co lha recai a sob rc :Imen 11a acci tdvc l
e es cla rcccdora mu is p rox ima . A ma ior ia d ;l s l ei s ci cnufi ca s s io dcvsc ri po : n io
sio rcl.uo- (lIil l. lIfo,os de dudos dct.ilhados e sim simphficacucs proclIslianas
de alc.mcc ):era!."
III
de coercncia coletiva, par rnais vaga e incornpleta que seja.
e urna outra de consequencia espr-cifica, par rnais oportu-
nista e improvisada que seja, E c sobre essas "linguagens"
(ou seja, sobre sistemas simbolicos) e essa dialetica que eu
gostaria de falar algo que C, ao rnesrno tempo, suficiente-
mente ernpirico para ser verossimil c suficientemcntc anali-
tico para ser interessante.
Como tambern rnencionei anteriormente, para discutir
esses ternas utilizarei a mctodologia POllCO ortodoxa de
desdobrar tres terrnos ressonantes, cada urn deles de um
mundo moral diferente, e ligado a urna sensibilidade juridica
tarnbern diferente: a islarnica, a indica, e aquela que, a falta
de urna designacao rnelhor, charnarei de malaia, que abran-
geria nfio so 0pais - a Malasia - mas todas as civilizacoes de
lingua austronesia do Sudeste Asiatico. Como indica a invo-
cacfio dessas imagens culturais tao generalizadas, a metodo-
logia nao so e pouco ortodoxa, como tarnbern replera de
lima forma de armadilha na qual lim certo tipo de antropo-
logia - 0ipo que acha que todos os franceses sao cartesianos
e todos os ingleses lockeanos - gosta especificamcnte decairoAlern disso, sugerir que estarei comunicando algo sobre
o carater dessas mega-entidades atraves de um exarne de
conceitos individuals, por mais ricos que esses sejam, pare-
ceria sirnplesmente urn prenuncio de desastre. E possivel
que seja urn desastre. No entanto, se tom armos certas pre-
caucoes e observarrnos certas restricoes, talvez ainda possa-
mos evitar 0desastre total: a producao de meros este-
reotipos.
A primeira precaucao a scr tomada e adrnitir que os tres
terrnos que utilizarei - IIClqq, lima palavra arabe que tern
algurna sernelhanca com aquilo que, tambem scm muita
precisfio. charnariarnos de "rcalidade". ou ralvez "vcrdade".
au talvez "validade": dharma. urna palavra sanscrita, pelo
menos em origem, ernbora hoje em dia se]a encontrada em
varias linguas, desde 0urdu ate0ailandes, que gira, de lima
~~-~ ~ ~ ~
maneira bern local. em torno de nocoes como "dever", pode ter lido algumas poucas utilidades no pass ado, quando
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 18/57
"obrlgacdo", "rnerito" e outras semelhantes: e adat, tarnbern
de origem arabe, mas introduzida nas linguagens rnalaias
com urn significado intcrmediario entre "consenso social" e
"estilo moral" - nfio so nao seriarn as tres unicas palavras que
cu poderia ter escolhido, como tambem podem nao ser as
melhores. Sar{ a ("trilha". "carninho ") e/iqb ("conhecimen-
to", "cornpreensao") certarnente sao pontos de partida mais
comuns em reflexoes sobre as tendencias caracteristicas do
direito isldmico. Agama ("preceito", "doutrina") ou ~astra
("tratado", "canon") podern conduzir mais diretamente as
concepcoes Indicas da legalidade. E patut ("apropriado",
"condizente") ou pantas ("adequado", "ajustado"), no caso
do Sudeste Asiatico, teria pelo menos a vantagem de ser urn
termo nativo e nao uma palavra importada indiretamente e
retrabalhada, 0 que necessitamos realmente e de uma serie
de termos que definam uma estrutura de ideias e nao pontos
conceituais - significados multiplos, utilizados em siruacoes
multiplas e em varies niveis, E obvio, no entanto, que isso
nao e viavel neste ensaio. Temos que nos contentar com a
parcialidade.Temos tambern que nos contentar com uma simpliflca-
<;aoradical tanto da dirnensao historica como da dimensao
regional desses ternas. "Isla", "Mundo indico" e, sensu lato,
"Malasia" nao sao - como dediquei uma grande parte do meu
trabalho buscando demonstrar - entidades unitarias e ho-
rnogeneas, constantes no tempo, no espaco e em popula-
<;ao.2; Reifica-los como tais, alias, sempre foi 0 artificio
principal atraves do qual 0 "Ocidente", acrescentando uma
outra nulidade a colecao, conseguiu evitar cornpreende-los
ou ate mesmo ve-los com alguma clareza. Essa reificacao
23. Sobrc a tema de dcs :J grega~j o em nunha obra, veja especialmcnte rneus livros
Is/alii ohserred, New Haven. 19<>8,e Tbe religion ofjm·a. Glencoe. Il l. 1960
Dcvo r arnbem acre scen ta r que quando uso ;I palavra "is(;jmico" miD me rcfiro
.1 0 Oriente :'.Icdio; e quando digo " indico", min me: rdiro ;1 india.
278
C1;..~,..-.- ....( '.. .• G O •• - ------ --
alternavarnos entre urna total auto-absorcao e urn desejo
ardente de moldar outros povos ,Ic acordo com nossa vlsao
sobre como a vida deve ser vivida. E pouco provavel que
tenha qualquer utilidade hoje em dia, quando, como estarei
argumcntando com certa minuciosidade na parte final deste
ensaio, deparamo-nos com a nccessidade de definir-nos a
nos mesmos, nao afastando os outros como contrapolos e
nern atraindo-os para bern perto como fac-similes, e sim
situando-nos entre des.
Porern, como rneu objetivo e colocar uma moldura
comparativa ao redor de algumas de nossas ideias sobre 0
que e exatamente a iustica, e nfio apresentar uma versfio
resumida do "0 Oriente como de e", a necessidade de
tratar apenas superficialmente as variacoes internas e a
dinamica historica talvez seja menos prejudicial do que
poderia ser em outras circunstdncias: tornar os detalhes
menos visfveis pode ate contribuir para que as quest6es
essenciais fiquem mais em foco. De qualquer forma, hs i
ainda outra precaucao a ser tomada com respeito ao fato
de que, mesmo utilizando como fonte materias de variasepocas e de varios paises, quando falo do "Isla", ou do
"Mundo indico" ou da "Malasia", tenho como pano de
fundo urn ou outro caso relativamente marginais que
foram observados bastante recentemente e com os quais
trabalhei como antropologo em algum momento: 0Mar-
rocos, no extrerno ocidental do mundo muculrnano, bern
distante dos chamados da Meca: Bali, uma pequena ilha
isolada no extrerno leste do arquipclngo indonesio, pro-
fundamente difercnte, e com uma populacao principal-
mente hindu e budista; e Java, uma especic de antologia
dos rnelhores imperialismos do mundo, onde uma base
cultural "malaia" foi superposta por quase todas as civili-
zacoes mais irnportantes - a do sui asiatico, a do Oriente
Medio, a chinesa e a europeia - e que se Iancou no comer-
cio astatico hi rnais de mil e quinhentos anos.
. .
279
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 19/57
t.
1 - - ' >C O
o *
~!I
0
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 20/57
profundamenre moralizado, ativo, exigente, e nao urn "ser:'
neutro, metafisico, simplesmente inerte em algum lugar, a
espera de observacao e reflexao: e urn real de profetas e nao
de fil6sofos. 0 que nos leva ate a religiao, como de urn modo
ou de outro, e por caminhos a s vezes tortuosos, quase tudo
nessa parte do mundo tao veernente 0az.
Haqq, como al-Haqq e, na verdade, urn dos nomes de
Deus, bern como 0 de outras coisas como "linguagem",
"poder", "vitalidade" e "vontade", urn dos Seus eternos
atributos. Como tal, I?aqq retrata a maneira como as coisas
geralmente sao, mesmo para 0muculrnano inculto, para
quem esses conceitos vern envoltos na moralidade cotidiana,
em praticas estabelecidas, em r6tulos do Corio, em homilias
aprendidas no "catecismo" das mesquitas, e na sabedoria
dos proverbios. Como se expressou 0islarnista W.C.Smith:
Haqq refere-se ao que e real, internarnente e por si mesmo.
~,par excellence, urn termo de Deus. Huuia al-Haqq: Ele e
a propria Realidade. No entanto, qualquer outra coisa que
seja genu ina tambem e I?aqq. Significa realidade em prirnei-
ro lugar, e significa Deus somente para aqueles [isto e, para
aqueles muculmanos] que [alem disso I0 igualam a realida-, d I R . , I ,,26de. Everdade no sentido e r ea, com ou sem maruscu o.
Naverdade, a escritura arabe nao usa maiiisculas. Porern, 0
importante e a relacao 'entre 0significado do R (ou mais
precisamente, ha') maiusculo e 0do r minusculo: uma vez
mais a conexao de urn sentido geral de como as - coisas se
relacionam, as necessidades se/entao da coerencia Ans-
cbauung, com juizos especfficos sobre ocasi6es concretas,
as determinacoes como/portanto da vida cotidiana. \
26. w e. Smith, "Or iental ism and t ruth" (Conferencia jovern T. Cuyler, Programa de
Estudos sabre 0Ori en te Proximo , Un iver st dade de Pri nceton, 1969 ); cf . WC.
Smit h, ' :\ human v iew of t ru th", Studies ill Religion 1 (1971): 6·24, Para nao
desflgurar a pdgina com reticencias, eliminei algumas frascs e sentencas sem
unlizar elipses. Sobre a questao de atributos na tcologia islamica, veja H.A.
Wolfson, The Philosophy ofthe Kalam Cambr idge , Mas s., 1976, p . 112-234.
282
!
!
IjI
I
!;
"ssa conexao se faz (pelo menos sernanticamente - nao
estou discutindo causas, que sao tao vastas quanta a hist6ria
e a sociedade do Oriente Medio) .4~ravesda pr6pria palavra.
Pois, ao mesmo tempo que significa "realidade", "verdade",
"precisao", "fato", "Deus" e assim por diante, e, como aeon-
tece na lingua arabe, vanas outras permutacoes morfofone-
micas dessas palavras, tarnbern significa "direito" ou "dever"
ou "reivindicacao" ou "obrigacao", bern assim como "justo",
"valido", "imparcial" ou "proprio". Assim, "0 qaqq esta em
voce" (andek) quer dizer (uma vez mais utilizo exemplos
do Marrocos) "voce tern razao", "a razao esta do seu lado".
"0 I?aqq esta dentro de voce" (fik) significa "voce esta
errado", "voce foi injusto, ou parcial" aparentemente no
sentido de que voce sabe a verdade mas nao a admite. "0
9aqq esta sobre voce" (alik) significa "e seu dever, sua
responsabilidade", "voce tern que", "voce tern obrigacao de".
"0 lJaqq esta com voce" (minek) significa "voce tern direito
a isso", "isso lhe e devido". Enas varias formas e frases de nota
urn beneficiario; um participante em urn acordo comercial;
a sua parte em algum "direito de propriedade" legitime tal
como lucro, urn pacote de produtos, parte de um terre no,uma heranca, ou urn escrit6rio. 1 3 empregada para expressar
urn dever contratual, ou de forma derivada, ate para 0
pr6prio documento de urn contrato; para expressar uma
responsabilidade geral em algum assunto, para uma multa
ou indenizacao, E, em seu plural definido, al-buqiiq, sign i-
fica dire ito ou jurisprudencia. A 9uqiiqi, a forma arributiva,
e suponho que portanto mais literal: "(alguern) preso ao que
e real, fixado ao que e real, significa urn aclvog~do Oll urn
jurisprudente.
Aconcepcao de uma identidade entre 0correto e0reale assim constante em todos os niveis da utllizacao do termo:
no nivel religioso (no qual e empregado nfio s6 para Deus,
mas tambern para 0Corao, onde Sua Vontade e declarada,
para 0Dia do juizo, para 0Paraiso, para 0Inferno, para 0
estado que acompanha a obtencao da gnose mistica): no
nivel metafisico (onde expressa nao somente a pr6pria fac-
283
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 21/57
tualidade. mas tarnbern a esscncia, a natureza lcgirima, "0
nucleo intcligivel de algo que cxistc"): no nfvel moral, nas
frases que acabei de citar acima, que sao ouvidas diariarnente
no Marrocos que eu conheco: e no nivel juridico, onde se
transforma em lima reivindicacao passivel de ser atendida,
lim titulo valido. urn direito assegurado, e a propria justica
ou 0proprio direito." Ee ssa identidade do corrcto e do real
permeia a sensibilidade juridicn islamica nao so de urna
forma abstrata, em tom e modo, mas tarnbern concretarnen-
re,como nos processos de deliberacao enos procedirnentos.A adjudicacao muculrnana nao envolve sirnplesrnente a co-
nexao de uma situacao ernpirica a urn principio [uridico:
esses dois elementos ja surgem juntos. Determinar urn deles
e determinar 0 outro. Os fares sao normativos: ha menos
probabilidade de que eles possarn divergir do Bern, do que
de que Deus possa mentir,
Os homens, e claro, podern rnentir, e, principal mente na
presenca de juizes, 0 fazem com frequencia; e e ai que
surgern os problemas. Da rnesma forma que 0 nivel
como.portanto das coisas
edificil de determinar, seu nivel
se/entao (pelo rncnos em teoria) c nitido e inevitavel, 0
Corfio, como as palavras de Delis que existern e existirfio
eternamente - a "Inlivracao da Divindade" como 0charnou,
de forma tao brilhante, H.A. \Xblfson, em urn contraste
27. Par auma drs cussi io rn .u s dcta lhada dos v .inos n iveb do s igmf ic ado de '/tlqq. veja
o verbcre sob JfalfJ; ern TIlt ' Encyclopedia of Islam. nova cdl~;io. Leiden e
l.ondres. 19~1. vol. 3. P 81·82. onde argumenta-sc. de uma forma urn tanto au
quanta espcculanva, quc () s en tido [undrco foi 0original (prc·lsl:imico). e que
dele vc denvaram os sl)(nilica<ios ellen c rcl igioso. "Em resumo, os s igruficados
da r .uz (I/'</'q) (inham originalmente rclac .io com "talhar ' par referenda a s leis
da ('POU que cram t.rlh.idas em madeira. pcdra au metal c pcrmancnternentc
dlld.lS, forum cxparuhdos parr abrangcr " , .delis eticos rcsunudos 1 15 palavras
II -rrct. •. real. fUSIO c vcrd.rdcrro. C amph.ir.un-se .unda !lUIS para incluir tarnbern
( ) 1 > " lI10, ,I realidadc c-prruu.il Sabre nULI" dirncnsoes de,.,.1 rail t.io extraor-
d iu .m. rnu-n rc pr odunv .r , vqa rambcrn o vcrbcte sob "~/a'ii!ltl" (Ibid. p 7;.-(.)
l" ,01> "1;1I~1I~" (ibid; P 'j'i I).
18'1
poli:mico com as concepcoes da Encarnacao da cristologia
- c considerado cristalino e cornpleto em suas afirmacoes
sobre 0que Ala diz que devern ou aao fazer aqueles para os
quais Ele c rcalmente 0al_I:Jaqq.2B Obviamente, existent
inumeros cornentarios e polcrnicas, forrnacoes de escolas
diferentes, discordancia de secretarios. etc. No entanto, a
nocao de que a certeza e a inrellgibilidade do Direito estao
"cnlivradas" (outra das frases criat ivas de \"\ 'olfson) no Coriio,
se nao elimina roralmente, pelo menos reduz significativa-
mente qualquer impressao de que questoes relacionadascom 0 que e ou nao jus to possarn ser, intrinsecarnente e por
si proprias, arnbiguas, quixotescas ou irrespondiveis. A ana-
lise juridica, ernbora uma atividade complexa e desafiante,
e freqiientcrnente ate rnesmo urn risco politico, e cons ide-
rada como urna questao de expressar versoes coloquiais, de
pracas publicus, das verdades sobre a vontade divina -
descrevendo a Casa Sagrada quando esta nao esta visivel,
con forme Shafi'i, talvez urn dos maiores juristas classicos, a
definiu - e nao de tentar cquilibrar valores conflitantes. 0
equilibrio de valores so surge no caso de relates de inciden-
res e siruacoes. E e 0ernor a isso que conduz aquela que, a
meu ver, e urna das caracrerist icas mais admiraveis da adrni-
nistracao ishimica da justica: a enorrne preocupacao com
aquilo que poderia ser charnado de "testernunho normati-
vat'.
Como e sabido, pelo mcnos por aqucles cuja profissao
Csaber essas coisas, qualquer evidencia apresentada diante
de urn tribunal muculrnano - isso e um tribunal regulado
pelo sari':« e presidido por urn qZ it J i - e considerada como
sendo oral, rnesmo que inclua documentos escriros ou
elementos materiais de pro va. So 0 testernunho falado -sabdda, "testcrnunhar" de urna raiz que significa "ver com
nossos proprios olhos" - (em valor, e qualquer material por
!H. II A.\\01sou , l'h;llJsopiJy of the 1\(/1(/111.p .!j;·W-"
---- ---!l.'
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 22/57
escrito que possa ser incluido, ndo t! considerado como uma
prova legal e sirn como rneras (e nonnalmente urn pouco
suspeitas) inscricoes daquilo que alguern disse a alguern na
1m fiavei 29 Eprescnca de testernunhas mora ente con ravers. ssa ne-
gacao da validade legal de urn ato escrito propriarnente dito
data dos periodos mais antigos do Isla, e nas fases forrnativas
do direito islarnico a evidencia escrita e tambern a evidencia
a que charnariarnos de circunstancial ou material, eram, com
bastante frequencia, totalrnente rejeitadas. 'i\palavra pessoal
de urn muculmano conhecido, "como escreveu JeanetteWakin, "era considerada mais valiosa que urn pedaco de
papel abstrato ou uma inforrnacao sujcita a duvidas e falsifi-
cacoes. ,,30 Hoje em dia, quando a evidencia escrita e aceita,
mesmo que com certa relutancia, a. s ua validade ainda cgrandernente de pendente do carater moral do individuo ou
29. Sob re documemos e t est ernunha s no d ire it o c la sst co is larmco, veja j .A . Wak in .Tbefunction 0/documents in islamic lau; .o\Jbany, 1972. Cf. Rosen, "Equity and
d is cr eti on in a modern i sl amic lega l syst em"; A. Mel. The renaissance of islam.
Be ir ute . 1973 [o rig ina lrnen te ca. 1917). p . 227 -29: J. Schacht, Islamic law,
Oxfo rd . 1964, p . 192-94 . Apal av ra par a "man ir "- sabid - deri vou-s e da mes rna
rail, aparentemenre no scntido de "0 testernunho de Deus". Veja 0 artigo
"Shahfd", de H.A.R.Gibb cJH. Krarners, Shorter Encyclopaedia ofIslam, Leiden
e londres, 1961.p. SI ;-18.0 termo Sahada, "depoimento" ou "testernunho",
c : tarnbern utihzado para designar a farnosa "Proflssao de Fe" rnuculmana.
"[Testernunho que) nao existe nenhum outro Deus a nao ser Deus, e [testemu-
nho que) ~Iohamed e 0~lensagciro de Deus". Ascondicoes basrante estritas que
governam os depoimentos (por exernplo que "as partes a quem couber [provar
a culpa) ... estariam obrigadas a apresenrar duas outras testemunhas do sexo
mascu li no, adul ta s e r nuculmanas, cuj a in regr idade mora l e p robidade re li gio sa
sejarn irnpccaveis, parol depor oralrnente sobre seu conhecimento direto da
vcrdade da declaracfio") foi algumas vezcs considerada como a causa principal
para a reducao progressiva da jurisdi~ao dos tribunais de sarta em epocas
reccntes. ( ; > . ; . J . Coulson, " Is lamic law", in ' : - 1 . 1 1 introduction to legal systems, argoJ D.. \1. Der ret t. : -; ovl lo rque c Wash ington. DC, 196H. p . ;·i·-". cita<;ao it pagina
-0) Hj alguma verdade ncwas afirmacoes, mas ;lIe cerro ponto elas ignoram a
cxtcns. io da mfluencia que cssas formas "es tr it as" de resrernunhar r iverarn sabre
os p roced imcnros dos t ribun .u s "s ecul ar es" que s ao a s suces so re s dos tr ibunais
Stlrit.-".
jO. Wakln, Function ofdocuments iff islamic [till', p (,
286
individuos que, pessoalmenre envolvidos em sua elabora-
<;ao,emprestam-lhe sua propria nutenticidade. Parafrasean-
do Lawrence Rosen sobre praticas conternporaneas no
Marrocos, nao e0docurnento que torna 0homem confiavel,
e sim 0 homem (c, em determinados contextos, a rnulher)
que dsi autenticidade ao documento.31
Aevolucao das instituicoes referentes a depoimentos se
deu, portanto, de forma muito mais bern elaborada em
relacao aquelas que se referern ao trabalho da defesa, as
quais sao rudirnentares. Buscou-se nio individuos cultos, e
suflcienternente imparciais para relatar detalhes empiricos
de tal forma que urn juiz-arbitro pudesse pesa-los na balanca
juridica e sirn individuos sagazes, com princlpios suficientes
para produzir juizos corretos que urn juiz-exegeta pudesse
expressar em retorica coranica. E essa busca tomou uma
variedade de direcoes e assumiu uma variedade de forrnas.
o tipo de cautela que a tradicao ocidental tern, asseguran-
do-se e reassegurando-se, com sucesso pouco significativo,
de que suas leis sao justas, 0slarnico, scm qualquer duvida
quanta a justica de suas leis, dedica ao esforco de assegurar-se e reassegurar-se, tampouco sern grande sucesso, de que
seus fatos sao respeitaveis.
Em epocas classicas, essa obsessao (a palavra nao cdemasiado forte) com a confiabilidade moral do depoimen-
to oral deu origem a instituicao de testemunhas acreditadas,
homens (ou, como mencionei acima, em casos especiais ou
com restricoes especiais, tambern mulheres) considerados
como "firmes", "honestos", "honrados'', "decentes", "rno-
rais' ' (':adil), e alem disso, c claro, que possuissem uma certa
proeminencia na sociedade local e urn suposto conhecimen-to das particularidades dos assuntos locais. Escolhidos pelo
qddi, uma vez para sernpre, atraves de urn processo prees-
tabelecido de avaliacao e de certificacfio formal, a partir
31. Rose , "Equ ity and d is cre tion in a modern i sla rmc lega l syst em" .
287
desse rnornento, tcsrernunhavam. repetidamenre, em todos
r1pelo rnerios urn dos qti4r..medievais costurnava disfarcar-se
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 23/57
os caSOS levados aos tribunais, como individuos "cujo teste-
rnunho", como disse \'(fakin, "ruio poderia esrar sujeito a
duvidas" - pelo menos nao juridtcarnente.j"
Nao so 0numero dessas testernunhas oficiais e penna-
nentes podia ser multo alto (cram cerca de mil e oitocentas
no seculo Xem Bagda) mas sua escolha e validacao, uma das
obrigacoes principais do qt74i (cada qadt nomeava suas
pr6prias testemunhas, despedindo as de seus predecesso-
res) podia ser extrernamente elaborada, chegando a est abe-
lecer urn costume ainda mais estranho, pelo menos aos
nossos olhos, que era a de criar-se Urngrupo de testemunhas
secundarias sernelhanre ao primeiro - sabiida atii sabiida,ou seja, "as testernunhas das restemunhas . .33. Essas testernu-
nhas secundarias confirmavam a probidade das primarias.
duas secundarias para cada uma das primarias, particular-
mente quando essas ultirnas tin ham falecido au mud ado de
residencia depois de haver prestado seu depoimento origi-
nal ou, por outra razao qualquer, nfio podiarn cornparecer
pessoalrnente ao tribunal, mas tarnbem nos easos em que 0
qcic/i ainda tinha alguma reserva quanta a sua perfeicaomoral. (Provavelmcnte, como observa Joseph Schacht, as
testernunhas poderiam ser consideradas pouco idoneas se
tivessem sido vistas jogando gamao ou frequentando urn
banho publico sern a' protecao de uma tanga. Relata-se que
32. \hkin, FII1ICIiOII of documents ill islamic lau, p. -
.H. john: Bagda . vei l 'kz . Renaissance of Islam. p. 229. Esse mimero e ra excel"
c iona lmente a lto . Al guns ;1 I10Smai s t ar de. 0 nu rne ro de restemunhas foi redu-lido para 503. lim numero que. embora m.us f;ieil de manejar , a inda era
considerado pclos lun~tas da epoca como sendo urn poueo alto dernais. Sobre
tcstcmunhas secund.in.rs, Wakin. Functionof documents ill islamic laur, p. 66s;
Schacht, Islamic lau, p 1\II, Ob5C('\;1 que duas tcs tcmurrhas secund. ir ias de\ '( :111
depor para vahdar c.ida UIll.1 das tcstcmunhas pnm.irias. StliJada hlci saluuia t'
- rngular e ern tcrmos tecrucos iur idicos rercrc-vc .101(0 dc tc stc rnunhar ; e n .i o
:IS resrernunhas propn.uncnte ditas . por tanto. t .r lvcz pudesse ser mclhor tr,rdu-
lido por "tcstcmunh.rndo C tcsremunho". Vela a nOl:l de rod ape 29.
28 8
IIiI!I
e andar pelas ruas a noite para checar 0carater de suas
testernunhas.)" A ansiedade do -/:.;4; nesse sentido era bas-
tante compreensivel, e tarnbem intransferivel: se de aceitas-
se a palavra de urna restemunha falsa, a sentenca que
proferisse baseada nesse depoimento seria legalrnente vali-
cia, judicialmcnte irreversivel e moralmente sua total respon-
sabilidade.3s
Quando 0 normative c 0 real fundern-se
ontologicamente - Haqq com urn Ha' maiusculo - e 0
depoimento oral (ou Urn registro do depoimento oral) c
praticamente 0unico meio pelo qual 0que acontece nomundo - I;aqq com urn I;a' minuscule - pode ser repre-
sentado juridicamente, 0perjurio tern uma fatalidadc muito
especifica. Na verdade, no direito islamico, a perjurio nao
chega nem mesmo a ser considerado urn crime, punivel
pelas sancoes hurnanas. Assirn como violar 0jejurn, nao
rezar, ou cntregar parceiros a Deus, cia c apenas Urn sacrile-
gio, punivel com a perdicao eterna.;6
Nos dias de hoje, essa instituicao especifica, de urna
comunidade de pessoas que falam a verdade oficialmente, c
rara, au nao-existenre, mesmo nos tribunais sarta; e, obvia-mente, ja ha bastante tempo, rnuito da vida juridica no
mundo islarnico vern sendo administrado por tribunais civis
presididos por magistrados mais ou menos seculares, que
aplicam uma lei mais au menos positiva, segundo procedi-
mentes mais ou menos "modernos", deixando poueo mais
que assuntos familiares all de herancas aos cuidados do
q{lc/i.F
No entanto, da mesma maneira que, entre nos, urna
.H. Schacht. Islamic law. p. 193. Sobre 0qc1!liinc6gnito, vcja .\le2. Renaissance oj
tslam, p. 228.
.i5. Schacht. Islamic lau, p. 122. 189.
.~(,.lhid, P 18- Como acontece com urna sene de outro-, argumcnros no tcxto,
e ss e a ssunt o nao t' to ralmcnre consensual en tr e comcnt ans ta s [u rid icos . nl .l s { '
. iceuo pela maior ia dclcs
37. Sobre 0func ionamcnto contemporaneo dos tribunars .~<lrt-Ca,veja Coulson,
"Islamic law".
18 9
quantidade enonne de coisas que, em nossa ignorancia,I
reprcsentacao judicial ou sao encaminhadas a urn contexto
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 24/57
faziamos antes, e, agora, iluminados, as fazemos de uma
forma ligeiramente diferente - a distincdo hoje quase inexis-
rente entre equidade e direito costumeiro, a distlncao hoje
transfigurada entre representacao e julgamento, ou as insti-
tuicoes culturalmente sublimadas do ordalio, do embate, da
ilibacao de urn reu por juramento de testemunhas a seu
favor, e da defesa "forma-de-acao" - rondam nos sa visao de
urn processo apropriado tambern a nocfio de uma testernu-
nha virtuosa e aprovada, que fala verdades morais para urn
jurista que segue os regulamentos ao pe da letra, ronda a
consciencia juridica dos muculrnanos, por mais secular que
possa lerose tornado essa consciencia, Mais precisarnente, a
sensibilidade erescente a problematica da evidencia que, em
nosso caso, levou-nos aos juris, no caso dos muculrnanos,
levou-os aos notarios.
Esses notaries, charnados su b lid "udiil, testernunhas
"justas" ou "honestas" mas, na epoca, nome ados como
funcionarios profissionais dos tribunais, trabalhando em
tempo integral, e com algum tipo de treinamento pelo
menos nas fonnas praticas do dire ito, em epocas mais recen-
tes, tornararn-se tao essenciais para 0funcionamento dos
tribunais qiit/i, como 0proprio qii4i.38
Na verdade, como
sao rnediadores no processo pelo qual as disputas sociais
38. Os termos sao geralmente abreviados para sliinit! (como iabld; vcja nota de
rodape 29) nas rcgiees centrals islarnicas, au clldiil (como c(ull) nas fronteiras
ocidentai s c orienta ls dessas rcgrocs : Wakin, Function ofdocumentos in islamic
law, p.7. Como sua fun., ao nao c somente regis trar a que dizern as pessoas mas
tarnbem acrcscentar aoque dizern a aura de seu proprio carater, full ralvez naodcvesse scr traduzrdo par "not:irio" (e menos ainda por "notaire", por sua s
concxoe s com 0 direito civil). No enranro, essa c : a t raducao norrnalmente
uuhzada e nio tenho ncnhuma sugcst.io melhor, a nio scr a literal que nao
parecer ia mui to apropriada ( tesremunha conflavel ). Sobre as notar ios i st :imicos
(e 0 usa da expressao "testernunha conflavcl" de um modo gcral, veja E. Tyan,
LI!notariat et lepreuve par ecrit dati II!pratique till droit musulman, Beirute,
19·15. Lma vez rnais, agradcco a lawrence Rosen por grande parte daquilo que
SCI sobre a papel dcs empenhado pelo s (adl em .\larrocos.
29 0
II
II
onde possam ser decididas por rneio de regularnentos esta-
belecidos, na maioria das vezes J~ urna forma quase rneca-
nica, e :: possfvel que os notarios scjam ate mais importantes
que 0 qdd]. Em urn sentido que nao e :: rnerarnente rnetafori-
co, os notiriosJazem a evidencia ou pelo rnenos a evidencia
legal, e assim, de acordo com os argumentos que venho
desenvolvendo sobre 0status normative do fato, e portanto
dos depoimentos, fazern tambern a maior parte do julgarnen-
to. A realidade como uma estrutura de imperativos divinos
- a vontade de Deus, Haqq - pode estar nas maos do qiiqf.
No entanto, a realidade como urn fluxo de ocorrencias
morais -I?aqq dentro de voce, sobre voce e em voce - esta,
em proporcao bastante significativa, nas maos dos notaries.
Nao so dos notaries, no entanto, Os notaries propria-
mente ditos, aqueles que estao ligados aos tribunais qii4i,
sao apenas 0caso tipico em uma abordagem do inquerito
judicial que se expandiu como uma rede de espionagem
gigantesca, atingindo praticamente todas as areas de interes-
se do Direito. Como a propria sart a, a jurisdicao dos nota-
rios nos dias de hoje limita-se principalmente a assuntosrelacionados com matrim6nios e heranca, na maioria das
regioes do r.iundo islamico, e seu poder para transformar
queixas em evidencia, e exercitado sobretudo com respeito
a contratos matrirnoniais, acordos de divorcio, reivindicacoes
em partilhas de bens, e escriruras de um modo geral.39
Alern
desses, existe hoje urn eonjunto semelhante de testemunhas
normativas oficiais ou quase oficiais: pessoas eujo testernu-
nho, ainda que nao total e absolutamente confiavel=- afinal
de contas, esta e urna epoca decadente - tern 0peso especi-
39. A sarfa, c com cia. provavelmentc , t ambem os nota ri es. sao a inda unli zados
com rnaior frequencia nos regimes mais tradicionais do Oriente :>lcclio. uis
como 0da Ar: ibia Saudi ta Alern disso, mars rcccntcmcnte, 0harnado Renasci-
mcnro ls lamico parcee t crcon tnbu ido para uma amphac. io - pelo r nenos f ormal
- de sua aplicacao em paises como l Lfbra, 0(d. 0Paquistao e alguns out ros
mais
291
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 25/57
I
lJ~.~eoU
:1
.~
*
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 26/57
f1
-.-------.--. I
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 27/57
fe. , ;i;e£ T 10&E,MC
N 0t) In
"0 c ::'!l
'":o.c
o. . .VI
::l_. 9- ~
: ao"0
,I
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 28/57
J
iJ
I
0..::r ~.o 0
3 f')
n 0
3 3
---_._----------------- -
o c(Hlfii to deve scr resolvido porque , como ja dizia 0
Codigo de Manu. em algurna epoca urn pouco anterior ou
prore]a. E a rnais i rnportanre desses guarduies C- au pelo
mcrios era. ate que a colonialismo prancarnente 0ubstiruiu
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 29/57
urn pouco posterior a Cristo, ~'o dharma, se destruido,
destroi, se protegido, protege:,! 0 Diretto encontra-se sim-
plcsmentc no rnundo, como 0sol ou0gado, tanto na forma
infinita e grandiosa de tudo "que e solido e duravel, que
sustenta e mantern, que impede a fraqueza e 0fracasso", e
na forma l imitada e local de deveres especificos incorpora-
dos em regularnenros especificos, atribuidos a individuos
especificos em situacoes rambern espccfficas." A obrigacao
de seus guardiaes e protege-lo, para que cle tambern os
C ,I IIlclina<;:io para fazcr 0 bern. :'>tas em todos os niveis existe a morte, ;1
le rnb runca inev it dvel da msans facao da v ida, :\ mort c p rove a mobil idade en tre
os due ren res ni ve is . On de : quer que s eja . e perr nanentemen te, exi ste rn a mort c
co renascrmcnto :\OSSJ peJSl<;;io10 nascer c determinada pelo karma. 0 karma
Clima palavra sanscrita que sigmfic.l simplesrncntc ";If,ao" mas que adqur riu u rn
scnudo tecnico . . Tudo "so': ,!CciIO por rodos os tipos de hindus e pelos jains
Irnembros de u rna s eua indiana n: u:) ob rahim ica, corn dou tr inas s ernelhan tc s a s
do budismo, N .T .I - enllm, por t odos os p rincipais s is temas r eli gio sos da i nd ia
Entrctanto, 0 budismo 1"010 pnme ir o s is tema rc lig io so a da r U ll l con teudo euco
ao conce rto . Para os bud rs ta s 0earma consi ste umcarnen te em a<; 6e s mora l-
mente boas au mis, e n.io mclui outras acoes tais como as referentes ao rito ..
Gornbrtch, Precept and practice, p 68 .
.f7.. vtanu, \ 1 1 1 , 5 , c itado em Lmga r, Classical lau: of India, p '1 Segundo Lingat.
o codigo remonta -se ao per iodo en tre 0s ecul o II ae c 0seculo I I dC. aproxi-
madarnente (ibid., p. 96).
..!I, lbid., p. 3, aparenrcmente originario do Man«. Amelhor de fin icao pos sivcl do
dharma em seu sen ti do i nf ini to - a pal av ra s c re lac iona e rr no logtc amente com
o latimfimills como e rn terrafirma, no sentido de "solido". "duro", "duravel"
_ e, p rovavelr nen re , a do.HalJahharata (Sinllp, 109,59; cuado em Ibid .. p 3,
numero 2): "0Dharma tern esse nome porque cle protege .. tudo: 0dharma
mantcm tudo que for crude0dharma e, portanto, 0proprio principio que C
capaz de manter 0univcrso." Para 0s en tido local do re rr no (,\,JdbanJUI), vcja
D,I\'IS, Ranle lind riralrv, "Posfacio": "0db arma refere-se ao comportarnento
natural c moral adequado para um individuo ou para urn grupo de individuos
e par a J sociedade como lUll todo. lE I defi nido e rn par te pela cornur udade
fisrco-socral na qual vivemos, pois cada comunidadc tern urn modelo de vida
rrudrcional que. de vatl," rnaneiras. se drfere das outras comunidades 0
dharma de [urn indrvuluo] c r ambern em par te definido .. pela epoca em que
vlve. pois webs a s cOll lunrd .l<ks Ii :r n , ua p ropna h l"" 'n ,l. l imci e d ii erente das
(Jutras. e .1Ie:em ullla me'JIll cOlllunid;lde. 0 que. em uma CPOCl, i: conslderado
cnmo urn comportament o to rrt ·t o c ,I propt lado . pmlc vana r COIll 0 pass ar do
tempo Alcm dl, ,'o, I)dharm(/ pode se r tJlllbcm def il 1ldo em part e par nos s;! s
300
- nao a [urista, que era apenas urn comentarlsta, e sim 0ei.
Ou seja, resumindo 0principio basico da legalidade indica
de lima forma indica, 0dharma do rei e defender 0dharma.
O lugar que 0rei - seja de um rei pcqueno, media ou
grande (e e importanre lernbrar que alguns reis sao extrema-
mente pequenos) - ocupa na adjudicacao indica e tao carac-
teristico - e tao decisive - como 0papel do testernunho
normative na adjudicacao islamica. Pois e de que, aconse-
lhado pelos sabios adequados, e por monges ou bramanes,faz a conexao entre os paradigrnas do se/entao, que dao
coerencia a s coisas, e que sao relacionados com 0dharma
geral, e as deterrninacoes do como/porranro de um governo
concreto, que produzern deterrnmadas consequencias. Uma
sociedade sem urn rei. ardjaka, e urna sociedade scm leis,
adbarma, sujeita ao "Governo do Peixc". A habilidade de
lim individuo para seguir seu codigo natural em urn mundo
replete de codigos naturais e de tentacoes para evadi-los
depende da protecao do rei. Como diz expliciramente 0
Mababbarata. todos as dbarmas dependern do dharma
real - "todos tern0riija-dharma em suas mentes,''''?
.. .
propria, qualidadcs c pclos v.inos esragios de nossas vidas, pois 0comporta-
memo apropriado para um individuo dependc de sua propria natureza. e do
grau de sua matund,ule fisica e moral. Espaco, tempo, quahdadcs e cst;\glO' da
Vida. sao as quatro ... constantes segundo as quais 0 dharma de qualquer
mdsvi duo ou g rupo de i ud iv iduos .: dcf ir udo. Os compor tamenros especi fi cu s
que constituern Ieu Idharma nao s io i gua lmcnre cons ta rues , pois d if ere rn no
tempo e no espaco, entre mdrviduos que \"i\"em no mesmo lugar na mcsma
CpO',I. e tarnbcm no dccorrer da vida de urn mesmo individuo." PJr;! uma
d is cusvao bas tan tc pcr cepuva do compl cxo rc la cion. ir ue ruo en tre 0dharma
gcr .d e () dharma pessoal, \'e):l O'Flahcrrv, Origill .•of eril. p. 9-1s.
·f'). Lmgat, Classical law of India, p 208. Cf Ho.idlcy e Hooker, Introduction III
jamtnese law, p. I-i. "Regulamentos espccit icos do dharma ganham estnbilula-de somentc a tr aves do cxc rc ic io apr op riado da von tade do RCIe, ness e s cn ti do .
o R(ija-dharflUi tern prcccdencia sobre todos os outros deveres espccrticados
no mundo Ida Di re tto c l.i ..,i co l ( gri fo no o rr~ II 1,I I) Cf Roche r, "Hindu cOlln'p'
li(",.~"f lart". p 1291 .( h .ISpcctos do dharma no., qlUI' 0 lIpO de dlrctto d.1
C1\lirzac;.io oCident,t1 dnl 'l lIpenh,lum p;lpcllll .IJ'o IllIpon;lll lc, unem-,e JO rcdor
d,l n~ur;t cemral do rl't .. ",Ira artljakll c "0 C.O\·l'rno do Peixe". \'CI,I Ungat,
ct(K~ical 1<lU'f Illdia, p 211'' ',e Derrett , Religio", Itlll lImi tbt' state. p ' ;( ,0
"
301
S::o... ~------------------- ="""==-===;.1__""::::::::::::::<l-'~-~":';';_':::'_':'_
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 30/57
'J-
oI"
f
esse rcl:1cionamcnto era 0ponto central da quesrao. em
todos os niveis , desde 0estado, ate a aldcia. Se por acaso os
Existern varias maneiras de conseguir persuadir os monar-
cas. contra SUa arrog.incia natural. ou de fazer, como Derrett
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 31/57
clerigos - os brarnanes para os hindus. os menges para os
budistas, e em assuntos menos importantcs, algurn sabio
rnenor - persuadissern 0rei, 0principe, 0scnhor ou algurn
funcionario local a frcar seus instintos c a scguir altruistica-
mente 0caminho de seu dharma, esrariarn ao mesmo tempo
dando-lhe a possibilidade de seguir um principio estabele-
cido pela justica e nao urn principio arbitrario de sua vonta-
de.s.!
sugeriu, "que 0dharma reine atl- mesmo sobre os reis";
dogios clericals em pocsia cortesa, abandono dos rlruais da
corte pelos clerigos, fazer com que a COrte se envergonhe de
sua falta de rnoralidade. S.i No que se rcfcre a adrninistracao da
lei propriamcnte dita, dois instrumentos cram certarnente as
rnais irnportantes: a codificacao do dharma real e a inclusao
de conselheiros sabios nos tribunais reais.
A disllnt;io entre a admuustracao da pcna, "cIIIt/a ( ht era lmen te " ba stao" ou
"cerro"). considerada como par te do dharma do rei . c a cfeuvacao da punficacao
arraves da penuencra, priiyscitta (hteralmente, "0pcnsamento primano". "0
pensamcnro de descobnr") considerada como pane do aprendizado hurnano
do dharma, e tarnbem como uma relacdo entre os dois ("OS [Bramanes]
prcscrevem a perutencia: cabe [ao rei] garantir que essa seja curnprida e purnr
o rccalcurame." [Lingat,Classical kno of III dill, p. 661; as forrnulacoes budistas
diferem principal mente quanta a concepcao exa ta do que e pen iti :ncia e do que
e punficacao) e essencial para a cornprecnsao das dimensocs legais desse
relacronamenro. "Seria cmvao buscar, na t radiSio indiana sobre 0elacionamen-
to entre esses dois poderes. uma analogia com a tcoria cnsta das Duas Espadas
E bern verdade que 0 brarnane e senhor quando 5C: trata de rituais e ..de
pemtcnci as . ~ Ia s, na verdade , s ua junsd it; :io se ex tende pur todos os campos da
anvidade real, sejam esses pol it icos au rel igiosos. Nio cxisrem aqui dois poderes.
cada qua l a ruando em sua e sfe ea especi fi ca . 0 sagrado de urn lado e 0 profane
do outre. 560 poder s ecula r te rn a capac idade de a tuar , mas e urn poder cego ,
que ncce ssi ta s er or ientado ant es que pos sa se r exerc ido ef er ivamente . Se0c:i
mcnosprezar 0 conselho de seus bramanes, nao 56estard deixando de cumprir
s eu deve r, mas rambem correndo 0 ri sco de gove rnar mal " iibid., p. 21-1·218,
vera tarnhem p. ;0. 61·67.232.: ;- :' ') . Sobre Java, vera Hoadley c Hooker,llItrodlic'
tion tojaranese late. p. 22"'·28.
Acodificacao do dever real de manter a ordern no que
sc refere ao cornportamento social, punindo aqueles que
perturbassern essa ordern, ja existia na india chissica, onde
o Manu dedica tres capItu los inteiros dos seus doze a esse
assunto. No entanto, tornou-se ainda mais explicitarnente
elaborada no Sudeste Asiatico, onde 0melhor excmplo (ou
talvez 0exernplo melhor descrito) seja 0Tbammasat tailan-
des. SI Ao descrever a historia do mundo e do ser humane, a
evolucfio das leis, e a origem dos reis, 0Tbammasat "definiu
o relacionamento entre individuos eo estado, prescrevendo
, d . b d - ,,55 Eas normas que 0rei evena 0e ecer em suas acoes. em
52. r\ doutrina do auto-interesse tartba, um senumcnto que por si so nao scria
i legit imo , a nao ser quando suas a tr acoes encob ri ss cm nos so s en ti do do deve r)
C. assim como a sensualidade (klllllll), quase t ;io dcscnvolvida no pensamento
i nd iano c las sico como 0dharma. e ex ist cr n t nuados in tci ro s (llrl!Jaslistra)
dedicados ao aprendizado de como culnva- Ios. Veja Dumont, HOII/O Hierarcbi-
CIIS, p. 16;·66. 196, 251·;2; Derrett, Legal systems, p <)6·')7; Lingat, Classical
law in India, p. ;·6, I·";··IH. 1S6-;-. c. com refercncia :1 tunSio adiucatona do
rei , . !S1,54. Para uma discusv.io sobre 0 papel do .r uto -rn tc res se - pamrib CIII
J:IV:tncS - na teoria politica [avancva, VCll BR (YG Anderson. "The idea of power
111 [avanese culture". 111 Culture and politics ill Itulon ...sia, org. C. Holt. Ithaca.
19":'2. P 1-(,9: . .. . :1aurude corrcra para um funcionano C ahster-sc de suas 1110'
ti \' Js 6e s pessoa is , s e e stivcr t rabal hando ef envamcnte para 0bern do estado. .
o pamrib [daqucle que cxerce 0poder] e re almen te, e e rn u ltima anali se , lima
amcaca para sells proprios uueresscs, po is a indulgcncia com as paixoes ou
preconcei ros pessoais, e por tanro parciai s, t ern como resul rado 0esequil furio
in ter io r e a d ifu sio da conccru racao e do podc r pes soa l, Sab re aTa il andi a, veja
O'Connor, "law as indigenous socia l theory", p. 233-3·1: 0 tailandes moder-
no ...aceita 0 auto- interesse descnfreado, mas 0 considera moralmente infer ior
:' s le is cosmi ca s e r cai s, 305 cos tumes e J. di sc ipl ina no rma ti va .. . que l iga u rn
mdividuo a ordem rnaio r da sociedade" : e Enge l, l.au: and kings/Jip, p. 7·8. Cf.
l.. Hanks, "Merit and power i n t he Thai soci al o rde r", American Anthropologist
(,. , (1962): 12-16·(,1.
53. Derrett, Legal systems, p. ')').
S" . Sobre o stanu. Rocher , "Hindu concepti ons o f law" , p . 129 -4 ; L ingat , Classical
lctu: in India, p . 222·52 Sobr e 0J1}(I1II11Ulsata vers. io rai landesa do Dharma-
sastra si nsc rito ) Engel , Lau: and killgsbip. p. I·H; Hooker, Legal history r,?~,)5. Lingat, Class ical lau- ill india. p. 269·2-9; Lingar. "Evolution of the
concepnon of law"; O'Connor. "I.au:(IS indigenous social theory."
55. Engel, Late ami killgsbip. r .5
304 305
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 32/57
i\
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 33/57
t. eas
.s:.J
. . r :u:;o
C O
or
IIJ"0
" "~-;UIIJc. .
EIIJ.0
0-'t:~,'M VI
c : ~o .::;_ M
,~ EE "". . 8
c
i l'I
'1
1)
"'0
:.J. . .s:oVI
VI
oE1). . . -C
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 34/57
\j.;. . . .o
·1
em roupagens reais) (eve como consequencia uma revolu-
< ; ; 10 parlamentar. NaIndonesia, ao sistema de tribunals esta-
criadas principalmente pdo proprio Ocidcnte: algo assirn
como arcia de advogados, jogada nos olhos de outros advo-
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 35/57
tais multirraciais imposto pelos holandeses, seguiu-se a
unlflcacio desses mesmos tribunals, irnposta pela ideologia
culturalista da Republica de Sukarno. Tudo isso trouxe mu-
dancas fundamentais, sobre as quais voltarei a falar mais
extensarnente na parte final deste ensaio.62
Entretanto, como observou Derrett com relacao a india,
mas que poderia ser dito tarnbem com relacao ao Sudeste
Asiatico como urn todo, 0istema juridico esteve nas maos
de juristas natives por dois milenios e esta nas rnaos de
europeus, ou de indianos educados no Ocldente, s6 por do is
seculos. Portanto, nem tudo rnudou tao absolutamente,
sobretudo as formas da sensibilidade juridica.63
0 dire ito
pode ter-se tornado secular, ou algo semelhante, e ate mes-
mo causidico. Porern, nao perdeu seu relacionamento com
a vida local. .
*
Os obstaculos a compreensao do significado do adat,
para os que se considerarn legal e moralmente ligados a ele,
sao urn tanto ou quanto diferentes, ainda que nao menos
terriveis, que os que dificultam nossa compreensao do baqq
e do dharma; pois, no caso do adat, as dificuldades sao
62. Aliterutura sobre 0Diretto moderno na india e no Sudeste Asiatico c extcnsa,
ainda que dcsigual. Para a india. veja J.D.:'1. Derrett. Introduction to modem
hindu 1mI-;Bombay. 1963, bern assim como seu Religion. /(IW and the state;
para a Tail and ia , ve ja Engel, Code and custom and law and kingship; para a
Indonesia, D.S.Lev,"Judicialinstitutions and legal culture in Indonesia", in Holt,
Culture aridpolitics, p. 246-318. Material sobre a Birmiiniae Cambodia e maisdificil de achar, mas veja Hooker, Legal history, p. 150·;2 (Birrninia) e 166·68
(Cambodia). Para uma vis:io geral, veja : 'I .B. Hooker, legal pluralism: ml
introduction to colonial and neo-colonial laws, Oxford, 197;.
63. Derrett, Legalsystems, p. 83.
312
gados. Seja qual for a opinlfio qU\! estudantes europeus e
norte-americanos de direito comparative tivessem no passa-
do sobre os conceitos que regern a jurisprudencia islamica
ou Indica - que eram imorais, arcaicos, ou tinharn uma
profundidade magica - sempre estiveram cientes de que
esses conccitos, que surgirarn de tradicoes ja desenvolvidas
do pensamento literario, sao dificeis de entender em termos
das concepcoes da adjudicacao que existern no direito civil
ou no direi to comum. 0 adat, no entanto, que foi encontra-
do perambulando entre as rotinas cotidianas da vida nas
aldeias, os tranquilizou por ser facilmente reconhedvel e
confortavelrnente familiar. Umpot-pourri de normas verna-
cuIas, a primeira vista sem grandes complicacoes e, na sua
maior parte, orais. Eram os "costumes".
o dano causado pela palavra "costumes" na antropolo-
gia, onde seu uso fez com que os produtos do pensamento
passassem a ser simples mente considerados "habitos", s6
pode talvez ser superado pelo dano que causou na historia
do direito, onde os produtos do pensamento eram vistoscomo "praticas". E quando os dois danos se combinaram,
como aconteceu no estudo do adat, 0resultado foi 0
aparecimento de uma visao do funcionamento da justica
popular que pode talvez ser melhor caracterizada como
convencionalista, segundo a qual 0 costume explica tudo. ja
que 0adat era "costume", passou a ser; por definicao, para
os jurisras-etnografos que lhe davam alguma atencao, na
melhor das hip6teses, sernijuridico, urn conjunto de norm as
tradicionais, aplicadas de forma tradicional para a solucao
de problemas rarnbern tradicionais. A duvida era se ele
deveria ser abandon ado, em beneficio de direitos racionais,
importados de outros paises, ou se deveria ser transformado
ele pr6prio em urn direito racional, passive] de sistema-
tizacao e mais eX3W.Apartir da mctade do scculo XIX,e ate
quase a metade do seculo XX, 0conflito entre juristas
ocidentais defensores da ocidentalizacao e juristas ocidcn-
313
tais opostos a ocidentalizacao - os primeiros pressionando o movimento adatrecbt e outros movimcntos serne-
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 36/57
para que se impuscsse, uniformernente, 0c6digo ingles, ou
holandes ou norte-americano, em urn lugar qualquer da
Malasia, e os segundos exigindo 0estabelecimcnto indepen-
dente de esferas de leis nativas cuja origem seria um conjun-
(0de alguns tipos de costumes nativos - dominou 0debate
acadernico sobre 0adat, nao tanto com relacao a sua natu-
reza (que, de lima forma geral, todos consideravam clara)
mas sim com respeito a seu futuro. Sejam quais forem as
virtudes de cada urna dessas posicoes (pois ha muita coisa a
ser dita a favor de cada uma delas - e mais ainda a ser dito
contra arnbas) 0 resultado, principalrnente nas indias terri-
toriais, onde 0 debate foi mais intense e onde os defensores
da antiocidentalizacao eram rnais articulados, foi a trans-
formacao do adat, que, de um termo que representava
alguma forma de sensibilidade juridica, algum modo espe-
ciflco de pensar sobre os se/entdo e corno/portantos, tornou-
se urn adatrecbt, um "direito costurneiro", que representava
algum tipo de corpusjuris (ou urn conjunto deles) domes-
tieo que precisava ser imperialmente abandonado e juridi-
carnente ignorado, ou enrao oficialmente pesquisado,
registrado, categorizado, e com 0apoio poderoso do estado
colonial, administrado.6\
64 . As f igura s p rincipais no movir nen to adatrecbt, na sua rnaioria baseadas na
l.n ivcr si dade de Lei dcn, f oram Cornc lis van Vo ll cnhoven , nor rnalmcnte consi -
dcrado scu fundador, cmbora a ideia gcral rivesse surgido antes dele (vcja
sob rc tudo scu Het Adatrecbt I'tlII Xederlandsche lndie, 3 vo ls. [Lei dcn, 1918.
1931. 19331> e B, t er Haa r (veja seuAdat law ill Indonesia, trad. EA, Hoebel e
AA, Schiller [Nova torque, 19,i31>. Para uma serie de manuais sobre a direito
do adat, org.mi zados por a re as geog r.i fl ca s. como uma forma de d ir cito c ivi l. cproduzido pcla The Commission for Adat Law;sob a inf luencia geral , pol ra n.io
dizcr dornmacao da Escola de Lciden, veja Adatrecbt Bundels, Haya, 191(}';;.
A oposic.io a octdentahzac.io era mais difusa (e mcnos academical mas 1:\,
:->cdcrhurgh. \ti.>t ell Adat, Batavra , IH96·98, podc scr considcrado urn exemplo
rcprcsent ;l ti \"o. Para urna revisao ger .i l do assunto. veja ; \I .B , Hooker, Adat law
ill moe/crtIindonesia, Kuala Lumpur, 197H, Par a u rna c ri tic a an tropol og ic a da
i dci a do adatrecbt, a partir da propna Lnivcrsidade dc Lciden. veja ).P.B de
jos-c lin de Jong, "CmtoIlU,,' b" ,: a confusing fiction". Koninklijkc \ 'crccniging
Indisch lr"IIIUIiI ,\lcdcdcling. HO , Md. \ 'o lkcnkunde. n" 20. Ams te rdam. 19· j8
314
lhantes nas demais partes mais subdivtdidas do conrinente
(rnais ou menos do sui da Taildndia ate 0ui das Filipinas)
onde 0 termo adat - que, como foi rnencionado, tern origem
arabe - foi encontrado, produziram algumas das melhores
etnografias juridicas existentes, no sentido rnais simples de
coleta de fates, estabelecirnento de categorias e descricao de
norrnas: estudos rnaravilhosamente detalhados sobre os
principios de heranca por urn lado, restricoes matrirnoniais
por outro, e direitos a propriedade da terra ainda por
outre." No entanto, com a premissa de que 0 direito, ou
pelo menos 0"direito popular", era sirnplesmente "costu-
me", de que costumes eram uma questao de usa, e de que
o usa, portanto, era rei - urn circulo sern conexao do "deve
ser" e do he" - esse movimento representou - ou melhor
dito, mal representou - urn sentido nativo da justica, e uma
consonancia social,66 utilizando elementos de uma visao
alheia da ordem, isto e , de urn Recbtsstaat. Depois da inde-
I>
6S. Entre as exernplos mats rmportantes, G.D. \1t'illinck, lIet Rccbtsleuen der
.IIitltlllgkaball Maleirs, Lelden, 1909;).C. Vcrgouwcn, The sociai organization
and customary law of the TobaBatat : of Nortb SUIIIllIrll. trad. Scott-Kemball,
Haia, 19604; R, Soeporno, Het Adatpriraatrecbt Mil West-jm·tI, Batavia. 1933;
f > 1 . ; \ 1 . Djojodigocno e R , Tirtawinata, Her Adatpriuaatrecbt I'an Middel-Jm'a,
Batavia, 19..0; VE, Korn, Het Adatrecht uan Bali, s egunda edi cio . I la ia, 1932,
Embora , \ (1£11 fosse , originalrnentc, urna palavra arabc (~Ilhl) e , na verdade. s eja
normalme~tc traduzida par "praxe", "costume", "uso" e "prauca", J raiz de onde
se origina. -u-d. tern 0enudo mais forte de "retornar", "voltar", "rcaparcccr".
"reverter", "reirerar" (~ud s igni fica "outra vez") que rcalmcntc aproxima-se mais
do sentido i ndonesro da palavra. De qualquer forma. ;t paJaH; usada mais
cor numenr e par a "cos tume" nos tcrritorios tsljmicos ccntrais n:io c "ada. e s im'ur! der ivada da raiz c 'r -/ . que qucrdizer "saber" , "es tar cicnte de", "reconheccr".
" ter conhecimento de" .
66, tcr Haar, Ada! law. desenvo lveu , em scu concerto de: Beslissingsrecbt (CUIO
'Igmficado e algo a ssim como "u rn direito feit<>par juil.cs'· ou "urn dircito de
p receden te s") uma vcr sao li gci ramcntc "popu lar " da tcona do Drr ei to tit/at (cle
nnha a [e a e sperance de obr er rCg is lr os l ega is e cuacoes de CL\(H) ern opo,,~jo JO
cnfoquc ma is o rt odoxo de manua l de van \' oll cnho\" cn . cmbora 0ab.mdono das
nocoes de rcgra s e s ancoes chi s e " ad rrunis tr aci ona lis ta s' nunca renha si do uma
boa ideta. Para 0 desenvolvunenro da nO'iao dc Recbtsstaat, sob a rubric a ·'~cgar.1
Hukurn", na Indonesia indepcndente , vera l.ev; 'Judici.u 11l'1II11110IlS. p . .!-;H
315
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 37/57
' = : C k , p IE r or @414b-wzw 4..$.... ,Sih ¥5§l'bi" f .g ; - "
'.I';
~. . .c:5~E
o 0 0
C c : : - =o cu u
("l 0 0E ....::l ~U ....E E c~ : a u
lJ Eu r.
2~0. . . . .0, . .: : :E
§ c, 8
-.'".:;
. : :
o '":9 0..0 E.~ . ; : :lJ
oE8
oo("l
VI0. . .lJUC
ou
'Jl
o. . . ..~
.: :-0
o("l
::l. . . ../)
("l
E::l
oEou
£ :
'":lEu-0. . .o("l
E:: :
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 38/57
-0
(
Os arnbie ntcs onde esse ripo de prucesso acontece So-to
multiplos, abrangendo, como se dcu no caso de Regreg.
desde reuni6es domici liares ate conclaves de roda a aldeia,
ralmentc peculiarcs, um excrnplo bastante claro clesses pro-
cessos:
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 39/57
sc 0conselho Ihe charnar, voce tern que responder;
sc convidado, voce dcvc ir.
Se acontccer de voce ser chamado,
convidado para assisti r urn banquete do conselho ,
coma bastante antes de ir
e beba algurna coisa tambcrn.
pois em uma festa ou em urn banquete,
o comer e 0heber tern regras est ri tas
sentar-se e levanrar-se tern morncntos adcquados.
L a voce ted que utilizar todas suns boas rnaneiras,
nunca esquecendo quem voce c .Seja educado em tudo
e lernbrc-se de todas as rcgras,
mesmo quando estiver passando as folhas de betel ou cigar ros.
Mais tarde, quando chegar a hora dos discursos,
sernpre tenha muito cuidado com 0que diz:
urn discurso suave c um atributo da bondade,
Scrnpre diga a vcrdade
levando em consideracao as boas maneiras,
e procurando entender os sentimentos alheios.Quando voce falar, fale humildernente.
scrnpre se menosprezando.
Faca 0 possivcl para cornportar-se correrarncnte
c para controlar seus instintos,
e urna reuniao final, oricle chegarn a unanimidade publi-
camente dernoristruda. uma assernbleia correta, de mentes
corrctas, que tern tantos nornes quanro scjarn os arnbien-
tes.~1 Existe tarnbem urna concxao bastante explfcit a
(como ficou claro no caso de Regreg) com imagens dos
desastres naturals e espirituais que acontecerao sc as
condicoes cstabelecidas pela reuniao final forem rnenos-
prezadas ou suas conclusoes ignoradas, 0 argumentocentral, no cntanro, C a concepcao de que a busca da
verdadc - seja essa a verdade circunstancial ou ados
principios - c urna tarefa rctorica, uma aproximacao de
pontos de vista atraves do uso persuasive de palavras
sancionadas: as frases, os usos idiomaticos, os tropos que
sao, na verdade, parte do adat. Ou, como expressa sucin-
tamente urna ourra formula do Minagkabau, uma especie
de proverbio poerico:
Urn membra do conselho deve 'liver de acordo com sells
principios,
sua hnguagcm deve ser a do adat
scguindo °caminho da correcio
que e tranquilo como urn mar scm ondas,
estavcl como urna planic ic scm vento,
seu saber firme em seu coraclec para scmprc conscicntc dos consdhos dos mais \'c1hos.~3
ctnograficos au descrcver 0uga r do t re cho na narr at iva gcr al. Sob re 0papcl
fundamental descmpcnhado pel o s provcrbios, nuiximas e outros tipos dc
"d izc res e st abel eci dos " ou "d is cu rsos f ormal s" e outr as cois as ma is - ou SCJ ;l .
outros upos de retorica - 1);\ ad judi cacao do adat, vcja (urna vcz m.us,
cspccificarnerue sobre o.HilUlIIgkabau, mas 0enorncno Cgenera li zado) von
Hcnda Beckmann. Property ill social continuity, p. 11·,·1;. 132·33..7 ... :\ mars importante dcssas . na Indonesia mdepcndcntc. c () musjau.arab,
ongirui rto do arabe. quc sigll if ica "discussao cornuni t. ir ia", "dcllberacao cole-
tiva" (vcja Koesnoc, stusjau-araln, mas c bastantc ahstrara e idcologica. e
palavras como mupatsa! (1;II11bcm de origem arabe, mas com urna ass imila~:' ()
m.us profunda) "acordo", "conscnso": setuju, "de uma s o dirccao": setabu.
'com uma uruca rne n tc". hulat, "un.inimo" "pcrfeuo". rukun. "acornod.ic.io
paci fi ca" e ur n gr ande numcro de t crr nos l oc. u-, ver nacul ar es ( vcj a, por excm-
1'10.ibid. p. 9·1; . sobre 'ictsak begundum, ..discu ....oe s detalhadas". \011
lIen<l.l·Bccknunn, Pro/l()('rty ill social continuity, P 19;. sobre 0o.lin;lOgk.1·
bau, seizin ("conSCnllml'1l10") 5;10. em qua lquer um dos l ugar cs conside r.I<I",.
111:11S comuns.
75.. \ I I. Johns , org. e tr.rd., Rantjal: Dilabueb: .-\.I/inangkabau Kaba, cI spt!cimen
oftbc traditional literature of central Sumatra. Ithaca. 19;8. p. 113·16 I'll.
:llgmllJS modificacocs na tr.rduc.io de Johns , p:l ra evi t. rr t cr de cxplicar dcralhcs
320 321
Aagua circula nos canudos do bambu
o consenso circula nas disCl lSSOCSque chegarn a urn acordo una-
nime
~-I
Imodernidade finalrnenre chegou a essas partes, 0adat
tarnbern C, a sua maneira, e:xtraordinariamente tenaz.
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 40/57
A agua corre atraves do barnbu
Averdade corre ar raves do homcm.75
Uma vez mais, e de fundamental importancia saber 0ue
acontecera com uma forma como essa, que esquernatiza os
casos elaborando-os unicarnente com 0vocabulario forma-
lizado do discurso coletivo e que os solueiona mergulhan-
do-os em uma voz unissona, em urn mundo cujo sentido do
estilo forense for diferente. Baseada tao profundamente nos
mecanismos da atuacao, a sensibilidade juridica do adell
talvez seja ainda mais vulneravel a influencia externa que as
do baqq ou do dharma, pois, no casu dessas ultirnas, parece
bern mais facil conseguir urn ajuste, ainda que parcial, entre
a materia-prima local e 0rnaquinario estrangeiro. Por en-
quanto, porern, ancorada na organizacao social das aldeias,
sob a vigilancia dos seus guardiaes locais, adaptada as cir-
cunstfincias locais, e expressa atraves de sirnbolos tarnbern
locais, eta permanece tao vivaquanto asoutras duas. E,como
todas essas outras coisas que supostarnente estao desapare-
cendo - mulas, casta, eo imperador do japao - agora que a
75. Von Benda-Beckmann, Propert)' ill social continuity. p. 115 ; o ri ginal c itado de
,\1. Xasroen. Vasa Filsafah Adat .lIimmgkabtw, Jakar ta , 1957. p. 56. L 'r na vcz
mais, liz modificacoes na traducao, neste caso para obter uma expressao
idiom:i ti ca que fosse rnais natural cm ingles. 0 pocrna depende de urn t roeadi lho
com a pal av ra bulek, "r edondo" , que si gni fie a " ci rcul ar ", no s cn ti do de "andar
em volta", "ser distribuida" quando se refere it agua (buIck aie) e "acordounan ime", quando se re fe rc a ur n d is cu rso tbulets leato; kato - "palavrat s)". A
t raducao de Von Benda-Beckmann c : 'j\ ;igua circula no tubo do bambu/ As
palavras (decisao) circulam atraves do mupalsat ( da dec is ao unanimc) ,' A i gua
c conduzida atraves do barnbu/ a verdadc c revclada (at ravessada) pelo home I II . .
o anginal c: Bulel : aie del : pambuluah/Bulel s l sato dek mupalmt/Aie batitisan
batuang/Bana batitisan urang," Como urang n io te rn nurncr o Oll gcncro,
como a mat ona dos subst .muvos austroncsianos. poderi a sc r t raduzido t an to
por "hornem" COIIIO par "vcr hum.mo '
.322
IIj
Ate aqui, as ideias vindas de regioes distanres. E nao C
que nfio existarn outras coisas a serem ditas sobre elas:
praticamente rudo ainda teria que ser dito. No entanto,
como mcncionei anteriorrnente, nao foi nem e rninha inten-
<;ao condensar as nocoes islamicas, indicas ou malaias sobre
as interconexoes entre normas e acontecimentos, em algum
tipo de manual para que litigantes expatriados possam de-
monstrar que, sim, essas nocoes sao rea/mente nocoes. Os
dois enfoques principais no direito comparativo - 0 primeiro
que considera que sua tare fae comparar varias estruturas de
poder, e 0segundo que se dedica a comparar os varies
processos de resolucao de conflito nas diferentes sociedades
- em minha opiniao, parecern nfio ter entendido bem qual
c a questao: 0primeiro devido a uma visao demasiado
autonorna do direito que 0ve como urn "sistema juridico"
isolado e auto-suficiente, lutando para defender sua integri-
dade analitica frente ao desleixo moral e conceptual da vida
cotidiana; e 0 segundo, devido a uma visao demasiado
politica do direito, que 0 v e como urn conjunto pragmatica-
mente organizado de artiflcios sociais para prornover certos
interesses e gerenciar conflitos de poder, 7~ Se os estilos de
adjudicacao que se congregam aos Anscbduungen projeta-
dos pelo ~aqq, pelo dharma e pelo adat, podem ou nfioser
corretamente chamados de "direito ., (os defensores do en-
foque "leis" os considerariarn demasiado informais, e os
.'"
t
76. Par a uma d is cuss ao cr it ic a cxce le rue sob re c ssc s dois cnfoques, OU como lhe s
chanuun, paradigmas, que, no entanto, an final, ;1(10[;1 uma ver sii o u rn poueo
modiftcadu do segundo enfoque, veju)1.. Comorotf e S Roberts, Rules and
processes: the cultural logic of dispute in an african context, Chicago . 1981. p
S·! 1 Para urn excrnplo do primciro paradigma (baseado nas leis), vera L
I'OSpl'il. Kapaulsu Ptl/UIIISand their tarn, New Haven, 19; 8, pan . u rn exemplo
do segundo (bas cado no processor , vela .\lalinowskl, Crime and custom ill (I
} · , u < a _ g t · society
323
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 41/57
;HBiYMt
- 6 c 6c ~ 0. ;: rf c0. 'J") 0
E
namente igual com a modcrnidade - filiais da McDonald's
nos Campos EIisios e rock punk na China; que ha uma
evolucao intrinseca do Gemeinscbaft para 0Gesellscbaft, do
ncrn com urn cet icisrno pouco tipieo entre norte-amertcanos
a respeito do muito que pode ser obtido com 0orn funcio-
narncnto do direito, Como Gilmore, tampouco sin to a gar-
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 42/57
rradiclonalisrno para 0acionalismo, da solidariedade rnecfi-
nica para a solidariedade organlca, do status para 0contrato:
que a infra-estrutura pos-capitalista, sob a forma de corpo-
racoes rnultinacionais e da tecnologia inforrnatizada em
breve moldara as mentes dos tonganos e dos yemens, dando
a todas elas um padrao com urn. No entanto, cia tarnbern se
opoe a uma perspectiva muito irnportante sobre 0poder
social do direito, ou pelo menos levanta duvidas sobre suas
afirmacoes; uma perspectiva segundo a qual esse poder
depende de urn consenso normativo. Grant Gilmore, em urn
pronunciamento feito do piilpito das conferencias Storrs, hi
sere anos, com a economia e 0 vigor que the sao caracte-
risticos, analisou esse argurnento. 'f\. funcao do Direito, em
uma sociedade como a nossa", disse de,
. . . e fornecer urn mecanisme para a resolucao de disputas
sobre cuja confiabi lidade, presumivelmente , exista urn con-
senso geral entre nos, Se a prernissa for incorreta, e se nao
houver consenso, seremos levados a guerra, a conflitos civis,a rcvolucoes, e a adrnin istracao sistemat ica da [ustica tornar-
se-a uma extravagancta irrelevanre e saudoslsta, ate quc a
tecido social renha sido costurado uma vez rnais, e que tenha
surgido urn novo conscnso. No cntanto, enquanto existir 0
conscnso, 0 mecanismo fornccido pelo dlreiro tern como
funcao garantir que nossas Instiruicoes possam adaptar-se a
mudancas que sao Inevinivcis, em urn processo continuo que
sed sistematico , gradual, e, dcntro do que e p~~sh'c1 em
situacocs que envolvcm seres humanos, racional.
Minha objecao a esse argurnento nio se relaciona com aesperanca de ordern, razao, e estabilidade que ele contern,
77. Gilmore. The age s o f american 11111 '.p 10')·1fJ
32 6
ganta fechar quando ouco falar do governo de dircito ou
quando imagino que a adiudicacao de conflitos interna-
cionais em um Tribunal Mundial- 'Arafat versus 0Estado de
Israel" - sera a onda do futuro, ou quando penso que
dedicar-se a construir uma teoria geral do direito e uma
aventura tao inverossfmil como a de dedicar-se a construcaode uma rnaquina de rnovirnento perpetuo, 0problema e queum contraste assim tao drastico, separando 0mundo em
partes que, se de fosse rnuculrnano, charnaria de Casa da
Observfincia e Casa da Guerra, nao so faz 0 direito mais
poderoso onde e menos necessario, algo assim como urn
extintor de incendio que se apaga automatlcamenre quando
o fogo fica demasiado quente, mas tambern - e isso e ainda
rna i s importante, dadas as condicoes em que anda a frente
do consenso hoje em dia, torna-o totalrnente marginal is
inquieracoes mais serias da vida mode rna. Se 0direito
precisa, rnesrno "em uma sociedade como a nossa" um
tecido social bern cosrurado para poder funcionar, de naoCso uma "extravagancia saudosista", ji foi totalmente supe-
rado.
Felizrnente ou infelizmente, no entanto, a mente juridi-
ca, em qualquer tipo de sociedade, parece alimentar-se mais
de desordern que de ordern. Ela opera, cada vez mais, nio
so em aguas relativarnenre paradas - of ens as criminais,
contlitos marrimoniais, transferencias de propriedade - mas
em aguas forte mente agitadas onde os querelantes sao mul-
tidoes irnpessoais, as alegacoes ressentirnentos morais, e os
veredictos programas sociais, ou onde a captura ou Iiberacao
de diplomatas opoe-se a captura ou liberacao de contas
bancarias. Niio ha muita duvida de que, nesse tipo de aguas,
ele niio funciona muito bern. Mas niio ha nenhuma duvida
de que c nessas aguas que cle estara funcionando cada vez
mais, a rnedida em que tanto as injusticas socia is em nivel
dorncstico, e as injusticas politicas em nivd internacional.
327
sejam crcSccntemente expressas em terrnos de habil itacao e
cqiiidade, de legitimidadc c justica, ou de direitos e obriga-
coes. Corne quase rodas as outras instituicoes permancntcs
ralmente) pronta, e, juntamente com urn conjunto imenso
de outras realidades culturais - desde os s fmbolos da fe , ate
os meios de producao - uma parte ariva dessa sociedade.
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 43/57
- a religiiio, a arte, a ciencia, 0estado, a familia - 0direito
esta envolvido em urn processo de aprender a sob reviver
sern as certezas que 0geraram.
A ideia de que os mecanlsmos do direito tern urna
utilidade valiosa so quando 0 consenso previo garante seu
poder social deriva, a meu ver, de uma perspectiva do
direito, que por sua vez, como reconhece 0 professor Gil-
more, deriva daquele estoico nervoso, 0naglstrado Holmes,
como uma reflexao pass iva da comunidade na qual existe:
"0 direito reflete [essa parte e de Gilmore] mas, em nenhum
sentido, determina 0 saber moral de uma sociedade. Os
valores de uma sociedade razoavelrnente justa se refletirao
em um direito razoavelrnente justo... Os valores de uma
sociedade injusta se refletirao em urn direito injusto.,,78
Sem duvida hi mais que uma gota de verdade nessavisao
urn tanto ou quanta sideral dos assuntos juridicos, e, certa-
mente, ela pode ser urn consolo para a consciencia de
magistrados. No entanto, ela ignora a verdade ainda mais
crucial, de que 0 direito, em vez de ser um simples apendice
tecnico acrescentado a um~ sociedade moralrnente (ou irno-
Haqq, dharma e adat ... ius, recbt, e direito ... dao vida as
comunidades onde existern (isto e, assensibilidades que eles
rcpresenram 0fazem): e as transformam - tarnbern junta-
mente com urn grande nurnero de outras coisas, e em graus
difercntes nos varies contextos - naquilo que essas comuni-
dades sao tanto juridicamente, se e que me permitem fazer
essa afirmacao, ou, se nao tenho essa permissao, hurnana-
mente.
o direito, mesmo urn tipo de direito tao tecnocrata como
o nosso, e , em uma palavra, construtivo, em outra, constiru-
tivo: em uma terce ira, forrnacional. Uma perspectiva, seja
qual for sua origem, segundo a qual a adjudicacao passa a
sec uma forma voluntaria de disciplinar desejos, ou uma
devida sisternarizacao de deveres, ou urna harmonica harrno-
nizacao de comportamentos - ou que eta consiste em uma
arttculacao de valores coletivos tacitamente residentes em
precedentes, estatutos e constituicoes - contribui para uma
definicao de um estilo de vida social (diriarnos, uma cultura?)
tanto quanta perspectivas que afirmassem que a virtude e a
gloria do homem, ou que 0 dinheiro faz 0 mundo girar, ou
que acima de uma floresta de periquitos esta uma marquise
de periquitos, 0fariam. Essas nocoes sao parte daquilo que
a ordem significa; sao pontos de vista da comunidade, e nfio
seus ecos.
78. Ibid., p . 110 ·11. Ac ir acdo de Ho lmes, "r udo sabre a jurisprudencia [reduzido]
a uma dcclaracao unica e ternvcl" que Gilmore diz estar parafraseando cncon-
tra-se it pagina 49: ', \ pr ir nei ra cond icao pa ra a exis tcnci a de u rn co rpo de di re ito
confiavel e que ele cor responda lOS sentimentos e necessidades reais da
co rnun idade , se jam es ses ce rt os ou e rrados ", e f oi ex tra ida de O .W Holmes jr..
17Jecommon law. org. : 0 . 1 . de \V, Howe . Cambridge, ~I as s . • 1963 . p. 36 . Ale que
pont o c ste dictum presume uma ex ist encia de "s cnt ir nen to s e ncces sidade s"
previa c indcpendenterncnte it cxistencia de urn "corpo de direito" (c, alem
disso, que "0 cer ro c a cr rado" s. io rc rce ir as part es. t ambem indepcndcn tes ) de
modo que a " conf iabt li dadc" pudcs se v ir a s er r ncdida pcIo gr all de adcquac. io
do caepo de dirci to , l im clernenro const ruido, lOS sentimentos e necessidades,
urn elernenro natural. parcce nao ter sido notado ncrn par Gilmore. nem par
seu ilustre predecessor.
Em conjunto, essas duas proposicoes, que 0direito esaber local e nao urn principio abstrato e que ele constroi a
vida social em vez de refleti-la, ou, melhor dito, de meramen-
te refleti-la, leva-nos a uma visao pouco ortodoxa sobre a 'metodologia de urn estudo comparative. a traducao cultural. /
Em vez de ser urn exercicio de taxionomia institucional, uma
homenagern aos instrumentos tribais de controle social, ou
uma busca do quod semper aequum et bonum est (todas
elas atividades, em si mesmas, bastante meritorlas, embora
328 329
ell, pe;:ssoalmente, nio tenha rnuita esperanca com relacao
a ultima) urn enfoque comparativo no estudo do direito
passa a ser uma tentativa, como 0 foi neste ensaio, de
fara progresses se puder contornar a dissensao - "guerra,
conflitos civis e revolucoes". Se isso nao for possivel, nao
progredira. Urna forma garantida de chegar a urn fim tragico
seria irnaginar que a variedade nao existe, ou esperar, sim-
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 44/57
fonnular caracteristicas de um tipo de sensibilidade juridica,
em terrnos das pressuposicoes, preocupacoes, e estruturas
de ac;ao caracteristicas de outra sensibilidade juridica, Ou,
de forma um POllCOmais pratica, ter algum sucesso nesse
grand jete hermeneutico com referencia a algum problema
especifico, como a relacao entre 0estabelecirnento de nor-
mas e a representacao de fatos (ou a representacao de
norm as e 0estabelecimento de fatos). Essa tarefa e umPOliCOcomo tentar anglicizar Dante, ou simplificar a mate-
rruitica da teoria do quantum para 0onsumo de massa, lim
empreendimenro irnperfeito, aproxirnado, e improvisado,
como seguramente dernonstrei. No entanto, se nao quiser-
mos nos resignar a monotonia de nossos proprios horizon-
tes, ou conformarmo-nos com a adrniracao futil de objetos
fantasticos, e tudo 0que ternos, e tern la suas utilidades.
Uma dessas utilidades e que, nesse enfoque, 0direito
une-se, uma vez mais, as outras grandes forrnacoes culturais
da vida humana - a moral, a arte, a tecnologia, a ciencia, areligiao, a divlsao de trabalho, a historia (categorias que, por
sua vez, nao sao nem mais unitarias, nem mais definidas,
nem mais universais, do q~e 0direito) sem ser tragado por
etas, nem transformando-se em uma especie de auxiliar de
services gerais de sua forca construtiva. Para 0 direito, como
para essas outras categorias, as dispersoes e descontinuidades
da vida moderna sao realidades que, de alguma maneira,
terao que compreender, se quiserem manter suas proprias
forcas, Se ele sed. capaz de cornpreende-Ias ou nao, neste
contexto ou em outros, com relacao a esse ou aquele assun-
to, utilizando esses ou aqueles conceiros, ainda nfio sabe-
mos, e hi razao suficicnte para urn pessimismo como 0 de
Holmes, embora nfio para ficar tao satisfeito como ele com
suas conclusoes. Entretanto, no caso do direito, a dificulda-
de nao e rnaior nem menor do que aquela que tera que ser
enfrentada por qualquer outra instltuicao cultural: 0 direito
plesrnente, que ela desaparecesse.
*
Como eu vinha dizendo, nos dias de hoje, nao e tao dificil
encontrar dissensao, seja essa juridica ou de outro tipo
qualquer. Convivernos com demasiadas diferencas, que sur-
giram muito rapidarnente. No entanto, e no campo interna-
cional que mais facilmcnte encontraremos essas diferencas,
principalmente naquela parte que passou a ser chamada, a
meu ver urn poueo tendenciosamente, de Terceiro Mundo;
e ainda mais especificamente nas interacoes entre 0Terceiro
Mundo e aquele mundo que, nessa taxionomia de cabecalho
de jornal, suponho seja ainda chamado de Primeiro: ou seja,
o Ocidente. 0 advogado que tenha atracao por easos dificeis \
ou por urn direito corrupto, e 0 antropologo cuja atracao
principal ~eja tr~di~o.es deturpadas e ~ncoerencia cultural
encontrarao aqui mars do que 0suficiente para satisfazer
suas estranhas inclinacoes.
Com referenda ao direito, essa desordem atraente tern
duas Fontes principals: a persistencia das sensibilidades ju-
ridicas formadas em epocas nao necessariamente mais sim-
ples, mas certamente mais auto-suficientes, e 0confronto
dessas sensibilidades com outras nao necessariamente mais
admiraveis, nem formuladas com maior profundidade, mas
que certarnente tern maior sucesso internacional, Em todos
os paises do Terceiro Mundo - are Volta, ou Cingapura - a
tensao entre as nocoes rradicionais sobre 0que e a justica ...haqq... dharma ... adat ... e sobre as maneiras como ela deve.ser exercida e nocoes importadas que refletern de forma
mais efetiva os modos de ser e as pressoes da vida modern a,
permeia todos os tipos de process os judiciais. E sequer
podemos afirmar que essa confusao de linguagens juridicas
330331
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 45/57
M
"'0:l
't?
. : : :. .o
"0y
'"00.
ov
s0.
o EoM
cM
'0 'U '.... II!
:::M:.; . . .E _ g
· w Er; ~...o ....~ X
V. . . .C
ou
oc
- .. -~ . . . . . ... < , -
W _ . _ •
------- -----~------ - -. -
E bern possivel que nem todos os paises do Terceiro Mundo
estejam na situacao da Enopia, que nos anos 60 (antes que
os rnilitares siruplificassern algumas coisas e cornplicassern
A reacfio instintiva inicial de advogados com formacao
ocidenral a esse tipo de situacao, creio eu, e deplorii-la como
lima afronta ao decoro juridico, assirn como a rcacao instin-
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 46/57
outras) ostentava nao so lim conjunto de tradicoes juridicas
tribais - da Galla pastoril a Amhara agricola - que se diferen-
ciavam profundamente entre si, algumas funcionando em
urn contexte cristfio, outras em contextos rnuculmanos,
outras ainda em areas pagas, mas tambern urn codigo impe-
rial cesaro-papista datado do seculo XVII, versoes Me/tiki e
Sbitfi! do s a r t a introduzido aproximadarnente no seculo X,
urn codigo penal suico, codigos processuais franceses de
direito civil, maritime, comercial e penal, e urn codigo
processual Ingles de dire ito civil, bern como uma legislacao
parlamentarista administrada por urn Tribunal Superior Civil
(cujos membros erarn, ate 1957, magistrados ingleses) e urn
decreto real administrado por urn Supremo Tribunal Impe-
rial (cujos mernbros, se esta e a palavra adequada, eram, ate
1974, membros do Leao dejuda)80. Apesar disso, em formas
menos exageradas, 0 ecletismo juridico - algo estrangeiro,
algo nacional; algo secular, algo religioso, algo estatal, algo
tradicional -
ecomum em todos os paises em desenvolvi-
mento.
tiva de antropologos com a mesma formacao c de tentar
ncgar sua existencia, considerando-a apenas lima postura
cultural. Ate que ponto uma adjudicacao autentica pode
atuar em uma tal confusao nornistica, e, se logra atuar, ate
que ponto suas operacoes tern algurn peso social, sao,
obviarnente, questoes empiricas com respostas diferentes
em ocasioes diferentes. No entanto,
epouco provavel que
uma ansiedade tao prevalecente, se e que e uma ansiedade,
seja um rnero artificio ou pura futilidade. Por mais dificil que
seja incorporar esse ecletismo a categorias estabelecidas, e
a padroes ideais, nao podemos sirnplesmente despreza-lo
como urn produto sem sentido de sociedades amimalhadas.
Alias, e precisamente essa dificuldade que 0 torna inte-
ressante, pelo menos para mim, pois ela sugere que a
incapacidade que a polarizacao da pratica do direito e do
fato pertinente que se faz no mundo ocidental- 0confronto
de duas coisas que nunca estao no mesrno lugar ao mesmo
tempo, as imagens "daquilo que e correto" e as estorias
"daquilo que realrnenre acontece" - para descrever efetiva-
mente 0uncionamento da adjudicacfio em outras culturas,
so aurnenta quando estas culturas se misturam umas com as
outras e com 0proprio Ocidente. Hoje, depender des sa
polarizacdo nao significa unicamente distorcer 0dircito
alheio. Significa ficar sem nada a dizer sobre esses direitos
alern de expressoes de escarnio ou de cornpaixao. Para
expressar essas verdades de modo a torrni-las estimulante-
mente auant-garde para uns ou simplesmente no auge da
moda para outros, urn novo sistema linguistico, urna novaforma de falar, se quiserem, precisamos cornpreender 0que
esta ocorrendo, em term os do direito, nao so nas Etiopias
deste mundo, mas tarnbern entre nos. Ou, como esse tipo
de exercicio c sempre reflexive, re-descrever 0 descritor a
medida em que ele re-descreve aquilo que foi descrito.
80. Hooker, legalpluralism, p. 393·9 . . ; '\ laosabcriarnos dizer como eSI :! a s ilu;u; io
desde a 10mada do poder pelos miluares em 197-+, a nolo ser que exisre agora
um alto numero de tribunais rmlitarcs alern dos outros que rncncionamos. 0
codigo civs], esbocado por peritos do contincnte. que aparentemente diverti-
ram-se bastarue com esse t rabalho, contcrn 3.367 art igos . 0que 0 torna um dos
m.uorcs codigos civis do mundo corucmporanco iibid., p. 399) Pessoalmcnte.
c claro, nio renho a rncnor tntencao de argurnentar que 0 "cclcrismo [uridico'exrs te sorncruc no Ter cei ro : '. Iundo ou que e sse n io te rn uma exis tenc ia h rst ori ca
basrante longa (ef . \'f:mon.legallrallsplml/s); afirmo apenas que. no momcnro,
esse cclensmo ocorre principalmcntc nos paises do Tercciro Mundo e que
ac rcd rra -se que con ti nua aumcn tando Tarnpouco c minha mt cncao sugcr ir que
de: sep. por SI so, par ologi co , na rcalidade, c parte de lim proccsso normal de
tr lmformJ~6es j uri di eas ( .- \His ro ri a de l im sistema iuridico c pnncipalmenre
l ima h l"t (l fI .1 de u ti liz l<;j o de ma te ri a» r uri dr ca s de out ro s s is temas Icg:l Is ..R
Pound. cuado em \'Cuson. It':-iallra1l51'Iallls.p 22)
335
! ",
•:~.
, r;.
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 47/57
trlbuicao rclevante. 0que sed considcrado lima resposta
apropriada para dcterrninada pcrgunta, 0que sed conside-
rado urna [ustificativa adequada para aquela res posta ou urna
critica produtiva a ela. 0 discurso anorrnal (: aquele que
Quanta a nos, advogados com interesse em antropolo-
gia, ou antropologos intcressados no direito, a quesrao com
que nos depararnos, como disse antertorrneme, e como
descrever essas situacoes de uma forma (nil e informativa:
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 48/57
acontece quando alguern que nao esta a par dcssas convcn-
~6es,ou que sirnplesmcnte as ignora, partic ipa das discussoes . ..
o produto de um discurso normal C0ipo de afirrnacao que
c aceita como verdadcira por todos aqueles participantes que
os dernais participantes consideram "racionais''. 0 produto
do discurso anorrnal pode ser qualquer coisa, desde uma
I · ido atc I - . 1 I 86o Icescm senti 0ate uma revo ucao mte ectua ...
(nil e informativa tanto para as proprias siruacoes, como
tambern para a influencta que essas situacoes terao sobre a
rnaneira como devemos pensar os processos juridicos en-
quanto um fcnorneno existcnte em todas as partes do mun-
do, agora que as beatices da lei natural, as simplificac;6es do
positivismo [uridico, ou as evasoes do realisrno juridico nao
parecern poder nos ajudar muito. Trata-se, entao, de falarsobre coisas irregulares em termos regulares, scm destruir,
nesse processo, a qualidade irregular que elas possuern e
que nos atraiu desde 0orneco: ou seja, uma tarefa profun-
damente irregular, como tambern observei anteriormenre.
E a essa tarefa irregular, "0 estudo do discurso anormal
sob 0 ponto de vista de algum discurso normal", como diz
Rorry, "urna tentariva de fazer sentido daquilo que ocorre,
em urn mornento no qual estamos ainda demasiado insegu-
ros para [saber como, precisamente, ou adequadamente)
descreve-lo c com isso, iniciar uma exposicao [sistematica)
de seus atributos", que passou a ser chamada de herrneneu-
rica - urn termo que, apesar de sua aparencia grega, de seu
passado teologico, e da pretensao do Herr Professor nao
precisa assustar-nos, pois, sob 0nome mais aconchegante e
menos complicado de interprctacao, c exatamente aquilo
sobre 0que, pelo menos urn nurnero significativo entre n6s,
vern falando hi bastante ternpo.f" De faro, e nesse contexte
Poderia tam bern ser, de uma forma menos drarnatica,
uma maneira pratica de viver em urn contexto onde a dis-
sensao seja cronica, com tendencia a tornar-se ainda pior, e
nfio passivel de ser eliminada facilmente ou a curto prazo.
Nfiotenho a intencao de prosseguir com a discussao desses
problemas filos6ficos neste ensalo, problemas que ainda nao
se assentararn nem no mundo dos famosos e das coisas
6bvias. Podernos deixar 0 assunto para que seja debatido
mais longamente por aqueles que com de se preocuparn. *Aminha pr6pria preocupacao e saber como sera 0dire ito,
em urn contexto onde aquele "consenso sobre as coisas
fundamentals" (citando desta vez a peroracao de urn outro
conferencista Storrs que n,ao0professor Gilmore, a saber 0
magistrado Cardozo) que a maioria dos advogados, e tam-
bern a maioria dos antropologos, provavelrnente conside-
raria uma condlcao sine qua non para sua existencia, estiver
I8"
ausente, de urna forma urn tanto ou quanto espetacu ar, '
86. lbid., p. 320
• :\0 original: '"U'" CllII Ieate the rcxed to [:e .\ 'the rexing," 0 autor usa aqui urn
trocadilho com 0vcrbo "[0 vex' que [em () senudo de irru.ir, aborrccer,
per tu rbar , nus ra rnber n de d is cu ti r a f undo , debat er p ro fundamenrc . "mar te la r"
(UII1:1 questao): eo adjetlvo "vexed", vexado: irrirado, aborrccklo, contranado.
pcrturbado. nus t.irnbern discurido. debatido (assunto), CIl.T)
87. £1.;\;. Cardozo. lin' groutb of lau; New Haven, 192'1.p. 1*;,
liS. Rorty; P"ilos()p/~)' and tbe mirror of nature, p. 320. 0 uso que Rorry fa z do
terrno hermcneuuca para cxprcssar urn discurso normal sabre discursos anor-
1I1;IIS (c de "cpistcmologta" para urn discurso normal sabre CJU[ro discurso
normal) n.io C. cle proprio, muito normal, e n:io cstou disposto a cndossa-lo
totalrncnte Comcnuinos bastante comuns sabr e 0 direito, J antropologia, ;1
li te rat ura au a t co logi a. tambem podern , a me l! ver, s cr char rudos dc hermeneu-
ric.i Quanro :1 cprstcrnologia. cmbora cu cornparnlhe da ;I\cr,.io quc Rort v r em
338 339
"
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 49/57
f m - ; . . ; ; 4 P .
;(.
,HEMP b
camcntc. As coisas nao parecern scr assim tao rnais claras
para aqueles que sao parte debs, do que 0sao para os que
as observarn de fora. E aquilo que para uns c urn desafio
herrneneutico - 0ue e possivel dizer sobre um discurso tao
era cada urn, e 0que exatamente constituia {} seu."? A
diferenca fundamental era bas lame clara: era entre os euro-
peus e as nao-curopcus. No entanto, havia demasiadas
especies de ndo-curopcus, e, entre os europcus, dernasiadas
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 50/57
poliglota, para outros c urn desafio pratico - 0que e possiveldizer como parte integrante de tal discurso.
Examinernos a questfio da Indonesia, e mais precisa-
mente a de Java, que conheco um pouco rnclhor que a
Etiopia. Colonizada por austronesios, vindos em so Deus
sabe quantas ondas, por so Deus sabe quantos carninhos,
daquela parte do mundo que ho]e e 0 suI da China e 0
norte do Vietnfi, urn au dois milenios antes de Cristo;
cenario da construcfio de um estado indica, Borobudur e
tudo a mais, a partir do seculo V , aproximadarnente, e ate
o seculo x v, tambern aproxirnadarnente: gradualmente
solapada par chineses obcecados com assentarnentos co-
mcrciais, a partir do periodo Han; sujeitas a uma intensa
carequizacao islarnica, algumas rnais, outras menos, orto-
doxas, a partir do seculo XII; colonizada, palma a palmo,
regifio por regiao, pelos holandeses, de 1598 ate 1942
(com urn Inrerhrdio de colonizacao inglesa, mais ou me-
nos na epoca das guerras napoleonicas, que trouxe consi-
go urn controle visivel e a direcao a esquerda), ocupada,
e de urn modo geral adrninistrada pelo exercito [apones
de 1942 a 1945; e, em nossos dias, invadida pelos interes-
ses politicos e econornicos cia America do Norte, cia Asia
Oriental, da Australia, da Europa, da Uniao Sovietica e do
Oriente Media - nao existe praticamente nenhuma forma
de sensibilidade juridica a qual nao tenha sido exposta, a
nfio ser talvez a africana ou ados esquirnos.
J; i me referi a natureza geral dos procedimcntos juridicos
nas Indias Orientais Holandesas, quando falei sobre 0adat
em oposicao ao adtrecbt, Em essencia, era urn tipo de
sistema onde prevalecia 0principio do "a cad a urn 0seu"
(como pregava a hom ilia, "0 igual corn 0 igual e urna virtu-
de") eo governo holandes tinha 0arbitrio final sobre quem
89. Para urna descr ic .io rnais geral do dcscnvolvlmento jur idico nas Indias Orientais
Holandcsas, veja J .S Furruvall , Setberlmuls India: a study 0/ plural economy;Cambridge. Inglatcrra, 19·H; Suporno, Sistim Hulsum eli Indonesia Sebelum
Perang Dunia II, jacartn, 1957; ~I.B. Hooker.A concise lega!history ofSoutheast
Asia, Oxford, 197H. capitulo 7; Hooker. legal pluralism, cap it ul o 5; ,\ 1.B.
Hooker, Adat lau- illmodern Indonesia. Kuala I.umpur. 1978, capitulo .1; D Lev;
"Judici.tllllstirution, and legal cul ture in Indonesia", in Culture (1"'/ politics ill
Indonesia, org. C. Holt, lrhaca, [9i2, p. ;!·i6-318.
90. Para urna rcvisao surn.iria e srsrcmanz.ida de tudo isso, vcja EA. Hoebel c A.A.
Schil ler. " Introduction", in ter Haar, Adat tau: Cf. ) .11 . . - \ . Logernann. Het Staats-
recbt ran lndonesie, Het Formeel System. Haia e Bandung, 195~. p. 17.30.0
sistema de tribunais era na reulidade b.israntc mais complexo que isso, dada a
existcncia de varios proccdirnenros rclanvamente distintos, nas regroes da
coloma que eram .rdmmistradas "direra" ou "mdirerarncnte". Vcia Hooker, legal
pluralism. p. 275·77.
divergencias entre os modernistas decididos, os orientalistas
decididos, au as temporizadores decididos, e, alern disso,
dernasiadas situacoes em que a vida de individuos em lados
opostos das linhas divisorias se cruzava. Com tudo isso, a
aparente simplicidade teorica era nada rnais que: urna mol-
dura para a dissimulacao geral.
A historia dessa dissirnulacao e , scm duvida, longa e
instavel, repleta de codiflcacoes bern-lntencionadas e mu-
dancas drasticas nas politicas. No entanto, no inicio do
seculo, ela havia mais ou rncnos atingido a forma (ou a
nao-forma) que tinha quando a Republica finalmente a her-
dou: tres classes juridicas principais - europeus, natives e
orienrais estrangeiros: dois tribunals hienirqulcos principais
-0 rimeiro um Recbtsstaat adrninistrativo, cujos membros
eram burocratas juridicos, e 0segundo, colonial adminis-
trativo, cujos mernbros eram peritos em assuntos locals: e
uma cnorrnidade de casos especiais, acordos especificos epraticas inassimilaveis que encobriam as diferencas entre as
I . I hi . 90C asses e rrusturavarn toe as as rerarquias.
3 · 123~3
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 51/57
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ~
Aironia, que pasSOli quase desapercebida na epoca, mas
que hoje, quando j;i sabernos qual foi sell custo humano, ebastante cvidentc, foi que esse florescimento de divergen-
cias sabre tudo c sabre qualquer coisa ocorreu sob a forma
direito civil do continente, urn tipo de juge d'instrllction.
para melhorar seu status. E a policia, procurando inde-
pendizar-se nao somente dos juizes e dos promotores, mas
tarnbern dos ministros de iustica e dos chefes do estado-
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 52/57
de lim nacionalismo radicalmente unitario, que, em nome
de urna integracao social scm excecao e difundida por toda
a sociedade, ncgava a legitimidade dessa dissensao, e algu-
mas vezes ate a sua propria existencia. No casu do dire ito,
esse nacionalisrno atuou no sentido de tentar subordinar as
sensibtlidades juridicas csrabelecidas - a muculrnana, a do
adat, a indica, a ocidental, e outras mais - a uma sensibi-
lidade nova, visionaria, chamada de "revolucionaria", cuja
hostilidade era bem mais clara que seu conteudo. A reacao
inicial ao descredito dos procedimentos juridicos coloniais
e a acentuacao do problema que eles tentavarn solucionar-
urn numero incornensuravel de conceitos de justica - foi
acreditar que esses procedimentos e que tinham causado os
problemas, e que, eliminando-se uns, os outros seriarn
eliminados automaticamente.
As coisas nao aconteceram exatarnente assim. Ao inves
de uma comunh:io geral em nome de urna identidade nacio-nal recuperada, 0que houve em seu nome foi uma divergen-
cia geral. No que diz respelto ao direito, essa dissensao
ocorreu parcialmente (como tambem rnostrou Daniel Lev)
sob a forma de uma lura de tres cantos, entre os juizes, os
prornotores, e a policia pelo controle do aparato ·juridico
ocidental sem os ocidentais, e portanto naeional, que surgiu
com 0olapso das categorias raciais previas, e dos tribunals
segregados, Os juizes, na esperanca de herdar 0alto status
de seus prcdeeessores holandeses, sem 0odor colonial que
era associado a esse status, procuraram nos modelos do
direito costumeiro, especialrnente no norte-americano, a
sustentacao para sua posicao (ate tentararn, scm qualquer
sucesso, instituir a revisiio judicial). Os promotores, procu-
rando corrigir a baixo status de seus predecessores, os
"oficiais de justica natives", que erarn poueo mais que cleri-
gos juridicos glorificados, tentararn copiar os model os do
34 6
maior do Exercito, e gracas a isso escapar da imagcm de
cachorro de corrida com que eram vistos pela populacao,
procuraram no pape! de vanguarda que haviam desempe-
nhado na Revolucao um rnodelo que renovasse 0eu. <); ? Em
parte, a dissens:io ocorreu sob a forma de urn revigoramenro
do sistema de tribunais sarta - pressao organizada por parte
dos devotos (e resistencla organizada por parte dos nao-de-
votos) para que esses tribunais fossem ampliados, centrali-
zados e "oficializados", para que tivessern uma jurisdicao
mais extensa, maior auroridade, e na visao extrernista dos
que defendiam urn "Estado Islamico", ate mesmo urn status. . 193 E cconstrruciona . , em parte, ocorreu sob a rorma de uma
renovacao, gerenciada em nivel local, do movirnento ada-
trecht, apresentado neste caso como urn "direito do povo",
genuinamente indonesio, urn baluarte contra qualquer tipo
de direito estrangeiro e portanto impuro. tanto 0positivis-
ta" do Ocidenre,0
"dogmatist a" do Oriente Medio ou0
"feudalisra' Indico.?'
92. Lev,"Politics of judicial developmenr", 'Judicial institutions."
93. Lev.Lslamic courts.
.94. Sobrc 0 adatrecbt (charnado ent.io de Iruteun; adar; na Republica, '"CFI jaspan
"I n que st o f new law". Nesse caso, ;IS ques tocs se compli cavam pclo fa to d~ que
ataqucs dirctos ao "Isla" sao rnais ou mcnos invtaveis na lndonesia. que se
autodef ine como uma soc iedade, um s is tema pol it ico, e urna populac .io musOs for te s s ennmenros anti ·s ari ';t dos rcoricos do direiro adat tin ham que scr
cxpressos de uma forma urn tan to ou quanto indireta, pois at e mesmo os
de fensor es ma is acir rados da ocr dcnr al iz acao ou da i sl amiz ;u ;ao s ir nu lavam uma
certa devocao '10adat e '10 "cspiruo indoncsio ' e rambem porque. cxphcira-
mente ern Bali. e rmplicuamcnre ern rnuitas rcgiocs de Java, muito daquilo que
Cconsiderado como scndo adat e. na realidade, indico em sel l car.iter e ern sua
origem Ern situacoes como essas , as pol it icas do t ipo "sou-mais-autenrico-que-
voce" podcm rornar- se cxtr emamcnre e labo rada s e extr ao rdmanamcnte suns
34 7
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 53/57
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 54/57
vvVI
o
Ou, pdo mcnos, e ssc C rncu ponto de vista. e os remas
prtncipais dessa discuss.io, que, segundo a tcrna que esti -
vesse senda abordado de forma exaust iva em lim rnornen-
to especifico, ora Iicuvarn claramente visiveis, ora saiarn de
toea. todos forarn descnvolvidos com 0objctivo de pro-
Urna das vantagens dessa perspcctiva c que rccursos
analiticos de outras disciplinas que nao a psicologia cornpor-
tamentalista, a economia neoclrissica, a sociologia utilitaris-
ta, ou a antropologia funcionalista - a linha dura das ciencias
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 55/57
mover esse ponto de vista. 0 saber local. 0Anscbauung e
o caso imcdiato, a visao do direito; a dcsagrcgac.io do
direito e da antropologra como disciplinas a fim de esta-
belccer a conexao entre clas atraves de intcrsccoes espe-
cificas e nfio de fusees hibridas: a relat ivizacfio da oposicao
leis.fatos, em um jogo variado de irnagens coerentes e
formulas consequentes: a conccpcao do estudo cornpara-
tivo do dircito como urn exercicio de traducao intercultu-
ral; a nocao de que 0 pcnsarncnto juridico e construtivo
de realidades socials e nao urn rnero reflexo dessas reali-
dudes; a cnfase na tenacidade historica das sensibilidades
juridicas; a rejeicfio de uma visao segundo a qual 0poder
pratico do direito resulta do consenso social, a favor de
urna que busca significados; a conviccao de que 0plura-
lisrno juridico niio c urna aberracao ternporaria e sirn um
elernento central no ceruirio rnoderno: eo argurnento que
o auto-entendimento e0entcndirnento do outro estao taointernamente conectados no direito, como 0estfio nos
outros dominios ciacult~lra - todos esses sao produtos de
uma certa forma de pcnsar, urna forma de pensar que se
extasia com a diversidade das coisas. Juntos, esscs argu-
mentes nao se cornbinam, necessariarnente, para formar
uma posicao sistematica, urn "hermerieuticismo" ou al-
gum outro termo igualmenre absurdo: rnelhor dito, eles
impulsionarn uns aos outros, se c que podernos dizer que
tenus Sao capazcs de fazer tal coisa, e de fuze-In com a
regularidadc suficiente para sugerir que - ernbora nfio haja
duvida de que seria dernasiada pretensfio modificar os
versos de Shelley c proclarnar as advogados os esquccidos
poetas do rnundo - conceber 0direito como lima especie
de imaginacfio social pock ter algum valor.
sociais - podem contribuir para entende-la. A mudanca na
teo ria social que a fez considerar a ~H;aosocial como urna
forma de representar e transmitir significados, uma rnudan-
ca que se iniciou realrnente com \Veber e Freud (ou, em
algumas interpretacoes, com Durkheim, Saussure c G.H.
Mead) e que agora tornou-se gigantesca, abre uma serie de
possibilidades para explicar por que fazemos as coisas que
fazernos, da mane ira que as fazernos, possibilidades essas
que sao rnuito rnais arnplas do que as oferecidas pelas
imagens de atracoes e repulsoes das perspectivas mais orto-
doxas,
Ernbora essa "reviravolta interpretariva'', como a cha-
maram, essa visao do comportarnento humano e dos pro-
dutos do comportamento hurnano como "urn dizcr algo
sobre algo" - que as vezes necessita ser extraida e explica-
da - tenha chegado praricamcnte a todos os ramos do
estudo da cultura, e atingido ate mesmo as fortalezas
inexpugnavels do positivi smo, como a psicologia social e
a filosofia da ciencia, cia ainda nao causou muito irnpacto
nos esrudos de direito , 0 vies do "como fazer" do direito
pnitico - como se manter fora dos tribunais seVOcepuder,
e como veneer nos tribunais, se nao puder ficar fora deles,
repetindo, uma vez rnais, 0resumo sardonico de Holmes
- a manteve it distancia. No entanto, e pouco provavel que
a historia, a sociologia e urn certo tipo de filosofia sejam
prudentes 0suficiente para adotar, como seu, 0conheci-
mento que seus seguidorcs tern dessa perspectiva, e que
adquirirarn gracas as necessidades imediatas que enfren-
tam no excrcicio de suas proflssoes. Neccssttamos, no
final, algo rnais que saber local. Prccisamos descobrir urna
maneira de fazer com que as varias manifestacocs desse
saber se transforrnern em corncntarios urnas das outras,
urna ilurninando 0 que a outra obscurece.
352353
;.
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 56/57
'JJ
VI- ,
"0o0..noJoJ
detxa ningucm em paz, nern voltara a faze-Io [arnais, ndo cse tudo vai, uma vez mais, fundir-se naruralmente, sern
deixar cicatrizes, ou se, ao contnirio, vamos todos permane-
cer refens de nossos preconccitos individuais. A questfio
principal e, slrn, se os seres humanos, em Java ou em
Connecticut, atraves do direito ou da antropologia, OU de
"Mistura de generos. a rcconflgurm
do originalmcme cm Tbe "mel
se importante, enrao, uma
epistemologia do senso
comum. 0 esforco por
entender 0 outro, que e
5/9/2018 O Saber Local - Fatos e Leis Em Uma Prespectiva Comparativa - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/o-saber-local-fatos-e-leis-em-uma-prespectiva-comparativa 57/57
qualquer outra coisa, vao ser capazes de continuar a imagl-
nar formas de vida que eles proprios possarn viver na pratica,
Hcimprcsso com a permissfio d.
"Dcscoberto na tradudio: a hist(
publicado originalmcnte ern TIlE
de 1977. Copyright © 1977 by 1
com a p erm ts s ao d a Tbe Georgi.
"Do ponto de vista dos natlvos. a I
gico" foi publicado originalmenmy ofArts and Sciences, vol, 28
Bullettn of the Amertcan Acade
com a perrnissao da Academia A
"0scnso comumcomo um sistemacui
Alllioch Review. vol , 33 , n O I, prim
Antioch Rc\i ew, Inc.RcimpressoC(
'i\arte como urn sistema cultural" .
vol. 91, 1976. Copyright © 19761
Rcimpresso com a permissao de
"Centros, rets e carisma: reflexoes :
presso de Culture and its creato.
Chicago, University of Chicago
University of Chicago, ' lodos os
a permissao da Unlverslry of Chi
"Como pensamos hojc: a caminhc
moderno" foi publicado origim
Academy of Arts ami Sciences
Copyright © 1982 by Tbe Bulle.
amiSciences. Relmpresso com a
Artes e Ciencias,
Trecho citado deAbsaiom, Absalom!
permissao de Random House, Inc
renovada © 196i por Estelle Faul
Linhas citadas de "Lost in translatk
Divine Comedies com a permissi
Copyright © 1976 by James Mer
Trechos de Cbcosingourlsing, de ~Ii
de Macmillan Publishing Co., Inc
Iij -j
i
I >
j
I
' .356
diferente, leva a uma
herrneneutica cultural.
Existem tecnicas que
possibilitam chegar a
conhecer 0outro localmente.
Basicamente, porem, e 0relato feito pelo observador
que, por sua vez, parte dos
relatos que ouve e recolhe.
Aqui entram outros
problemas de exegese e
hermeneutica,
Tudo isso deve levar a ver-
nos como os outros nos
veern. Se isto for conseguido,
podemos dizer que valeu apena 0esforco O . Clasen).
o autor
C l if fo r d G e e rt i J autor de
muitos livros, e Harold F .
Linder, professor de Ciencias
Sociais no Institute for
Advanced Study, Princeton,New Jersey.
3
,.:
.r: