Luciana Carvalho Corrêa
O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE
EXECUÇÃO PENAL
Centro Universitário Toledo
Araçatuba/SP
2018
Luciana Carvalho Corrêa
O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE
EXECUÇÃO PENAL
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como
requisito parcial para obtenção de grau de Bacharel em
Direito à Banca Examinadora do Centro Universitário
Toledo, sob orientação do Professor Jefferson Jorge.
Centro Universitário Toledo
Araçatuba/SP
2018
BANCA EXAMINADORA
Jefferson Jorge
Thiago de Barros Rocha
Luiz Gustavo Boiam Pancotti
Araçatuba/SP, 20 de junho de 2018.
Este trabalho é dedicado a meus pais,
especialmente a meu pai que não pode
alcançar minha conquista.
AGRADECIMENTOS
Dedico meus sinceros agradecimentos àqueles que muito me ajudaram na conclusão
desse caminho árduo e difícil. Com certeza essas pessoas tornaram a realização deste trabalho
uma tarefa prazerosa, a exemplo dos meus pais, Glória Carvalho Corrêa e Eliseu Corrêa,
minha irmã Luciene Carvalho, minha sobrinha Julia Berjan e meu cunhado Donizete Doro.
Ainda, os eternos e mais que especiais, Juliana Crespi Bozzo e Carlos Henrique
Gênova Morotti, bem como aos excelentíssimos professores Renato Freitas e Jefferson Jorge
os quais eu nunca poderei expressar minha eterna gratidão. Outras pessoas poderiam ser aqui
citadas, fazendo com que a estrutura desse texto fosse mais completa e emotiva, porém
poucas fizeram a real diferença como as que estão citadas. Maiormente, Deus, nosso Senhor
em Cristo Jesus.
―Se quiseres conhecer a situação
socioeconômica do país, visite os porões de
seus presídios‖ Nelson Mandela.
RESUMO
O exposto trabalho, o qual foi nomeado ―O Sistema Prisional Brasileiro e a ineficácia da Lei
de Execução Penal‖, tem por objetivo esclarecer e apontar os principais problemas do sistema
carcerário brasileiro e, junto, a ineficácia e despreparo evidentes da Lei de Execução Penal
desenvolvida para desobstruir o processo penal em sua última fase, concretizar a sentença ou
decisão criminal e, além disso, facilitar a integração do apenado que volta a conviver em
sociedade. Para tanto, este trabalho, resumidamente, esclarece aspectos relevantes da história
das penas e castigos, a linha de raciocínio traçada pelos pensadores das escolas penais, bem
como a história dos sistemas prisionais anteriores. Fundamentalmente, a obra propõe mostrar
algumas das inúmeras causas da crise penitenciária no Brasil e, finalmente, os motivos pelos
quais a Lei de Execução Penal se faz ineficaz frente ao sistema carcerário.
Palavras-chave: Sistema prisional carcerário. Objetivos da LEP. Lei de Execução Penal.
Crise no Sistema Carcerário Brasileiro.
ABSTRACT
This work, which was named " The Brazilian Prison System and the ineffectiveness of the
Criminal Enforcement Law", aims to clarify and point out the main problems of the Brazilian
prison system and, together, the evident inefficiency and lack of preparation of the Criminal
Enforcement Law developed to clear the criminal process in its last phase, to concretize the
sentence or criminal decision and, in addition, to facilitate the integration of the remorse that
returns to live in society. To this end, this paper briefly clarifies relevant aspects of the history
of punishments and punishments, the line of reasoning drawn by criminal school thinkers, as
well as the history of previous prison systems. Fundamentally, the book proposes to show some
of the innumerable causes of the penitentiary crisis in Brazil and, finally, the reasons why the
Law of Criminal Execution becomes ineffective before the prison system.
Keywords: Prison system in prisons. Objectives of the LEP. Criminal Execution Law. Crisis
in the prison system prison.
LISTA DE ABREVIATURAS
CF: Constituição Federal
CP: Código Penal
CPP: Código de Processo Penal
LEP: Lei de Execução Penal
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12
I – BREVE HISTÓRIA DAS PENAS...................................................................................13
1.1. Vingança divina ................................................................................................................ 13
1.2. Vingança privada .............................................................................................................. 14
1.3. Vingança pública ............................................................................................................... 15
1.4. Direito penal romano ......................................................................................................... 16
1.5. Direito penal germânico .................................................................................................... 19
1.6. Direito penal canônico ...................................................................................................... 21
1.7. Período Humanitário ......................................................................................................... 26
II – ESCOLAS PENAIS.........................................................................................................39
2.1. Escola Clássica .................................................................................................................. 39
2.2. Escola Positiva ................................................................................................................. 40
2.3. Escola Correcionalista ....................................................................................................... 43
2.4. Escola Técnico-Jurídica .................................................................................................... 44
2.5. Escola de Defesa Social .................................................................................................... 45
2.6. Conceito de Pena ............................................................................................................... 46
2.6.1. Teorias sobre a finalidade da pena ................................................................................. 47
2.6.2. Teoria absoluta ou retributiva. ..................................................................................... 49
2.6.3. Teorias relativas com finalidades preventivas. ............................................................. 50
2.6.4. Teoria adotada pelo Brasil e classificação das penas. .................................................. 51
III – A HISTÓRIA SOBRE OS SISTEMAS PENITENCIÁRIOS....................................53
3.1. A importância de John Howard ......................................................................................... 53
3.2. Jeremy Bentham e sua atuação ......................................................................................... 54
3.3. Sistema Pensilvânico ......................................................................................................... 56
3.4. Sistema Auburniano .......................................................................................................... 57
3.5. Sistema Progressivo Inglês ............................................................................................... 61
3.6. Sistema Progressivo Irlandês ............................................................................................ 62
3.7. Sistema de Elmira ............................................................................................................. 64
3.8. Sistema de Montesinos ...................................................................................................... 65
IV - AS CAUSAS DA CRISE PENITENCIÁRIA...............................................................68
4.1. O Crime Organizado ......................................................................................................... 68
4.2. A Superlotação .................................................................................................................. 70
4.3. A Reincidência .................................................................................................................. 73
4.4. O Excesso de prisões provisórias ...................................................................................... 75
V - A INEFICÁCIA DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL.....................................................78
5.1. O desrespeito ao princípios constitucionais ...................................................................... 78
5.2. A não prestação dos direitos e garantias previstos ............................................................ 82
5.3. A má administração ........................................................................................................... 86
5.4. A Segurança nos presídios. ............................................................................................... 88
CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 90
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 93
INTRODUÇÃO
O sistema carcerário atual constitui um dos maiores impasses do Brasil e, portanto,
deve ser avaliado e reestudado para que sofra melhorias e avanços frente o ordenamento
jurídico brasileiro, sobretudo a Lei de Execução Penal.
A relevância desse assunto é tão grande que a LEP foi criada com o objetivo de
efetivar as disposições da sentença e, como preceitua a lei, proporcionar condições para a
integração social do apenado.
Dessa forma, esse trabalho cuidará de esclarecer um pouco da história das prisões,
como as prisões chegaram ao que se tem hoje avaliando as escolas penais e as causas da crise
no sistema prisional brasileiro e, ainda a ineficácia da Lei de Execução Penal.
O primeiro capítulo cuida avaliar em um panorama histórico a transição do conceito
de pena e prisão, bem como o período em que esta ganhou o caráter mais humano.
Adiante, o trabalho se preocupa em detalhar minuciosamente os pensamentos de todas
as escolas penais, principalmente, o conceito e as teorias relativas as penas no direito penal.
No terceiro capitulo, se fará necessário esclarecer a história do sistema penitenciário e
a influencia fundamental de alguns pensadores que fizeram história no tema penitenciário.
O penúltimo capítulo deste trabalho cuida de demonstrar algumas das principais
causas da crise do sistema penitenciário brasileiro. Desta forma, se fez fundamental destacar o
crime organizado, a superlotação, a reincidência e o excesso de prisões provisórias no Brasil.
Por fim, o ultimo capitulo elucida alguns dos pontos estimuladores da ineficácia da lei
de execução penal, a exemplo, do desrespeito aos princípios constitucionais, a não observação
aos direitos inerentes dos presos, bem como suas garantias e, ainda a má administração das
autoridades e a segurança dentro dos estabelecimentos prisionais.
I – BREVE HISTÓRIA DAS PENAS
1.1 Vingança Divina.
A origem do Direito Penal tem como um de seus fundamentos as diferentes formas de
advertência do homem como ser social. A repreensão do homem está associada a uma época
primitiva, os livros religiosos fazem menção a uma espécie de punição sofrida pelo homem
como forma de efeito por um mal causado. Segundo a Bíblia Sagrada, uma das primeiras
experiências no que tange a recriminação do homem se encontra no livro de Gênesis, o qual
relata a desobediência de Eva em relação à ordem emanada de Deus, tal condição merece
registro:
E Deus disse: Quem te disse que estavas nu? Comeste tu da árvore de que te ordenei
que não comesses? Então disse Adão: A mulher que me deste por companheira, ela
me deu da árvore, e eu comi. E disse o Senhor Deus à mulher: Que é isto que
fizeste? E disse a mulher: A serpente me enganou, e eu comi. E à mulher disse:
Multiplicarei grandemente a tua dor e a tua concepção; com dor darás à luz filhos; e
o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará. E a Adão disse: Porquanto
deste ouvidos à voz de tua mulher e comeste da árvore de que te ordenei, dizendo:
Não comerás dela; maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os
dias da tua vida. Espinhos e cardos também te produzirão; e comerás a erva do
campo. No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que retornes à terra, porque dela
foste tomado; porquanto és pó, e ao pó retornarás.
De acordo com a religião o conflito foi à primeira relação de Deus para com o homem
e, sobretudo, a punição ou castigo foi à primeira das soluções. Porém, na passagem dos
períodos, a doutrina da vingança acontece não somente pela divindade cristã, mas também por
outros deuses emblemáticos nos códigos de consagradas nações, ou seja, códigos interpostos
pelo próprio homem por uma presumível expiração divina. No que diz respeito à opinião de
Magalhães Noronha sobre isto:
Já existe um poder social capaz de impor aos homens normas de conduta e castigo.
O princípio que domina a repressão é a satisfação da divindade, ofendida pelo crime.
Pune-se com rigor, antes com notória crueldade, pois o castigo deve estar em relação
com a grandeza do deus ofendido. É o direito penal religioso, teocrático e sacerdotal.
Um dos principais Códigos é o da Índia, de Manu (Mânava, Dharma, Sastra). Tinha
por escopo a purificação da alma do criminoso, através do castigo, para que pudesse
alcançar a bem-aventurança. Dividia a sociedade em castas: brâmanes, guerreiros,
comerciantes e lavradores. Era a dos brâmanes a mais elevada; a última, a dos
sudras, que nada valiam. Revestido de caráter religioso era também o de Hamurabi.
Aliás, podemos dizer que esse era o espírito dominante nas leis dos povos do Oriente
antigo. Além da Babilônia, Índia e Israel, o Egito, a Pérsia, a China etc.
(NORONHA, 2000, p. 21).
Muitos atos foram cometidos com a desculpa de vingança divina, muitos destes
cometidos pelo homem para outro homem, ou ainda, de uma tribo para com uma família. A
partir destas concepções, algumas tribos ou bando destinavam e nomeavam alguns indivíduos
em meio ao grupo para exercer a pretensa vingança, pode-se assim dizer chefes e sacerdotes.
Ao dissertar sobre o tema Rogério Greco comenta:
Era o direito aplicado pelos sacerdotes, ou seja, aqueles que, supostamente, tinham
um relacionamento direto com um deus e atuavam de acordo com sua vontade.
Incontáveis atrocidades foram praticadas em nome dos deuses, muitas delas com a
finalidade de aplacar-lhes a ira. A criatividade maligna dos homens não tinha
limites. As sociedades, nesse período, eram carregadas de misticismos e crenças
sobrenaturais. Eventos da natureza, como chuvas, trovões, terremotos, vendavais
etc., podiam demonstrar a fúria dos deuses para com os homens e, para tanto,
precisava ser aplacada, mediante o sacrifício humano. Alguém era apontado como
culpado e, consequentemente, devia ser entregue aos deuses (GRECO, 2017, p. 49).
Também em contrapartida Artur Rocha De Souza Netto aclara ―A fase da vingança
divina é caracterizada pela aplicação de penas com o intuito de satisfazer os deuses pela
ofensa praticada no grupo social. Exemplo típico dessa fase é o Código de Manu. Nessa fase a
pena era aplicada pelos sacerdotes‖ (NETTO, 2010).
1.2 Vingança Privada
Entende-se que a vingança privada era uma reação natural e muita das vezes
desproporcional do ofendido para com seu ofensor. Acontece que pela falta de
regulamentação de normas a invasão daquele que sofreu o delito era muito maior do que o
dano causado, podendo ultrapassar a pessoa do delinquente tendo consequência,
principalmente, em sua parentela. Pela lição de Magalhães Noronha temos:
A pena, em sua origem, nada mais foi que vindita, pois é mais que compreensível
que naquela criatura, dominada pelos instintos, o revide à agressão sofrida devia ser
fatal, não havendo preocupações com a proporção, nem mesmo com sua justiça. Em
regra, os historiadores consideram várias fases da pena: a vingança privada, a
vingança divina, a vingança pública e o período humanitário. Todavia deve advertir-
se que esses períodos não se sucedem integralmente, ou melhor, advindo um, nem
por isso o outro desaparece logo, ocorrendo, então, a existência concomitante dos
princípios característicos de cada um: uma fase penetra a outra, e, durante tempos,
esta ainda permanece a seu lado (NORONHA, 2000, p. 20).
As palavras de Rogerio Greco explana o que foi acima citado ―O único fundamento da
vingança era a pura e simples retribuição a alguém pelo mal praticado. Essa vingança podia
ser exercida não somente por aquele que havia sofrido o dano, como também por seus
parentes ou mesmo pelo grupo social em que se encontrava inserido‖ (GRECO, Curso de
Direito Penal: Parte Geral, 2015, p. 16). Rogério também compara o livro sagrado e a Lei do
Talião em sua exemplificação:
A Bíblia relata a existência das chamadas ―cidades refúgio‖, destinadas a impedir
que aquele que houvesse praticado um homicídio involuntário, ou seja, um
homicídio de natureza culposa fosse morto pelo vingador de sangue. Se, no entanto,
o homicida viesse a sair dos limites da cidade refúgio, poderia ser morto pelo
mencionado vingador. A Lei de Talião pode ser considerada um avanço em virtude
do momento em que foi editada. Isso porque, mesmo que de forma incipiente, já
trazia em si uma noção, ainda que superficial, do conceito de proporcionalidade. O
―olho por olho‖ e o ―dente por dente‖ traduziam um conceito de Justiça, embora
ainda atrelada à vingança privada. (GRECO, Curso de Direito Penal: Parte Geral,
2015, p. 17)
De maneira uniforme um artigo detalhado pelo aluno de direito Artur Rocha De Souza
Netto faz alusão de como era o tempo da vingança privada, em suas palavras, ilustra:
Na fase de vingança privada, quando alguém praticava um ato proibido por seu
povo, havia a reação da vítima, dos parentes, e até de seu grupo social que agiam
sem proporção à ofensa. Se o ofensor fosse da tribo podia ser expulso (banido) ou
até mesmo morto, e se fosse de outra tribo, poderia acabar gerando uma guerra que
levaria até mesmo à destruição de uma das tribos. Com o tempo, a fim de se evitar
massacres desmedidos, tornou-se aceita a ideia de que a retaliação deveria ser
proporcional ao dano causado (NETTO, 2010).
Enfim, muita das vezes desproporcional a vingança privada era o meio pelo qual o
homem externava suas razões por não ter garantia nenhuma que a justiça fosse ser feita.
1.3 Vingança pública
A vingança pública tem se por mais organizada, isto é, instituída pelo Estado para que
as autoridades competentes cumpram seu papel de vingador. A vingança pública não se
desarraigou de seu caráter cruel e vexatório, ao contrário, se tornara mais violenta por seu
cunho executório. Dessa forma, Greco nos afirma ―A vingança pública surge, nessa fase da
evolução histórica do Direito Penal, e fundamentada na melhor organização social, como
forma de proteção, de segurança do Estado e do soberano, mediante, ainda, a imposição de
penas cruéis, desumanas, com nítida finalidade intimidatória‖ (GRECO, Curso de Direito
Penal: Parte Geral, 2015, p. 18).
Entretanto, a vinganças privada e divina nunca desapareceram do meio social, tão
somente se escondiam em menor quantidade por força de grupos apartados. Pode-se refletir
com base no que diz João Mestieri (1999, p.26, apud GRECO, 2015, p. 18)
A vingança divina cede naturalmente lugar à vingança pública, produto da paulatina
afirmação do direito no contexto sociocultural. As várias sociedades, já
politicamente organizadas, contam com um poder central, procurando por todos os
meios se afirmar e manter a coesão e a disciplina do grupo social. Leis severas são
ditadas e a sociedade não demora muito a sentir a enorme perda que está sofrendo
dia a dia, com a aplicação da justiça. As mortes e as mutilações apenas enfraqueciam
a tribo, sendo necessário então outra forma de retribuição.
Nesse sentido segue o resumo do promotor Cleber Masson, que em sua obra resume
perfeitamente:
Com a evolução política da sociedade e melhor organização comunitária, o Estado
avocou o poder dever de manter a ordem e a segurança social, conferindo a seus
agentes a autoridade para punir em nome de seus súditos. A pena assume nítido
caráter público. Os ofendidos não mais necessitam recorrer às suas próprias forças.
A finalidade dessa fase era garantir a segurança do soberano, por meio da aplicação
da sanção penal, ainda dominada pela crueldade e desumanidade, característica do
direito penal então vigente. Cabia a uma terceira pessoa, no caso o Estado –
representante da coletividade e em tese sem interesse no conflito existente –, decidir
impessoalmente a questão posta à sua análise, ainda que de maneira arbitrária. Nessa
época, as penas ainda eram largamente intimidatórias e cruéis, destacando-se o
esquartejamento, a roda, a fogueira, a decapitação, a forca, os castigos corporais e
amputações, entre outras (MASSON, 2015, p. 120).
1.4 Direito Penal Romano
Os períodos de vingança foram, sobre tudo, o tempo no qual o homem, literalmente,
exercia a autotutela, tendo base para tal as próprias razões. Neste período arcaico o exercício
das próprias razões era simplesmente demasiado, sem qualquer ordem ou limite.
Logo, é essencial elucidar que a historia de Roma foi categórica para o
desenvolvimento do direito atual. De acordo com a história a narrativa romana se desmembra
em três partes: Roma passou pela monarquia, pelo império e pela republica.
Roma no inicio foi governada por reis que detinham vários dos poderes, inclusive, os
poderes judiciais. Rogerio Greco narra à história de Roma de uma maneira exemplar, e sobre
ela aduz:
O Direito Romano pode ser considerado um dos marcos mais importantes da nossa
história. Roma foi fundada em 753 a.c. e surgiu de uma pequena comunidade
agrícola existente na península itálica no século VIII, tornando-se um dos maiores
impérios do mundo antigo. Em virtude de uma proposta levada a efeito por um
plebeu chamado Gaius Terentilius, em 462 a.c., que se opunha ao modo pelo qual as
leis eram conhecidas e aplicadas, principalmente pelos patrícios, foi designado um
decenvirato (um grupo de dez homens), que teve por encargo a preparação de um
conjunto de leis que, posteriormente, ficou conhecido como Lei das XII Tábuas, que
chegou a seu termo e foi promulgada de 451 a 450 a.C. Foi, originalmente, escrita
em doze tabletes de madeira, que foram afixados no Fórum Romano, permitindo,
assim, que todos as conhecessem e pudessem fazer a sua leitura. Sua temática estava
dividida da seguinte forma: Tábuas I e II: Organização e procedimento judicial;
Tábua III – Normas contra os inadimplentes; Tábua IV – Pátrio poder; Tábua V –
Sucessões e tutela; Tábua VI – Propriedade; Tábua VII – Servidões; Tábua VIII –
Dos delitos; Tábua IX – Direito público; Tábua X – Direito sagrado – Tábuas XI e
XII – Complementares (GRECO, Curso de Direito Penal: Parte Geral, 2015).
Sendo a historia do direito em Roma muito extensa pode-se traduzi-la em uma breve
linha do tempo – Período arcaico — fundação a século II a.c. - que está ligado ao primitivo e
ao fazer as leis como se acha necessário, ou seja, pelas próprias razões, sendo assim por este
motivo mais tarde a codificação e organização da lei na chamada ―Lei das XII Tábuas‖.
Contudo, está não se distanciou do arcaísmo e da violência do homem, sendo uma das leis
mais severas já elaboradas.
As demais fases (Período clássico e Justiniano) nos são permitido entender melhor
nessa explanação feita por Renata Flávia Firme Xavier sobre o período clássico que venho
após o período arcaico, e assim a mesma discorre que:
As inovações do direito no período clássico foram obras principalmente dos
magistrados, os pretores, que, embora não pudessem revogar as arcaicas normas do
direito antigo (como as XII Tábuas), terminaram por introduzir modificações
verdadeiramente revolucionárias, que, no intuito de suprir lacunas e trazer novas
soluções para uma sociedade em constante modificação, colocaram o direito romano
em um movimento constante de evolução. É preciso, todavia, que se esclareça a
função desempenhada pelo pretor do direito romano. Ele, ao contrário de um juiz de
direito moderno, não executava os processos, nem mesmo colhia as provas. Sua
atividade era observar os argumentos das partes no processo e fixar os limites da
demanda, isto é, de como ela deveria ser julgada. Aí, entrava em jogo um outro juiz,
o iudex (melhor seria dizer árbitro, pois era livremente escolhido pelas partes), que
colhia as provas e, seguindo as diretrizes pré-fixadas pelo pretor para o caso, dava
uma decisão que encerrava a demanda. Dentre os jurisconsultos da época clássica,
podem ser destacados alguns, como Sabinus, Iulianus, Papinianus (que teria sido um
primeiro jurista cristão), Ulpianus (brilhante jurista-filósofo, grande conhecedor da
filosofia de Aristóteles, Platão e Pultarco) e Gaius, autor de uma das obras mais
importantes de toda a história do direito romano, as Institutiones. Com o tempo,
porém, o poder dos pretores e dos jurisconsultos foi sendo reduzido, sendo uma das
marcas do final do período clássico a concentração cada vez maior do poder nas
mãos dos Imperadores, que, por meio de suas próprias regras soberanas (chamadas
constituições imperiais), acabaram por ir tomando, para si, a capacidade de inovar
em direito, a capacidade de criar regras novas (XAVIER, 2011).
Mais a frente Roma tem-se o que se chama de Período Justiniano que assim se
nomeou por ser governado por Flávio Pedro Sabácio Justiniano Augusto – também conhecido
como Justiniano, o Grande. Renata Flávia Firme Xavier também discorre perfeitamente sobre
está época:
Inicia-se no ano 530, quando o Imperador Justiniano encarregou uma comissão de
juristas, encabeçada por Triboniano, de elaborar uma compilação dos melhores
momentos da história do direito romano, que seria chamada de Digesto ou
Pandectas. Esta fase, a última da história do direito romano, termina em 565, com o
falecimento de Justiniano. É uma época em que o Império já havia se deslocado para
Bizâncio, no Oriente, e está, como o período pós-clássico inteiro, marcada por uma
grande decadência do antigo e clássico direito romano. Justamente são essas as
preocupações que moveram Justiniano: em razão da grande decadência, tentar
resgatar um pouco da tradição e história do direito romano, compilando as mais
famosas frases e citações dos grandes jurisconsultos romanos, como Papinianus,
Ulpianus e Gaius. Em 530, Justiniano encarregou Triboniano de fazer uma seleção
das obras mais importantes dos jurisconsultos clássicos. Triboniano convocou uma
comissão que, em três anos, apresentou o resultado do trabalho árduo e penoso, mas
de muita valia: o Digesto (ou Pandectas), composto de 50 livros, no qual estão
compilados trechos escolhidos de cerca de 2000 livros dos grandes jurisconsultos. É
interessante anotar que os compiladores tinham autorização para modificar
levemente os trechos escolhidos, para harmonizá-los com os princípios do direito
atual (lembrar que a maior parte dos autores compilados era do período clássico,
portanto de três ou quatro séculos antes de Justiniano) (XAVIER, 2011).
Obviamente que a evolução das leis em Roma tem a maior influencia no nosso mundo
contemporâneo. Como elucida Renata:
Os romanos foram os fundadores da Ciência do Direito, os primeiros a desenvolver
um trabalho de análise científica da experiência jurídica. Com isso, forjaram
diversos conceitos, especialmente do Direito privado, conceitos que sobreviveram ao
tempo chegando até os dias atuais. Esses conceitos surgiram no mundo romano
como decorrências de uma necessidade prática, ou seja, da necessidade que os
romanos tinham de descrever a realidade por eles vivenciada, e as normas e
institutos que a regulavam. Para os romanos, a ligação entre Direito e sociedade não
era uma relação casual, mas uma relação de necessidade. E essa necessidade do
Direito fez aparecer uma reflexão típica dos jurisconsultos, com a criação dos
conceitos operacionais do Direito. Justiniano mandou fazer também uma nova
compilação do Codex, texto, este sim, que chegou até os dias de hoje. O Codex era,
portanto, um aglomerado, das mais importantes regras dos Imperadores, em
especial, como vimos, do período do Dominato, que equivale ao fim do período
jurídico clássico e ao início do período jurídico pós-clássico. Além disso, Justiniano
pediu aos seus juristas a elaboração de uma nova versão para as famosas Instituições
de Gaius, que foi feita: são as Institutas de Justiniano. Nos anos seguintes, até o seu
falecimento, Justiniano também cuidou de criar muitas regras novas, muitas
constituições imperiais, que foram publicadas posteriormente como as Novellae, isto
é, as novas (constituições imperiais). O conjunto das obras de Justiniano, portanto,
abarca o Digesto, as Institutas, o Codex e as Novellae. Esse conjunto recebeu
posteriormente o nome de "Código de Justiniano" ou, no século XVI, de Corpus
Iuris Civilis (nome pelo qual ele é conhecido até hoje) (XAVIER, 2011).
1.5. Direito Penal Germânico
É importante dizer que o direito encontrado nos livros de hoje muito tem a ver com o
direito dos primórdios. A narrativa de Roma como de outros povos em países distinto foi
crucial para o aprimoramento de nossas leis. A evolução do homem na sociedade, a passagem
de tribos e clãs para uma sociedade mais organizada, o conceito de Estado, a instituição de
leis que beneficiam a propriedade, o aprimoramento do processo penal no julgamento de um
delito, dentre outros avanços fora importantíssimo ao desenvolvimento de normas jurídicas
em muitas nações e povos. Contudo, não se pode deixar de citar Roma se esquecendo do
conhecido povo germânico e suas tradições. Todavia, antes é necessário procurar
―acertadamente‖ conceituar a ideia de povo germânico. Dessa forma um artigo de estudo em
um site de conteúdo educacional discorre sobre o assunto:
Os povos germânicos são etnias indo-europeias originalmente estabelecidas na
Europa setentrional. A maior fonte de conhecimento que temos dos germânicos -
data do governo de Júlio César, quando o imperador romano empreendeu várias
guerras contra estes povos. Os povos germânicos habitavam o norte da Europa, onde
hoje estão localizados países como a Alemanha, Áustria, Dinamarca, Noruega,
Suécia, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Reino Unido e parte da França. Como não
possuíam alfabeto, não há fontes escritas pelas próprias tribos germânicas. Por isso,
as evidências arqueológicas são essenciais para descobrir como viviam ditos povos
(BEZERRA, 2017).
Ainda na mesma ideia temos a definição e esclarecimento de Luís Regis Prado:
Nos primórdios, os germanos ocupavam, fora das fronteiras do império romano,
uma extensa zona que se estendia ao leste do rio Reno e ao norte do Danúbio, até
região conhecida hoje como Rússia. Estavam divididos em uma série de povos ou
tribos, em geral nômades, cada qual com a sua organização própria (v.g. visigodos,
ostrogodos, álavos, vândalos, borgúndios), unidos em torno de um ancestral comum,
sob a liderança de um chefe de guerra escolhido em razão de sua bravura. As
sociedades germânicas eram constituídas por nobres, homens livres, semilivres e
escravos, e dominadas pela concepção religiosa de que os deuses dirigem o destino
humano (v.g., o grande deus Wotan, ou Odin, senhor das batalhas e dos mortos). Já
por volta de 359, Roma acaba por aceitar a instalação dos sálicos na margem
esquerda do rio Reno, ao norte da Gália, como soldados romanos de uma tribo
bárbara. Ao depois, em 382, Teodósio faz o mesmo com os visigodos, autorizando-o
a viverem na Trácia, em decorrência de um pacto de aliança (o foedus), que foi
originariamente a causa do desmoronamento do Império Romano do Ocidente
(PRADO, 2005, p. 72).
Como as demais etnias e povos o clã germânico também disponham de crenças,
costumes e religiões. Entretanto, o povo germânico não possuíam uma organização estatal
nem um compilado de leis para os regerem.
Dessa forma, se dividiam em tribos e quaisquer destes que desobedeciam as normas de
conduta deveriam sofrer severas penalidades. Tratava-se de um direito consuetudinário, de
costumes e não de leis escritas. Assim elucida Mirabete e Fabbrini:
O Direito Penal germânico primitivo não era composto de leis escritas, mas
constituído apenas pelo costume. Ditado por características acentuadamente de
vingança privada, estava ele sujeito à reação indiscriminada e á composição. Só
muito mais tarde foi aplicado talião por influencia do Direito Romano e do
cristianismo. Outra característica do direito bárbaro foi à ausência de distinção entre
dolo, culpa e caso fortuito, determinando-se a punição do autor do fato sempre em
relação ao dano por ele causado e não de acordo com o aspecto subjetivo de seu ato.
No processo, vigoravam as ―ordálias‖ ou ―juízos de Deus‖ (prova de água fervente,
de ferro em brasa etc.) e os duelos judiciários, com os quais se decidiam os litígios,
―pessoalmente ou através de lutadores profissionais‖ (MIRABETE & FABBRINI,
2011).
Enfim, o Direito Penal Germânico estava muito atrelado com a justiça primitiva
também ligada a vingança, a justiça pelas próprias razões, mas em substituição destas o
direito germânico foi passando por metástase e, contudo, aderindo ao poder estatal de Roma.
Dessa forma, temos pontos relevantes na historia germânica, a exemplo, das leis
bárbaras, compostas de obrigações pecuniárias e se estas não fossem possíveis seriam
supridas por leis corporais.
Em sua fase ulterior, após a invasão de Roma, com o aumento do poder do Estado,
foi desaparecendo a vindicta. As leis bárbaras (leges barbarorum) caracterizavam-se
pela composição, estabelecidas às tarifas de pagamento conforme a qualidade das
pessoas, o sexo, a idade, o local e a espécie da ofensa. Àqueles que não pudessem
pagar eram aplicadas penas corporais. Alguns crimes, principalmente os políticos,
eram punidos com penas publicas (pena capital, corporal e exilio). No direito
germânico preponderou, por muito tempo, ao contrário do direito romano do período
clássico, que adotava a prevalência do aspecto subjetivo do fato, a responsabilidade
objetiva. Punia-se o dano, sem se levar em conta se o fato resultou de dolo, culpa ou
do fortuito. (JUNIOR, 2010, p. 55).
Mais tarde aderiram ao direito do talião que se baseava na reciprocidade do ato
cometido, originalmente conhecida como ―olho por olho e dente por dente‖. Logo, cumpre
salientar que o povo germânico usufruiu por bastante tempo de todas as espécies de vingança
usando-a como soberana norma social.
Como ordem dentro das tribos e aldeias o povo germânico fez jus tanto das leis
barbaras quanto também por aquelas que acreditavam serem leis e recompensas divinas, assim
sendo, de acordo com suas crenças e filosofias.
No entanto, é correto alegar que o direito germânico é o grande introdutor da
responsabilidade objetiva no campo do direito, ou seja, o menosprezo da subjetividade do
autor do delito, o julgamento tão somente dos fatos e não de uma possível passionalidade do
autor.
Artur Rocha De Souza Netto ilustra, em seu artigo, essa fase do direito primário
germânico:
O Direito Germânico, anterior à invasão de Roma, não continha leis escritas, sendo
de natureza consuetudinária. A pena era tida como expiação religiosa. O crime era
assunto privado, sujeito à vingança ou à composição familiar. Após a invasão de
Roma, com o aumento do poder do Estado, têm-se as leis bárbaras (leges
barbarorum) caracterizadas pela composição, estabelecidas as taxas de pagamento
conforme a qualidade das pessoas, o sexo, a idade, o local e a espécie de ofensa.
Àqueles que não pudessem pagar eram aplicadas penas corporais. O direito de talião
foi aplicado muito tempo depois, por influência do Direito Romano e do
Cristianismo. Ao contrário do Direito Romano do período clássico, preponderou no
direito penal germânico à responsabilidade objetiva, ou seja, punia-se o dano sem
levar em conta se o fato resultou de dolo, culpa ou fato fortuito. Quanto ao processo
penal, serviam-se os germânicos das chamadas ordálias ou juízos de Deus (prova da
água fervente, ferro em brasa, etc.) e dos duelos judiciários, onde o vencedor era
proclamado inocente (NETTO, 2010).
1.6. Direito Canônico.
Outra narrativa bastante extensa é a correlação da igreja católica com o Estado.
Embora, o mais ético fosse que as duas entidades não mantivessem relação alguma, está foi
uma união muito forte durante o período da idade média e, a quem diga, recentemente
também.
O direito canônico é um misto de direito – por um lado temos sua essência costumeira,
consuetudinária, e por outro temos um direito escrito de leis sacras, a exemplo, do Código de
Direito Canónico atual e do uso da bíblia sagrada como um livro de referência de regras pré-
estabelecidas sobre normas morais.
Inicialmente, temos que abordar que o cristianismo era uma religião muito perseguida,
mas que com o tempo se dissipou grandemente tendo o Estado que se unir a tal filosofia por
sua força e adeptos. Felipe Aquino professor de História a 20 anos da Igreja do Instituto de
Teologia Bento XVI da Diocese de Lorena em seu artigo detalha a expansão e correlação do
cristianismo com o Estado, o mesmo declara ―No início século quarto, o cristianismo já estava
espalhado por quase todo o mundo, penetrando até na classe nobre e era muito perseguido
pelos imperadores que tentavam a todo custo, com o poder das armas destruir o poder da fé,
mas não conseguiam‖ (Aquino, 2017).
Há relatos de perseguições sob o povo cristão no império romano, na gestão do
imperador Nero Cláudio César Augusto Germânico, popularmente conhecido como ―Nero‖,
perseguições por judeus contra a ideologia cristã, retaliações sob o governo de Diocleciano e
Galério.
Ademais, o próprio coliseu que começou a ser construído sob o governo de
Vespasiano foi palco para grandes torturas contra o povo cristão, a exemplo, dos
devoramentos de cristãos por leões que ficavam dias sem comer.
Felipe Aquino igualmente discorre sobre os mártires sofridos pelos fiéis, não somente
no passado, mas também nos dias de hoje:
A perseguição começou com Jesus; foi caluniado, flagelado, coroado de espinhos,
crucificado e morto entre dois ladrões. Antes Dele seu Precursor, João Batista, foi
degolado. Logo em seguida foi Santo Estevão, apedrejado até a morte. Em seguida
foi Tiago maior, morto por um dos Herodes. Pedro e Paulo morreram sob Nero e
junto com eles milhares de cristãos derramaram seu sangue no Coliseu, no Circo de
Nero e nos anfiteatros romanos em toda a volta do Mediterrâneo. Milhares de
crianças, jovens, mulheres e velhos derramaram seu sangue para que a fé chegasse a
nós. O escritor cristão do século II, Tertuliano, escreveu em seu ―Apologeticum‖
para o imperador sanguinário, Marco Aurélio, que não adiantava matar mais cristãos
porque ―o sangue dos mártires é semente de novos cristãos‖. Quanto mais cristãos
eram martirizados barbaramente, mais romanos se convertiam; até que em 313,
depois de 250 anos de perseguição de Nero, Domiciano, Trajano, Aureliano, Marco
Aurélio, Diocleciano, etc., Constantino se converteu, impediu a perseguição. Em
385 Teodósio, o Grande, decretou o fim do paganismo e Roma se tornou cristã. Esse
sangue foi derramado abundantemente no Japão, na China, no Vietnã, no Laos, no
Cambodja, no México, em Cuba, na Espanha… em todos os continentes; e, mais do
que nunca no século XX e XXI, pelos comunistas, nazistas e mulçumanos radicais.
No Brasil, o nosso primeiro bispo, D. Pedro Sardinha, foi morto pelos índios e
devorado. A revolução francesa matou cerca de 17.000 padres e 30.000 religiosos. O
Papa João Paulo II disse, com dados mostrados, que o século XX sozinho fez mais
mártires do que toda a história anterior da Igreja. Ele nomeou uma Comissão
destinada a recensear os mártires do século XX. Mais de dez mil relatos de martírio
ocorrido chegaram a Roma, em cerca de dez línguas diferentes. 45% desses relatos
vieram de Conferências Episcopais e 40% de Congregações ou Ordens Religiosas.
Em setembro de 1998, a Igreja da Espanha tinha mandado 2075 relatórios; a da
França, sessenta e a Espanha mais 2000; a Coréia, 200; a Polônia, 900. Quanto aos
países dominados por governo anticatólico (Vietnã, China, Sudão…), as autoridades
civis não permitiram. (AQUINO, 2017).
Enfim, muitas foram às perseguições ao cristianismo, contudo, o estigma de
perseguição e represália se fez presentes em varios governos, como supracitados, e além
destes, outros mais de diferentes ordens e leis em epocas diversas. Deste modo, cumpre
infatizar o que realmente importou na historia do direito canonico, a exemplo do governo de
Constantino I, também conhecido como Constantino Magno ou Constantino, o Grande.
Com base na historia romana Constantino Magno foi um imperador que governou num
dos periodos politicos mais dificeis da história e mesmo com tal quadro estabelecido foi
propagador de varias reformas e mudanças no ambito social de Roma. O professor de História
Felipe Aquino sintetiza com clareza a historia de Constantino, a saber:
Era filho de um oficial grego, Constâncio Cloro, que no ano 305 foi nomeado
Augusto ao mesmo tempo em que Galério, e de Helena, uma mulher que chegaria a
ser santa. Por morte de Constâncio Cloro, em 306, Constantino é aclamado
imperador do Ocidente pelo exército local, no meio de uma difícil situação política,
agravada pelas tensões com o antigo imperador, Maximiano, e com o seu filho
Maxêncio. Constantino começou por derrotar Maximiano, em 310, e logo a seguir
Maxêncio, na batalha de Ponte Milvio, em 28 de Outubro de 312. Segundo a
tradição, Constantino terá tido uma visão antes dessa batalha. Olhando o Sol, ao qual
prestava culto, como pagão que era, viu uma cruz e ordenou que os seus soldados
pusessem nos escudos o monograma de Cristo (as duas primeiras letras do seu nome
em grego, sobrepostas). Embora continuasse a praticar ritos pagãos, a partir dessa
vitória passou a mostrar-se favorável aos cristãos. Com Licínio, imperador do
Oriente, promulgou o chamado ―Édito de Milão‖ (ver pergunta 49: O que foi Édito
de Milão?), favorecendo a liberdade de culto. Mais tarde, os dois imperadores
confrontaram-se e, no ano de 324, Constantino derrotou Licínio, convertendo-se no
único Augusto do Império. (AQUINO, Quem era Constantino?, 2017).
Conforme a historia de Roma, a própria mãe de Constantino foi uma devota cristã
temente às doutrinas da igreja e tolerante com a devoção e permanecia do povo cristão em
Roma. Não se sabe ao certo quais desses episódios influenciaram de fato a proclamação do
Édito de Milão por Constantino, contudo, sabe-se que este foi o documento oficial que
liberara e favorecia os cristãos a todo e qualquer exercício da religião.
Com a liberação do exercício cristão em Roma o cristianismo se expandiu pelo mundo
chegando ao que se conhece atualmente e sua forte influencia fez com que adquirisse forte
domínio nas relações governamentais, principalmente, no continente europeu.
A força da igreja sempre é contada nas obras que relatam os tempos do império, da
idade média ou até mesmo os períodos das guerras e pós-guerras. A Igreja foi extremamente
criticada até mesmo por seus membros, a exemplo de Martinho Lutero que a censurou por
meio da reforma protestante ao buscar que a igreja católica não fizesse vista grossa aos seus
componentes que pregavam a lei, mas não a cumpriam.
No entanto, mesmo sobre criticas, a igreja católica manteve relações corporativas
durante um longo período com os governantes que a apoiava e, esta em contrapartida, farara o
mesmo.
Todavia, com uma autoridade semelhante a dos governos mais poderosos do mundo e
uma influencia territorial e intelectual suprema, a Igreja Católica não poderia ficar sem um
código especificador de sua doutrina e ideal, ou seja, um código de regras de condutas que
norteie seus dogmas.
Cezar Bitencourt em sua respeitadíssima obra discorre sobre o assunto com nitidez,
sobre isto diz:
A influência do Cristianismo no Direito Penal, com a proclamação da liberdade de
culto, pelo imperador Constantino (313 d.C.), veio a consolidar-se com a declaração
do imperador Teodósio I, transformando-o na única religião do Estado (379 d.C.). O
Cristianismo ingressou na Monarquia franca em 496 d.C., com a conversão de
Clodovéu, surgindo a repressão penal de crimes religiosos e a jurisdição eclesiástica,
protegendo os interesses de dominação. O Direito Canônico — ordenamento
jurídico da Igreja Católica Apostólica Romana — é formado pelo Corpus Juris
Canonici, que resultou do Decretum Gratiani (1140), sucedido pelos decretos dos
Pontífices Romanos (séc. XII), de Gregório IX(1234), de Bonifácio VIII (1298) e
pelas Clementinas, de Clemente V (1313). O Papa João Paulo II, em 25 de janeiro
de 1983, promulgou o atual Código de Direito Canônico. Primitivamente, o Direito
Penal Canônico teve caráter disciplinar. Aos poucos, com a crescente influência da
Igreja e consequente enfraquecimento do Estado, o Direito Canônico foi-se
estendendo a religiosos e leigos, desde que os fatos tivessem conotação religiosa. A
jurisdição eclesiástica aparecia dividida em: ratione personae e ratione materiae.
Pela primeira — em razão da pessoa — o religioso era julgado sempre por um
tribunal da Igreja, qualquer que fosse o crime praticado; na segunda — em razão da
matéria — a competência eclesiástica era fixada, ainda que o crime fosse cometido
por um leigo (BITENCOURT, 2015, p. 78).
Bitencourt ainda faz uma explanação a respeito do valor do direito canônico frente ao
direito penal atual, inclusive, sobre a individualização da pena, nesse aspecto o especialista
argumenta:
O Direito Canônico contribuiu consideravelmente para o surgimento da prisão
moderna, especialmente no que se refere às primeiras ideias sobre a reforma do
delinquente. Precisamente do vocábulo ―penitência‖, de estreita vinculação como
Direito Canônico, surgiram as palavras ―penitenciário‖ e ―penitenciária‖. Essa
influência veio completar-se como predomínio que os conceitos teológico-morais
tiveram, até o século XVIII, no Direito Penal, já que se considerava que o crime era
um pecado contra as leis humanas e divinas. Sobre a influência do Direito Canônico
nos princípios que orientaram a prisão moderna, afirma-se que as ideias de
fraternidade, redenção e caridade da Igreja foram transladadas ao direito punitivo,
procurando corrigir e reabilitar o delinquente. Os mais entusiastas manifestam que,
nesse sentido, as conquistas alcançadas em plena Idade Média não têm logrado
solidificar-se, ainda hoje, de forma definitiva, no direito secular. Entre elas,
menciona-se a individualização da pena conforme o caráter e temperamento do réu.
Seguindo a tradição canônica, na qual se fazia distinção entre pena vindicativa e
pena medicinal, pode-se encontrar as iniciativas penitenciárias de Filippo Franci e as
reflexões de Mabillon durante o século XVII, as realizações dos Papas Clemente XI
e Clemente XII (BITENCOURT, 2015, p. 79)
Em suma, a importância do direito penal canônico para se chegar ao que se conhece
nos dias atuais é de extremo valor, o que conhecemos hoje por Código de Direito Canónico de
1917 nada mais é que uma união de normas jurídicas relativas à organização e hierarquia
dentro da congregação católica romana.
Por fim, a este compilado de leis pertencem os direitos, as obrigações e, ainda, as
sanções, nos casos de contravenções direcionadas aos fiéis católicos – compondo de tal modo
um dos primeiros regulamentos já estabelecido com o objetivo de punição desenvolvido por
uma instituição ao homem dentro da sociedade.
Insta salientar que tanto na época das vinganças privadas, publicas ou divinas como no
surgimento do direito penal em Roma e entre as sociedades germânicas os povos e
instituições continham suas convicções do que era justiça e punição, ou seja, em cada fase da
historia se acreditava em um conceito de retribuição punitiva, ora aplicado pelo homem contra
o próprio homem, ora retribuído por deuses e entidades espirituais.
Fato é que no decorrer do tempo os julgamentos e conceitos da sociedade foram se
transformando, o homem passou por muitas variações e este passou a entender e enxergar
outros patamares no que concerne ao ramo do direito penal e sua verdadeira função.
Todas as épocas têm seus atributos – a época da vingança divina buscava-se
atemorizar o homem com a ideia de que um ente superior lhe faria pagar pela transgressão
cometida, o que fazia este sentir certo tipo de temor religioso – a época da vingança privada
continha em fazer o violador pagar pelo crime cometido em condições até piores do que a por
ele causada e, como se não bastasse, receber de um grupo social ou tribo penas mais severas e
cruéis como forma de probidade e sensatez, além disso, como formato de evolução social
surgiu à lei do talião a qual garantia a vitima ou aos seus membros familiares a retribuição
idêntica do mal cometido sobre o infrator - o famigerado olho por olho – dente por dente.
Logo, o direito penal concorda com as distintas épocas pelas quais passou, acontece
que o pensamento humano se assimila em acordo com suas experiências tangíveis e, portanto,
ocorrem mudanças no aspecto social e cultural.
Dessa forma, no decorrer da história, alguns estudiosos perceberam que muitas das
sanções aplicadas anteriormente não mais funcionavam nem como intimidação ao próprio
transgressor nem como exemplo para os demais entes das tribos e sociedades.
Com isso, alguns pensadores da época, inclusive no campo da filosofia, indagaram-se
em relação às penas no campo do direito penal.
Isto aconteceu porque a brutalidade e crueldade nesse aspecto eram demasiadamente
desproporcionais – o fato de uma pessoa delinquir lhe rendia a desonra e ao declínio moral e
muita das vezes não só a ele, mas para seus entes e descendentes também.
A família do transgressor também era alvo dos castigos que recaiam sobre este, o que
naquela época se julgava ser justo e merecedor.
Sobre esta analise e sobre estes costumes muitos pensadores da época levantaram a
tese do que se era justo e equilibrado no momento da aplicação da pena no âmbito do direito
penal. Estes intelectuais descontruíam preceitos antigos, a exemplo do uso do corpo como
forma de retribuição pelo ato cometido – outros colocaram em xeque o pensamento cruel e
desumano da época, e com isso, se formou um pensamento mais humano e equilibrado em
relação à forma de julgamento aos crimes cometidos.
1.7 Período Humanitário - o pensamento de Beccaria.
Os períodos de vingança como também os períodos mediáveis foram marcados por
penas cruéis, desumanas e humilhantes.
A sociedade não enxergava a pena como algo capaz de ressocializar o individuo
tampouco se cogitava a ideia deste infrator ser aceito outra vez no convívio social. Em sua
obra Rogério Greco esboça tais tradições:
Até basicamente o período iluminista, as penas possuíam caráter aflitivo, ou seja, o
corpo do homem pagava pelo mal que ele havia praticado. Os olhos eram
arrancados, os membros mutilados, o corpo esticado até se destroncar, sua vida
esvaía-se numa cruz, enfim, o mal da infração penal era pago com o sofrimento
físico e mental do criminoso (GRECO, Curso de Direito Penal - parte geral volume
1, 2017, p. 54).
De modo contrário, nota-se que a crueldade usada no meio de aplicação da pena não
era e, continua não sendo, garantia para que o crime desapareça do meio social.
Ao mesmo tempo, não existia a devida punição por meio de um sistema democrático e
que fosse concernente a um processo justo e igualitário, maiormente, que culminasse num
ideal aprendizado por parte do transgressor.
E, por esse raciocínio, paulatinamente, a ideia de suplicio penal foi sendo mudada e
este conceito foi sendo revisto em algumas camadas sociais, a exemplo dos monastérios que
trouxeram uma ideia básica do que era prisão e para o que servia o encarceramento.
Foi à concepção de encarceramento usada contra os monges da época que fez nascer a
definição sobre a prisão. De outro modo Greco resume está época da história, a saber:
Sobretudo a partir do final do século XVIII, as penas corporais, aflitivas foram
sendo substituídas, aos poucos, pela pena de privação de liberdade, que, até aquele
momento, com raras exceções (a exemplo do que ocorria com a punição dos monges
religiosos em seus monastérios, cuja finalidade era levá-los a refletir sobre a conduta
praticada, ou ainda com as casas de correção criadas a partir da segunda metade do
século XVI na Inglaterra – houses of correction e bridewells – e na Holanda –
rasphuis para os homens e spinhuis para as mulheres), era tida tão somente como
uma medida cautelar, ou seja, sua finalidade precípua era fazer com que o
condenado aguardasse preso, a aplicação de sua pena corporal (GRECO, Curso de
Direito Penal - parte geral volume 1, 2017, p. 54).
No que se refere ao enclausuramento dos monges - a privação de liberdade tinha por
objetivo fazer com que o individuo preso pensasse e refletisse sobre o erro cometido e, dessa
forma, por meio da solidão e do ostracismo avaliasse seus atos e julgasse ser impropria aquela
conduta anteriormente praticada.
De modo contrário, em outros momentos, às prisões tinham o objetivo de garantir que
o preso não fugisse para o cumprimento das demais penas, a prisão era o meio e não o fim, ou
seja, o encarceramento era o método achado para que o preso aguardasse por sua pena
legítima, ou melhor, a prisão não era a pena, apenas um meio assecuratório de cumprimento
desta.
Rogério Greco elucida brilhantemente sobre essa época, a respeito:
A prisão do acusado, naquela época, era uma necessidade processual, uma vez que
ele tinha de ser apresentado aos juízes que o sentenciariam e, se fosse condenado,
determinariam a aplicação de uma pena corporal, de natureza aflitiva, ou mesmo
uma pena de morte. Na verdade, sua prisão era destinada a evitar que fugisse,
inviabilizando a pena corporal que lhe seria aplicada, em caso de condenação, ou
mesmo para que fosse torturado, com a finalidade de obter a confissão do fato que
supostamente por ele havia sido praticado. Assim, o corpo do acusado tinha de se
fazer presente, razão pela qual, em muitos casos, aguardava preso seu julgamento.
No entanto, logo após a execução da sua pena – se não fosse, obviamente, a de
morte – era libertado. Essa gradativa substituição fez com que as penas privativas de
liberdade fossem ocupando, prioritariamente, o lugar das penas corporais (GRECO,
Curso de Direito Penal - parte geral volume 1, 2017, pp. 54 -55).
Mais a frente Greco também explica a mudança ocorrida na virada do século,
sobretudo por um dos eventos mais importantes da história, episódio este que transformou
indiretamente o sistema de pena mundial abrangendo princípios mais humanistas e inclinados
à sensibilidade humana, assim o professor comenta:
Até o século XVIII, portanto, as penas mais utilizadas eram as corporais, a pena de
morte, além das chamadas penas infamantes e, em alguns casos menos graves, as
penas de natureza pecuniária. Com a virada do século XVIII, principalmente após a
Revolução Francesa, em 1789, a pena de privação de liberdade começou a ocupar
lugar de destaque, em atenção mesmo a um princípio que, embora embrionário,
começava a ser discutido, vale dizer, o princípio da dignidade da pessoa humana.
Analisando essa mudança de opção punitiva, Foucault dizia que, a partir daquele
momento, o sofrimento não mais recairia sobre o corpo do condenado, mas, sim,
sobre sua alma (GRECO, Curso de Direito Penal - parte geral volume 1, 2017, p.
55).
A Revolução Francesa foi um dos eventos mais importante da história, assim, no
século XVIII, a França tinha um dos reinados mais desonestos e autoritários, isto porque os
camponeses e trabalhadores urbanos eram os que arcavam com os impostos para sustentar os
nobres no poder e, se não bastasse, não podiam exercer o direito de voto nem opinar nas
legislações e decisões governamentais, já que era o rei quem ostentava esse poder. Na obra
―A Era das Revoluções – 1789 – 1848‖ Eric Hobsbawm nos remonta tal importância:
A Revolução Francesa pode não ter sido um fenómeno isolado, mas foi muito mais
fundamental do que os outros fenómenos contemporâneos e suas consequências
foram, portanto mais profundas. Em primeiro lugar, ela se deu no mais populoso e
poderoso Estado da Europa (não considerando a Rússia). Em 1789, cerca de um em
cada cinco europeus era francês. Em segundo lugar, ela foi diferentemente de todas
as revoluções que a precederam e a seguiram, uma revolução social de massa, e
incomensuravelmente mais radical do que qualquer levante comparável (ALTMAN,
2014).
Enquanto o povo vivia na miséria e os que trabalhavam assim faziam para pagar
impostos, a monarquia gozava de poderes integrais controlando a economia, a religião, a
politica e, principalmente, a aplicação da justiça. Qualquer oposição contra o rei da França
resultava em prisão politica e muita das vezes resultava em condenação de pena capital.
O povo francês que não fazia parte da nobreza e, dessa forma era reconhecido como
terceiro estado, não só sustentava o clero que era composto pelos religiosos da igreja, como
também arcavam com os gastos exacerbados da real nobreza, formada pelo Rei e toda sua
família e, além destes, todos os duques, condes e marqueses do período.
Com essa estrutura social muito rígida e desigual, a exemplo dos camponeses que
viviam em estado de servidão e da burguesia que incluía os mais poderosos banqueiros até o
pequeno comerciante, o terceiro estado se via incapaz de sustentar as mordomias do primeiro
e do segundo estado e assim as mudanças na França foram necessárias. Napoleão Casado
Filho leciona sobre este momento da história, a saber:
O Estado francês era dividido em três ―classes‖ de pessoas, denominadas ―estados‖.
O 1º Estado era composto do alto clero, que não pagava impostos. No 2º Estado,
ficavam os nobres, que possuíam privilégios intocáveis, vivendo junto ao Rei e
recebendo pensão ou, simplesmente, não pagando nenhum tipo de tributo. No 3º
Estado, ficavam os burgueses e os camponeses, que pagavam altíssimos impostos,
sustentando as demais classes sociais. Com os elevados gastos da nobreza e da
péssima gerência de recursos do rei Luís XIV, o Estado francês estava com um
déficit muito alto e sua população, de maneira geral, passava por grandes
necessidades (FILHO, 2012, p. 38).
Acontece que a França ainda possuía muitas das características feudais originadas pela
idade média, portanto, dependia quase que totalmente da produção agrícola, porém, esta
sofreu uma escassez abundante os preços dos alimentos subiam catastroficamente e,
consequentemente, quem sofria era o povo uma vez forçados a suprimir parte de seus ganhos
para arcar com impostos desvantajosos.
Assim explica Napoleão Casado Filho ―A situação econômica e social da França no
século XVIII era crítica. Além da maior parte da riqueza do país se originar da agricultura,
que carecia de técnicas modernas de cultivo, a maioria dos camponeses ainda vivia sob o
regime de servidão‖ (FILHO, 2012).
Vale lembrar o que ressalta Eric Hobsbawm sobre o mesmo tema:
Uma má safra em 1788 (e 1789) e um inverno muito difícil tornaram aguda a crise.
As más safras faziam sofrer o campesinato, pois significavam que enquanto os
grandes produtores podiam vender cereais a preços de fome, a maioria dos homens
em suas insuficientes propriedades tinha provavelmente que se alimentar do trigo
reservado para o plantio ou comprar alimentos àqueles preços, especialmente nos
meses imediatamente anteriores à nova safra (maio julho) (HOBSBAWM, 1962, p.
68).
Por isso, exauridos de tanta tirania, o povo se rebelou contra esse sistema de
privilégios e riquezas que a dinastia Bourbon criou e que a monarquia absolutista da França
ostentava sem a menor misericórdia e procuraram depor o reinado de Luís XVI – fato que
inicia o processo de revolução.
Novamente Eric destaca:
Os pobres do interior ficavam assim desesperados e envolvidos em distúrbios e
banditismo; os pobres das cidades ficavam duplamente desesperados já que o
trabalho cessava no exato momento em que o custo de vida subia vertiginosamente.
Em circunstâncias normais, teria ocorrido provavelmente pouco mais que agitações
cegas. Mas em 1788 e 1789 uma convulsão de grandes proporções no reino e uma
campanha de propaganda e eleição deram ao desespero do povo uma perspectiva
política. E lhe apresentaram a tremenda e abaladora ideia de se libertar da pequena
nobreza e da opressão. Um povo turbulento se colocava por trás dos deputados do
Terceiro Estado (HOBSBAWM, 1962, p. 69).
Com essa combustão objetivada por uma linha de pensamento mais generosa quanto
aos direitos do homem e por uma sociedade mais justa e igualitária para todas as camadas
sociais sem interferência de monarcas absolutistas, a França foi influenciada pelos ideais
iluministas da época protegidos pelos intelectuais mais notáveis da filosofia, a exemplo de
René Descartes, Baruch Spinoza, David Hume, Adam Smith, Jean-Jacques Rousseau,
Immanuel Kant, Denis Diderot, Voltaire e, além destes, Cesare Beccaria.
O pensamento iluminista foi um divisor de aguas na historia mundial, tanto pelo seu
conceito de razão empírica quanto pelo seu consenso de que os homens são iguais dentro do
campo jurídico e, assim deviam ser tratados igualmente perante as autoridades. Explica-nos
Rogério Greco sobre tal assunto:
O período iluminista teve importância fundamental no pensamento punitivo, uma
vez que, com o apoio na ―razão‖, o que outrora era praticado despoticamente, agora,
necessitava de provas para ser realizado. Não somente o processo penal foi
modificado, com a exigência de provas que pudessem conduzir à condenação do
acusado, mas, e, sobretudo, as penas que poderiam ser impostas. O ser humano
passou a ser encarado como tal, e não mais como mero objeto, sobre o qual recaía a
fúria do Estado, muitas vezes sem razão ou fundamento suficiente para a punição.
Mediante um raciocínio jusnaturalista, passou-se a reconhecer direitos inatos ao ser
humano, que não podiam ser alienados ou deixados de lado, a exemplo de sua
dignidade, do direito a ser tratado igualmente perante as leis etc. Até mesmo no que
dizia respeito à pena de morte, algumas formas de aplicação foram sendo
aperfeiçoadas, com a finalidade de trazer o menor sofrimento possível ao
condenado, como ocorreu com a utilização da guilhotina, sugerida por Ignace
Guillotin, pela primeira vez no dia 25 de abril de 1792, que consistia em fazer com
que a morte ocorresse rapidamente por meio de um golpe seco, produzido por uma
lâmina afiadíssima e pesada, que pendia sobre a cabeça do executado. As penas, que
eram extremamente desproporcionais aos fatos praticados, passaram a ser graduadas
de acordo com a gravidade do comportamento, exigindo-se, ainda, que a lei que
importasse na proibição ou determinação de alguma conduta, além de clara e
precisa, para que pudesse ser aplicada, estivesse em vigor antes da sua prática. Era a
adoção do exigível princípio da anterioridade da lei (GRECO, Curso de Direito
Penal - parte geral volume 1, 2017).
Finalmente, algum tempo depois tanto Luís XVI, como sua esposa, foram executados,
tendo todos os seus bens embargados. Sobre isso Altman leciona:
Em 15 de janeiro de 1793, 707 deputados dos 718 presentes julgam o rei culpado de
conspiração contra a segurança do Estado. Por 423 votos a 281, rejeitam em seguida
a ideia dos deputados moderados da Gironda de fazer ratificar o julgamento pelo
povo. Por fim, mediante votação nominal e aberta que durou 36 horas, os deputados
se pronunciaram sobre a pena a aplicar ao condenado. Cada qual foi chamado a
justificar seu voto. A maioria exigida era de 361 votos e 387 deputados pediram a
pena de morte, mas 26 abriram a possibilidade de sursis. Com efeito, faltou apenas
um voto para que Luís XVI escapasse da guilhotina. Luís XVI, 38 anos, é executado
na guilhotina, no domingo, 21 de janeiro de 1793, na Praça da Revolução, hoje
Praça da Concórdia. O rei abatido é tirado no começo da manhã da prisão de
Temple. É transportado não na charreta habitual dos condenados, mas sim na viatura
do prefeito de Paris, a pedido deste, e conduzido ao local do cadafalso. (ALTMAN,
2014).
A revolução francesa consolidou a história da democracia e, por isso, a ela é atribuído
total respeito histórico, sobretudo, no mundo jurídico, tanto no que diz respeito à conquista de
um governo mais justo, quanto ao que concerne a concretização dos direitos humanos. Assim
instrui Hobsbawm:
Se a economia do mundo do século XIX foi formada principalmente sob a influência
da revolução industrial britânica, sua política e ideologia foram formadas
fundamentalmente pela Revolução Francesa. A Grã-Bretanha forneceu o modelo
para as ferrovias e fábricas, o explosivo econômico que rompeu com as estruturas
socioeconômicas tradicionais do mundo não europeu; mas foi a França que fez suas
resoluções e a elas deu suas ideias, a ponto de bandeiras tricolores de um tipo ou de
outro terem-se tornado o emblema de praticamente todas as nações emergentes, e a
política europeia (ou mesmo mundial) entre 1789 e 1917 foi em grande parte a luta a
favor e contra os princípios de 1789, ou os ainda mais incendiários de 1793. A
França forneceu o vocabulário e os temas da política liberal e radical-democrática
para a maior parte do mundo. A França deu o primeiro grande exemplo, o conceito e
o vocabulário do nacionalismo. A França forneceu os códigos legais, o modelo de
organização técnica e científica e o sistema métrico de medidas para a maioria dos
países. A ideologia do mundo moderno atingiu as antigas civilizações que tinham até
então resistido às ideias europeias inicialmente através da influência francesa. Esta
foi à obra da Revolução Francesa (HOBSBAWM, A Era das Revoluções, 1982).
O período no qual a França esteve em processo de revolução pode ser dividido em
fases, porém, a etapa mais emblemática para a esfera penal foi à fase em que ocorreu a
chamada assembleia constituinte realizada nos períodos de 1789 a 1792. Nessa toada,
Napoleão Casado Filho aduz:
A solução encontrada pelo soberano foi convocar os Estados Gerais para uma
assembleia. Logo na abertura da assembleia, ocorreram desentendimentos entre o
Rei e os representantes do 3º Estado. Eles queriam que as reuniões fossem em
conjunto com todos os Estados, diferentemente do Rei. Este, ao ser contrariado,
resolve dissolver a reunião. Os representantes do 3º Estado se revoltam com a
atitude do Rei. No dia 14 de julho de 1789, a população se rebela contra a ordem
vigente e vai às ruas, derrubando um dos símbolos do poder real: a prisão da
Bastilha (FILHO, 2012, p. 38).
A Assembleia Nacional Constituinte trata-se de um acontecimento histórico
importantíssimo onde foram abolidos todos os direitos e mecanismos feudais das épocas, bem
como os privilégios e garantias pessoais que não estavam em consonância a todos os
indivíduos.
O povo se organiza em Assembleia Geral Constituinte e em 26 de agosto aprova a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, um verdadeiro código dos direitos
humanos reconhecidos à época. Essa declaração, em seu primeiro artigo, já definia
que todos os homens nascem e permanecem livres em direitos. Em 17 artigos, a
Declaração busca seguir o slogan da revolução: liberdade, igualdade e fraternidade
(FILHO, 2012, p. 38).
E, ainda, resultante desta reunião, aprovou-se a afamada "Declaração dos direitos do
Homem e do Cidadão" onde os princípios iluministas se consolidaram de forma garantista. A
Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão traz uma enorme evolução no que diz
respeito às garantias dos direitos naturais dos homens.
Composto de um preambulo direcionado aos ideais libertários da época e de dezessete
artigos que fazem referencia a liberdade e igualdade de tratamento entre todos os homens, a
declaração dos direitos do homem e do cidadão é o documento embrionário para o nascimento
do que hoje conhecemos como princípios do direito penal. Assim são detalhadas na redação
de seu preambulo as preocupações da época:
Os representantes do povo francês, constituídos em ASSEMBLEIA NACIONAL,
considerando que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do
homem são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos Governos,
resolveram expor em declaração solene os Direitos naturais, inalienáveis e sagrados
do Homem, a fim de que esta declaração, constantemente presente em todos os
membros do corpo social, lhes lembre sem cessar os seus direitos e os seus deveres;
a fim de que os atos do Poder legislativo e do Poder executivo, a instituição política
seja por isso mais respeitado; a fim de que as reclamações dos cidadãos, doravante
fundadas em princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da
Constituição e à felicidade geral.
Além disso, a Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão defende em seu texto
uma maior participação do povo na fiscalização do agente publico, bem como nas elaborações
e aplicações das leis.
Além disso, a Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão defende em seu texto
uma maior participação do povo na fiscalização do agente publico, bem como nas elaborações
e aplicações das leis.
Como a França passou décadas e mais décadas sendo governadas por familiares
monarcas absolutistas é de tamanha compreensão que o país desenvolvesse uma espécie de
constituição entre os homens.
Assim sendo, a Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão foi uma espécie de
carta de alforria para os cidadãos franceses preocupados em estabelecer a igualdade dos
homens perante a lei como forma de equilíbrio social, uma vez que o monarca sozinho num
regime totalitário e completamente tirano decidia por força de suas razões a vida dos mais
abastados socialmente e, assim, quase que em todas as decisões prolatava uma sentença
injusta usando de seu pensamento comum e único para aplicação da lei.
Inicialmente, fora por esse motivo que a população francesa resguardou em separar os
poderes dentro do país, evitando assim, que as entidades se beneficiassem entre si no que diz
respeito as suas vantagens pessoais, a exemplo da igreja católica, que não era tão rigorosa no
momento de exercer sua jurisdição espiritual sobre um membro da nobreza ou do próprio
clero. Ainda, além destas, muitas outras são as garantias e direitos afiançados pelo texto da
declaração, vejamos:
Por consequência, a ASSEMBLEIA NACIONAL reconhece e declara, na presença e
sob os auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos do Homem e do Cidadão:
Artigo 1º- Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais
só podem fundar-se na utilidade comum. Artigo 2º- O fim de toda a associação
política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses
Direitos são a liberdade. A propriedade, a segurança e a resistência à opressão.
Artigo 3º- O princípio de toda a soberania reside essencialmente em a Nação.
Nenhuma corporação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que aquela não
emane expressamente. Artigo 4º- A liberdade consiste em poder fazer tudo àquilo
que não prejudique outrem: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem
não tem por limites senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o
gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela Lei.
Artigo 5º- A Lei não proíbe senão as ações prejudiciais à sociedade. Tudo aquilo que
não pode ser impedido e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não
ordene. Artigo 6º- A Lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o
direito de concorrer, pessoalmente ou através dos seus representantes, para a sua
formação. Ela deve ser a mesma para todos, quer se destine a proteger quer a punir.
Todos os cidadãos são iguais a seus olhos, são igualmente admissíveis a todas as
dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade, e sem outra
distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos. Artigo 7º- Ninguém
pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela Lei e de
acordo com as formas por esta s prescritas. Os que solicitam, expedem, executam ou
mandam executar ordens arbitrárias devem ser castigados; mas qualquer cidadão
convocado ou detido em virtude da Lei deve obedecer imediatamente, senão torna-
se culpado de resistência. Artigo 8º- A Lei apenas deve estabelecer penas estrita e
evidentemente necessárias, e ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei
estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada. Artigo 9º- Todo o
acusado se presume inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indispensável
prendê-lo, todo o rigor não necessário à guarda da sua pessoa, deverá ser
severamente reprimido pela Lei. Artigo 10º- Ninguém pode ser inquietado pelas
suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, contando que a manifestação delas não
perturbe a ordem pública estabelecida pela Lei. Artigo 11º- A livre comunicação dos
pensamentos e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do Homem; todo o
cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia,
pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na Lei. Artigo 12º- A garantia dos
direitos do Homem e do Cidadão carece de uma força pública; esta força é, pois,
instituída para vantagem de todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é
confiada. Artigo 13º- Para a manutenção da força pública e para as despesas de
administração é indispensável uma contribuição comum, que deve ser repartida entre
os cidadãos de acordo com as suas possibilidades. Artigo 14º- Todos os cidadãos
têm o direito de verificar, por si ou pelos seus representantes, a necessidade da
contribuição pública, de consenti-la livremente, de observar o seu emprego e de lhe
fixar a repartição, a coleta, a cobrança e a duração. Artigo 15º- A sociedade tem o
direito de pedir contas a todo o agente público pela sua administração.
Artigo 16º- Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos,
nem estabelecida à separação dos poderes não tem Constituição.
Artigo 17º- Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela
pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o
exigir evidentemente e sob a condição de justa e prévia indenização.
Muitos dos princípios e das garantias achados no direito penal e processual penal
foram retirados em analise a Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão, como por
exemplo, a anterioridade da lei penal, a presunção de inocência, o direito de afiliações a
associações politicas, entre outros.
A declaração dos direitos do homem tem absoluta influencia no pensamento iluminista
da época, pois esta foi categórica para o desenvolvimento de uma linha de pensamento mais
humana e sensata no que tange a elaboração das leis e sua aplicação.
O período humanitário nasce dessa doutrina de cunho iluminista, ou seja, a
reformulação das leis no sentido de que o crime é um problema social jurídico e que em
muitas das situações seria mais fácil e econômico o prevenir do que o punir.
Um dos estudiosos mais memoráveis e importantes do período humanitário é, sem
duvida, Cesare Bonesana conhecido como Marquês de Beccaria. Cesar foi autor de uma das
obras mais relevantes do mundo jurídico, principalmente no século XVIII, também conhecido
como ―Século Das Luzes‖ fazendo referencia ao iluminismo, ou ainda ―Século da Filosofia‖
como alusão aos grandes pensadores da filosofia.
Cesare Beccaria tinha grande parte de seu pensamento imbuído pela doutrina de
Rousseau e Montesquieu – o primeiro conhecido por seu discurso de contrato social,
liberdade individual e que o homem nasce bom, porém se corrompe pelos demais e, o
segundo famoso por sua teoria da separação dos poderes, intensa até os dias de hoje.
O Marquês de Beccaria publicou em Milão a obra ―Dos delitos e das penas‖ onde trata
da necessidade de reforma das leis penais vigorantes.
O livro de Beccaria nada mais é do que uma oposição ao sistema penal daquela época,
isto é, penas que constituíam uma crueldade maior do que o próprio mal consolidado.
A obra em suma se contrapõe aos métodos usados na época, mas, além disso, discute
vários aspectos da sociedade e do mundo jurídico, como por exemplo, a origem da pena e o
direito de punir, a interpretação das leis, a obscuridade das leis por aquele que a lê, a prisão, o
espirito familiar, a questão da tortura, a duração do processo, o banimento daqueles que
perturbam a tranquilidade dos demais, as penas de confiscos, a pena de morte, entre demais
outros assuntos.
O professor Cleber Masson nos resume um dos primeiros pensamentos da obra de
Cesare, as saber:
Baseia seu pensamento no contrato social de Rousseau, de forma que o criminoso
passa a ser reputado como violador do pacto social, sendo então considerado
adversário da sociedade. A pena perdia seu caráter religioso, predominando a razão
sobre questões espirituais. Surge a questão do livre-arbítrio, ou seja, o homem
pratica um crime consciente de sua conduta antissocial. Como consequência do
controle do indivíduo sobre os seus atos, decorre que a pena deve ser sempre
legalmente prevista, para que todos saibam diferenciar o vedado do permitido e
escolher o caminho a trilhar, devendo ainda a sanção penal guardar
proporcionalidade com o crime praticado, na medida exata da retribuição necessária
(MASSON, 2015, p. 125).
Para Cesare não seria a tortura da pena um inibidor de transgressão, pelo motivo de
que a tortura resultante da pena não só não amedronta aquele que está convicto a transgredir
as normas, e muito menos repara os resultados causados, uma vez que o delito já foi praticado
e não pode ser mais impedido, ainda, por tal motivo a pena deve ser ajustada ao delito.
Novamente, Cleber elucida o pensamento de Beccaria ao comentar:
No pensamento de Beccaria, a pena deve ser proporcional, uma vez que os gritos de
horror como consequências das torturas não retiram a realidade da ação já praticada,
revelando a inutilidade dos tormentos. Dessa forma, à medida da crueldade dos
tormentos, enrijece-se a alma pelo espetáculo da barbárie, e, quanto maiores os
castigos mais o indivíduo se dispõem a praticar novos crimes para subtrair-se da
pena que por primeiro mereceu. Para ele, a pena deveria ser imposta somente para
que o condenado não voltasse a cometer crimes, servindo de exemplo à sociedade
(MASSON, 2015, p. 125).
Além disso, baseado no pensamento de Beccaria, ao que diz respeito à obscuridade
das leis, prevenção dos delitos, assim como a sabedoria do legislador enquanto criador da lei,
Cleber Masson ressalta:
Destarte, conclui que outros meios, mais eficazes, existem para prevenir os crimes.
Inicialmente, as leis devem ser certas, claras e precisas, uma vez que a incerteza das
normas faz crescer a inatividade e a estupidez. Com efeito, o legislador sábio busca
impedir o mal antes de repará-lo com a elaboração de leis, já que um cidadão de
alma sensível constata que, protegido por boas leis, de simples compreensão, perde a
iníqua liberdade de praticar o mal, e os crimes são prevenidos compensando-se a
virtude. Se não bastasse, uma autoridade severa produz obediência hipócrita e
passageira, e apenas com o aperfeiçoamento da educação estar-se-iam criando
homens menos propensos ao cometimento do mal. Somente poderia o magistrado
aplicar penas previstas em lei. É o princípio da legalidade. Finalmente, para que
cada pena não seja uma violência de um ou de muitos contra um cidadão privado,
deve ser essencialmente pública, rápida, necessária, a mínima possível nas
circunstâncias dadas, proporcional aos delitos e ditadas pelas leis (MASSON, 2015,
p. 125).
O procurador de justiça e mestre em ciências penais pela UFMG Rogério Greco
reserva um capitulo de sua respeitável obra - ―Sistema Prisional – colapso atual e soluções
alternativas‖- em referência a Beccaria e, sobre seu pensamento, afirma:
A sociedade do século XVIII vivia numa situação de terror e desigualdades. O
processo penal era inquisitivo, realizado secretamente, sem que o acusado tivesse
conhecimento das provas que contra estavam sendo produzidas. A tortura era um
meio oficial utilizado pelo Estado para obter a confissão daquele a quem se escolheu
para ocupar o lugar de culpado. A confissão era compreendida como a rainha das
provas. O réu na verdade, era quase que obrigado a confessar, a fim de expiar sua
culpa. Os juízes, principalmente na França, eram peças frágeis a serviço de um
governo despótico. Sempre parciais, julgavam com desigualdade os processos que
envolviam ricos e pobres. As penas eram indeterminadas, ou seja, ficavam ao
alvedrio do julgador aplicá-las de acordo com a sua conveniência. As leis existentes
eram confusas, de redação rebuscada, que impediam a sua compreensão. Era
permitido o uso da analogia para que pudesse condenar alguém. Enfim, o caos
reinou até que surgiram os pensadores iluministas, que se colocaram contra todo
esse sistema, e Beccaria se transformou em um dos principais mentores de uma
reforma que já se fazia tardia (GRECO, Sistema Prisional – colapso atual e soluções
alternativas, 2017, p. 108).
César defendia um sistema igualitário em que a pena servisse para aprendizado e
reflexão do contraventor e dos demais dentro da sociedade, não apenas uma pena desmedida
como modo de se vingar do mal cometido.
Dessa forma, era ciente que o transgressor iria receber uma punição, porém esta terá
que ser justa e capaz de diminuir a reincidência não só pelo infrator, mas para outros, assim,
Greco contribui para tal síntese quando, mais uma vez, elucida o pensamento de Beccaria:
O direito de castigar ainda continuava sendo necessário? Claro que sim, mas, a partir
daquele momento sem a desproporção, a crueldade e a desigualdade com que era
aplicado. A teoria do pacto social nos levava a acreditar que todos nós, integrantes
de uma determinada sociedade, havíamos acordado, tacitamente, com esse pacto,
que significava que abriríamos mão de uma parcela de nossos direitos, para que o
direito de todos pudesse prevalecer. Assim, embora tivéssemos, ainda, o nosso
direito de liberdade, esse mesmo direito cederia caso não cumpríssemos com as
cláusulas constantes do pacto, necessárias à manutenção da própria sociedade, onde
o infrator encontrava-se inserido. No entanto, esse pacto social deveria observar os
direitos inatos e inalienáveis de todo cidadão, concentrados, principalmente, em sua
dignidade como ser humano (GRECO, Sistema Prisional – colapso atual e soluções
alternativas, 2017, p. 108).
A obra de Beccaria não só foi o motivo pelo qual nasceram diversos princípios, mas
também o motivo pelo qual se passou a entender o Estado democrático de direito. Conforme
relembra Rogério:
Consequentemente no capítulo terceiro conclui Beccaria que somente a lei é que
poderia fixar penas com relação aos delitos praticados. Só ela, portanto, tinha a
possibilidade de fazer com que o homem perdesse uma parcela do seu direito à
liberdade. É o princípio da legalidade, portanto, o pilar fundamental que sustenta o
chamado Estado de Direito, onde todos serão tratados de maneira igual perante a lei,
onde ricos e pobres, cultos e analfabetos, independentemente de raça, cor, religião,
sexo serão tratados igualmente, de acordo com as suas desigualdades. Não basta, no
entanto, simplesmente a publicação de uma lei anterior ao fato para que reste
preservado o princípio da legalidade e, em consequência, resguardado o direito de
liberdade do cidadão. Beccaria percebeu que, ao seu tempo, embora algumas leis
fossem editadas, sua redação era incerta, obscura, imprecisa, ou seja, embora
existente uma lei, os cidadãos ficavam nas mãos dos seus intérpretes uma vez que
quase ninguém conseguia alcançar exatamente o seu conteúdo (GRECO, Sistema
Prisional – colapso atual e soluções alternativas, 2017, p. 110)
Beccaria certifica que só a norma poderá fixar as penas adequadas, assim, nenhuma
autoridade ao aplica-la faria qualquer interpretação pessoal, visto que, estaria em discussão a
liberdade do transgressor discutida por meio do contrato social, o qual assegura os direitos
naturais do homem.
Porém, uma vez transgressor da lei o individuo abriria mão deste direito, todavia,
pondo a salvo sua dignidade humana e a igualdade que cabe a todos sem distinção de cor ou
classe social.
E, além disso, preservar a igualdade na medida dos desiguais vale lembrar, que estes
estão em situações diferentes dos demais. Para mais, Beccaria enfatizava a impossibilidade de
o cidadão comum entender a legislação, assim, Greco procurou condensar, mais uma vez, o
pensamento do autor:
Apontava Beccaria, assim, a falácia de uma suposta legalidade formal. Não bastava,
dessa forma, que a lei fosse um diploma que tivesse sido editado pelo Poder
competente, vale dizer, pelo Poder Legislativo. Não bastava que o então projeto de
lei tivesse obedecido ao procedimento necessário para sua conversão em lei. Não
bastava, ainda, que a lei fosse publicada e estivesse em vigor com anterioridade ao
fato. Nada disso importaria se a redação da lei fosse obscura o suficiente para
impedir a leitura e a sua apreensão pelo mais humilde dos cidadãos (GRECO,
Sistema Prisional – colapso atual e soluções alternativas, 2017, p. 111).
Por fim, Beccaria, muito antes de algumas discussões doutrinárias do mundo jurídico,
já ressaltava a função social da pena, ao dizer que, esta deveria resultar em algo bom,
proveitoso e favorável, não apenas para o transgressor, mas também para a comunidade.
Greco, de acordo com Beccaria, finalmente conclui este ideal, ao professar que:
A pena deverá, ainda, ter um fim utilitário, isto é, deverá servir para impedir que o
delinquente venha praticar novos crimes, seja na forma de prevenção especial
negativa (segregação momentânea do convívio em sociedade), ou mesmo como uma
prevenção especial positiva (ressocialização), bem como, ainda, como espécie de
prevenção geral (também positiva e negativa), dissuadindo-se os demais membros
da sociedade de praticar infrações penais (GRECO, Sistema Prisional – colapso
atual e soluções alternativas, 2017, p. 112).
Dessa forma, o pensamento iluminista contribuiu em grande escala para o surgimento
de ideais mais humanitários. Ademais, o acontecimento da revolução em território francês e
as guerras que já tinham ocorrido naquela época, propenderam os pensadores a reivindicar os
modos subumanos nos quais as autoridades tratavam seus indivíduos. Não somente o campo
penal era tema do debate iluminista, mas o campo social e econômico também, pelo modo de
que a distribuição de renda era totalmente desigual na sociedade. Ainda, a obra de Beccaria, a
revolução francesa, o iluminismo e a declaração dos direitos do homem foram
importantíssimos para o estabelecimento de normas inerentes a dignidade da pessoa humana e
para o surgimento do garantismo penal.
Os iluministas abriram as portas do que hoje conhecemos por Direitos Humanos.
Afinal, cumpre salientar que o movimento reformador e iluminista da época deu vazão ao
debate sobre a função da pena e um olhar sobre o crime como fenômeno social.
II – ESCOLAS PENAIS
2.1 Escola Clássica.
A escola clássica buscou estabelecer os limites do poder punitivo do Estado em face
da liberdade individual tendo como base a linha do iluminismo. A escola clássica não poderia
se desvirtuar dos pensamentos iluministas da época, visto que, esta nasceu no ápice do século
das luzes. Cleber Masson aclara o que foi esta escola e os ideais que ela defendeu, assim:
A Escola Clássica nasceu entre o final do século XVIII e a metade do século XIX
como reação ao totalitarismo do Estado Absolutista, filiando-se ao movimento
revolucionário e libertário do Iluminismo. Vivia-se o ―século das luzes‖. Seus
fundamentos tiveram origem nos estudos de Beccaria e foram lapidados e
desenvolvidos, principalmente, pelos italianos Francesco Carrara, autor da obra
Programa del corso di diritto criminale, publicada em 1859; Carmignani, que
escreveu Elementa juris criminalis, publicado em 1847; e Rossi, que contribuiu com
o Trattato di diritto penale, de 1859. Outros famosos representantes da Escola
Clássica foram Mittermaier e Birkmeyer, na Alemanha, Ortolan e Tissot, na França,
e F. Pacheco e J. Montes, na Espanha (MASSON, Direito penal esquematizado -
Parte geral - Volume 01, 2015, p. 133).
Tal escola se insurge contra todas as torturas e anomalias impostas no antigo regime
absolutista e, assim, como os iluministas, defendem a proporcionalidade e razoabilidade da
pena. Portanto, segundo Masson ―Todos eles tinham em comum a utilização do método
racionalista e dedutivo (lógico) e eram, em regra, jusnaturalistas, ou seja, aceitavam que
normas absolutas e naturais prevalecessem sobre as normas do direito posto‖ (MASSON,
Direito penal esquematizado - Parte geral - Volume 01, 2015). Ademais, nos explica o
conceito de jusnaturalismo o Pós-Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa
Catarina Ricardo Castilho:
O jusnaturalismo apresenta-se como uma corrente de pensamento que se estendeu
por vários séculos, com diferentes orientações. Em todas as suas fases, contudo,
podem ser observadas duas grandes premissas: a primeira é a distinção entre direito
natural e direito positivo; a segunda, a ideia de que aquele é superior a este. Direito
natural seria o conjunto de regras universais, emanadas, como faz inferir o nome, da
própria natureza. Tal ordenamento consubstanciaria valores e princípios ínsitos à
razão humana e, portanto, de validade inconteste, acima de qualquer indagação. A
existência do direito natural relaciona-se intimamente, pois, com a noção de justiça.
Por sua vez, direito positivo seria o conjunto das normas jurídicas postas pelo
homem (CASTILHO, 2012, pp. 41-42).
Novamente, em sua obra, Masson faz uma analise dos principais fundamentos da
escola clássica, a saber:
Entendiam o crime como um conceito meramente jurídico, tendo como sustentáculo
o direito natural. Predominava a concepção do livre-arbítrio, isto é, o homem age
segundo a sua própria vontade, tem a liberdade de escolha independentemente de
motivos alheios (autodeterminação). Logo, por ser possuidor da faculdade de agir, o
homem é moralmente responsável pelos seus atos; e; por ser responsável, àquele que
infringiu a norma penal deve ser imposta uma pena, como forma de retribuição pelo
crime cometido. Se, ao contrário, o agente não estava em suas perfeitas condições
psíquicas (ausência da faculdade de agir, inimputabilidade), não pode ser punido
(MASSON, Direito penal esquematizado - Parte geral - Volume 01, 2015, p. 133).
A pena, por isto, era uma punição necessária para a reorganização da ordem, nesse
sentido esclarece o autor ―Foi sob a influência dos pensamentos de Kant e Hegel que a
concepção retribucionista do Direito Penal se desenvolveu. Ou seja, a única finalidade da
pena consistia na aplicação de um mal ao infrator da lei penal.‖ (MASSON, Direito penal
esquematizado - Parte geral - Volume 01, 2015, p. 134).
Na oportunidade, ressalta-se que a escola clássica não se fundamentava em estudos
científicos sobre o que induz o individuo a praticar ou não certos delitos, tão-somente, tomam
por base a vontade, isto é, uma vez que exista vontade não se cogita levar em consideração
demais sentimentos. Porém, esta escola volta-se mais ao individuo e menos ao corpo social.
O Defensor Público de São Paulo, Gustavo Junqueira, se posiciona a respeito da
escola clássica, a saber:
Com ampla inspiração no racionalismo iluminista, distingue dolo e culpa, baseia a
culpabilidade no livre arbítrio e tenta justificar a pena de maneira racional. Como
todo homem tem total controle de seus atos e perfeita compreensão do mundo que o
cerca, é absolutamente livre para escolher entre o caminho do justo ou do injusto, do
lícito ou do ilícito. Escolhendo o caminho do ilícito, deve ser punido por ter mal
utilizado sua liberdade, para que se estabeleça justiça, ou seja, para que haja
equilíbrio (identidade das noções de equilíbrio e justiça) entre o mal causado e o mal
da pena (JUNQUEIRA, 2012, p. 27).
2.2. Escola Positiva
A escola positiva ou positivista tem como seus influenciadores três grandes
pensadores da época, dentre estes, estão Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Rafael Garofalo.
Sustentada no principio de que o crime teria que ser analisado com base nos métodos
científicos, assim como as demais ciências, a escola positivista ostentava uma linha de
pensamento muito diferente da anterior escola mencionada. Assim a escola positivista busca
outro aspecto do estudo do crime.
A escola positivista tentava entender, acima de qualquer outra experiência, o que
levava o individuo a se tornar um criminoso, sobretudo, quais eram os fatores que o induziam
a agir de tal forma, com isso se quer dizer fatores biológicos, distintos em cada um dos seres
humanos ou ainda fatores sociais e antropológicos.
Vale ressaltar que cada pensador foi detentor de uma fase e, de um estilo de
pensamento carregado de características diversas no que tange a alguns temas, para melhor
explanação, cumpre entender o que preceitua Masson:
Cesare Lombroso, médico, representou a fase antropológica da Escola Positiva.
Autor das obras ―O cretinismo na Lombardia‖ (1859) e ―O homem delinquente‖
(1876), a ele se imputa o ensinamento de que o homem não é livre em sua vontade.
Ao contrário, sua conduta é determinada por forças inatas. Com ele se iniciou, de
forma científica, a aplicação do método experimental no estudo da criminalidade.
Também ofereceu à comunidade jurídica a teoria do criminoso nato, predeterminado
à prática de infrações penais por características antropológicas, nele presentes de
modo atávico. Em seguida, acrescentou ao atavismo, como causas do crime, também
a loucura moral e a epilepsia larvada e, finalmente, por influência de Ferri, alia às
causas antropológicas também os fatores físicos e sociais (MASSON, Direito penal
esquematizado - Parte geral - Volume 01, 2015).
Para Lombroso havia indivíduos que desde o nascimento já estavam determinados a
cometerem ilícitos. Ainda, no que concerne as doutrinas dos pensadores, Enrico Ferri e Rafael
Garofalo, ressalta Cléber Masson:
Enrico Ferri empunha a bandeira da fase sociológica no Positivismo Criminológico,
destacando-se suas obras ―Sociologia criminal‖ (1892) e ―Princípios de direito
criminal‖ (1926). Com seus estudos, contribuiu para a reafirmação e defesa da tese
negativa do livre-arbítrio (determinismo biológico-social), fundamentando a
responsabilidade penal na responsabilidade social. De suas posições surge a mais
nítida concepção da pena como mecanismo de defesa social. Assim leciona: Porque
a sociedade humana (nação) pode ser ameaçada e prejudicada no exterior e
internamente, o Estado tem duas funções supremas de defesa social, que são: a
defesa militar (contra as agressões externas) e a justiça penal (contra as agressões
internas, quando estas já se verificaram, e a polícia de segurança, antes que se
venham a cometer). Finalmente, Rafael Garofalo é o baluarte da fase jurídica da
Escola Positiva. Empregou e imortalizou a expressão ―Criminologia‖, título de sua
principal obra, publicada em 1885, conferindo aspectos estritamente jurídicos ao
movimento. Atribui-se a ele o conceito de delito natural, compreendido como ―ação
prejudicial e que fere ao mesmo tempo alguns desses sentimentos que se
convencionou chamar o senso moral de uma agregação humana‖ (MASSON, Direito
penal esquematizado - Parte geral - Volume 01, 2015).
Vale salientar os conceitos dados pelo doutor Gustavo Junqueira, os quais também
explicam perfeitamente a linha de raciocínio de cada pensador, a cerca de Lombroso:
O determinismo biológico de Lombroso: a partir da observação e levantamento de
dados acerca dos criminosos, o referido autor, médico por origem, elaborou teoria a
partir da qual seria possível determinar a tendência do sujeito à prática criminosa em
razão de determinadas características corporais, chegando a trazer detalhes da face
como indício da índole criminosa. Há que se entender tal tese como determinista,
uma vez que admite ser a característica biológica peculiar da pessoa o que a leva a
praticar crimes, ou seja, as pessoas não têm a mesma liberdade para escolher entre
praticar ou não a infração: algumas tendem ao crime, naturalmente, e outras não
(JUNQUEIRA, 2012).
Assim, Lombroso determinava que o suposto criminoso detivesse estigmas físicos
relacionados ao perfil delituoso. Seguidamente, Gustavo busca explanar o pensamento de
Erico Ferri, a saber:
O determinismo de Ferri: além dos fatores biológicos, o homem é fruto do meio, ou
seja, é determinado pelo ambiente em que vive a se portar de uma ou outra maneira,
inclusive a praticar crimes. A melhor maneira de evitar a prática de crimes é alterar
os ambientes, de forma a diminuir o incentivo à criminalidade, bem como afastar o
criminoso de seu meio anterior. Mais uma vez, o homem não tem liberdade de
escolher entre o caminho do crime ou do lícito, pois é determinado pelas
características biológicas e pelo meio a um ou outro comportamento (JUNQUEIRA,
2012).
Finalmente, Junqueira sintetiza o pensamento de Rafael Garofalo, assim:
O determinismo de Garofalo: traduz e combina as ideias dos anteriores para a
linguagem jurídica, tendo como principais traços a possibilidade de um conceito
natural de crime, a definição de periculosidade como o potencial para a futura
prática criminosa e a justificação da pena a partir da responsabilidade social do
sujeito. O que seria tal responsabilidade social? Afastada a responsabilidade moral
pelo mau uso da liberdade, visto que o homem da escola positiva não é livre (mas
sim determinado), deve ser responsabilizado o infrator simplesmente porque vive em
sociedade e deve arcar com os ónus para tanto (JUNQUEIRA, 2012)
A fase de Lombroso conceituou que algumas pessoas nasceram destinadas ao crime,
quanto em que para Ferri, além deste conceito, podiam-se considerar as condições sociais do
individuo, ou seja, as qualidades biológicas do individuo se reforçaria dependendo de sua
classe social.
Os pensamentos de todos os autores da escola positivista não só traçam as possíveis
causas da criminalidade, mas, também, desenham possíveis formas de se evitar o
cometimento dos delitos, assim, a criminologia assume o papel de defesa do corpo social
combatendo, ao mesmo tempo, a criminalidade.
Em suma, pode-se concluir que Ferri foi o mais notável dos três por ter criado a
nomenclatura ―Criminologia‖ e também por adicionar que não somente o aspecto biológico
tinha que ser considerado, mas também os sociais e antropológicos. De todas as escolas que
surgiram ao longo do período humanitário, somente a clássica e a positivista tiveram um lugar
de destaque maior. Isto porque, suas linhas de pensamentos foram mais determinadas e bem
explicadas do que as posteriores.
2.3. Escola Correcionalista
O Correcionalismo Penal, também chamado de Escola Correcionalista, teve inicio na
Alemanha, em 1839, com base na obra ―Comentatio na poena malum esse debeat‖, do
professor da Universidade de Heidelberg, Karl David August Röeder. Assim nos explica
Bitencourt:
A Escola correcionalista aparece na Alemanha, em 1839, com a dissertação de
Karl Roeder, Comentatio na poena malum esse debeat, tendo como fundamento o
sistema filosófico de Krause, pertencente ao movimento do idealismo romântico
alemão, durante a primeira metade do século XIX59. No entanto, na Espanha foi
onde encontrou os seus principais seguidores, que cultuaram o famoso
correcionalismo espanhol — de matiz eclético —, destacando-se, dentre eles,
Giner de los Ríos, Alfredo Calderón, Concepción Arenal, Rafael Salillas e Pedro
Dorado Montero, este último o mais destacado, com seu El Derecho Protector de
los Criminales. Dorado Montero, como ressalta Rivacoba y Rivacoba, não
pertenceu à Escola correcionalista, embora a tenha desenvolvido e aperfeiçoado na
Espanha (BITENCOURT, Tratado de Direito Penal - Parte Geral 1, 2015).
A ideia defendida por essa escola pode ser consideradas um tanto revolucionária, no que
concerne ao objetivo da pena frente ao infrator, quando se afirma que esta tem a finalidade de
corrigir a vontade do criminoso e, por isto, não deve ser estabelecida por um tempo
determinado, nem tão pouco fixada como única.
Na síntese de Rogério Greco:
Roeder defendia que a pena não podia ter um tempo determinado, já que servia para
corrigir aquele que praticou a infração penal, e devia durar o tempo que fosse
necessário para isso. Cessada a necessidade, consequentemente, deveria cessar
também o cumprimento da pena. Essa corrente não teve grandes acolhidas em seu
país de origem, a Alemanha, sendo, no entanto, mais bem difundida e aperfeiçoada
na Espanha, principalmente por intermédio de Pedro García Dorado Monteiro e
Concepción Arenal. (GRECO, Curso de Direito Penal- parte geral, 2017).
Vale ressaltar as palavras de Gustavo Junqueira ao citar o pensador Concepción:
Parte, assim como a escola positiva, da ideia de que o criminoso tem um problema
interno a ser resolvido, demandando assim pena indeterminada (Roeder). Mas, em
vez de observar a questão a partir do ângulo biológico ou sociológico, prefere o
âmbito da ética. Busca, assim, corrigir o criminoso do ponto de vista ético, fazendo
com que a pena seja um bem. Na lição de Concepción Arenal, a pena não será
jamais "neutra", mas sim um "bem" ou um "mal" para o criminoso, e é melhor (tanto
a partir de um prisma ético-humanista como utilitarista) que seja um bem, para que o
sujeito possa se readaptar à sociedade (JUNQUEIRA, 2012).
2.4. Escola Técnico-Jurídica
Essa escola cuida propriamente de conceituar a ciência penal como autônoma, ou seja,
não relacionada às demais outras ciências. As ideias da escola técnico-jurídica propõe
reorganizar o estudo da criminologia restringindo a ciência criminal ao direito positivo.
Ademais, o direito penal consistiria apenas naquilo que está expresso na lei e, com isso, o
magistrado deverá se basear, única e exclusivamente no que está positivado. Cleber Masson
elucida a doutrina adotada pelo italiano Arturo Rocco, quando demonstra:
O Tecnicismo Jurídico iniciou-se na Itália quando, em aula histórica sobre Il
problema e il método della scienza del diritto penalle, proferida na Universidade de
Sassari, em 15 de janeiro de 1910, Arturo Rocco delimitou o método de estudo do
Direito Penal como o positivo, restrito às leis vigentes, dele abstraindo o conteúdo
causal-explicativo inerente à antropologia, sociologia e filosofia. O mérito do
movimento, atualmente dominante na Itália e abraçado pela maioria das nações, foi
excluir do Direito Penal toda carga de investigação filosófica, limitando-o aos
ditames legais. Com efeito, o jurista deve valer-se da exegese para concentrar-se no
estudo do direito positivo. As preocupações causais explicativas pertencem a outros
campos, filosóficos, sociológicos e antropológicos, que se valem do método
experimental. Por sua vez, o Direito Penal tem conteúdo dogmático, razão pela qual
seu intérprete deve utilizar apenas o método técnico-jurídico, cujo objeto é o estudo
da norma jurídica em vigor. Em sua origem, o tecnicismo jurídico, liderado por
Arturo Rocco, Vincenzo Manzini, Massari e Delitala, entre outros, todos eles
inspirados nos estudos de dogmática jurídico-penal, elaborados por Karl Binding,
negava a abordagem do livre-arbítrio, bem como a existência do direito natural,
sustentando ser a sanção penal mero meio de defesa do Estado contra a
periculosidade do agente (MASSON, Direito penal esquematizado - Parte geral -
Volume 01, 2015, p. 137).
Sobre o pensamento de Rocco, cumpre advertir as transformações sofridas, assim
Cleber aduz:
Todavia, em uma segunda etapa, mais moderna, capitaneada por Maggiore,
Giuseppe Bettiol, Petrocelli e Giulio Battaglini, o tecnicismo jurídico acabou
acolhendo a existência do direito natural, admitindo o livre-arbítrio como
fundamento do direito punitivo, voltando a pena a assumir sua índole retributiva. No
estudo do Direito Penal, há três ordens de pesquisa e investigação. A primeira delas
é a exegese, na opinião de Rocco utilizada sempre de forma restrita e limitada ao
aspecto gramatical, ao passo que se deveriam buscar o alcance e a vontade da lei. A
segunda é a dogmática, que, responsável pela exposição dos princípios fundamentais
do direito positivo, oferece critérios para a integração e criação do Direito pela
sistematização dos princípios. Constitui-se na conjunção sistemática das normas
jurídicas postas em relações recíprocas, abstraindo conceitos até o mais geral,
retornando, em seguida, ao particular. Por último, a terceira ordem de pesquisa e
investigação apontada é a crítica, que estuda o Direito como ele deveria ser
buscando a sua construção e apresentando propostas de reforma. Atua em dois
âmbitos, quais sejam, direito penal positivo vigente e política criminal, com os
contornos da filosofia do Direito. Para Arturo Rocco, o tecnicismo jurídico seria o
equilíbrio resultante do embate entre a lenta evolução da Escola Clássica e a violenta
reação da Escola Positiva. O tecnicismo jurídico representou um movimento de
restauração metodológica sobre o estudo do Direito Penal. Dessa forma, não
constituiu uma nova Escola Penal, haja vista que não se preocupou com as questões
inerentes à etiologia do delito, à natureza da criminalidade e ao fundamento da
responsabilidade penal, nem com o conceito acerca da pessoa do delinquente
(MASSON, Direito penal esquematizado - Parte geral - Volume 01, 2015).
2.5. Escola de Defesa Social
Para melhor elucidação sobre o pensamento de defesa social, cumpre frisar, como
partida a explicação de Cezar Roberto Bitencourt ―A primeira teoria de defesa social aparece
somente no final do século XIX com a revolução positivista, embora se possa encontrar
antecedentes remotos do movimento defensivista na filosofia grega e no próprio Direito
Canônico medieval‖ (BITENCOURT, Tratado de Direito Penal - Parte Geral 1, 2015, p. 113).
E, também, notabilizar seu importante resumo no que se reporta a esta linha de pensamento:
Em 1945, Fílippo Gramatica funda, na Itália, o Centro Internacional de Estudos de
Defesa Social, objetivando renovar os meios de combate à criminalidade. Para
Gramatica, o Direito Penal deve ser substituído por um direito de defesa social, com
o objetivo de adaptar ―o indivíduo à ordem social‖. No entanto, a primeira
sistematização da Defesa Social foi elaborada por Adolphe Prins. Marc Ancel
publica, em 1954, A nova defesa social, que se constituiu em um verdadeiro marco
ideológico, que o próprio Marc Ancel definiu como ―uma doutrina humanista de
proteção social contra o crime‖. Esse movimento político-criminal pregava uma
nova postura em relação ao homem delinquente, embasada nos seguintes princípios:
a) filosofia humanista, que prega a reação social objetivando a proteção do ser
humano e a garantia dos direitos do cidadão; b) análise crítica do sistema existente e,
se necessário, sua contestação; c) valorização das ciências humanas, que são
chamadas a contribuir, interdisciplinarmente, no estudo e combate do problema
criminal (BITENCOURT, Tratado de Direito Penal - Parte Geral 1, 2015).
Para Fílippo, a defesa social tinha como finalidade aprimorar o mecanismo de defesa
do Estado, dessa forma, o Estado não precisaria castigar o delinquente, uma vez que sua
função fundamental era aperfeiçoar o individuo. Por fim, o ensejo do crime se fundamentava
na organização da sociedade, destarte, para Gramatica, as prisões eram desnecessárias,
devendo ser abolidas, e, com isso, a pena deveria ser concluída com respaldo na personalidade
do individuo e não no resultado do dano.
2.6. Conceito de Pena
No desenvolvimento da humanidade, bem como, nas relações do homem, as
divergências sempre aconteceram, os desentendimentos e as diferenças sempre fizeram parte
da relação humana. Assim pode-se entender que a transgressão do ser humano advém de
alguns conflitos de interesses entre um grupo ou um ser individual, e, por este motivo nasce o
castigo de uns para com outros.
Inicialmente, antes de se fazer qualquer menção sobre qual intenção tem a pena sobre
o individuo infrator, é saudável que se reconsidere alguns julgamentos sobre a punição dentro
do no direito penal.
Dessa forma, se sobressai à linha de raciocínio que prescreve Ney Moura Teles ao nos
ensina que ―A pena surge como necessária reação de defesa dos interesses dos indivíduos e,
mais tarde, também, do grupo, do clã, da tribo, que precisavam ser protegidos de ataques‖
(Teles, 2006).
Assim, cabe ressaltar o conceito de Rogério Greco ao propor ―A pena é a
consequência natural imposta pelo Estado quando alguém pratica uma infração penal. Quando
o agente comete um fato típico, ilícito e culpável, abre-se a possibilidade para o Estado de
fazer valer seu ius puniendi‖. (GRECO, Curso de Direito Penal - Parte Geral, 2015).
Em comparação tem-se o conceito do professor de direito penal da Universidade
Federal do Paraná e, Advogado com especialidade em Processo Penal, René Ariel Dotti
quando esclarece ―A pena criminal é a sanção imposta pelo Estado através de previsão legal
especifica e consistente na perda ou restrição de bens jurídicos do responsável pela infração,
em retribuição à sua conduta e para prevenir novos ilícitos‖ (DOTTI R. A., Curso de Direito
Penal, 2013). Ao mesmo tempo, merece destaque as palavras de Guilherme Souza Nucci, no
que se refere ao um conceito amplo de pena:
É a sanção imposta pelo Estado, por meio de ação penal, ao criminoso como
retribuição ao delito perpetrado e prevenção a novos crimes. O caráter preventivo da
pena desdobra-se em dois aspectos (geral e especial), que se subdividem (positivo e
negativo): a) geral negativo: significando o poder intimidativo que ela representa a
toda a sociedade, destinatária da norma penal; b) geral positivo: demonstrando e
reafirmando a existência e eficiência do direito penal; c) especial negativo:
significando a intimidação ao autor do delito para que não torne a agir do mesmo
modo, recolhendo-o ao cárcere, quando necessário; d) especial positivo: que é a
proposta de ressocialização do condenado, para que volte ao convívio social, quando
finalizada a pena ou quando, por benefícios, a liberdade seja antecipada. Conforme o
atual sistema normativo brasileiro, a pena não deixa de possuir todas as
características expostas em sentido amplo (castigo + intimidação e reafirmação do
direito penal + ressocialização): o art. 59 do Código Penal menciona que o juiz deve
fixar a pena de modo a ser necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do
crime (NUCCI, 2018).
Por ultimo, se destaca o conceito dado pelo Promotor de Justiça no Estado de São
Paulo e Professor de Penal da Escola Superior do Ministério Público, Rogério Sanches Cunha
quando destaca:
Pena é espécie sanção penal, isto é, resposta estatal ao infrator da norma
incriminadora (crime ou contravenção), consistente na privação ou restrição de
determinados bens jurídicos do agente. Sua imposição depende do devido processo
legal, através do qual se constata a autoria e materialidade de um comportamento
típico, antijurídico e culpável não atingido por causa extintiva da punibilidade. É
sabido (e comprovado) que a convivência harmônica dos integrantes de uma
sociedade depende do poder punitivo estatal. Trata-se, portanto, de uma forma de
controle social irrenunciável (CUNHA, 2016).
2.6.1 Teorias sobre a finalidade da pena.
No que dizer respeito ao conceito da pena, as opiniões não divergem muito, sempre se
confere a punição um caráter repressor resulto sobre aquele que praticou certo delito. A
princípio, constantemente se atribui a pena a um caráter merecedor e necessário – a primeira
característica com relação ao infrator e a segunda com analogia a sociedade.
Entretanto, no campo das teorias acerca finalidade da pena, de maneira categórica,
dois grandes grupos se destacam.
A pena não pode meramente ser aplicada num caráter de insurreição contra o crime, ou
seja, pura e simplesmente para castigar o delinquente, isto já se fazia na época das vinganças,
as quais tinham caráter desumano e bárbaro.
E, ainda, a pena, não pode ostentar apenas o perfil do ius puniendi do Estado, quer
dizer, ser aplicada somente por estar positivada na lei.
O caráter da pena pressupõe muito mais do legislador do que o casuístico sentimento
de temor, mais que isso, a pena serve para dar uma resposta pra sociedade e, ao mesmo
tempo, para prevenir futuros delitos e, em outra ocasião proporcionar a ressocialização do
criminoso.
Sobre o aspecto da pena temos a opinião de Nestor Sampaio, em conjunto com Paulo
Argarate e Ugo Osvaldo, a qual compete demonstrar o que chamam de Penologia:
O Estado existe para propiciar o bem comum da coletividade administrada, o qual
não pode ser alcançado sem a manutenção dos direitos mínimos dos integrantes da
sociedade, e, por conseguinte, quando se entrechocam direitos fundamentais para o
indivíduo e para o próprio Poder Público e as outras sanções (civis, administrativas
etc.) são ineficazes ou imperfeitas, advém para este o jus puniendi, com a
reprimenda penal, que é a sanção mais grave que existe, na medida em que pode
cercear a liberdade daquele e, em casos extremos, privá-lo até da vida (Filho,
Vasques, & Frugoli, 2014).
Com base na lição dos pensadores acima, apenas o Estado tem a prerrogativa de
cercear a liberdade do infrator e sobre este aspecto deve mostrar que não age de maneira
desmedida quando aplica a pena ao crime.
Logo, o poder estatal, deve ratificar a sociedade, sob a luz do ordenamento jurídico,
que não age arbitrariamente e que os direitos de todos, sempre serão resguardados quando
aplicado o direito de punir.
Deste modo, o Estado carrega a incumbência de responder a sociedade sobre a
transgressão da norma e, igualmente, se preocupar com a segurança da coletividade. Ainda,
também o cabe assegurar os direitos mínimos da população e, sobre o mesmo modo, garantir
os direitos fundamentais do apenado, ao vigiar para que este não transgrida novamente.
Enfim, a lei devera ser aplicada com atenção para que nenhuma tirania aconteça, pois
a liberdade é um direito inerente do homem, se não o mais precioso.
No mesmo sentido, Rogério Sanches Cunha (2015) apud Gomes e Molina (2007), com
relação à justificação da pena ensina-nos que:
1. Do ponto de vista político-estatal a pena se justifica porque sem ela o
ordenamento jurídico deixaria de ser um ordenamento coativo capaz de reagir com
eficácia diante das infrações. 2. Desde a perspectiva psicossocial a pena é
indispensável porque satisfaz o anseio de justiça da comunidade. Se o Estado
renunciasse à pena, obrigando o prejudicado e a comunidade a aceitar as condutas
criminosas passivamente, dar-se-ia inevitavelmente um retorno à pena privada e à
autodefesa (vingança privada), próprias de etapas históricas já superadas. 3. No que
se relaciona com o aspecto ético-individual, a pena se justifica porque permite ao
próprio delinquente, como um ser 'moral', liberar-se (eventualmente) de algum
sentimento de culpa.
Em suma, as teorias acerca da finalidade da pena se resumem em três, pela síntese
feita por Nestor, Paulo e Ugo, sabemos que:
O estudo da pena constata a existência de três grandes correntes sobre o tema:
teorias absolutas; relativas e mistas. As teorias absolutas (Kant, Hegel) entendem
que a pena é um imperativo de justiça, negando se fins utilitários, punindo-se porque
se cometeu o delito (punitur quia peccatum est). As teorias relativas ensejam um fim
utilitário para a punição, sustentando-se que o crime não é causa da pena, mas
ocasião para que seja aplicada, baseando-se na necessidade social (punitur ne
peccetur). Seus fins são duplos: prevenção geral (intimidação de todos) e prevenção
particular (impedir o réu de praticar novos crimes, intimidar e corrigir o réu). E, por
fim, as teorias mistas conjugam as duas primeiras, sustentando o caráter retributivo
da pena, mas acrescentam a este os fins de reeducação do criminoso e intimidação.
Penologia é a disciplina integrante da Criminologia que cuida do conhecimento geral
das penas (sanções) e dos castigos impostos pelo Estado aos violadores da lei (Filho,
Vasques, & Frugoli, 2014).
2.6.2. Teorias absolutas ou retributiva.
A teoria absoluta ou retributiva da pena considera esta como uma consequência natural
ao delito cometido, isto quer dizer, que a pena se esgota numa ideia de retribuição, de
recompensa ou para alguns, a pena consiste numa ideia de pagamento pelo ato causado. Trata-
se meramente do mal com caráter de resposta sobre o primeiro mal causado pelo delinquente.
Neste sentido, a pena serve como um mal que o delinquente tem que sofrer para, em
outras palavras, sentir na pele as consequências causadas por seu ato. Nas brilhantes palavras
de Cléber Masson, visualizamos que:
De acordo com esta teoria, a pena desponta como a retribuição estatal justa ao mal
injusto provocado pelo condenado, consistente na prática de um crime ou de uma
contravenção penal (punitur quia peccatum est). Não tem finalidade prática, pois não
se preocupa com a readaptação social do infrator da lei penal. Pune-se simplesmente
como retribuição à prática do ilícito penal. A pena atua como instrumento de
vingança do Estado contra o criminoso, com a finalidade única de castigá-lo, fator
esse que proporciona a justificação moral do condenado e o restabelecimento da
ordem jurídica. A teoria absoluta e a finalidade retributiva da pena ganharam
destaque com os estudos de Georg Wilhelm Friedrich Hegel e de Emmanuel Kant,
que exemplificava: O que se deve acrescer é que se a sociedade civil chega a
dissolver-se por consentimento de todos os seus membros, como se, por exemplo,
um povo que habitasse uma ilha se decidisse a abandoná-la e se dispersar, o último
assassino preso deveria ser morto antes da dissolução a fim de que cada um sofresse
a pena de seu crime e para que o crime de homicídio não recaísse sobre o povo que
descuidasse da imposição dessa punição; porque então poderia ser considerada como
cúmplice de tal violação pública da Justiça (MASSON, Direito penal esquematizado
- Parte geral - Volume 01, 2015, p. 618).
Com base nisso, professa Sanches ―Para os absolutistas, a imposição da pena é uma
decorrência lógica da delinquência, visando apenas a retribuir o mal causado‖ (CUNHA,
2016).
2.6.3. Teorias relativas com finalidades preventivas.
A teoria relativa se mostra contra as ideias impostas pela teoria absoluta e, desse
modo, apregoa que a punição suportada pelo infrator serve como prevenção para outros
possíveis crimes. Ademais, a teoria relativa busca impossibilitar, mediante a pena, a
reincidência do criminoso, ou seja, que o criminoso volte a cometer nova infração e, por força
disso, realizar sua reabilitação social. Portanto, a teoria divide-se em dois tipos de prevenção –
a prevenção geral como forma de imposição da lei e, a prevenção especial dirigida à pessoa
do criminoso. Por este ângulo, cabe analisar a síntese realizada na obra de Rogério Sanches,
quando o mesmo atribui o titulo utilitário para a teoria, a saber:
Já para os utilitaristas, a pena atua como um instrumento de prevenção, um meio
para alcançar determinadas finalidades. De acordo com a prevenção geral negativa, a
pena deve coagir psicologicamente a coletividade, intimidando-a. Na perspectiva da
prevenção geral positiva, o objetivo da pena é demonstrar a vigência da lei
(existência, validade e eficiência). A intenção, aqui, não é intimidar, mas estimular a
confiança da coletividade na higidez e poder do Estado de execução do ordenamento
jurídico. Já na ótica da prevenção especial, a pena é direcionada à pessoa do
condenado. Sob o enfoque da prevenção especial negativa, a pena deve servir para
inibir a reincidência, não se confundindo com a prevenção especial positiva, onde a
preocupação é a ressocialização do delinquente. Somente a recuperação do
condenado faz da pena um instituto legítimo. Ademais, a própria sociedade se
beneficia desta espécie de prevenção, já que, ao retornar para o convívio, o
indivíduo estará mais bem preparado para respeitar as regras impostas pelo Direito
(CUNHA, 2016).
2.6.4 Teoria adotada pelo Brasil e classificação das penas.
O código penal não traz com precisão qual teoria adota acerca da pena no Brasil,
entretanto, acredita-se ter a pena caráter múltiplo, ao que explica Sanches:
Quando o legislador cria o crime, cominando-lhe a sanção penal ({pena em
abstrato}, revela-se o seu caráter preventivo geral). Ao estabelecer os parâmetros
mínimo e máximo da pena, afirma-se a validade da norma desafiada pela prática
criminosa ({prevenção geral positiva} buscando inibir o cidadão de delinquir
(prevenção geral negativa)). Praticado o crime, no momento da sentença (aplicação
da pena), o Magistrado deve observar outras duas finalidades: a retributiva e a
preventiva especial (CUNHA, 2016).
Com relação às outras duas finalidades – retributiva e preventiva especial- Sanches
adiciona, em sua linha raciocino, as palavras de Paulo Queiroz, e dessas podemos concluir
que:
Como bem alerta Paulo Queiroz, nesta fase [sentença] não se tem a pretensão de
fazer da decisão um exemplo para outros possíveis infratores, em nome da
prevenção geral de futuros delitos (positiva ou negativa), sob pena de violação do
princípio da proporcionalidade. Recorrer à prevenção geral na fase de
individualização da pena seria tomar o sentenciado como puro instrumento a serviço
de outros (SANCHES, 2015 apud QUEIROZ, 2008).
E, por ultimo, Rogério acaba por concluir que a execução penal, com seu caráter
ressocializador, confirma o uso das múltiplas teorias acerca dos fins da pena:
Por fim, na etapa da execução penal concretiza-se a retribuição e prevenção especial
(disposições da sentença), ganhando relevo a prevenção especial positiva
(ressocialização). O caráter reeducativo (ou educativo) assume importância máxima.
A própria Lei de Execução Penal, no seu artigo 1 °, dispõe: "A execução penal tem
por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar
condições para a harmônica integração social do condenado e do internado‖
(CUNHA, 2016).
Sobre o mesmo aspecto René Ariel Dotti desfruta do pensamento de Mirabete ao
expor:
A pena deve prevenir e reprimir as condutas ilícitas e culpáveis. Essa dupla
finalidade é expressamente consagrada pelo CP ao dispor que a pena concreta, a
substituição por outra espécie, se cabível, e o regime inicial de execução, serão
fixados com base nas diretivas do art. 59, ―conforme seja necessário e suficiente
reprovação e prevenção do crime‖. Por outro lado, o art. 1º da LEP dispõe que a
execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão
criminal e ―proporcionar condições para a harmônica integração social do
condenado e do internado‖. A exposição de Motivos ao aludido diploma declara
que, ―sem questionar profundamente a grande temática das finalidades da pena,
curva-se o Projeto na esteira das concepções menos sujeitas à polemica doutrinária,
ao princípio de que as penas e as medidas de segurança devem realizar a proteção
dos bens jurídicos e a reincorporação do autor à comunidade‖. Conforme o correto
entendimento de Mirabete, a tendência moderna é a de que a execução da pena deve
ser programada de modo a corresponder à ideia de humanizar, além de punir
(DOTTI, 2013 apud MIRABETE, 2004).
Ainda, sobre as classificações da pena não são muito divergente as opiniões, desta
forma, destaca-se a classificação dada por Cléber Masson:
A pena pode ser dividida em cinco espécies: a) Pena privativa de liberdade: retira do
condenado o seu direito de locomoção, em razão da prisão por tempo determinado.
Não se admite a privação perpétua da liberdade (CF, art. 5.º, XLVII, ―b‖), mas,
somente a de natureza temporária, pelo período máximo de 30 (trinta) anos para
crimes (CP, art. 75) ou de 5 (cinco) anos para contravenções penais (LCP, art. 10).
b) Pena restritiva de direitos: limita um ou mais direitos do condenado, em
substituição à pena privativa de liberdade. Está prevista no art. 43 do Código Penal e
por alguns dispositivos da legislação extravagante. c) Pena de multa: incide sobre o
patrimônio do condenado. d) Pena restritiva da liberdade: restringe o direito de
locomoção do condenado, sem privá-lo da liberdade, isto é, sem submetê-lo à prisão.
É o caso da pena de banimento, consistente na expulsão de brasileiro do território
nacional, vedada pelo art. 5.º, XLVII, ―d‖, da Constituição Federal. É possível a
instituição, por lei, de pena restritiva da liberdade, em face de autorização
constitucional (art. 5.º, XLVI, ―a‖). Exemplo: proibir o condenado por crime sexual
de aproximar-se da residência da vítima. A deportação, a expulsão e a extradição de
estrangeiros são admissíveis, uma vez que têm natureza administrativa, e não penal,
e encontram-se previstas no art. 57 e seguintes da Lei 6.815/1980 – Estatuto do
Estrangeiro. e) Pena corporal: viola a integridade física do condenado, tal como
ocorre nas penas de açoite, de mutilações e de marcas de ferro quente. Essas penas
são vedadas pelo art. 5.º, XLVII, ―e‖, da Constituição Federal, em face da crueldade
de que se revestem. Admite-se, excepcionalmente, a pena de morte, em caso de
guerra declarada contra agressão estrangeira (CF, art. 5.º, XLVII, ―a‖), nas hipóteses
previstas no Decreto-lei 1.001/1969 – Código Penal Militar (MASSON, Direito
penal esquematizado - Parte geral - Volume 01, 2015, p. 626).
Essencialmente, as escolas penais serviram para a melhor compreensão do Direito
Penal, bem como sobre a verdadeira função da pena. Os temas que antes eram aflitivos para
as escolas penais encontram-se superados. Por fim, para o código penal, a pena goza de
múltiplas funções, ao ser: retributiva; preventiva e reeducativa, haja vista a redação do artigo
art. 59 do CP, que professa ―O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta
social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime,
bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente
para reprovação e prevenção do crime‖.
BREVE HISTÓRIA SOBRE OS SISTEMAS PENITENCIÁRIOS
3.1. A importância de John Howard.
O processo para que o sistema penitenciário chegasse ao que se conhece foi bastante
longo e ao avaliar a história do sistema carcerário pode-se chegar à conclusão que este foi um
avanço dentro da sociedade. Para este avanço muitas pessoas foram fundamentais e,
inquestionavelmente John Howard foi um dos pioneiros. Rogério Greco resume sua brilhante
carreira com relação a sua experiência nas penitenciárias, a saber:
Em 1773, aos 45 anos de idade, Howard foi nomeado sheriff do condado de
Bedford, fazendo, assim, com que, agora, viesse a se familiarizar com as misérias
das prisões de sua época, os lugares fétidos onde serem humanos eram jogados
como se fossem animais, pois uma das suas principais funções era visitar os
estabelecimentos carcerários. Essas visitas periódicas permitiram-lhe um contato
direto e intenso com os presos e fizeram com que o humanista inglês ficasse ainda
mais sensibilizado com os problemas que presenciava diariamente tornando-se,
assim, um incansável crítico e defensor da melhora do sistema. As enfermidades
eram uma constante, já que os presos não recebiam tratamento adequado,
permitindo, dessa forma, que doenças se alastrassem facilmente nos cárceres. A
promiscuidade também era um mal que deveria ser combatido. No entanto, como os
encarregados de cuidar dos presos e de vigia-los não recebiam qualquer
remuneração dos cofres públicos, a situação ficava ainda pior - as cobranças recaiam
diretamente sobre os próprios presos, via de regra, miseráveis, pertencentes às
classes menos favorecidas, que não tinham como pagar e, assim, permaneciam
presos indefinidamente, até que acertassem suas contas com aquele que detinha as
chaves da sua cela. Essa imposição de pagamento feita ao preso pelo carcereiro fazia
com que muitas injustiças fossem praticadas. Por isso, Howard propôs que os
carcereiros fossem pagos pelo próprio Estado, ou seja, pela própria administração
pública da prisão, e não pelos presos. Howard foi um obstinado pelo problema
carcerário. Além de conhecer e trabalhar para a melhoria das prisões da Inglaterra e
em Gales, também empreendeu viagens para outros países, a exemplo de Portugal,
Espanha, França, Alemanha, Holanda, Finlândia, Irlanda, Suíça, Dinamarca, Áustria,
Prússia, Rússia, Itália, Turquia, dentre outros, procurando conhecer e comparar os
sistemas prisionais. Realizou algumas grandes viagens que lhe renderam anotações
importantes. Fazia comparações entre os sistemas carcerários dos vários países,
registrando o que de mal havia em entre eles, bem como o que se podia aproveitar
para a construção de um sistema que atendesse não somente aos interesses da
sociedade, que se via livre, mesmo que temporariamente, daquele que havia
praticado uma infração penal, como também para o acusado ou condenado, que
deveria permanecer preso durante certo período. Sua vida foi dedicada à
modificação de um sistema que começava a ser implementado, com a privação
temporária ou perpétua da liberdade dos presos. Esse sistema, no entanto, era muito
cruel e severo. Não se podia esquecer de que se estava diante de seres humanos que
erraram, sim, mas que ainda continuavam a gozar do status de seres humanos. Não
tinham perdido essa condição, mas tão somente o direito de liberdade. Depois de
avaliar e criticar inúmeras prisões, Howard, em seu livro intitulado The state of the
prisons in England and Wales, fixou as b ases para um cumprimento de pena que
não agredisse os demais direitos do homem, a saber: 1) higiene e alimentação; 2)
disciplina distinta para presos provisórios e os condenados; 3) educação moral e
religiosa; 4) trabalho; 5) sistema celular mais brando.
Howard identificou inúmeros problemas que, se melhorados, proporcionariam uma
condição de vida mais digna aos presos que cumpriam suas penas naqueles
estabelecimentos. (Greco, 2017, p. 63).
John apontou inúmeros erros dentro dos sistemas penitenciários de alguns países que
até mesmo eram considerados de primeiro mundo, no que pertence a economia e
desenvolvimento. Entretanto, quando se avalia os erros apontados por Howard é fácil
identificá-los nos dias atuais. Os problemas de higiene e alimentação, bem como os de
disciplina e trabalho, podem ser encontrados facilmente nas cadeias publicas do Brasil.
Dessa forma, é notório que muitas características dos sistemas penitenciários antigos
não mudaram, uma vez que os problemas identificados por John a mais de um século
persistem até hoje. Rogério conclui explicando a influencia do pensamento de John:
Infelizmente, depois de mais de duzentos anos, as condições carcerárias ainda
permanecem as mesmas. Howard faleceu e m 20 de janeiro d e 1790, após ter
contraído, no meio em que tanto lutou para ser melhorado, vale dizer, em algum
estabelecimento carcerário de Kerson, na Crimea, a chamada "febre carcerária" (tifus
exan temático). Sua luta, porém, não foi em vão. Fez despertar um sentimento de
solidariedade, de humanidade, até então deixados de lado. Inúmeros
estabelecimentos carcerários, principalmente os da Europa, acabaram adotando e
aplicando as orientações desse grande humanista. No mundo de hoje, diversas
organizações não governamentais (ONGs) defendem os posicionamentos de
Howard, pugnando por melhorias das condições carcerárias, chegando, e m alguns
casos, mesmo a lutar pelo fechamento de estabelecimentos prisionais. Suas lições
são utilizadas para a construção de penitenciárias mais humanas, que visem à
recuperação do condenado ou que, pelo menos, não o façam sair de lá pior do que
quando entrou. Os problemas detectados por Howard ainda persistem. Suas lições e
experiências devem nortear a sociedade, que vive na chamada pós-modernidade
(Greco, 2017).
3.2. Jeremy Bentham e sua atuação.
Por força dos princípios iluministas traçados no fim do século XVIII, a prisão,
literalmente, ganhou o conceito de pena, isso quer dizer, que ela não mais se tratava de uma
medida assecuratória para a execução de outra punição, ao contrário, ela era a própria pena.
Todavia, as condições precárias das penitenciárias continuavam da mesma forma e, o
chamado ―século das luzes‖ não conseguiu dissipar totalmente as trevas do cárcere. Jeremy
Bentham era um filósofo e jurista inglês criador do utilitarismo como filosofia moral, sobre
essa teoria Greco nos explica:
O utilitarismo de Bentham tinha como ponto de partida a crítica que fazia ao direito
natural, que pressupunha a existência de um contrato social imaginário, que a todos
vinculava. Para Bentham, o cidadão deveria obedecer ao Estado não pelo fato de que
estaria a ele vinculado por um suposto contrato social, mas, sim, porque a
obediência contribuiria para a felicidade geral, ao contrário da desobediência, que a
todos prejudicava. A felicidade geral, entendida como o interesse da comunidade,
era fruto de um cálculo de natureza hedonista, ou seja, o resultado da soma do bem
comum e das dores dos indivíduos. Dessa forma, substituiu a teoria do direito
natural pela teoria da utilidade. Mediante um estudo empírico, dizia, é que se podia
provar se um comportamento ou uma instituição podia ou não ser considerada útil.
De certa forma, opôs-se também aos revolucionários franceses, quando eles se
fundamentavam no direito natural a fim de afirmar os direitos universais do homem.
Para Bentham, o indivíduo somente possuía direitos à medida que conduzisse seus
comportamentos para o bem da sociedade. Assim, criticava a proclamação dos
direitos expressos pelos revolucionários franceses, uma vez que os entendia como
demasiadamente individualistas. O fundamental, para ele, era a reconciliação entre o
indivíduo e a sociedade, ainda que fosse necessário o sacrifício de supostos direitos
humanos. A teoria utilitarista seria de extrema importância para sua luta reformista.
Como um humanista, Bentham propunha a reforma do sistema prisional por um
modelo que garantisse a dignidade da pessoa humana. Passou a dedicar-se a
encontrar esse modelo, o que ocorreu com a criação do chamado panóptico. O
prefixo pan, de origem grega, tem o significado de totalidade; óptico, palavra
também originária do grego refere-se à visão. Assim, Bentham projeta,
arquitetonicamente, o chamado panóptico, ou seja, um edifício destinado ao
cumprimento de penas privativas de liberdade, construído de modo que toda a sua
parte interior pudesse ser vista de um único ponto (Greco, 2017).
Para a melhoria do cárcere, como estilo de vida dos presos, Jeremy Bentham dedicou
bastante tempo para a concretização de um modelo carcerário ideal. Tudo que diz respeito ao
Panóptico como estrutura carcerária essencial para o cumprimento das penas fora
cuidadosamente idealizado por Jeremy, que criou um modo de prisão circular, a qual uma
única pessoa poderia ver todos os locais onde os presos estivessem, ou seja, tornara mais
seguro o local, a saber:
No que diz respeito à utilização do panóptico como prisão, do ponto central, ou seja,
internamente, da torre, podia-se visualizar todas as celas. Os dois princípios
fundamentais da arquitetura do panóptico são a posição central da vigilância e sua
invisibilidade. Cada andar podia ser tranquilamente, vigiado por apenas um
funcionário. Esse funcionário era considerado um ―olho que não podia ser visto‖, ou
seja, somente ele tinha acesso às celas, não tendo os presos condições de vê-lo.
Bentham dedicou vinte anos de sua vida à realização do projeto panóptico. Todos os
detalhes, desde a construção do prédio até as vestimentas dos presos foram
minuciosamente pensados por ele. Nada lhe passou despercebido. Tudo foi
projetado, sopesado, avaliado. Até mesmo a evacuação dos excrementos dos presos
foi objeto de longa exposição de seu trabalho (Greco, 2017).
Enfim, o pensamento e projeto de Jeremy serviram para mostrar que ainda há pessoas
preocupadas, mesmo que em épocas distintas, em revolucionar o sistema penitenciário e seus
problemas. O desenho desenvolvimento por ele ainda serviu como base em algumas
penitenciárias e, atualmente, como modelo de algumas nos Estados Unidos da América.
O Professor Leonel Aguiar, coordenador do curso de Comunicação da PUC-Rio
demonstra sua forte influencia:
Como o próprio nome diz, panóptico nos remete à ideia de visão total, sendo que ―pan‖
significa tudo e ―óptico‖- visão. Um dos grandes estudiosos do panóptico foi o filósofo
francês Michel Foucault, com obras importantes nessa área, incluindo o livro ―Vigiar e
punir: o nascimento da prisão‖, de 1976. Nele, Foucault estuda as instituições disciplinares
da sociedade moderna, que tem como modelo de panoptismo o conceito de prisão criado no
século 18 pelo também filósofo inglês Jeremy Bentham. Ele pensou em uma arquitetura de
prisão na qual as celas formam um anel em torno de uma grande torre. Nela fica um guarda
que não pode ser visto pelos presos, que são vigiados o tempo todo. As celas são vazadas, ou
seja, somente com paredes laterais, de modo que os encarcerados não conseguem fugir da
vigilância permanente do guarda na torre central. Mesmo que uma ou outra prisão dos EUA
siga esse conceito, esse modelo nunca chegou a ser plenamente implantado (Aguiar, 2012).
O modelo de Jeremy foi tão expansivo que o professor Leonel Aguiar acaba por explicar que
em alguns locais é possível observar seus traços doutrinários, a exemplo, da escola. O professor da
Pontifícia Universidade Católica expõe:
No modelo de escola que temos hoje, o professor fica na frente da sala de aula, em um
patamar mais elevando, permitindo a ele ter uma visão de cima da classe. Esse é um modelo
clássico do panoptismo. Outro exemplo nas escolas é a própria arquitetura dos banheiros
coletivos, cujas portas das cabines privativas não vão até o chão e nem são tão altas, fazendo
com que os pés fiquem aparecendo. A própria ideia do jornalismo investigativo, que apura
todas as áreas obscuras de um governo, informando a sociedade, por exemplo, é uma ideia
iluminista de controle dos mecanismos de poder (Greco, 2017).
3.3. Sistema pensilvânico.
Graças ao mérito dos princípios humanitários e pelos ensinamentos iluministas da
época foram surgindo alguns sistemas penitenciários norte- americanos. O surgimento de
determinadas prisões pertence ao final do século XIII e durante o século subsequente. Cezar
Roberto Bitencourt preleciona sobre este inicio:
Os primeiros sistemas penitenciários surgiram nos Estados Unidos, embora não se
possa afirmar como faz Norval Morris, ―que a prisão constitui um invento norte-
americano‖. Esses sistemas penitenciários tiveram, Além dos antecedentes
inspirados em concepções mais ou menos religiosas, já referidas, um antecedente
importantíssimo nos estabelecimentos de Amsterdam, nos Bridwells ingleses, e em
outras experiências similares realizadas na Alemanha e na Suíça. Estes
estabelecimentos não são apenas um antecedente importante dos primeiros sistemas
penitenciários, como também marcam o nascimento da pena privativa de liberdade,
superando a utilização da prisão como simples meio de custódia (Bintecourt, 2012).
O sistema penitenciário pensilvânico ou da Filadélfia, que outrora fora chamado de
celular, caracterizava-se por seu caráter isolado e repressivo. Isto porque, quanto aos presos, o
sistema apregoava que somente o isolamento total e, a leitura fugaz das sagradas escrituras
proporcionaria ao recluso um provável arrependimento. Sobre o sistema penitenciário
pensilvânico instrui Moura Teles:
Esse sistema surge em 1775, na cidade da Filadélfia, nos Estados Unidos da
América, e consistia no isolamento completo do condenado, durante o dia e durante
a noite. Por isso era chamado de solitary system. Para sua execução, criou-se a
célula individual, da qual o condenado não saía, com o objetivo de que pela solidão
pudesse meditar e alcançar o arrependimento, por meio, da leitura unicamente da
Bíblia e de outros livros religiosos. Eram proibidas quaisquer visitas e qualquer
contato do condenado com quem quer que seja inclusive outros presos, até mesmo
por correspondência, só podendo avistar-se com o religioso (Teles, 2006).
Nota-se que mesmo após as atrocidades cometidas no século anterior as primeiras
prisões adotavam um aspecto despótico e desumano. Notoriamente se parte do principio que a
situação não passou por uma transformação considerável, visto que, muitas particularidades
ainda permaneciam, todavia, já se tratava de um progresso.
O sistema pensilvânico era muito falho e pouco útil, com isso não pode prolongar-se.
A respeito do sistema da Filadélfia Rogério Greco chega à conclusão que ―Esse sistema
recebeu inúmeras críticas, uma vez que, além de extremamente severo, impossibilitava a
readaptação social do condenado, em face do seu completo isolamento‖ (Greco, 2015).
Nessa mesma toada, Moura Teles também comenta ao dizer ―Esse sistema, apesar de
ter sido adotado em varias partes do mundo, é de todo evidente, não podia tornar-se modelo,
dada sua rigidez e, como não poderia deixar de ser, por não ter apresentado os frutos
desejados por seus idealizadores: a redenção do delinquente‖ (Teles, 2006).
3.4. Sistema Auburniano.
Com a considerável decadência do sistema pensilvânico outra ideia tem grande
relevância na história dos sistemas penitenciários. O tão famigerado sistema auburniano -
chamado também de sistema de Auburn, surgiu no Estado de New York na cidade de Auburn
no inicio do século XIX.
Oportuno lembrar a explicação dada por Cezar Roberto Bitencourt:
E, diante dos resultados insatisfatórios, em 1809 foi proposta a construção de outra
prisão no interior do Estado para absorver o número crescente de delinquentes. A
autorização definitiva, porém, para a construção da prisão de Auburn só ocorreu em
1816. Uma parte do edifício destinou-se ao regime de isolamento. De acordo com
uma ordem em 1821, os prisioneiros de Auburn foram divididos em três categorias:
1ª) a primeira era composta pelos mais velhos e persistentes delinquentes, aos quais
se destinou um isolamento contínuo; 2ª) na segunda situavam-se os menos
incorrigíveis; somente eram destinados às celas de isolamento três dias na semana e
tinham permissão para trabalhar; 3ª) a terceira categoria era integrada pelos que
davam maiores esperanças de serem corrigidos. A estes somente era imposto o
isolamento noturno, permitindo-lhes trabalhar juntos durante o dia, ou sendo
destinados às celas individuais um dia na semana. As celas eram pequenas e escuras,
e não havia possibilidade de trabalhar nelas. Essa experiência de estrito
confinamento solitário resultou em grande fracasso: de oitenta prisioneiros em
isolamento total contínuo, com duas exceções, os demais resultaram mortos,
enlouqueceram ou alcançaram o perdão. Uma comissão legislativa investigou esse
problema em 1824, e recomendou o abandono do sistema de confinamento solitário.
A partir de então se estendeu a política de permitir o trabalho em comum dos
reclusos, sob absoluto silêncio e confinamento solitário durante a noite. Esses são os
elementos fundamentais que definem o sistema auburniano, cujas bases, segundo
Cuello Calón, foram estabelecidas no Hospício de San Miguel de Roma, na prisão
de Gante. (Bintecourt, 2012).
Assim, resta demonstrado que o sistema de Auburn era um pouco menos rigoroso que
o anterior, dado que, no sistema auburniano os presos tinham a permissão de trabalho, de
início, somente dentro das celas, num momento posterior, em grupos.
Neste ponto, impõe-se dizer que uma das características que permaneceu sobre
Auburn foi o chamado ―silêncio absoluto‖, Bitencourt nesse sentido explana que ―O sistema
de Auburn — silent system — adota, além do trabalho em comum, a regra do silêncio
absoluto. Os detentos não podiam falar entre si, somente com os guardas, com licença prévia
e em voz baixa‖ (BITENCOURT, 2012, p. 354).
O sistema pensilvânico separava os detentos para impedi-los a comunicação, já o
sistema auburniano, fazia distinção sobre os presos acolhidos separando-os entre os mais e
menos corrigíveis e, ainda, fracionando o período de isolamento total com base na
periculosidade dos presos. O sistema objetivava o ensino de um oficio pelo apenado lhe dando
a oportunidade de ressocialização através do trabalho. Ademais, Cezar Bitencourt atribui seu
pensamento sobre o trabalho, a saber:
Um dos pilares do silent system foi o trabalho. Nesse sentido pode-se afirmar que o
trabalho no projeto auburniano foge de certa forma, tanto a sua original dimensão
ideológica como pedagógica: ideologicamente como única atividade capaz de
satisfazer as necessidades do ―não proprietário‖, pedagogicamente como modelo
educativo que permitirá ao proletário incorporar-se à força de trabalho. No entanto,
esse propósito caiu por terra. Uma das causas desse fracasso foi à pressão das
associações sindicais que se opuseram ao desenvolvimento de um trabalho
penitenciário. A produção nas prisões representava menores custos ou podia
significar uma competição ao trabalho livre. Esse fator originou a oposição dos
sindicatos ao trabalho produtivo que pretendia impulsionar o silent system
(Bintecourt, 2012).
Contudo, ainda que o sistema auburniano fosse sido criado para superar as falhas do
primeiro, as crueldades permaneciam evidentes, isto porque o trabalho não era uma opção e
como a mão de obra dos presidiários não era remunerada, por força disso, nota-se um abuso
sobre as condições de trabalho dentro da penitenciária.
O trabalho prisional consistia numa força produtiva rentável ao país por ser mais
barata, e se o preso se recusasse a fazê-lo lhe eram aplicadas então as penas corporais,
entretanto, o ostracismo total, as proibições de comunicação, até mesmo entre eles, e a
obediência descomunal, fundamentada na aplicação de castigos cruéis, fizeram com que o
sistema auburniano resultasse em um sistema ineficaz.
Bitencourt finaliza seu pensamento ao externar sua opinião no que concerne aos
aspectos negativos do sistema, por saber:
Outro aspecto negativo do sistema auburniano — uma de suas características — foi
o rigoroso regime disciplinar aplicado. A importância dada à disciplina deve-se, em
parte, ao fato de que o silent system acolhe, em seus pontos, estilo de vida militar. A
razão é simples: a nova instituição necessita organizar e gerir uma vida coletiva
complexa. A influência da disciplina e da mentalidade militar tem sido uma
constante nas prisões, desde sua origem. Insiste-se na necessidade de as prisões não
adotarem uma mentalidade castrense, embora persista essa influência nos sistemas
penitenciários de muitos países, especialmente no Brasil. Tradicionalmente se
criticou no sistema auburniano, a aplicação de castigos cruéis e excessivos. Esses
castigos refletem a exacerbação do desejo de impor um controle estrito, uma
obediência irreflexiva. No entanto, considerava-se justificável esse castigo porque se
acreditava que propiciaria a recuperação do delinquente (Bintecourt, 2012).
Algumas diferenças notáveis se fazem necessárias sobre o sistema pensilvânico e o
auburniano, no que tange esta distinção, o Procurador Federal - Henrique Viana Bandeira
Moraes, explica:
A diferença mais nítida entre o sistema pensilvânico e o sistema auburniano, diz
respeito à segregação; naquele, a segregação era durante todo o dia; neste, era
possível o trabalho coletivo por algumas horas. Ambos, porém, pregavam a
necessidade de separação dos detentos, para impedir a comunicação e o isolamento
noturno acontecia em celas individuais. O sistema pensilvaniano era mais
dispendioso do que o auburniano. O trabalho em celas individuais era inadequado à
produção industrial, através de máquinas, que se tornava comum.
Consequentemente, o retorno econômico proveniente do trabalho prisional, através
do sistema pensilvaniano, era escasso. Quando o ―separate or solitary system‖ foi
desenvolvido, o objetivo da reclusão penitenciária era, preferencialmente, evitar a
contaminação moral entre presos e promover a reflexão e o arrependimento, ficando
em segundo plano obter rendimentos do trabalho prisional. Já o sistema auburniano,
embora mantivesse a preocupação com a emenda dos condenados e procurasse
evitar a contaminação moral através da imposição da disciplina do silêncio,
aparentemente colocava em primeiro lugar a necessidade de auferir ganhos com o
trabalho dos presos. De fato, pode-se afirmar que a preocupação em fazer a prisão
fornecer recursos para a sua própria manutenção parece ter sido o principal objetivo
das penitenciárias que seguiram o modelo de Auburn (Moraes, 2013).
Cumpre salientar o notável pensamento do professor de Direito Penal da Universidade
Federal do Paraná, Juarez Cirino dos Santos – ao resumir o sistema penitenciário auburniano.
O modelo auburniano de penitenciária, conhecido como o sistema penal americano,
introduz a exploração capitalista da força de trabalho encarcerada e organiza o
trabalho na prisão igual ao trabalho na fábrica: a) durante o dia, o trabalho coletivo
em máquinas na prisão, com a lei do silêncio para garantir a disciplina do trabalho
em comum; b) durante a noite, confinamento celular. A dependência do sistema
penitenciário em relação aos processos econômicos do mercado de trabalho social
determina novos parâmetros de execução penal, que orientam o modelo de Auburn
menos para a correção pessoal e mais para o trabalho produtivo. Dessa maneira, se a
manufatura determina o confinamento solitário do modelo de Filadélfia, a indústria
produz o trabalho comum do modelo de Auburn, com o silent system garantindo a
disciplina da fábrica dentro do cárcere e permitindo a introdução de máquinas para o
trabalho coletivo na prisão, abrindo novas possibilidades de exploração do trabalho
carcerário por empresários privados. Os principais sistemas de exploração do
trabalho carcerário inventados pelo conluio entre capital privado e repressão pública,
próprios do modelo de Auburn, são os seguintes: a) o contract - considerado o
sistema mais adequado – submete a força de trabalho carcerária a duas autoridades:
o capitalista organiza a produção, disciplina os processos de trabalho e vende a
mercadoria no mercado livre a preços altamente competitivos, pela desenfreada e
destruidora exploração da força de trabalho carcerária, remunerada em níveis
inferiores aos do mercado; o Estado concede a exploração da força de trabalho
carcerária e administra a instituição penitenciária, garantindo a segurança e
disciplina internas, em troca de lucro sem risco econômico. b) o leasing submete a
instituição penitenciária à autoridade exclusiva do capitalista, que dirige a prisão,
organiza a produção e garante a disciplina da força de trabalho durante tempo
determinado, mediante pagamento de um preço fixo ao Estado, livre de quaisquer
custos: os problemas são a redução do preso à condição de escravo, os brutais
castigos corporais por questões de disciplina ou de ritmo de trabalho e - last but not
least- os acordos tácitos entre empresários da indústria carcerária e Poder Judiciário
para transformar penas curtas em penas longas de prisão, permitindo exploração
mais lucrativa da força de trabalho encarcerada (Santos, 2014).
Enfim, de maneira nenhuma o sistema auburniano focou em ressocialização, longe
disso, apenas tinha como objetivo a ordem e o poder. O sistema visava à manutenção de
presos obedientes, a condição de uma máxima dominação sobre eles e, ainda, o abuso da mão
de obra exercida sobre o trabalho interno.
3.5. Sistema progressivo inglês.
Mesmo com a introdução do trabalho interno e a separação entre os presos mais e
menos perigosos, os sistemas prisionais de Auburn e da Filadélfia não foram adiante,
principalmente, por serem sistemas ditatoriais e nem um pouco estimulantes, no que diz
respeito à ideia de ressocialização dos apenados.
Ao lembrar que no passado as penas cruéis e os castigos corporais não traziam um
aspecto bom dentro da sociedade, não é surpresa o insucesso atingido por estes modelos.
Entretanto, a perturbadora situação dos encarcerados fez com que alguns homens
comuns mudassem a forma de ver o delinquente. Alguns desses visionários procuraram
propiciar aos internados uma forma mais humana e vantajosa no contexto da execução penal.
O Sistema progressivo, também conhecido como sistema inglês, pelo fato de ter
origem na Inglaterra em meados do século XIX, inovou, mesmo que pouco, o conceito de
sistema carcerário em relação à ressocialização do individuo e, não apenas, numa retribuição
do mal causado.
A criação do sistema progressivo envolve dois nomes, o capitão da Marinha Real
Escocesa, Alexander Maconochie e, o Coronel Manuel Montesinos de Molina. Para o
esclarecimento Bitencourt explica que:
Os autores, em geral, concordam que a obra desenvolvida pelo capitão Alexander
Maconochie, no ano de 1840, na Ilha Norfolk, na Austrália, governador da referida
ilha, modificaria a filosofia penitenciária. Muitos, no entanto, consideram que o
efetivo criador do sistema progressivo foi o Coronel Manuel Montesinos de Molina,
ao ser nomeado governador do presídio de Valência em 1834. Para essa ilha
australiana a Inglaterra enviava seus criminosos mais perversos, quer dizer, aqueles
que, depois de haver cumprido pena de transportation nas colônias penais
australianas, voltavam a delinquir. A severidade do regime a que eram submetidos
não era suficiente para impedir as fugas e os sangrentos motins que se sucediam.
Esse sistema foi denominado pelos ingleses sistema progressivo ou mark system (ou
sistema de vales). O sistema de Maconochie consistia em medir a duração da pena
por uma soma de trabalho e de boa conduta imposta ao condenado. Referida soma
era representada por certo número de marcas ou vales, de tal maneira que a
quantidade de vales que cada condenado necessitava obter antes de sua liberação
deveria ser proporcional à gravidade do delito. Diariamente, segundo a quantidade
de trabalho produzido, creditavam-se lhe uma ou várias marcas, deduzidos os
suplementos de alimentação ou de outros fatores que lhe eram feitos. Em caso de má
conduta impunha-s lhe uma multa. Somente o excedente dessas marcas, o
remanescente desses ―débitos-créditos‖ seria a pena a ser cumprida (Bintecourt,
2012).
Alexander Maconochie repensou o modo no qual os delinquentes cumpriam suas
penas e, dessa forma concluiu que os presidiários não avistavam nenhum tipo de estimulo na
maneira pela qual a pena se exteriorizava. Assim sendo, Maconochie não excluiu o trabalho
interno o qual garantia um oficio a todos, porém, criou um sistema de progressão ao idealizar
uma forma de ascensão do delinquente dentro do estabelecimento, fazendo com que o infrator
progredisse de categoria na medida e na proporção de seu empenho e comportamento. Cezar
Bitencourt ao explicar o sistema de Alexandre Maconochie, conclui:
O sistema progressivo, idealizado por Alexander Maconochie, dividia-se em três
períodos: 1)Isolamento celular diurno e noturno — chamado período de provas, que
tinha a finalidade de fazer o apenado refletir sobre seu delito. O condenado podia ser
submetido a trabalho duro e obrigatório, com regime de alimentação escassa. 2)
Trabalho em comum sob a regra do silêncio — durante esse período o apenado era
recolhido em um estabelecimento denominado public workhouse, sob o regime de
trabalho em comum, com a regra do silêncio absoluto, durante o dia, mantendo-se a
segregação noturna. Esse período é dividido em classes, no qual o condenado,
possuindo determinado número de marcas e depois de certo tempo, passa a integrar
a classe seguinte. Assim ocorria ―até que, finalmente, mercê da sua conduta e
trabalho, chega à primeira classe, onde obtinha o ticket of leave, que dava lugar ao
terceiro período, quer dizer, a liberdade condicional‖. ) Liberdade condicional —
neste período o condenado obtinha uma liberdade limitada, uma vez que a recebia
com restrições, às quais devia obedecer, e tinha vigência por um período
determinado. Passado esse período sem nada que determinasse sua revogação, o
condenado obtinha sua liberdade de forma definitiva (Bintecourt, 2012).
Este tipo de ideia, sobre o modelo do cárcere, restaurou a dignidade dos prisioneiros, o
que alcançou um sucesso notável da reabilitação prisional. Finalmente, mais tarde esta ideia
ganharia outra roupagem em um país diferente e, por outro visionário distinto.
3.6. Sistema progressivo irlandês.
O sistema progressivo irlandês trata-se de um desdobramento nítido do modelo
idealizado por Alexander Maconochie. Porém, se pode considerar que o sistema irlandês é um
aperfeiçoamento do inglês, haja vista algumas modificações. Bitencourt relata as suas
características ao dizer que:
Walter Crofton, diretor das prisões na Irlanda, tido por alguns como o verdadeiro
criador do sistema progressivo, fez a introdução desse sistema na Irlanda, com uma
modificação fundamental, dando origem ao que se denominou sistema irlandês.
Crofton foi, na realidade, um aperfeiçoador do sistema progressivo inglês de
Maconochie — introduzido primeiro na Austrália, depois na Inglaterra. Conhecendo
o sistema inglês, ao ser encarregado de inspecionar as prisões irlandesas, em 1854,
Crofton, querendo preparar o recluso para seu regresso à sociedade, introduziu ―uma
ideia original que foi o estabelecimento de ‗prisões intermediárias‘. Na realidade,
tratava-se de um período intermediário entre as prisões e a liberdade condicional,
considerada como um meio de prova da aptidão do apenado para a vida em
liberdade‖ (Bintecourt, 2012).
Ao contrario dos sistemas da Filadélfia e de Auburn que somente procurava disciplinar
os presos num regime castrense e inflexível, o sistema progressivo irlandês aumentou um
pouco mais as chances e as condições para a ressocialização do preso, a principio, dentro do
local do presídio e, posteriormente, incluso na sociedade.
Nota-se no sistema irlandês uma mudança de local no cumprimento da pena, na
medida em que o comportamento do apenado melhora paulatinamente - característica esta que
não era possível nos sistemas anteriores.
É compreensível que a mudança de local no cumprimento da pena atribui ao preso um
pensamento de liberdade conquistada, mesmo que aos poucos, pois assim o delinquente
entende que melhorando seu perfil conseguirá progredir e ser aceito novamente pela
comunidade.
O regime fora composto por quatro fases, e as algumas características dos sistemas
anteriores permaneciam, a exemplo, do silencio absoluto e do trabalho. Cezar Roberto
continua seu resumo sobre as fases do regime irlandês, ao dizer:
O regime irlandês ficou, assim, composto de quatro fases: 1ª) Reclusão celular
diurna e noturna — nos mesmos termos do sistema inglês, sem comunicações, com
alimentação reduzida e sem qualquer favor, era cumprida em prisões centrais ou
locais. 2ª) Reclusão celular noturna e trabalho diurno em comum — com a
obrigação de manter rigoroso silêncio, consagrado no sistema auburniano. Aqui
também não apresenta novidade ou diferença do sistema inglês. Nesta fase, como no
regime anterior, os apenados também se dividem em classes e obtêm a progressão
através das marcas ou acumulação de pontos. A passagem de uma classe para outra,
aqui como no sistema inglês, significava uma evolução do isolamento celular
absoluto para um estágio mais liberal, propiciando a aquisição gradual de privilégios
e recompensas materiais, maior confiança e liberdade. 3ª) Período intermediário —
assim denominado por Crofton, ocorria entre a prisão comum em local fechado e a
liberdade condicional. Esse período era executado em prisões especiais, onde o
preso trabalhava ao ar livre, no exterior do estabelecimento, em trabalhos
preferencialmente agrícolas. Nesse período — que foi a novidade criada por Crofton
— a disciplina era mais suave, e era cumprido ―em prisões sem muro nem ferrolhos,
mais parecidas com um asilo de beneficência do que com uma prisão‖. Muitas vezes
os apenados viviam em barracas desmontáveis, como trabalhadores livres
dedicando-se ao cultivo ou à indústria. 4ª) Liberdade condicional — com as mesmas
características do sistema inglês, o preso recebia uma liberdade com restrições, e
com o passar do tempo e o cumprimento das condições impostas, obtinha,
finalmente, a liberdade definitiva. (Bintecourt, 2012).
Por fim, vale destacar o pensamento de Ney Moura Teles ao resumir as qualidades do
regime irlandês, este professa em sua obra que:
Walter Crofton concebe um sistema de cumprimento da pena privativa de liberdade
baseado na progressão, conciliando regras dos sistemas anteriores com períodos de
abrandamento. No primeiro período, o condenado seria mantido completamente
isolado. Depois, seria mantido o isolamento noturno, com trabalho diurno e
manutenção do silencio. Em seguida, o condenado seria transferido para uma
penitenciário industrial ou agrícola onde trabalharia durante o dia, sem obrigação de
silêncio e, por último, ganharia o livramento condicional. O sistema constituiu
significativo avanço e foi adotado por todos os povos civilizados do mundo, com
adaptações e particularizações das mais diversas, todas elas no sentido do
abrandamento da execução penal (Teles, 2006).
3.7. Sistema de Elmira
O sistema de Elmira que na verdade se tratou de um reformatório de jovens
adolescentes, teve origem nos Estados Unidos. Por este motivo pode-se associar o
reformatório de Elmira a o que hoje se conhece por Fundação Casa, antiga FEBEM. Trata-se
de uma forma diferenciada e única de ressocialização e, portanto, não pode ser igualada a uma
penitenciária de fato. Como Elmira se tratava de um reformatório educativo, nele só eram
aceitos jovens entre 16 a 30 anos, porém, os relatos sobre este reformatórios são escassos,
momento em que se torna oportuno relatar as palavras de Rogério Greco quando professa sua
história e suas características, a saber:
O reformatório de Elmira surgiu no Estado de Nova York no ano de 1869, e teve por
base o sistema progressivo irlandês. Era uma instituição destinada a uma categoria
especial de delinquentes, vale dizer, aos primários, que contavam entre 16 e 30 anos
de idades. A sentença que os havia condenado fixava, de antemão, os tempos
mínimo e máximo de duração da internação, sendo, portanto, considerada como
relativamente indeterminada. Foi criado, assim, mediante uma avaliação do
condenado, um sistema unitário de pena e medida de segurança. Os prisioneiros
eram classificados conforme o sistema de Maconochie e Crofton, que tinha por
finalidade regular como os sentenciados poderiam se aproximar do livramento
condicional. O Sistema de Elmira, mesmo com suas regras próprias de admissão
também não conseguiu se livrar do problema da superlotação. O reformatório, que
possuía 500 celas, em 1892 contava com 1.296 sentenciados, sendo que, em 1899,
esse número já tinha subido para 1.500, ficando impossibilitada a idealizada
classificação dos prisioneiros, bem como não se conseguindo evitar a promiscuidade
que reinava no reformatório. Os jovens, em razão do sistema rigoroso a que eram
submetidos, em forma de disciplina militar, que impunha severos e pesados castigos
por descumprimentos das normas do reformatório, ficavam em constante estado de
depressão. No ano de 1915 começava o declínio do prestígio do reformatório de
Elmira, juntamente com todos os demais regimes de reformatórios existentes nos
Estados Unidos (Greco, Sistema Prisional - Colapso atual e soluções alternativas. ,
2017).
3.8. Sistema de montesinos.
Montesino pode ser perfeitamente entendido na precisa lição de Rogério Greco que
elucida ―No que diz respeito, ainda aos sistemas penitenciários, merece destaque o sistema de
Montesinos, que recebeu essa denominação por conta de seu mentor, o Coronel Manuel
Montesino y Molina, que dirigiu o Presídio de San Agustín, em Valência, Espanha, durante o
período de 1835 a 1854‖ (Greco, 2017). É bastante perspicaz o relato que Rogério Greco faz
sobre a história de Montesinos, pois, é a história de Manuel Montesino exemplar e
estimulante para todo aquele que reluta contra as atrocidades do sistema carcerário atual, ao
relatar sua biografia Greco inicia:
Ao assumir o seu posto de Comandante interino do Presídio de Valência,
Montesinos verificou que as prisões espanholas, mesmo depois de algumas melhoras
produzidas pelas reformas ocorridas a partir do final do século XVIII, ainda
pecavam pela precariedade, pela falta de higiene, pela forma equivocada e cruel com
que os presos eram tratados, enfim, pela ausência de características básicas que
fariam com que aquele lugar, destinado aos presos que foram privados do seu direito
de liberdade, fossem ao menos habitáveis (Greco, 2017).
Ainda, no decorrer de sua historia, por busca do sistema penitenciário ideal, Manuel
considerou uma porção relevante de princípios para a melhor execução da pena. Greco
intercala algumas especialidades do pensamento do Coronel, ao lecionar que:
Foram várias as alterações determinadas por Montesinos, destinadas à melhoria do
sistema de cumprimento de pena podendo-se destacar, dentre elas: a) A eliminação
dos castigos corporais e infamantes; b) a implementação do trabalho remunerado do
preso; c) a proibição do regime celular, o que impediu preso de socializar-se com os
demais, fazendo com que tivesse sérios problemas psicológicos, como decorrência
do seu isolamento; d) a possibilidade da concessão de saídas temporárias dos presos,
fato este ate então inusitado no sistema penitenciário ; e) a introdução no sistema,
como alerta Edmundo Oliveira, de: ―Uma espécie de liberdade condicional,
reduzindo um terço da condenação como recompensa à boa conduta do preso,
apoiado numa interpretação do art. 303 da Ordenação Geral dos Presídios do Reino,
de 1834, que lhe serviu de fundamento jurídico. Frequentemente se atribui a Manuel
Montesinos o pioneirismo pela criação do instituto da liberdade condicional‖; f) a
introjeção no preso da corresponsabilidade pela segurança do estabelecimento
prisional, tendo em vista que, internamente não se usavam cadeados. Como sempre
acontece quando algum plano é bem sucedido, começaram a surgir críticas e
reclamações daqueles que não entendiam a necessidade da ressocialização dos
presos, que se sentiam ameaçados com a produção carcerária e, por conta disso o
governo, como sempre acontece, cedeu à pressão, e retirou o apoio a iniciativa de
Montesinos, daí, então, reduzindo, gradativamente, a produção carcerária (Greco,
Sistema Prisional - Colapso atual e soluções alternativas. , 2017).
A ideia deixada por ele persiste até os dias de hoje, isto porque a empresa
ONDREPSB localizada em Curitiba, busca a ressocialização do preso por meio do trabalho
junto a Montesinos Sistemas de Administração Prisional, assim nomeada por força do legado
de Manuel Montesino. Ao realizar uma consulta ao site da empresa ONDREPSB constata-se
o principio ainda vivo de Montesino, ao ler:
Montesinos foi criada com a proposta de promover a recuperação de pessoas em
reclusão prisional. Todo o trabalho é realizado em sistema de cogestão com o poder
público, visando à real socialização do indivíduo por meio do trabalho, da educação
e de condições dignas de cumprimento da pena. O resultado é um alto índice de
reintegração à sociedade e à vida familiar, com baixa reincidência de criminalidade.
As técnicas operacionais e administrativas aplicadas na recuperação dos apenados
incluem assistência nas áreas jurídica, pedagógica, religiosa, médica, psicológica,
odontológica e farmacêutica, além de alimentação balanceada, lazer, trabalho
remunerado, limpeza e segurança. É assim que a Montesinos, empresa do Grupo
Ondrepsb, contribui para um mundo melhor. QUEM FOI MONTESINOS "Aqui
penetra el hombre, el delito queda a la puerta‖. Dono de ideias revolucionárias, o
Coronel Montesinos dirigiu o Presideo de San Agostín, em Valência (Espanha-
1835). A frase "Aqui penetra el hombre, el delito queda a la puerta‖ foi escrita na
entrada da prisão, deixando bem clara sua filosofia de tratamento penal humanitário:
a sentença condenatória é a verdadeira punição e, uma vez em execução, o delito
passa a fazer parte do passado, restando o homem a ser recuperado. Montesinos
eliminou os castigos corporais e também criou uma forma de trabalho remunerado
para os reclusos. Devido à eficiência do regime implantado, os fabricantes e artesãos
da época começaram a questionar a concorrência produtiva dos detentos. O governo,
preocupado em manter os interesses dominantes, retirou o apoio à iniciativa (Greco,
Sistema Prisional - Colapso atual e soluções alternativas. , 2017).
Cumpre ressaltar que as ideias de Montesino foram tão atuais e fundamentais para o
sistema penal carcerário, que mesmo depois de tanto tempo sua influencia e capacidade de
gestão, a esses homens apartados da sociedade, serve de base para a ideal concepção de
sistema ressocializador. Outro autor que remonta brilhantemente a história desse herói do
cárcere é Cezar Roberto Bitencourt ao relatar que:
Em 1835, o Coronel Manuel Montesinos e Molina foi nomeado ―governador‖ do
presídio de Valência. Possuía qualidades pessoais adequadas para alcançar uma
eficiente e humanitária direção de um centro penal. Entre suas qualidades mais
marcantes encontram-se sua poderosa força de vontade e sua capacidade para influi
eficazmente no espírito dos reclusos. Sua penetrante vontade e grandes dotes de
liderança lograram disciplinar os reclusos, não pela dureza do castigo, mas pelo
exercício de sua autoridade moral. Diminuiu o rigor dos castigos e preferiu orientar-
se pelos princípios de um poder disciplinar racional. Um dos aspectos mais
interessantes da obra prática de Montesinos refere-se à importância que deu às
relações com os reclusos, fundadas em sentimentos de confiança e estímulo,
procurando construir no recluso uma definida autoconsciência. A ação penitenciária
de Montesinos planta suas raízes em um genuíno sentimento em relação ―ao outro‖,
demonstrando uma atitude ―aberta‖ que permitisse estimular a reforma moral do
recluso. Possuía uma firme ―esperança‖ nas possibilidades de reorientar o próximo,
sem converter- se em uma prejudicial ingenuidade, encontrando o perfeito equilíbrio
entre o exercício da autoridade e a atitude pedagógica que permitia a correção do
recluso (Bintecourt, 2012).
Da passagem do século XVIII para o século XIX muitas foram às modificações
relacionadas aos sistemas penitenciários implantados na Europa e na América do Norte.
Contudo, não foi imediato o desaparecimento do aspecto desumano e arbitrário
existente a época de nossos antepassados - ao contrário - para se chegar num protótipo mais
efetivo e útil foi preciso varias transformações, a exemplo, de todos os sistemas relatados no
artigo. Aqueles que buscavam idealizar um modelo único e mais humano para a comunidade
carcerária não tiveram o suficiente respaldo do Estado e, também, da sociedade.
Não tão eficientes na forma de ressocialização, mas, sem duvida, tão importantes na
construção do modelo prisional que se conhece atualmente, os sistemas prisionais da
Filadélfia e de Auburn, bem como os demais relatados, foram se aprimorando e,
especialmente, o progressivo, fora eleito o mais aceitável na maioria dos países, inclusive no
Brasil.
A Lei de Execução Penal, por meio do sistema de progressão de regime adotado no
Brasil, foca na ressocialização do preso diminuindo sua reincidência e, propensão ao crime,
oferecendo ao apenado oportunidade de regressar na sociedade, portanto, se faz necessário
que a lei, junto ao sistema, caminhe em consonância.
IV – AS CAUSAS DA CRISE PENITENCIÁRIA
4.1. O Crime Organizado
O fenômeno do crime assusta e preocupa a sociedade e o Estado, entretanto, um crime
não pode ser comparado a outro, bem como a pessoa do delinquente. Isto porque há
diferenças entre o crime de forma individual e o crime de forma organizada. O crime
individual nada se assemelha com a infraestrutura e a logística existentes nas redomas do
crime organizado. Nas palavras de Eduardo Araújo da Silva, no que concernem as
características da criminalidade organizada, tem-se:
Um dos pontos mais característicos do fenômeno da criminalidade organizada é a
acumulação de poder econômico de seus integrantes, pois, como referido,
geralmente as organizações atuam no vácuo de alguma proibição estatal, o que lhes
possibilita auferir extraordinários lucros. Estima-se que o mercado envolvendo todas
as modalidades de criminalidade organizada seja responsável por mais de 1\4 (um
quarto) do dinheiro em circulação em todo mundo. Pesquisa realizada pelos jornais
The Los Angeles Times e O Estado de São Paulo revelou que as organizações
transnacionais movimentam anualmente cerca de US$ 850 bilhões, quantia
considerada superior ao PIB de uma das setes nações mais ricas do mundo. Segundo
a Organização das Nações Unidas, só a renda obtida com o tráfico ilícito de
substâncias entorpecentes – cerca de US$ 400 milhões – corresponde a 8% da renda
do comércio internacional. (SILVA, 2003).
No entanto, é sabido que dentro dos presídios brasileiros o Estado não atua mais como
poder único, ao contrário, na pratica as facções criminosas executam boa parte de seu poder
dentro das penitenciárias. As facções criminosas não somente estão associadas com o trafico
nacional e internacional de drogas, homicídios, roubos a bancos e a lavagem de dinheiro, mas
também estão ligadas as execuções dentro dos presídios e as rebeliões que ali se iniciam. O
site NEXO, com base nos relatos de pesquisas feitas por estudiosos, em uma matéria sobre o
assunto, fez as seguintes afirmações:
De acordo com pesquisadores, grupos criminosos como o PCC criam vínculos com
presidiários ao financiarem, entre outras coisas, o custo de sua estadia na cadeia e as
visitas de seus familiares. Eles também criam regras para administrar as tensões e
conflitos que caracterizam o do sistema prisional e são acentuadas pela superlotação.
Regulam, por exemplo, os assassinatos, impedindo que taxas de homicídio, de 167,5
mortes para cada 100 mil presos, sejam ainda maiores. Quem entra na cadeia precisa
se alinhar à ordem estabelecida por essas organizações para viabilizar sua estadia.
Aqueles que são presos por crimes que não necessariamente envolvem violência
física ou uso de armas - como furtos ou venda de pequenas quantidades de maconha
- acabam se conectando a estruturas criminosas ligadas ao tráfico internacional de
armas e drogas. (FÁBIO, 2016).
As facções também são responsáveis por boa parte da violência dentro dos presídios.
A metodologia das facções criminosas segue uma estrutura hierárquica imposta por seus
lideres e, com isso, impera a autoridade da lei da organização criminosa e não do Poder
Público. A violência na prisão está vinculada muita das vezes a desobediência de uma norma
imposta pela própria organização, ou ainda, por alguma desavença entres os seus membros e a
rivalidade de alguns grupos contrários. O periódico EL PAÍS relatou um dos momentos mais
violentos no que diz respeito à guerra violenta entre as facções criminosas.
Até o momento, o capítulo mais violento do embate entre as facções ocorreu em 1º
de janeiro de 2017, quando integrantes da Família do Norte assassinaram 56
detentos ligados ao PCC dentro do Complexo Penitenciária Anísio Jobim (Compaj),
em Manaus. Foi o segundo maior massacre da história do sistema prisional
brasileiro – atrás apenas do Massacre do Carandiru –, e o primeiro voltado contra o
PCC, considerado o mais poderoso grupo criminoso do país, até então tido como
intocável dentro e fora dos presídios. De acordo com investigações, os criminosos da
FDN se insurgiram contra a tentativa do PCC de batizar mais membros no Estado
para tentar dominar a lucrativa rota de tráfico do rio Solimões. Dias depois de ser
aniquilado no Compaj, o PCC retaliou contra integrantes do Sindicato RN em Natal,
facção aliada à Família do Norte, e matou 26. Depois dessa onda de violência atrás
das grades ocorrida entre o final e 2016 e início de 2017, a escalada do conflito
diminuiu. Se a chacina no campo do Compensa foi um indicativo de que a situação
poderia se agravar este ano, um novo massacre atrás das grades deixa claro que a
guerra não acabou. Exatamente um ano após o massacre do Compaj, presos ligados
ao PCC que cumpriam pena no regime semiaberto do Complexo Prisional de
Aparecida de Goiânia, em Goiás, iniciaram um motim por volta das 14h de 1º de
janeiro deste ano. Eles abriram buracos nas paredes para chegar até as alas A, B e D,
que abrigam detentos rivais ligados ao Comando Vermelho, aliado da Família do
Norte. A ação deixou nove presos mortos. Dois foram degolados e estripados, e
outros tiveram seus corpos carbonizados. Além disso, 14 internos ficaram feridos e
106 fugiram da unidade (cerca de 70 já foram recapturados). As autoridades só
conseguiram retomar o controle do presídio por volta das 16h. De acordo com a
Superintendência Executiva de Administração Penitenciária de Goiás, três armas de
fogo foram encontradas enterradas no pátio da unidade após a rebelião, e tiros teriam
sido disparados pelos presos. O Secretário de Segurança Pública e Administração
Penitenciária de Goiás, Ricardo Balestreli, confirmou ao portal UOL que a rebelião
tem relação direta com a briga entre facções. "Esse fato está largamente comprovado
pelas investigações que estão sendo conduzidas e pela análise do nosso setor de
inteligência", afirmou. De acordo com ele, os líderes da matança já foram
identificados e serão transferidos. Em maio do ano passado, durante uma audiência
pública, Balestreli já havia afirmado que o PCC estava se fortalecendo no Estado:
―O PCC está crescendo aqui e entrando em confronto com grupos rivais. Isso
acontece a partir do sistema prisional‖ (ALESSI, 2018).
O crime organizado faz parte da estrutura dos presídios brasileiros, uma vez que o seu
surgimento está atrelado à precariedade do tratamento do Estado para com o preso. A
sistemática das facções criminosas faz com que estás se perdure no tempo, isto acontece por
força de seu grande poder econômico e graças à fidelidade de seus membros para com
organização criminosa. Em 2009 o Congresso Nacional por meio da Comissão Parlamentar de
Inquérito do Sistema Carcerário identificou que:
A partir de 1980 o crime organizado teve um grande crescimento, gerado pelo
tráfico de drogas e armas, negócio lucrativo que alavancou a ação de grupos de
criminosos que também diversificam os negócios, formando bandos especializados
em sequestros, roubo de carga, assaltos a bancos e empresas de valores, roubo de
veículos e lavagem de dinheiro. Com dinheiro de sobra, o crime organizado também
obtém vantagens e ―facilidades‖ de agentes públicos que, através de suborno,
colaboram com o crime (NACIONAL, 2009).
A Comissão Parlamentar de Inquérito também provou a existência de integrantes do
PCC nos presídios brasileiros, bem como seus poderes de decisões, assim:
Essas facções têm lideranças com um chefe central, que dá a última palavra nas
decisões. Abaixo deles há um grupo de detentos, chamados de ―subchefia‖, que
também têm poder de decisão, mas devem sempre ouvir a opinião da chefia geral.
Em São Paulo, o ―staff‖ da facção PCC, formado pelo chefe e subchefes, é chamado
pelos detentos de ―Família Real‖. As lideranças exercem domínio e fascínio sobre a
massa carcerária. Elas prometem ser a ―voz‖ dos detentos nas prisões e em muitos
casos fazem acordos com diretores de cadeias, que cedem a ―facilidades‖ em troca
de cadeias sem motins. Aos familiares dos detentos essas organizações oferecem
cestas básicas e transporte gratuito para os parentes visitarem seus presos em cadeias
distantes. Pagam velórios e enterros no caso da morte de algum bandido ligado à
facção ou mesmo- parentes destes que, pobres, não conseguem pagar nem as
despesas de enterro em cova rasa (NACIONAL, 2009).
O despreparo da segurança pública no Brasil, a ausência do Estado e o descaso do
poder público fez com que os enclausurados reorganizassem o modelo de vida nas prisões,
portanto, não há duvida sobre o total controle e expansão das associações criminosas dentro e
fora do sistema carcerário, resultado disso é a separação dos grandes lideres dessas facções
em presídios de segurança máxima, uma vez que a influencia destes dificultaria ainda mais o
processo de atenuação do grupo.
4.2. A Superlotação
O excesso de presos dentro das cadeias brasileiras não é um assunto desconhecido
para a administração penitenciária. Os presídios brasileiros estão abandonados e submergidos
na violência extrema, basta perceber o numero excessivo de pessoas alojadas num espaço
minúsculo e, também, o numero de rebeliões recorrentes que acontecem num grau máximo de
violência.
A superlotação nos presídios contribui não apenas para a difusão de doenças dentro do
ambiente carcerário, mas também para a violência desmedida dos presos que estão alojados
entre si. Na redação da Lei de Execução Penal, mais precisamente no artigo 88, se tem a
redação no que diz respeito à estrutura física da cela que o preso deve desfrutar no
cumprimento da pena:
O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho e
lavatório. Parágrafo Único. São requisitos básicos da unidade celular: a) salubridade
do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento
térmico adequado à existência da pessoa humana b) área mínima de seis metros
quadrados.
No entanto, de acordo com o INFOPEN de 2014, o Brasil tinha a quarta maior
população carcerária do mundo atrás apenas de países como Estados Unidos, China e Rússia.
Contudo, mais a frente, no ano de 2017 a mesma pesquisa do INFOPEN (Levantamento
Nacional de Informações Penitenciárias) registrou um aumento relevante na população
carcerária brasileira chegando a 726 mil presos, ganhado com isso o titulo de terceiro país
com maior numero de presos, perdendo dessa vez somente para os Estados Unidos e a China.
A LEP em seu artigo art. 85 aduz ―o estabelecimento penal terá lotação compatível
com a sua estrutura e finalidade. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
determina o limite máximo de capacidade do estabelecimento, atendendo a sua natureza e
peculiaridades‖. Se for levado em consideração o numero crescente de indivíduos presos
dentro das penitenciárias pode-se chegar facilmente na conclusão que a lei de execução penal
não alcança sucesso em seus artigos acima citados, isto porque, os presídios não suportam a
estrutura mínima para o alojamento dos presos, desse modo, fazendo necessária a
aglomeração de muitos delinquentes em um só espaço.
A Comissão Parlamentar de Inquérito comprovou o desvio no uso das cadeias públicas
e delegacias a época da CPI, assim, o documento afirma:
Ainda quanto à superlotação, destacamos a gravidade junto às cadeias públicas e
delegacias de policia. Cadeia Pública não é local de cumprimento de pena. No
entanto, a grande maioria dos Estados brasileiros se utiliza das velhas cadeias
públicas e delegacias de polícia para cumprimento de pena. O preso responde seu
processo na cadeia e nela continua cumprindo toda sua pena. As cadeias públicas
não possuem estrutura adequada para o cumprimento de pena. Salas de aula,
ambulatório, oficinas de trabalho e demais instalações que visem garantir a
assistência prevista na LEP são lendas em tais estabelecimentos. Do mesmo modo,
Cadeias Públicas não são Centros de Detenção Provisória (NACIONAL, 2009).
A superlotação colabora para a proliferação de doenças dentro dos presídios, os presos
que na maioria das vezes não têm a prestação mínima de saúde e higiene, sobrevivem num
ambiente sujeito a problemas de saúde e, até mesmo, psicológicos. Além de não gozarem das
mínimas condições de limpeza e bem-estar os presos são obrigados a dividirem suas celas
com ratos, formigas, e moscas. Neste quesito a CPI do sistema carcerário garantiu que:
A superlotação é talvez a mãe de todos os demais problemas do sistema carcerário.
Celas superlotadas ocasionam insalubridade, doenças, motins, rebeliões, mortes,
degradação da pessoa humana. A CPI encontrou homens amontoados como lixo
humano em celas cheias, se revezando para dormir, ou dormindo em cima do vaso
sanitário. Em outros estabelecimentos, homens seminus gemendo diante da cela
entupida com temperaturas de até 50 graus. Em outros estabelecimentos, redes sobre
redes em cima de camas ou do lado de fora da cela em face da falta de espaço.
Mulheres com suas crianças recém- nascidas espremidas em celas sujas. Celas com
gambiarras, água armazenada, fogareiros improvisados, papel de toda natureza
misturados com dezenas de homens. Celas escuras, sem luz, com paredes encardidas
cheias de ―homens- morcego‖. Dezenas de homens fazendo suas necessidades
fisiológicas em celas superlotadas sem água por dias a fio. Homens que são
obrigados a receber suas mulheres e companheiras em cubículos apodrecidos
(NACIONAL, 2009).
A ociosidade dentro dessas celas é outro motivo relevante no surgimento do caráter
violento dos encarcerados, na ausência de trabalho ocupacional e estudo os presos ficam mais
vulneráveis a se revoltarem por motivos fúteis. A lei de execução penal da ao preso as
garantias de trabalho e estudo, bem como outras mais assistências, intelectuais, recreativas e
religiosas, entretanto, o Estado não responde com o devido respaldo que a lei atribui.
A lei de execução penal traça o perfil daqueles que devem trabalhar na administração
penitenciária e no interior dos presídios, por força disso, importa que estes profissionais
desfrutem de uma saúde mental satisfatória e, ainda, de uma capacitação suficiente para o
melhor convívio possível com os presos.
Entretanto, o ambiente atual das cadeias no Brasil, por razão da máxima lotação, está
longe do ideal utópico formalizado pela LEP, o que prejudica o trabalho dos agentes
penitenciários fazendo com que muitos trabalhem em péssimas condições psicológicas e
estejam sujeitos às retaliações por parte dos presos.
A população carcerária ganhou, nos últimos anos, dados catastróficos que alarma uma
crise incomensurável no sistema prisional brasileiro, o numero de presos dentro de um só
ambiente não estimula a ressocialização do condenado e tão pouco transforma o perfil
violento e criminoso. As rebeliões e fugas são constantes no país e estas devem ser
observadas como um ensejo na reconstrução de um novo sistema carcerário que vise de fato à
regeneração do preso.
Enfim, a superlotação nas cadeias dificulta boa parcela do processo ressocializador da
pena e, portanto, transforma a execução penal em um sistema ineficaz e penoso.
4.3. Reincidência.
Tem-se que não é preciso gozar de muita inteligência para concluir que num ambiente
precário e insustentável a pena de prisão não produz o caráter regenerador que a principio
teria na redação da lei. Ao contrario disso, o ambiente desestimulante das prisões não propicia
ao apenado progredir intelectualmente e moralmente, igualmente, não reintegra o preso a
coletividade, uma vez que o condenado ao pagar sua divida continua a ser olhado como
opróbrio e vergonha.
Um dos aspectos mais relevantes para a crise do sistema prisional é a reincidência. O
crescente percentual de condenados que voltam a delinquir depois que saem das prisões é
exorbitante.
Com isso é fácil concluir que a falência da pena de prisão rotula o condenado para
sempre, visto que ao terminar de cumprir a pena o individuo não dispõe de chances que o
ajudam a melhorar sua imagem.
Portanto, se antes de cumprir a execução penal sua situação social era delicada, após o
termino de sua pena se torna deplorável seu status na sociedade.
O preso que na maioria das vezes não trabalha dentro da cadeia também encontra
dificuldades para exercer qualquer oficio quando alcança a liberdade e, especialmente, isso
faz com que sua situação financeira se agrave.
Fato é que ao deixar a prisão o ex-detento lida com uma serie de dificuldades e
indiferença no que tange o tratamento que a coletividade lhe dá. O ex-detento não e só visto
como tal, mas também como uma pessoa sem dignidade que merece ser tratada assim pelo
resto de sua existência.
Pela resposta negativa que o restante da sociedade lhe dá e ainda, pela falta de auxilio
do Estado, o ex-detento volta ao mundo do crime, o qual se torna o caminho mais fácil e
rentável para sua sobrevivência e garantia. O problema da reincidência, dentre outros
aspectos, é que esta constitui uma agravante penal no cometimento dos demais crimes e,
contundo, dificulta ainda mais a reabilitação daquele individuo.
Os artigos 78 e 79 da Lei de Execução Penal, igualmente o 80 e 81 prevê assistência
absoluta àquele que se encontra não mais no regime fechado, na redação dos artigos
mencionados tem-se:
Art. 78. O Patronato público ou particular destina-se a prestar assistência aos
albergados e aos egressos (artigo 26). Art. 79. Incumbe também ao Patronato: I -
orientar os condenados à pena restritiva de direitos; II - fiscalizar o cumprimento das
penas de prestação de serviço à comunidade e de limitação de fim de semana; III -
colaborar na fiscalização do cumprimento das condições da suspensão e do
livramento condicional. Art. 80. Haverá, em cada comarca, um Conselho da
Comunidade composto, no mínimo, por um representante de associação comercial
ou industrial, 1 (um) advogado indicado pela Seção da Ordem dos Advogados do
Brasil, 1 (um) Defensor Público indicado pelo Defensor Público Geral e 1 (um)
assistente social escolhido pela Delegacia Seccional do Conselho Nacional de
Assistentes Sociais. Parágrafo único. Na falta da representação prevista neste artigo,
ficará a critério do Juiz da execução a escolha dos integrantes do Conselho. Art. 81.
Incumbe ao Conselho da Comunidade: I - visitar, pelo menos mensalmente, os
estabelecimentos penais existentes na comarca; II - entrevistar presos; III -
apresentar relatórios mensais ao Juiz da execução e ao Conselho Penitenciário; IV -
diligenciar a obtenção de recursos materiais e humanos para melhor assistência ao
preso ou internado, em harmonia com a direção do estabelecimento (NACIONAL,
2009).
No entanto, a contínua analise feita pela Comissão Parlamentar de Inquérito do
Sistema Carcerário demonstrou que tais ideais descritos nestes artigos são utópicos, logo, a
CPI afirma:
A questão do patronato é preocupante. Segundo a LEP, trata-se de órgãos de
assistência ao egresso e devem existir em todas as unidades federadas, ainda que
sejam patronatos particulares. No entanto, segundo dados do DEPEN, o Brasil só
possui 04 patronatos penitenciários, sendo 02 em funcionamento e 02 com
destinação diversa da prescrita em lei. Há apenas 01 patronato particular. No tocante
aos Conselhos de Comunidade, órgãos que permitem a participação da sociedade em
relação à questão prisional, os dados do DEPEN contabilizam que, nos 5.562
municípios brasileiros e cerca de 3.000 comarcas, verificasse a existência de menos
de 500 Conselhos de Comunidade (NACIONAL, 2009).
Dispõem de tal direito o liberado definitivo, pelo prazo de 1 (um) ano a contar da saída
do estabelecimento; o liberado condicional, durante o período de prova e os que estão em
regime aberto. Acontece que na teoria mais da metade desse conjunto de ex-detentos não
usufruem das garantias supracitadas.
O então documento de pesquisa feito pelo Congresso Nacional finaliza este assunto ao
concluir que:
Tal fato demonstra, de certa forma, que a sociedade parece omissa, e efetivamente
não participa das discussões atinentes ao sistema penitenciário. O Estado que
sonegou direitos elementares ao preso, sonega a estes os mesmos direito no interior
dos estabelecimentos. Dessa forma, após anos no cárcere, aquele que cumpriu sua
obrigação legal é posto na rua sem instrução, sem capacitação, com idade avançada
e o que é pior: com o atestado de preso. O resultado dessa combinação de omissões e
ações irresponsáveis é a reincidência expressa em novos crimes (NACIONAL,
2009).
Em seu relatório de 2015 o instituto de pesquisa econômica aplicada afirmou, com
base em pesquisas, que no Brasil um dentre quatro apenados voltam a delinquir, na conclusão
do estudo o IPEA redige:
Concluiu-se que, a cada quatro apenados, um é reincidente legalmente. O resultado é
próximo do encontrado por Adorno e Bordini (1991) em levantamento feito em São
Paulo (porém, sem considerar o limite legal de cinco anos). Como mostrado na
segunda seção deste relatório, várias pesquisas documentam que a taxa de
reincidência penitenciária é bem superior a isso, bem como é enorme o número de
pessoas que colecionam reiteradas passagens pelo sistema (principalmente com base
nos dados apresentados pelo Depen, fonte da famigerada taxa de reincidência de
70%) (IPEA, 2015).
A reincidência é um aspecto difícil dentro do processo penal, isto ocorre porque a
repetição de infrações penais constitui uma agravante para o criminoso e, ao mesmo tempo,
dificulta ainda mais sua reinserção e regeneração social.
Enfim, apenas a ressocialização do preso permite que este não opte novamente para a
delinquência, tão pouco se sinta preso em seu íntimo pela eficácia do preconceito dos homens
comuns. Os dados alarmantes da reincidência no Brasil reiteram e comprovam mais e mais a
falta de atuação do Estado e o descaso da coletividade no que diz respeito à população
carcerária.
4.4. O Excesso de prisões provisórias.
O código de processo penal possibilita, conforme alguns de seus artigos, as chamadas
prisões processuais, as quais asseguram a futura aplicação da lei criminal. No que diz respeito
às prisões processuais o texto da lei maior as autorizam em alguns casos tratando-a como
medida excepcional e, desse modo, vale lembrar sua redação, quando declara ―a prisão
processual é medida excepcional, vinculada a critérios de razoabilidade e necessidade, afinal,
todo acusado é presumido inocente, até o trânsito em julgado de sentença condenatória (art.
5º, XVII, CF)‖.
A prisão processual, no corpo do código de processo penal, é um gênero do qual
decorrem três espécies; prisão temporária, prisão em flagrante e prisão preventiva. Acontece
que como previstas em lei, estas prisões se tornam imprescindíveis, em alguns casos, para a
melhor prestação jurisdicional do Estado.
Para as decretarem a autoridade judiciária deverá observar sua real necessidade
fazendo com que o processo atenda os princípios constitucionais.
A prisão temporária pode ser realizada durante a fase do inquérito policial e
regulamenta-se pela lei 7.960/89. A lei da prisão temporária adverte que esta poderá ocorrer
quando: imprescindível para as investigações do inquérito policial; quando o indicado não
tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua
identidade; quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na
legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes: homicídio
doloso, sequestro ou cárcere privado, roubo, extorsão, extorsão mediante sequestro, estupro,
entre outros.
Com base no CPP a prisão temporária tem prazo de cinco dias, prorrogáveis por igual
período, em caso de extremada e confirmada necessidade.
Já a prisão preventiva poderá ser decretada em qualquer fase do processo e caberá
quando houver necessidade da garantia da ordem pública; conveniência da instrução criminal
e para assegurar a aplicação da lei (para impedir que o réu fuja do território nacional ou
atrapalhe as investigações) e, também; quando houver prova e indício suficiente da autoria do
crime. A prisão preventiva durará até quando for necessária, ou seja, não comporta prazo
determinado para a sua duração, contudo deve obedecer aos princípios da proporcionalidade e
necessidade.
Se a autoridade judicial não respeitar a necessidade da prisão preventiva pode ocorrer
o chamado ―constrangimento ilegal‖, isto é, a manutenção da prisão indevida. Finalmente a
prisão em flagrante acontece quando o individuo é encontrado na execução do delito e, dessa
forma deve ser levado para responder por este ato. No Brasil os presos provisórios que estão
na iminência de um julgamento constituem uma boa parcela da população carcerária.
O Levantamento Nacional De Informações Penitenciárias - INFOPEN em uma
pesquisa no ano de 2014 provou o excesso de presos provisórios nas celas do Brasil. Assim,
de acordo com a pesquisa minuciosa feita pelo DEPEN – Departamento Penitenciário
Nacional, órgão ligado ao Ministério da Justiça, os gráficos traduzem que:
Observando o gráfico, constata-se que cerca de 41% das pessoas privadas de
liberdade são presos sem condenação, a mesma proporção de pessoas em regime
fechado. Apenas 3% das pessoas privadas de liberdade estão em regime aberto e
15% em semiaberto. Para cada pessoa no regime aberto, há cerca de 14 pessoas no
regime fechado; para cada pessoa do regime semiaberto, há aproximadamente três
no fechado. No Brasil, cerca de 41% das pessoas privadas de liberdade são presos
sem condenação. Significa dizer que quatro a cada dez presos estão encarcerados
sem terem sido julgados e condenados. Além da porcentagem de presos sem
condenação, releva aferir o tempo médio que o preso sem condenação fica
recolhido. Para uma constatação exata desse dado, seria necessária a análise
individual dos processos judiciais das pessoas privadas de liberdade, o que foge do
escopo de investigação do Infopen. No entanto, a fim de aferir esse dado a partir da
metodologia do Infopen, incluiu-se no levantamento um questionamento sobre o
contingente de presos sem condenação retidos há mais de 90 dias. Cerca de 37% das
unidades prisionais informaram deter o controle da informação. Nas unidades
prisionais que informaram o dado, cerca de 60% dos presos provisórios estão
custodiados há mais de noventa dias aguardando julgamento. (DEPEN, 2014, pp.
20-22).
Em outro relatório atualizado no ano de 2016 o Departamento Penitenciário Nacional
reitera os dados comprovados anteriormente, no que diz respeito às prisões provisórias,
temos:
De acordo com o gráfico, 40% das pessoas presas no Brasil em Junho de 2016 não
haviam sido ainda julgadas e condenadas. Este dado varia sensivelmente entre os
levantamentos mais recentes do Infopen: no levantamento de junho de 2014, essa
população representava 41% do total; em dezembro do mesmo ano representava
40%; já em dezembro de 2015, as pessoas sem julgamento somavam 37% da
população no sistema prisional (DEPEN, INFOPEN, 2016, p. 13).
Ainda é possível a compreensão da informação dada no site do Ministério da Justiça
ao relatar, principalmente, com base nas pesquisas:
O Infopen mostra também que 40% dos encarcerados são formados por presos
provisórios. Os crimes relacionados ao tráfico de drogas são a maior incidência que
leva pessoas às prisões, com 28% da população carcerária total. Roubos e furtos
somados chegam a 37%. Homicídios representam 11% dos crimes que causaram a
prisão (JUSTIÇA, 2016).
Enfim, apenas ao avaliar o relatório do DEPEN é possível concluir que todos esses
presos estão em prisões sem estrutura e que não suportam o excesso de presos abrigados. Para
uma possível melhora do caso o Conselho Nacional de Justiça no ano de 2015, lançou um
projeto para garantir a realização da audiência de custódia nos casos de prisão em flagrante.
Entretanto, mesmo com a parceria da Justiça e do TJSP o projeto parece não aprimorar muito
os padrões penitenciários.
V - A INEFICÁCIA DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL
A incompatibilidade da Lei de Execução Penal frente à realidade do sistema carcerário
brasileiro é explicita. Mesmo sendo uma das leis mais avançadas em relação à execução penal
os motivos que já foram expressos se tornam preponderantes quando se avalia o prestígio da
LEP.
Os objetivos da LEP estão explícitos no corpo da própria lei, logo, em seu primeiro
artigo a norma preceitua ―A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de
sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do
condenado e do internado‖. Assim seria se resolvidos, pelo menos, todos os problemas que
fora exposto, porém, por força deles e, a pela soma de mais alguns, a Lei de Execução Penal
se tornou anêmica em alguns aspectos.
Os princípios que sustentam a Lei de Execução Penal são brilhantes, e assim, temos os
princípios da jurisdicionalidade, legalidade, contraditório e, ampla defesa, iniciativa das
partes, publicidade, duplo grau de jurisdição, devido processo legal, verdade real,
imparcialidade do juiz, igualdade das partes e livre convencimento, principalmente, se tem
como garantias constitucionais, a exemplo do principio da intranscendencia (art. 5º, XLV, da
CF). Contudo, nota-se que na teoria o sistema carcerário, mais precisamente, o modo pelo
qual os presos sobrevivem a ele, desobedece totalmente os princípios e garantias
constitucionais, quando na realidade, estes deveriam ser sagrados.
5.1. O desrespeito aos princípios constitucionais.
Literalmente pode se afirmar que sistema carcerário desrespeita a maioria dos
princípios constitucionais e não constitucionais também. O princípio da dignidade da pessoa
humana não é meramente um princípio, é também um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil, temos na lei maior a redação do Art. 1º que expressa - A República
Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a
soberania; II - a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana. Entretanto, com base na
superlotação dos presídios brasileiros é obvio que não é impossível considerar um ambiente
que respeite a dignidade da pessoa humana.
A superlotação não só afasta totalmente este princípio, mas também anula todas as
chances de recuperação de um individuo. A concretização da dignidade da pessoa humana nos
presídios brasileiros não é possível, pois o problema estrutural do sistema carcerário não a
permite.
O espirito da lei é apenas o de retirar do apenado o direito de ir e vir e o assegurar,
pelo menos, os mínimos direitos sociais possíveis. A situação subumana da qual os presos são
sujeitos denigre não só a integridade física dos apenados, mas a psicológica também.
A pena imposta ao preso ultrapassa o limite dela mesmo, pois a circunstancia na qual o
preso se encontra ao chegar ao presídio é tão degradante e humilhante como as penas cruéis
dos séculos passados.
A própria falta de higiene e alimentação que ocorre nos presídios do Brasil é uma
infração muito grave sobre um principio tão emblemático. A importância deste princípio é
extrema já preceitua Rodrigo Duque Estrada Roig:
O princípio também é encontrado na Convenção Americana de Direitos Humanos
(ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou
degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito
devido à dignidade inerente ao ser humano – art. 5º), no Conjunto de Princípios para
a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão da
ONU (a pessoa sujeita a qualquer forma de detenção ou prisão deve ser tratada com
humanidade e com respeito da dignidade inerente ao ser humano – Princípio 1º) e
nos Princípios Básicos para o tratamento dos reclusos da ONU (todos os reclusos
deverão ser tratados com o respeito devido à dignidade e ao valor inerentes ao ser
humano – Princípio 1). No Brasil, o princípio da humanidade decorre do
fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e do
princípio da prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II, da CF), amparando o
Estado Republicano e Democrático de Direito. Em sede de execução penal, o
princípio funciona como elemento de contenção da irracionalidade do poder
punitivo, materializando-se na proibição de tortura e tratamento cruel e degradante
(art. 5º, III, da CF), na própria individualização da pena (art. 5º, XLVI) e na
proibição das penas de morte, cruéis ou perpétuas (art. 5º, XLVII). A Lei de
Execução Penal faz alusão ao princípio da humanidade ao estabelecer que as
sanções disciplinares não poderão colocar em perigo a integridade física e moral do
condenado (art. 45, § 1º), além de vedar o emprego de cela escura (art. 45, § 2º). A
humanidade penal também alcança aqueles submetidos às medidas de segurança,
conforme se depreende do art. 2º, parágrafo único, inciso II, da Lei n. 10.216/2001,
que fixa como direito da pessoa portadora de transtorno mental o de ser tratada com
humanidade (ROIG, 2016).
Outra garantia do preso é a inviolável liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos
locais de culto e a suas liturgias. Porém, conforme Duque esta garantia também é violada nos
presídios, a saber:
Dispõe o art. 5º, VI, da Constituição de 1988, que é inviolável a liberdade de
consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e
garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. No
entanto, a proibição de frequentar cultos religiosos como forma de punição
disciplinar representa de forma direta a violação desta garantia constitucional e, de
maneira mediata, a própria infração ao princípio constitucional da humanidade. A
obrigação de usar uniforme com cores chamativas (ex.: verde limão, rosa) também
importa clara transgressão ao princípio da humanidade, porquanto afeta a própria
intimidade e dignidade das pessoas condenadas, à revelia da inviolabilidade
constitucional da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas (art. 5º, X).
Igualmente atentatórias à dignidade são as obrigações disciplinares de baixar a
cabeça e manter silêncio absoluto (ROIG, 2016).
Pode ser destacada também a infração ao princípio da individualização da pena que
está positivado não apenas no corpo da lei maior do país, mas também na própria lei de
execução penal e no código penal brasileiro, nos artigos, art. 5º, XLVI da CF, arts. 5º, 8º, 41,
XII e 92 (parágrafo único), II, da LEP, art. 34 do CP. No que tange a Constituição Federal a
mesma redige: Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XLVI - a
lei regulará a individualização da pena. E ainda, ―Os condenados serão classificados, segundo
os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal -
(art. 5o da LEP)‖. Em suma, a sanção será individual conforme o perfil e os antecedentes do
apenado, assim como o tipo de crime por ele cometido. Para explanar o principio
individualizador cabe ressaltar as palavras de Renato Marcão:
A classificação dos condenados é requisito fundamental para demarcar o início da
execução científica das penas privativas da liberdade e da medida de segurança
detentiva. Visa a assegurar os princípios da personalidade e da proporcionalidade
da pena, elencados no rol dos direitos e garantias constitucionais. Adequada à
classificação, cada sentenciado terá conhecida a sua personalidade, recebendo o
tratamento penitenciário adequado, atendendo também ao princípio da
individualização da pena e da medida de segurança (MARCÃO, 2012).
A individualização da pena é conferir ao preso o direito de exercê-la conforme suas
características e seu perfil social ―é dar a cada condenado as oportunidades e meios
necessários para que venha a se reintegrar à sociedade, levando em consideração sua
personalidade, suas aptidões e habilidades‖ (NETO, 2012, p. 65).
Dessa forma, independentemente do crime praticado pelo agente, o magistrado na fase
de aplicação da pena, deverá considerar todas as peculiaridades nas quais o crime foi
praticado, acrescido o grau de culpabilidade do criminoso.
Os crimes devem ser analisados pelo juiz sob a ótica das circunstancias da infração,
particularizando, deste modo, a sanção para cada indivíduo. É o que preceitua o artigo 59 do
código penal brasileiro ao descrever a fase judicial do princípio.
Nesse aspecto, divide-se a individualização da pena em três momentos distintos: a-
individualização da pena em abstrato: é realizada pelo legislador; b- individualização da pena
em concreto: é realizada pelo juiz sentenciante; c- individualização da pena na execução: é
realizada pela Comissão Técnica de Classificação (CTC).
Este órgão, por sua vez, apenas tem competência para elaborar o programa
individualizador da pena privativa de liberdade, não mais podendo propor progressão ou
regressão de regime, nem conversão da pena. Aliás, a CTC é presidida pelo diretor da unidade
prisional; composta por dois chefes de serviço, no mínimo; por um psicólogo; por um
psiquiatra; e por um assistente social. A realidade deste princípio é que em alguns casos, por
falta de condições e descaso do poder público, o preso cumpre sua pena em um regime mais
gravoso do que aquele imposto pelo juiz.
É o caso do apenado que não passa para o regime semiaberto por carência de local
para tanto. Sobre isto, vale explanar A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no
julgamento do HABEAS CORPUS Nº 196.438 - SP (2011/0023662-1), a saber:
HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO.
REGIME ABERTO. AUSÊNCIA DE VAGA EM CASA DE ALBERGADO OU
INEXISTÊNCIA DESTA. REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA MAIS
SEVERO. PRISÃO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE. 1. Encontrando-se o
condenado cumprindo pena em regime mais gravoso do que lhe fora imposto, em
razão de inexistência de vaga em estabelecimento penal adequado ou inexistência
deste, cabível a imposição de regime mais brando, em razão de evidente
constrangimento ilegal. 2. É dever do Poder Público promover a efetividade da
resposta penal, na dupla perspectiva da prevenção geral e especial; entretanto, não se
podem exceder os limites impostos ao cumprimento da condenação, sob pena de
desvio da finalidade da pretensão executória. 3. Ordem concedida para restabelecer a
prisão domiciliar do ora Paciente até o surgimento de vaga em estabelecimento
adequado para o cumprimento da pena em regime aberto. (HC 97.940/RS, Relatora
Ministra Laurita Vaz, DJ de 8.9.08). Ante o exposto, defiro a liminar para
determinar seja o paciente imediatamente transferido para estabelecimento
compatível com o regime semiaberto; na ausência de vaga, que aguarde em regime
aberto; a persistir o constrangimento ilegal, seja-lhe assegurada a prisão domiciliar.
Neste caso, é preciso satisfazer a ânsia da súmula do STJ ao dizer que ―Fixada a pena-
base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o
cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito‖.
Dessa forma, é justo que o judiciário se atente ao número de apenados que por este
motivo sofrem constrangimento ilegal. Conforme informação da CPI do sistema carcerário é
lamentável a divisão dos presos nas penitenciárias de um dos estados mais perigosos do país,
a exemplo do Rio de Janeiro, com base na CPI, temos o relato que:
No Rio de Janeiro o critério principal de separação dos presos é a organização
criminosa a que pertencem. A Lei de Execução Penal e seus critérios de separação
dos presos foi substituída pelo Comando Vermelho, pelo Terceiro Comando, pelo
Amigo dos Amigos, Inimigos dos Inimigos ou pelos Amigos de Israel. O mais grave
é que esse critério é aceito e respeitado pelo Secretário de Administração
Penitenciária, pelo promotor de execução e pelo defensor público. O Estado, com
todo o aparato jurídico e administrativo de que dispõe, não consegue separar os
apenados em conformidade com a lei. No entanto, atende as organizações
criminosas, distribuindo os presos conforme os interesses do crime organizado
(NACIONAL, 2009, p. 274)
Contudo, outros demais princípios são infringidos na execução penal, o devido
processo legal, por exemplo, abarca uma gama de garantias, como, tratamento paritário
confiado às partes envolvidas no processo, a ampla defesa, e a duração razoável do processo.
No entanto, o processo no Brasil se torna demorado, caro e complexo, sobretudo, o
preso se vê numa situação de abandono e total descaso, uma vez que muitos não desfrutam de
uma defesa especializada ou de uma atenção especial por parte do Estado o qual fara sua
obrigação no simples amparo processual que garante a carta magna.
5.2. A não prestação dos direitos previstos.
Ao concluir que a execução penal desobedece aos princípios constitucionais mais
fundamentais pode se auferir que alguns direitos previstos na própria LEP não são conferidos
ao preso dentro das prisões. É o que acontece no artigo 99 que aduz o seguinte preceito ―O
Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico destina-se aos inimputáveis e semi-imputáveis
referidos no artigo 26 e seu parágrafo único do Código Penal‖.
Fácil entender tal preceito na lição do advogado criminalistas Renato Marcão, a saber:
Na dicção do art. 99 e seu parágrafo único da Lei de Execução Penal, o hospital de
custódia e tratamento psiquiátrico destina-se aos inimputáveis e semi-imputáveis
referidos no art. 26 e seu parágrafo único do Código Penal, aplicando-se ao hospital,
no que couber, o disposto no parágrafo único do art. 88 da lei. O item 99 da
Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal dispõe que relativamente ao
hospital de custódia e tratamento psiquiátrico não existe previsão da cela individual,
já que a estrutura e as divisões de tal unidade estão na dependência de planificação
especializada, dirigida segundo os padrões da medicina psiquiátrica. Estabelecem-se,
entretanto, as garantias mínimas de salubridade do ambiente e área física de cada
aposento. Por aqui também é flagrante, e ainda mais grave, a omissão do Estado, que
não disponibiliza o número necessário de estabelecimentos e vagas para o
cumprimento da medida de segurança de internação, a se verificar em hospital de
custódia e tratamento psiquiátrico. O que se vê na prática são executados
reconhecidos por decisão judicial como inimputáveis, que permanecem
indefinidamente no regime fechado, confinados em cadeias públicas e
penitenciárias, aguardando vaga para a transferência ao hospital. De tal sorte,
desvirtua-se por inteiro a finalidade da medida de segurança. Ademais, mesmo nos
casos em que se consegue vaga para a internação, a finalidade da medida também
não é alcançada, já que reconhecidamente tais hospitais não passam de depósitos de
vidas humanas banidas de sanidade e de esperança, porquanto desestruturados para o
tratamento determinado pela lei e reclamado pelo paciente, desprovidos que são de
recursos pessoais e materiais apropriados à finalidade a que se destinam (MARCÃO,
2012, p. 110).
Os direitos negados aos presos são os mais diversos possíveis, dentre eles, os mais
básicos essenciais à integridade física de qualquer ser humano, a exemplo, de higiene, saúde,
educação, ocupação, trabalho, lazer, entre outros. Isso mostra que as condições subumanas
das penitenciárias são contrárias aos objetivos da lei de execução penal.
Mas, como se isso não bastasse, alguns grupos específicos não são enxergados como
tal, o levantamento do DEPEN avaliou as unidades prisionais com ala ou cela destinada
exclusivamente a grupos específicos, e a pesquisa verificou os seguintes dados:
De modo geral, observa-se que há baixa disponibilidade de vagas destinadas
exclusivamente aos grupos específicos acima apresentados. Apenas 9% das unidades
dispõem de celas especificas para estrangeiros e para indígenas, e por volta de 15%
dos estabelecimentos têm celas específicas para idosos e para pessoas lésbicas, gays,
bissexuais e transgêneros – LGBT. A preocupação em disponibilizar espaços
específicos para estes públicos, que se coaduna com uma prática adequada de
triagem e classificação dos custodiados, registrou-se em algumas unidades nos
estados de Alagoas, Amazonas, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul,
Paraíba, Pernambuco, Paraná, Piauí, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (DEPEN,
relatorio-depen-versao-web.pdf, 2014).
Isso dificulta a representação destes grupos e as afirmações de seus direitos nos
presídios em que cumprem penas. Isto porque os homossexuais presos sofrem preconceitos
dos demais apenados e na grande maioria das vezes abusos.
Outra lastimável realidade é a do grupo de idosos que estão em regime prisional,
sendo eles presos sem nenhuma distinção e, sobretudo, mais vulneráveis as doenças do
sistema carcerário os idosos fazem parte de um grupo especial e, no aspecto ambulatorial, se
trata de um grupo de risco que estão mais sujeitos as enfermidades do que os demais.
A lei de execução penal também prevê a auxílio jurídico, ―Da Assistência Jurídica:
Art. 15. A assistência jurídica é destinada aos presos e aos internados sem recursos
financeiros para constituir advogado. Art. 16. As unidades da Federação deverão ter serviços
de assistência jurídica nos estabelecimentos penais‖. Entretanto, o levantamento feito pelo
Departamento Nacional Penitenciário no ano de 2015 constatou que a inobservância desta
garantia:
Entre os direitos garantidos pela Lei de Execução Penal à pessoa privada de
liberdade encontra-se, por fim, o direito à assistência jurídica, que deve ser garantida
a todos aqueles que não tenham condições financeiras para constituir advogado. A
assistência jurídica deve ser integral e gratuita, prestada pela Defensoria Pública,
dentro e fora dos estabelecimentos penais. Conforme gráfico 39, observamos que
60% das unidades prisionais do país contam com prestação sistemática de
assistência jurídica gratuita por meio da Defensoria Pública. Por outro lado, 27% dos
estabelecimentos não contam com qualquer tipo de serviço de assistência jurídica
gratuita prestado aos apenados. Nesses casos, as garantias processuais das pessoas
privadas de liberdade podem ser ameaçadas pela dificuldade de acesso a um
advogado constituído. Conforme tabela 35, as unidades que não contam com
serviços de assistência jurídica gratuita custodiam 79.774 pessoas, o que significa
dizer que 13% de toda a população prisional brasileira encontram-se privada de
liberdade em unidades em que lhes é negada acesso à assistência jurídica gratuita,
nas formas previstas pela LEP (DEPEN, Há 726.712 pessoas presas no Brasil,
2015).
Vale lembrar as lições de Renato Marcão ao lembrar ―A assistência jurídica, muitas
vezes não observada, é de fundamental importância para os destinos da execução da pena.
Aliás, sua ausência no processo de execução acarreta flagrante violação aos princípios da
ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, que também devem ser observados
em sede de execução‖ (MARCÃO, 2012, p. 47).
Pelo simples motivo do menosprezo aos princípios constitucionais o sistema carcerário
brasileiro concomitantemente desrespeita os direitos humanos que estão consagrados nos mais
altos pactos entre as nações, dessa forma, vale destacar as palavras de Rodrigo Duque, ao
expor:
No mesmo sentido, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San
José da Costa Rica) prevê o direito à integridade pessoal (art. 5º), dispondo que toda
pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral (item 1)
e que ―ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis,
desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o
respeito devido à dignidade inerente ao ser humano‖ (ROIG, 2016).
É de total visibilidade a falta de estrutura das cadeias brasileiras e, com isso, o
resultado na falta de prestação dos direitos mais básicos do ser humano. Porém, não é o que os
demais pactos e convenções assinadas pelo Brasil mencionam, lembra Duque ao descrever:
Importante lembrar ainda que o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
da Organização das Nações Unidas dispõe que ninguém será submetido à tortura
nem a pena ou a tratamentos cruéis, inumanos ou degradantes (art. 7º), além de
prever que toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade
e respeito à dignidade inerente à pessoa humana (art. 10). Não se pode olvidar, por
fim, que a própria Declaração Universal dos Diretos Humanos estabelece que
ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou
degradante (art. 5º), nem arbitrariamente preso ou detido (art. 9º). Seguindo-se por
analogia o critério utilizado pela Corte Europeia – de que a grave superlotação não
demanda outros fatores concorrentes para que esteja configurado o tratamento
desumano ou degradante –, é possível concluir que o estado de grave superlotação
de alguns cárceres brasileiros é fator suficiente, por si só, para se atestar a existência
de tratamento desumano ou degradante e, consequentemente, a violação sucessiva
da Lei de Execução Penal, Constituição da República Federativa do Brasil,
Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos da Organização das Nações Unidas e Declaração Universal dos
Diretos Humanos (ROIG, 2016, p. 350).
Afinal, o apenado é um individuo em processo de recuperação, o qual se torna inviável
nestas condições. Porém, se o Estado trata os direitos mais básicos do apenado com descaso,
não é surpresa o surgimento de rebeliões e motins criados pelos presos contra a carência
sucessiva de colchoes, papéis higiênicos, remédios, produtos para a limpeza, entre outros que
são imprescindíveis a qualquer ambiente.
5.3. A má administração.
Todos os problemas carcerários se amenizariam se a administração e o controle do
Estado fossem mais efetivos. A má administração não só interna, mas externa também,
contribuem para o caos no sistema prisional.
O sistema prisional depende de um alto custo pecuniário e mesmo assim não consegue
regular, ao menos, a entrada de celulares e armas nos presídios.
Conforme Alberto Fraga, presidente da CPI do Sistema Carcerário o atual sistema
sofre com a má gestão de recursos, por meio de uma entrevista a Câmara dos Deputados que
destaca ―Fraga ainda criticou o alto custo do sistema carcerário do país e a falência dos
aparatos de controle, que não conseguem impedir a entrada de armas e de celulares nas
instalações prisionais. O deputado também defendeu uma melhor formação dos agentes
carcerários que, segundo ele, devem ter um perfil educador‖. (DEPUTADOS, 2015).
A comissão parlamentar de inquérito do sistema carcerário brasileiro, conclui, com
base no profundo estudo realizado, que em relação ao orçamento dos estados os gastos com o
cenário prisional é exorbitante. Dessa forma, a CPI indica:
Com menos recursos disponíveis para os estados, os custos prisionais estão fazendo
um buraco nos orçamentos estaduais. Em média, os estados gastam quase 7% de
seus orçamentos em instituições correcionais, perdendo apenas para a saúde,
educação e transporte. Segundo a Associação Nacional de Oficiais Orçamentários,
os estados gastaram US$ 44 bilhões do dinheiro de impostos em prisões, em 2007,
contra US$ 10,6 bilhões, em 1987. Um aumento de 315%. Incluindo os recursos
oriundos das emissões de títulos e repasses do governo federal, os gastos totais dos
estados em prisões, no ano passado, foram de US$ 49 bilhões. Até 2011, os estados
deverão gastar mais US$ 25 bilhões (NACIONAL, 2009).
Outro problema indicado nesta CPI é a ausência de aferição a dados sobre os gastos
dentro do sistema penitenciário, a saber:
Em análise realizada nos dados obtidos junto ao DEPEN, constatou- se a ausência de
controle efetivo sobre os valores investidos pelos estados no sistema penitenciário.
No exame, não compreendemos, ao certo, o grau de fidedignidade dos recursos
efetivamente aplicados no sistema penitenciário. Por isso, não se tem como cotejar
os recursos estaduais com os federais, o que leva a recomendar ao DEPEN que
estabeleça controle atualizado, com dados consistentes, a respeito do investimento
realizado e executado no sistema penitenciário (NACIONAL, 2009).
Nesta mesma toada, a Revista Revide publicou em sua plataforma digital que ―No
Brasil, apenas três Estados informam gastos com sistema carcerário‖, esta informação teve
como base a pesquisa feita pelo Grupo de Estudos Carcerários Aplicados da USP, junto à
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto.
A pesquisa do grupo realizou o estudo em alguns estados, e, conforme os dados que
coletaram, sua conclusão foi a de que:
A falta de comprometimento dos Estados e do Distrito Federal na organização dos
dados para elaboração da quantidade de presos e seus respectivos custos, por
rubrica, conforme determinado no artigo 3º da Resolução nº 06\2012, do CNPCP,
não permite análise mais profunda da qualidade das políticas públicas
implementadas. Demonstra-se evidente, ademais, a precariedade e ineficácia dos
meios de comunicação disponibilizados pelos órgãos das unidades federativas
responsáveis pela administração penitenciária, respectivamente em cada Estado e no
Distrito Federal, que, em sua maioria, sequer responderam formalmente o
questionamento realizado, restringindo o direito constitucional de acesso às
informações públicas. Outro ponto que merece destaque é a ausência de sanção ao
gestor que deixa de cumprir a determinação normativa do CNPCP, não dando
efetividade à norma e permitindo que todos os agentes envolvidos continuem a
executar políticas de baixa eficiência. Embora o CNPCP não edite normas
vinculativas para os Estados e DF, suas resoluções fornecem caminhos de boa gestão
prisional, não sendo razoável que o gestor estadual não cumpra tais resoluções, ou
nem mesmo justifique-se, sem consequência alguma. Percebe-se, ainda, que o
DEPEN não propõe sanções de qualquer espécie aos gestores estaduais que não
cumprem a resolução nº 06/2012 do CNPCP, tampouco aos gestores que não dão
satisfações sobre o não cumprimento (GECAP-USP, 2014)
A conclusão aponta ainda que os dados fornecidos com confiabilidade são de real
importância, pois é assim que a transparência com o orçamento público se efetiva, uma vez
que é direito da coletividade saber para o que é gasto o cada centavo do dinheiro publico.
Assim sendo, tem-se que:
As informações sobre o custo de um indivíduo preso em cada Estado da Federação é
direito fundamental do cidadão. Não somente pelo direito à informação que por si só
é direito fundamental. Também, porque, saber quanto se investe na pessoa presa em
regime fechado permite a adequada fiscalização sobre a qualidade da gestão
prisional, bem como permite confrontar a qualidade e a quantidade das ações e
políticas públicas penitenciárias com seus fins de ressocialização. Dito de outro
modo é direito de todos saber sobre quanto dinheiro público se investe em uma
pessoa presa por mês, a fim de que possamos verificar se esse valor está sendo bem
gasto, se as verbas públicas estão sendo úteis para evitar que os egressos voltem a 19
delinquir após deixarem o cárcere, se obtiveram adequação social e familiar, e até
mesmo, se o valor gasto é ou não proporcional ao injusto praticado e aos
antecedentes que o condenado eventualmente possua. Por fim, a adequada coleta e
interpretação dos referidos dados possibilitaria sólido embasamento a uma
necessária responsabilidade político-criminal, de modo a repensar sobre a ideia do
encarceramento como solução para todos os males. Evitar-se-ia, assim, o uso
desmedido e irracional do direito penal, que contribui para o aumento do número de
presos e superlotação dos presídios, para então usufruir de uma prévia análise do
impacto social e orçamentário de propostas legislativas em âmbito criminal,
beneficiando toda a sociedade. Nada disso é possível saber, tendo em vista o não
cumprimento do disposto na Resolução nº 06/2012 do CNPCP (GECAP-USP,
2014).
Muitos são os relatos que denunciam a má gestão do sistema prisional, apesar disso, é
simples concluir que o valor gasto com cada preso é mal gerido pelas autoridades
responsáveis, pois se um preso vale tanto ao Estado e há investimento de tantos milhões nesse
ramo, a pergunta paira sobre o porquê o sistema prisional padece tanto com a pobre estrutura
e a ausência do mais básico.
5.4. A Segurança nos presídios.
Para uma melhor efetivação das disposições contidas na sentença penal condenatória é
imprescindível que se tenha uma estrutura e segurança exemplar dentro de presídios.
A fase de execução se passa nestes estabelecimentos e se tal não dispuser de segurança
eficiente os presos continuaram nas mesmas circunstancias de antes, ou seja, a mercê da
violência e da criminalidade.
O estabelecimento prisional não deve ser seguro apenas para o delinquente, mas
também para seus funcionários internos. A avaliação feita pelo Congresso Nacional, por força
da CPI, provou a incompatibilidade de uma segurança efetiva nos presídios, a saber, tem-se o
testemunho de um funcionário do presídio, que conta:
Na diligência ao Presídio Aníbal Bruno, em Recife (PE), a CPI obteve o relato de
um agente penitenciário que reflete a realidade da disciplina carcerária: ―a unidade
tem capacidade para 1400, mas abriga mais de 4000 presos. Neste plantão somos
cinco agentes. Portanto, eles fingem que estão presos e nós fingimos que estamos
vigiando‖. Portanto, sem a devida segurança, fugimos de um dos objetivos da LEP
que seria efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal. Salienta as Regras
Penitenciárias Europeias para Tratamento do Preso, Parte IV, que a ordem na prisão
deve ser mantida levando-se em conta os imperativos de segurança e disciplina,
todavia sempre tendo em vista condições de vida que respeitem a dignidade humana,
com o oferecimento de um completo programa de atividades, conforme a regra
(NACIONAL, 2009).
O Estado absorve uma maior obrigação com o preso no momento que o priva de sua
liberdade, isto porque ele passa ter um caráter de ―garantidor do preso‖ ao suportar as
obrigações de cuidado e zelo por suas condições.
As armas e artefatos achados em presídios nas rebeliões e motins é uma prova
fundamental da falha no sistema de segurança e disciplina dos estabelecimentos. As mortes
causadas ao entorno desta guerra paralela entre facções ganham força no aspecto violento e
desumano, pois as mortes ocorridas nas rebeliões são geralmente horrendas e monstruosas, a
exemplo, de mutilações e decapitações. Dessa forma, cabe ao Estado zelar tão pela
integridade do preso, como pela integridade dos funcionários, é o que relata o documento do
Congresso Nacional, a saber:
A segurança compreende dentre vários fatores a própria integridade física do
sentenciado. Nossas prisões são muito violentas. Nesse sentido as Regras Europeias
para Tratamento do Preso, que salientam, no tocante à segurança, na regra, que
alguns procedimentos devem ser implementados para garantir a segurança dos
presos, do pessoal penitenciário e de todos os que visitam a prisão, assim como para
reduzir, ao mínimo, os riscos de violências e outros incidentes que poderiam
ameaçar a segurança do estabelecimento. Preconiza o art. 44 da LEP que a disciplina
consiste na colaboração com a ordem, na observância das determinações das
autoridades e seus agentes e no desempenho do trabalho. A ordem e a disciplina são
importantes em qualquer instituição ou organização social. Dentro do cárcere, onde
o indivíduo é obrigado a permanecer com determinado grupo e em condições
atípicas ao costume social, sem tal imposição torna-se impossível à realização de
qualquer espécie de tratamento prisional (NACIONAL, 2009, p. 411).
As condições de segurança nos estabelecimentos prisionais são mínimas, basta avaliar
as armas e aparelhos digitais apreendidos ao fim de uma rebelião. Todas as rebeliões dos
presídios brasileiros são auxiliadas, principalmente, pela força de materiais cortantes, como
facas e outras armas similares feitas artesanalmente, pois, é assim, que os presos impõem o
caráter violento da revolta.
Sem todo esse aparelhamento seria praticamente impossível à concretização dos
motins e rebeliões, uma vez que em todos os casos os presos se valem de reféns, estes, em
todos os casos, agentes penitenciários. É neste sentido que a violência nos presídios
enfraquece a força e a ineficácia da lei de execução penal, pois onde há violência armada não
há ordem e, dessa forma, não há recuperação social.
CONCLUSÃO
O presente trabalho aspirou em um primeiro momento à evolução do conceito de pena
para os primórdios, passando pelas épocas das vinganças, pela adoção dos direitos por cada
um dos povos mais relevantes na história e, ainda, a reformulação do direito penal arcaico
para um direito penal mais humano.
Posteriormente procurou abordar os pensamentos de cada uma das escolas penais que
ajudaram a construir o conceito de pena, também, a história dos sistemas penitenciários,
sobretudo as grandes questões sobre o sistema carcerário atual brasileiro.
Diante de todo exposto no trabalho se pode constatar a total ineficácia do caráter
ressocializador da pena privativa de liberdade, haja vista que pela maneira que vem sendo
aplicada não é compatível com os objetivos consagrados na lei de execução penal. A
execução penal no Brasil não tem efeito nenhum sobre o apenado, à execução atinge objetivos
contrários e, dessa forma, introduz novamente o preso no mundo da criminalidade.
Não há diferenças das trevas do crime para o mundo carcerário, ao contrário, dentro do
cárcere brasileiro a regeneração do individuo passa a ser utópica. Aliás, além de cumprir sua
pena no deplorável cárcere, que é as prisões brasileiras, ao sair do estabelecimento prisional o
preso tem que lidar com a sociedade que o estigmatiza mais uma vez.
Um passo importante para a solução dessa crise prisional é o respeito aos direitos
humanos e a concretização dos cuidados mais básicos dos presos nas cadeias publicas. René
Ariel Dotti afirma ―O direito penal é a ciência destinada a proteger os valores fundamentais
do homem‖ por isso deve-se atentar ao fato de que o Estado tem a obrigação de prover, pelo
menos, o mínimo para a integridade do preso, e assim, mostrar o respeito à dignidade da
pessoa humana.
O próprio sistema agride o preso e sem a figura de protetor o Estado não pode garantir
que o preso seja ressocializado, uma vez que ele próprio não respeita a pessoa do preso como
homem detentor de direitos. Sem a proteção jurídica aos direito humanos não a que se fala em
ressocialização.
Outra forma de se atenuar a crise no sistema é a diminuição dos presos provisórios ao
se aplicar mutirões por parte da justiça como forma de avaliar os presos provisórios e detectar
se estes ainda guardam motivos para estarem nessas condições.
Outro fator de total importância é a aplicação de penas alternativas pelo fato de que ela
evita que os criminosos de baixa periculosidade tenham contatos com delinquentes ligados a
facções criminosas influentes.
A lei n.º 9.714, de 25 de novembro de 1998 preceitua como penas alternativas a
prestação pecuniária; perda de bens e valores; prestação de serviço à comunidade ou a
entidades públicas; interdição temporária de direitos; limitação de fim de semana se o crime
não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou se o crime for culposo; também
cumpre ressaltar que o réu não pode ser reincidente em crime doloso.
Não há duvida que o indivíduo que comete um crime ausente de violência ao passar
para o sistema prisional adota o caráter agressivo e hostil. A que se falar também na separação
dos presos com base no principio da individualização da pena.
Os presos provisórios jamais poderiam manter contato com presos condenados, mas
pela falta de estrutura dentro dos presídios e por força da superlotação os presos provisórios
passam a ter contato com presos veteranos e dessa forma passam se contaminar com certos
delitos.
Contudo, já que a pena privativa de liberdade exclui o individuo de viver com a
sociedade, é justo que este preso goze de trabalho e estudo para um melhor aperfeiçoamento
de seu perfil. Aumentar as opções de trabalho e de estudo não só aumentam as chances de
ressocialização, mas também aumentam o perfil de profissionais no país.
O detento que adquire uma profissão aumenta suas chances de trabalho quando estiver
em liberdade e, ao conviver com outras demais pessoas acresce suas chances de ascensão
profissional. É justo salientar que o Estado tem de recuperar o controle dessas penitenciarias
freando a violência existente dentro dos presídios.
O Estado deve organizar um planejamento nacional para que, paulatinamente, se
estabeleça a ordem dentro das prisões que foram tomadas por organizações criminosas.
Somado a isso se deve reforçar a segurança nos presídios com o proposito de se impedir a
proliferação da violência de presos contra presos, pelo uso de armas.
O Brasil deve buscar efetivar um plano repressor no que diz respeito às drogas. Um
dos maiores problemas é a ausência de determinação sobre quem é usuário e quem é
traficante. Pode-se dizer que crimes relacionados a drogas são grande maioria nas cadeias e,
assim fica difícil a luta contra a crise, posto que o consumo de droga diz respeito a um
problema social e sua repressão depende de uma politica publica bem fundamentada.
Por fim, o Brasil precisa efetivar o que está postulado nas suas leis e dar ao preso uma
chance digna de voltar a conviver em sociedade. Para tanto é preciso não só estas, mas um
conjunto de ações entre o Estado e a sociedade para amenizar alguns desses problemas.
O preso custa certo montante ao Estado, mas não goza nem do mínimo fundamental a
que tem direito mesmo o mais repulsivo dos homens. Tem-se que é preciso parar e pensar no
tema carcerário para que este não piore cada vez mais e nos tire a esperança de uma sociedade
melhor.
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