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Luciana Carvalho Corrêa O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL Centro Universitário Toledo Araçatuba/SP 2018

O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

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Page 1: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Luciana Carvalho Corrêa

O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

EXECUÇÃO PENAL

Centro Universitário Toledo

Araçatuba/SP

2018

Page 2: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Luciana Carvalho Corrêa

O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

EXECUÇÃO PENAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como

requisito parcial para obtenção de grau de Bacharel em

Direito à Banca Examinadora do Centro Universitário

Toledo, sob orientação do Professor Jefferson Jorge.

Centro Universitário Toledo

Araçatuba/SP

2018

Page 3: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

BANCA EXAMINADORA

Jefferson Jorge

Thiago de Barros Rocha

Luiz Gustavo Boiam Pancotti

Araçatuba/SP, 20 de junho de 2018.

Page 4: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Este trabalho é dedicado a meus pais,

especialmente a meu pai que não pode

alcançar minha conquista.

Page 5: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

AGRADECIMENTOS

Dedico meus sinceros agradecimentos àqueles que muito me ajudaram na conclusão

desse caminho árduo e difícil. Com certeza essas pessoas tornaram a realização deste trabalho

uma tarefa prazerosa, a exemplo dos meus pais, Glória Carvalho Corrêa e Eliseu Corrêa,

minha irmã Luciene Carvalho, minha sobrinha Julia Berjan e meu cunhado Donizete Doro.

Ainda, os eternos e mais que especiais, Juliana Crespi Bozzo e Carlos Henrique

Gênova Morotti, bem como aos excelentíssimos professores Renato Freitas e Jefferson Jorge

os quais eu nunca poderei expressar minha eterna gratidão. Outras pessoas poderiam ser aqui

citadas, fazendo com que a estrutura desse texto fosse mais completa e emotiva, porém

poucas fizeram a real diferença como as que estão citadas. Maiormente, Deus, nosso Senhor

em Cristo Jesus.

Page 6: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

―Se quiseres conhecer a situação

socioeconômica do país, visite os porões de

seus presídios‖ Nelson Mandela.

Page 7: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

RESUMO

O exposto trabalho, o qual foi nomeado ―O Sistema Prisional Brasileiro e a ineficácia da Lei

de Execução Penal‖, tem por objetivo esclarecer e apontar os principais problemas do sistema

carcerário brasileiro e, junto, a ineficácia e despreparo evidentes da Lei de Execução Penal

desenvolvida para desobstruir o processo penal em sua última fase, concretizar a sentença ou

decisão criminal e, além disso, facilitar a integração do apenado que volta a conviver em

sociedade. Para tanto, este trabalho, resumidamente, esclarece aspectos relevantes da história

das penas e castigos, a linha de raciocínio traçada pelos pensadores das escolas penais, bem

como a história dos sistemas prisionais anteriores. Fundamentalmente, a obra propõe mostrar

algumas das inúmeras causas da crise penitenciária no Brasil e, finalmente, os motivos pelos

quais a Lei de Execução Penal se faz ineficaz frente ao sistema carcerário.

Palavras-chave: Sistema prisional carcerário. Objetivos da LEP. Lei de Execução Penal.

Crise no Sistema Carcerário Brasileiro.

Page 8: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

ABSTRACT

This work, which was named " The Brazilian Prison System and the ineffectiveness of the

Criminal Enforcement Law", aims to clarify and point out the main problems of the Brazilian

prison system and, together, the evident inefficiency and lack of preparation of the Criminal

Enforcement Law developed to clear the criminal process in its last phase, to concretize the

sentence or criminal decision and, in addition, to facilitate the integration of the remorse that

returns to live in society. To this end, this paper briefly clarifies relevant aspects of the history

of punishments and punishments, the line of reasoning drawn by criminal school thinkers, as

well as the history of previous prison systems. Fundamentally, the book proposes to show some

of the innumerable causes of the penitentiary crisis in Brazil and, finally, the reasons why the

Law of Criminal Execution becomes ineffective before the prison system.

Keywords: Prison system in prisons. Objectives of the LEP. Criminal Execution Law. Crisis

in the prison system prison.

Page 9: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

LISTA DE ABREVIATURAS

CF: Constituição Federal

CP: Código Penal

CPP: Código de Processo Penal

LEP: Lei de Execução Penal

Page 10: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12

I – BREVE HISTÓRIA DAS PENAS...................................................................................13

1.1. Vingança divina ................................................................................................................ 13

1.2. Vingança privada .............................................................................................................. 14

1.3. Vingança pública ............................................................................................................... 15

1.4. Direito penal romano ......................................................................................................... 16

1.5. Direito penal germânico .................................................................................................... 19

1.6. Direito penal canônico ...................................................................................................... 21

1.7. Período Humanitário ......................................................................................................... 26

II – ESCOLAS PENAIS.........................................................................................................39

2.1. Escola Clássica .................................................................................................................. 39

2.2. Escola Positiva ................................................................................................................. 40

2.3. Escola Correcionalista ....................................................................................................... 43

2.4. Escola Técnico-Jurídica .................................................................................................... 44

2.5. Escola de Defesa Social .................................................................................................... 45

2.6. Conceito de Pena ............................................................................................................... 46

2.6.1. Teorias sobre a finalidade da pena ................................................................................. 47

2.6.2. Teoria absoluta ou retributiva. ..................................................................................... 49

2.6.3. Teorias relativas com finalidades preventivas. ............................................................. 50

2.6.4. Teoria adotada pelo Brasil e classificação das penas. .................................................. 51

III – A HISTÓRIA SOBRE OS SISTEMAS PENITENCIÁRIOS....................................53

3.1. A importância de John Howard ......................................................................................... 53

3.2. Jeremy Bentham e sua atuação ......................................................................................... 54

3.3. Sistema Pensilvânico ......................................................................................................... 56

3.4. Sistema Auburniano .......................................................................................................... 57

3.5. Sistema Progressivo Inglês ............................................................................................... 61

3.6. Sistema Progressivo Irlandês ............................................................................................ 62

Page 11: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

3.7. Sistema de Elmira ............................................................................................................. 64

3.8. Sistema de Montesinos ...................................................................................................... 65

IV - AS CAUSAS DA CRISE PENITENCIÁRIA...............................................................68

4.1. O Crime Organizado ......................................................................................................... 68

4.2. A Superlotação .................................................................................................................. 70

4.3. A Reincidência .................................................................................................................. 73

4.4. O Excesso de prisões provisórias ...................................................................................... 75

V - A INEFICÁCIA DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL.....................................................78

5.1. O desrespeito ao princípios constitucionais ...................................................................... 78

5.2. A não prestação dos direitos e garantias previstos ............................................................ 82

5.3. A má administração ........................................................................................................... 86

5.4. A Segurança nos presídios. ............................................................................................... 88

CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 90

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 93

Page 12: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

INTRODUÇÃO

O sistema carcerário atual constitui um dos maiores impasses do Brasil e, portanto,

deve ser avaliado e reestudado para que sofra melhorias e avanços frente o ordenamento

jurídico brasileiro, sobretudo a Lei de Execução Penal.

A relevância desse assunto é tão grande que a LEP foi criada com o objetivo de

efetivar as disposições da sentença e, como preceitua a lei, proporcionar condições para a

integração social do apenado.

Dessa forma, esse trabalho cuidará de esclarecer um pouco da história das prisões,

como as prisões chegaram ao que se tem hoje avaliando as escolas penais e as causas da crise

no sistema prisional brasileiro e, ainda a ineficácia da Lei de Execução Penal.

O primeiro capítulo cuida avaliar em um panorama histórico a transição do conceito

de pena e prisão, bem como o período em que esta ganhou o caráter mais humano.

Adiante, o trabalho se preocupa em detalhar minuciosamente os pensamentos de todas

as escolas penais, principalmente, o conceito e as teorias relativas as penas no direito penal.

No terceiro capitulo, se fará necessário esclarecer a história do sistema penitenciário e

a influencia fundamental de alguns pensadores que fizeram história no tema penitenciário.

O penúltimo capítulo deste trabalho cuida de demonstrar algumas das principais

causas da crise do sistema penitenciário brasileiro. Desta forma, se fez fundamental destacar o

crime organizado, a superlotação, a reincidência e o excesso de prisões provisórias no Brasil.

Por fim, o ultimo capitulo elucida alguns dos pontos estimuladores da ineficácia da lei

de execução penal, a exemplo, do desrespeito aos princípios constitucionais, a não observação

aos direitos inerentes dos presos, bem como suas garantias e, ainda a má administração das

autoridades e a segurança dentro dos estabelecimentos prisionais.

Page 13: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

I – BREVE HISTÓRIA DAS PENAS

1.1 Vingança Divina.

A origem do Direito Penal tem como um de seus fundamentos as diferentes formas de

advertência do homem como ser social. A repreensão do homem está associada a uma época

primitiva, os livros religiosos fazem menção a uma espécie de punição sofrida pelo homem

como forma de efeito por um mal causado. Segundo a Bíblia Sagrada, uma das primeiras

experiências no que tange a recriminação do homem se encontra no livro de Gênesis, o qual

relata a desobediência de Eva em relação à ordem emanada de Deus, tal condição merece

registro:

E Deus disse: Quem te disse que estavas nu? Comeste tu da árvore de que te ordenei

que não comesses? Então disse Adão: A mulher que me deste por companheira, ela

me deu da árvore, e eu comi. E disse o Senhor Deus à mulher: Que é isto que

fizeste? E disse a mulher: A serpente me enganou, e eu comi. E à mulher disse:

Multiplicarei grandemente a tua dor e a tua concepção; com dor darás à luz filhos; e

o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará. E a Adão disse: Porquanto

deste ouvidos à voz de tua mulher e comeste da árvore de que te ordenei, dizendo:

Não comerás dela; maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os

dias da tua vida. Espinhos e cardos também te produzirão; e comerás a erva do

campo. No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que retornes à terra, porque dela

foste tomado; porquanto és pó, e ao pó retornarás.

De acordo com a religião o conflito foi à primeira relação de Deus para com o homem

e, sobretudo, a punição ou castigo foi à primeira das soluções. Porém, na passagem dos

períodos, a doutrina da vingança acontece não somente pela divindade cristã, mas também por

outros deuses emblemáticos nos códigos de consagradas nações, ou seja, códigos interpostos

pelo próprio homem por uma presumível expiração divina. No que diz respeito à opinião de

Magalhães Noronha sobre isto:

Já existe um poder social capaz de impor aos homens normas de conduta e castigo.

O princípio que domina a repressão é a satisfação da divindade, ofendida pelo crime.

Pune-se com rigor, antes com notória crueldade, pois o castigo deve estar em relação

com a grandeza do deus ofendido. É o direito penal religioso, teocrático e sacerdotal.

Um dos principais Códigos é o da Índia, de Manu (Mânava, Dharma, Sastra). Tinha

por escopo a purificação da alma do criminoso, através do castigo, para que pudesse

alcançar a bem-aventurança. Dividia a sociedade em castas: brâmanes, guerreiros,

comerciantes e lavradores. Era a dos brâmanes a mais elevada; a última, a dos

sudras, que nada valiam. Revestido de caráter religioso era também o de Hamurabi.

Aliás, podemos dizer que esse era o espírito dominante nas leis dos povos do Oriente

antigo. Além da Babilônia, Índia e Israel, o Egito, a Pérsia, a China etc.

(NORONHA, 2000, p. 21).

Page 14: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Muitos atos foram cometidos com a desculpa de vingança divina, muitos destes

cometidos pelo homem para outro homem, ou ainda, de uma tribo para com uma família. A

partir destas concepções, algumas tribos ou bando destinavam e nomeavam alguns indivíduos

em meio ao grupo para exercer a pretensa vingança, pode-se assim dizer chefes e sacerdotes.

Ao dissertar sobre o tema Rogério Greco comenta:

Era o direito aplicado pelos sacerdotes, ou seja, aqueles que, supostamente, tinham

um relacionamento direto com um deus e atuavam de acordo com sua vontade.

Incontáveis atrocidades foram praticadas em nome dos deuses, muitas delas com a

finalidade de aplacar-lhes a ira. A criatividade maligna dos homens não tinha

limites. As sociedades, nesse período, eram carregadas de misticismos e crenças

sobrenaturais. Eventos da natureza, como chuvas, trovões, terremotos, vendavais

etc., podiam demonstrar a fúria dos deuses para com os homens e, para tanto,

precisava ser aplacada, mediante o sacrifício humano. Alguém era apontado como

culpado e, consequentemente, devia ser entregue aos deuses (GRECO, 2017, p. 49).

Também em contrapartida Artur Rocha De Souza Netto aclara ―A fase da vingança

divina é caracterizada pela aplicação de penas com o intuito de satisfazer os deuses pela

ofensa praticada no grupo social. Exemplo típico dessa fase é o Código de Manu. Nessa fase a

pena era aplicada pelos sacerdotes‖ (NETTO, 2010).

1.2 Vingança Privada

Entende-se que a vingança privada era uma reação natural e muita das vezes

desproporcional do ofendido para com seu ofensor. Acontece que pela falta de

regulamentação de normas a invasão daquele que sofreu o delito era muito maior do que o

dano causado, podendo ultrapassar a pessoa do delinquente tendo consequência,

principalmente, em sua parentela. Pela lição de Magalhães Noronha temos:

A pena, em sua origem, nada mais foi que vindita, pois é mais que compreensível

que naquela criatura, dominada pelos instintos, o revide à agressão sofrida devia ser

fatal, não havendo preocupações com a proporção, nem mesmo com sua justiça. Em

regra, os historiadores consideram várias fases da pena: a vingança privada, a

vingança divina, a vingança pública e o período humanitário. Todavia deve advertir-

se que esses períodos não se sucedem integralmente, ou melhor, advindo um, nem

por isso o outro desaparece logo, ocorrendo, então, a existência concomitante dos

princípios característicos de cada um: uma fase penetra a outra, e, durante tempos,

esta ainda permanece a seu lado (NORONHA, 2000, p. 20).

Page 15: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

As palavras de Rogerio Greco explana o que foi acima citado ―O único fundamento da

vingança era a pura e simples retribuição a alguém pelo mal praticado. Essa vingança podia

ser exercida não somente por aquele que havia sofrido o dano, como também por seus

parentes ou mesmo pelo grupo social em que se encontrava inserido‖ (GRECO, Curso de

Direito Penal: Parte Geral, 2015, p. 16). Rogério também compara o livro sagrado e a Lei do

Talião em sua exemplificação:

A Bíblia relata a existência das chamadas ―cidades refúgio‖, destinadas a impedir

que aquele que houvesse praticado um homicídio involuntário, ou seja, um

homicídio de natureza culposa fosse morto pelo vingador de sangue. Se, no entanto,

o homicida viesse a sair dos limites da cidade refúgio, poderia ser morto pelo

mencionado vingador. A Lei de Talião pode ser considerada um avanço em virtude

do momento em que foi editada. Isso porque, mesmo que de forma incipiente, já

trazia em si uma noção, ainda que superficial, do conceito de proporcionalidade. O

―olho por olho‖ e o ―dente por dente‖ traduziam um conceito de Justiça, embora

ainda atrelada à vingança privada. (GRECO, Curso de Direito Penal: Parte Geral,

2015, p. 17)

De maneira uniforme um artigo detalhado pelo aluno de direito Artur Rocha De Souza

Netto faz alusão de como era o tempo da vingança privada, em suas palavras, ilustra:

Na fase de vingança privada, quando alguém praticava um ato proibido por seu

povo, havia a reação da vítima, dos parentes, e até de seu grupo social que agiam

sem proporção à ofensa. Se o ofensor fosse da tribo podia ser expulso (banido) ou

até mesmo morto, e se fosse de outra tribo, poderia acabar gerando uma guerra que

levaria até mesmo à destruição de uma das tribos. Com o tempo, a fim de se evitar

massacres desmedidos, tornou-se aceita a ideia de que a retaliação deveria ser

proporcional ao dano causado (NETTO, 2010).

Enfim, muita das vezes desproporcional a vingança privada era o meio pelo qual o

homem externava suas razões por não ter garantia nenhuma que a justiça fosse ser feita.

1.3 Vingança pública

A vingança pública tem se por mais organizada, isto é, instituída pelo Estado para que

as autoridades competentes cumpram seu papel de vingador. A vingança pública não se

desarraigou de seu caráter cruel e vexatório, ao contrário, se tornara mais violenta por seu

cunho executório. Dessa forma, Greco nos afirma ―A vingança pública surge, nessa fase da

evolução histórica do Direito Penal, e fundamentada na melhor organização social, como

forma de proteção, de segurança do Estado e do soberano, mediante, ainda, a imposição de

Page 16: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

penas cruéis, desumanas, com nítida finalidade intimidatória‖ (GRECO, Curso de Direito

Penal: Parte Geral, 2015, p. 18).

Entretanto, a vinganças privada e divina nunca desapareceram do meio social, tão

somente se escondiam em menor quantidade por força de grupos apartados. Pode-se refletir

com base no que diz João Mestieri (1999, p.26, apud GRECO, 2015, p. 18)

A vingança divina cede naturalmente lugar à vingança pública, produto da paulatina

afirmação do direito no contexto sociocultural. As várias sociedades, já

politicamente organizadas, contam com um poder central, procurando por todos os

meios se afirmar e manter a coesão e a disciplina do grupo social. Leis severas são

ditadas e a sociedade não demora muito a sentir a enorme perda que está sofrendo

dia a dia, com a aplicação da justiça. As mortes e as mutilações apenas enfraqueciam

a tribo, sendo necessário então outra forma de retribuição.

Nesse sentido segue o resumo do promotor Cleber Masson, que em sua obra resume

perfeitamente:

Com a evolução política da sociedade e melhor organização comunitária, o Estado

avocou o poder dever de manter a ordem e a segurança social, conferindo a seus

agentes a autoridade para punir em nome de seus súditos. A pena assume nítido

caráter público. Os ofendidos não mais necessitam recorrer às suas próprias forças.

A finalidade dessa fase era garantir a segurança do soberano, por meio da aplicação

da sanção penal, ainda dominada pela crueldade e desumanidade, característica do

direito penal então vigente. Cabia a uma terceira pessoa, no caso o Estado –

representante da coletividade e em tese sem interesse no conflito existente –, decidir

impessoalmente a questão posta à sua análise, ainda que de maneira arbitrária. Nessa

época, as penas ainda eram largamente intimidatórias e cruéis, destacando-se o

esquartejamento, a roda, a fogueira, a decapitação, a forca, os castigos corporais e

amputações, entre outras (MASSON, 2015, p. 120).

1.4 Direito Penal Romano

Os períodos de vingança foram, sobre tudo, o tempo no qual o homem, literalmente,

exercia a autotutela, tendo base para tal as próprias razões. Neste período arcaico o exercício

das próprias razões era simplesmente demasiado, sem qualquer ordem ou limite.

Logo, é essencial elucidar que a historia de Roma foi categórica para o

desenvolvimento do direito atual. De acordo com a história a narrativa romana se desmembra

em três partes: Roma passou pela monarquia, pelo império e pela republica.

Page 17: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Roma no inicio foi governada por reis que detinham vários dos poderes, inclusive, os

poderes judiciais. Rogerio Greco narra à história de Roma de uma maneira exemplar, e sobre

ela aduz:

O Direito Romano pode ser considerado um dos marcos mais importantes da nossa

história. Roma foi fundada em 753 a.c. e surgiu de uma pequena comunidade

agrícola existente na península itálica no século VIII, tornando-se um dos maiores

impérios do mundo antigo. Em virtude de uma proposta levada a efeito por um

plebeu chamado Gaius Terentilius, em 462 a.c., que se opunha ao modo pelo qual as

leis eram conhecidas e aplicadas, principalmente pelos patrícios, foi designado um

decenvirato (um grupo de dez homens), que teve por encargo a preparação de um

conjunto de leis que, posteriormente, ficou conhecido como Lei das XII Tábuas, que

chegou a seu termo e foi promulgada de 451 a 450 a.C. Foi, originalmente, escrita

em doze tabletes de madeira, que foram afixados no Fórum Romano, permitindo,

assim, que todos as conhecessem e pudessem fazer a sua leitura. Sua temática estava

dividida da seguinte forma: Tábuas I e II: Organização e procedimento judicial;

Tábua III – Normas contra os inadimplentes; Tábua IV – Pátrio poder; Tábua V –

Sucessões e tutela; Tábua VI – Propriedade; Tábua VII – Servidões; Tábua VIII –

Dos delitos; Tábua IX – Direito público; Tábua X – Direito sagrado – Tábuas XI e

XII – Complementares (GRECO, Curso de Direito Penal: Parte Geral, 2015).

Sendo a historia do direito em Roma muito extensa pode-se traduzi-la em uma breve

linha do tempo – Período arcaico — fundação a século II a.c. - que está ligado ao primitivo e

ao fazer as leis como se acha necessário, ou seja, pelas próprias razões, sendo assim por este

motivo mais tarde a codificação e organização da lei na chamada ―Lei das XII Tábuas‖.

Contudo, está não se distanciou do arcaísmo e da violência do homem, sendo uma das leis

mais severas já elaboradas.

As demais fases (Período clássico e Justiniano) nos são permitido entender melhor

nessa explanação feita por Renata Flávia Firme Xavier sobre o período clássico que venho

após o período arcaico, e assim a mesma discorre que:

As inovações do direito no período clássico foram obras principalmente dos

magistrados, os pretores, que, embora não pudessem revogar as arcaicas normas do

direito antigo (como as XII Tábuas), terminaram por introduzir modificações

verdadeiramente revolucionárias, que, no intuito de suprir lacunas e trazer novas

soluções para uma sociedade em constante modificação, colocaram o direito romano

em um movimento constante de evolução. É preciso, todavia, que se esclareça a

função desempenhada pelo pretor do direito romano. Ele, ao contrário de um juiz de

direito moderno, não executava os processos, nem mesmo colhia as provas. Sua

atividade era observar os argumentos das partes no processo e fixar os limites da

demanda, isto é, de como ela deveria ser julgada. Aí, entrava em jogo um outro juiz,

o iudex (melhor seria dizer árbitro, pois era livremente escolhido pelas partes), que

colhia as provas e, seguindo as diretrizes pré-fixadas pelo pretor para o caso, dava

uma decisão que encerrava a demanda. Dentre os jurisconsultos da época clássica,

podem ser destacados alguns, como Sabinus, Iulianus, Papinianus (que teria sido um

primeiro jurista cristão), Ulpianus (brilhante jurista-filósofo, grande conhecedor da

filosofia de Aristóteles, Platão e Pultarco) e Gaius, autor de uma das obras mais

importantes de toda a história do direito romano, as Institutiones. Com o tempo,

Page 18: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

porém, o poder dos pretores e dos jurisconsultos foi sendo reduzido, sendo uma das

marcas do final do período clássico a concentração cada vez maior do poder nas

mãos dos Imperadores, que, por meio de suas próprias regras soberanas (chamadas

constituições imperiais), acabaram por ir tomando, para si, a capacidade de inovar

em direito, a capacidade de criar regras novas (XAVIER, 2011).

Mais a frente Roma tem-se o que se chama de Período Justiniano que assim se

nomeou por ser governado por Flávio Pedro Sabácio Justiniano Augusto – também conhecido

como Justiniano, o Grande. Renata Flávia Firme Xavier também discorre perfeitamente sobre

está época:

Inicia-se no ano 530, quando o Imperador Justiniano encarregou uma comissão de

juristas, encabeçada por Triboniano, de elaborar uma compilação dos melhores

momentos da história do direito romano, que seria chamada de Digesto ou

Pandectas. Esta fase, a última da história do direito romano, termina em 565, com o

falecimento de Justiniano. É uma época em que o Império já havia se deslocado para

Bizâncio, no Oriente, e está, como o período pós-clássico inteiro, marcada por uma

grande decadência do antigo e clássico direito romano. Justamente são essas as

preocupações que moveram Justiniano: em razão da grande decadência, tentar

resgatar um pouco da tradição e história do direito romano, compilando as mais

famosas frases e citações dos grandes jurisconsultos romanos, como Papinianus,

Ulpianus e Gaius. Em 530, Justiniano encarregou Triboniano de fazer uma seleção

das obras mais importantes dos jurisconsultos clássicos. Triboniano convocou uma

comissão que, em três anos, apresentou o resultado do trabalho árduo e penoso, mas

de muita valia: o Digesto (ou Pandectas), composto de 50 livros, no qual estão

compilados trechos escolhidos de cerca de 2000 livros dos grandes jurisconsultos. É

interessante anotar que os compiladores tinham autorização para modificar

levemente os trechos escolhidos, para harmonizá-los com os princípios do direito

atual (lembrar que a maior parte dos autores compilados era do período clássico,

portanto de três ou quatro séculos antes de Justiniano) (XAVIER, 2011).

Obviamente que a evolução das leis em Roma tem a maior influencia no nosso mundo

contemporâneo. Como elucida Renata:

Os romanos foram os fundadores da Ciência do Direito, os primeiros a desenvolver

um trabalho de análise científica da experiência jurídica. Com isso, forjaram

diversos conceitos, especialmente do Direito privado, conceitos que sobreviveram ao

tempo chegando até os dias atuais. Esses conceitos surgiram no mundo romano

como decorrências de uma necessidade prática, ou seja, da necessidade que os

romanos tinham de descrever a realidade por eles vivenciada, e as normas e

institutos que a regulavam. Para os romanos, a ligação entre Direito e sociedade não

era uma relação casual, mas uma relação de necessidade. E essa necessidade do

Direito fez aparecer uma reflexão típica dos jurisconsultos, com a criação dos

conceitos operacionais do Direito. Justiniano mandou fazer também uma nova

compilação do Codex, texto, este sim, que chegou até os dias de hoje. O Codex era,

portanto, um aglomerado, das mais importantes regras dos Imperadores, em

especial, como vimos, do período do Dominato, que equivale ao fim do período

jurídico clássico e ao início do período jurídico pós-clássico. Além disso, Justiniano

pediu aos seus juristas a elaboração de uma nova versão para as famosas Instituições

de Gaius, que foi feita: são as Institutas de Justiniano. Nos anos seguintes, até o seu

falecimento, Justiniano também cuidou de criar muitas regras novas, muitas

constituições imperiais, que foram publicadas posteriormente como as Novellae, isto

Page 19: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

é, as novas (constituições imperiais). O conjunto das obras de Justiniano, portanto,

abarca o Digesto, as Institutas, o Codex e as Novellae. Esse conjunto recebeu

posteriormente o nome de "Código de Justiniano" ou, no século XVI, de Corpus

Iuris Civilis (nome pelo qual ele é conhecido até hoje) (XAVIER, 2011).

1.5. Direito Penal Germânico

É importante dizer que o direito encontrado nos livros de hoje muito tem a ver com o

direito dos primórdios. A narrativa de Roma como de outros povos em países distinto foi

crucial para o aprimoramento de nossas leis. A evolução do homem na sociedade, a passagem

de tribos e clãs para uma sociedade mais organizada, o conceito de Estado, a instituição de

leis que beneficiam a propriedade, o aprimoramento do processo penal no julgamento de um

delito, dentre outros avanços fora importantíssimo ao desenvolvimento de normas jurídicas

em muitas nações e povos. Contudo, não se pode deixar de citar Roma se esquecendo do

conhecido povo germânico e suas tradições. Todavia, antes é necessário procurar

―acertadamente‖ conceituar a ideia de povo germânico. Dessa forma um artigo de estudo em

um site de conteúdo educacional discorre sobre o assunto:

Os povos germânicos são etnias indo-europeias originalmente estabelecidas na

Europa setentrional. A maior fonte de conhecimento que temos dos germânicos -

data do governo de Júlio César, quando o imperador romano empreendeu várias

guerras contra estes povos. Os povos germânicos habitavam o norte da Europa, onde

hoje estão localizados países como a Alemanha, Áustria, Dinamarca, Noruega,

Suécia, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Reino Unido e parte da França. Como não

possuíam alfabeto, não há fontes escritas pelas próprias tribos germânicas. Por isso,

as evidências arqueológicas são essenciais para descobrir como viviam ditos povos

(BEZERRA, 2017).

Ainda na mesma ideia temos a definição e esclarecimento de Luís Regis Prado:

Nos primórdios, os germanos ocupavam, fora das fronteiras do império romano,

uma extensa zona que se estendia ao leste do rio Reno e ao norte do Danúbio, até

região conhecida hoje como Rússia. Estavam divididos em uma série de povos ou

tribos, em geral nômades, cada qual com a sua organização própria (v.g. visigodos,

ostrogodos, álavos, vândalos, borgúndios), unidos em torno de um ancestral comum,

sob a liderança de um chefe de guerra escolhido em razão de sua bravura. As

sociedades germânicas eram constituídas por nobres, homens livres, semilivres e

escravos, e dominadas pela concepção religiosa de que os deuses dirigem o destino

humano (v.g., o grande deus Wotan, ou Odin, senhor das batalhas e dos mortos). Já

por volta de 359, Roma acaba por aceitar a instalação dos sálicos na margem

esquerda do rio Reno, ao norte da Gália, como soldados romanos de uma tribo

bárbara. Ao depois, em 382, Teodósio faz o mesmo com os visigodos, autorizando-o

a viverem na Trácia, em decorrência de um pacto de aliança (o foedus), que foi

originariamente a causa do desmoronamento do Império Romano do Ocidente

(PRADO, 2005, p. 72).

Page 20: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Como as demais etnias e povos o clã germânico também disponham de crenças,

costumes e religiões. Entretanto, o povo germânico não possuíam uma organização estatal

nem um compilado de leis para os regerem.

Dessa forma, se dividiam em tribos e quaisquer destes que desobedeciam as normas de

conduta deveriam sofrer severas penalidades. Tratava-se de um direito consuetudinário, de

costumes e não de leis escritas. Assim elucida Mirabete e Fabbrini:

O Direito Penal germânico primitivo não era composto de leis escritas, mas

constituído apenas pelo costume. Ditado por características acentuadamente de

vingança privada, estava ele sujeito à reação indiscriminada e á composição. Só

muito mais tarde foi aplicado talião por influencia do Direito Romano e do

cristianismo. Outra característica do direito bárbaro foi à ausência de distinção entre

dolo, culpa e caso fortuito, determinando-se a punição do autor do fato sempre em

relação ao dano por ele causado e não de acordo com o aspecto subjetivo de seu ato.

No processo, vigoravam as ―ordálias‖ ou ―juízos de Deus‖ (prova de água fervente,

de ferro em brasa etc.) e os duelos judiciários, com os quais se decidiam os litígios,

―pessoalmente ou através de lutadores profissionais‖ (MIRABETE & FABBRINI,

2011).

Enfim, o Direito Penal Germânico estava muito atrelado com a justiça primitiva

também ligada a vingança, a justiça pelas próprias razões, mas em substituição destas o

direito germânico foi passando por metástase e, contudo, aderindo ao poder estatal de Roma.

Dessa forma, temos pontos relevantes na historia germânica, a exemplo, das leis

bárbaras, compostas de obrigações pecuniárias e se estas não fossem possíveis seriam

supridas por leis corporais.

Em sua fase ulterior, após a invasão de Roma, com o aumento do poder do Estado,

foi desaparecendo a vindicta. As leis bárbaras (leges barbarorum) caracterizavam-se

pela composição, estabelecidas às tarifas de pagamento conforme a qualidade das

pessoas, o sexo, a idade, o local e a espécie da ofensa. Àqueles que não pudessem

pagar eram aplicadas penas corporais. Alguns crimes, principalmente os políticos,

eram punidos com penas publicas (pena capital, corporal e exilio). No direito

germânico preponderou, por muito tempo, ao contrário do direito romano do período

clássico, que adotava a prevalência do aspecto subjetivo do fato, a responsabilidade

objetiva. Punia-se o dano, sem se levar em conta se o fato resultou de dolo, culpa ou

do fortuito. (JUNIOR, 2010, p. 55).

Mais tarde aderiram ao direito do talião que se baseava na reciprocidade do ato

cometido, originalmente conhecida como ―olho por olho e dente por dente‖. Logo, cumpre

salientar que o povo germânico usufruiu por bastante tempo de todas as espécies de vingança

usando-a como soberana norma social.

Page 21: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Como ordem dentro das tribos e aldeias o povo germânico fez jus tanto das leis

barbaras quanto também por aquelas que acreditavam serem leis e recompensas divinas, assim

sendo, de acordo com suas crenças e filosofias.

No entanto, é correto alegar que o direito germânico é o grande introdutor da

responsabilidade objetiva no campo do direito, ou seja, o menosprezo da subjetividade do

autor do delito, o julgamento tão somente dos fatos e não de uma possível passionalidade do

autor.

Artur Rocha De Souza Netto ilustra, em seu artigo, essa fase do direito primário

germânico:

O Direito Germânico, anterior à invasão de Roma, não continha leis escritas, sendo

de natureza consuetudinária. A pena era tida como expiação religiosa. O crime era

assunto privado, sujeito à vingança ou à composição familiar. Após a invasão de

Roma, com o aumento do poder do Estado, têm-se as leis bárbaras (leges

barbarorum) caracterizadas pela composição, estabelecidas as taxas de pagamento

conforme a qualidade das pessoas, o sexo, a idade, o local e a espécie de ofensa.

Àqueles que não pudessem pagar eram aplicadas penas corporais. O direito de talião

foi aplicado muito tempo depois, por influência do Direito Romano e do

Cristianismo. Ao contrário do Direito Romano do período clássico, preponderou no

direito penal germânico à responsabilidade objetiva, ou seja, punia-se o dano sem

levar em conta se o fato resultou de dolo, culpa ou fato fortuito. Quanto ao processo

penal, serviam-se os germânicos das chamadas ordálias ou juízos de Deus (prova da

água fervente, ferro em brasa, etc.) e dos duelos judiciários, onde o vencedor era

proclamado inocente (NETTO, 2010).

1.6. Direito Canônico.

Outra narrativa bastante extensa é a correlação da igreja católica com o Estado.

Embora, o mais ético fosse que as duas entidades não mantivessem relação alguma, está foi

uma união muito forte durante o período da idade média e, a quem diga, recentemente

também.

O direito canônico é um misto de direito – por um lado temos sua essência costumeira,

consuetudinária, e por outro temos um direito escrito de leis sacras, a exemplo, do Código de

Direito Canónico atual e do uso da bíblia sagrada como um livro de referência de regras pré-

estabelecidas sobre normas morais.

Inicialmente, temos que abordar que o cristianismo era uma religião muito perseguida,

mas que com o tempo se dissipou grandemente tendo o Estado que se unir a tal filosofia por

sua força e adeptos. Felipe Aquino professor de História a 20 anos da Igreja do Instituto de

Teologia Bento XVI da Diocese de Lorena em seu artigo detalha a expansão e correlação do

Page 22: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

cristianismo com o Estado, o mesmo declara ―No início século quarto, o cristianismo já estava

espalhado por quase todo o mundo, penetrando até na classe nobre e era muito perseguido

pelos imperadores que tentavam a todo custo, com o poder das armas destruir o poder da fé,

mas não conseguiam‖ (Aquino, 2017).

Há relatos de perseguições sob o povo cristão no império romano, na gestão do

imperador Nero Cláudio César Augusto Germânico, popularmente conhecido como ―Nero‖,

perseguições por judeus contra a ideologia cristã, retaliações sob o governo de Diocleciano e

Galério.

Ademais, o próprio coliseu que começou a ser construído sob o governo de

Vespasiano foi palco para grandes torturas contra o povo cristão, a exemplo, dos

devoramentos de cristãos por leões que ficavam dias sem comer.

Felipe Aquino igualmente discorre sobre os mártires sofridos pelos fiéis, não somente

no passado, mas também nos dias de hoje:

A perseguição começou com Jesus; foi caluniado, flagelado, coroado de espinhos,

crucificado e morto entre dois ladrões. Antes Dele seu Precursor, João Batista, foi

degolado. Logo em seguida foi Santo Estevão, apedrejado até a morte. Em seguida

foi Tiago maior, morto por um dos Herodes. Pedro e Paulo morreram sob Nero e

junto com eles milhares de cristãos derramaram seu sangue no Coliseu, no Circo de

Nero e nos anfiteatros romanos em toda a volta do Mediterrâneo. Milhares de

crianças, jovens, mulheres e velhos derramaram seu sangue para que a fé chegasse a

nós. O escritor cristão do século II, Tertuliano, escreveu em seu ―Apologeticum‖

para o imperador sanguinário, Marco Aurélio, que não adiantava matar mais cristãos

porque ―o sangue dos mártires é semente de novos cristãos‖. Quanto mais cristãos

eram martirizados barbaramente, mais romanos se convertiam; até que em 313,

depois de 250 anos de perseguição de Nero, Domiciano, Trajano, Aureliano, Marco

Aurélio, Diocleciano, etc., Constantino se converteu, impediu a perseguição. Em

385 Teodósio, o Grande, decretou o fim do paganismo e Roma se tornou cristã. Esse

sangue foi derramado abundantemente no Japão, na China, no Vietnã, no Laos, no

Cambodja, no México, em Cuba, na Espanha… em todos os continentes; e, mais do

que nunca no século XX e XXI, pelos comunistas, nazistas e mulçumanos radicais.

No Brasil, o nosso primeiro bispo, D. Pedro Sardinha, foi morto pelos índios e

devorado. A revolução francesa matou cerca de 17.000 padres e 30.000 religiosos. O

Papa João Paulo II disse, com dados mostrados, que o século XX sozinho fez mais

mártires do que toda a história anterior da Igreja. Ele nomeou uma Comissão

destinada a recensear os mártires do século XX. Mais de dez mil relatos de martírio

ocorrido chegaram a Roma, em cerca de dez línguas diferentes. 45% desses relatos

vieram de Conferências Episcopais e 40% de Congregações ou Ordens Religiosas.

Em setembro de 1998, a Igreja da Espanha tinha mandado 2075 relatórios; a da

França, sessenta e a Espanha mais 2000; a Coréia, 200; a Polônia, 900. Quanto aos

países dominados por governo anticatólico (Vietnã, China, Sudão…), as autoridades

civis não permitiram. (AQUINO, 2017).

Page 23: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Enfim, muitas foram às perseguições ao cristianismo, contudo, o estigma de

perseguição e represália se fez presentes em varios governos, como supracitados, e além

destes, outros mais de diferentes ordens e leis em epocas diversas. Deste modo, cumpre

infatizar o que realmente importou na historia do direito canonico, a exemplo do governo de

Constantino I, também conhecido como Constantino Magno ou Constantino, o Grande.

Com base na historia romana Constantino Magno foi um imperador que governou num

dos periodos politicos mais dificeis da história e mesmo com tal quadro estabelecido foi

propagador de varias reformas e mudanças no ambito social de Roma. O professor de História

Felipe Aquino sintetiza com clareza a historia de Constantino, a saber:

Era filho de um oficial grego, Constâncio Cloro, que no ano 305 foi nomeado

Augusto ao mesmo tempo em que Galério, e de Helena, uma mulher que chegaria a

ser santa. Por morte de Constâncio Cloro, em 306, Constantino é aclamado

imperador do Ocidente pelo exército local, no meio de uma difícil situação política,

agravada pelas tensões com o antigo imperador, Maximiano, e com o seu filho

Maxêncio. Constantino começou por derrotar Maximiano, em 310, e logo a seguir

Maxêncio, na batalha de Ponte Milvio, em 28 de Outubro de 312. Segundo a

tradição, Constantino terá tido uma visão antes dessa batalha. Olhando o Sol, ao qual

prestava culto, como pagão que era, viu uma cruz e ordenou que os seus soldados

pusessem nos escudos o monograma de Cristo (as duas primeiras letras do seu nome

em grego, sobrepostas). Embora continuasse a praticar ritos pagãos, a partir dessa

vitória passou a mostrar-se favorável aos cristãos. Com Licínio, imperador do

Oriente, promulgou o chamado ―Édito de Milão‖ (ver pergunta 49: O que foi Édito

de Milão?), favorecendo a liberdade de culto. Mais tarde, os dois imperadores

confrontaram-se e, no ano de 324, Constantino derrotou Licínio, convertendo-se no

único Augusto do Império. (AQUINO, Quem era Constantino?, 2017).

Conforme a historia de Roma, a própria mãe de Constantino foi uma devota cristã

temente às doutrinas da igreja e tolerante com a devoção e permanecia do povo cristão em

Roma. Não se sabe ao certo quais desses episódios influenciaram de fato a proclamação do

Édito de Milão por Constantino, contudo, sabe-se que este foi o documento oficial que

liberara e favorecia os cristãos a todo e qualquer exercício da religião.

Com a liberação do exercício cristão em Roma o cristianismo se expandiu pelo mundo

chegando ao que se conhece atualmente e sua forte influencia fez com que adquirisse forte

domínio nas relações governamentais, principalmente, no continente europeu.

A força da igreja sempre é contada nas obras que relatam os tempos do império, da

idade média ou até mesmo os períodos das guerras e pós-guerras. A Igreja foi extremamente

criticada até mesmo por seus membros, a exemplo de Martinho Lutero que a censurou por

meio da reforma protestante ao buscar que a igreja católica não fizesse vista grossa aos seus

componentes que pregavam a lei, mas não a cumpriam.

Page 24: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

No entanto, mesmo sobre criticas, a igreja católica manteve relações corporativas

durante um longo período com os governantes que a apoiava e, esta em contrapartida, farara o

mesmo.

Todavia, com uma autoridade semelhante a dos governos mais poderosos do mundo e

uma influencia territorial e intelectual suprema, a Igreja Católica não poderia ficar sem um

código especificador de sua doutrina e ideal, ou seja, um código de regras de condutas que

norteie seus dogmas.

Cezar Bitencourt em sua respeitadíssima obra discorre sobre o assunto com nitidez,

sobre isto diz:

A influência do Cristianismo no Direito Penal, com a proclamação da liberdade de

culto, pelo imperador Constantino (313 d.C.), veio a consolidar-se com a declaração

do imperador Teodósio I, transformando-o na única religião do Estado (379 d.C.). O

Cristianismo ingressou na Monarquia franca em 496 d.C., com a conversão de

Clodovéu, surgindo a repressão penal de crimes religiosos e a jurisdição eclesiástica,

protegendo os interesses de dominação. O Direito Canônico — ordenamento

jurídico da Igreja Católica Apostólica Romana — é formado pelo Corpus Juris

Canonici, que resultou do Decretum Gratiani (1140), sucedido pelos decretos dos

Pontífices Romanos (séc. XII), de Gregório IX(1234), de Bonifácio VIII (1298) e

pelas Clementinas, de Clemente V (1313). O Papa João Paulo II, em 25 de janeiro

de 1983, promulgou o atual Código de Direito Canônico. Primitivamente, o Direito

Penal Canônico teve caráter disciplinar. Aos poucos, com a crescente influência da

Igreja e consequente enfraquecimento do Estado, o Direito Canônico foi-se

estendendo a religiosos e leigos, desde que os fatos tivessem conotação religiosa. A

jurisdição eclesiástica aparecia dividida em: ratione personae e ratione materiae.

Pela primeira — em razão da pessoa — o religioso era julgado sempre por um

tribunal da Igreja, qualquer que fosse o crime praticado; na segunda — em razão da

matéria — a competência eclesiástica era fixada, ainda que o crime fosse cometido

por um leigo (BITENCOURT, 2015, p. 78).

Bitencourt ainda faz uma explanação a respeito do valor do direito canônico frente ao

direito penal atual, inclusive, sobre a individualização da pena, nesse aspecto o especialista

argumenta:

O Direito Canônico contribuiu consideravelmente para o surgimento da prisão

moderna, especialmente no que se refere às primeiras ideias sobre a reforma do

delinquente. Precisamente do vocábulo ―penitência‖, de estreita vinculação como

Direito Canônico, surgiram as palavras ―penitenciário‖ e ―penitenciária‖. Essa

influência veio completar-se como predomínio que os conceitos teológico-morais

tiveram, até o século XVIII, no Direito Penal, já que se considerava que o crime era

um pecado contra as leis humanas e divinas. Sobre a influência do Direito Canônico

nos princípios que orientaram a prisão moderna, afirma-se que as ideias de

fraternidade, redenção e caridade da Igreja foram transladadas ao direito punitivo,

procurando corrigir e reabilitar o delinquente. Os mais entusiastas manifestam que,

nesse sentido, as conquistas alcançadas em plena Idade Média não têm logrado

solidificar-se, ainda hoje, de forma definitiva, no direito secular. Entre elas,

menciona-se a individualização da pena conforme o caráter e temperamento do réu.

Seguindo a tradição canônica, na qual se fazia distinção entre pena vindicativa e

pena medicinal, pode-se encontrar as iniciativas penitenciárias de Filippo Franci e as

Page 25: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

reflexões de Mabillon durante o século XVII, as realizações dos Papas Clemente XI

e Clemente XII (BITENCOURT, 2015, p. 79)

Em suma, a importância do direito penal canônico para se chegar ao que se conhece

nos dias atuais é de extremo valor, o que conhecemos hoje por Código de Direito Canónico de

1917 nada mais é que uma união de normas jurídicas relativas à organização e hierarquia

dentro da congregação católica romana.

Por fim, a este compilado de leis pertencem os direitos, as obrigações e, ainda, as

sanções, nos casos de contravenções direcionadas aos fiéis católicos – compondo de tal modo

um dos primeiros regulamentos já estabelecido com o objetivo de punição desenvolvido por

uma instituição ao homem dentro da sociedade.

Insta salientar que tanto na época das vinganças privadas, publicas ou divinas como no

surgimento do direito penal em Roma e entre as sociedades germânicas os povos e

instituições continham suas convicções do que era justiça e punição, ou seja, em cada fase da

historia se acreditava em um conceito de retribuição punitiva, ora aplicado pelo homem contra

o próprio homem, ora retribuído por deuses e entidades espirituais.

Fato é que no decorrer do tempo os julgamentos e conceitos da sociedade foram se

transformando, o homem passou por muitas variações e este passou a entender e enxergar

outros patamares no que concerne ao ramo do direito penal e sua verdadeira função.

Todas as épocas têm seus atributos – a época da vingança divina buscava-se

atemorizar o homem com a ideia de que um ente superior lhe faria pagar pela transgressão

cometida, o que fazia este sentir certo tipo de temor religioso – a época da vingança privada

continha em fazer o violador pagar pelo crime cometido em condições até piores do que a por

ele causada e, como se não bastasse, receber de um grupo social ou tribo penas mais severas e

cruéis como forma de probidade e sensatez, além disso, como formato de evolução social

surgiu à lei do talião a qual garantia a vitima ou aos seus membros familiares a retribuição

idêntica do mal cometido sobre o infrator - o famigerado olho por olho – dente por dente.

Logo, o direito penal concorda com as distintas épocas pelas quais passou, acontece

que o pensamento humano se assimila em acordo com suas experiências tangíveis e, portanto,

ocorrem mudanças no aspecto social e cultural.

Dessa forma, no decorrer da história, alguns estudiosos perceberam que muitas das

sanções aplicadas anteriormente não mais funcionavam nem como intimidação ao próprio

transgressor nem como exemplo para os demais entes das tribos e sociedades.

Page 26: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Com isso, alguns pensadores da época, inclusive no campo da filosofia, indagaram-se

em relação às penas no campo do direito penal.

Isto aconteceu porque a brutalidade e crueldade nesse aspecto eram demasiadamente

desproporcionais – o fato de uma pessoa delinquir lhe rendia a desonra e ao declínio moral e

muita das vezes não só a ele, mas para seus entes e descendentes também.

A família do transgressor também era alvo dos castigos que recaiam sobre este, o que

naquela época se julgava ser justo e merecedor.

Sobre esta analise e sobre estes costumes muitos pensadores da época levantaram a

tese do que se era justo e equilibrado no momento da aplicação da pena no âmbito do direito

penal. Estes intelectuais descontruíam preceitos antigos, a exemplo do uso do corpo como

forma de retribuição pelo ato cometido – outros colocaram em xeque o pensamento cruel e

desumano da época, e com isso, se formou um pensamento mais humano e equilibrado em

relação à forma de julgamento aos crimes cometidos.

1.7 Período Humanitário - o pensamento de Beccaria.

Os períodos de vingança como também os períodos mediáveis foram marcados por

penas cruéis, desumanas e humilhantes.

A sociedade não enxergava a pena como algo capaz de ressocializar o individuo

tampouco se cogitava a ideia deste infrator ser aceito outra vez no convívio social. Em sua

obra Rogério Greco esboça tais tradições:

Até basicamente o período iluminista, as penas possuíam caráter aflitivo, ou seja, o

corpo do homem pagava pelo mal que ele havia praticado. Os olhos eram

arrancados, os membros mutilados, o corpo esticado até se destroncar, sua vida

esvaía-se numa cruz, enfim, o mal da infração penal era pago com o sofrimento

físico e mental do criminoso (GRECO, Curso de Direito Penal - parte geral volume

1, 2017, p. 54).

De modo contrário, nota-se que a crueldade usada no meio de aplicação da pena não

era e, continua não sendo, garantia para que o crime desapareça do meio social.

Ao mesmo tempo, não existia a devida punição por meio de um sistema democrático e

que fosse concernente a um processo justo e igualitário, maiormente, que culminasse num

ideal aprendizado por parte do transgressor.

Page 27: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

E, por esse raciocínio, paulatinamente, a ideia de suplicio penal foi sendo mudada e

este conceito foi sendo revisto em algumas camadas sociais, a exemplo dos monastérios que

trouxeram uma ideia básica do que era prisão e para o que servia o encarceramento.

Foi à concepção de encarceramento usada contra os monges da época que fez nascer a

definição sobre a prisão. De outro modo Greco resume está época da história, a saber:

Sobretudo a partir do final do século XVIII, as penas corporais, aflitivas foram

sendo substituídas, aos poucos, pela pena de privação de liberdade, que, até aquele

momento, com raras exceções (a exemplo do que ocorria com a punição dos monges

religiosos em seus monastérios, cuja finalidade era levá-los a refletir sobre a conduta

praticada, ou ainda com as casas de correção criadas a partir da segunda metade do

século XVI na Inglaterra – houses of correction e bridewells – e na Holanda –

rasphuis para os homens e spinhuis para as mulheres), era tida tão somente como

uma medida cautelar, ou seja, sua finalidade precípua era fazer com que o

condenado aguardasse preso, a aplicação de sua pena corporal (GRECO, Curso de

Direito Penal - parte geral volume 1, 2017, p. 54).

No que se refere ao enclausuramento dos monges - a privação de liberdade tinha por

objetivo fazer com que o individuo preso pensasse e refletisse sobre o erro cometido e, dessa

forma, por meio da solidão e do ostracismo avaliasse seus atos e julgasse ser impropria aquela

conduta anteriormente praticada.

De modo contrário, em outros momentos, às prisões tinham o objetivo de garantir que

o preso não fugisse para o cumprimento das demais penas, a prisão era o meio e não o fim, ou

seja, o encarceramento era o método achado para que o preso aguardasse por sua pena

legítima, ou melhor, a prisão não era a pena, apenas um meio assecuratório de cumprimento

desta.

Rogério Greco elucida brilhantemente sobre essa época, a respeito:

A prisão do acusado, naquela época, era uma necessidade processual, uma vez que

ele tinha de ser apresentado aos juízes que o sentenciariam e, se fosse condenado,

determinariam a aplicação de uma pena corporal, de natureza aflitiva, ou mesmo

uma pena de morte. Na verdade, sua prisão era destinada a evitar que fugisse,

inviabilizando a pena corporal que lhe seria aplicada, em caso de condenação, ou

mesmo para que fosse torturado, com a finalidade de obter a confissão do fato que

supostamente por ele havia sido praticado. Assim, o corpo do acusado tinha de se

fazer presente, razão pela qual, em muitos casos, aguardava preso seu julgamento.

No entanto, logo após a execução da sua pena – se não fosse, obviamente, a de

morte – era libertado. Essa gradativa substituição fez com que as penas privativas de

liberdade fossem ocupando, prioritariamente, o lugar das penas corporais (GRECO,

Curso de Direito Penal - parte geral volume 1, 2017, pp. 54 -55).

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Mais a frente Greco também explica a mudança ocorrida na virada do século,

sobretudo por um dos eventos mais importantes da história, episódio este que transformou

indiretamente o sistema de pena mundial abrangendo princípios mais humanistas e inclinados

à sensibilidade humana, assim o professor comenta:

Até o século XVIII, portanto, as penas mais utilizadas eram as corporais, a pena de

morte, além das chamadas penas infamantes e, em alguns casos menos graves, as

penas de natureza pecuniária. Com a virada do século XVIII, principalmente após a

Revolução Francesa, em 1789, a pena de privação de liberdade começou a ocupar

lugar de destaque, em atenção mesmo a um princípio que, embora embrionário,

começava a ser discutido, vale dizer, o princípio da dignidade da pessoa humana.

Analisando essa mudança de opção punitiva, Foucault dizia que, a partir daquele

momento, o sofrimento não mais recairia sobre o corpo do condenado, mas, sim,

sobre sua alma (GRECO, Curso de Direito Penal - parte geral volume 1, 2017, p.

55).

A Revolução Francesa foi um dos eventos mais importante da história, assim, no

século XVIII, a França tinha um dos reinados mais desonestos e autoritários, isto porque os

camponeses e trabalhadores urbanos eram os que arcavam com os impostos para sustentar os

nobres no poder e, se não bastasse, não podiam exercer o direito de voto nem opinar nas

legislações e decisões governamentais, já que era o rei quem ostentava esse poder. Na obra

―A Era das Revoluções – 1789 – 1848‖ Eric Hobsbawm nos remonta tal importância:

A Revolução Francesa pode não ter sido um fenómeno isolado, mas foi muito mais

fundamental do que os outros fenómenos contemporâneos e suas consequências

foram, portanto mais profundas. Em primeiro lugar, ela se deu no mais populoso e

poderoso Estado da Europa (não considerando a Rússia). Em 1789, cerca de um em

cada cinco europeus era francês. Em segundo lugar, ela foi diferentemente de todas

as revoluções que a precederam e a seguiram, uma revolução social de massa, e

incomensuravelmente mais radical do que qualquer levante comparável (ALTMAN,

2014).

Enquanto o povo vivia na miséria e os que trabalhavam assim faziam para pagar

impostos, a monarquia gozava de poderes integrais controlando a economia, a religião, a

politica e, principalmente, a aplicação da justiça. Qualquer oposição contra o rei da França

resultava em prisão politica e muita das vezes resultava em condenação de pena capital.

O povo francês que não fazia parte da nobreza e, dessa forma era reconhecido como

terceiro estado, não só sustentava o clero que era composto pelos religiosos da igreja, como

também arcavam com os gastos exacerbados da real nobreza, formada pelo Rei e toda sua

família e, além destes, todos os duques, condes e marqueses do período.

Page 29: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Com essa estrutura social muito rígida e desigual, a exemplo dos camponeses que

viviam em estado de servidão e da burguesia que incluía os mais poderosos banqueiros até o

pequeno comerciante, o terceiro estado se via incapaz de sustentar as mordomias do primeiro

e do segundo estado e assim as mudanças na França foram necessárias. Napoleão Casado

Filho leciona sobre este momento da história, a saber:

O Estado francês era dividido em três ―classes‖ de pessoas, denominadas ―estados‖.

O 1º Estado era composto do alto clero, que não pagava impostos. No 2º Estado,

ficavam os nobres, que possuíam privilégios intocáveis, vivendo junto ao Rei e

recebendo pensão ou, simplesmente, não pagando nenhum tipo de tributo. No 3º

Estado, ficavam os burgueses e os camponeses, que pagavam altíssimos impostos,

sustentando as demais classes sociais. Com os elevados gastos da nobreza e da

péssima gerência de recursos do rei Luís XIV, o Estado francês estava com um

déficit muito alto e sua população, de maneira geral, passava por grandes

necessidades (FILHO, 2012, p. 38).

Acontece que a França ainda possuía muitas das características feudais originadas pela

idade média, portanto, dependia quase que totalmente da produção agrícola, porém, esta

sofreu uma escassez abundante os preços dos alimentos subiam catastroficamente e,

consequentemente, quem sofria era o povo uma vez forçados a suprimir parte de seus ganhos

para arcar com impostos desvantajosos.

Assim explica Napoleão Casado Filho ―A situação econômica e social da França no

século XVIII era crítica. Além da maior parte da riqueza do país se originar da agricultura,

que carecia de técnicas modernas de cultivo, a maioria dos camponeses ainda vivia sob o

regime de servidão‖ (FILHO, 2012).

Vale lembrar o que ressalta Eric Hobsbawm sobre o mesmo tema:

Uma má safra em 1788 (e 1789) e um inverno muito difícil tornaram aguda a crise.

As más safras faziam sofrer o campesinato, pois significavam que enquanto os

grandes produtores podiam vender cereais a preços de fome, a maioria dos homens

em suas insuficientes propriedades tinha provavelmente que se alimentar do trigo

reservado para o plantio ou comprar alimentos àqueles preços, especialmente nos

meses imediatamente anteriores à nova safra (maio julho) (HOBSBAWM, 1962, p.

68).

Por isso, exauridos de tanta tirania, o povo se rebelou contra esse sistema de

privilégios e riquezas que a dinastia Bourbon criou e que a monarquia absolutista da França

ostentava sem a menor misericórdia e procuraram depor o reinado de Luís XVI – fato que

inicia o processo de revolução.

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Novamente Eric destaca:

Os pobres do interior ficavam assim desesperados e envolvidos em distúrbios e

banditismo; os pobres das cidades ficavam duplamente desesperados já que o

trabalho cessava no exato momento em que o custo de vida subia vertiginosamente.

Em circunstâncias normais, teria ocorrido provavelmente pouco mais que agitações

cegas. Mas em 1788 e 1789 uma convulsão de grandes proporções no reino e uma

campanha de propaganda e eleição deram ao desespero do povo uma perspectiva

política. E lhe apresentaram a tremenda e abaladora ideia de se libertar da pequena

nobreza e da opressão. Um povo turbulento se colocava por trás dos deputados do

Terceiro Estado (HOBSBAWM, 1962, p. 69).

Com essa combustão objetivada por uma linha de pensamento mais generosa quanto

aos direitos do homem e por uma sociedade mais justa e igualitária para todas as camadas

sociais sem interferência de monarcas absolutistas, a França foi influenciada pelos ideais

iluministas da época protegidos pelos intelectuais mais notáveis da filosofia, a exemplo de

René Descartes, Baruch Spinoza, David Hume, Adam Smith, Jean-Jacques Rousseau,

Immanuel Kant, Denis Diderot, Voltaire e, além destes, Cesare Beccaria.

O pensamento iluminista foi um divisor de aguas na historia mundial, tanto pelo seu

conceito de razão empírica quanto pelo seu consenso de que os homens são iguais dentro do

campo jurídico e, assim deviam ser tratados igualmente perante as autoridades. Explica-nos

Rogério Greco sobre tal assunto:

O período iluminista teve importância fundamental no pensamento punitivo, uma

vez que, com o apoio na ―razão‖, o que outrora era praticado despoticamente, agora,

necessitava de provas para ser realizado. Não somente o processo penal foi

modificado, com a exigência de provas que pudessem conduzir à condenação do

acusado, mas, e, sobretudo, as penas que poderiam ser impostas. O ser humano

passou a ser encarado como tal, e não mais como mero objeto, sobre o qual recaía a

fúria do Estado, muitas vezes sem razão ou fundamento suficiente para a punição.

Mediante um raciocínio jusnaturalista, passou-se a reconhecer direitos inatos ao ser

humano, que não podiam ser alienados ou deixados de lado, a exemplo de sua

dignidade, do direito a ser tratado igualmente perante as leis etc. Até mesmo no que

dizia respeito à pena de morte, algumas formas de aplicação foram sendo

aperfeiçoadas, com a finalidade de trazer o menor sofrimento possível ao

condenado, como ocorreu com a utilização da guilhotina, sugerida por Ignace

Guillotin, pela primeira vez no dia 25 de abril de 1792, que consistia em fazer com

que a morte ocorresse rapidamente por meio de um golpe seco, produzido por uma

lâmina afiadíssima e pesada, que pendia sobre a cabeça do executado. As penas, que

eram extremamente desproporcionais aos fatos praticados, passaram a ser graduadas

de acordo com a gravidade do comportamento, exigindo-se, ainda, que a lei que

importasse na proibição ou determinação de alguma conduta, além de clara e

precisa, para que pudesse ser aplicada, estivesse em vigor antes da sua prática. Era a

adoção do exigível princípio da anterioridade da lei (GRECO, Curso de Direito

Penal - parte geral volume 1, 2017).

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Finalmente, algum tempo depois tanto Luís XVI, como sua esposa, foram executados,

tendo todos os seus bens embargados. Sobre isso Altman leciona:

Em 15 de janeiro de 1793, 707 deputados dos 718 presentes julgam o rei culpado de

conspiração contra a segurança do Estado. Por 423 votos a 281, rejeitam em seguida

a ideia dos deputados moderados da Gironda de fazer ratificar o julgamento pelo

povo. Por fim, mediante votação nominal e aberta que durou 36 horas, os deputados

se pronunciaram sobre a pena a aplicar ao condenado. Cada qual foi chamado a

justificar seu voto. A maioria exigida era de 361 votos e 387 deputados pediram a

pena de morte, mas 26 abriram a possibilidade de sursis. Com efeito, faltou apenas

um voto para que Luís XVI escapasse da guilhotina. Luís XVI, 38 anos, é executado

na guilhotina, no domingo, 21 de janeiro de 1793, na Praça da Revolução, hoje

Praça da Concórdia. O rei abatido é tirado no começo da manhã da prisão de

Temple. É transportado não na charreta habitual dos condenados, mas sim na viatura

do prefeito de Paris, a pedido deste, e conduzido ao local do cadafalso. (ALTMAN,

2014).

A revolução francesa consolidou a história da democracia e, por isso, a ela é atribuído

total respeito histórico, sobretudo, no mundo jurídico, tanto no que diz respeito à conquista de

um governo mais justo, quanto ao que concerne a concretização dos direitos humanos. Assim

instrui Hobsbawm:

Se a economia do mundo do século XIX foi formada principalmente sob a influência

da revolução industrial britânica, sua política e ideologia foram formadas

fundamentalmente pela Revolução Francesa. A Grã-Bretanha forneceu o modelo

para as ferrovias e fábricas, o explosivo econômico que rompeu com as estruturas

socioeconômicas tradicionais do mundo não europeu; mas foi a França que fez suas

resoluções e a elas deu suas ideias, a ponto de bandeiras tricolores de um tipo ou de

outro terem-se tornado o emblema de praticamente todas as nações emergentes, e a

política europeia (ou mesmo mundial) entre 1789 e 1917 foi em grande parte a luta a

favor e contra os princípios de 1789, ou os ainda mais incendiários de 1793. A

França forneceu o vocabulário e os temas da política liberal e radical-democrática

para a maior parte do mundo. A França deu o primeiro grande exemplo, o conceito e

o vocabulário do nacionalismo. A França forneceu os códigos legais, o modelo de

organização técnica e científica e o sistema métrico de medidas para a maioria dos

países. A ideologia do mundo moderno atingiu as antigas civilizações que tinham até

então resistido às ideias europeias inicialmente através da influência francesa. Esta

foi à obra da Revolução Francesa (HOBSBAWM, A Era das Revoluções, 1982).

O período no qual a França esteve em processo de revolução pode ser dividido em

fases, porém, a etapa mais emblemática para a esfera penal foi à fase em que ocorreu a

chamada assembleia constituinte realizada nos períodos de 1789 a 1792. Nessa toada,

Napoleão Casado Filho aduz:

A solução encontrada pelo soberano foi convocar os Estados Gerais para uma

assembleia. Logo na abertura da assembleia, ocorreram desentendimentos entre o

Rei e os representantes do 3º Estado. Eles queriam que as reuniões fossem em

conjunto com todos os Estados, diferentemente do Rei. Este, ao ser contrariado,

resolve dissolver a reunião. Os representantes do 3º Estado se revoltam com a

atitude do Rei. No dia 14 de julho de 1789, a população se rebela contra a ordem

vigente e vai às ruas, derrubando um dos símbolos do poder real: a prisão da

Bastilha (FILHO, 2012, p. 38).

Page 32: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

A Assembleia Nacional Constituinte trata-se de um acontecimento histórico

importantíssimo onde foram abolidos todos os direitos e mecanismos feudais das épocas, bem

como os privilégios e garantias pessoais que não estavam em consonância a todos os

indivíduos.

O povo se organiza em Assembleia Geral Constituinte e em 26 de agosto aprova a

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, um verdadeiro código dos direitos

humanos reconhecidos à época. Essa declaração, em seu primeiro artigo, já definia

que todos os homens nascem e permanecem livres em direitos. Em 17 artigos, a

Declaração busca seguir o slogan da revolução: liberdade, igualdade e fraternidade

(FILHO, 2012, p. 38).

E, ainda, resultante desta reunião, aprovou-se a afamada "Declaração dos direitos do

Homem e do Cidadão" onde os princípios iluministas se consolidaram de forma garantista. A

Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão traz uma enorme evolução no que diz

respeito às garantias dos direitos naturais dos homens.

Composto de um preambulo direcionado aos ideais libertários da época e de dezessete

artigos que fazem referencia a liberdade e igualdade de tratamento entre todos os homens, a

declaração dos direitos do homem e do cidadão é o documento embrionário para o nascimento

do que hoje conhecemos como princípios do direito penal. Assim são detalhadas na redação

de seu preambulo as preocupações da época:

Os representantes do povo francês, constituídos em ASSEMBLEIA NACIONAL,

considerando que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do

homem são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos Governos,

resolveram expor em declaração solene os Direitos naturais, inalienáveis e sagrados

do Homem, a fim de que esta declaração, constantemente presente em todos os

membros do corpo social, lhes lembre sem cessar os seus direitos e os seus deveres;

a fim de que os atos do Poder legislativo e do Poder executivo, a instituição política

seja por isso mais respeitado; a fim de que as reclamações dos cidadãos, doravante

fundadas em princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da

Constituição e à felicidade geral.

Além disso, a Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão defende em seu texto

uma maior participação do povo na fiscalização do agente publico, bem como nas elaborações

e aplicações das leis.

Além disso, a Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão defende em seu texto

uma maior participação do povo na fiscalização do agente publico, bem como nas elaborações

e aplicações das leis.

Page 33: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Como a França passou décadas e mais décadas sendo governadas por familiares

monarcas absolutistas é de tamanha compreensão que o país desenvolvesse uma espécie de

constituição entre os homens.

Assim sendo, a Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão foi uma espécie de

carta de alforria para os cidadãos franceses preocupados em estabelecer a igualdade dos

homens perante a lei como forma de equilíbrio social, uma vez que o monarca sozinho num

regime totalitário e completamente tirano decidia por força de suas razões a vida dos mais

abastados socialmente e, assim, quase que em todas as decisões prolatava uma sentença

injusta usando de seu pensamento comum e único para aplicação da lei.

Inicialmente, fora por esse motivo que a população francesa resguardou em separar os

poderes dentro do país, evitando assim, que as entidades se beneficiassem entre si no que diz

respeito as suas vantagens pessoais, a exemplo da igreja católica, que não era tão rigorosa no

momento de exercer sua jurisdição espiritual sobre um membro da nobreza ou do próprio

clero. Ainda, além destas, muitas outras são as garantias e direitos afiançados pelo texto da

declaração, vejamos:

Por consequência, a ASSEMBLEIA NACIONAL reconhece e declara, na presença e

sob os auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos do Homem e do Cidadão:

Artigo 1º- Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais

só podem fundar-se na utilidade comum. Artigo 2º- O fim de toda a associação

política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses

Direitos são a liberdade. A propriedade, a segurança e a resistência à opressão.

Artigo 3º- O princípio de toda a soberania reside essencialmente em a Nação.

Nenhuma corporação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que aquela não

emane expressamente. Artigo 4º- A liberdade consiste em poder fazer tudo àquilo

que não prejudique outrem: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem

não tem por limites senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o

gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela Lei.

Artigo 5º- A Lei não proíbe senão as ações prejudiciais à sociedade. Tudo aquilo que

não pode ser impedido e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não

ordene. Artigo 6º- A Lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o

direito de concorrer, pessoalmente ou através dos seus representantes, para a sua

formação. Ela deve ser a mesma para todos, quer se destine a proteger quer a punir.

Todos os cidadãos são iguais a seus olhos, são igualmente admissíveis a todas as

dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade, e sem outra

distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos. Artigo 7º- Ninguém

pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela Lei e de

acordo com as formas por esta s prescritas. Os que solicitam, expedem, executam ou

mandam executar ordens arbitrárias devem ser castigados; mas qualquer cidadão

convocado ou detido em virtude da Lei deve obedecer imediatamente, senão torna-

se culpado de resistência. Artigo 8º- A Lei apenas deve estabelecer penas estrita e

evidentemente necessárias, e ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei

estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada. Artigo 9º- Todo o

acusado se presume inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indispensável

prendê-lo, todo o rigor não necessário à guarda da sua pessoa, deverá ser

severamente reprimido pela Lei. Artigo 10º- Ninguém pode ser inquietado pelas

suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, contando que a manifestação delas não

Page 34: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

perturbe a ordem pública estabelecida pela Lei. Artigo 11º- A livre comunicação dos

pensamentos e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do Homem; todo o

cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia,

pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na Lei. Artigo 12º- A garantia dos

direitos do Homem e do Cidadão carece de uma força pública; esta força é, pois,

instituída para vantagem de todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é

confiada. Artigo 13º- Para a manutenção da força pública e para as despesas de

administração é indispensável uma contribuição comum, que deve ser repartida entre

os cidadãos de acordo com as suas possibilidades. Artigo 14º- Todos os cidadãos

têm o direito de verificar, por si ou pelos seus representantes, a necessidade da

contribuição pública, de consenti-la livremente, de observar o seu emprego e de lhe

fixar a repartição, a coleta, a cobrança e a duração. Artigo 15º- A sociedade tem o

direito de pedir contas a todo o agente público pela sua administração.

Artigo 16º- Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos,

nem estabelecida à separação dos poderes não tem Constituição.

Artigo 17º- Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela

pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o

exigir evidentemente e sob a condição de justa e prévia indenização.

Muitos dos princípios e das garantias achados no direito penal e processual penal

foram retirados em analise a Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão, como por

exemplo, a anterioridade da lei penal, a presunção de inocência, o direito de afiliações a

associações politicas, entre outros.

A declaração dos direitos do homem tem absoluta influencia no pensamento iluminista

da época, pois esta foi categórica para o desenvolvimento de uma linha de pensamento mais

humana e sensata no que tange a elaboração das leis e sua aplicação.

O período humanitário nasce dessa doutrina de cunho iluminista, ou seja, a

reformulação das leis no sentido de que o crime é um problema social jurídico e que em

muitas das situações seria mais fácil e econômico o prevenir do que o punir.

Um dos estudiosos mais memoráveis e importantes do período humanitário é, sem

duvida, Cesare Bonesana conhecido como Marquês de Beccaria. Cesar foi autor de uma das

obras mais relevantes do mundo jurídico, principalmente no século XVIII, também conhecido

como ―Século Das Luzes‖ fazendo referencia ao iluminismo, ou ainda ―Século da Filosofia‖

como alusão aos grandes pensadores da filosofia.

Cesare Beccaria tinha grande parte de seu pensamento imbuído pela doutrina de

Rousseau e Montesquieu – o primeiro conhecido por seu discurso de contrato social,

liberdade individual e que o homem nasce bom, porém se corrompe pelos demais e, o

segundo famoso por sua teoria da separação dos poderes, intensa até os dias de hoje.

O Marquês de Beccaria publicou em Milão a obra ―Dos delitos e das penas‖ onde trata

da necessidade de reforma das leis penais vigorantes.

Page 35: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

O livro de Beccaria nada mais é do que uma oposição ao sistema penal daquela época,

isto é, penas que constituíam uma crueldade maior do que o próprio mal consolidado.

A obra em suma se contrapõe aos métodos usados na época, mas, além disso, discute

vários aspectos da sociedade e do mundo jurídico, como por exemplo, a origem da pena e o

direito de punir, a interpretação das leis, a obscuridade das leis por aquele que a lê, a prisão, o

espirito familiar, a questão da tortura, a duração do processo, o banimento daqueles que

perturbam a tranquilidade dos demais, as penas de confiscos, a pena de morte, entre demais

outros assuntos.

O professor Cleber Masson nos resume um dos primeiros pensamentos da obra de

Cesare, as saber:

Baseia seu pensamento no contrato social de Rousseau, de forma que o criminoso

passa a ser reputado como violador do pacto social, sendo então considerado

adversário da sociedade. A pena perdia seu caráter religioso, predominando a razão

sobre questões espirituais. Surge a questão do livre-arbítrio, ou seja, o homem

pratica um crime consciente de sua conduta antissocial. Como consequência do

controle do indivíduo sobre os seus atos, decorre que a pena deve ser sempre

legalmente prevista, para que todos saibam diferenciar o vedado do permitido e

escolher o caminho a trilhar, devendo ainda a sanção penal guardar

proporcionalidade com o crime praticado, na medida exata da retribuição necessária

(MASSON, 2015, p. 125).

Para Cesare não seria a tortura da pena um inibidor de transgressão, pelo motivo de

que a tortura resultante da pena não só não amedronta aquele que está convicto a transgredir

as normas, e muito menos repara os resultados causados, uma vez que o delito já foi praticado

e não pode ser mais impedido, ainda, por tal motivo a pena deve ser ajustada ao delito.

Novamente, Cleber elucida o pensamento de Beccaria ao comentar:

No pensamento de Beccaria, a pena deve ser proporcional, uma vez que os gritos de

horror como consequências das torturas não retiram a realidade da ação já praticada,

revelando a inutilidade dos tormentos. Dessa forma, à medida da crueldade dos

tormentos, enrijece-se a alma pelo espetáculo da barbárie, e, quanto maiores os

castigos mais o indivíduo se dispõem a praticar novos crimes para subtrair-se da

pena que por primeiro mereceu. Para ele, a pena deveria ser imposta somente para

que o condenado não voltasse a cometer crimes, servindo de exemplo à sociedade

(MASSON, 2015, p. 125).

Page 36: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Além disso, baseado no pensamento de Beccaria, ao que diz respeito à obscuridade

das leis, prevenção dos delitos, assim como a sabedoria do legislador enquanto criador da lei,

Cleber Masson ressalta:

Destarte, conclui que outros meios, mais eficazes, existem para prevenir os crimes.

Inicialmente, as leis devem ser certas, claras e precisas, uma vez que a incerteza das

normas faz crescer a inatividade e a estupidez. Com efeito, o legislador sábio busca

impedir o mal antes de repará-lo com a elaboração de leis, já que um cidadão de

alma sensível constata que, protegido por boas leis, de simples compreensão, perde a

iníqua liberdade de praticar o mal, e os crimes são prevenidos compensando-se a

virtude. Se não bastasse, uma autoridade severa produz obediência hipócrita e

passageira, e apenas com o aperfeiçoamento da educação estar-se-iam criando

homens menos propensos ao cometimento do mal. Somente poderia o magistrado

aplicar penas previstas em lei. É o princípio da legalidade. Finalmente, para que

cada pena não seja uma violência de um ou de muitos contra um cidadão privado,

deve ser essencialmente pública, rápida, necessária, a mínima possível nas

circunstâncias dadas, proporcional aos delitos e ditadas pelas leis (MASSON, 2015,

p. 125).

O procurador de justiça e mestre em ciências penais pela UFMG Rogério Greco

reserva um capitulo de sua respeitável obra - ―Sistema Prisional – colapso atual e soluções

alternativas‖- em referência a Beccaria e, sobre seu pensamento, afirma:

A sociedade do século XVIII vivia numa situação de terror e desigualdades. O

processo penal era inquisitivo, realizado secretamente, sem que o acusado tivesse

conhecimento das provas que contra estavam sendo produzidas. A tortura era um

meio oficial utilizado pelo Estado para obter a confissão daquele a quem se escolheu

para ocupar o lugar de culpado. A confissão era compreendida como a rainha das

provas. O réu na verdade, era quase que obrigado a confessar, a fim de expiar sua

culpa. Os juízes, principalmente na França, eram peças frágeis a serviço de um

governo despótico. Sempre parciais, julgavam com desigualdade os processos que

envolviam ricos e pobres. As penas eram indeterminadas, ou seja, ficavam ao

alvedrio do julgador aplicá-las de acordo com a sua conveniência. As leis existentes

eram confusas, de redação rebuscada, que impediam a sua compreensão. Era

permitido o uso da analogia para que pudesse condenar alguém. Enfim, o caos

reinou até que surgiram os pensadores iluministas, que se colocaram contra todo

esse sistema, e Beccaria se transformou em um dos principais mentores de uma

reforma que já se fazia tardia (GRECO, Sistema Prisional – colapso atual e soluções

alternativas, 2017, p. 108).

César defendia um sistema igualitário em que a pena servisse para aprendizado e

reflexão do contraventor e dos demais dentro da sociedade, não apenas uma pena desmedida

como modo de se vingar do mal cometido.

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Dessa forma, era ciente que o transgressor iria receber uma punição, porém esta terá

que ser justa e capaz de diminuir a reincidência não só pelo infrator, mas para outros, assim,

Greco contribui para tal síntese quando, mais uma vez, elucida o pensamento de Beccaria:

O direito de castigar ainda continuava sendo necessário? Claro que sim, mas, a partir

daquele momento sem a desproporção, a crueldade e a desigualdade com que era

aplicado. A teoria do pacto social nos levava a acreditar que todos nós, integrantes

de uma determinada sociedade, havíamos acordado, tacitamente, com esse pacto,

que significava que abriríamos mão de uma parcela de nossos direitos, para que o

direito de todos pudesse prevalecer. Assim, embora tivéssemos, ainda, o nosso

direito de liberdade, esse mesmo direito cederia caso não cumpríssemos com as

cláusulas constantes do pacto, necessárias à manutenção da própria sociedade, onde

o infrator encontrava-se inserido. No entanto, esse pacto social deveria observar os

direitos inatos e inalienáveis de todo cidadão, concentrados, principalmente, em sua

dignidade como ser humano (GRECO, Sistema Prisional – colapso atual e soluções

alternativas, 2017, p. 108).

A obra de Beccaria não só foi o motivo pelo qual nasceram diversos princípios, mas

também o motivo pelo qual se passou a entender o Estado democrático de direito. Conforme

relembra Rogério:

Consequentemente no capítulo terceiro conclui Beccaria que somente a lei é que

poderia fixar penas com relação aos delitos praticados. Só ela, portanto, tinha a

possibilidade de fazer com que o homem perdesse uma parcela do seu direito à

liberdade. É o princípio da legalidade, portanto, o pilar fundamental que sustenta o

chamado Estado de Direito, onde todos serão tratados de maneira igual perante a lei,

onde ricos e pobres, cultos e analfabetos, independentemente de raça, cor, religião,

sexo serão tratados igualmente, de acordo com as suas desigualdades. Não basta, no

entanto, simplesmente a publicação de uma lei anterior ao fato para que reste

preservado o princípio da legalidade e, em consequência, resguardado o direito de

liberdade do cidadão. Beccaria percebeu que, ao seu tempo, embora algumas leis

fossem editadas, sua redação era incerta, obscura, imprecisa, ou seja, embora

existente uma lei, os cidadãos ficavam nas mãos dos seus intérpretes uma vez que

quase ninguém conseguia alcançar exatamente o seu conteúdo (GRECO, Sistema

Prisional – colapso atual e soluções alternativas, 2017, p. 110)

Beccaria certifica que só a norma poderá fixar as penas adequadas, assim, nenhuma

autoridade ao aplica-la faria qualquer interpretação pessoal, visto que, estaria em discussão a

liberdade do transgressor discutida por meio do contrato social, o qual assegura os direitos

naturais do homem.

Porém, uma vez transgressor da lei o individuo abriria mão deste direito, todavia,

pondo a salvo sua dignidade humana e a igualdade que cabe a todos sem distinção de cor ou

classe social.

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E, além disso, preservar a igualdade na medida dos desiguais vale lembrar, que estes

estão em situações diferentes dos demais. Para mais, Beccaria enfatizava a impossibilidade de

o cidadão comum entender a legislação, assim, Greco procurou condensar, mais uma vez, o

pensamento do autor:

Apontava Beccaria, assim, a falácia de uma suposta legalidade formal. Não bastava,

dessa forma, que a lei fosse um diploma que tivesse sido editado pelo Poder

competente, vale dizer, pelo Poder Legislativo. Não bastava que o então projeto de

lei tivesse obedecido ao procedimento necessário para sua conversão em lei. Não

bastava, ainda, que a lei fosse publicada e estivesse em vigor com anterioridade ao

fato. Nada disso importaria se a redação da lei fosse obscura o suficiente para

impedir a leitura e a sua apreensão pelo mais humilde dos cidadãos (GRECO,

Sistema Prisional – colapso atual e soluções alternativas, 2017, p. 111).

Por fim, Beccaria, muito antes de algumas discussões doutrinárias do mundo jurídico,

já ressaltava a função social da pena, ao dizer que, esta deveria resultar em algo bom,

proveitoso e favorável, não apenas para o transgressor, mas também para a comunidade.

Greco, de acordo com Beccaria, finalmente conclui este ideal, ao professar que:

A pena deverá, ainda, ter um fim utilitário, isto é, deverá servir para impedir que o

delinquente venha praticar novos crimes, seja na forma de prevenção especial

negativa (segregação momentânea do convívio em sociedade), ou mesmo como uma

prevenção especial positiva (ressocialização), bem como, ainda, como espécie de

prevenção geral (também positiva e negativa), dissuadindo-se os demais membros

da sociedade de praticar infrações penais (GRECO, Sistema Prisional – colapso

atual e soluções alternativas, 2017, p. 112).

Dessa forma, o pensamento iluminista contribuiu em grande escala para o surgimento

de ideais mais humanitários. Ademais, o acontecimento da revolução em território francês e

as guerras que já tinham ocorrido naquela época, propenderam os pensadores a reivindicar os

modos subumanos nos quais as autoridades tratavam seus indivíduos. Não somente o campo

penal era tema do debate iluminista, mas o campo social e econômico também, pelo modo de

que a distribuição de renda era totalmente desigual na sociedade. Ainda, a obra de Beccaria, a

revolução francesa, o iluminismo e a declaração dos direitos do homem foram

importantíssimos para o estabelecimento de normas inerentes a dignidade da pessoa humana e

para o surgimento do garantismo penal.

Os iluministas abriram as portas do que hoje conhecemos por Direitos Humanos.

Afinal, cumpre salientar que o movimento reformador e iluminista da época deu vazão ao

debate sobre a função da pena e um olhar sobre o crime como fenômeno social.

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II – ESCOLAS PENAIS

2.1 Escola Clássica.

A escola clássica buscou estabelecer os limites do poder punitivo do Estado em face

da liberdade individual tendo como base a linha do iluminismo. A escola clássica não poderia

se desvirtuar dos pensamentos iluministas da época, visto que, esta nasceu no ápice do século

das luzes. Cleber Masson aclara o que foi esta escola e os ideais que ela defendeu, assim:

A Escola Clássica nasceu entre o final do século XVIII e a metade do século XIX

como reação ao totalitarismo do Estado Absolutista, filiando-se ao movimento

revolucionário e libertário do Iluminismo. Vivia-se o ―século das luzes‖. Seus

fundamentos tiveram origem nos estudos de Beccaria e foram lapidados e

desenvolvidos, principalmente, pelos italianos Francesco Carrara, autor da obra

Programa del corso di diritto criminale, publicada em 1859; Carmignani, que

escreveu Elementa juris criminalis, publicado em 1847; e Rossi, que contribuiu com

o Trattato di diritto penale, de 1859. Outros famosos representantes da Escola

Clássica foram Mittermaier e Birkmeyer, na Alemanha, Ortolan e Tissot, na França,

e F. Pacheco e J. Montes, na Espanha (MASSON, Direito penal esquematizado -

Parte geral - Volume 01, 2015, p. 133).

Tal escola se insurge contra todas as torturas e anomalias impostas no antigo regime

absolutista e, assim, como os iluministas, defendem a proporcionalidade e razoabilidade da

pena. Portanto, segundo Masson ―Todos eles tinham em comum a utilização do método

racionalista e dedutivo (lógico) e eram, em regra, jusnaturalistas, ou seja, aceitavam que

normas absolutas e naturais prevalecessem sobre as normas do direito posto‖ (MASSON,

Direito penal esquematizado - Parte geral - Volume 01, 2015). Ademais, nos explica o

conceito de jusnaturalismo o Pós-Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa

Catarina Ricardo Castilho:

O jusnaturalismo apresenta-se como uma corrente de pensamento que se estendeu

por vários séculos, com diferentes orientações. Em todas as suas fases, contudo,

podem ser observadas duas grandes premissas: a primeira é a distinção entre direito

natural e direito positivo; a segunda, a ideia de que aquele é superior a este. Direito

natural seria o conjunto de regras universais, emanadas, como faz inferir o nome, da

própria natureza. Tal ordenamento consubstanciaria valores e princípios ínsitos à

razão humana e, portanto, de validade inconteste, acima de qualquer indagação. A

existência do direito natural relaciona-se intimamente, pois, com a noção de justiça.

Por sua vez, direito positivo seria o conjunto das normas jurídicas postas pelo

homem (CASTILHO, 2012, pp. 41-42).

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Novamente, em sua obra, Masson faz uma analise dos principais fundamentos da

escola clássica, a saber:

Entendiam o crime como um conceito meramente jurídico, tendo como sustentáculo

o direito natural. Predominava a concepção do livre-arbítrio, isto é, o homem age

segundo a sua própria vontade, tem a liberdade de escolha independentemente de

motivos alheios (autodeterminação). Logo, por ser possuidor da faculdade de agir, o

homem é moralmente responsável pelos seus atos; e; por ser responsável, àquele que

infringiu a norma penal deve ser imposta uma pena, como forma de retribuição pelo

crime cometido. Se, ao contrário, o agente não estava em suas perfeitas condições

psíquicas (ausência da faculdade de agir, inimputabilidade), não pode ser punido

(MASSON, Direito penal esquematizado - Parte geral - Volume 01, 2015, p. 133).

A pena, por isto, era uma punição necessária para a reorganização da ordem, nesse

sentido esclarece o autor ―Foi sob a influência dos pensamentos de Kant e Hegel que a

concepção retribucionista do Direito Penal se desenvolveu. Ou seja, a única finalidade da

pena consistia na aplicação de um mal ao infrator da lei penal.‖ (MASSON, Direito penal

esquematizado - Parte geral - Volume 01, 2015, p. 134).

Na oportunidade, ressalta-se que a escola clássica não se fundamentava em estudos

científicos sobre o que induz o individuo a praticar ou não certos delitos, tão-somente, tomam

por base a vontade, isto é, uma vez que exista vontade não se cogita levar em consideração

demais sentimentos. Porém, esta escola volta-se mais ao individuo e menos ao corpo social.

O Defensor Público de São Paulo, Gustavo Junqueira, se posiciona a respeito da

escola clássica, a saber:

Com ampla inspiração no racionalismo iluminista, distingue dolo e culpa, baseia a

culpabilidade no livre arbítrio e tenta justificar a pena de maneira racional. Como

todo homem tem total controle de seus atos e perfeita compreensão do mundo que o

cerca, é absolutamente livre para escolher entre o caminho do justo ou do injusto, do

lícito ou do ilícito. Escolhendo o caminho do ilícito, deve ser punido por ter mal

utilizado sua liberdade, para que se estabeleça justiça, ou seja, para que haja

equilíbrio (identidade das noções de equilíbrio e justiça) entre o mal causado e o mal

da pena (JUNQUEIRA, 2012, p. 27).

2.2. Escola Positiva

Page 41: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

A escola positiva ou positivista tem como seus influenciadores três grandes

pensadores da época, dentre estes, estão Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Rafael Garofalo.

Sustentada no principio de que o crime teria que ser analisado com base nos métodos

científicos, assim como as demais ciências, a escola positivista ostentava uma linha de

pensamento muito diferente da anterior escola mencionada. Assim a escola positivista busca

outro aspecto do estudo do crime.

A escola positivista tentava entender, acima de qualquer outra experiência, o que

levava o individuo a se tornar um criminoso, sobretudo, quais eram os fatores que o induziam

a agir de tal forma, com isso se quer dizer fatores biológicos, distintos em cada um dos seres

humanos ou ainda fatores sociais e antropológicos.

Vale ressaltar que cada pensador foi detentor de uma fase e, de um estilo de

pensamento carregado de características diversas no que tange a alguns temas, para melhor

explanação, cumpre entender o que preceitua Masson:

Cesare Lombroso, médico, representou a fase antropológica da Escola Positiva.

Autor das obras ―O cretinismo na Lombardia‖ (1859) e ―O homem delinquente‖

(1876), a ele se imputa o ensinamento de que o homem não é livre em sua vontade.

Ao contrário, sua conduta é determinada por forças inatas. Com ele se iniciou, de

forma científica, a aplicação do método experimental no estudo da criminalidade.

Também ofereceu à comunidade jurídica a teoria do criminoso nato, predeterminado

à prática de infrações penais por características antropológicas, nele presentes de

modo atávico. Em seguida, acrescentou ao atavismo, como causas do crime, também

a loucura moral e a epilepsia larvada e, finalmente, por influência de Ferri, alia às

causas antropológicas também os fatores físicos e sociais (MASSON, Direito penal

esquematizado - Parte geral - Volume 01, 2015).

Para Lombroso havia indivíduos que desde o nascimento já estavam determinados a

cometerem ilícitos. Ainda, no que concerne as doutrinas dos pensadores, Enrico Ferri e Rafael

Garofalo, ressalta Cléber Masson:

Enrico Ferri empunha a bandeira da fase sociológica no Positivismo Criminológico,

destacando-se suas obras ―Sociologia criminal‖ (1892) e ―Princípios de direito

criminal‖ (1926). Com seus estudos, contribuiu para a reafirmação e defesa da tese

negativa do livre-arbítrio (determinismo biológico-social), fundamentando a

responsabilidade penal na responsabilidade social. De suas posições surge a mais

nítida concepção da pena como mecanismo de defesa social. Assim leciona: Porque

a sociedade humana (nação) pode ser ameaçada e prejudicada no exterior e

internamente, o Estado tem duas funções supremas de defesa social, que são: a

defesa militar (contra as agressões externas) e a justiça penal (contra as agressões

internas, quando estas já se verificaram, e a polícia de segurança, antes que se

venham a cometer). Finalmente, Rafael Garofalo é o baluarte da fase jurídica da

Escola Positiva. Empregou e imortalizou a expressão ―Criminologia‖, título de sua

principal obra, publicada em 1885, conferindo aspectos estritamente jurídicos ao

movimento. Atribui-se a ele o conceito de delito natural, compreendido como ―ação

prejudicial e que fere ao mesmo tempo alguns desses sentimentos que se

Page 42: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

convencionou chamar o senso moral de uma agregação humana‖ (MASSON, Direito

penal esquematizado - Parte geral - Volume 01, 2015).

Vale salientar os conceitos dados pelo doutor Gustavo Junqueira, os quais também

explicam perfeitamente a linha de raciocínio de cada pensador, a cerca de Lombroso:

O determinismo biológico de Lombroso: a partir da observação e levantamento de

dados acerca dos criminosos, o referido autor, médico por origem, elaborou teoria a

partir da qual seria possível determinar a tendência do sujeito à prática criminosa em

razão de determinadas características corporais, chegando a trazer detalhes da face

como indício da índole criminosa. Há que se entender tal tese como determinista,

uma vez que admite ser a característica biológica peculiar da pessoa o que a leva a

praticar crimes, ou seja, as pessoas não têm a mesma liberdade para escolher entre

praticar ou não a infração: algumas tendem ao crime, naturalmente, e outras não

(JUNQUEIRA, 2012).

Assim, Lombroso determinava que o suposto criminoso detivesse estigmas físicos

relacionados ao perfil delituoso. Seguidamente, Gustavo busca explanar o pensamento de

Erico Ferri, a saber:

O determinismo de Ferri: além dos fatores biológicos, o homem é fruto do meio, ou

seja, é determinado pelo ambiente em que vive a se portar de uma ou outra maneira,

inclusive a praticar crimes. A melhor maneira de evitar a prática de crimes é alterar

os ambientes, de forma a diminuir o incentivo à criminalidade, bem como afastar o

criminoso de seu meio anterior. Mais uma vez, o homem não tem liberdade de

escolher entre o caminho do crime ou do lícito, pois é determinado pelas

características biológicas e pelo meio a um ou outro comportamento (JUNQUEIRA,

2012).

Finalmente, Junqueira sintetiza o pensamento de Rafael Garofalo, assim:

O determinismo de Garofalo: traduz e combina as ideias dos anteriores para a

linguagem jurídica, tendo como principais traços a possibilidade de um conceito

natural de crime, a definição de periculosidade como o potencial para a futura

prática criminosa e a justificação da pena a partir da responsabilidade social do

sujeito. O que seria tal responsabilidade social? Afastada a responsabilidade moral

pelo mau uso da liberdade, visto que o homem da escola positiva não é livre (mas

sim determinado), deve ser responsabilizado o infrator simplesmente porque vive em

sociedade e deve arcar com os ónus para tanto (JUNQUEIRA, 2012)

A fase de Lombroso conceituou que algumas pessoas nasceram destinadas ao crime,

quanto em que para Ferri, além deste conceito, podiam-se considerar as condições sociais do

Page 43: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

individuo, ou seja, as qualidades biológicas do individuo se reforçaria dependendo de sua

classe social.

Os pensamentos de todos os autores da escola positivista não só traçam as possíveis

causas da criminalidade, mas, também, desenham possíveis formas de se evitar o

cometimento dos delitos, assim, a criminologia assume o papel de defesa do corpo social

combatendo, ao mesmo tempo, a criminalidade.

Em suma, pode-se concluir que Ferri foi o mais notável dos três por ter criado a

nomenclatura ―Criminologia‖ e também por adicionar que não somente o aspecto biológico

tinha que ser considerado, mas também os sociais e antropológicos. De todas as escolas que

surgiram ao longo do período humanitário, somente a clássica e a positivista tiveram um lugar

de destaque maior. Isto porque, suas linhas de pensamentos foram mais determinadas e bem

explicadas do que as posteriores.

2.3. Escola Correcionalista

O Correcionalismo Penal, também chamado de Escola Correcionalista, teve inicio na

Alemanha, em 1839, com base na obra ―Comentatio na poena malum esse debeat‖, do

professor da Universidade de Heidelberg, Karl David August Röeder. Assim nos explica

Bitencourt:

A Escola correcionalista aparece na Alemanha, em 1839, com a dissertação de

Karl Roeder, Comentatio na poena malum esse debeat, tendo como fundamento o

sistema filosófico de Krause, pertencente ao movimento do idealismo romântico

alemão, durante a primeira metade do século XIX59. No entanto, na Espanha foi

onde encontrou os seus principais seguidores, que cultuaram o famoso

correcionalismo espanhol — de matiz eclético —, destacando-se, dentre eles,

Giner de los Ríos, Alfredo Calderón, Concepción Arenal, Rafael Salillas e Pedro

Dorado Montero, este último o mais destacado, com seu El Derecho Protector de

los Criminales. Dorado Montero, como ressalta Rivacoba y Rivacoba, não

pertenceu à Escola correcionalista, embora a tenha desenvolvido e aperfeiçoado na

Espanha (BITENCOURT, Tratado de Direito Penal - Parte Geral 1, 2015).

A ideia defendida por essa escola pode ser consideradas um tanto revolucionária, no que

concerne ao objetivo da pena frente ao infrator, quando se afirma que esta tem a finalidade de

Page 44: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

corrigir a vontade do criminoso e, por isto, não deve ser estabelecida por um tempo

determinado, nem tão pouco fixada como única.

Na síntese de Rogério Greco:

Roeder defendia que a pena não podia ter um tempo determinado, já que servia para

corrigir aquele que praticou a infração penal, e devia durar o tempo que fosse

necessário para isso. Cessada a necessidade, consequentemente, deveria cessar

também o cumprimento da pena. Essa corrente não teve grandes acolhidas em seu

país de origem, a Alemanha, sendo, no entanto, mais bem difundida e aperfeiçoada

na Espanha, principalmente por intermédio de Pedro García Dorado Monteiro e

Concepción Arenal. (GRECO, Curso de Direito Penal- parte geral, 2017).

Vale ressaltar as palavras de Gustavo Junqueira ao citar o pensador Concepción:

Parte, assim como a escola positiva, da ideia de que o criminoso tem um problema

interno a ser resolvido, demandando assim pena indeterminada (Roeder). Mas, em

vez de observar a questão a partir do ângulo biológico ou sociológico, prefere o

âmbito da ética. Busca, assim, corrigir o criminoso do ponto de vista ético, fazendo

com que a pena seja um bem. Na lição de Concepción Arenal, a pena não será

jamais "neutra", mas sim um "bem" ou um "mal" para o criminoso, e é melhor (tanto

a partir de um prisma ético-humanista como utilitarista) que seja um bem, para que o

sujeito possa se readaptar à sociedade (JUNQUEIRA, 2012).

2.4. Escola Técnico-Jurídica

Essa escola cuida propriamente de conceituar a ciência penal como autônoma, ou seja,

não relacionada às demais outras ciências. As ideias da escola técnico-jurídica propõe

reorganizar o estudo da criminologia restringindo a ciência criminal ao direito positivo.

Ademais, o direito penal consistiria apenas naquilo que está expresso na lei e, com isso, o

magistrado deverá se basear, única e exclusivamente no que está positivado. Cleber Masson

elucida a doutrina adotada pelo italiano Arturo Rocco, quando demonstra:

O Tecnicismo Jurídico iniciou-se na Itália quando, em aula histórica sobre Il

problema e il método della scienza del diritto penalle, proferida na Universidade de

Sassari, em 15 de janeiro de 1910, Arturo Rocco delimitou o método de estudo do

Page 45: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Direito Penal como o positivo, restrito às leis vigentes, dele abstraindo o conteúdo

causal-explicativo inerente à antropologia, sociologia e filosofia. O mérito do

movimento, atualmente dominante na Itália e abraçado pela maioria das nações, foi

excluir do Direito Penal toda carga de investigação filosófica, limitando-o aos

ditames legais. Com efeito, o jurista deve valer-se da exegese para concentrar-se no

estudo do direito positivo. As preocupações causais explicativas pertencem a outros

campos, filosóficos, sociológicos e antropológicos, que se valem do método

experimental. Por sua vez, o Direito Penal tem conteúdo dogmático, razão pela qual

seu intérprete deve utilizar apenas o método técnico-jurídico, cujo objeto é o estudo

da norma jurídica em vigor. Em sua origem, o tecnicismo jurídico, liderado por

Arturo Rocco, Vincenzo Manzini, Massari e Delitala, entre outros, todos eles

inspirados nos estudos de dogmática jurídico-penal, elaborados por Karl Binding,

negava a abordagem do livre-arbítrio, bem como a existência do direito natural,

sustentando ser a sanção penal mero meio de defesa do Estado contra a

periculosidade do agente (MASSON, Direito penal esquematizado - Parte geral -

Volume 01, 2015, p. 137).

Sobre o pensamento de Rocco, cumpre advertir as transformações sofridas, assim

Cleber aduz:

Todavia, em uma segunda etapa, mais moderna, capitaneada por Maggiore,

Giuseppe Bettiol, Petrocelli e Giulio Battaglini, o tecnicismo jurídico acabou

acolhendo a existência do direito natural, admitindo o livre-arbítrio como

fundamento do direito punitivo, voltando a pena a assumir sua índole retributiva. No

estudo do Direito Penal, há três ordens de pesquisa e investigação. A primeira delas

é a exegese, na opinião de Rocco utilizada sempre de forma restrita e limitada ao

aspecto gramatical, ao passo que se deveriam buscar o alcance e a vontade da lei. A

segunda é a dogmática, que, responsável pela exposição dos princípios fundamentais

do direito positivo, oferece critérios para a integração e criação do Direito pela

sistematização dos princípios. Constitui-se na conjunção sistemática das normas

jurídicas postas em relações recíprocas, abstraindo conceitos até o mais geral,

retornando, em seguida, ao particular. Por último, a terceira ordem de pesquisa e

investigação apontada é a crítica, que estuda o Direito como ele deveria ser

buscando a sua construção e apresentando propostas de reforma. Atua em dois

âmbitos, quais sejam, direito penal positivo vigente e política criminal, com os

contornos da filosofia do Direito. Para Arturo Rocco, o tecnicismo jurídico seria o

equilíbrio resultante do embate entre a lenta evolução da Escola Clássica e a violenta

reação da Escola Positiva. O tecnicismo jurídico representou um movimento de

restauração metodológica sobre o estudo do Direito Penal. Dessa forma, não

constituiu uma nova Escola Penal, haja vista que não se preocupou com as questões

inerentes à etiologia do delito, à natureza da criminalidade e ao fundamento da

responsabilidade penal, nem com o conceito acerca da pessoa do delinquente

(MASSON, Direito penal esquematizado - Parte geral - Volume 01, 2015).

2.5. Escola de Defesa Social

Para melhor elucidação sobre o pensamento de defesa social, cumpre frisar, como

partida a explicação de Cezar Roberto Bitencourt ―A primeira teoria de defesa social aparece

somente no final do século XIX com a revolução positivista, embora se possa encontrar

antecedentes remotos do movimento defensivista na filosofia grega e no próprio Direito

Page 46: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Canônico medieval‖ (BITENCOURT, Tratado de Direito Penal - Parte Geral 1, 2015, p. 113).

E, também, notabilizar seu importante resumo no que se reporta a esta linha de pensamento:

Em 1945, Fílippo Gramatica funda, na Itália, o Centro Internacional de Estudos de

Defesa Social, objetivando renovar os meios de combate à criminalidade. Para

Gramatica, o Direito Penal deve ser substituído por um direito de defesa social, com

o objetivo de adaptar ―o indivíduo à ordem social‖. No entanto, a primeira

sistematização da Defesa Social foi elaborada por Adolphe Prins. Marc Ancel

publica, em 1954, A nova defesa social, que se constituiu em um verdadeiro marco

ideológico, que o próprio Marc Ancel definiu como ―uma doutrina humanista de

proteção social contra o crime‖. Esse movimento político-criminal pregava uma

nova postura em relação ao homem delinquente, embasada nos seguintes princípios:

a) filosofia humanista, que prega a reação social objetivando a proteção do ser

humano e a garantia dos direitos do cidadão; b) análise crítica do sistema existente e,

se necessário, sua contestação; c) valorização das ciências humanas, que são

chamadas a contribuir, interdisciplinarmente, no estudo e combate do problema

criminal (BITENCOURT, Tratado de Direito Penal - Parte Geral 1, 2015).

Para Fílippo, a defesa social tinha como finalidade aprimorar o mecanismo de defesa

do Estado, dessa forma, o Estado não precisaria castigar o delinquente, uma vez que sua

função fundamental era aperfeiçoar o individuo. Por fim, o ensejo do crime se fundamentava

na organização da sociedade, destarte, para Gramatica, as prisões eram desnecessárias,

devendo ser abolidas, e, com isso, a pena deveria ser concluída com respaldo na personalidade

do individuo e não no resultado do dano.

2.6. Conceito de Pena

No desenvolvimento da humanidade, bem como, nas relações do homem, as

divergências sempre aconteceram, os desentendimentos e as diferenças sempre fizeram parte

da relação humana. Assim pode-se entender que a transgressão do ser humano advém de

alguns conflitos de interesses entre um grupo ou um ser individual, e, por este motivo nasce o

castigo de uns para com outros.

Inicialmente, antes de se fazer qualquer menção sobre qual intenção tem a pena sobre

o individuo infrator, é saudável que se reconsidere alguns julgamentos sobre a punição dentro

do no direito penal.

Dessa forma, se sobressai à linha de raciocínio que prescreve Ney Moura Teles ao nos

ensina que ―A pena surge como necessária reação de defesa dos interesses dos indivíduos e,

mais tarde, também, do grupo, do clã, da tribo, que precisavam ser protegidos de ataques‖

(Teles, 2006).

Page 47: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Assim, cabe ressaltar o conceito de Rogério Greco ao propor ―A pena é a

consequência natural imposta pelo Estado quando alguém pratica uma infração penal. Quando

o agente comete um fato típico, ilícito e culpável, abre-se a possibilidade para o Estado de

fazer valer seu ius puniendi‖. (GRECO, Curso de Direito Penal - Parte Geral, 2015).

Em comparação tem-se o conceito do professor de direito penal da Universidade

Federal do Paraná e, Advogado com especialidade em Processo Penal, René Ariel Dotti

quando esclarece ―A pena criminal é a sanção imposta pelo Estado através de previsão legal

especifica e consistente na perda ou restrição de bens jurídicos do responsável pela infração,

em retribuição à sua conduta e para prevenir novos ilícitos‖ (DOTTI R. A., Curso de Direito

Penal, 2013). Ao mesmo tempo, merece destaque as palavras de Guilherme Souza Nucci, no

que se refere ao um conceito amplo de pena:

É a sanção imposta pelo Estado, por meio de ação penal, ao criminoso como

retribuição ao delito perpetrado e prevenção a novos crimes. O caráter preventivo da

pena desdobra-se em dois aspectos (geral e especial), que se subdividem (positivo e

negativo): a) geral negativo: significando o poder intimidativo que ela representa a

toda a sociedade, destinatária da norma penal; b) geral positivo: demonstrando e

reafirmando a existência e eficiência do direito penal; c) especial negativo:

significando a intimidação ao autor do delito para que não torne a agir do mesmo

modo, recolhendo-o ao cárcere, quando necessário; d) especial positivo: que é a

proposta de ressocialização do condenado, para que volte ao convívio social, quando

finalizada a pena ou quando, por benefícios, a liberdade seja antecipada. Conforme o

atual sistema normativo brasileiro, a pena não deixa de possuir todas as

características expostas em sentido amplo (castigo + intimidação e reafirmação do

direito penal + ressocialização): o art. 59 do Código Penal menciona que o juiz deve

fixar a pena de modo a ser necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do

crime (NUCCI, 2018).

Por ultimo, se destaca o conceito dado pelo Promotor de Justiça no Estado de São

Paulo e Professor de Penal da Escola Superior do Ministério Público, Rogério Sanches Cunha

quando destaca:

Pena é espécie sanção penal, isto é, resposta estatal ao infrator da norma

incriminadora (crime ou contravenção), consistente na privação ou restrição de

determinados bens jurídicos do agente. Sua imposição depende do devido processo

legal, através do qual se constata a autoria e materialidade de um comportamento

típico, antijurídico e culpável não atingido por causa extintiva da punibilidade. É

sabido (e comprovado) que a convivência harmônica dos integrantes de uma

sociedade depende do poder punitivo estatal. Trata-se, portanto, de uma forma de

controle social irrenunciável (CUNHA, 2016).

2.6.1 Teorias sobre a finalidade da pena.

Page 48: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

No que dizer respeito ao conceito da pena, as opiniões não divergem muito, sempre se

confere a punição um caráter repressor resulto sobre aquele que praticou certo delito. A

princípio, constantemente se atribui a pena a um caráter merecedor e necessário – a primeira

característica com relação ao infrator e a segunda com analogia a sociedade.

Entretanto, no campo das teorias acerca finalidade da pena, de maneira categórica,

dois grandes grupos se destacam.

A pena não pode meramente ser aplicada num caráter de insurreição contra o crime, ou

seja, pura e simplesmente para castigar o delinquente, isto já se fazia na época das vinganças,

as quais tinham caráter desumano e bárbaro.

E, ainda, a pena, não pode ostentar apenas o perfil do ius puniendi do Estado, quer

dizer, ser aplicada somente por estar positivada na lei.

O caráter da pena pressupõe muito mais do legislador do que o casuístico sentimento

de temor, mais que isso, a pena serve para dar uma resposta pra sociedade e, ao mesmo

tempo, para prevenir futuros delitos e, em outra ocasião proporcionar a ressocialização do

criminoso.

Sobre o aspecto da pena temos a opinião de Nestor Sampaio, em conjunto com Paulo

Argarate e Ugo Osvaldo, a qual compete demonstrar o que chamam de Penologia:

O Estado existe para propiciar o bem comum da coletividade administrada, o qual

não pode ser alcançado sem a manutenção dos direitos mínimos dos integrantes da

sociedade, e, por conseguinte, quando se entrechocam direitos fundamentais para o

indivíduo e para o próprio Poder Público e as outras sanções (civis, administrativas

etc.) são ineficazes ou imperfeitas, advém para este o jus puniendi, com a

reprimenda penal, que é a sanção mais grave que existe, na medida em que pode

cercear a liberdade daquele e, em casos extremos, privá-lo até da vida (Filho,

Vasques, & Frugoli, 2014).

Com base na lição dos pensadores acima, apenas o Estado tem a prerrogativa de

cercear a liberdade do infrator e sobre este aspecto deve mostrar que não age de maneira

desmedida quando aplica a pena ao crime.

Logo, o poder estatal, deve ratificar a sociedade, sob a luz do ordenamento jurídico,

que não age arbitrariamente e que os direitos de todos, sempre serão resguardados quando

aplicado o direito de punir.

Deste modo, o Estado carrega a incumbência de responder a sociedade sobre a

transgressão da norma e, igualmente, se preocupar com a segurança da coletividade. Ainda,

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também o cabe assegurar os direitos mínimos da população e, sobre o mesmo modo, garantir

os direitos fundamentais do apenado, ao vigiar para que este não transgrida novamente.

Enfim, a lei devera ser aplicada com atenção para que nenhuma tirania aconteça, pois

a liberdade é um direito inerente do homem, se não o mais precioso.

No mesmo sentido, Rogério Sanches Cunha (2015) apud Gomes e Molina (2007), com

relação à justificação da pena ensina-nos que:

1. Do ponto de vista político-estatal a pena se justifica porque sem ela o

ordenamento jurídico deixaria de ser um ordenamento coativo capaz de reagir com

eficácia diante das infrações. 2. Desde a perspectiva psicossocial a pena é

indispensável porque satisfaz o anseio de justiça da comunidade. Se o Estado

renunciasse à pena, obrigando o prejudicado e a comunidade a aceitar as condutas

criminosas passivamente, dar-se-ia inevitavelmente um retorno à pena privada e à

autodefesa (vingança privada), próprias de etapas históricas já superadas. 3. No que

se relaciona com o aspecto ético-individual, a pena se justifica porque permite ao

próprio delinquente, como um ser 'moral', liberar-se (eventualmente) de algum

sentimento de culpa.

Em suma, as teorias acerca da finalidade da pena se resumem em três, pela síntese

feita por Nestor, Paulo e Ugo, sabemos que:

O estudo da pena constata a existência de três grandes correntes sobre o tema:

teorias absolutas; relativas e mistas. As teorias absolutas (Kant, Hegel) entendem

que a pena é um imperativo de justiça, negando se fins utilitários, punindo-se porque

se cometeu o delito (punitur quia peccatum est). As teorias relativas ensejam um fim

utilitário para a punição, sustentando-se que o crime não é causa da pena, mas

ocasião para que seja aplicada, baseando-se na necessidade social (punitur ne

peccetur). Seus fins são duplos: prevenção geral (intimidação de todos) e prevenção

particular (impedir o réu de praticar novos crimes, intimidar e corrigir o réu). E, por

fim, as teorias mistas conjugam as duas primeiras, sustentando o caráter retributivo

da pena, mas acrescentam a este os fins de reeducação do criminoso e intimidação.

Penologia é a disciplina integrante da Criminologia que cuida do conhecimento geral

das penas (sanções) e dos castigos impostos pelo Estado aos violadores da lei (Filho,

Vasques, & Frugoli, 2014).

2.6.2. Teorias absolutas ou retributiva.

A teoria absoluta ou retributiva da pena considera esta como uma consequência natural

ao delito cometido, isto quer dizer, que a pena se esgota numa ideia de retribuição, de

recompensa ou para alguns, a pena consiste numa ideia de pagamento pelo ato causado. Trata-

se meramente do mal com caráter de resposta sobre o primeiro mal causado pelo delinquente.

Page 50: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Neste sentido, a pena serve como um mal que o delinquente tem que sofrer para, em

outras palavras, sentir na pele as consequências causadas por seu ato. Nas brilhantes palavras

de Cléber Masson, visualizamos que:

De acordo com esta teoria, a pena desponta como a retribuição estatal justa ao mal

injusto provocado pelo condenado, consistente na prática de um crime ou de uma

contravenção penal (punitur quia peccatum est). Não tem finalidade prática, pois não

se preocupa com a readaptação social do infrator da lei penal. Pune-se simplesmente

como retribuição à prática do ilícito penal. A pena atua como instrumento de

vingança do Estado contra o criminoso, com a finalidade única de castigá-lo, fator

esse que proporciona a justificação moral do condenado e o restabelecimento da

ordem jurídica. A teoria absoluta e a finalidade retributiva da pena ganharam

destaque com os estudos de Georg Wilhelm Friedrich Hegel e de Emmanuel Kant,

que exemplificava: O que se deve acrescer é que se a sociedade civil chega a

dissolver-se por consentimento de todos os seus membros, como se, por exemplo,

um povo que habitasse uma ilha se decidisse a abandoná-la e se dispersar, o último

assassino preso deveria ser morto antes da dissolução a fim de que cada um sofresse

a pena de seu crime e para que o crime de homicídio não recaísse sobre o povo que

descuidasse da imposição dessa punição; porque então poderia ser considerada como

cúmplice de tal violação pública da Justiça (MASSON, Direito penal esquematizado

- Parte geral - Volume 01, 2015, p. 618).

Com base nisso, professa Sanches ―Para os absolutistas, a imposição da pena é uma

decorrência lógica da delinquência, visando apenas a retribuir o mal causado‖ (CUNHA,

2016).

2.6.3. Teorias relativas com finalidades preventivas.

A teoria relativa se mostra contra as ideias impostas pela teoria absoluta e, desse

modo, apregoa que a punição suportada pelo infrator serve como prevenção para outros

possíveis crimes. Ademais, a teoria relativa busca impossibilitar, mediante a pena, a

reincidência do criminoso, ou seja, que o criminoso volte a cometer nova infração e, por força

disso, realizar sua reabilitação social. Portanto, a teoria divide-se em dois tipos de prevenção –

a prevenção geral como forma de imposição da lei e, a prevenção especial dirigida à pessoa

do criminoso. Por este ângulo, cabe analisar a síntese realizada na obra de Rogério Sanches,

quando o mesmo atribui o titulo utilitário para a teoria, a saber:

Já para os utilitaristas, a pena atua como um instrumento de prevenção, um meio

para alcançar determinadas finalidades. De acordo com a prevenção geral negativa, a

pena deve coagir psicologicamente a coletividade, intimidando-a. Na perspectiva da

prevenção geral positiva, o objetivo da pena é demonstrar a vigência da lei

(existência, validade e eficiência). A intenção, aqui, não é intimidar, mas estimular a

Page 51: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

confiança da coletividade na higidez e poder do Estado de execução do ordenamento

jurídico. Já na ótica da prevenção especial, a pena é direcionada à pessoa do

condenado. Sob o enfoque da prevenção especial negativa, a pena deve servir para

inibir a reincidência, não se confundindo com a prevenção especial positiva, onde a

preocupação é a ressocialização do delinquente. Somente a recuperação do

condenado faz da pena um instituto legítimo. Ademais, a própria sociedade se

beneficia desta espécie de prevenção, já que, ao retornar para o convívio, o

indivíduo estará mais bem preparado para respeitar as regras impostas pelo Direito

(CUNHA, 2016).

2.6.4 Teoria adotada pelo Brasil e classificação das penas.

O código penal não traz com precisão qual teoria adota acerca da pena no Brasil,

entretanto, acredita-se ter a pena caráter múltiplo, ao que explica Sanches:

Quando o legislador cria o crime, cominando-lhe a sanção penal ({pena em

abstrato}, revela-se o seu caráter preventivo geral). Ao estabelecer os parâmetros

mínimo e máximo da pena, afirma-se a validade da norma desafiada pela prática

criminosa ({prevenção geral positiva} buscando inibir o cidadão de delinquir

(prevenção geral negativa)). Praticado o crime, no momento da sentença (aplicação

da pena), o Magistrado deve observar outras duas finalidades: a retributiva e a

preventiva especial (CUNHA, 2016).

Com relação às outras duas finalidades – retributiva e preventiva especial- Sanches

adiciona, em sua linha raciocino, as palavras de Paulo Queiroz, e dessas podemos concluir

que:

Como bem alerta Paulo Queiroz, nesta fase [sentença] não se tem a pretensão de

fazer da decisão um exemplo para outros possíveis infratores, em nome da

prevenção geral de futuros delitos (positiva ou negativa), sob pena de violação do

princípio da proporcionalidade. Recorrer à prevenção geral na fase de

individualização da pena seria tomar o sentenciado como puro instrumento a serviço

de outros (SANCHES, 2015 apud QUEIROZ, 2008).

E, por ultimo, Rogério acaba por concluir que a execução penal, com seu caráter

ressocializador, confirma o uso das múltiplas teorias acerca dos fins da pena:

Por fim, na etapa da execução penal concretiza-se a retribuição e prevenção especial

(disposições da sentença), ganhando relevo a prevenção especial positiva

(ressocialização). O caráter reeducativo (ou educativo) assume importância máxima.

A própria Lei de Execução Penal, no seu artigo 1 °, dispõe: "A execução penal tem

por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar

condições para a harmônica integração social do condenado e do internado‖

(CUNHA, 2016).

Page 52: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Sobre o mesmo aspecto René Ariel Dotti desfruta do pensamento de Mirabete ao

expor:

A pena deve prevenir e reprimir as condutas ilícitas e culpáveis. Essa dupla

finalidade é expressamente consagrada pelo CP ao dispor que a pena concreta, a

substituição por outra espécie, se cabível, e o regime inicial de execução, serão

fixados com base nas diretivas do art. 59, ―conforme seja necessário e suficiente

reprovação e prevenção do crime‖. Por outro lado, o art. 1º da LEP dispõe que a

execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão

criminal e ―proporcionar condições para a harmônica integração social do

condenado e do internado‖. A exposição de Motivos ao aludido diploma declara

que, ―sem questionar profundamente a grande temática das finalidades da pena,

curva-se o Projeto na esteira das concepções menos sujeitas à polemica doutrinária,

ao princípio de que as penas e as medidas de segurança devem realizar a proteção

dos bens jurídicos e a reincorporação do autor à comunidade‖. Conforme o correto

entendimento de Mirabete, a tendência moderna é a de que a execução da pena deve

ser programada de modo a corresponder à ideia de humanizar, além de punir

(DOTTI, 2013 apud MIRABETE, 2004).

Ainda, sobre as classificações da pena não são muito divergente as opiniões, desta

forma, destaca-se a classificação dada por Cléber Masson:

A pena pode ser dividida em cinco espécies: a) Pena privativa de liberdade: retira do

condenado o seu direito de locomoção, em razão da prisão por tempo determinado.

Não se admite a privação perpétua da liberdade (CF, art. 5.º, XLVII, ―b‖), mas,

somente a de natureza temporária, pelo período máximo de 30 (trinta) anos para

crimes (CP, art. 75) ou de 5 (cinco) anos para contravenções penais (LCP, art. 10).

b) Pena restritiva de direitos: limita um ou mais direitos do condenado, em

substituição à pena privativa de liberdade. Está prevista no art. 43 do Código Penal e

por alguns dispositivos da legislação extravagante. c) Pena de multa: incide sobre o

patrimônio do condenado. d) Pena restritiva da liberdade: restringe o direito de

locomoção do condenado, sem privá-lo da liberdade, isto é, sem submetê-lo à prisão.

É o caso da pena de banimento, consistente na expulsão de brasileiro do território

nacional, vedada pelo art. 5.º, XLVII, ―d‖, da Constituição Federal. É possível a

instituição, por lei, de pena restritiva da liberdade, em face de autorização

constitucional (art. 5.º, XLVI, ―a‖). Exemplo: proibir o condenado por crime sexual

de aproximar-se da residência da vítima. A deportação, a expulsão e a extradição de

estrangeiros são admissíveis, uma vez que têm natureza administrativa, e não penal,

e encontram-se previstas no art. 57 e seguintes da Lei 6.815/1980 – Estatuto do

Estrangeiro. e) Pena corporal: viola a integridade física do condenado, tal como

ocorre nas penas de açoite, de mutilações e de marcas de ferro quente. Essas penas

são vedadas pelo art. 5.º, XLVII, ―e‖, da Constituição Federal, em face da crueldade

de que se revestem. Admite-se, excepcionalmente, a pena de morte, em caso de

guerra declarada contra agressão estrangeira (CF, art. 5.º, XLVII, ―a‖), nas hipóteses

previstas no Decreto-lei 1.001/1969 – Código Penal Militar (MASSON, Direito

penal esquematizado - Parte geral - Volume 01, 2015, p. 626).

Essencialmente, as escolas penais serviram para a melhor compreensão do Direito

Penal, bem como sobre a verdadeira função da pena. Os temas que antes eram aflitivos para

as escolas penais encontram-se superados. Por fim, para o código penal, a pena goza de

múltiplas funções, ao ser: retributiva; preventiva e reeducativa, haja vista a redação do artigo

Page 53: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

art. 59 do CP, que professa ―O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta

social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime,

bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente

para reprovação e prevenção do crime‖.

BREVE HISTÓRIA SOBRE OS SISTEMAS PENITENCIÁRIOS

3.1. A importância de John Howard.

O processo para que o sistema penitenciário chegasse ao que se conhece foi bastante

longo e ao avaliar a história do sistema carcerário pode-se chegar à conclusão que este foi um

avanço dentro da sociedade. Para este avanço muitas pessoas foram fundamentais e,

inquestionavelmente John Howard foi um dos pioneiros. Rogério Greco resume sua brilhante

carreira com relação a sua experiência nas penitenciárias, a saber:

Em 1773, aos 45 anos de idade, Howard foi nomeado sheriff do condado de

Bedford, fazendo, assim, com que, agora, viesse a se familiarizar com as misérias

das prisões de sua época, os lugares fétidos onde serem humanos eram jogados

como se fossem animais, pois uma das suas principais funções era visitar os

estabelecimentos carcerários. Essas visitas periódicas permitiram-lhe um contato

direto e intenso com os presos e fizeram com que o humanista inglês ficasse ainda

mais sensibilizado com os problemas que presenciava diariamente tornando-se,

assim, um incansável crítico e defensor da melhora do sistema. As enfermidades

eram uma constante, já que os presos não recebiam tratamento adequado,

permitindo, dessa forma, que doenças se alastrassem facilmente nos cárceres. A

promiscuidade também era um mal que deveria ser combatido. No entanto, como os

encarregados de cuidar dos presos e de vigia-los não recebiam qualquer

remuneração dos cofres públicos, a situação ficava ainda pior - as cobranças recaiam

diretamente sobre os próprios presos, via de regra, miseráveis, pertencentes às

classes menos favorecidas, que não tinham como pagar e, assim, permaneciam

presos indefinidamente, até que acertassem suas contas com aquele que detinha as

chaves da sua cela. Essa imposição de pagamento feita ao preso pelo carcereiro fazia

com que muitas injustiças fossem praticadas. Por isso, Howard propôs que os

carcereiros fossem pagos pelo próprio Estado, ou seja, pela própria administração

pública da prisão, e não pelos presos. Howard foi um obstinado pelo problema

carcerário. Além de conhecer e trabalhar para a melhoria das prisões da Inglaterra e

em Gales, também empreendeu viagens para outros países, a exemplo de Portugal,

Espanha, França, Alemanha, Holanda, Finlândia, Irlanda, Suíça, Dinamarca, Áustria,

Prússia, Rússia, Itália, Turquia, dentre outros, procurando conhecer e comparar os

sistemas prisionais. Realizou algumas grandes viagens que lhe renderam anotações

importantes. Fazia comparações entre os sistemas carcerários dos vários países,

registrando o que de mal havia em entre eles, bem como o que se podia aproveitar

para a construção de um sistema que atendesse não somente aos interesses da

sociedade, que se via livre, mesmo que temporariamente, daquele que havia

praticado uma infração penal, como também para o acusado ou condenado, que

deveria permanecer preso durante certo período. Sua vida foi dedicada à

modificação de um sistema que começava a ser implementado, com a privação

Page 54: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

temporária ou perpétua da liberdade dos presos. Esse sistema, no entanto, era muito

cruel e severo. Não se podia esquecer de que se estava diante de seres humanos que

erraram, sim, mas que ainda continuavam a gozar do status de seres humanos. Não

tinham perdido essa condição, mas tão somente o direito de liberdade. Depois de

avaliar e criticar inúmeras prisões, Howard, em seu livro intitulado The state of the

prisons in England and Wales, fixou as b ases para um cumprimento de pena que

não agredisse os demais direitos do homem, a saber: 1) higiene e alimentação; 2)

disciplina distinta para presos provisórios e os condenados; 3) educação moral e

religiosa; 4) trabalho; 5) sistema celular mais brando.

Howard identificou inúmeros problemas que, se melhorados, proporcionariam uma

condição de vida mais digna aos presos que cumpriam suas penas naqueles

estabelecimentos. (Greco, 2017, p. 63).

John apontou inúmeros erros dentro dos sistemas penitenciários de alguns países que

até mesmo eram considerados de primeiro mundo, no que pertence a economia e

desenvolvimento. Entretanto, quando se avalia os erros apontados por Howard é fácil

identificá-los nos dias atuais. Os problemas de higiene e alimentação, bem como os de

disciplina e trabalho, podem ser encontrados facilmente nas cadeias publicas do Brasil.

Dessa forma, é notório que muitas características dos sistemas penitenciários antigos

não mudaram, uma vez que os problemas identificados por John a mais de um século

persistem até hoje. Rogério conclui explicando a influencia do pensamento de John:

Infelizmente, depois de mais de duzentos anos, as condições carcerárias ainda

permanecem as mesmas. Howard faleceu e m 20 de janeiro d e 1790, após ter

contraído, no meio em que tanto lutou para ser melhorado, vale dizer, em algum

estabelecimento carcerário de Kerson, na Crimea, a chamada "febre carcerária" (tifus

exan temático). Sua luta, porém, não foi em vão. Fez despertar um sentimento de

solidariedade, de humanidade, até então deixados de lado. Inúmeros

estabelecimentos carcerários, principalmente os da Europa, acabaram adotando e

aplicando as orientações desse grande humanista. No mundo de hoje, diversas

organizações não governamentais (ONGs) defendem os posicionamentos de

Howard, pugnando por melhorias das condições carcerárias, chegando, e m alguns

casos, mesmo a lutar pelo fechamento de estabelecimentos prisionais. Suas lições

são utilizadas para a construção de penitenciárias mais humanas, que visem à

recuperação do condenado ou que, pelo menos, não o façam sair de lá pior do que

quando entrou. Os problemas detectados por Howard ainda persistem. Suas lições e

experiências devem nortear a sociedade, que vive na chamada pós-modernidade

(Greco, 2017).

3.2. Jeremy Bentham e sua atuação.

Por força dos princípios iluministas traçados no fim do século XVIII, a prisão,

literalmente, ganhou o conceito de pena, isso quer dizer, que ela não mais se tratava de uma

medida assecuratória para a execução de outra punição, ao contrário, ela era a própria pena.

Page 55: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Todavia, as condições precárias das penitenciárias continuavam da mesma forma e, o

chamado ―século das luzes‖ não conseguiu dissipar totalmente as trevas do cárcere. Jeremy

Bentham era um filósofo e jurista inglês criador do utilitarismo como filosofia moral, sobre

essa teoria Greco nos explica:

O utilitarismo de Bentham tinha como ponto de partida a crítica que fazia ao direito

natural, que pressupunha a existência de um contrato social imaginário, que a todos

vinculava. Para Bentham, o cidadão deveria obedecer ao Estado não pelo fato de que

estaria a ele vinculado por um suposto contrato social, mas, sim, porque a

obediência contribuiria para a felicidade geral, ao contrário da desobediência, que a

todos prejudicava. A felicidade geral, entendida como o interesse da comunidade,

era fruto de um cálculo de natureza hedonista, ou seja, o resultado da soma do bem

comum e das dores dos indivíduos. Dessa forma, substituiu a teoria do direito

natural pela teoria da utilidade. Mediante um estudo empírico, dizia, é que se podia

provar se um comportamento ou uma instituição podia ou não ser considerada útil.

De certa forma, opôs-se também aos revolucionários franceses, quando eles se

fundamentavam no direito natural a fim de afirmar os direitos universais do homem.

Para Bentham, o indivíduo somente possuía direitos à medida que conduzisse seus

comportamentos para o bem da sociedade. Assim, criticava a proclamação dos

direitos expressos pelos revolucionários franceses, uma vez que os entendia como

demasiadamente individualistas. O fundamental, para ele, era a reconciliação entre o

indivíduo e a sociedade, ainda que fosse necessário o sacrifício de supostos direitos

humanos. A teoria utilitarista seria de extrema importância para sua luta reformista.

Como um humanista, Bentham propunha a reforma do sistema prisional por um

modelo que garantisse a dignidade da pessoa humana. Passou a dedicar-se a

encontrar esse modelo, o que ocorreu com a criação do chamado panóptico. O

prefixo pan, de origem grega, tem o significado de totalidade; óptico, palavra

também originária do grego refere-se à visão. Assim, Bentham projeta,

arquitetonicamente, o chamado panóptico, ou seja, um edifício destinado ao

cumprimento de penas privativas de liberdade, construído de modo que toda a sua

parte interior pudesse ser vista de um único ponto (Greco, 2017).

Para a melhoria do cárcere, como estilo de vida dos presos, Jeremy Bentham dedicou

bastante tempo para a concretização de um modelo carcerário ideal. Tudo que diz respeito ao

Panóptico como estrutura carcerária essencial para o cumprimento das penas fora

cuidadosamente idealizado por Jeremy, que criou um modo de prisão circular, a qual uma

única pessoa poderia ver todos os locais onde os presos estivessem, ou seja, tornara mais

seguro o local, a saber:

No que diz respeito à utilização do panóptico como prisão, do ponto central, ou seja,

internamente, da torre, podia-se visualizar todas as celas. Os dois princípios

fundamentais da arquitetura do panóptico são a posição central da vigilância e sua

invisibilidade. Cada andar podia ser tranquilamente, vigiado por apenas um

funcionário. Esse funcionário era considerado um ―olho que não podia ser visto‖, ou

seja, somente ele tinha acesso às celas, não tendo os presos condições de vê-lo.

Bentham dedicou vinte anos de sua vida à realização do projeto panóptico. Todos os

detalhes, desde a construção do prédio até as vestimentas dos presos foram

minuciosamente pensados por ele. Nada lhe passou despercebido. Tudo foi

Page 56: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

projetado, sopesado, avaliado. Até mesmo a evacuação dos excrementos dos presos

foi objeto de longa exposição de seu trabalho (Greco, 2017).

Enfim, o pensamento e projeto de Jeremy serviram para mostrar que ainda há pessoas

preocupadas, mesmo que em épocas distintas, em revolucionar o sistema penitenciário e seus

problemas. O desenho desenvolvimento por ele ainda serviu como base em algumas

penitenciárias e, atualmente, como modelo de algumas nos Estados Unidos da América.

O Professor Leonel Aguiar, coordenador do curso de Comunicação da PUC-Rio

demonstra sua forte influencia:

Como o próprio nome diz, panóptico nos remete à ideia de visão total, sendo que ―pan‖

significa tudo e ―óptico‖- visão. Um dos grandes estudiosos do panóptico foi o filósofo

francês Michel Foucault, com obras importantes nessa área, incluindo o livro ―Vigiar e

punir: o nascimento da prisão‖, de 1976. Nele, Foucault estuda as instituições disciplinares

da sociedade moderna, que tem como modelo de panoptismo o conceito de prisão criado no

século 18 pelo também filósofo inglês Jeremy Bentham. Ele pensou em uma arquitetura de

prisão na qual as celas formam um anel em torno de uma grande torre. Nela fica um guarda

que não pode ser visto pelos presos, que são vigiados o tempo todo. As celas são vazadas, ou

seja, somente com paredes laterais, de modo que os encarcerados não conseguem fugir da

vigilância permanente do guarda na torre central. Mesmo que uma ou outra prisão dos EUA

siga esse conceito, esse modelo nunca chegou a ser plenamente implantado (Aguiar, 2012).

O modelo de Jeremy foi tão expansivo que o professor Leonel Aguiar acaba por explicar que

em alguns locais é possível observar seus traços doutrinários, a exemplo, da escola. O professor da

Pontifícia Universidade Católica expõe:

No modelo de escola que temos hoje, o professor fica na frente da sala de aula, em um

patamar mais elevando, permitindo a ele ter uma visão de cima da classe. Esse é um modelo

clássico do panoptismo. Outro exemplo nas escolas é a própria arquitetura dos banheiros

coletivos, cujas portas das cabines privativas não vão até o chão e nem são tão altas, fazendo

com que os pés fiquem aparecendo. A própria ideia do jornalismo investigativo, que apura

todas as áreas obscuras de um governo, informando a sociedade, por exemplo, é uma ideia

iluminista de controle dos mecanismos de poder (Greco, 2017).

3.3. Sistema pensilvânico.

Graças ao mérito dos princípios humanitários e pelos ensinamentos iluministas da

época foram surgindo alguns sistemas penitenciários norte- americanos. O surgimento de

Page 57: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

determinadas prisões pertence ao final do século XIII e durante o século subsequente. Cezar

Roberto Bitencourt preleciona sobre este inicio:

Os primeiros sistemas penitenciários surgiram nos Estados Unidos, embora não se

possa afirmar como faz Norval Morris, ―que a prisão constitui um invento norte-

americano‖. Esses sistemas penitenciários tiveram, Além dos antecedentes

inspirados em concepções mais ou menos religiosas, já referidas, um antecedente

importantíssimo nos estabelecimentos de Amsterdam, nos Bridwells ingleses, e em

outras experiências similares realizadas na Alemanha e na Suíça. Estes

estabelecimentos não são apenas um antecedente importante dos primeiros sistemas

penitenciários, como também marcam o nascimento da pena privativa de liberdade,

superando a utilização da prisão como simples meio de custódia (Bintecourt, 2012).

O sistema penitenciário pensilvânico ou da Filadélfia, que outrora fora chamado de

celular, caracterizava-se por seu caráter isolado e repressivo. Isto porque, quanto aos presos, o

sistema apregoava que somente o isolamento total e, a leitura fugaz das sagradas escrituras

proporcionaria ao recluso um provável arrependimento. Sobre o sistema penitenciário

pensilvânico instrui Moura Teles:

Esse sistema surge em 1775, na cidade da Filadélfia, nos Estados Unidos da

América, e consistia no isolamento completo do condenado, durante o dia e durante

a noite. Por isso era chamado de solitary system. Para sua execução, criou-se a

célula individual, da qual o condenado não saía, com o objetivo de que pela solidão

pudesse meditar e alcançar o arrependimento, por meio, da leitura unicamente da

Bíblia e de outros livros religiosos. Eram proibidas quaisquer visitas e qualquer

contato do condenado com quem quer que seja inclusive outros presos, até mesmo

por correspondência, só podendo avistar-se com o religioso (Teles, 2006).

Nota-se que mesmo após as atrocidades cometidas no século anterior as primeiras

prisões adotavam um aspecto despótico e desumano. Notoriamente se parte do principio que a

situação não passou por uma transformação considerável, visto que, muitas particularidades

ainda permaneciam, todavia, já se tratava de um progresso.

O sistema pensilvânico era muito falho e pouco útil, com isso não pode prolongar-se.

A respeito do sistema da Filadélfia Rogério Greco chega à conclusão que ―Esse sistema

recebeu inúmeras críticas, uma vez que, além de extremamente severo, impossibilitava a

readaptação social do condenado, em face do seu completo isolamento‖ (Greco, 2015).

Nessa mesma toada, Moura Teles também comenta ao dizer ―Esse sistema, apesar de

ter sido adotado em varias partes do mundo, é de todo evidente, não podia tornar-se modelo,

dada sua rigidez e, como não poderia deixar de ser, por não ter apresentado os frutos

desejados por seus idealizadores: a redenção do delinquente‖ (Teles, 2006).

Page 58: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

3.4. Sistema Auburniano.

Com a considerável decadência do sistema pensilvânico outra ideia tem grande

relevância na história dos sistemas penitenciários. O tão famigerado sistema auburniano -

chamado também de sistema de Auburn, surgiu no Estado de New York na cidade de Auburn

no inicio do século XIX.

Oportuno lembrar a explicação dada por Cezar Roberto Bitencourt:

E, diante dos resultados insatisfatórios, em 1809 foi proposta a construção de outra

prisão no interior do Estado para absorver o número crescente de delinquentes. A

autorização definitiva, porém, para a construção da prisão de Auburn só ocorreu em

1816. Uma parte do edifício destinou-se ao regime de isolamento. De acordo com

uma ordem em 1821, os prisioneiros de Auburn foram divididos em três categorias:

1ª) a primeira era composta pelos mais velhos e persistentes delinquentes, aos quais

se destinou um isolamento contínuo; 2ª) na segunda situavam-se os menos

incorrigíveis; somente eram destinados às celas de isolamento três dias na semana e

tinham permissão para trabalhar; 3ª) a terceira categoria era integrada pelos que

davam maiores esperanças de serem corrigidos. A estes somente era imposto o

isolamento noturno, permitindo-lhes trabalhar juntos durante o dia, ou sendo

destinados às celas individuais um dia na semana. As celas eram pequenas e escuras,

e não havia possibilidade de trabalhar nelas. Essa experiência de estrito

confinamento solitário resultou em grande fracasso: de oitenta prisioneiros em

isolamento total contínuo, com duas exceções, os demais resultaram mortos,

enlouqueceram ou alcançaram o perdão. Uma comissão legislativa investigou esse

problema em 1824, e recomendou o abandono do sistema de confinamento solitário.

A partir de então se estendeu a política de permitir o trabalho em comum dos

reclusos, sob absoluto silêncio e confinamento solitário durante a noite. Esses são os

elementos fundamentais que definem o sistema auburniano, cujas bases, segundo

Cuello Calón, foram estabelecidas no Hospício de San Miguel de Roma, na prisão

de Gante. (Bintecourt, 2012).

Assim, resta demonstrado que o sistema de Auburn era um pouco menos rigoroso que

o anterior, dado que, no sistema auburniano os presos tinham a permissão de trabalho, de

início, somente dentro das celas, num momento posterior, em grupos.

Neste ponto, impõe-se dizer que uma das características que permaneceu sobre

Auburn foi o chamado ―silêncio absoluto‖, Bitencourt nesse sentido explana que ―O sistema

de Auburn — silent system — adota, além do trabalho em comum, a regra do silêncio

absoluto. Os detentos não podiam falar entre si, somente com os guardas, com licença prévia

e em voz baixa‖ (BITENCOURT, 2012, p. 354).

Page 59: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

O sistema pensilvânico separava os detentos para impedi-los a comunicação, já o

sistema auburniano, fazia distinção sobre os presos acolhidos separando-os entre os mais e

menos corrigíveis e, ainda, fracionando o período de isolamento total com base na

periculosidade dos presos. O sistema objetivava o ensino de um oficio pelo apenado lhe dando

a oportunidade de ressocialização através do trabalho. Ademais, Cezar Bitencourt atribui seu

pensamento sobre o trabalho, a saber:

Um dos pilares do silent system foi o trabalho. Nesse sentido pode-se afirmar que o

trabalho no projeto auburniano foge de certa forma, tanto a sua original dimensão

ideológica como pedagógica: ideologicamente como única atividade capaz de

satisfazer as necessidades do ―não proprietário‖, pedagogicamente como modelo

educativo que permitirá ao proletário incorporar-se à força de trabalho. No entanto,

esse propósito caiu por terra. Uma das causas desse fracasso foi à pressão das

associações sindicais que se opuseram ao desenvolvimento de um trabalho

penitenciário. A produção nas prisões representava menores custos ou podia

significar uma competição ao trabalho livre. Esse fator originou a oposição dos

sindicatos ao trabalho produtivo que pretendia impulsionar o silent system

(Bintecourt, 2012).

Contudo, ainda que o sistema auburniano fosse sido criado para superar as falhas do

primeiro, as crueldades permaneciam evidentes, isto porque o trabalho não era uma opção e

como a mão de obra dos presidiários não era remunerada, por força disso, nota-se um abuso

sobre as condições de trabalho dentro da penitenciária.

O trabalho prisional consistia numa força produtiva rentável ao país por ser mais

barata, e se o preso se recusasse a fazê-lo lhe eram aplicadas então as penas corporais,

entretanto, o ostracismo total, as proibições de comunicação, até mesmo entre eles, e a

obediência descomunal, fundamentada na aplicação de castigos cruéis, fizeram com que o

sistema auburniano resultasse em um sistema ineficaz.

Bitencourt finaliza seu pensamento ao externar sua opinião no que concerne aos

aspectos negativos do sistema, por saber:

Outro aspecto negativo do sistema auburniano — uma de suas características — foi

o rigoroso regime disciplinar aplicado. A importância dada à disciplina deve-se, em

parte, ao fato de que o silent system acolhe, em seus pontos, estilo de vida militar. A

razão é simples: a nova instituição necessita organizar e gerir uma vida coletiva

complexa. A influência da disciplina e da mentalidade militar tem sido uma

constante nas prisões, desde sua origem. Insiste-se na necessidade de as prisões não

adotarem uma mentalidade castrense, embora persista essa influência nos sistemas

penitenciários de muitos países, especialmente no Brasil. Tradicionalmente se

criticou no sistema auburniano, a aplicação de castigos cruéis e excessivos. Esses

castigos refletem a exacerbação do desejo de impor um controle estrito, uma

obediência irreflexiva. No entanto, considerava-se justificável esse castigo porque se

acreditava que propiciaria a recuperação do delinquente (Bintecourt, 2012).

Page 60: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Algumas diferenças notáveis se fazem necessárias sobre o sistema pensilvânico e o

auburniano, no que tange esta distinção, o Procurador Federal - Henrique Viana Bandeira

Moraes, explica:

A diferença mais nítida entre o sistema pensilvânico e o sistema auburniano, diz

respeito à segregação; naquele, a segregação era durante todo o dia; neste, era

possível o trabalho coletivo por algumas horas. Ambos, porém, pregavam a

necessidade de separação dos detentos, para impedir a comunicação e o isolamento

noturno acontecia em celas individuais. O sistema pensilvaniano era mais

dispendioso do que o auburniano. O trabalho em celas individuais era inadequado à

produção industrial, através de máquinas, que se tornava comum.

Consequentemente, o retorno econômico proveniente do trabalho prisional, através

do sistema pensilvaniano, era escasso. Quando o ―separate or solitary system‖ foi

desenvolvido, o objetivo da reclusão penitenciária era, preferencialmente, evitar a

contaminação moral entre presos e promover a reflexão e o arrependimento, ficando

em segundo plano obter rendimentos do trabalho prisional. Já o sistema auburniano,

embora mantivesse a preocupação com a emenda dos condenados e procurasse

evitar a contaminação moral através da imposição da disciplina do silêncio,

aparentemente colocava em primeiro lugar a necessidade de auferir ganhos com o

trabalho dos presos. De fato, pode-se afirmar que a preocupação em fazer a prisão

fornecer recursos para a sua própria manutenção parece ter sido o principal objetivo

das penitenciárias que seguiram o modelo de Auburn (Moraes, 2013).

Cumpre salientar o notável pensamento do professor de Direito Penal da Universidade

Federal do Paraná, Juarez Cirino dos Santos – ao resumir o sistema penitenciário auburniano.

O modelo auburniano de penitenciária, conhecido como o sistema penal americano,

introduz a exploração capitalista da força de trabalho encarcerada e organiza o

trabalho na prisão igual ao trabalho na fábrica: a) durante o dia, o trabalho coletivo

em máquinas na prisão, com a lei do silêncio para garantir a disciplina do trabalho

em comum; b) durante a noite, confinamento celular. A dependência do sistema

penitenciário em relação aos processos econômicos do mercado de trabalho social

determina novos parâmetros de execução penal, que orientam o modelo de Auburn

menos para a correção pessoal e mais para o trabalho produtivo. Dessa maneira, se a

manufatura determina o confinamento solitário do modelo de Filadélfia, a indústria

produz o trabalho comum do modelo de Auburn, com o silent system garantindo a

disciplina da fábrica dentro do cárcere e permitindo a introdução de máquinas para o

trabalho coletivo na prisão, abrindo novas possibilidades de exploração do trabalho

carcerário por empresários privados. Os principais sistemas de exploração do

trabalho carcerário inventados pelo conluio entre capital privado e repressão pública,

próprios do modelo de Auburn, são os seguintes: a) o contract - considerado o

sistema mais adequado – submete a força de trabalho carcerária a duas autoridades:

o capitalista organiza a produção, disciplina os processos de trabalho e vende a

mercadoria no mercado livre a preços altamente competitivos, pela desenfreada e

destruidora exploração da força de trabalho carcerária, remunerada em níveis

inferiores aos do mercado; o Estado concede a exploração da força de trabalho

carcerária e administra a instituição penitenciária, garantindo a segurança e

disciplina internas, em troca de lucro sem risco econômico. b) o leasing submete a

instituição penitenciária à autoridade exclusiva do capitalista, que dirige a prisão,

organiza a produção e garante a disciplina da força de trabalho durante tempo

Page 61: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

determinado, mediante pagamento de um preço fixo ao Estado, livre de quaisquer

custos: os problemas são a redução do preso à condição de escravo, os brutais

castigos corporais por questões de disciplina ou de ritmo de trabalho e - last but not

least- os acordos tácitos entre empresários da indústria carcerária e Poder Judiciário

para transformar penas curtas em penas longas de prisão, permitindo exploração

mais lucrativa da força de trabalho encarcerada (Santos, 2014).

Enfim, de maneira nenhuma o sistema auburniano focou em ressocialização, longe

disso, apenas tinha como objetivo a ordem e o poder. O sistema visava à manutenção de

presos obedientes, a condição de uma máxima dominação sobre eles e, ainda, o abuso da mão

de obra exercida sobre o trabalho interno.

3.5. Sistema progressivo inglês.

Mesmo com a introdução do trabalho interno e a separação entre os presos mais e

menos perigosos, os sistemas prisionais de Auburn e da Filadélfia não foram adiante,

principalmente, por serem sistemas ditatoriais e nem um pouco estimulantes, no que diz

respeito à ideia de ressocialização dos apenados.

Ao lembrar que no passado as penas cruéis e os castigos corporais não traziam um

aspecto bom dentro da sociedade, não é surpresa o insucesso atingido por estes modelos.

Entretanto, a perturbadora situação dos encarcerados fez com que alguns homens

comuns mudassem a forma de ver o delinquente. Alguns desses visionários procuraram

propiciar aos internados uma forma mais humana e vantajosa no contexto da execução penal.

O Sistema progressivo, também conhecido como sistema inglês, pelo fato de ter

origem na Inglaterra em meados do século XIX, inovou, mesmo que pouco, o conceito de

sistema carcerário em relação à ressocialização do individuo e, não apenas, numa retribuição

do mal causado.

A criação do sistema progressivo envolve dois nomes, o capitão da Marinha Real

Escocesa, Alexander Maconochie e, o Coronel Manuel Montesinos de Molina. Para o

esclarecimento Bitencourt explica que:

Os autores, em geral, concordam que a obra desenvolvida pelo capitão Alexander

Maconochie, no ano de 1840, na Ilha Norfolk, na Austrália, governador da referida

ilha, modificaria a filosofia penitenciária. Muitos, no entanto, consideram que o

Page 62: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

efetivo criador do sistema progressivo foi o Coronel Manuel Montesinos de Molina,

ao ser nomeado governador do presídio de Valência em 1834. Para essa ilha

australiana a Inglaterra enviava seus criminosos mais perversos, quer dizer, aqueles

que, depois de haver cumprido pena de transportation nas colônias penais

australianas, voltavam a delinquir. A severidade do regime a que eram submetidos

não era suficiente para impedir as fugas e os sangrentos motins que se sucediam.

Esse sistema foi denominado pelos ingleses sistema progressivo ou mark system (ou

sistema de vales). O sistema de Maconochie consistia em medir a duração da pena

por uma soma de trabalho e de boa conduta imposta ao condenado. Referida soma

era representada por certo número de marcas ou vales, de tal maneira que a

quantidade de vales que cada condenado necessitava obter antes de sua liberação

deveria ser proporcional à gravidade do delito. Diariamente, segundo a quantidade

de trabalho produzido, creditavam-se lhe uma ou várias marcas, deduzidos os

suplementos de alimentação ou de outros fatores que lhe eram feitos. Em caso de má

conduta impunha-s lhe uma multa. Somente o excedente dessas marcas, o

remanescente desses ―débitos-créditos‖ seria a pena a ser cumprida (Bintecourt,

2012).

Alexander Maconochie repensou o modo no qual os delinquentes cumpriam suas

penas e, dessa forma concluiu que os presidiários não avistavam nenhum tipo de estimulo na

maneira pela qual a pena se exteriorizava. Assim sendo, Maconochie não excluiu o trabalho

interno o qual garantia um oficio a todos, porém, criou um sistema de progressão ao idealizar

uma forma de ascensão do delinquente dentro do estabelecimento, fazendo com que o infrator

progredisse de categoria na medida e na proporção de seu empenho e comportamento. Cezar

Bitencourt ao explicar o sistema de Alexandre Maconochie, conclui:

O sistema progressivo, idealizado por Alexander Maconochie, dividia-se em três

períodos: 1)Isolamento celular diurno e noturno — chamado período de provas, que

tinha a finalidade de fazer o apenado refletir sobre seu delito. O condenado podia ser

submetido a trabalho duro e obrigatório, com regime de alimentação escassa. 2)

Trabalho em comum sob a regra do silêncio — durante esse período o apenado era

recolhido em um estabelecimento denominado public workhouse, sob o regime de

trabalho em comum, com a regra do silêncio absoluto, durante o dia, mantendo-se a

segregação noturna. Esse período é dividido em classes, no qual o condenado,

possuindo determinado número de marcas e depois de certo tempo, passa a integrar

a classe seguinte. Assim ocorria ―até que, finalmente, mercê da sua conduta e

trabalho, chega à primeira classe, onde obtinha o ticket of leave, que dava lugar ao

terceiro período, quer dizer, a liberdade condicional‖. ) Liberdade condicional —

neste período o condenado obtinha uma liberdade limitada, uma vez que a recebia

com restrições, às quais devia obedecer, e tinha vigência por um período

determinado. Passado esse período sem nada que determinasse sua revogação, o

condenado obtinha sua liberdade de forma definitiva (Bintecourt, 2012).

Este tipo de ideia, sobre o modelo do cárcere, restaurou a dignidade dos prisioneiros, o

que alcançou um sucesso notável da reabilitação prisional. Finalmente, mais tarde esta ideia

ganharia outra roupagem em um país diferente e, por outro visionário distinto.

Page 63: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

3.6. Sistema progressivo irlandês.

O sistema progressivo irlandês trata-se de um desdobramento nítido do modelo

idealizado por Alexander Maconochie. Porém, se pode considerar que o sistema irlandês é um

aperfeiçoamento do inglês, haja vista algumas modificações. Bitencourt relata as suas

características ao dizer que:

Walter Crofton, diretor das prisões na Irlanda, tido por alguns como o verdadeiro

criador do sistema progressivo, fez a introdução desse sistema na Irlanda, com uma

modificação fundamental, dando origem ao que se denominou sistema irlandês.

Crofton foi, na realidade, um aperfeiçoador do sistema progressivo inglês de

Maconochie — introduzido primeiro na Austrália, depois na Inglaterra. Conhecendo

o sistema inglês, ao ser encarregado de inspecionar as prisões irlandesas, em 1854,

Crofton, querendo preparar o recluso para seu regresso à sociedade, introduziu ―uma

ideia original que foi o estabelecimento de ‗prisões intermediárias‘. Na realidade,

tratava-se de um período intermediário entre as prisões e a liberdade condicional,

considerada como um meio de prova da aptidão do apenado para a vida em

liberdade‖ (Bintecourt, 2012).

Ao contrario dos sistemas da Filadélfia e de Auburn que somente procurava disciplinar

os presos num regime castrense e inflexível, o sistema progressivo irlandês aumentou um

pouco mais as chances e as condições para a ressocialização do preso, a principio, dentro do

local do presídio e, posteriormente, incluso na sociedade.

Nota-se no sistema irlandês uma mudança de local no cumprimento da pena, na

medida em que o comportamento do apenado melhora paulatinamente - característica esta que

não era possível nos sistemas anteriores.

É compreensível que a mudança de local no cumprimento da pena atribui ao preso um

pensamento de liberdade conquistada, mesmo que aos poucos, pois assim o delinquente

entende que melhorando seu perfil conseguirá progredir e ser aceito novamente pela

comunidade.

O regime fora composto por quatro fases, e as algumas características dos sistemas

anteriores permaneciam, a exemplo, do silencio absoluto e do trabalho. Cezar Roberto

continua seu resumo sobre as fases do regime irlandês, ao dizer:

O regime irlandês ficou, assim, composto de quatro fases: 1ª) Reclusão celular

diurna e noturna — nos mesmos termos do sistema inglês, sem comunicações, com

alimentação reduzida e sem qualquer favor, era cumprida em prisões centrais ou

locais. 2ª) Reclusão celular noturna e trabalho diurno em comum — com a

obrigação de manter rigoroso silêncio, consagrado no sistema auburniano. Aqui

também não apresenta novidade ou diferença do sistema inglês. Nesta fase, como no

Page 64: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

regime anterior, os apenados também se dividem em classes e obtêm a progressão

através das marcas ou acumulação de pontos. A passagem de uma classe para outra,

aqui como no sistema inglês, significava uma evolução do isolamento celular

absoluto para um estágio mais liberal, propiciando a aquisição gradual de privilégios

e recompensas materiais, maior confiança e liberdade. 3ª) Período intermediário —

assim denominado por Crofton, ocorria entre a prisão comum em local fechado e a

liberdade condicional. Esse período era executado em prisões especiais, onde o

preso trabalhava ao ar livre, no exterior do estabelecimento, em trabalhos

preferencialmente agrícolas. Nesse período — que foi a novidade criada por Crofton

— a disciplina era mais suave, e era cumprido ―em prisões sem muro nem ferrolhos,

mais parecidas com um asilo de beneficência do que com uma prisão‖. Muitas vezes

os apenados viviam em barracas desmontáveis, como trabalhadores livres

dedicando-se ao cultivo ou à indústria. 4ª) Liberdade condicional — com as mesmas

características do sistema inglês, o preso recebia uma liberdade com restrições, e

com o passar do tempo e o cumprimento das condições impostas, obtinha,

finalmente, a liberdade definitiva. (Bintecourt, 2012).

Por fim, vale destacar o pensamento de Ney Moura Teles ao resumir as qualidades do

regime irlandês, este professa em sua obra que:

Walter Crofton concebe um sistema de cumprimento da pena privativa de liberdade

baseado na progressão, conciliando regras dos sistemas anteriores com períodos de

abrandamento. No primeiro período, o condenado seria mantido completamente

isolado. Depois, seria mantido o isolamento noturno, com trabalho diurno e

manutenção do silencio. Em seguida, o condenado seria transferido para uma

penitenciário industrial ou agrícola onde trabalharia durante o dia, sem obrigação de

silêncio e, por último, ganharia o livramento condicional. O sistema constituiu

significativo avanço e foi adotado por todos os povos civilizados do mundo, com

adaptações e particularizações das mais diversas, todas elas no sentido do

abrandamento da execução penal (Teles, 2006).

3.7. Sistema de Elmira

O sistema de Elmira que na verdade se tratou de um reformatório de jovens

adolescentes, teve origem nos Estados Unidos. Por este motivo pode-se associar o

reformatório de Elmira a o que hoje se conhece por Fundação Casa, antiga FEBEM. Trata-se

de uma forma diferenciada e única de ressocialização e, portanto, não pode ser igualada a uma

penitenciária de fato. Como Elmira se tratava de um reformatório educativo, nele só eram

aceitos jovens entre 16 a 30 anos, porém, os relatos sobre este reformatórios são escassos,

momento em que se torna oportuno relatar as palavras de Rogério Greco quando professa sua

história e suas características, a saber:

O reformatório de Elmira surgiu no Estado de Nova York no ano de 1869, e teve por

base o sistema progressivo irlandês. Era uma instituição destinada a uma categoria

Page 65: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

especial de delinquentes, vale dizer, aos primários, que contavam entre 16 e 30 anos

de idades. A sentença que os havia condenado fixava, de antemão, os tempos

mínimo e máximo de duração da internação, sendo, portanto, considerada como

relativamente indeterminada. Foi criado, assim, mediante uma avaliação do

condenado, um sistema unitário de pena e medida de segurança. Os prisioneiros

eram classificados conforme o sistema de Maconochie e Crofton, que tinha por

finalidade regular como os sentenciados poderiam se aproximar do livramento

condicional. O Sistema de Elmira, mesmo com suas regras próprias de admissão

também não conseguiu se livrar do problema da superlotação. O reformatório, que

possuía 500 celas, em 1892 contava com 1.296 sentenciados, sendo que, em 1899,

esse número já tinha subido para 1.500, ficando impossibilitada a idealizada

classificação dos prisioneiros, bem como não se conseguindo evitar a promiscuidade

que reinava no reformatório. Os jovens, em razão do sistema rigoroso a que eram

submetidos, em forma de disciplina militar, que impunha severos e pesados castigos

por descumprimentos das normas do reformatório, ficavam em constante estado de

depressão. No ano de 1915 começava o declínio do prestígio do reformatório de

Elmira, juntamente com todos os demais regimes de reformatórios existentes nos

Estados Unidos (Greco, Sistema Prisional - Colapso atual e soluções alternativas. ,

2017).

3.8. Sistema de montesinos.

Montesino pode ser perfeitamente entendido na precisa lição de Rogério Greco que

elucida ―No que diz respeito, ainda aos sistemas penitenciários, merece destaque o sistema de

Montesinos, que recebeu essa denominação por conta de seu mentor, o Coronel Manuel

Montesino y Molina, que dirigiu o Presídio de San Agustín, em Valência, Espanha, durante o

período de 1835 a 1854‖ (Greco, 2017). É bastante perspicaz o relato que Rogério Greco faz

sobre a história de Montesinos, pois, é a história de Manuel Montesino exemplar e

estimulante para todo aquele que reluta contra as atrocidades do sistema carcerário atual, ao

relatar sua biografia Greco inicia:

Ao assumir o seu posto de Comandante interino do Presídio de Valência,

Montesinos verificou que as prisões espanholas, mesmo depois de algumas melhoras

produzidas pelas reformas ocorridas a partir do final do século XVIII, ainda

pecavam pela precariedade, pela falta de higiene, pela forma equivocada e cruel com

que os presos eram tratados, enfim, pela ausência de características básicas que

fariam com que aquele lugar, destinado aos presos que foram privados do seu direito

de liberdade, fossem ao menos habitáveis (Greco, 2017).

Ainda, no decorrer de sua historia, por busca do sistema penitenciário ideal, Manuel

considerou uma porção relevante de princípios para a melhor execução da pena. Greco

intercala algumas especialidades do pensamento do Coronel, ao lecionar que:

Foram várias as alterações determinadas por Montesinos, destinadas à melhoria do

sistema de cumprimento de pena podendo-se destacar, dentre elas: a) A eliminação

dos castigos corporais e infamantes; b) a implementação do trabalho remunerado do

Page 66: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

preso; c) a proibição do regime celular, o que impediu preso de socializar-se com os

demais, fazendo com que tivesse sérios problemas psicológicos, como decorrência

do seu isolamento; d) a possibilidade da concessão de saídas temporárias dos presos,

fato este ate então inusitado no sistema penitenciário ; e) a introdução no sistema,

como alerta Edmundo Oliveira, de: ―Uma espécie de liberdade condicional,

reduzindo um terço da condenação como recompensa à boa conduta do preso,

apoiado numa interpretação do art. 303 da Ordenação Geral dos Presídios do Reino,

de 1834, que lhe serviu de fundamento jurídico. Frequentemente se atribui a Manuel

Montesinos o pioneirismo pela criação do instituto da liberdade condicional‖; f) a

introjeção no preso da corresponsabilidade pela segurança do estabelecimento

prisional, tendo em vista que, internamente não se usavam cadeados. Como sempre

acontece quando algum plano é bem sucedido, começaram a surgir críticas e

reclamações daqueles que não entendiam a necessidade da ressocialização dos

presos, que se sentiam ameaçados com a produção carcerária e, por conta disso o

governo, como sempre acontece, cedeu à pressão, e retirou o apoio a iniciativa de

Montesinos, daí, então, reduzindo, gradativamente, a produção carcerária (Greco,

Sistema Prisional - Colapso atual e soluções alternativas. , 2017).

A ideia deixada por ele persiste até os dias de hoje, isto porque a empresa

ONDREPSB localizada em Curitiba, busca a ressocialização do preso por meio do trabalho

junto a Montesinos Sistemas de Administração Prisional, assim nomeada por força do legado

de Manuel Montesino. Ao realizar uma consulta ao site da empresa ONDREPSB constata-se

o principio ainda vivo de Montesino, ao ler:

Montesinos foi criada com a proposta de promover a recuperação de pessoas em

reclusão prisional. Todo o trabalho é realizado em sistema de cogestão com o poder

público, visando à real socialização do indivíduo por meio do trabalho, da educação

e de condições dignas de cumprimento da pena. O resultado é um alto índice de

reintegração à sociedade e à vida familiar, com baixa reincidência de criminalidade.

As técnicas operacionais e administrativas aplicadas na recuperação dos apenados

incluem assistência nas áreas jurídica, pedagógica, religiosa, médica, psicológica,

odontológica e farmacêutica, além de alimentação balanceada, lazer, trabalho

remunerado, limpeza e segurança. É assim que a Montesinos, empresa do Grupo

Ondrepsb, contribui para um mundo melhor. QUEM FOI MONTESINOS "Aqui

penetra el hombre, el delito queda a la puerta‖. Dono de ideias revolucionárias, o

Coronel Montesinos dirigiu o Presideo de San Agostín, em Valência (Espanha-

1835). A frase "Aqui penetra el hombre, el delito queda a la puerta‖ foi escrita na

entrada da prisão, deixando bem clara sua filosofia de tratamento penal humanitário:

a sentença condenatória é a verdadeira punição e, uma vez em execução, o delito

passa a fazer parte do passado, restando o homem a ser recuperado. Montesinos

eliminou os castigos corporais e também criou uma forma de trabalho remunerado

para os reclusos. Devido à eficiência do regime implantado, os fabricantes e artesãos

da época começaram a questionar a concorrência produtiva dos detentos. O governo,

preocupado em manter os interesses dominantes, retirou o apoio à iniciativa (Greco,

Sistema Prisional - Colapso atual e soluções alternativas. , 2017).

Cumpre ressaltar que as ideias de Montesino foram tão atuais e fundamentais para o

sistema penal carcerário, que mesmo depois de tanto tempo sua influencia e capacidade de

gestão, a esses homens apartados da sociedade, serve de base para a ideal concepção de

Page 67: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

sistema ressocializador. Outro autor que remonta brilhantemente a história desse herói do

cárcere é Cezar Roberto Bitencourt ao relatar que:

Em 1835, o Coronel Manuel Montesinos e Molina foi nomeado ―governador‖ do

presídio de Valência. Possuía qualidades pessoais adequadas para alcançar uma

eficiente e humanitária direção de um centro penal. Entre suas qualidades mais

marcantes encontram-se sua poderosa força de vontade e sua capacidade para influi

eficazmente no espírito dos reclusos. Sua penetrante vontade e grandes dotes de

liderança lograram disciplinar os reclusos, não pela dureza do castigo, mas pelo

exercício de sua autoridade moral. Diminuiu o rigor dos castigos e preferiu orientar-

se pelos princípios de um poder disciplinar racional. Um dos aspectos mais

interessantes da obra prática de Montesinos refere-se à importância que deu às

relações com os reclusos, fundadas em sentimentos de confiança e estímulo,

procurando construir no recluso uma definida autoconsciência. A ação penitenciária

de Montesinos planta suas raízes em um genuíno sentimento em relação ―ao outro‖,

demonstrando uma atitude ―aberta‖ que permitisse estimular a reforma moral do

recluso. Possuía uma firme ―esperança‖ nas possibilidades de reorientar o próximo,

sem converter- se em uma prejudicial ingenuidade, encontrando o perfeito equilíbrio

entre o exercício da autoridade e a atitude pedagógica que permitia a correção do

recluso (Bintecourt, 2012).

Da passagem do século XVIII para o século XIX muitas foram às modificações

relacionadas aos sistemas penitenciários implantados na Europa e na América do Norte.

Contudo, não foi imediato o desaparecimento do aspecto desumano e arbitrário

existente a época de nossos antepassados - ao contrário - para se chegar num protótipo mais

efetivo e útil foi preciso varias transformações, a exemplo, de todos os sistemas relatados no

artigo. Aqueles que buscavam idealizar um modelo único e mais humano para a comunidade

carcerária não tiveram o suficiente respaldo do Estado e, também, da sociedade.

Não tão eficientes na forma de ressocialização, mas, sem duvida, tão importantes na

construção do modelo prisional que se conhece atualmente, os sistemas prisionais da

Filadélfia e de Auburn, bem como os demais relatados, foram se aprimorando e,

especialmente, o progressivo, fora eleito o mais aceitável na maioria dos países, inclusive no

Brasil.

A Lei de Execução Penal, por meio do sistema de progressão de regime adotado no

Brasil, foca na ressocialização do preso diminuindo sua reincidência e, propensão ao crime,

oferecendo ao apenado oportunidade de regressar na sociedade, portanto, se faz necessário

que a lei, junto ao sistema, caminhe em consonância.

Page 68: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

IV – AS CAUSAS DA CRISE PENITENCIÁRIA

4.1. O Crime Organizado

O fenômeno do crime assusta e preocupa a sociedade e o Estado, entretanto, um crime

não pode ser comparado a outro, bem como a pessoa do delinquente. Isto porque há

diferenças entre o crime de forma individual e o crime de forma organizada. O crime

individual nada se assemelha com a infraestrutura e a logística existentes nas redomas do

crime organizado. Nas palavras de Eduardo Araújo da Silva, no que concernem as

características da criminalidade organizada, tem-se:

Um dos pontos mais característicos do fenômeno da criminalidade organizada é a

acumulação de poder econômico de seus integrantes, pois, como referido,

geralmente as organizações atuam no vácuo de alguma proibição estatal, o que lhes

possibilita auferir extraordinários lucros. Estima-se que o mercado envolvendo todas

as modalidades de criminalidade organizada seja responsável por mais de 1\4 (um

quarto) do dinheiro em circulação em todo mundo. Pesquisa realizada pelos jornais

The Los Angeles Times e O Estado de São Paulo revelou que as organizações

transnacionais movimentam anualmente cerca de US$ 850 bilhões, quantia

considerada superior ao PIB de uma das setes nações mais ricas do mundo. Segundo

a Organização das Nações Unidas, só a renda obtida com o tráfico ilícito de

substâncias entorpecentes – cerca de US$ 400 milhões – corresponde a 8% da renda

do comércio internacional. (SILVA, 2003).

No entanto, é sabido que dentro dos presídios brasileiros o Estado não atua mais como

poder único, ao contrário, na pratica as facções criminosas executam boa parte de seu poder

dentro das penitenciárias. As facções criminosas não somente estão associadas com o trafico

nacional e internacional de drogas, homicídios, roubos a bancos e a lavagem de dinheiro, mas

também estão ligadas as execuções dentro dos presídios e as rebeliões que ali se iniciam. O

site NEXO, com base nos relatos de pesquisas feitas por estudiosos, em uma matéria sobre o

assunto, fez as seguintes afirmações:

De acordo com pesquisadores, grupos criminosos como o PCC criam vínculos com

presidiários ao financiarem, entre outras coisas, o custo de sua estadia na cadeia e as

visitas de seus familiares. Eles também criam regras para administrar as tensões e

conflitos que caracterizam o do sistema prisional e são acentuadas pela superlotação.

Regulam, por exemplo, os assassinatos, impedindo que taxas de homicídio, de 167,5

Page 69: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

mortes para cada 100 mil presos, sejam ainda maiores. Quem entra na cadeia precisa

se alinhar à ordem estabelecida por essas organizações para viabilizar sua estadia.

Aqueles que são presos por crimes que não necessariamente envolvem violência

física ou uso de armas - como furtos ou venda de pequenas quantidades de maconha

- acabam se conectando a estruturas criminosas ligadas ao tráfico internacional de

armas e drogas. (FÁBIO, 2016).

As facções também são responsáveis por boa parte da violência dentro dos presídios.

A metodologia das facções criminosas segue uma estrutura hierárquica imposta por seus

lideres e, com isso, impera a autoridade da lei da organização criminosa e não do Poder

Público. A violência na prisão está vinculada muita das vezes a desobediência de uma norma

imposta pela própria organização, ou ainda, por alguma desavença entres os seus membros e a

rivalidade de alguns grupos contrários. O periódico EL PAÍS relatou um dos momentos mais

violentos no que diz respeito à guerra violenta entre as facções criminosas.

Até o momento, o capítulo mais violento do embate entre as facções ocorreu em 1º

de janeiro de 2017, quando integrantes da Família do Norte assassinaram 56

detentos ligados ao PCC dentro do Complexo Penitenciária Anísio Jobim (Compaj),

em Manaus. Foi o segundo maior massacre da história do sistema prisional

brasileiro – atrás apenas do Massacre do Carandiru –, e o primeiro voltado contra o

PCC, considerado o mais poderoso grupo criminoso do país, até então tido como

intocável dentro e fora dos presídios. De acordo com investigações, os criminosos da

FDN se insurgiram contra a tentativa do PCC de batizar mais membros no Estado

para tentar dominar a lucrativa rota de tráfico do rio Solimões. Dias depois de ser

aniquilado no Compaj, o PCC retaliou contra integrantes do Sindicato RN em Natal,

facção aliada à Família do Norte, e matou 26. Depois dessa onda de violência atrás

das grades ocorrida entre o final e 2016 e início de 2017, a escalada do conflito

diminuiu. Se a chacina no campo do Compensa foi um indicativo de que a situação

poderia se agravar este ano, um novo massacre atrás das grades deixa claro que a

guerra não acabou. Exatamente um ano após o massacre do Compaj, presos ligados

ao PCC que cumpriam pena no regime semiaberto do Complexo Prisional de

Aparecida de Goiânia, em Goiás, iniciaram um motim por volta das 14h de 1º de

janeiro deste ano. Eles abriram buracos nas paredes para chegar até as alas A, B e D,

que abrigam detentos rivais ligados ao Comando Vermelho, aliado da Família do

Norte. A ação deixou nove presos mortos. Dois foram degolados e estripados, e

outros tiveram seus corpos carbonizados. Além disso, 14 internos ficaram feridos e

106 fugiram da unidade (cerca de 70 já foram recapturados). As autoridades só

conseguiram retomar o controle do presídio por volta das 16h. De acordo com a

Superintendência Executiva de Administração Penitenciária de Goiás, três armas de

fogo foram encontradas enterradas no pátio da unidade após a rebelião, e tiros teriam

sido disparados pelos presos. O Secretário de Segurança Pública e Administração

Penitenciária de Goiás, Ricardo Balestreli, confirmou ao portal UOL que a rebelião

tem relação direta com a briga entre facções. "Esse fato está largamente comprovado

pelas investigações que estão sendo conduzidas e pela análise do nosso setor de

inteligência", afirmou. De acordo com ele, os líderes da matança já foram

identificados e serão transferidos. Em maio do ano passado, durante uma audiência

pública, Balestreli já havia afirmado que o PCC estava se fortalecendo no Estado:

―O PCC está crescendo aqui e entrando em confronto com grupos rivais. Isso

acontece a partir do sistema prisional‖ (ALESSI, 2018).

O crime organizado faz parte da estrutura dos presídios brasileiros, uma vez que o seu

surgimento está atrelado à precariedade do tratamento do Estado para com o preso. A

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sistemática das facções criminosas faz com que estás se perdure no tempo, isto acontece por

força de seu grande poder econômico e graças à fidelidade de seus membros para com

organização criminosa. Em 2009 o Congresso Nacional por meio da Comissão Parlamentar de

Inquérito do Sistema Carcerário identificou que:

A partir de 1980 o crime organizado teve um grande crescimento, gerado pelo

tráfico de drogas e armas, negócio lucrativo que alavancou a ação de grupos de

criminosos que também diversificam os negócios, formando bandos especializados

em sequestros, roubo de carga, assaltos a bancos e empresas de valores, roubo de

veículos e lavagem de dinheiro. Com dinheiro de sobra, o crime organizado também

obtém vantagens e ―facilidades‖ de agentes públicos que, através de suborno,

colaboram com o crime (NACIONAL, 2009).

A Comissão Parlamentar de Inquérito também provou a existência de integrantes do

PCC nos presídios brasileiros, bem como seus poderes de decisões, assim:

Essas facções têm lideranças com um chefe central, que dá a última palavra nas

decisões. Abaixo deles há um grupo de detentos, chamados de ―subchefia‖, que

também têm poder de decisão, mas devem sempre ouvir a opinião da chefia geral.

Em São Paulo, o ―staff‖ da facção PCC, formado pelo chefe e subchefes, é chamado

pelos detentos de ―Família Real‖. As lideranças exercem domínio e fascínio sobre a

massa carcerária. Elas prometem ser a ―voz‖ dos detentos nas prisões e em muitos

casos fazem acordos com diretores de cadeias, que cedem a ―facilidades‖ em troca

de cadeias sem motins. Aos familiares dos detentos essas organizações oferecem

cestas básicas e transporte gratuito para os parentes visitarem seus presos em cadeias

distantes. Pagam velórios e enterros no caso da morte de algum bandido ligado à

facção ou mesmo- parentes destes que, pobres, não conseguem pagar nem as

despesas de enterro em cova rasa (NACIONAL, 2009).

O despreparo da segurança pública no Brasil, a ausência do Estado e o descaso do

poder público fez com que os enclausurados reorganizassem o modelo de vida nas prisões,

portanto, não há duvida sobre o total controle e expansão das associações criminosas dentro e

fora do sistema carcerário, resultado disso é a separação dos grandes lideres dessas facções

em presídios de segurança máxima, uma vez que a influencia destes dificultaria ainda mais o

processo de atenuação do grupo.

4.2. A Superlotação

O excesso de presos dentro das cadeias brasileiras não é um assunto desconhecido

para a administração penitenciária. Os presídios brasileiros estão abandonados e submergidos

na violência extrema, basta perceber o numero excessivo de pessoas alojadas num espaço

minúsculo e, também, o numero de rebeliões recorrentes que acontecem num grau máximo de

violência.

Page 71: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

A superlotação nos presídios contribui não apenas para a difusão de doenças dentro do

ambiente carcerário, mas também para a violência desmedida dos presos que estão alojados

entre si. Na redação da Lei de Execução Penal, mais precisamente no artigo 88, se tem a

redação no que diz respeito à estrutura física da cela que o preso deve desfrutar no

cumprimento da pena:

O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho e

lavatório. Parágrafo Único. São requisitos básicos da unidade celular: a) salubridade

do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento

térmico adequado à existência da pessoa humana b) área mínima de seis metros

quadrados.

No entanto, de acordo com o INFOPEN de 2014, o Brasil tinha a quarta maior

população carcerária do mundo atrás apenas de países como Estados Unidos, China e Rússia.

Contudo, mais a frente, no ano de 2017 a mesma pesquisa do INFOPEN (Levantamento

Nacional de Informações Penitenciárias) registrou um aumento relevante na população

carcerária brasileira chegando a 726 mil presos, ganhado com isso o titulo de terceiro país

com maior numero de presos, perdendo dessa vez somente para os Estados Unidos e a China.

A LEP em seu artigo art. 85 aduz ―o estabelecimento penal terá lotação compatível

com a sua estrutura e finalidade. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária

determina o limite máximo de capacidade do estabelecimento, atendendo a sua natureza e

peculiaridades‖. Se for levado em consideração o numero crescente de indivíduos presos

dentro das penitenciárias pode-se chegar facilmente na conclusão que a lei de execução penal

não alcança sucesso em seus artigos acima citados, isto porque, os presídios não suportam a

estrutura mínima para o alojamento dos presos, desse modo, fazendo necessária a

aglomeração de muitos delinquentes em um só espaço.

A Comissão Parlamentar de Inquérito comprovou o desvio no uso das cadeias públicas

e delegacias a época da CPI, assim, o documento afirma:

Ainda quanto à superlotação, destacamos a gravidade junto às cadeias públicas e

delegacias de policia. Cadeia Pública não é local de cumprimento de pena. No

entanto, a grande maioria dos Estados brasileiros se utiliza das velhas cadeias

públicas e delegacias de polícia para cumprimento de pena. O preso responde seu

processo na cadeia e nela continua cumprindo toda sua pena. As cadeias públicas

não possuem estrutura adequada para o cumprimento de pena. Salas de aula,

ambulatório, oficinas de trabalho e demais instalações que visem garantir a

assistência prevista na LEP são lendas em tais estabelecimentos. Do mesmo modo,

Cadeias Públicas não são Centros de Detenção Provisória (NACIONAL, 2009).

Page 72: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

A superlotação colabora para a proliferação de doenças dentro dos presídios, os presos

que na maioria das vezes não têm a prestação mínima de saúde e higiene, sobrevivem num

ambiente sujeito a problemas de saúde e, até mesmo, psicológicos. Além de não gozarem das

mínimas condições de limpeza e bem-estar os presos são obrigados a dividirem suas celas

com ratos, formigas, e moscas. Neste quesito a CPI do sistema carcerário garantiu que:

A superlotação é talvez a mãe de todos os demais problemas do sistema carcerário.

Celas superlotadas ocasionam insalubridade, doenças, motins, rebeliões, mortes,

degradação da pessoa humana. A CPI encontrou homens amontoados como lixo

humano em celas cheias, se revezando para dormir, ou dormindo em cima do vaso

sanitário. Em outros estabelecimentos, homens seminus gemendo diante da cela

entupida com temperaturas de até 50 graus. Em outros estabelecimentos, redes sobre

redes em cima de camas ou do lado de fora da cela em face da falta de espaço.

Mulheres com suas crianças recém- nascidas espremidas em celas sujas. Celas com

gambiarras, água armazenada, fogareiros improvisados, papel de toda natureza

misturados com dezenas de homens. Celas escuras, sem luz, com paredes encardidas

cheias de ―homens- morcego‖. Dezenas de homens fazendo suas necessidades

fisiológicas em celas superlotadas sem água por dias a fio. Homens que são

obrigados a receber suas mulheres e companheiras em cubículos apodrecidos

(NACIONAL, 2009).

A ociosidade dentro dessas celas é outro motivo relevante no surgimento do caráter

violento dos encarcerados, na ausência de trabalho ocupacional e estudo os presos ficam mais

vulneráveis a se revoltarem por motivos fúteis. A lei de execução penal da ao preso as

garantias de trabalho e estudo, bem como outras mais assistências, intelectuais, recreativas e

religiosas, entretanto, o Estado não responde com o devido respaldo que a lei atribui.

A lei de execução penal traça o perfil daqueles que devem trabalhar na administração

penitenciária e no interior dos presídios, por força disso, importa que estes profissionais

desfrutem de uma saúde mental satisfatória e, ainda, de uma capacitação suficiente para o

melhor convívio possível com os presos.

Entretanto, o ambiente atual das cadeias no Brasil, por razão da máxima lotação, está

longe do ideal utópico formalizado pela LEP, o que prejudica o trabalho dos agentes

penitenciários fazendo com que muitos trabalhem em péssimas condições psicológicas e

estejam sujeitos às retaliações por parte dos presos.

A população carcerária ganhou, nos últimos anos, dados catastróficos que alarma uma

crise incomensurável no sistema prisional brasileiro, o numero de presos dentro de um só

ambiente não estimula a ressocialização do condenado e tão pouco transforma o perfil

violento e criminoso. As rebeliões e fugas são constantes no país e estas devem ser

Page 73: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

observadas como um ensejo na reconstrução de um novo sistema carcerário que vise de fato à

regeneração do preso.

Enfim, a superlotação nas cadeias dificulta boa parcela do processo ressocializador da

pena e, portanto, transforma a execução penal em um sistema ineficaz e penoso.

4.3. Reincidência.

Tem-se que não é preciso gozar de muita inteligência para concluir que num ambiente

precário e insustentável a pena de prisão não produz o caráter regenerador que a principio

teria na redação da lei. Ao contrario disso, o ambiente desestimulante das prisões não propicia

ao apenado progredir intelectualmente e moralmente, igualmente, não reintegra o preso a

coletividade, uma vez que o condenado ao pagar sua divida continua a ser olhado como

opróbrio e vergonha.

Um dos aspectos mais relevantes para a crise do sistema prisional é a reincidência. O

crescente percentual de condenados que voltam a delinquir depois que saem das prisões é

exorbitante.

Com isso é fácil concluir que a falência da pena de prisão rotula o condenado para

sempre, visto que ao terminar de cumprir a pena o individuo não dispõe de chances que o

ajudam a melhorar sua imagem.

Portanto, se antes de cumprir a execução penal sua situação social era delicada, após o

termino de sua pena se torna deplorável seu status na sociedade.

O preso que na maioria das vezes não trabalha dentro da cadeia também encontra

dificuldades para exercer qualquer oficio quando alcança a liberdade e, especialmente, isso

faz com que sua situação financeira se agrave.

Fato é que ao deixar a prisão o ex-detento lida com uma serie de dificuldades e

indiferença no que tange o tratamento que a coletividade lhe dá. O ex-detento não e só visto

como tal, mas também como uma pessoa sem dignidade que merece ser tratada assim pelo

resto de sua existência.

Pela resposta negativa que o restante da sociedade lhe dá e ainda, pela falta de auxilio

do Estado, o ex-detento volta ao mundo do crime, o qual se torna o caminho mais fácil e

rentável para sua sobrevivência e garantia. O problema da reincidência, dentre outros

aspectos, é que esta constitui uma agravante penal no cometimento dos demais crimes e,

contundo, dificulta ainda mais a reabilitação daquele individuo.

Page 74: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Os artigos 78 e 79 da Lei de Execução Penal, igualmente o 80 e 81 prevê assistência

absoluta àquele que se encontra não mais no regime fechado, na redação dos artigos

mencionados tem-se:

Art. 78. O Patronato público ou particular destina-se a prestar assistência aos

albergados e aos egressos (artigo 26). Art. 79. Incumbe também ao Patronato: I -

orientar os condenados à pena restritiva de direitos; II - fiscalizar o cumprimento das

penas de prestação de serviço à comunidade e de limitação de fim de semana; III -

colaborar na fiscalização do cumprimento das condições da suspensão e do

livramento condicional. Art. 80. Haverá, em cada comarca, um Conselho da

Comunidade composto, no mínimo, por um representante de associação comercial

ou industrial, 1 (um) advogado indicado pela Seção da Ordem dos Advogados do

Brasil, 1 (um) Defensor Público indicado pelo Defensor Público Geral e 1 (um)

assistente social escolhido pela Delegacia Seccional do Conselho Nacional de

Assistentes Sociais. Parágrafo único. Na falta da representação prevista neste artigo,

ficará a critério do Juiz da execução a escolha dos integrantes do Conselho. Art. 81.

Incumbe ao Conselho da Comunidade: I - visitar, pelo menos mensalmente, os

estabelecimentos penais existentes na comarca; II - entrevistar presos; III -

apresentar relatórios mensais ao Juiz da execução e ao Conselho Penitenciário; IV -

diligenciar a obtenção de recursos materiais e humanos para melhor assistência ao

preso ou internado, em harmonia com a direção do estabelecimento (NACIONAL,

2009).

No entanto, a contínua analise feita pela Comissão Parlamentar de Inquérito do

Sistema Carcerário demonstrou que tais ideais descritos nestes artigos são utópicos, logo, a

CPI afirma:

A questão do patronato é preocupante. Segundo a LEP, trata-se de órgãos de

assistência ao egresso e devem existir em todas as unidades federadas, ainda que

sejam patronatos particulares. No entanto, segundo dados do DEPEN, o Brasil só

possui 04 patronatos penitenciários, sendo 02 em funcionamento e 02 com

destinação diversa da prescrita em lei. Há apenas 01 patronato particular. No tocante

aos Conselhos de Comunidade, órgãos que permitem a participação da sociedade em

relação à questão prisional, os dados do DEPEN contabilizam que, nos 5.562

municípios brasileiros e cerca de 3.000 comarcas, verificasse a existência de menos

de 500 Conselhos de Comunidade (NACIONAL, 2009).

Dispõem de tal direito o liberado definitivo, pelo prazo de 1 (um) ano a contar da saída

do estabelecimento; o liberado condicional, durante o período de prova e os que estão em

regime aberto. Acontece que na teoria mais da metade desse conjunto de ex-detentos não

usufruem das garantias supracitadas.

O então documento de pesquisa feito pelo Congresso Nacional finaliza este assunto ao

concluir que:

Tal fato demonstra, de certa forma, que a sociedade parece omissa, e efetivamente

não participa das discussões atinentes ao sistema penitenciário. O Estado que

sonegou direitos elementares ao preso, sonega a estes os mesmos direito no interior

dos estabelecimentos. Dessa forma, após anos no cárcere, aquele que cumpriu sua

obrigação legal é posto na rua sem instrução, sem capacitação, com idade avançada

e o que é pior: com o atestado de preso. O resultado dessa combinação de omissões e

ações irresponsáveis é a reincidência expressa em novos crimes (NACIONAL,

2009).

Page 75: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Em seu relatório de 2015 o instituto de pesquisa econômica aplicada afirmou, com

base em pesquisas, que no Brasil um dentre quatro apenados voltam a delinquir, na conclusão

do estudo o IPEA redige:

Concluiu-se que, a cada quatro apenados, um é reincidente legalmente. O resultado é

próximo do encontrado por Adorno e Bordini (1991) em levantamento feito em São

Paulo (porém, sem considerar o limite legal de cinco anos). Como mostrado na

segunda seção deste relatório, várias pesquisas documentam que a taxa de

reincidência penitenciária é bem superior a isso, bem como é enorme o número de

pessoas que colecionam reiteradas passagens pelo sistema (principalmente com base

nos dados apresentados pelo Depen, fonte da famigerada taxa de reincidência de

70%) (IPEA, 2015).

A reincidência é um aspecto difícil dentro do processo penal, isto ocorre porque a

repetição de infrações penais constitui uma agravante para o criminoso e, ao mesmo tempo,

dificulta ainda mais sua reinserção e regeneração social.

Enfim, apenas a ressocialização do preso permite que este não opte novamente para a

delinquência, tão pouco se sinta preso em seu íntimo pela eficácia do preconceito dos homens

comuns. Os dados alarmantes da reincidência no Brasil reiteram e comprovam mais e mais a

falta de atuação do Estado e o descaso da coletividade no que diz respeito à população

carcerária.

4.4. O Excesso de prisões provisórias.

O código de processo penal possibilita, conforme alguns de seus artigos, as chamadas

prisões processuais, as quais asseguram a futura aplicação da lei criminal. No que diz respeito

às prisões processuais o texto da lei maior as autorizam em alguns casos tratando-a como

medida excepcional e, desse modo, vale lembrar sua redação, quando declara ―a prisão

processual é medida excepcional, vinculada a critérios de razoabilidade e necessidade, afinal,

todo acusado é presumido inocente, até o trânsito em julgado de sentença condenatória (art.

5º, XVII, CF)‖.

A prisão processual, no corpo do código de processo penal, é um gênero do qual

decorrem três espécies; prisão temporária, prisão em flagrante e prisão preventiva. Acontece

que como previstas em lei, estas prisões se tornam imprescindíveis, em alguns casos, para a

melhor prestação jurisdicional do Estado.

Page 76: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Para as decretarem a autoridade judiciária deverá observar sua real necessidade

fazendo com que o processo atenda os princípios constitucionais.

A prisão temporária pode ser realizada durante a fase do inquérito policial e

regulamenta-se pela lei 7.960/89. A lei da prisão temporária adverte que esta poderá ocorrer

quando: imprescindível para as investigações do inquérito policial; quando o indicado não

tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua

identidade; quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na

legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes: homicídio

doloso, sequestro ou cárcere privado, roubo, extorsão, extorsão mediante sequestro, estupro,

entre outros.

Com base no CPP a prisão temporária tem prazo de cinco dias, prorrogáveis por igual

período, em caso de extremada e confirmada necessidade.

Já a prisão preventiva poderá ser decretada em qualquer fase do processo e caberá

quando houver necessidade da garantia da ordem pública; conveniência da instrução criminal

e para assegurar a aplicação da lei (para impedir que o réu fuja do território nacional ou

atrapalhe as investigações) e, também; quando houver prova e indício suficiente da autoria do

crime. A prisão preventiva durará até quando for necessária, ou seja, não comporta prazo

determinado para a sua duração, contudo deve obedecer aos princípios da proporcionalidade e

necessidade.

Se a autoridade judicial não respeitar a necessidade da prisão preventiva pode ocorrer

o chamado ―constrangimento ilegal‖, isto é, a manutenção da prisão indevida. Finalmente a

prisão em flagrante acontece quando o individuo é encontrado na execução do delito e, dessa

forma deve ser levado para responder por este ato. No Brasil os presos provisórios que estão

na iminência de um julgamento constituem uma boa parcela da população carcerária.

O Levantamento Nacional De Informações Penitenciárias - INFOPEN em uma

pesquisa no ano de 2014 provou o excesso de presos provisórios nas celas do Brasil. Assim,

de acordo com a pesquisa minuciosa feita pelo DEPEN – Departamento Penitenciário

Nacional, órgão ligado ao Ministério da Justiça, os gráficos traduzem que:

Observando o gráfico, constata-se que cerca de 41% das pessoas privadas de

liberdade são presos sem condenação, a mesma proporção de pessoas em regime

fechado. Apenas 3% das pessoas privadas de liberdade estão em regime aberto e

15% em semiaberto. Para cada pessoa no regime aberto, há cerca de 14 pessoas no

regime fechado; para cada pessoa do regime semiaberto, há aproximadamente três

no fechado. No Brasil, cerca de 41% das pessoas privadas de liberdade são presos

sem condenação. Significa dizer que quatro a cada dez presos estão encarcerados

sem terem sido julgados e condenados. Além da porcentagem de presos sem

condenação, releva aferir o tempo médio que o preso sem condenação fica

Page 77: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

recolhido. Para uma constatação exata desse dado, seria necessária a análise

individual dos processos judiciais das pessoas privadas de liberdade, o que foge do

escopo de investigação do Infopen. No entanto, a fim de aferir esse dado a partir da

metodologia do Infopen, incluiu-se no levantamento um questionamento sobre o

contingente de presos sem condenação retidos há mais de 90 dias. Cerca de 37% das

unidades prisionais informaram deter o controle da informação. Nas unidades

prisionais que informaram o dado, cerca de 60% dos presos provisórios estão

custodiados há mais de noventa dias aguardando julgamento. (DEPEN, 2014, pp.

20-22).

Em outro relatório atualizado no ano de 2016 o Departamento Penitenciário Nacional

reitera os dados comprovados anteriormente, no que diz respeito às prisões provisórias,

temos:

De acordo com o gráfico, 40% das pessoas presas no Brasil em Junho de 2016 não

haviam sido ainda julgadas e condenadas. Este dado varia sensivelmente entre os

levantamentos mais recentes do Infopen: no levantamento de junho de 2014, essa

população representava 41% do total; em dezembro do mesmo ano representava

40%; já em dezembro de 2015, as pessoas sem julgamento somavam 37% da

população no sistema prisional (DEPEN, INFOPEN, 2016, p. 13).

Ainda é possível a compreensão da informação dada no site do Ministério da Justiça

ao relatar, principalmente, com base nas pesquisas:

O Infopen mostra também que 40% dos encarcerados são formados por presos

provisórios. Os crimes relacionados ao tráfico de drogas são a maior incidência que

leva pessoas às prisões, com 28% da população carcerária total. Roubos e furtos

somados chegam a 37%. Homicídios representam 11% dos crimes que causaram a

prisão (JUSTIÇA, 2016).

Enfim, apenas ao avaliar o relatório do DEPEN é possível concluir que todos esses

presos estão em prisões sem estrutura e que não suportam o excesso de presos abrigados. Para

uma possível melhora do caso o Conselho Nacional de Justiça no ano de 2015, lançou um

projeto para garantir a realização da audiência de custódia nos casos de prisão em flagrante.

Entretanto, mesmo com a parceria da Justiça e do TJSP o projeto parece não aprimorar muito

os padrões penitenciários.

V - A INEFICÁCIA DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL

Page 78: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

A incompatibilidade da Lei de Execução Penal frente à realidade do sistema carcerário

brasileiro é explicita. Mesmo sendo uma das leis mais avançadas em relação à execução penal

os motivos que já foram expressos se tornam preponderantes quando se avalia o prestígio da

LEP.

Os objetivos da LEP estão explícitos no corpo da própria lei, logo, em seu primeiro

artigo a norma preceitua ―A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de

sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do

condenado e do internado‖. Assim seria se resolvidos, pelo menos, todos os problemas que

fora exposto, porém, por força deles e, a pela soma de mais alguns, a Lei de Execução Penal

se tornou anêmica em alguns aspectos.

Os princípios que sustentam a Lei de Execução Penal são brilhantes, e assim, temos os

princípios da jurisdicionalidade, legalidade, contraditório e, ampla defesa, iniciativa das

partes, publicidade, duplo grau de jurisdição, devido processo legal, verdade real,

imparcialidade do juiz, igualdade das partes e livre convencimento, principalmente, se tem

como garantias constitucionais, a exemplo do principio da intranscendencia (art. 5º, XLV, da

CF). Contudo, nota-se que na teoria o sistema carcerário, mais precisamente, o modo pelo

qual os presos sobrevivem a ele, desobedece totalmente os princípios e garantias

constitucionais, quando na realidade, estes deveriam ser sagrados.

5.1. O desrespeito aos princípios constitucionais.

Literalmente pode se afirmar que sistema carcerário desrespeita a maioria dos

princípios constitucionais e não constitucionais também. O princípio da dignidade da pessoa

humana não é meramente um princípio, é também um dos fundamentos da República

Federativa do Brasil, temos na lei maior a redação do Art. 1º que expressa - A República

Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito

Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a

soberania; II - a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana. Entretanto, com base na

superlotação dos presídios brasileiros é obvio que não é impossível considerar um ambiente

que respeite a dignidade da pessoa humana.

Page 79: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

A superlotação não só afasta totalmente este princípio, mas também anula todas as

chances de recuperação de um individuo. A concretização da dignidade da pessoa humana nos

presídios brasileiros não é possível, pois o problema estrutural do sistema carcerário não a

permite.

O espirito da lei é apenas o de retirar do apenado o direito de ir e vir e o assegurar,

pelo menos, os mínimos direitos sociais possíveis. A situação subumana da qual os presos são

sujeitos denigre não só a integridade física dos apenados, mas a psicológica também.

A pena imposta ao preso ultrapassa o limite dela mesmo, pois a circunstancia na qual o

preso se encontra ao chegar ao presídio é tão degradante e humilhante como as penas cruéis

dos séculos passados.

A própria falta de higiene e alimentação que ocorre nos presídios do Brasil é uma

infração muito grave sobre um principio tão emblemático. A importância deste princípio é

extrema já preceitua Rodrigo Duque Estrada Roig:

O princípio também é encontrado na Convenção Americana de Direitos Humanos

(ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou

degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito

devido à dignidade inerente ao ser humano – art. 5º), no Conjunto de Princípios para

a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão da

ONU (a pessoa sujeita a qualquer forma de detenção ou prisão deve ser tratada com

humanidade e com respeito da dignidade inerente ao ser humano – Princípio 1º) e

nos Princípios Básicos para o tratamento dos reclusos da ONU (todos os reclusos

deverão ser tratados com o respeito devido à dignidade e ao valor inerentes ao ser

humano – Princípio 1). No Brasil, o princípio da humanidade decorre do

fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e do

princípio da prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II, da CF), amparando o

Estado Republicano e Democrático de Direito. Em sede de execução penal, o

princípio funciona como elemento de contenção da irracionalidade do poder

punitivo, materializando-se na proibição de tortura e tratamento cruel e degradante

(art. 5º, III, da CF), na própria individualização da pena (art. 5º, XLVI) e na

proibição das penas de morte, cruéis ou perpétuas (art. 5º, XLVII). A Lei de

Execução Penal faz alusão ao princípio da humanidade ao estabelecer que as

sanções disciplinares não poderão colocar em perigo a integridade física e moral do

condenado (art. 45, § 1º), além de vedar o emprego de cela escura (art. 45, § 2º). A

humanidade penal também alcança aqueles submetidos às medidas de segurança,

conforme se depreende do art. 2º, parágrafo único, inciso II, da Lei n. 10.216/2001,

que fixa como direito da pessoa portadora de transtorno mental o de ser tratada com

humanidade (ROIG, 2016).

Outra garantia do preso é a inviolável liberdade de consciência e de crença, sendo

assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos

Page 80: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

locais de culto e a suas liturgias. Porém, conforme Duque esta garantia também é violada nos

presídios, a saber:

Dispõe o art. 5º, VI, da Constituição de 1988, que é inviolável a liberdade de

consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e

garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. No

entanto, a proibição de frequentar cultos religiosos como forma de punição

disciplinar representa de forma direta a violação desta garantia constitucional e, de

maneira mediata, a própria infração ao princípio constitucional da humanidade. A

obrigação de usar uniforme com cores chamativas (ex.: verde limão, rosa) também

importa clara transgressão ao princípio da humanidade, porquanto afeta a própria

intimidade e dignidade das pessoas condenadas, à revelia da inviolabilidade

constitucional da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas (art. 5º, X).

Igualmente atentatórias à dignidade são as obrigações disciplinares de baixar a

cabeça e manter silêncio absoluto (ROIG, 2016).

Pode ser destacada também a infração ao princípio da individualização da pena que

está positivado não apenas no corpo da lei maior do país, mas também na própria lei de

execução penal e no código penal brasileiro, nos artigos, art. 5º, XLVI da CF, arts. 5º, 8º, 41,

XII e 92 (parágrafo único), II, da LEP, art. 34 do CP. No que tange a Constituição Federal a

mesma redige: Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito

à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XLVI - a

lei regulará a individualização da pena. E ainda, ―Os condenados serão classificados, segundo

os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal -

(art. 5o da LEP)‖. Em suma, a sanção será individual conforme o perfil e os antecedentes do

apenado, assim como o tipo de crime por ele cometido. Para explanar o principio

individualizador cabe ressaltar as palavras de Renato Marcão:

A classificação dos condenados é requisito fundamental para demarcar o início da

execução científica das penas privativas da liberdade e da medida de segurança

detentiva. Visa a assegurar os princípios da personalidade e da proporcionalidade

da pena, elencados no rol dos direitos e garantias constitucionais. Adequada à

classificação, cada sentenciado terá conhecida a sua personalidade, recebendo o

tratamento penitenciário adequado, atendendo também ao princípio da

individualização da pena e da medida de segurança (MARCÃO, 2012).

A individualização da pena é conferir ao preso o direito de exercê-la conforme suas

características e seu perfil social ―é dar a cada condenado as oportunidades e meios

necessários para que venha a se reintegrar à sociedade, levando em consideração sua

personalidade, suas aptidões e habilidades‖ (NETO, 2012, p. 65).

Page 81: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Dessa forma, independentemente do crime praticado pelo agente, o magistrado na fase

de aplicação da pena, deverá considerar todas as peculiaridades nas quais o crime foi

praticado, acrescido o grau de culpabilidade do criminoso.

Os crimes devem ser analisados pelo juiz sob a ótica das circunstancias da infração,

particularizando, deste modo, a sanção para cada indivíduo. É o que preceitua o artigo 59 do

código penal brasileiro ao descrever a fase judicial do princípio.

Nesse aspecto, divide-se a individualização da pena em três momentos distintos: a-

individualização da pena em abstrato: é realizada pelo legislador; b- individualização da pena

em concreto: é realizada pelo juiz sentenciante; c- individualização da pena na execução: é

realizada pela Comissão Técnica de Classificação (CTC).

Este órgão, por sua vez, apenas tem competência para elaborar o programa

individualizador da pena privativa de liberdade, não mais podendo propor progressão ou

regressão de regime, nem conversão da pena. Aliás, a CTC é presidida pelo diretor da unidade

prisional; composta por dois chefes de serviço, no mínimo; por um psicólogo; por um

psiquiatra; e por um assistente social. A realidade deste princípio é que em alguns casos, por

falta de condições e descaso do poder público, o preso cumpre sua pena em um regime mais

gravoso do que aquele imposto pelo juiz.

É o caso do apenado que não passa para o regime semiaberto por carência de local

para tanto. Sobre isto, vale explanar A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no

julgamento do HABEAS CORPUS Nº 196.438 - SP (2011/0023662-1), a saber:

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO.

REGIME ABERTO. AUSÊNCIA DE VAGA EM CASA DE ALBERGADO OU

INEXISTÊNCIA DESTA. REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA MAIS

SEVERO. PRISÃO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE. 1. Encontrando-se o

condenado cumprindo pena em regime mais gravoso do que lhe fora imposto, em

razão de inexistência de vaga em estabelecimento penal adequado ou inexistência

deste, cabível a imposição de regime mais brando, em razão de evidente

constrangimento ilegal. 2. É dever do Poder Público promover a efetividade da

resposta penal, na dupla perspectiva da prevenção geral e especial; entretanto, não se

podem exceder os limites impostos ao cumprimento da condenação, sob pena de

desvio da finalidade da pretensão executória. 3. Ordem concedida para restabelecer a

prisão domiciliar do ora Paciente até o surgimento de vaga em estabelecimento

adequado para o cumprimento da pena em regime aberto. (HC 97.940/RS, Relatora

Ministra Laurita Vaz, DJ de 8.9.08). Ante o exposto, defiro a liminar para

determinar seja o paciente imediatamente transferido para estabelecimento

compatível com o regime semiaberto; na ausência de vaga, que aguarde em regime

aberto; a persistir o constrangimento ilegal, seja-lhe assegurada a prisão domiciliar.

Page 82: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Neste caso, é preciso satisfazer a ânsia da súmula do STJ ao dizer que ―Fixada a pena-

base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o

cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito‖.

Dessa forma, é justo que o judiciário se atente ao número de apenados que por este

motivo sofrem constrangimento ilegal. Conforme informação da CPI do sistema carcerário é

lamentável a divisão dos presos nas penitenciárias de um dos estados mais perigosos do país,

a exemplo do Rio de Janeiro, com base na CPI, temos o relato que:

No Rio de Janeiro o critério principal de separação dos presos é a organização

criminosa a que pertencem. A Lei de Execução Penal e seus critérios de separação

dos presos foi substituída pelo Comando Vermelho, pelo Terceiro Comando, pelo

Amigo dos Amigos, Inimigos dos Inimigos ou pelos Amigos de Israel. O mais grave

é que esse critério é aceito e respeitado pelo Secretário de Administração

Penitenciária, pelo promotor de execução e pelo defensor público. O Estado, com

todo o aparato jurídico e administrativo de que dispõe, não consegue separar os

apenados em conformidade com a lei. No entanto, atende as organizações

criminosas, distribuindo os presos conforme os interesses do crime organizado

(NACIONAL, 2009, p. 274)

Contudo, outros demais princípios são infringidos na execução penal, o devido

processo legal, por exemplo, abarca uma gama de garantias, como, tratamento paritário

confiado às partes envolvidas no processo, a ampla defesa, e a duração razoável do processo.

No entanto, o processo no Brasil se torna demorado, caro e complexo, sobretudo, o

preso se vê numa situação de abandono e total descaso, uma vez que muitos não desfrutam de

uma defesa especializada ou de uma atenção especial por parte do Estado o qual fara sua

obrigação no simples amparo processual que garante a carta magna.

5.2. A não prestação dos direitos previstos.

Ao concluir que a execução penal desobedece aos princípios constitucionais mais

fundamentais pode se auferir que alguns direitos previstos na própria LEP não são conferidos

ao preso dentro das prisões. É o que acontece no artigo 99 que aduz o seguinte preceito ―O

Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico destina-se aos inimputáveis e semi-imputáveis

referidos no artigo 26 e seu parágrafo único do Código Penal‖.

Page 83: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Fácil entender tal preceito na lição do advogado criminalistas Renato Marcão, a saber:

Na dicção do art. 99 e seu parágrafo único da Lei de Execução Penal, o hospital de

custódia e tratamento psiquiátrico destina-se aos inimputáveis e semi-imputáveis

referidos no art. 26 e seu parágrafo único do Código Penal, aplicando-se ao hospital,

no que couber, o disposto no parágrafo único do art. 88 da lei. O item 99 da

Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal dispõe que relativamente ao

hospital de custódia e tratamento psiquiátrico não existe previsão da cela individual,

já que a estrutura e as divisões de tal unidade estão na dependência de planificação

especializada, dirigida segundo os padrões da medicina psiquiátrica. Estabelecem-se,

entretanto, as garantias mínimas de salubridade do ambiente e área física de cada

aposento. Por aqui também é flagrante, e ainda mais grave, a omissão do Estado, que

não disponibiliza o número necessário de estabelecimentos e vagas para o

cumprimento da medida de segurança de internação, a se verificar em hospital de

custódia e tratamento psiquiátrico. O que se vê na prática são executados

reconhecidos por decisão judicial como inimputáveis, que permanecem

indefinidamente no regime fechado, confinados em cadeias públicas e

penitenciárias, aguardando vaga para a transferência ao hospital. De tal sorte,

desvirtua-se por inteiro a finalidade da medida de segurança. Ademais, mesmo nos

casos em que se consegue vaga para a internação, a finalidade da medida também

não é alcançada, já que reconhecidamente tais hospitais não passam de depósitos de

vidas humanas banidas de sanidade e de esperança, porquanto desestruturados para o

tratamento determinado pela lei e reclamado pelo paciente, desprovidos que são de

recursos pessoais e materiais apropriados à finalidade a que se destinam (MARCÃO,

2012, p. 110).

Os direitos negados aos presos são os mais diversos possíveis, dentre eles, os mais

básicos essenciais à integridade física de qualquer ser humano, a exemplo, de higiene, saúde,

educação, ocupação, trabalho, lazer, entre outros. Isso mostra que as condições subumanas

das penitenciárias são contrárias aos objetivos da lei de execução penal.

Mas, como se isso não bastasse, alguns grupos específicos não são enxergados como

tal, o levantamento do DEPEN avaliou as unidades prisionais com ala ou cela destinada

exclusivamente a grupos específicos, e a pesquisa verificou os seguintes dados:

De modo geral, observa-se que há baixa disponibilidade de vagas destinadas

exclusivamente aos grupos específicos acima apresentados. Apenas 9% das unidades

dispõem de celas especificas para estrangeiros e para indígenas, e por volta de 15%

dos estabelecimentos têm celas específicas para idosos e para pessoas lésbicas, gays,

bissexuais e transgêneros – LGBT. A preocupação em disponibilizar espaços

específicos para estes públicos, que se coaduna com uma prática adequada de

triagem e classificação dos custodiados, registrou-se em algumas unidades nos

estados de Alagoas, Amazonas, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul,

Paraíba, Pernambuco, Paraná, Piauí, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (DEPEN,

relatorio-depen-versao-web.pdf, 2014).

Page 84: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Isso dificulta a representação destes grupos e as afirmações de seus direitos nos

presídios em que cumprem penas. Isto porque os homossexuais presos sofrem preconceitos

dos demais apenados e na grande maioria das vezes abusos.

Outra lastimável realidade é a do grupo de idosos que estão em regime prisional,

sendo eles presos sem nenhuma distinção e, sobretudo, mais vulneráveis as doenças do

sistema carcerário os idosos fazem parte de um grupo especial e, no aspecto ambulatorial, se

trata de um grupo de risco que estão mais sujeitos as enfermidades do que os demais.

A lei de execução penal também prevê a auxílio jurídico, ―Da Assistência Jurídica:

Art. 15. A assistência jurídica é destinada aos presos e aos internados sem recursos

financeiros para constituir advogado. Art. 16. As unidades da Federação deverão ter serviços

de assistência jurídica nos estabelecimentos penais‖. Entretanto, o levantamento feito pelo

Departamento Nacional Penitenciário no ano de 2015 constatou que a inobservância desta

garantia:

Entre os direitos garantidos pela Lei de Execução Penal à pessoa privada de

liberdade encontra-se, por fim, o direito à assistência jurídica, que deve ser garantida

a todos aqueles que não tenham condições financeiras para constituir advogado. A

assistência jurídica deve ser integral e gratuita, prestada pela Defensoria Pública,

dentro e fora dos estabelecimentos penais. Conforme gráfico 39, observamos que

60% das unidades prisionais do país contam com prestação sistemática de

assistência jurídica gratuita por meio da Defensoria Pública. Por outro lado, 27% dos

estabelecimentos não contam com qualquer tipo de serviço de assistência jurídica

gratuita prestado aos apenados. Nesses casos, as garantias processuais das pessoas

privadas de liberdade podem ser ameaçadas pela dificuldade de acesso a um

advogado constituído. Conforme tabela 35, as unidades que não contam com

serviços de assistência jurídica gratuita custodiam 79.774 pessoas, o que significa

dizer que 13% de toda a população prisional brasileira encontram-se privada de

liberdade em unidades em que lhes é negada acesso à assistência jurídica gratuita,

nas formas previstas pela LEP (DEPEN, Há 726.712 pessoas presas no Brasil,

2015).

Vale lembrar as lições de Renato Marcão ao lembrar ―A assistência jurídica, muitas

vezes não observada, é de fundamental importância para os destinos da execução da pena.

Aliás, sua ausência no processo de execução acarreta flagrante violação aos princípios da

ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, que também devem ser observados

em sede de execução‖ (MARCÃO, 2012, p. 47).

Page 85: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Pelo simples motivo do menosprezo aos princípios constitucionais o sistema carcerário

brasileiro concomitantemente desrespeita os direitos humanos que estão consagrados nos mais

altos pactos entre as nações, dessa forma, vale destacar as palavras de Rodrigo Duque, ao

expor:

No mesmo sentido, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San

José da Costa Rica) prevê o direito à integridade pessoal (art. 5º), dispondo que toda

pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral (item 1)

e que ―ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis,

desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o

respeito devido à dignidade inerente ao ser humano‖ (ROIG, 2016).

É de total visibilidade a falta de estrutura das cadeias brasileiras e, com isso, o

resultado na falta de prestação dos direitos mais básicos do ser humano. Porém, não é o que os

demais pactos e convenções assinadas pelo Brasil mencionam, lembra Duque ao descrever:

Importante lembrar ainda que o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos

da Organização das Nações Unidas dispõe que ninguém será submetido à tortura

nem a pena ou a tratamentos cruéis, inumanos ou degradantes (art. 7º), além de

prever que toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade

e respeito à dignidade inerente à pessoa humana (art. 10). Não se pode olvidar, por

fim, que a própria Declaração Universal dos Diretos Humanos estabelece que

ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou

degradante (art. 5º), nem arbitrariamente preso ou detido (art. 9º). Seguindo-se por

analogia o critério utilizado pela Corte Europeia – de que a grave superlotação não

demanda outros fatores concorrentes para que esteja configurado o tratamento

desumano ou degradante –, é possível concluir que o estado de grave superlotação

de alguns cárceres brasileiros é fator suficiente, por si só, para se atestar a existência

de tratamento desumano ou degradante e, consequentemente, a violação sucessiva

da Lei de Execução Penal, Constituição da República Federativa do Brasil,

Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto Internacional sobre Direitos

Civis e Políticos da Organização das Nações Unidas e Declaração Universal dos

Diretos Humanos (ROIG, 2016, p. 350).

Afinal, o apenado é um individuo em processo de recuperação, o qual se torna inviável

nestas condições. Porém, se o Estado trata os direitos mais básicos do apenado com descaso,

não é surpresa o surgimento de rebeliões e motins criados pelos presos contra a carência

sucessiva de colchoes, papéis higiênicos, remédios, produtos para a limpeza, entre outros que

são imprescindíveis a qualquer ambiente.

Page 86: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

5.3. A má administração.

Todos os problemas carcerários se amenizariam se a administração e o controle do

Estado fossem mais efetivos. A má administração não só interna, mas externa também,

contribuem para o caos no sistema prisional.

O sistema prisional depende de um alto custo pecuniário e mesmo assim não consegue

regular, ao menos, a entrada de celulares e armas nos presídios.

Conforme Alberto Fraga, presidente da CPI do Sistema Carcerário o atual sistema

sofre com a má gestão de recursos, por meio de uma entrevista a Câmara dos Deputados que

destaca ―Fraga ainda criticou o alto custo do sistema carcerário do país e a falência dos

aparatos de controle, que não conseguem impedir a entrada de armas e de celulares nas

instalações prisionais. O deputado também defendeu uma melhor formação dos agentes

carcerários que, segundo ele, devem ter um perfil educador‖. (DEPUTADOS, 2015).

A comissão parlamentar de inquérito do sistema carcerário brasileiro, conclui, com

base no profundo estudo realizado, que em relação ao orçamento dos estados os gastos com o

cenário prisional é exorbitante. Dessa forma, a CPI indica:

Com menos recursos disponíveis para os estados, os custos prisionais estão fazendo

um buraco nos orçamentos estaduais. Em média, os estados gastam quase 7% de

seus orçamentos em instituições correcionais, perdendo apenas para a saúde,

educação e transporte. Segundo a Associação Nacional de Oficiais Orçamentários,

os estados gastaram US$ 44 bilhões do dinheiro de impostos em prisões, em 2007,

contra US$ 10,6 bilhões, em 1987. Um aumento de 315%. Incluindo os recursos

oriundos das emissões de títulos e repasses do governo federal, os gastos totais dos

estados em prisões, no ano passado, foram de US$ 49 bilhões. Até 2011, os estados

deverão gastar mais US$ 25 bilhões (NACIONAL, 2009).

Outro problema indicado nesta CPI é a ausência de aferição a dados sobre os gastos

dentro do sistema penitenciário, a saber:

Em análise realizada nos dados obtidos junto ao DEPEN, constatou- se a ausência de

controle efetivo sobre os valores investidos pelos estados no sistema penitenciário.

No exame, não compreendemos, ao certo, o grau de fidedignidade dos recursos

efetivamente aplicados no sistema penitenciário. Por isso, não se tem como cotejar

os recursos estaduais com os federais, o que leva a recomendar ao DEPEN que

estabeleça controle atualizado, com dados consistentes, a respeito do investimento

realizado e executado no sistema penitenciário (NACIONAL, 2009).

Page 87: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Nesta mesma toada, a Revista Revide publicou em sua plataforma digital que ―No

Brasil, apenas três Estados informam gastos com sistema carcerário‖, esta informação teve

como base a pesquisa feita pelo Grupo de Estudos Carcerários Aplicados da USP, junto à

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto.

A pesquisa do grupo realizou o estudo em alguns estados, e, conforme os dados que

coletaram, sua conclusão foi a de que:

A falta de comprometimento dos Estados e do Distrito Federal na organização dos

dados para elaboração da quantidade de presos e seus respectivos custos, por

rubrica, conforme determinado no artigo 3º da Resolução nº 06\2012, do CNPCP,

não permite análise mais profunda da qualidade das políticas públicas

implementadas. Demonstra-se evidente, ademais, a precariedade e ineficácia dos

meios de comunicação disponibilizados pelos órgãos das unidades federativas

responsáveis pela administração penitenciária, respectivamente em cada Estado e no

Distrito Federal, que, em sua maioria, sequer responderam formalmente o

questionamento realizado, restringindo o direito constitucional de acesso às

informações públicas. Outro ponto que merece destaque é a ausência de sanção ao

gestor que deixa de cumprir a determinação normativa do CNPCP, não dando

efetividade à norma e permitindo que todos os agentes envolvidos continuem a

executar políticas de baixa eficiência. Embora o CNPCP não edite normas

vinculativas para os Estados e DF, suas resoluções fornecem caminhos de boa gestão

prisional, não sendo razoável que o gestor estadual não cumpra tais resoluções, ou

nem mesmo justifique-se, sem consequência alguma. Percebe-se, ainda, que o

DEPEN não propõe sanções de qualquer espécie aos gestores estaduais que não

cumprem a resolução nº 06/2012 do CNPCP, tampouco aos gestores que não dão

satisfações sobre o não cumprimento (GECAP-USP, 2014)

A conclusão aponta ainda que os dados fornecidos com confiabilidade são de real

importância, pois é assim que a transparência com o orçamento público se efetiva, uma vez

que é direito da coletividade saber para o que é gasto o cada centavo do dinheiro publico.

Assim sendo, tem-se que:

As informações sobre o custo de um indivíduo preso em cada Estado da Federação é

direito fundamental do cidadão. Não somente pelo direito à informação que por si só

é direito fundamental. Também, porque, saber quanto se investe na pessoa presa em

regime fechado permite a adequada fiscalização sobre a qualidade da gestão

prisional, bem como permite confrontar a qualidade e a quantidade das ações e

políticas públicas penitenciárias com seus fins de ressocialização. Dito de outro

modo é direito de todos saber sobre quanto dinheiro público se investe em uma

pessoa presa por mês, a fim de que possamos verificar se esse valor está sendo bem

gasto, se as verbas públicas estão sendo úteis para evitar que os egressos voltem a 19

delinquir após deixarem o cárcere, se obtiveram adequação social e familiar, e até

mesmo, se o valor gasto é ou não proporcional ao injusto praticado e aos

antecedentes que o condenado eventualmente possua. Por fim, a adequada coleta e

interpretação dos referidos dados possibilitaria sólido embasamento a uma

necessária responsabilidade político-criminal, de modo a repensar sobre a ideia do

encarceramento como solução para todos os males. Evitar-se-ia, assim, o uso

desmedido e irracional do direito penal, que contribui para o aumento do número de

presos e superlotação dos presídios, para então usufruir de uma prévia análise do

Page 88: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

impacto social e orçamentário de propostas legislativas em âmbito criminal,

beneficiando toda a sociedade. Nada disso é possível saber, tendo em vista o não

cumprimento do disposto na Resolução nº 06/2012 do CNPCP (GECAP-USP,

2014).

Muitos são os relatos que denunciam a má gestão do sistema prisional, apesar disso, é

simples concluir que o valor gasto com cada preso é mal gerido pelas autoridades

responsáveis, pois se um preso vale tanto ao Estado e há investimento de tantos milhões nesse

ramo, a pergunta paira sobre o porquê o sistema prisional padece tanto com a pobre estrutura

e a ausência do mais básico.

5.4. A Segurança nos presídios.

Para uma melhor efetivação das disposições contidas na sentença penal condenatória é

imprescindível que se tenha uma estrutura e segurança exemplar dentro de presídios.

A fase de execução se passa nestes estabelecimentos e se tal não dispuser de segurança

eficiente os presos continuaram nas mesmas circunstancias de antes, ou seja, a mercê da

violência e da criminalidade.

O estabelecimento prisional não deve ser seguro apenas para o delinquente, mas

também para seus funcionários internos. A avaliação feita pelo Congresso Nacional, por força

da CPI, provou a incompatibilidade de uma segurança efetiva nos presídios, a saber, tem-se o

testemunho de um funcionário do presídio, que conta:

Na diligência ao Presídio Aníbal Bruno, em Recife (PE), a CPI obteve o relato de

um agente penitenciário que reflete a realidade da disciplina carcerária: ―a unidade

tem capacidade para 1400, mas abriga mais de 4000 presos. Neste plantão somos

cinco agentes. Portanto, eles fingem que estão presos e nós fingimos que estamos

vigiando‖. Portanto, sem a devida segurança, fugimos de um dos objetivos da LEP

que seria efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal. Salienta as Regras

Penitenciárias Europeias para Tratamento do Preso, Parte IV, que a ordem na prisão

deve ser mantida levando-se em conta os imperativos de segurança e disciplina,

todavia sempre tendo em vista condições de vida que respeitem a dignidade humana,

com o oferecimento de um completo programa de atividades, conforme a regra

(NACIONAL, 2009).

O Estado absorve uma maior obrigação com o preso no momento que o priva de sua

liberdade, isto porque ele passa ter um caráter de ―garantidor do preso‖ ao suportar as

obrigações de cuidado e zelo por suas condições.

Page 89: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

As armas e artefatos achados em presídios nas rebeliões e motins é uma prova

fundamental da falha no sistema de segurança e disciplina dos estabelecimentos. As mortes

causadas ao entorno desta guerra paralela entre facções ganham força no aspecto violento e

desumano, pois as mortes ocorridas nas rebeliões são geralmente horrendas e monstruosas, a

exemplo, de mutilações e decapitações. Dessa forma, cabe ao Estado zelar tão pela

integridade do preso, como pela integridade dos funcionários, é o que relata o documento do

Congresso Nacional, a saber:

A segurança compreende dentre vários fatores a própria integridade física do

sentenciado. Nossas prisões são muito violentas. Nesse sentido as Regras Europeias

para Tratamento do Preso, que salientam, no tocante à segurança, na regra, que

alguns procedimentos devem ser implementados para garantir a segurança dos

presos, do pessoal penitenciário e de todos os que visitam a prisão, assim como para

reduzir, ao mínimo, os riscos de violências e outros incidentes que poderiam

ameaçar a segurança do estabelecimento. Preconiza o art. 44 da LEP que a disciplina

consiste na colaboração com a ordem, na observância das determinações das

autoridades e seus agentes e no desempenho do trabalho. A ordem e a disciplina são

importantes em qualquer instituição ou organização social. Dentro do cárcere, onde

o indivíduo é obrigado a permanecer com determinado grupo e em condições

atípicas ao costume social, sem tal imposição torna-se impossível à realização de

qualquer espécie de tratamento prisional (NACIONAL, 2009, p. 411).

As condições de segurança nos estabelecimentos prisionais são mínimas, basta avaliar

as armas e aparelhos digitais apreendidos ao fim de uma rebelião. Todas as rebeliões dos

presídios brasileiros são auxiliadas, principalmente, pela força de materiais cortantes, como

facas e outras armas similares feitas artesanalmente, pois, é assim, que os presos impõem o

caráter violento da revolta.

Sem todo esse aparelhamento seria praticamente impossível à concretização dos

motins e rebeliões, uma vez que em todos os casos os presos se valem de reféns, estes, em

todos os casos, agentes penitenciários. É neste sentido que a violência nos presídios

enfraquece a força e a ineficácia da lei de execução penal, pois onde há violência armada não

há ordem e, dessa forma, não há recuperação social.

Page 90: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

CONCLUSÃO

O presente trabalho aspirou em um primeiro momento à evolução do conceito de pena

para os primórdios, passando pelas épocas das vinganças, pela adoção dos direitos por cada

um dos povos mais relevantes na história e, ainda, a reformulação do direito penal arcaico

para um direito penal mais humano.

Posteriormente procurou abordar os pensamentos de cada uma das escolas penais que

ajudaram a construir o conceito de pena, também, a história dos sistemas penitenciários,

sobretudo as grandes questões sobre o sistema carcerário atual brasileiro.

Diante de todo exposto no trabalho se pode constatar a total ineficácia do caráter

ressocializador da pena privativa de liberdade, haja vista que pela maneira que vem sendo

aplicada não é compatível com os objetivos consagrados na lei de execução penal. A

execução penal no Brasil não tem efeito nenhum sobre o apenado, à execução atinge objetivos

contrários e, dessa forma, introduz novamente o preso no mundo da criminalidade.

Não há diferenças das trevas do crime para o mundo carcerário, ao contrário, dentro do

cárcere brasileiro a regeneração do individuo passa a ser utópica. Aliás, além de cumprir sua

pena no deplorável cárcere, que é as prisões brasileiras, ao sair do estabelecimento prisional o

preso tem que lidar com a sociedade que o estigmatiza mais uma vez.

Um passo importante para a solução dessa crise prisional é o respeito aos direitos

humanos e a concretização dos cuidados mais básicos dos presos nas cadeias publicas. René

Ariel Dotti afirma ―O direito penal é a ciência destinada a proteger os valores fundamentais

do homem‖ por isso deve-se atentar ao fato de que o Estado tem a obrigação de prover, pelo

menos, o mínimo para a integridade do preso, e assim, mostrar o respeito à dignidade da

pessoa humana.

O próprio sistema agride o preso e sem a figura de protetor o Estado não pode garantir

que o preso seja ressocializado, uma vez que ele próprio não respeita a pessoa do preso como

homem detentor de direitos. Sem a proteção jurídica aos direito humanos não a que se fala em

ressocialização.

Page 91: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

Outra forma de se atenuar a crise no sistema é a diminuição dos presos provisórios ao

se aplicar mutirões por parte da justiça como forma de avaliar os presos provisórios e detectar

se estes ainda guardam motivos para estarem nessas condições.

Outro fator de total importância é a aplicação de penas alternativas pelo fato de que ela

evita que os criminosos de baixa periculosidade tenham contatos com delinquentes ligados a

facções criminosas influentes.

A lei n.º 9.714, de 25 de novembro de 1998 preceitua como penas alternativas a

prestação pecuniária; perda de bens e valores; prestação de serviço à comunidade ou a

entidades públicas; interdição temporária de direitos; limitação de fim de semana se o crime

não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou se o crime for culposo; também

cumpre ressaltar que o réu não pode ser reincidente em crime doloso.

Não há duvida que o indivíduo que comete um crime ausente de violência ao passar

para o sistema prisional adota o caráter agressivo e hostil. A que se falar também na separação

dos presos com base no principio da individualização da pena.

Os presos provisórios jamais poderiam manter contato com presos condenados, mas

pela falta de estrutura dentro dos presídios e por força da superlotação os presos provisórios

passam a ter contato com presos veteranos e dessa forma passam se contaminar com certos

delitos.

Contudo, já que a pena privativa de liberdade exclui o individuo de viver com a

sociedade, é justo que este preso goze de trabalho e estudo para um melhor aperfeiçoamento

de seu perfil. Aumentar as opções de trabalho e de estudo não só aumentam as chances de

ressocialização, mas também aumentam o perfil de profissionais no país.

O detento que adquire uma profissão aumenta suas chances de trabalho quando estiver

em liberdade e, ao conviver com outras demais pessoas acresce suas chances de ascensão

profissional. É justo salientar que o Estado tem de recuperar o controle dessas penitenciarias

freando a violência existente dentro dos presídios.

O Estado deve organizar um planejamento nacional para que, paulatinamente, se

estabeleça a ordem dentro das prisões que foram tomadas por organizações criminosas.

Somado a isso se deve reforçar a segurança nos presídios com o proposito de se impedir a

proliferação da violência de presos contra presos, pelo uso de armas.

Page 92: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

O Brasil deve buscar efetivar um plano repressor no que diz respeito às drogas. Um

dos maiores problemas é a ausência de determinação sobre quem é usuário e quem é

traficante. Pode-se dizer que crimes relacionados a drogas são grande maioria nas cadeias e,

assim fica difícil a luta contra a crise, posto que o consumo de droga diz respeito a um

problema social e sua repressão depende de uma politica publica bem fundamentada.

Por fim, o Brasil precisa efetivar o que está postulado nas suas leis e dar ao preso uma

chance digna de voltar a conviver em sociedade. Para tanto é preciso não só estas, mas um

conjunto de ações entre o Estado e a sociedade para amenizar alguns desses problemas.

O preso custa certo montante ao Estado, mas não goza nem do mínimo fundamental a

que tem direito mesmo o mais repulsivo dos homens. Tem-se que é preciso parar e pensar no

tema carcerário para que este não piore cada vez mais e nos tire a esperança de uma sociedade

melhor.

Page 93: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A INEFICÁCIA DA LEI DE

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