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MariaAmélia ArrudaFrancisco no terraço,onde os moradoreslavam roupas: ela semudou para o prédioporque não conseguiamais pagar aluguel

a Um dia, Nete esbarrou com uma co-nhecida que falou sobre o prédio.

— Catei madeira na rua e fiz meubarraco aqui dentro — ela conta. — Issojá tem dez anos, e só saio se ganhar casa.Não quero voltar pra rua, mas tambémnão quero ir pra abrigo. Lá tem hora deentrar e sair, você não pode ir garimpar.Aqui, a gente tem as nossas coisas, faz anossa comida, vai vivendo.

A pensionista Maria Amélia ArrudaFrancisco, de 65 anos, vizinha de porta,já pensa em se render ao abrigo. Ar-rumou uma ferida na perna, caminhacom dificuldade e não consegue se cu-rar. Maria Amélia é viúva e foi parar alicom o filho porque não podia mais pagaraluguel. Comprou seu primeiro espaçopor R$ 180, no quarto andar. Depois,mudou-se para o terceiro piso e pagouR$ 100. Agora, mora no segundo, num

“quarto-e-sala” que custou R$ 240.Entre as quase cem famílias que vivem

ali, muitas fugiram da rua, como Nete, oudo aluguel, como Maria Amélia. Mas não éraro encontrar pessoas que têm casaprópria em algum lugar distante. Fazem doprédio um dormitório durante a semana,quando correm atrás de trabalho. E, no fimde semana, voltam pra casa. Também háviciados que perderam tudo e gente quemorava em alguma comunidade, mas fu-giu, acuada pelo tráfico ou pelas milícias. Ehá várias outras histórias, claro. DarcyNunes dos Santos, a tia Russa, foi parar ali,três anos atrás, por causa de um amor. Elamorava no Morro do Fogueteiro, no Ca-tumbi, quando o homem por quem eraapaixonada na adolescência reapareceu.Foi para o prédio atrás dele. O romancenão deu certo, ela mudou de andar, mascontinua lá. Aos 43 anos, com os filhoscriados, Darcy faz faxina, mas gostariamesmo de ganhar dinheiro cozinhando.

Na dinâmica do prédio, ganha-se di-nheiro carregando galão de água, lavandoroupa para outros moradores, cuidandode criança, erguendo barraco, vendendobarraco. José Nivaldo, de 49 anos, fazmais: vende biscoito, refrigerante, fósforoe outras miudezas numa pequena barracano pátio do prédio. Grande, como os

vizinhos o chamam, também encomendabotijões de gás e garrafões de água.

— Quando a comunidade tem umacondição mais ou menos, dá pra fazerobra, cuidar do lugar. Aqui vive todomundo na conta — ele diz.

Dos inquilinos atuais, poucos conhe-ceram o prédio em seu tempo de glória.Sede da Bloch Editores, foi ali que nasceua revista “Manchete”, em 1952. Depois,quando a empresa se mudou para a Ruado Russel, na Glória, em 1968, o prédiochegou a abrigar uma central de pro-duções da TV Manchete, equipada comateliês de costura, adereços, carpintaria emoda. Pelos corredores da Frei Caneca,que ainda estavam cobertos por carpetequando os primeiros moradores chega-ram, circularam modelos, atores e vi-sitantes ilustres, como o trompetista DizziGillespie, que até arriscou uns passos desamba por ali. Passados 50 anos, o des-tino do prédio é uma incógnita. E en-quanto o Banco do Brasil estuda o quefazer, Cristina — cansada de esperar —continua juntando dinheiro pra comprar acerveja que venderá no réveillon.l

� �������������V Í D E O Conheça o prédio por dentro

oglobo.com.br/rio

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