- Revista dos Alunos do Programa de Pós-graduação em Ciência da Religião - UFJF
Programa Fala Que Eu Te Escuto: Na tela, o duelo entre Deus e o
diabo1
Fala Que Eu Te Escuto Program: The duel between God and devil on the
screen
Dora Deise Stephan Moreira2
Resumo:
O trabalho versa sobre o programa Fala Que Eu Te Escuto, produzido pela Igreja Universal do Reino de Deus. Exibido desde a década de 1990, sofreu várias reformulações ao longo dos tempos, com vistas a adequar-se ao cenário comunicativo. Transmitido pela Rede Record, pertencente ao Bispo Edir Macedo, o programa prioriza matérias jornalísticas “profanas” extraídas dos telejornais da emissora, porém editadas conforme os preceitos iurdianos. Utilizamos como metodologia a Análise de Conteúdo, sendo uma de nossas categorias Demonização do cotidiano, a partir de Brenda Carranza (2011). Nosso corpus constituiu-se de cinco programas, exibidos entre março e abril de 2012. Demonstraremos, por meio de exemplificações, a forte presença desta categoria como recurso discursivo.
Palavras-chave: Programa Fala Que Eu Te Escuto; Igreja Universal do Reino de Deus; Tele-evangelismo; Demonização do cotidiano.
Abstract
The paper is about the program “Fala Que Eu Te Escuto, produced by the God’s Kingsdon Universal Church. Presented since 1990’s, has suffered several modifications up to now, to adapt the communicative scenary. This program is transmited by Record TV Network, wich is owned by Bishop Edir Macedo and priorize “profane” newspaper news presented by this TV Network News, has produced according by Universal precepts. The content analysis methodology was used and the daily demonization category is proposed by Brenda Carranza (2011). Our “corpus”consisting five programs presented between march and april 2012. It will be demonstrated through several exemplifications the strong presence of this category as discursive resource in these programs.
1 Texto referente a uma comunicação apresentada na 3ª Semana de Ciência da Religião da UFJF realizada entre os dias 6 e 9 de outubro de 2014. 2 Graduada em Ciências Sociais e Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Especialista em Comunicação Empresarial pelo PPGCOM/FACOM- UFJF e Mestre em Comunicação pelo PPGCOM/FACOM-UFJF. Doutoranda em Ciência da Religião pelo PPCIR/UFJF.
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Keywords: Fala Que Eu Te Escuto Program; Universal do Reino de Deus Church; Televangelism; Daily Demonization.
INTRODUÇÃO
Bem no começo do atual século, quando as mudanças no cenário religioso
brasileiro começaram a se cristalizar, Luiz Roberto Benedetti descreveu o fenômeno de
forma metafórica: “a religião no mundo moderno é um imenso caleidoscópio de formas
e cores, em contínua mutação, sem um centro de referência; ou, se existe, esse centro
vem marcado pela provisoriedade e transitoriedade”. (Benedetti, 2001, p. 45)
Para além de uma metáfora, a descrição do filósofo brasileiro sintetiza bem
o atual panorama religioso brasileiro, no qual essas “formas e cores” se multiplicam
rapidamente a cada dia, com o surgimento de novas denominações religiosas. Como
atesta o antropólogo Marcelo Aires Camurça:
O que anteriormente ocorria em cada religião, num espaçamento de dezena de anos, de séculos, para produzir interpretações alternativas sobre o transcendente, e esse fato gerar cismas, heresias, escolas diferentes – hoje, no mundo moderno, acontece com uma simultaneidade e com uma velocidade surpreendente, o que faz com que o mapa religioso se desenhe e se redesenhe, e sociedades e etnias que outrora eram influenciadas por uma tradição religiosa passem a ser influenciadas por várias outras. O crescimento do catolicismo nos Estados Unidos, uma nação historicamente protestante, e o avanço do pentecostalismo na América hispânica, tradicionalmente católica [...] são indicadores desse redesenhar constante do mapa das religiões”. (Camurça, 2014, p. 147 e 148).
Não restam dúvidas que um dos fatores que contribuíram para essas
transformações galopantes foi o uso dos meios de comunicação, em grande medida a
televisão. Num país onde este veículo encabeça o sistema integrado da mídia
eletrônica, com 296 emissoras aos quais se vinculam 374 veículos (Carranza, 2011,
p.181) e com cobertura geográfica de 98% do território nacional (Paiva; Sodré, 2004,
p.130), as igrejas não podem prescindir dessa eficiente forma de mediação.
Não é sem razão que, com base nos dados do OBITEL- Observatório Ibero
Americano da Ficção Televisiva -, os programas religiosos ocupam o quarto lugar no
ranking televisivo em matéria de tempo, com 4965:38 horas registradas em 2011,
ficando atrás somente dos gêneros informação, ficção e entretenimento, mas superando
o gênero programas esportivos no “país do futebol”. (Lopes; Gómez, 2012).
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Buscar entender como tem se dado o processo de conversão/manutenção ou
até mesmo de reconversão de fiéis é o que nos move a fazer este estudo. Para tanto, a
título de recorte, nos debruçaremos no programa Fala Que Eu Te Escuto, produzido
pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e veiculado de madrugada (1:00 hora)
pela TV Record, de propriedade do Bispo Edir Macedo, principal líder espiritual desta
igreja.
O motivo da escolha deste programa se deve ao fato de ele estar há mais de duas
décadas no ar. Portanto, podemos afirmar tratar-se de um programa que possui uma
tradição, sobretudo considerando a efemeridade da maioria dos programas televisivos,
inclusive os de caráter religioso. Além disso, tem uma formatação que possibilita uma
amostra mais objetiva, já que é exibido em horário fixo e em tempo determinado,
seguindo um script, diferentemente de boa parte dos programas tele-evangélicos, cujo
formato são pastores falando ininterruptamente, o que dificulta o estabelecimento de
parâmetros de acompanhamento e gravação.
Escolhemos para compor nosso corpus cinco programas, que cremos
constituir uma amostragem representativa, uma vez que se trata de uma produção
televisiva cuja estrutura produtiva é bastante homogênea, sofrendo mudanças de um dia
para o outro apenas no que se refere aos temas abordados que, mesmo assim, são
recorrentes, conforme pesquisa feita no site oficial da IURD. Como demonstraremos
mais adiante, há uma predominância de temáticas relacionadas à violência, às drogas e à
prostituição.
Na primeira parte deste trabalho abordaremos o contexto no qual está
inserido o programa, discorrendo sobre as bases da doutrina da IURD e sobre o aparato
comunicacional que lhe pertence, o que lhe confere uma situação privilegiada diante das
demais igrejas de mesmo corte. Na segunda parte, nos deteremos na análise do
programa, utilizando como instrumento metodológico a Análise de Conteúdo (AC),
mais especificamente a análise categorial, tendo como foco a categoria Demonização do
Cotidiano.
PRIMEIRA PARTE: A IURD E SUA PROEMINÊNCIA NO CAMPO RELIGIOSO
1.1 –Os pilares da Igreja Universal do Reino de Deus
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A IURD é de corte neopentecostal, mas, mesmo pertencendo a esse
movimento denominado terceira onda (Jacob, 2003), possui diferenças doutrinárias em
relação a outras igrejas de mesmo viés. Grosso modo, a doutrina iurdiana se assenta em
um tripé: exorcismo, cura e prosperidade. Diferentemente do pentecostalismo clássico,
no qual há uma tendência maior a enfatizar a alma e os valores espirituais, na igreja de
Edir Macedo há uma “exacerbação do corpo”, passível de receber “espíritos bons,
como, por exemplo, o Espírito Santo, ou maus, tais como os demônios”. (Campos,
1999, p. 331-332).
Com base nesta ótica, o corpo tanto pode ser o habitat do Espírito Santo
como do diabo. Para que o primeiro vigore, é necessário livrar-se do segundo através do
exorcismo, considerado “uma porta de entrada para uma vida saudável”. (Campos,
1999, p.337). Portanto, o exorcismo, uma espécie de desintoxicação, é parte
significativa do ritual litúrgico iurdiano. Essa prática é vista como uma forma de
libertação, pois livra o fiel dos maus espíritos, associados pela Universal ao espiritismo
e às religiões afro-brasileiras.
Embora não seja o ponto mais forte da IURD, a cura divina também faz parte de
sua doutrina, ainda que em menor proporção do que das igrejas da segunda onda3 do
movimento pentecostal (exemplos: Igreja do Evangelho Quadrangular e Igreja
Pentecostal Deus é Amor), que exaltam esse dom, fazendo dele seu mote principal.
Mesmo assim, a igreja do bispo Edir Macedo pratica a cura divina em seus templos, os
quais funcionam como uma espécie de pronto- socorro espiritual “voltado para o alívio
da opressão do mal, objetivado nas pessoas na forma de doenças e infortúnios”. No
entanto, até para não ser acusada de curandeirismo, a IURD reconhece a necessidade da
medicina em casos que fogem à sua alçada. Todavia, segundo Campos, para a IURD
Deus é o “médico supremo” que se expressa no poder do Espírito Santo. (Campos,
p.352).
A IURD prega a necessidade do sucesso financeiro de seus fiéis, baseando-se na
Teologia da Prosperidade. Introduzida no Brasil no final dos anos 1970, pelo bispo
3 Este termo, bem como primeira onda e terceira onda, é uma classificação usada primeiramente por Paul Freston (1993) para classificar as fases do pentecostalismo. A primeira onda refere-se à ênfase na glossolalia – dom de línguas –, prática cúltica comum a igrejas como Assembleia de Deus e Congregação Cristã do Brasil. A segunda onda enfatiza a cura divina e a terceira onda diz respeito à introdução do uso dos meios de comunicação para fins de evangelização, prática mais afeita ao movimento neopentecostal que eclodiu, sobretudo, a partir da década de 1970.
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Robert Macalister, da Igreja Nova Vida, essa teologia exerceu forte influência sobre
Edir Macedo, constitui hoje o mote central de sua doutrina.
Contrapondo-se ao catolicismo, que prega o paraíso pós-morte, para os
pregadores da Teologia da Prosperidade a recompensa deve ser aqui e agora. Como
assinala Patricia Birman:
A IURD tem elaborado uma representação religiosa de seus fiéis enquanto integrantes de uma nação que nasce em oposição ao ethos católico. Constrói uma imagem de religião associada à riqueza, à opulência, ao cosmopolitismo e à globalização. Busca negar a equação católica que vincula o pertencimento religioso à pobreza e à tradicionalidade [...] (Birman, 2003, p. 242).
A Teologia da Prosperidade “é um conjunto de crenças e afirmações que torna
legítimo o fato de o crente buscar resultados, ter fortuna favorável, enriquecer, obter o
favorecimento divino para sua vida material ou simplesmente progredir”. (Birman,
2003, p. 363). Segundo seu criador, o americano Kenneth Hagin, o fiel não deve se
conformar com a pobreza e a miséria, posto que:
Nós, como cristãos, não precisamos sofrer reveses financeiros, não precisamos ser cativos da pobreza ou da enfermidade! Deus proverá a cura e a prosperidade para seus filhos se eles obedecerem a seus mandamentos. Deus quer que seus filhos tenham o melhor de tudo (...). Ele (Deus) nos deu, individualmente um cheque assinado, dizendo: “Preencha-o”. Deu-nos um cheque assinável, cobrável aos recursos do céu. (Hagin apud Bitun, 2009, p.68).
Esse cheque “dado” por Deus também pode ser para pagar o dízimo cobrado
pela igreja, já que a Teologia da Prosperidade tenta desmitificar o caráter pecaminoso
do dinheiro, estimulando as doações. Tanto é assim que no item número 11 da seção
“Em que Cremos” do portal da IURD, onde estão relacionados os pontos principais da
doutrina da igreja, consta que:
Os dízimos e as ofertas são tão sagrados e tão santos quanto a Palavra de Deus. Os dízimos significam fidelidade, e as ofertas, o amor do servo para com o Senhor. Não se pode dissociar os dízimos e as ofertas, o amor do servo para com o Senhor Jesus, uma vez que eles significam, na verdade, o sangue daqueles que foram salvos em favor daqueles que precisam ser salvos.
Por meio da arrecadação de dízimo e de ofertas, suas principais fontes de renda,
a IURD vem construindo um patrimônio considerável que inclui, dentre outros
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negócios, empresas no ramo de comunicação, que lhe asseguram uma visibilidade capaz
de fazer frente a outras igrejas neopentecostais com as quais compete.
1.2 - A fortaleza midiática da IURD
Até a década de 1970, portanto há pouco mais do que quarenta anos, o cenário
religioso brasileiro era pouco diversificado. Havia uma predominância da Igreja
Católica que, nos termos de Stuart Hall (2011, p.21), possuía o peso de uma “identidade
mestra”.
De acordo com César Romero Jacob (2003), até então os católicos
representavam 91,8% da população, enquanto que os evangélicos (o censo ainda não
detectava evangélicos pentecostais) somavam apenas 5,2%. Na década seguinte, o
quadro pouco mudou, pois houve um decréscimo de apenas 2,8% em relação ao número
de católicos e um aumento de 1,4% do total de evangélicos. A única diferença ocorrida
nesse intervalo é que os evangélicos pentecostais já puderam ser contabilizados.
Já de 1980 até 1991, ano em que excepcionalmente foi realizado o outro censo,
houve uma diminuição do número de católicos da ordem de 6%, ao passo que os
evangélicos passaram a totalizar 9%. Na década posterior, o número de católicos
encolheu em 10% e os evangélicos atingiram a marca dos 15% da população. Entre
2003 e 2009, houve uma queda de 6% do número de católicos e um aumento
praticamente da mesma ordem do número de evangélicos que passaram a representar
22% da população.
A IURD, fundada em 1977 pelo Bispo Edir Macedo, certamente contribuiu para
esse crescimento, pois é considerada uma das maiores igrejas neopentecostais do país.
Para galgar esta posição, desde o início adotou um modus operandi peculiar.
Quando pela primeira vez o maior estádio de futebol do mundo, situado no Rio de Janeiro, o Maracanã, orgulho de seus habitantes, foi ocupado por uma manifestação religiosa “não católica”, nos idos da década de 80, estava dado o sinal de que algo importante acontecia na prática religiosa habitual da cidade [...] A vocação para o espetáculo, presente nas concepções religiosas, sociais e políticas do Pentecostalismo no Brasil, afirmou-se, de início, pela preferência nunca desmentida em fazer de antigos cinemas, teatros e casas de shows espaços religiosos e ganhou mais alcance quando a conexão entre o palco, o púlpito e o espaço público se transformou definitivamente no seu modelo de atuação. (Birman, 2003, p.235).
A IURD inaugurou uma nova maneira de evangelizar. Além dos megaeventos
que ainda fazem parte de sua estratégia de evangelização, construiu, ao longo de sua
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existência, uma verdadeira holding, composta por empresas de mídias impressas,
televisivas, radiofônicas e digitais.
Com base em levantamentos feitos pela pesquisadora Cláudia Modesto (2012,
p.1), a IURD possui vinte e três emissoras de TV coligadas ou afiliadas à Rede Record.
A utilização dos meios eletrônicos para difusão de sua doutrina começou pelo rádio,
veículo que a Universal nunca deixou de lado. Tanto é assim que atualmente possui a
Rede Aleluia com setenta e uma emissoras de rádio (AM e FM), cuja área de
abrangência cobre setenta e cinco por cento do território nacional. Como assinala Jésus
Martin Barbero (1995, apud Cunha, 2013, p.209), as igrejas fazem da TV e do rádio
uma mediação fundamental.
Também fazem parte da fortaleza midiática de Edir Macedo o jornal mineiro
Hoje em Dia, a Editora Gráfica Universal, responsável pela edição das revistas Obreiro
da Fé e Plenitude, respectivamente com tiragens de 300 mil exemplares e 322.865
exemplares, além do jornal Folha Universal, cuja tiragem semanal é de 1,5 milhões de
exemplares. O aparato comunicacional do líder religioso abrange, ainda, a Line
Records, maior gravadora gospel do país, e a produtora de vídeos Frame.
Em total sintonia com a era da informação, a IURD possui portais na Internet,
sendo o site oficial a Arca Universal, criado em 2001, além do “R7.com” e a TV IURD,
um canal via Internet que tem como objetivo transmitir testemunhos de fé e esclarecer
dúvidas de fiéis. As mídias utilizadas pela igreja se interligam umas às outras, como é o
caso da Rede Aleluia, que também transmite seus programas na IURD TV. Para além de
ser uma estratégia de conversão/manutenção de fiéis, as tecnologias que a Universal
utiliza podem manter seu rebanho conectado com seu ideário as vinte e quatro horas do
dia.
É preciso salientar que “não é a tecnologia que possibilita a veiculação de
programas religiosos, mas sim a adoção de uma cultura midiática por parte das igrejas e
de grupos religiosos refletida tanto na sua presença na programação da mídia quanto na
via cotidiana”. (Cunha, 2013, p. 207). [o grifo é nosso].
1.3- Templo de Salomão: espaço para megaeventos
A IURD inaugurou em 31 de julho de 2014 o Templo de Salomão, com
capacidade para dez mil pessoas. O megatemplo, instalado numa das principais
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avenidas do bairro do Brás em São Paulo, a Celso Garcia, conforme o site oficial da
Igreja, ocupa uma área construída de 100 mil metros quadrados, dividido em dois
blocos, e possui uma altura de 55 metros. Tem capacidade para 10 mil pessoas
sentadas. Objetivando a formação de novos fiéis, abriga escolas bíblicas com
capacidade para 1,3 mil crianças e um memorial de 250 metros quadrados, instalado no
subsolo do prédio.
O novo espaço apresenta, dentre outras sofisticações, sistema de geração de
energia própria e elevadores adaptados para portadores de necessidades especiais. Não
há informações no site sobre o custo da obra, mas de acordo com a revista Isto é (Edição
2330, 6/8/2014) teria custado R$6,5 milhões e demorado quatro anos para ser
construído.
O Templo de Salomão - considerado hoje o maior espaço religioso existente no
Brasil superando o Santuário de Aparecida do Norte - propiciará a realização de
megaeventos, os quais, segundo Carranza (2011, p. 77) “transformam a experiência
religiosa em uma experiência de entretenimento, o que justifica a grande adesão [...] e
geram projeção e identificação, comunicabilidade, competência comunicativa e
evocação identitária”.
O uso sistemático dos meios de comunicação e a realização de megaeventos
conferem à IURD uma grande visibilidade, com certeza sem precedentes no campo
religioso brasileiro. Mais do que qualquer outra igreja, percebe que “o produto
simbólico ofertado pelas instituições religiosas precisa aparecer para ser conhecido.
Mais do que isso, precisa provar que é melhor. O único caminho para isso no mundo
atual é a mídia”. (Martino, 2005, p.105).
1.4 - Foco na televisão
Desde a fundação de seu primeiro templo na cidade do Rio de Janeiro, Edir
Macedo vislumbrou a força da mídia, investindo inicialmente em programas religiosos
no dial radiofônico e, num segundo momento, na televisão. Hoje, aposta fortemente na
convergência midiática, mas a televisão continua sendo uma importante – e poderosa –
estratégia de difusão da doutrina, por tratar-se de um veículo que é “o principal centro
gerador de símbolos da cultura ocidental” (Campos, 1999, p.287).
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Ainda que a televisão possa vir a ser suplantada futuramente pelas redes sociais,
até nos dias atuais seu poder é incontestável. Ciente dessa força, já em 1989 o líder
espiritual da IURD, não satisfeito em veicular sua doutrina em veículos de outrem,
adquiriu a sua própria rede: a Record. Inicialmente, a emissora do bispo destinava uma
parte maior de sua programação a programas religiosos, como o Despertar da Fé.
Além de levar ao ar programas da própria igreja, também exibia produções de
outras denominações religiosas mediante cobrança de aluguel. Um exemplo era o do
programa de Silas Malafaia, da Assembleia de Deus. Porém, segundo Campos (1999,
p.289), gradativamente o valor cobrado pelo espaço televisivo foi sendo majorado,
justamente para inviabilizar o uso de seu veículo pelas igrejas concorrentes.
O enorme poder que a televisão confere a Edir Macedo vem sendo usado tanto
para minar a concorrência quanto para detratar seus rivais, a exemplo do que tem feito
com o Bispo Valdemiro Santiago, líder da Igreja Mundial do Poder de Deus, uma
dissidência da Universal. De tempos em tempos, seu discípulo se torna alvo de
denúncias em programas produzidos pela Record. Embora procure ser um canal de
televisão cada vez mais secular, diminuindo o número de programas tele-evangélicos e
banindo os rituais de exorcismo antes presentes, sua programação nunca deixará de ser
voltada para a “aquisição de dividendos religiosos”. (Campos,1999, p.287).
Atualmente, a maior parte da programação da Record é de telejornais,
telenovelas e outros programas de entretenimento, cujas produções são realizadas nos
mesmos moldes das outras tevês, até porque a emissora, como parte de seu marketing,
tenta desvincular sua imagem da IURD. Mesmo assim, nunca abandonou totalmente sua
tendência inicial, mantendo em sua grade de programação programas tele-evangélicos.
1.5 - Fala Que Eu Te Escuto: adequações ao cenário comunicativo
O principal programa de cunho religioso exibido atualmente é o Fala Que Eu Te
Escuto, que começou a ser veiculado em meados da década de 1990. Inicialmente,
apresentava somente temas religiosos e se limitava ao tripé exorcismo, cura e
prosperidade. Porém, de acordo com Karla Patriota, o programa foi sofrendo
reformulações ao longo de sua existência, de forma a estar sempre em sintonia com o
cenário comunicativo.
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Gradativamente foi sendo transmutado e começou a enfatizar fatos e acontecimentos provenientes dos noticiários, com uma peculiar preferência por temas polêmicos, como violência, prostituição, drogas, entre outros, sob a alegação da Igreja Universal do Reino de Deus de que estes temas são de interesse mais geral. (Patriota, 2009, p.2).
Outro aspecto salientado pela autora com relação ao programa é que ele passou a
ser mais interativo, em adequação aos novos tempos:
A IURD também percebeu que a força da comunicação deve ser estruturada em cima do próprio fluxo de transmissão das mensagens e informações e que tal fluxo pressupõe o “receber e gerar” mensagens e informações, principalmente nos dias de hoje, em que estamos mergulhados na era da convergência tecnológica, do conteúdo colaborativo e da interatividade. (Patriota, 2009, p.2).
Para a autora, “essa forma de comunicação, através de um sistema de mão dupla,
desperta no receptor um ser mais participativo que é estimulado a reagir às informações,
seja fazendo um comentário, uma sugestão ou uma crítica”. Sua dinâmica faz dele um
programa “cujo víés religioso se ajusta ao novo cenário comunicativo”. (Patriota, 2009,
p.3). Como complementa Carranza (2011, p.166), é por meio dessas interações sociais
que “a produção de sentidos é tecida nos programas religiosos”.
Patriota salienta que o Fala Que Eu Te Escuto se utiliza de elementos de
espetáculo e de teatralidade, coadunando com a expectativa dos telespectadores “que
buscam na experiência religiosa o transe, o êxtase, o espetáculo e não a doutrina
religiosa propriamente”. (Patriota, 2009, p.3).
Mesmo não tendo uma audiência4 expressiva, registrando uma média de três por
cento do ibope com picos de até sete por cento, segundo levantamentos feitos no próprio
site da IURD – ultrapassando a audiência do Programa do Jô da Rede Globo - o Fala
Que Eu Te Escuto cumpre uma importante finalidade que é a de “assegurar visibilidade
às igrejas, em meio à diversidade religiosa do país”. (Carranza, 2011, p.198). Dito de
outra forma, o tele-evangelismo é um investimento indispensável do ponto de vista
institucional, pois é uma maneira de marcar presença em um cenário religioso cada vez
mais plural e competitivo.
Diferentemente de grande parte dos programas tele-evangélicos que dão ênfase
ao discurso verbal em detrimento da imagem, o Fala Que Eu Te Escuto possui uma
4Tentamos obter junto à Rede Record de Minas Gerais a audiência oficial do programa Fala Que Eu Te Escuto, mas a solicitação nos foi negada.
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produção mais rebuscada, em que o papel sedutor da imagem é bastante explorado.
Num olhar pouco atento, apresenta-se ao telespectador como um programa secular, com
todos os ingredientes típicos de um espetáculo televisivo.
SEGUNDA PARTE: A ANÁLISE DO PROGRAMA
2.1 - Demonização do cotidiano
De acordo com Brenda Carranza (2011, p.212), “no atual campo religioso
brasileiro, o demônio é a etiologia de todos os males que a humanidade enfrenta e o
responsável por todas as mazelas pessoais e sociais presentes e passadas”. E ele está por
toda parte, podendo habitar tanto o exterior, ou seja, a sociedade, quanto o interior da
pessoa.
O maligno, uma das muitas expressões utilizadas para se referir ao demônio, é
um denominador comum do “catolicismo midiático” (ibidem) e do neopentecostalismo.
As duas propostas religiosas aceitam a existência do diabo e de seus emissários e
acreditam que o mal que deles emana está por toda parte. O que vai diferir nos
programas tele-evangélicos é a forma de abordagem, podendo ser mais ou menos
explícita.
Anteriormente, os programas da IURD lançavam mão de rituais de exorcismo e
sessões de descarrego. Gradativamente, essas cenas foram deixando de fazer parte dos
mesmos, tendo em vista a atingir um maior número de pessoas. Nas produções atuais, o
demônio aparece de modo subliminar, através das reportagens que funcionam como um
elemento neutro, ou mesmo das mensagens dos pastores nas quais ele é apenas
mencionado. Recorrendo a uma expressão popular, poderíamos dizer que no programa
Fala Que Eu Te Escuto “o capeta aparece na forma de gente”. Ou de instituições. Ou até
mesmo das novas tecnologias.
O programa “Trabalho da Polícia” (12/03) inicia com uma reportagem cuja
primeira parte aborda a prisão de um pedófilo, certamente um dos tantos emissários do
diabo. O off do repórter explica como ele agia: “José Álvaro exigia que as meninas
fizessem sexo em troca de dinheiro”. Mas conforme a reportagem, graças ao trabalho de
rastreamento da polícia, ele foi localizado: “A investigação incluiu a gravação de
conversas telefônicas autorizadas pela justiça. José Álvaro negou os crimes, mas a
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equipe do delegado Zacarias já havia juntado provas suficientes para prendê-lo”
(Trabalho da Polícia, 2012). Pelo menos desse demônio foi possível se livrar por uns
tempos.
No programa “Golpistas 171” (20/03) outros demônios surgem encarnados na
figura de criminosos que aplicam vários tipos de golpes. A vinheta de abertura traz, em
letras garrafais, a palavra: Armadilhas. Nos termos de Zygmunt Bauman (2005, p.75),
poderíamos dizer que as pessoas estariam diante “do incontrolável cortejo dos perigos
camaleônicos”.
Esses seres endemoninhados, onipresentes, podem estar espreitando clientes
ingênuos que utilizam os serviços de atendimento vinte e quatro horas dos bancos para
lhes aplicarem golpes, como aquele em que a vítima, após ser ludibriada, entrega seu
cartão magnético e revela sua senha. A primeira reportagem desse programa, realizada
na zona Leste de São Paulo, abordou especificamente esse tipo de golpe, muito comum
nos dias atuais.
O diabo pode vir também na pele de prostitutas que, não satisfeitas em realizar
seu trabalho, aplicam nos clientes o golpe do “Boa noite, Cinderela”, em que durante o
encontro, após dopá-los, roubam-lhes praticamente todos os pertences, só lhes deixando
com a roupa do corpo. A aplicação do golpe é mostrada com riqueza de detalhes na
segunda reportagem desse programa, feita em uma praça central da cidade paulista de
São José dos Campos.
Quem poderia imaginar que o maligno pode se travestir de empresário e lesar
jovens num dos dias mais especiais de suas vidas: o da formatura? É o que mostra a
reportagem sobre uma firma de eventos que descumpriu o contrato e deixou os
formandos na mão justamente na hora do baile. A abertura da matéria resume tudo:
A noite era para ser inesquecível. Duzentos e cinquenta estudantes do Ensino Médio estavam prontos para o baile de formatura, mas encontraram o local da festa com as portas fechadas. A alegria deu lugar à frustração. A festa acabou em frente à delegacia, todos em trajes de gala, mas revoltados. (Golpistas 171, 2012)
O demônio ataca também através das falsas empresas de crédito pessoal, que
oferecem o serviço, através dos classificados de um jornal, de forma vantajosa: juros
baixos e prazo de pagamento facilitado. Mas, no ato da contratação do empréstimo, os
representantes da empresa pedem aos clientes que, caso não possuam avalistas, que
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desde já deixem uma quantia para avalizar o empréstimo, como mostra um trecho da
reportagem: “Para cada dez mil, você paga oitocentos e cinco reais, o suporte, e eu já
deposito esse cheque na sua conta livre para saque imediato. Daqui a trinta dias, você
começa a pagar as prestações através do carnê em qualquer agência bancária” (Golpistas
171, 2012). Necessitada, a pessoa acabava se rendendo aos argumentos da falsa
financeira, como explica a sonora com um delegado da polícia civil: “Primeiro, eles
pediam um avalista com dois imóveis, depois pediam outro para dificultar. Como as
vítimas tinham dificuldade em conseguir, eles propunham o pagamento de um ‘seguro
fiança’ para elas”. (Golpistas 171, 2012)
Se anteriormente o veículo televisão era demonizado pelas denominações
religiosas, hoje essa demonização recai sobre as novas tecnologias, um perigo a mais
para a sociedade. A última reportagem do programa começa assim, no off do repórter:
“No carro, no telefone, na Internet, sem perceber, as pessoas podem estar sendo vítimas
de um golpe” (Golpistas 171, 2012). De forma confusa, numa edição que nitidamente
reaproveita matérias antigas, são mostrados alguns tipos de golpes, como aquele
aplicado através do celular, em que o criminoso simula o sequestro de algum parente de
quem atende o telefonema, pedindo, em troca da libertação da vítima, pagamento em
dinheiro ou na forma de crédito para um número de celular indicado por ele.
Todas as matérias apresentadas durante o programa “Golpistas 171”, num olhar
mais superficial, parecem se enquadrar nos critérios de noticiabilidade5que pautam a
maioria dos telejornais, nos quais os alertas sobre golpes são recorrentes. Mas há
especificidades:
A pauta da mídia religiosa engloba tanto temas gerais de interesse que devem ser filtrados pela ótica institucional, quanto temas da própria instituição. Isso gera formas específicas de definição do que é ou deixa de ser notícia, diferentes das formas existentes. (Martino, 2005, p 97).
Portanto, o critério de escolha do que é ou não notícia deve necessariamente
coadunar com aquilo que a igreja crê e quer que o telespectador/fiel também creia.
Numa análise mais aprofundada, percebe-se que por trás da informação, do modo
5 O que deve ou não ser notícia? Ao tomar essa decisão, cada meio de comunicação particularmente, sobretudo em conformidade com sua linha editorial, leva em conta um conjunto de critérios de relevância, os quais definem a noticiabilidade (newswortness) de cada evento, isto é, a sua “aptidão” para ser transformada em notícia. (WOLF, 2012, p.195).
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espetacularizado como esses golpes são apresentados pelo programa, o discurso
iurdiano perpassado corrobora não só para que se creia no diabo, como também para a
sensação de que ele é ubíquo.
O mal a que se refere o programa Fala Que Eu Te Escuto tanto pode ser exterior
quanto interior, como já mencionamos. É o que buscou evidenciar o programa “Artistas
Esquecidos” (28/03), cuja tônica são artistas, especialmente músicos, que não souberam
lidar com o sucesso, com a fama e colocaram tudo a perder por estarem possuídos, já
que vícios e doenças, na concepção da IURD, são formas de possessão demoníaca.
O programa destaca a trajetória do músico Renato Rocha, ex-integrante da
Banda Legião Urbana – liderada por Renato Russo – que dos palcos foi descendo até
chegar às ruas do centro do Rio de Janeiro, onde vive como um mendigo. Como bem
ilustra um trecho da matéria: “Do estrelato a uma vida anônima nas ruas...”. O demônio
sempre rondou esse grupo musical, sucesso nas décadas de 1980 e 90, manifestando-se,
através dos vícios (principalmente bebidas e drogas ) e de uma vida desregrada.
Conforme Leonildo Campos, na teologia iurdiana,há um nexo causal entre
possessão e doença. A reportagem faz questão de lembrar, no off da repórter, que o pop
star Renato Russo “morreu aos 33 anos em decorrência da Aids, em 1996”. Não
satisfeito, o demônio voltou-se também para o xará Renato Rocha que, durante a
entrevista concedida à jornalista, embora tenha negado ser um dependente, admitiu ter
feito uso de algum tipo de droga: “Às vezes eu tomava um calmante, porque muita
gente, aí eu ficava nervoso e tomava um calmante” Artistas Esquecidos, 2012). No
entanto, a dificuldade em articular essa e outras respostas, bem como a aparência física
do contrabaixista que ajudou a emplacar sucessos como “Que país é este” e “Eduardo e
Mônica”, revelam a debilidade do músico em decorrência do uso de drogas.
Entrevistado pela reportagem na capital federal, onde reside, o pai do músico, Seu
Sebastião, não titubeou quando indagado sobre o motivo da degradação do filho:
“Foram as drogas, sem dúvidas, a mãe dele sempre tratou ele com muito carinho, todos
os irmãos e eu também. Ele nunca recebeu de nós repúdio. Mesmo com o problema de
drogas, a gente sempre procurou aconselhá-lo, entendeu...” (Artistas Esquecidos, 2012).
Mas o diabo parece ter soprado mais alto em seu ouvido.
O maligno costuma destruir lares fazendo com que homens e mulheres caiam em
tentação. No entanto, na opinião do bispo Edir Macedo: “Entre o sexo masculino e
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feminino, o feminino é mais maleável e suscetível de dar crédito ao diabo que o sexo
masculino”. A declaração, extraída de um house organ da IURD, o Folha Universal, é
citada por Campos (1999, p.444), ao analisar o papel da mulher na Igreja Universal. Em
consonância com o pensamento do líder espiritual da IURD, no programa “As Infieis”
(05/04), o foco principal foi justamente a infidelidade feminina. Nele, o maligno
também mostrou sua força ubíqua, podendo estar nos bares, nos forrós e até na Internet,
disfarçado em sites de relacionamento, atendendo pelo nome de Ohhtel. Segundo a
reportagem, esse é um site de relacionamento americano muito acessado no Brasil e
voltado para pessoas que querem ter relacionamentos extraconjugais. O off do repórter
afirma, sem citar a fonte e o período, que “Setenta mil pessoas se inscreveram no site,
o que é considerado um número recorde”. (As Infieis, 2012)
Na mesma matéria, o repórter relata que “No Brasil, em sete dias, sessenta e três
mil pessoas se cadastraram, número considerado alto se comparado a países como
Estados Unidos, China e Argentina” (As Infieis, 2012). Para ilustrar, a reportagem ouve
uma mulher que admite marcar encontros pela Internet, explicando que “alguns
encontros virtuais se transformam em casos, como o que eu já tenho há três anos.” (As
Infieis, 2012).
Em outra reportagem sobre o mesmo tema, entrevista-se a proprietária de uma
lan house, a qual mostra a face demoníaca da Internet contanto que seus clientes “se
comunicam pela webcam com mulheres que se exibem em frente à câmera tirando a
roupa e, o que é pior, eles chamam os outros rapazes que estão lá para ver, inclusive
eu.” (As Infieis, 2012). A mesma visão é compartilhada por outro entrevistado, um
psicólogo que argumenta que o anonimato e a rapidez da Internet propiciam e
estimulam a traição. “O envolvimento começa no plano virtual e pode se desenvolver no
plano real.” (As Infieis, 2012).
Essa mesma reportagem apresenta o depoimento de um homem que diz ter caído
na tentação do diabo virtual, ao se envolver com uma mulher casada que conhecera pela
Internet. A chamada da matéria dizia: “Homem descobriu que a nova namorada que
encontrou na Internet era casada e tinha filhos” (As Infieis, 2012). Na entrevista
concedida ao repórter, ele declarou: “Quando a pessoa procura a Internet é que ela já
não está mais satisfeita com alguma coisa na relação dela” (As Infieis, 2012). Ou seja,
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na visão dele, o próprio fato de usar a Internet já é um indício de que a pessoa estaria
disposta a trair.
Outro local demoníaco apontado pelo programa foram as casas de forró. A
última reportagem, realizada na Feira de São Cristóvão no Rio de Janeiro, teve como
fundo musical o refrão “Quem é o gostosão daqui sou eu, sou eu” (Cris Cabana). O
texto do repórter diz: “O chamego do forró pode ser a desculpa para o começo de uma
traição” (As Infieis, 2012). A imagem que se segue mostra um casal dançando bem
agarrado, mas sugere tratar-se de um homem comprometido. “O gostosão”, no caso. Na
ótica desse programa da IURD, a traição masculina é mais desculpável que a feminina,
como atesta a fala de uma terapeuta sexual entrevistada: “O homem trai sem uma razão
específica. A traição masculina pode ser uma resposta do hormônio” (As Infieis, 2012).
O demônio nunca esteve tão solto quanto no programa “Baladas Noturnas”
(13/04) tratadas pela produção como se fossem o próprio inferno. Os textos, as imagens
e as músicas apresentadas, bem como outros recursos sonoros e visuais utilizados nas
matérias, corroboraram para causar nos telespectadores essa impressão. As principais
manifestações demoníacas mostradas pelo programa foram a promiscuidade sexual, o
exibicionismo, o uso de bebidas alcoólicas e de outras drogas e os bailes funks –
considerados,não só pela IURD, mas por várias denominações religiosas evangélicas,
verdadeiras moradas do diabo.
Um dos trechos da primeira matéria, gravada em uma danceteria diz assim:
“Azaração, beijo na boca, curtição, essas e outras imagens revelam o que na opinião da
galera é uma balada boa demais” (Baladas Noturnas, 2012). Em seguida, entra uma
sonora com um “baladeiro da noite” – termo usado pela repórter - que pergunta: “O que
você procura num sábado à noite?”. O rapaz responde em tom irônico: “Diversão,
mulher”. (Baladas Noturnas, 2012).
A reportagem prossegue nessa linha no off da repórter: “Enquanto alguns
buscam apenas entretenimento ou uma namorada, outros querem muito mais. E para
isso um combustível parece ser indispensável” (Baladas Noturnas, 2012). As imagens
utilizadas pela edição mostram jovens dançando e, ao mesmo tempo, consumindo
bebidas alcoólicas no gargalo. A jornalista entrevista alguns jovens. Um deles, com uma
garrafa na mão, vai logo dizendo: “Pior que é neste ritmo que eu vou até o final”
(Baladas Noturnas, 2012). O outro ironiza: “Toma um golinho pra você ficar que nem
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nós” (Baladas Noturnas, 2012)., oferecendo a bebida à profissional. Um terceiro rapaz
levanta o copo para a câmera e explica em voz alta: “Aqui é bombeirinho, que é pra
chegar lá dentro já no grau” (Baladas Noturnas, 2012). Para completar, entra sonora
com duas jovens que praticamente gritam com os copos nas mãos: “Isso aqui é o meu
café da manhã...” (Baladas Noturnas, 2012).
Mais à frente, a repórter volta a mostrar, em seu texto, que as baladas não
acontecem sem bebidas alcoólicas: “Mas afinal, essa alegria depende mais do ambiente,
dos frequentadores ou é a bebida que faz a noite ficar boa. Ou, quem sabe, é a noitada
boa que faz a pessoa beber? Quem é baladeiro tem a resposta na ponta da língua”
(Baladas Noturnas, 2012). A resposta vem na forma de um sobe-som com um trecho do
hit “Balada Boa”: “[...]Dançar, pular, que hoje vai rolar/Tchêtchererêtchêtchê/
Tchêtchererêtchêtchê/Gustavo Lima e você [...].”(Baladas Noturnas, 2012).
A próxima reportagem inicia com um sobe-som do refrão da música “Zuar e
Beber” (Marquinhos Maraial e Luizinho Lino) interpretada pelo cantor Leonardo, cuja
imagem aparece na matéria. O off da repórter sugere que a música faz apologia à
bebida: “Muitas vezes a bebida alcoólica vira refrão de música e conquista multidões. O
mais novo sucesso das rádios deixa claro. Uma boa balada tem que ter uma boa bebida”
(Baladas Noturnas, 2012). Completando a frase, entram imagens de pessoas dançando e
se embebedando ao som de outro hit do momento: “É tenso” (Fernando e Sorocaba): “É
meu defeito/eu bebo mesmo/beijo mesmo, pego mesmo/e no outro dia nem me lembro/
É tenso...”.
Numa terceira reportagem sobre as baladas, o repórter faz a seguinte abertura:
“A gente logo percebe que eles não vieram aqui só para dançar.” (Baladas Noturnas,
2012). As imagens editadas na sequência mostram um rapaz beijando na boca de várias
moças. O jornalista deixa a imparcialidade de lado e comenta in loco: “Meu Deus, o que
é isso? Estou chocado!” (Baladas Noturnas, 2012). Para finalizar a matéria, é utilizada
uma entrevista com uma senhora (não identificada) em um consultório que faz o
seguinte comentário: “Nunca a política do corpo foi tão grande quanto agora, e a balada
é um grande teste de aprovação” (Baladas Noturnas, 2012).
Para a maioria das igrejas evangélicas, os bailes funks representam a própria
morada do diabo, pois neles tudo é permitido. Essa permissividade é combatida por elas
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através dos meios de comunicação de que dispõem. O programa “Baladas Noturnas”
dedica uma parte expressiva a esses locais infernais, como mostra a matéria a seguir:
Off do repórter:Aqui no Rio de Janeiro o funk é a principal diversão dos jovens [...]. Nos finais de semana, as pistas ficam lotadas. A garotada que embarca na viagem do funk sabe bem o que quer. Sonora com uma frequentadora: Muita curtição, muita dança, gatinhos... Pergunta do repórter: Sem limites? Sonora: Praticamente (risos). Pergunta do repórter a um frequentador: Os homens vêm com intenção de dançar ou pegar as meninas? Sonora: Pegar as meninas, é claro. (risos) Off do repórter: No baile, a diversão é quase sempre regada a muita bebida e muitos beijos. Eles começam aqui e nem sabem onde vão parar. Sonora com outro frequentador: a gente leva pro hotel, pra casa. (Baladas Noturnas, 2012).
Tão demoníacos quanto os bailes que acontecem em ambientes fechados são os
que acontecem nas ruas, que, além de tudo, infernizam a vida dos moradores do
entorno, como ilustra a reportagem apresentada pelo programa no bairro Itaim Paulista,
na zona leste de São Paulo:
Off do repórter: Aqui nesta região os moradores não têm sossego. Na praça, centenas de jovens se reúnem para o baile funk a céu aberto. O barulho é ensurdecedor. Sobe-som de uma música funk e de uma motocicleta acelerando. Off do repórter: As garotas se exibem ao som do funk e bebem também com este ritmo (entra imagens garotas dançando de shorts e miniblusas, com copos na mão).Enquanto isso, o garotos aceleram as motos para, digamos, retribuírem a exibição das meninas. Sobe-som de várias motos acelerando ao mesmo tempo. Off do repórter: A bagunça é generalizada. E repare aqui neste grupo de jovens: esse rapaz prepara um cigarro de maconha. (entra imagem em close de um jovem preparando a droga). Ou seja, som, bebidas e drogas. O caos dura a noite inteira. (Baladas Noturnas, 2012).
Depreendemos que todas essas reportagens editadas pelo programa Fala Que Eu
Te Escuto, ao demonizarem o cotidiano ao extremo, remete os telespectadores a um
estado de desorientação descrito por Anthony Giddens (1991, p.12), decorrente “da
sensação que muitos de nós temos vivenciado num universo de eventos que não
compreendemos plenamente, e que parecem, em grande parte estar fora de nosso
controle”. Dito de outra forma, o conteúdo desta produção da Igreja Universal provoca
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na assistência um sentimento de desalento, de impotência diante dos fatos, sobe o qual
discorrermos mais adiante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Até a década de 1980, quando mais de 91% dos brasileiros se declaravam
católicos conforme o censo, o Brasil vivia sob a égide de uma unicidade religiosa. O
Deus brasileiro oficial era católico, apostólico romano, ainda que coexistissem nos
bastidores da religião extraoficial entidades da Umbanda, do Candomblé e algumas
tímidas manifestações pentecostais. Assim sendo, o catolicismo estava amalgamado na
identidade religiosa nacional. Sua força se refletia em praticamente todos os campos da
vida social, como na arquitetura das cidades, onde sempre existia pelo menos um
templo católico em local privilegiado, e no comportamento das pessoas, que pautavam
suas condutas pelos dogmas católicos. Até a escolha da educação formal dos filhos
passava pelo crivo religioso, pois eram colocados em escolas confessionais.
A confortável situação em que se encontrava o catolicismo permitia pensar que o
país manteria para sempre o monopólio religioso e que o título de maior nação católica
do mundo pertenceria ao Brasil eternamente. Era de se supor que a identidade religiosa,
marcadamente católica, não sofreria fissuras, o que veio a ser desmistificado
estatisticamente pelo censo religioso, a cada década, e visivelmente pelas suntuosas
igrejas, atualmente com seus bancos vazios.
No epicentro dessa reviravolta havia algo bastante portentoso: os meios de
comunicação. Ainda que a mídia não tenha liquidado totalmente outras formas de
proselitismo religioso, indubitavelmente, de forma gradativa, passou a ocupar lugar de
destaque no campo de batalha pela conversão religiosa.
A utilização dos meios de comunicação como forma de propagar as novas
religiosidades constituiu, inquestionavelmente, um divisor de águas na formação
identitária religiosa brasileira. As igrejas que melhor souberam utilizar o sistema
midiático passaram a se destacar no cenário religioso, conquistando através dele
identidades descontentes com o descompasso do discurso católico em relação às novas
demandas espirituais.
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As igrejas neopentecostais não só captaram melhor essas demandas e adequaram
sua linguagem, como também tiveram a sagacidade de atendê-las para além dos
templos. De forma pioneira, levaram a religião para os espaços públicos, aportando-se
definitivamente no espaço midiático. Num primeiro momento, fizeram ecoar suas
mensagens pelo dial radiofônico e, mais tarde, pela televisão.
As denominações religiosas que se aperceberam da imprescindibilidade do
veículo, certamente deram um passo adiante na conquista de novos adeptos levando ao
pé da letra a mensagem bíblica “crescei e multiplicai-vos”. O caso mais emblemático
que se tem no Brasil desse entendimento é o da IURD, que tão logo surgiu fez do tele-
evangelismo um de seus principais aliados. Resultado: em meio ao intenso trânsito
religioso que ocorre hoje no Brasil, ela ainda consegue manter-se sólida, estando entre
as maiores denominações pentecostais do país.
Os programas tele-evangélicos, ainda que de formas diferentes, ressignificam as
aflições humanas. O Fala Que Eu Te Escuto, através de suas reportagens que
privilegiam temas profanos, explora sobejamente a demonização do cotidiano como
recurso discursivo. No entanto, ao final do programa, seus pastores/âncoras sugerem aos
telespectadores que venham conhecer a Universal, apresentando, por meio de imagens
calorosas e de mensagens convidativas, templos acolhedores como alternativa a um
mundo hostil. “Fora: tempestades, furacões, ventos congelantes, emboscadas na estrada
e perigos por toda parte. Dentro: aconchego, cordialidade, chez soi, segurança e
proteção” (BAUMAN, 2005, p.65).
Mesmo se utilizando de uma lógica paradoxal, o programa Fala Que Eu Te
Escuto configura-se como um importante elo entre o potencial fiel e a instituição
religiosa. Fazendo da sedução e da persuasão suas principais armas, busca converter
“notívagos desavisados” (re)converter“ ovelhas desgarradas”6 e fidelizar adeptos.
6 Os termos notívagos desavisados e ovelhas desgarradas foram utilizados pela antropóloga Karla Patriota, ao se referir aos telespectadores do programa Fala Que Eu Te Escuto,PATRIOTA, no artigo intitulado “Na era do entretenimento a doutrina é o espetáculo”, disponível em: http//ensipecom.metodista.br/mediawick/images/d/dcECLESIOCOM.
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Diante de tudo que foi exposto, depreendemos que esta produção televisiva da
IURD impacta as identidades religiosas em geral e corrobora para a consolidação de
uma identidade evangélica.
Referências
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BALADAS NOTURNAS. Fala Que Eu Te Escuto. São Paulo: Rede Record, 13 de abril, 2012. Programa de TV.
GOLPISTAS 171. Fala Que Eu Te Escuto. São Paulo: Rede Record, 20 de março, 2012. Programa de TV.
INFIEIS, AS. Fala Que Eu Te Escuto. Rio de Janeiro: Rede Record, 05 de abril, 2012. Programa de TV.
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PÁSCOA DA RESSURREIÇÃO. Direção Espiritual. Cachoeira Paulista (SP): Rede Canção Nova, 04 de abril, 2012. Programa de TV
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