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Page 1: Quem precisa da banda quando pode obter financiamento da multidão que está online?

A1 Tiragem: 51029

País: Portugal

Period.: Diária

Âmbito: Informação Geral

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Corte: 1 de 1ID: 36654111 24-07-2011

Quem precisa da banca quando pode obter fi nanciamento da multidão que está online?O crowdfunding ganhou força com o colapso dos mercados e a falta de liquidez dos bancos. Chegou fi nalmente a Portugal com dois novos projectos

Ana Rute Silva

a A “culpa” talvez tenha sido dos Marillion, banda britânica que em 1997 deixou de ter dinheiro para pa-gar uma tournée nos Estados Unidos. Mark Kelly, teclista, deu a má notícia aos fãs na Internet e o resultado foi surpreendente: 60 mil dólares (cerca de 41 mil euros) chegaram às mãos da banda graças a donativos. Problema resolvido.

Mais de uma década anos depois, o fenómeno do crowdfunding – ac-ção de cooperação colectiva em que pessoas fi nanciam online iniciativas e projectos que podem ser lucrativos ou não – ganhou força com o colapso dos mercados e a falta de dinheiro da banca. Mobiliza centenas de sites e milhares de pessoas em todo o mun-do e chegou fi nalmente a Portugal pela mão de duas novas empresas, a Orange Birds e a Massivemov.

A Orange Birds lançou o seu site no início de Julho e espera “com en-tusiasmo” reacções e sugestões. Na plataforma PPL (abreviatura em in-glês de pessoas, em www.ppl.com.pt) será possível encontrar projectos de empreendedores de áreas que po-dem ir desde o cinema a aplicações para telemóveis.

Paulo Silva Pereira, consultor de serviços fi nanceiros durante 13 anos na Accenture, Yoann Nesme, enge-nheiro de sistemas electrónicos que fez carreira na Microsoft, Pedro Do-mingos, que passou pela Capgemini e Timwe, e Pedro Oliveira, investiga-dor e professor auxiliar na escola de Gestão e Economia da Universidade Católica, conheceram-se durante o The Lisbon MBA e apaixonaram-se “pelos temas de colaboração colec-tiva e pelo potencial de inovação que existe em cada indivíduo”.

Com o PPL, querem apoiar pro-jectos e ideias “onde quem contri-bui é gratifi cado através de prémios criativos e participações no projecto ou ideia”, referem, numa resposta conjunta, enviada por e-mail. Resu-mindo, um apoiante escolhe a ideia que mais lhe agrada, faz o seu dona-tivo fi nanceiro – sem limite mínimo nem máximo – e, em troca, recebe uma recompensa. Se o projecto em causa é para apoiar a encenação de uma peça de teatro poderá receber um convite para assistir à estreia, por exemplo.

O PPL cobra uma comissão de cin-co por cento, mas apenas nos pro-jectos que conseguirem obter o total do fi nanciamento pretendido. Caso o montante defi nido pelo promotor não for atingido dentro de um prazo previamente estabelecido, os apoian-

tes recebem todo dinheiro de volta. A comissão do PPL serve para “promo-ver o crowdfunding em Portugal”.

“Faltam incentivos ao empreende-dorismo, nomeadamente a projectos pequenos e médios que consigam ul-trapassar as actuais barreiras rígidas ao fi nanciamento e à iniciativa em ge-ral”, defendem os empreendedores, que preferiram não avançar dados concretos do investimento que fi ze-ram no lançamento do negócio.

Alternativa às burocraciasNo Porto, o Massivemov começou pelo Facebook e também já está on-line. O site (www.massivemov.com)

estreou dia 7 de Julho já com projec-tos específi cos. Gabriela Marques, 32 anos, e João Marques, 34 anos, vende-ram recentemente a Pecofi l, empresa que detinham no sector do comércio de combustíveis, e decidiram investir 20 mil euros na criação da plataforma colaborativa.

“Estamos em tempos de crise e esta tem de ser contornada com no-vas formas de empreendedorismo. Todos podem ter uma oportunidade de concretizar os seus projectos atra-vés do fi nanciamento cooperativo”, defende Gabriela Marques. O Massi-vemov, continua, é uma alternativa “às burocracias e difi culdades”. O

site será gerido como uma empresa, mas não cobra qualquer comissão pe-los valores angariados. A intenção é conseguir um patrocinador ofi cial e exclusivo.

No Massivemov os donativos co-meçam a partir dos cinco euros e o pagamento será feito através do sis-tema Paypal. “É a única plataforma que permite que os apoiantes façam uma promessa de pagamento”, ex-plica Gabriela Marques. O valor só é debitado na conta Paypal de quem apoia se o projecto conseguir, pelo menos, 80 por cento do fi nanciamen-to pretendido.

“Um dos projectos que temos é o de duas pessoas que constroem mobiliário em cartão. Em troca de financiamento dão descontos na aquisição do produto ou uma pe-ça de mobiliário, dependendo dos montantes”, conta Gabriela. Tam-bém há um designer que quer lançar uma linha de T-shirts e uma quinta no Douro que precisa de um forno para cozer barro.

Pedro Oliveira, professor de Paulo, Yoann e Pedro no MBA onde todos se conheceram, tem vindo a investi-gar o papel do utilizador no processo de inovação e no fi nanciamento de novos projectos, e há pouco tempo apresentou o seu trabalho na NASA. Em tempos de contracção fi nancei-ra, também a prestigiada instituição procura novas formas de obter capi-tal. Em conjunto com Miguel Pina e Cunha, professor na Universidade Nova de Lisboa, identifi cou 183 pla-taformas de crowdfunding em todo o mundo, desenvolvidas por utiliza-dores das redes sociais.

“A multidão pode ser uma melhor fonte de apoio fi nanceiro do que as formas tradicionais”, dizem os inves-tigadores, num estudo que ainda está em fase de elaboração sobre o nas-cimento e desenvolvimento deste fenómeno.

O que começou como uma forma de fotógrafos, realizadores de cine-ma, músicos e outros artistas anga-riarem capital para os seus trabalhos artísticos, depressa se estendeu a ou-tros sectores. E “foram os utilizadores que criaram todo um novo sector que cada vez mais compete com os servi-ços fi nanceiros e a banca”, notam.

Há três formatos de crowdfunding: apoio a projecto onde quem contri-buiu recebe uma recompensa através de prémios (é o caso do PPL e do Mas-sivemov); empréstimos de pessoas a pessoas, com um lucro fi nanceiro predefi nido (como a britânica Zopa) e, fi nalmente, investimento em troca de uma participação na empresa, lu-cros ou partilha de receitas.

A Internet pode ser um meio de obter financiamentoKIM JAE-HWAN/AFP

“Estamos emtempos de crisee esta tem de sercontornada comnovas formas deempreendedorismo”

De Barack Obama à compra de um satélite

a Barack Obama usou como ninguém o potencial da multidão para fazer campanha. Angariou quase 750 milhões de dólares através da Internet, a maioria em pequenas quantias, contam os investigadores Pedro Oliveira e Miguel Pina e Cunha. Mas há centenas de outras iniciativas deste tipo.

A Kickstarter é uma referência no campo do crowdfunding e entre Abril de 2009 e Março deste ano já deu voz a 20.371 ideias de artistas. No total, os donativos ultrapassaram os 53

milhões de dólares e a maior fatia foi para a realização de fi lmes. Outro exemplo é o da compra de um satélite. A ONG “A Human Right” acredita que o acesso à Internet pode ajudar muitas pessoas em todo o mundo. E viu uma oportunidade para levar a Net a mais países quando a empresa que detinha o satélite Terrestar-1 foi à falência. Precisam de 150 mil dólares, numa primeira fase, para o comprar e já conseguiram reunir 63.596 dólares, doados por 1158 pessoas.

Este fenómeno também é um desafi o para os reguladores dos mercados de capitais. Recentemente, a norte-americana Securities and Exchange Commission (SEC) já admitiu que quer facilitar a vida às empresas que recorrem a estas plataformas. Nos conceitos em que o donativo tem como recompensa a participação no capital da empresa, a SEC entende que é preciso estudar regras menos rígidas, actualmente aplicadas ao mercado bolsista.

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