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N A C I O N A LFernanda Lopes* e Rachel Quintiliano**1
A Constituição Federal de 1988 conferiu à saúde o estatuto de direito fundamental, obrigando o
Estado a prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. Com base na lei, as políticas
sociais e econômicas devem promover a redução do risco de doença e de outros agravos, o acesso
universal e eqüânime às ações e aos serviços, além de cuidado e assistência integrais (Brasil, 1988).
O caráter universal, indivisível, indissociável e interdependente dos direitos humanos
atrela a promoção e a efetivação do direito à saúde ao direito de não ser discriminado; de ter
acesso a uma educação de boa qualidade; ao trabalho e ao emprego decentes – adequada-
mente remunerados, exercidos em condições de liberdade, eqüidade e segurança, capazes de
garantir uma vida digna a todas as pessoas que deles dependem; à segurança nutricional; à
alimentação e ao meio ambiente saudáveis; à moradia digna; ao desenvolvimento; ao lazer; à
cultura; à livre orientação e expressão sexuais; à segurança etc. É em função disso que se
reconhece a saúde como um conjunto de condições integrais, individuais e coletivas, influen-
ciado por fatores sociais, econômicos, políticos, ideológicos, ambientais e culturais.
e o direito
humano à saúde
Racismo
institucional
1 Agradecimentos: à Luiza Bair-ros, assessora do Pnud para oPCRI; Mônica Oliveira, consulto-ra do PCRI em Recife; aos(às)integrantes do comitê consulti-vo do PCRI-Saúde; aos coorde-nadores, coordenadoras emembros das equipes-base doPCRI nas prefeituras de Recifee Salvador e do GT-Racismo noMPPE; às organizações e redesda sociedade civil e demaisparceiros e parceiras.
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As vias pelas quais esses fatores influenciam oprocesso saúde-doença são múltiplas, assimé-tricas e diferenciadas. Dependem das condiçõese características das pessoas e, por conseqüên-cia, dos grupos populacionais; das condições,características e dinâmicas presentes no territó-rio onde elas vivem e da forma como elas sevêem e são vistas nesse mesmo território. Por-tanto, a promoção e a efetivação do direito hu-mano à saúde prescinde, entre outros fatores,do não-isolamento dos sujeitos uns dos outros,do seu ambiente e do seu observador (seja aquelee aquela que estuda ou pesquisa, toma as deci-sões, planeja as ações, gerencia os serviços ou éresponsável direto pela educação preventiva, ocuidado e a assistência).
Considerando que no Brasil, e em ou-tros países da América Latina, os espaços soci-ais e econômicos são definidos e demarcadostendo por base a origem geográfica, a históriafamiliar, as trajetórias individuais, os traços e osvalores culturais; a educação formal, a ocupa-ção, a renda, o local, o tipo ou a condição demoradia; a idade, a orientação sexual, a identi-dade e a expressão de gênero, mas, sobretudo,o sexo e a cor da pele dos sujeitos, é essencialcompreender que a promoção e a efetivaçãodo direito humano à saúde depende, dentreoutras questões, do reconhecimento e do en-frentamento dos preconceitos, dos estereóti-pos, das fobias (homofobia, lesbofobia,transfobia e xenofobia), das intolerâncias e dadiscriminação direta ou indireta; da redução dasdesigualdades socioeconômicas e, principal-mente, do combate ao racismo e ao sexismo.
Sobre aparências e enganos
O racismo não é uma escolha, uma vontadeou uma opinião pessoal. Mais que um reflexo,é a justificação, um projeto, uma programa-ção social, uma ideologia. Como fenômenoideológico, o racismo submete a todos e a to-das, sem distinção, revitaliza e mantém suadinâmica com a evolução da sociedade, das
conjunturas históricas e dos interesses dosgrupos dominantes. Autoriza e naturaliza otratamento diferencial e desigual de um gru-po sobre o outro.
O racismo é condição histórica e trazconsigo o preconceito e a discriminação, afe-tando a qualidade de vida e de saúde da po-pulação negra nas diferentes fases do ciclo davida, pertencente a todas as camadas sociais,residente na área urbana ou rural de qualqueruma das macrorregiões do país. Reafirma-seno dia-a-dia pela linguagem comum, se man-tém e se alimenta pela tradição e pela cultura;influencia a vida, o funcionamento das insti-tuições, das organizações e também as rela-ções entre as pessoas.
Os pensamentos e os comportamen-tos individuais se inserem dentro de um con-texto mais amplo. Logo, todas as construçõesindividuais e coletivas são dependentes da lin-guagem, dos valores que ela comunica, deter-mina, reforça e mantém (Habermas, 1997).Nesse sentido, é nítido que a comunicaçãodeva ser assumida como um instrumento es-tratégico para subsidiar o processo de empo-deramento da sociedade civil, em especial da-queles e daquelas que estão em situação devulnerabilidade social e que experimentam asdesvantagens de acesso aos benefícios da açãogovernamental. Um dos desafios no processode apropriação da comunicação é, para alémde utilizá-la como instrumento de mobilizaçãoe ampliação da participação social, adotá-lacomo estratégica para influenciar tomadoresde decisão (e doadores) na formulação, im-plementação/execução de políticas pró-desen-volvimento com eqüidade.
Do ponto de vista institucional – queenvolve as políticas, os programas e as relaçõesinterpessoais –, deve-se considerar que as insti-tuições comprometem sua atuação quando dei-xam de oferecer um serviço qualificado às pes-soas em função da sua origem étnico-racial, dacor da sua pele ou cultura. Esse comprometi-mento é resultante do racismo institucional.
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• Saneamento – Segundo o Instituto Brasileirode Geografia e Estatística (IBGE), em 2004,90,4% dos domicílios particulares urbanos tinhamabastecimento de água. Desses, a maioria erachefiada por pessoas de cor branca (90% dosdomicílios chefiados por homens e 91,3% doschefiados por mulheres). Entre os domicílios che-fiados por mulheres negras, a proporção caía para87,1%; para os chefiados por homens negros,para 85,2% (Fundo de Desenvolvimento das Na-ções Unidas para a Mulher; Instituto de PesquisaEconômica Aplicada, 2006).
• Educação – Os dados da Pesquisa Nacional porAmostra de Domicílios (Pnad)/IBGE revelam que,em 2004, a taxa de analfabetismo entre os brasilei-ros e as brasileiras de 15 anos ou mais era de 11,4%.Para negros e negras, a taxa era de 16,2%; parabrancos e brancas, de 7,2%. Naquele ano, a popu-lação branca de 15 anos ou mais estudava, em mé-dia, 7,7 anos e a negra, 5,8 anos. Quando a análiseda média de anos de estudo foi feita por sexo e cor,observou-se que as mulheres, em geral, estudammais que os homens. Para as mulheres brancas, amédia era de 7,8 anos e para as negras, 6 anos;para os homens negros, 5,6 anos, e para os bran-cos, 7,6 anos. Quando se observa os dados relacio-nados ao ensino superior, as desigualdades são ain-da mais nítidas. Em 2004, 35,6% da populaçãobrasileira de 18 a 24 anos estava matriculada emuma instituição de nível superior. Entre pessoasbrancas, a proporção era de 37,3%; entre pessoasnegras, era de 4,9%. Em ambos os grupospopulacionais, a percentagem de mulheres era maiorque a de homens (Fundo de Desenvolvimento dasNações Unidas para a Mulher; Instituto de PesquisaEconômica Aplicada, 2006).
• Trabalho, renda e pobreza – Os diferenciais deremuneração entre homens e mulheres e entre apopulação branca e negra é uma das formas maispersistentes das desigualdades de gênero e de raça.Em 2004, a média de rendimento mensal para apopulação brasileira era de R$ 586,60. Para os ho-mens, a média era de R$ 692; para as mulheres,R$ 440,5 (cerca de dois terços do salário masculi-no). Para os negros, a média era de R$ 385,90 pormês contra R$ 760,90 dos brancos. Os dados evi-denciam a dupla discriminação experimentada pe-las mulheres negras. Enquanto as mulheres bran-cas recebiam, em média, 61,5% do salário doshomens brancos (R$ 561,70 contra R$ 913), asmulheres negras ganhavam 64,5% do salário doshomens negros (R$ 290,50 contra R$ 450,10) eapenas 32% do rendimento médio dos homensbrancos (Fundo de Desenvolvimento das NaçõesUnidas para a Mulher; Instituto de Pesquisa Econô-mica Aplicada, 2006).
Com base nos dados descritos pela mesma fontede informação e seguindo os critérios do IBGE –que considera pobre a pessoa cuja renda domicili-
ar per capita seja de até meio salário mínimo men-sal –, em 2004, 30,2% da população brasileirasituava-se abaixo da linha da pobreza. Entre os(as)brancos(as), essa taxa era de 19,5%, enquantomais que o dobro (41,7%) dos(as) negros(as) en-contrava-se na mesma situação. As diferenças seagravam no caso de indigência ou de extrema po-breza: enquanto 6,4% da população branca rece-bia mensalmente menos que um quarto do saláriomínimo per capita, esse percentual saltava para16,8% da população negra. Em 2004, entre os10% mais pobres da população, 71% eram pes-soas negras, índice que cai drasticamente para18,6% no grupo dos 10% mais ricos. Entreaqueles(as) que se encontravam no grupo do 1%mais rico da população, 11,3% eram negros e ne-gras e 86,8% brancos e brancas (Fundo de Desen-volvimento das Nações Unidas para a Mulher; Ins-tituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2006).
• Saúde – De acordo com as estatísticas da Secretariade Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, em2003, o risco de morte por doenças infecciosas eparasitárias era 60% maior para as crianças negrascom menos de 5 anos quando comparadas às bran-cas (Secretaria de Vigilância em Saúde, 2006). O Mi-nistério da Saúde também verificou que, em 2004,127.470 (12,5%) dos óbitos no Brasil ocorreram emdecorrência de causas externas. Aproximadamente40% desses óbitos tiveram como causa a agressão.A distribuição de óbitos por agressão segundo araça/cor foi de 17.590 para pessoas brancas (38%);24.325 para pessoas pardas (52,4%); 4.261 (9,1%)para pessoas negras e 219 (0,5%) para outros gru-pos. Cabe ressaltar que, em 2004, 72% das agres-sões ocorreram por uso de arma de fogo.
Sobre o acesso às ações e serviços de saúde, osdados da Pnad/IBGE revelam que, em 2004, 36,4%das mulheres brasileiras com 25 anos ou mais nun-ca haviam sido submetidas ao exame clínico de ma-mas. Ao desagregar os dados por raça/cor, obser-vou-se que a situação das mulheres negras era umpouco pior. Nesse grupo, 46,3% nunca haviam feitoo exame. Entre as brancas, a proporção caiu para28,7%. Com relação ao exame de colo de útero arealidade não é muito diferente. Em geral, 20,8%das mulheres nunca fizeram o exame. Entre asmulheres brancas, a proporção foi de 17,3%; entreas negras, de 25,5% (Fundo de Desenvolvimentodas Nações Unidas para a Mulher; Instituto de Pes-quisa Econômica Aplicada, 2006).
Embora haja um consenso de que as condições ecircunstâncias socioeconômicas adversas contribuampara um pior quadro de saúde de grupos étnico-raciais não-brancos (Workshop Interagencial deSaúde da População Negra, 2001), é certo que essequadro seja influenciado pelos efeitos mais diretosdo racismo e das experiências subjetivas de discri-minação racial (Ver Batista, 2004; Faerstein, 2005;Chor e Lima, 2005; Lopes, 2005; Ayres, 2007).
Desigualdades de gênero e raça
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Em todas as partes do mundo, a efici-ência e a eficácia do cuidado em saúde variamde acordo com as condições socioeconômicasdo sujeito, o lugar onde vive, a qualidade dosequipamentos sociais que tem acesso, a sen-sibilidade, a humanização e o compromissoético da equipe de profissionais pela qual éatendido (Lopes, 2005).
Se assumimos que as práticas de saúdeestão inseridas num contexto sociohistórico,cultural e político, e são respaldadas pela ideo-logia que perpassa esse contexto, devemos as-sumir que o cuidado, como qualquer outra ati-vidade humana, tende a ceder espaço paraatitudes negativas e inadequadas (cruéis em suaconcepção e execução).
Ainda que não haja a intenção, práti-cas discriminatórias, indesejáveis e antiéticasfazem parte da rotina das instituições e daspessoas que nelas atuam. Como descrito naliteratura, muitos(as) profissionais, adep-tos(as) da justiça e da eqüidade, contribuem,contraditoriamente, para violações sistemá-ticas de direitos (Van Ryn e Fu, 2003). Parafacilitar a compreensão e reflexão do públi-co leitor, resgatamos alguns relatos de usuá-rios e usuárias dos serviços de saúde (públi-cos e privados):
Não volto naquele médico. Ele per-guntou várias vezes se eu tinha to-mado banho, parecia que estava comnojo de colocar a mão em mim (MJ,25 anos, negra, após ter sido aten-dida num serviço público da rede doSistema Único de Saúde – SUS).
Um dia, JC (engenheiro de 52 anos)começou a ter dores horríveis no ab-dômen e nas costas e procurou umaunidade conveniada ao seu plano desaúde suplementar. A primeira per-gunta feita pelo médico que o aten-deu foi: ´O que você bebeu hoje?´Segundo sua esposa (psicóloga, tra-balhadora da saúde, membro do pri-meiro escalão), ele estava transtorna-do de dor e o médico achou queestava bêbado. Como JC não bebia,o casal foi procurar um médico co-nhecido. O profissional amigo man-dou internar imediatamente, diag-nosticou e tratou o cálculo renal.
A discriminação direta ou indireta seopõe à solidariedade, ao acolhimento, àhumanização, à escuta e à prática educativa.
Perpetua e legitima as assimetrias das rela-ções de poder, pois aqueles(as) que detêm opoder e têm interesse em manter o seu statusquo justificam as ações e os procedimentosdiscriminatórios como a única possibilidade“racional” para responderem o interesse docoletivo ao qual pertencem.
Os atos de racismo e a discriminaçãorac ia l ex i s tem independentemente daaceitabilidade do termo raça (neo-racismo).Nesses casos, de acordo com KabengueleMunanga (1996), Jean Rahier (2001), Mar-ce lo Pa ixão e Fe r-nanda Lopes (2007),a linguagem das víti-mas de racismo é uti-lizada para confundire esvaziar o conteú-do de suas reivindica-ções e para manter ospadrões de hierarqui-zação social.
Nesse sentido,um dos desafios quea nós se apresenta éincentivar o setor pú-blico brasileiro, as or-ganizações multilate-rais e as instituições fi-nanceiras internacio-nais a reconhecerem oracismo e o racismoinstitucional comofortes determinantesdas desigualdades,das vulnerabilidades,da exclusão e/ou dainclusão social des-qualificada, da con-centração de renda edo recrudescimentoda pobreza. Essas sãoalgumas das questõesdecisivas a serem con-sideradas em buscado desenvolvimentocom eqüidade.
Outro desafio é o de avaliar se háefetividade na oferta de um serviço comum paratodos (que inclui tratamento igual para mulhe-res e homens, negros e não-negros, nas váriasfases do ciclo da vida). Isso requer maior clare-za quanto ao princípio da eqüidade e maiorconfiança no desenvolvimento de ações dife-renciadas e/ou específicas, mais importantesque uma excessiva preocupação com o fato de
Se assumimos que
as práticas de saúde
estão inseridas num
contexto
sociohistórico,
cultural e político,
devemos assumir
que o cuidado,
como qualquer
outra atividade
humana, tende a
ceder espaço para
atitudes negativas
e inadequadas
RACISMO INSTITUCIONAL E O DIREITO HUMANO À SAÚDE
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que isso possa significar tratamento especialpara negros e negras ou outros grupos histo-ricamente discriminados.
O caso brasileiro
A idéia de se formular e implementar o Pro-grama de Combate ao Racismo Institucio-nal (PCRI) nasceu durante a fase preparató-ria para a III Conferência Mundial contra oRacismo, a Discriminação Racial, a Xenofo-bia e todas as Formas Correlatas de Intole-râncias, realizada em 2001, na cidade deDurban, África do Sul.
Naquela oportunidade, a significativamobilização e participação da sociedade civilampliou o debate público sobre a questãoracial e intensificou as discussões sobre comoo setor público poderia estabelecer compro-missos mais efetivos e continuados de pre-venção e combate ao racismo e às desigual-dades sociorraciais.
Nesse sentido, o PCRI buscou contri-buir para a mudança dessa realidade, apoian-do o setor público na identificação, no com-bate e na prevenção do racismo institucional.Também apoiou as organizações da socieda-de civil (grupos, movimentos e outros) a au-mentar sua participação na formulação e nomonitoramento das políticas públicas, em bus-ca da eqüidade.
As principais ações desenvolvidas peloPCRI precederam de sensibilização de dirigen-tes e gestores – por meio de encontros técni-cos, oficinas, seminários e reuniões de traba-lho – para a percepção e análise das práticasinstitucionalizadas de racismo.
Com a finalidade de desenvolver habi-lidades para identificar e subsidiar os(as)trabalhadores(as) na abordagem, na preven-ção e no combate ao racismo institucional nosetor público, foram definidas duas dimen-sões interdependentes e correlacionadas deanálise: a das relações interpessoais e a polí-tico-programática. A primeira diz respeito àsrelações que se estabelecem entre dirigentese trabalhadores(as), entre os(as) próprios(as)trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as)usuários(as) dos serviços.
A segunda dimensão – a político-programática – pode ser caracterizada pelaprodução e disseminação de informações so-bre as experiências diferentes e/ou desiguaisem nascer, viver, adoecer e morrer; pela ca-pacidade em reconhecer o racismo como umdos determinantes das desigualdades no
processo de ampliação das potencialidadesindividuais; pelo investimento em ações eprogramas específicos para a identificaçãode práticas discriminatórias; pelas possibili-dades de elaboração e implementação demecanismos e estratégias de não-discrimi-nação, combate e prevenção do racismo ede intolerâncias correlatas – incluindo a sen-sibilização e a capacitação de profissionais;pelo compromisso em priorizar a formula-ção e a implementação de mecanismos e es-tratégias de redução das disparidades e pro-moção da eqüidade (Programa das NaçõesUnidas para o Desenvolvimento; Ministériodo Governo Britânico para o Desenvolvimen-to Internacional, 2005).
A apreensão dessas dimensões e doconceito de racismo institucional possibilitamentender como, mesmo diante da negação daexistência do racismo, o Brasil alimentou (e ali-menta) tamanhas desigualdades entre brancos,brancas, negros e negras como atestam as es-tatísticas oficiais, os estudos e as pesquisas
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Glossário
• Eqüidade – Uma operação da justiça,é o princípio jurídico e político de con-ceder benefícios, no âmbito de uma po-lítica ou de uma prestação de serviços,a cada pessoa segundo suas necessida-des – considerando que as necessida-des podem ser, e geralmente são, dife-rentes – e canalizando mais atenção paraaqueles e aquelas que mais necessitam.O mesmo que tratar diferentemente osdesiguais.
• Racismo institucional – É o fracassodas instituições e das organizações emprover um serviço profissional e adequa-do às pessoas por causa da sua cor, cul-tura, origem racial ou étnica. Manifesta-se por meio de normas, práticas ecomportamentos discriminatórios adota-dos no cotidiano de trabalho, resultantesda ignorância, da falta de atenção, dopreconceito ou da incorporação e da na-turalização de estereótipos racistas. Emqualquer caso, o racismo institucionalsempre impõe a pessoas de grupos raciaisou étnicos discriminados situação de des-vantagem no acesso a benefícios geradospelo Estado, por instituições e organiza-ções públicas e privadas.
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(Programa das Nações Unidas para o De-senvolvimento; Ministério do Governo Bri-tânico para o Desenvolvimento Internacio-nal, 2005).
O PCRI organizou-se em dois compo-nentes inter-relacionados: saúde e municipal.O componente municipal apoiou a integra-ção de ações de enfrentamento ao racismoinstitucional, com base em experiências mu-nicipais de Salvador e de Recife, desenvolvi-das em diferentes setores, tais como educa-ção, saúde, cultura, igualdade de gênero,legislativo e justiça.
O componente saúde constituiu-senum estudo de caso sobre como o racismoinstitucional pode ser abordado setorialmen-te, de modo a permitir as necessárias liga-ções entre a política federal e seus desdo-bramentos nos estados e municípios. Opropósito desse componente foi contribuirpara a redução das iniqüidades raciais emsaúde, colaborando na formulação, na exe-cução, no monitoramento e na avaliação depolíticas de saúde no âmbito do SistemaÚnico de Saúde (SUS).
Nacionalmente, o PCRI se consolidoucomo resultado de uma parceria estabelecidaentre a Secretaria Especial de Políticas de Pro-moção da Igualdade Racial (Seppir), o Minis-tério Público Federal (MPF), o Ministério daSaúde (MS), a Organização Pan-americana deSaúde (Opas), o Ministério do Governo Britâ-nico para o Desenvolvimento Internacional(DFID), o Programa das Nações Unidas para oDesenvolvimento (Pnud) e diversas organiza-ções da sociedade civil.
Na esfera municipal, o PCRI contoucom as prefeituras de Recife e de Salvador ecom o Ministério Público de Pernambuco(MPPE) no papel de agências implementa-doras. Com elas, desenvolveu uma metodo-logia de identificação, combate e prevençãodo racismo institucional nas suas diversasformas de manifestação: nas relações entretrabalhadores e trabalhadoras, no atendi-mento ao usuário e à usuária e na ação polí-tico-programática.
A relação do PCRI com as organiza-ções da sociedade civil teve início já em 2001,quando ocorreu a consulta e a elaboraçãoda proposta do programa. Durante sua im-plementação, a sociedade civil tomou partedo PCRI de três formas: como membro decomitês consultivos, atuando no monitora-mento do programa e, ao mesmo tempo,oferecendo suporte político para a sua con-
tinuidade; como consultora, incorporandosuas experiências de enfrentamento do ra-cismo e do sexismo ao repertório de boaspráticas das agências implementadoras e dasinstituições parceiras; como protagonistadas ações que visam fortalecer o debate so-bre as políticas públicas.
RESULTADOS DO PROGRAMA
Componente Saúde
• Governo federal
Dentre os organismos do governo federal,o Ministério da Saúde foi o que mais avan-çou rumo à promoção da igualdade racial.Com a realização da XII Conferência Nacio-nal de Saúde, o MS deflagrou um processode formulação e implementação de açõesafirmativas em busca da eqüidade em saú-de. Em 2004, esse ministério instalou o Co-mitê Técnico de Saúde da População Negra(CTSPN) e realizou o I Seminário Nacional deSaúde da População Negra. Em 2005, incluiuno Plano Nacional deSaúde a perspectivada eqüidade étnico-racial. Em todos essesmomentos decisivos,o PCRI participou ati-vamente, viabilizan-do a mobilização so-cial e a presença deativistas e especialis-tas em saúde da po-pulação negra em es-paços decisór ios,dando assessoria téc-nica ou contratandoconsultores para isso.
O compromis-so de defender a vidae o SUS levou o médi-co Agenor Álvares,então ministro daSaúde, a reconhecerpublicamente a exis-tência do racismo eda discriminação raci-al nos serviços quecompõem a rede SUS.Isso foi em outubrode 2006, durante o IISeminário Nacionalde Saúde da Popula-ção Negra.
O componente
saúde constituiu-se
num estudo de caso
sobre como o
racismo institucional
pode ser abordado
setorialmente, de
modo a permitir as
necessárias ligações
entre a política
federal e seus
desdobramentos nos
estados e municípios
RACISMO INSTITUCIONAL E O DIREITO HUMANO À SAÚDE
14 DEMOCRACIA VIVA Nº 34
O processo de reconhecimento do ra-cismo, das desigualdades sociorraciais e doracismo institucional como determinantesdas condições de saúde, e de assumir seucombate e prevenção como desafios contem-porâneos do SUS, culminou com a formula-ção da Política Nacional de Saúde Integralda População Negra, aprovada por unanimi-dade no Conselho Nacional de Saúde em no-vembro de 2006.
• Governos estaduais, municipais
e serviços da rede SUS
Mesmo não tendo como objetivo principal aintervenção nas esferas estaduais e munici-pais, o PCRI construiu uma relação bastanteestreita com algumas secretarias de saúde eoutros órgãos, para desenhar estratégias co-muns de combate ao racismo institucionalnessa área. Três bons exemplos ocorreram nasSecretarias de Estado de Saúde de São Paulo
e do Rio de Janeiroe no Grupo Hospi-talar Conceição(GHC) do Ministérioda Saúde, localiza-do no município dePorto Alegre.
Em São Pau-lo, o PCRI deu apoiotécnico para a reali-zação do I e do II Se-minário Estadual deSaúde da PopulaçãoNegra e cooperouna formação do Co-mitê Técnico deSaúde da PopulaçãoNegra (CTSPN-SP).Instituído em marçode 2006, o CTSPN-SP tem como atri-buições acolher,analisar, avaliar eorientar a Secretariade Estado da Saúdeacerca das propos-tas advindas da so-ciedade civil, de ins-
tituições não-governamentais ou de outrosórgãos e setores do governo que tenhamcomo objetivo a promoção da eqüidade étni-co-racial na atenção integral à saúde.
No Rio de Janeiro, o PCRI contribuiu,prioritariamente, com o desenho e a execuçãode oficinas de sensibilização de profissionais
de saúde para a coleta e o registro do quesitocor. Essas oficinas visavam capacitar os profis-sionais de saúde para o cumprimento da Re-solução 2.879, de 2005, que determina a in-clusão e o preenchimento do campodenominado raça/cor nos sistemas de infor-mação em saúde.
A parceria estabelecida entre o PCRI eo GHC/MS em Porto Alegre teve como princi-pal objetivo ampliar o debate e dar visibilida-de aos impactos do racismo institucional naorganização e na oferta de ações e serviços.Nesse sentido, o GHC/MS tem investido nasensibilização e na capacitação de gestores eprofissionais de saúde para a identificação ea abordagem do racismo institucional e paraa utilização do quesito cor como instrumen-to de planejamento e de gestão.
• Sociedade civil
Além de assessorar o setor público no dese-nho e na execução de políticas de combateao racismo e na promoção da eqüidade raci-al, o PCRI estabeleceu uma relação bastantepróxima com algumas redes e organizaçõesda sociedade civil, no sentido de estimulá-lase apoiá-las no exercício do controle social(monitoramento e avaliação de políticas pú-blicas e programas de governo).
O PCRI apoiou a Rede Nacional de Reli-giões Afro-brasileiras e Saúde na realizaçãode seminários nacionais, encontros regionaise locais, bem como no desenvolvimento deoutros mecanismos de aproximação de sacer-dotes, sacerdotisas e membros das diferentescomunidades religiosas de matrizes africanascom pesquisadores(as), trabalhadores(as) egestores(as) da saúde e de outros setores, como objetivo de definir estratégias conjuntas esolidárias para a promoção da integralidade eda eqüidade na saúde, a defesa da vida e aqualificação do SUS. Além disso, o trabalho érealizado para que haja respeito e valorizaçãodas práticas e dos saberes tradicionais preser-vados nesses espaços religiosos. Desse inves-timento também participaram o Instituto OriApere (Rio de Janeiro) e o Grupo de Valoriza-ção do Trabalho em Rede (São Paulo).
A organização carioca de mulheres ne-gras Criola, com o apoio do Ministério da Saú-de e do PCRI, e em parceria com a ArticulaçãoBrasileira de ONGs de Mulheres Negras, RedeLai Lai Apejo e Rede Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde, capacitou lideranças detodo o país para o exercício do controle social,com ênfase na promoção da saúde integral da
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O PCRI estabeleceu
uma relação
bastante próxima
com algumas redes
e organizações da
sociedade civil, no
sentido de
estimulá-las e
apoiá-las no
exercício do
controle social
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população negra e no combate à intolerânciareligiosa. Com o objetivo de ampliar o debatesobre a importância do combate ao racismona promoção da saúde e na prevenção de do-enças e agravos, Criola, em parceria com ou-tras instituições, promoveu o Dia deMobilização Nacional Pró-Saúde da PopulaçãoNegra, em 2006 (a data eleita foi o dia 27 deoutubro). Essa mobilização alastrou-se por 20estados brasileiros. Participaram das ações eatividades centenas de pessoas, dezenas deorganizações, entidades de movimento sociale sindical e organismos de governo de diver-sos setores.
Outro parceiro importante do PCRI foio Instituto Amma Psique e Negritude, de SãoPaulo, sobretudo no desenvolvimento deuma metodologia de sensibilização e na for-mação de trabalhadores(as) e gestores(as)públicos da saúde e outros setores, para aidentificação, a abordagem, o combate e aprevenção do racismo institucional. A meto-dologia foi testada e validada durante o ci-clo de implementação do programa nas pre-feituras de Recife e de Salvador, no Ministé-rio Público de Pernambuco e em outrasorganizações governamentais sediadas emoutros estados da federação.
Também cabe destacar as ações depromoção do direito humano à saúde para apopulação negra apoiadas pelo PCRI eprotagonizadas por: Grupo Mulheres Negrasem União, de Minas Gerais; Koinonia Presen-ça Ecumênica e Serviço, do Espírito Santo; Ins-tituto Cultural Beneficente Stevie Biko, daBahia; Associação Civil de Assistência à Saú-de dos Servidores do Estado de Pernambuco;Instituto de Mulheres Negras do Amapá.
Componente municipal
A formalização do PCRI nas agências imple-mentadoras se deu em cinco etapas: apresen-tação do programa para a administração su-perior e expressão de interesse dessa em aderir;definição do setor responsável pela execução;assinatura de uma carta de intenções ou me-morando de entendimento; formação do gru-po intersetorial e da equipe base; e elabora-ção, execução, monitoramento e avaliação deum plano de trabalho.
A partir de 2004, com a assinaturados memorandos de entendimento e/ou ter-mos de cooperação técnica entre Pnud eDFID, teve início o primeiro ciclo de imple-mentação do programa.
Nas prefeituras de Salvador e de Reci-fe formaram-se grupos intersetoriais (GI),compostos por representantes de todas assecretarias, empresas e/ou autarquias da ges-tão municipal. Esses grupos foram respon-sáveis pela implementação do PCRI nessasprefeituras. No Ministério Público de Pernam-buco, a institucionalização do programa sedeu mediante a for-mação do Grupo deTrabalho contra a Dis-criminação Racial (GTRacismo).
• Prefeitura
de Recife
A implementação doPCRI no município deRecife teve início, em2004, com a assinatu-ra do memorando deentendimento com oPnud e o DFID. Em no-vembro de 2005, oprograma passou aser coordenado pelaDiretoria da Igualda-de Racial (DIR), da Se-cretaria de Direitos Hu-manos e Segurança Ci-dadã, e realizou açõesde sensibilização nasdiversas secretarias eempresas públicas mu-nicipais, prioritaria-mente nas áreas deeducação, saúde, tra-balho, cultura, legisla-tivo e justiça.
No setor saú-de, o Grupo de Traba-lho em Anemia Falci-forme (instituído naSecretaria Municipal de Saúde, em 2001, e emfuncionamento desde 2002), foi convertido,em 2005, em Grupo de Trabalho da Saúdeda População Negra. Em 2006, foi criada aGerência Operacional de Atenção à Popula-ção Negra, cuja primeira ação foi a formu-lação da Política Municipal de Saúde da Po-pulação Negra, aprovada no ConselhoMunicipal de Saúde, em outubro daqueleano. Seguindo as diretrizes descritas no Pla-no Nacional de Saúde, a Secretaria Munici-pal de Recife trabalha no aprimoramentoda coleta e do registro do quesito cor, na
Outro parceiro
importante do PCRI
foi o Instituto
Amma Psique e
Negritude, de São
Paulo, sobretudo no
desenvolvimento de
uma metodologia
de sensibilização e
na formação de
trabalhadores(as) e
gestores(as)
públicos da saúde e
outros setores
RACISMO INSTITUCIONAL E O DIREITO HUMANO À SAÚDE
16 DEMOCRACIA VIVA Nº 34
produção de estatísticas oficiais, no plane-jamento das ações e na organização dos ser-viços a partir dos dados desagregados porraça/cor.
• Prefeitura de Salvador
O PCRI foi implementado na Prefeitura Muni-cipal de Salvador em abril de 2005, após aassinatura do memorando de entendimentocom o Pnud, sob a coordenação da SecretariaMunicipal da Reparação (Semur).
Em Salvador, as ações foram desenvol-vidas nas áreas de educação, saúde, igualdadede gênero e assuntos jurídicos, principalmente
N A C I O N A L
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* Fernanda Lopes
Coordenadora das ações
de saúde do Programa
de Combate ao Racismo
Institucional e
representante da
Articulação Brasileira de
ONGs de Mulheres
Negras no Conselho
Nacional de Saúde
** Rachel
Quintiliano
Assessora de
comunicação do
Programa de Combate
ao Racismo Institucional
e integrante da Rede de
Mulheres no Rádio
nos marcos normativos e legais do exercíciodo poder público municipal, e gestão pública.Na área de gestão pública, as principais açõesforam as de sensibilização de dirigentes egestores(as) para a percepção de práticas ins-titucionalizadas de racismo.
Na saúde, cerca de 700 profissionaisforam capacitados para identificação, abor-dagem, combate e prevenção do racismo ins-titucional e para a coleta e o registro do que-sito cor. Nesse município também se destacaa iniciativa de inclusão da temática racial nasações de prevenção à violência durante o car-naval de 2006 e de 2007.
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JAN / MAR 2007 17
RACISMO INSTITUCIONAL E O DIREITO HUMANO À SAÚDE