REFLEXÕES SOBRE A IDENTIDADE DOCENTE E A HISTÓRIA E
FILOSOFIA DA CIÊNCIA NO ENSINO E APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS
Sérgio Camargo – UFPR1
Coordenador
RESUMO
Este painel tem por objetivo refletir sobre diferentes aspectos relacionados à identidade
profissional docente e a importância da história e filosofia da ciência para o ensino e
aprendizagem de ciências. Os três artigos que o compõem mostram de forma articulada,
clara e contextualizada pesquisas que discorrem sobre essas duas temáticas, sendo que
duas delas focam em aspectos teóricos metodológicos da História e Filosofia da Ciência
no Ensino de Ciências e a terceira se concentra no conceito de identidade docente na
formação inicial de professores de Física. Aquelas que tratam da história e filosofia da
ciência intitulam-se: ―A história e filosofia da ciência como transposição didática‖ e ―O
papel da história e filosofia da ciência na formação da identidade docente‖. Essa duas
pesquisas apresentam reflexões a respeito da forma de apresentação e construção da
ciência; do uso da Transposição Didática pela História da Filosofia da Ciência no ensino
de ciências numa tentativa de compreender a construção dos conhecimentos científicos
e sua mediação nos processos formativos; observam que a ciência é construída num
determinado contexto sócio-histórico-cultural; produz conhecimentos passíveis de
mudanças, portanto dinâmicos; mostram que a construção dos conhecimentos é
norteada por paradigmas que influenciam a observação e a interpretação dos fenômenos.
A terceira pesquisa tem como titulo ―Mudança paradigmática e identidade docente:
contribuições para uma formação docente reflexiva‖. Discorre sobre o conceito de
identidade apresentado como a consciência que uma pessoa tem de si mesma de forma
reflexiva, parte-se do pressuposto de que a profissão docente é caracterizada por um
conjunto de conhecimentos que o faz único enquanto educador defende a necessidade
de um processo reflexivo durante a formação profissional.
Palavras–chave: identidade docente, história e filosofia da ciência, ensino de ciências,
ensino de física, transposição didática.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4020ISSN 2177-336X
2
A HISTÓRIA E FILOSOFIA DA CIÊNCIA COMO TRANSPOSIÇÃO
DIDÁTICA
Luciana de Moraes Jardim – PPGECM/UFPR2
Tania T. Bruns Zimer – PPGECM/UFPR3
Resumo
A transposição didática (TD) torna-se relevante no processo educativo evidenciada pela
prática docente na comunidade acadêmica ou na comunidade escolar, sendo assim, cada
vez mais é necessário entender o processo de ensino-aprendizagem que se dá no âmbito
escolar. A História e Filosofia da Ciência (HFC) é uma forma de apresentação da
ciência resgatando os momentos históricos, politico e filosófico. O objetivo deste
trabalho é apresentar a História e Filosofia da Ciência como alternativa para a
transposição didática, em especial, aquela realizada no ensino de ciências. Neste artigo
realizou-se uma reflexão sobre a transposição didática, delimitando o estudo à
percepção de pesquisadores como Michel Verret, primeiro a mostrar a noção de
transposição didática, Yves Chevallard, o que sistematizou a teoria, Michel Develay e
Jean-Pierre Astolfi, que a ampliaram incluindo as práticas sociais de referência, os
níveis de formulação de um conceito e as tramas conceituais. Como também o estudo
sobre a História e Filosofia da Ciência como recurso metodológico, onde Anna Maria
Pessoa de Carvalho e Lucia Helena Sasseron, mostram que abordagens com História da
Filosofia e da Ciência podem contribuir para a aprendizagem do ensino de ciências.
Outros pesquisadores como Cachapuz mostram a preocupação com a mudança na
prática docente para a construção do conhecimento. Nos documentos oficiais brasileiros
relacionados à educação a preocupação com a construção da ciência também é
percebida, portanto a utilização de uma forma diferenciada nas aulas de ciências da
natureza se faz necessária e urgente para que os estudantes possam exercer de forma
consciente sua cidadania.
Palavras-chave: ensino de ciências. práticas sociais de referencia. História e Filosofia
da Ciência, prática docente.
1.INTRODUÇÃO
Essa pesquisa, de caráter qualitativo, foi realizada a partir de levantamento
bibliográfico sobre a Transposição Didática e a História e Filosofia da Ciência,
buscando compreender como essas duas vertentes educacionais podem convergir para o
processo de ensino e aprendizagem de conteúdos relacionados à ciência e para a
sistematização de entendimentos sobre o que vem a ser ciência, do ponto de vista do
aluno.
No texto apresenta-se a trajetória da transposição didática nas concepções de
Michel Verret, Yves Chevallard, Michel Develay e Jean-Pierre Astolfi. Cada
pesquisador esteve imerso em seu objeto de pesquisa tendo como resultados
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4021ISSN 2177-336X
3
contribuições relevantes no que se refere a educação pensando nos saberes e suas
possíveis transformações.
A transposição didática (TD) apresenta concepções diferenciadas e isso vai
mudando de acordo com o pesquisador que se envolve, pois cada um deles teve seu
momento de construção teórica, resultando em inovações na educação como um todo.
Percebe-se como a Transposição Didática está presente nos diferentes níveis de ensino,
pois, os saberes sofrem mudanças em sua trajetória de saber sábio a saber ensinado
pelos grupos sociais que os compõem e interferem em sua elaboração.
O objetivo deste trabalho é apresentar a História e Filosofia da Ciência como
alternativa de abordagem para a Transposição Didática no ensino de ciências tendo
como consequência a contribuição do experenciar docente e a formação de sua
identidade.
2. ORGANIZANDO OS MATERIAIS PARA PESQUISA
Para localizar as pesquisas que tratam sobre Transposição Didática fez-se uma
busca na internet com a palavra Transposição Didática e foi encontrada a tese de Verret
(1975) que foi o primeiro a mencionar a transposição didática na sua pesquisa sobre o
tempo de estudar. Esse livro só estava disponível em francês e foi adquirido da França
para que a sua tese pudesse ser entendida na íntegra, já que esse era o único meio de
obtê-la. Outro livro encontrado na mesma busca foi o de Chevallard (1991) que
sistematizou a TD. Esses dois livros foram base para a construção da Teoria da
Transposição Didática. A ampliação da TD feita por Astolfi e Develay foi obtida de
duas fontes: um artigo feito por Develay (1993) e o livro Didática das Ciências de
Astolfi e Develay (2002). O mesmo processo foi desenvolvido em relação ao tópico
sobre história e filosofia da ciência, cujos referenciais estão descritos na continuidade
desse texto.
3. TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA COMO SABER ESCOLAR
Um dos primeiros pesquisadores a mencionar o termo transposição didática foi
Michel Verret, um sociólogo que se dedicou a pesquisar sobre o tempo de estudar e seus
elementos constituintes e que em sua tese
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4022ISSN 2177-336X
4
Le temps des etudes, versa sobre a epistemologia do tempo, suas
determinações econômicas, as implicações deste sobre o estudante e os
componentes da comunidade escolar, a propósito das decisões políticas e,
também, didáticas (JARDIM, CAMARGO e ZIMER, 2015, p. 13628).
Foi Verret (1975) que classificou a diferença entre saber escolar e não escolar e
mostrou a existência de elementos para caracterizar o saber escolar. Segundo Verret
(1975) este saber apresentará uma
divisão da prática teórica em campos do saber delimitados originando
aprendizagens especializadas, ou seja, desincretização do saber; em cada
prática deverá ter a separação do saber e da pessoa, isto é, a
despersonalização do saber; a programação de aprendizagens e de controles
segundo sequências fundamentadas que admitam a aquisição progressiva dos
saberes, isto é, a programabilidade de aquisição do saber4 (VERRET, 1975,
p. 146, grifo nosso - tradução nossa).
A desincretização, a despersonalização e a programabilidade do saber são os
três primeiros critérios que mostram o saber como escolar, existindo também para
Verret (1975): a publicidade do saber e o controle social da aprendizagem.
4. TEORIA DA TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA SEGUNDO CHEVALLARD
Michel Verret não sistematizou uma teoria, mas deixou elementos suficientes
para que Yves Chevallard, pesquisador matemático, pudesse dar continuidade e
sistematizasse a teoria da Transposição Didática. Este matemático escreveu um livro
―La Transposición Didática: del saber sabio al saber enseñado‖ em 1985 e versou sobre
os saberes escolares nomeando-os.
Os saberes classificados por Chevallard (1991) são dinâmicos e denominados
como: sábio, a ser ensinado e ensinado. Cada um desses saberes faz parte de um grupo
social que tem movimento e vai transformando-o almejando divulga-lo. ―Os grupos
sociais se diferenciam e se compõe da seguinte forma: saber sábio (comunidade
científica); saber a ser ensinado (representantes do sistema de ensino) e saber ensinado
(comunidade escolar)‖ (JARDIM, CAMARGO e ZIMER, 2015, p. 13630).
Sendo Chevallard um professor, percebeu que essa transformação era
necessária porque o saber sábio tinha complexidade demasiada para os alunos na
comunidade escolar. Entende-se que a preocupação demonstrada pode ser identificada
como um processo reflexivo para que a identidade docente seja constituída e demarcada
pela experiência profissional. Sobre essa formação identitária, pode-se dizer que
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4023ISSN 2177-336X
5
é epistemológica, ou seja, reconhece a docência como um campo de
conhecimentos específicos configurados em quatro grandes conjuntos, a
saber: 1) conteúdos das diversas áreas do saber e do ensino, ou seja, das
ciências humanas e naturais, da cultura e das artes; 2) conteúdo didático-
pedagógicos, diretamente relacionados ao campo da prática profissional; 3)
conteúdos ligados a saberes pedagógicos mais amplos do campo teórico da
prática educacional; 4) conteúdos ligados à explicitação do sentido da
existência humana individual, com sensibilidade pessoal e social
(DELIZOICOV, ANGOTTI e PERNAMBUCO, 2009, p. 13).
Esse conjunto de conteúdos vai delineando a identidade do professor à medida
que a experiência dele vai aumentando com o passar do tempo. A cada momento que
um professor revê suas práticas e analisa confrontando com a teoria, pode produzir
novos conhecimentos que agregarão o seu rol de produções teóricas e práticas. Para isso
a transposição didática torna-se uma aliada no processo de adaptação e/ou reformulação
dos saberes.
O primeiro saber de Chevallard (1991) tem sua origem no âmbito científico ―e
nos interessa porque certas exigências que interferem na preparação didática do saber, já
estão influenciando a partir da constituição do saber sábio ou ao menos a partir da
formulação discursiva desse saber‖5
(CHEVALLARD, 1991, p. 24, grifo nosso -
tradução nossa).
O saber a ser ensinado ―será percebido em propostas curriculares, nacionais ou
regionais, propostas pedagógicas escolares e livros didáticos‖ (JARDIM, CAMARGO e
ZIMER, 2015, p. 13631). Por consequência tem-se o currículo que ―é um programa de
estudos que define a instrução mínima obrigatória de cada cidadão e do qual surge,
posteriormente, o que a escola e o professor devem fazer para coordenar e ajudar os
alunos em seus estudos‖ (CHEVALLARD, BOSCH e GASCÓN, 2001, p. 122). Essa
transformação de saber sábio para saber a ser ensinado é dita transposição didática
externa.
O terceiro saber, o saber ensinado
é o resultado da transposição didática interna que os professores fazem por
meio de suas práticas pedagógicas. O saber ensinado tem sua chegada na
esfera escolar, a qual pode ser relacionada à atual educação básica, depois de
transformações ocorridas no saber a ser ensinado com adaptações necessárias
ao entendimento dos estudantes, ou seja, depois de os professores terem feito
modificações didáticas nesse saber (JARDIM, CAMARGO e ZIMER, 2015,
p. 13632).
Sendo assim,
um conteúdo do saber que já tenha sido designado como saber a ser ensinado,
sofre a partir de então um conjunto de transformações adaptativas que vão
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4024ISSN 2177-336X
6
torná-lo apto para ocupar o lugar entre os objetos de ensino. O trabalho que
transforma um objeto do saber a ser ensinado em um objeto de ensino, é
denominado de transposição didática6 (CHEVALLARD,1991, p. 45, grifo do
autor - tradução nossa).
O profissional docente desenvolve práticas que caracterizam um conjunto de
saberes e competências. É relevante o entendimento de que mesmo o saber sábio e o
saber a ser ensinado, sendo distantes, não sejam dissonantes, o que
dá condição para o controle é a vigilância epistemológica, para que o saber
tenha o mesmo sentido durante sua transformação. A prática pedagógica,
dessa maneira, deve ter uma abordagem reflexiva e crítica com o intuito de
que o estudante tenha acesso ao conhecimento sem deturpação (JARDIM,
CAMARGO e ZIMER, 2015, p. 13635).
Chevallard e Verret concordavam com as facetas diferenciadas do saber
mantendo sempre a distinção entre elas, mas ao mesmo tempo suas semelhanças:
dessincretização do saber, despersonalização do saber, programabilidade de aquisição
de um saber, publicidade do saber e controle social das aprendizagens.
5. INSERÇÃO DE ELEMENTOS À TEORIA DA TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA
Michel Develay e Jean Pierre Astolfi foram outros cientistas a se interessar
pelo assunto transposição didática e ampliaram essa teoria acrescentando elementos no
que se refere ao saber sábio.
Astolfi e Develay (2002) demonstraram que uma epistemologia escolar era
possível de ser caracterizada com origem no saber sábio. Três elementos foram
acrescentados ao processo de transposição didática por entenderem que o saber sábio
tivesse sua origem ali: práticas sociais de referência, representado na Figura 1
(APÊNDICE), níveis de formulação de um conceito e tramas conceituais.
As práticas sociais de referência podem ser contatos do estudante com o
conhecimento por meio de: leitura de textos científicos ou não, diálogos com pessoas
que tenham se especializado num determinado assunto ou até mesmo no ato de assistir a
programas nos meios de comunicação disponíveis a ele. Para os autores essas práticas
geram aprendizagem e é relevante
discutir o processo de transposição didática e retornando as proposições de
Michel Verret, pode-se mostrar como os saberes a serem ensinados tiram
suas origens de saberes sábios mas também de práticas sociais de referência,
e como a passagem de saberes sábios e de práticas sociais de referência aos
saberes a serem ensinados se acompanham dos processos de
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4025ISSN 2177-336X
7
despersonalização, de dessincretização, de publicidade, de programabilidade 7 (DEVELAY, 1993, p. 37, tradução nossa).
Os níveis de formulação de um conceito
são níveis de formulação ou exemplos que começam simples e tornam-se
complexos respeitando o plano linguístico, psicogenético e epistemológico
do indivíduo. É uma construção do conceito do mais fácil para o mais difícil
de ser assimilado (JARDIM, CAMARGO e ZIMER, 2015, p. 13636).
Tramas conceituais se referem a um mesmo conceito que será construído e que
em sua representação terá o retorno desse mesmo conceito para complementar
conteúdos assimilados ou reorganizar o que já foi aprendido.
Dessa forma, percebe-se que Astolfi e Develay (2002) entendiam que a
instituição escolar nunca trabalhou com os saberes em sua origem, mas sim com os
conteúdos de ensino, sendo estes ―resultados de discussões sobre conceito e didática‖
(JARDIM, CAMARGO e ZIMER, 2015, p. 13636).
6. HISTÓRIA E FILOSOFIA DA CIÊNCIA: UMA POSSIBILIDADE NA
APRENDIZAGEM
Atualmente a História e Filosofia da Ciência (HFC) estão num lugar privilegiado
de utilização como transposição didática dos conteúdos no intuito de fomentar questões
relevantes à ciência para os estudantes, durante suas aulas relacionadas a ciências,
instigando o pensamento reflexivo e ao mesmo tempo dando condições para que esses
mesmos estudantes tenham oportunidade de formular seu entendimento sobre a ciência
após a visualização de sua construção. Sendo assim,
adequadamente contextualizada, a história da ciência permite uma reflexão
crítica sobre a ciência como um produto dinâmico do conhecimento humano,
criado por indivíduos em dado contexto cultural e histórico, revelando a face
humana da ciência (FORATO, 2009, p.7 ).
Por meio das práticas de referência é possível iniciar um processo de
transposição didática, segundo Develay e Astolfi (2002), portanto
com uma abordagem de conceitos por meio de textos históricos, é possível
levar os estudantes a perceber os acertos e desacertos de um pesquisador,
suas conclusões e inconclusões e as bases que fundamentaram e apoiaram a
proposição do conhecimento científico tal qual por ele realizada
(CARVALHO e SASSERON, 2011, p. 109).
Os estudantes podem ter uma visão distorcida da ciência se não forem
apresentados a eles os fatos históricos que interferiram na construção de algum
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4026ISSN 2177-336X
8
equipamento, elemento ou pensamento científico. É primordial que se inicie com a
verdadeira trajetória de que um pesquisador enfrenta pois,
conhecer o passado histórico e a origem do conhecimento pode ser um fator
motivante para os estudantes, pode fazer com que os estudantes percebam
que a dúvida que encontrada por eles para a aprendizagem de um conceito
também foi encontrada, em outro momento histórico, por um cientista hoje
reconhecido, ou seja, que suas dúvidas estiveram presentes em algum
momento na construção de um conceito científico, assim como na sua própria
construção. A história da ciência pode ser ainda um importante elemento para
levantar discussões acerca do caráter humano na ciência e relacionar a
construção da ciência com diversos contextos externos: sociais, políticos,
pessoais (NASCIMENTO e CARVALHO, 2004, p. 40).
Um alerta sobre a mudança de posicionamento feita pelos professores é que
―para uma renovação do ensino de Ciências, precisamos não só de uma renovação
epistemológica dos professores, mas que essa venha acompanhada por uma renovação
didático-metodológica de suas aulas‖ (Cachapuz et al 2005, p.10).
Dessa maneira, para que a construção da ciência possa ser compreendida,
Carvalho et al (2011) destacaram quatro pontos: 1) a ciência é uma construção histórica,
humana, viva, e, portanto, caracteriza-se como proposições feitas pelo homem ao
interpretar o mundo a partir do seu olhar imerso em seu contexto sócio-histórico-
cultural; 2) a ciência produz conhecimentos abertos, sujeitos a mudanças e
reformulações; 3) a construção destes conhecimentos é guiada por paradigmas que
influenciam a observação e a interpretação de certo fenômeno; 4) o conhecimento
científico não é construído pontualmente, sendo um dos objetivos da ciência criar
interações e relações entre teorias.
E para que esses pontos possam ser evidenciados e colocados em prática,
Solbes e Traver (2001, p. 153) propuseram elementos que sejam aplicados nas
atividades relacionadas a ciência:
- conhecer melhor aspectos de história da ciência antes geralmente ignorados
e, consequentemente, mostrar uma imagem da ciência mais completa e
contextualizada;
- avaliar adequadamente os aspectos internos do trabalho científico como os
problemas abordados, o papel do acaso, a importância dos experimentos, o
formalismo matemático e a evolução do conhecimento (crise de paradigmas ,
controvérsias e mudanças internas);
- (...) avaliar positivamente o uso de aspectos da história da ciência em suas
aulas de física e química, como forma de ajudar a aumentar o seu interesse no
estudo destes materiais.
Encontra-se também a indicação de utilizar a história da ciência nas
orientações educacionais complementares aos parâmetros curriculares nacionais, onde
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4027ISSN 2177-336X
9
um dos objetivos é ―compreender o conhecimento científico e o tecnológico como
resultados de uma construção humana, inseridos em um processo histórico e social‖
(BRASIL, 2002, p. 32).
Para Forato (2009), a transposição da história e filosofia da ciência para o
âmbito escolar exige que desafios sejam superados. Os desafios são: seleção de
conteúdos do saber sábio que serão transformados no intuito de harmonizar e suprir a
descontextualização, dessincretização e despersonalização do saber, sempre com o
cuidado de mostrar a veracidade de informações históricas e filosóficas da ciência,
respeitando a publicidade do saber.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A trajetória apresentada sobre a transposição didática inicia com Michel Verret
e sua preocupação com o estudar que culmina com a sua tese sobre o Tempo de Estudar,
delimitando parâmetros para que um saber possa ser escolar, mostrando que existem
itens necessários para que esse saber possa ser elencado para ser trabalhado no âmbito
escolar.
Em seguida, a concepção da Teoria da Transposição Didática foi feita por Yves
Chevallard, tendo como realidade que sua intenção não era formular uma teoria, mas
pesquisar sobre o percurso de um conteúdo matemático. Já nesse processo é relevante
mostrar como a própria história da transposição didática denota percalços ocorridos na
trajetória do pesquisador. Os saberes foram determinados por Chevallard (1991) como:
sábio, a ser ensina e ensinado. Cada qual com um grupo social específico e desenhando
então as transposições didáticas externa(saber sábio-saber a ser ensinado) e interna
(saberá ser ensinado-saber ensinado).
Develay e Astolfi (2002) ampliaram a teoria de Chevallard (1991) com os três
elementos: práticas sociais de referência, níveis de formulação de um conceito e tramas
conceituais. Para esses pesquisadores, a transposição didática externa poderia ser feita
de uma prática social de referência ou de um saber sábio para o saberá ser ensinado.
Outros autores (Carvalho et al, 2011; Forato, 2009; Nascimento e Carvalho,
2004; e Solbes e Traver, 2001) mostram como a História da Filosofia e da Ciência
fazem diferença na construção do conhecimento científico durante as aulas e que é
possível fazer a inserção de textos científicos, por exemplo, para que os estudantes
tenham oportunidade de entender o momento histórico, político e científico para que um
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4028ISSN 2177-336X
10
determinado pensamento científico fosse amplamente divulgado. Para que entendam
também que a ciência não é linear e que muitos obstáculos podem ter sido enfrentados
pelos cientistas, sendo a ciência uma pluralidade epistemológica.
8. REFERÊNCIAS
ASTOLFI, J., DEVELAY, M. A didática das ciências. Campinas: Papirus, 2002.
BRASIL, Orientações educacionais complementaresaos parâmetros curriculares
nacionais: ensino médio. Ciências da natureza, Matemática e suas tecnologias. Brasília:
MEC; SEMTEC, 2002.
CACHAPUZ, A. et al. A necessária renovação do ensino de ciências. São Paulo:
Cortez, 2005.
CARVALHO, A. M. P.; SASSERON, L. H. Abordagens histórico-filosóficas em sala
de aula: questões e propostas. In: CARVALHO, A. M. P. et al. Ensino de Física. São
Paulo: Cengage Learning, 2011.
CHEVALLARD, Y. La transposición didáctica: del saber sabio al saber enseñado.
Buenos Aires: Aique Grupo Editor, 1991.
CHEVALLARD, Y.; BOSCH, M.; GASCÓN, J. Estudar matemáticas: o elo perdido
entre o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2001.
DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A.; PERNAMBUCO, M. M. Ensino de ciências
fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2009.
DEVELAY, M. Pour une épistémologie des savoirs scolaires. Pédagogie collégiale.
Lyon, v. 7, n. 1, p. 35-40, out. 1993.
FORATO, T. C. M. A natureza da ciência como saber escolar: um estudo caso a
partir da história da luz. Tese (Doutorado em Educação). Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2009.
JARDIM, L. M., CAMARGO, S., ZIMER, T. T. B. Transposição didática no ensino
de ciências: diferentes olhares. In: Congresso Nacional de Educação, 12, 2015,
Curitiba. Anais... Curitiba: EDUCERE, 2015.
NASCIMENTO, V. B. e CARVALHO, A. M. P. A natureza do conhecimento científico
e o ensino de ciências. In: CARVALHO, A. M. P. Ensino de Ciências: unindo a
Pesquisa e a Prática. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004.
SOLBES, J.; TRAVER, M. Resultados Obtenidos Introduciendo historia de la ciência
em las clases de física y química: mejora de la imagem de la ciência y desarollo de
actitudes positivas. Enseñanza de las Ciencias, n. 19, p. 151-162, 2001.
VERRET, M. Le temps des etudes. Paris: Librairie Honore Champion, 1975.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4029ISSN 2177-336X
11
APÊNDICE
Figura 1: Transposição didática
Fonte: Develay (1987, p. 137)
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4030ISSN 2177-336X
12
O PAPEL DA HISTÓRIA E FILOSOFIA DA CIÊNCIA NA FORMAÇÃO DA
IDENTIDADE DOCENTE
Fernanda Fonseca – PPGECM/UFPR8
Bruno da Silva Piva Picon – PPGECM/UFPR9
Sérgio Camargo – PPGECM/UFPR10
Resumo
Neste trabalho refletimos sobre o processo de formação inicial de professores e a
constituição da identidade docente. Algumas mudanças são necessárias no cenário
educacional relacionadas ao atual paradigma de formação desses profissionais, o qual
ainda, em pleno século XXI, se mantém focado no modelo da racionalidade técnica.
Uma vez que é dever das instituições de ensino preparar os futuros docentes para as
realidades e necessidades educacionais oriundas da sociedade contemporânea, exige-se
cada vez mais um trabalho docente mediador de processos formadores para a cidadania
dos estudantes. Partindo do pressuposto que a profissão docente é caracterizada por um
conjunto de conhecimentos e competências específicas que o faz único enquanto
educador, podemos destacar que a experiência docente é pré-requisito para o exercício
profissional. Ao refletirmos sobre quais conhecimentos e competências devem possuir
professores de Ciências, observamos que não basta saber apenas os conteúdos a serem
ministrados, e que o uso de uma abordagem da História e Filosofia da Ciência (HFC)
aqui sugerida, permite suscitar reflexões e discussões epistemológicas sobre o
desenvolvimento científico, para que sejam vistos como uma construção humana,
sujeitas a falhas e correções. Considerar a epistemologia no processo de formação
inicial docente fortalece os saberes profissionais no processo da constituição da
identidade docente, favorecendo a formação reflexiva e crítica diante de soluções
alternativas, característica de suma importância para um professor, que deve estar em
contínua reflexão sobre sua práxis e sobre as mudanças socioculturais nas quais estamos
imersos. Busca-se mostrar que uma formação cujas práticas docentes que carreguem um
caráter epistemológico e dialógico possibilitam preparar professores cujas práxis
também serão permeadas pela HFC, o que proporciona um ensino que leva o estudante
a compreender que a Ciência é fruto de um coletivo e que sofre constantes mudanças,
devido às relações políticas, sociais, culturais e filosóficas nas quais estamos imersos.
Palavras-chave: Formação Inicial de professores. Identidade Docente. História e
Filosofia da Ciência.
1.INTRODUÇÃO
A partir dos documentos legais que estabelecem parâmetros norteadores para a
educação nacional, apresentados nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação
de Professores em nível superior, curso de licenciatura de graduação plena (Parecer
CNE/CP nº 9, de 08/05/2001) e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN, 9394/96), questionamos alguns fatores referente ao processo de formação
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4031ISSN 2177-336X
13
inicial de professores e a constituição da identidade docente. Além de diálogos com
autores que ampliam o questionamento sobre o atual paradigma de formação inicial
docente de ciências, que apresentam dicotomia entre a formação do Bacharelado e da
Licenciatura, o que causa crises na constituição de identidade docente, uma vez que o
profissional especialista, com formação e visão fragmentada, não atenda a atual
demanda educacional, que exige do educador múltiplos conhecimentos, visão
generalista, ou seja, ampla percepção de mundo.
A tendência dos professores de reproduzir as metodologias que vivenciaram no
seu processo educativo, dificulta a aceitação e busca por novas práxis de ensino. Essa
visão tradicionalista newtoniana-cartesiana, segundo Behrens (1999), foi responsável
pela fragmentação dos conhecimentos, da separação dos conhecimentos em disciplinas,
e essas em especificidades, tendo como consequência um trabalho isolado do
profissional docente em sala de aula. Essa perspectiva visa ainda à reprodução do
conhecimento, agindo por meio do ―escute, leia, decore, repita‖ para alunos que atuam
como espectadores passivos para assimilar, memorizar e reproduzir os conteúdos
expostos pelo professor. Esses conteúdos que foram pesquisados e definidos pelo
próprio educador. Entretanto, a sociedade atual exige a formação de profissionais
capazes de tomar decisões, autônomos, que tomem iniciativas diante dos problemas e
dificuldades, que saibam trabalhar em equipe e que busquem uma constante atualização
de seus conhecimentos e práticas (BEHRENS, 1999). Os métodos tradicionais e
conservadores de ensino, contraditoriamente, ―produzem seres incompetentes, incapazes
de criar, pensar, construir e reconstruir conhecimento‖ (BEHRENS, 1999, p. 386).
Apesar de não haver um consenso sobre o conceito de identidade, ou uma
definição única, entre diversos autores, compreendemos a identidade segundo Ferreira
(2001 p. 371) como ―caracteres próprios e exclusivo de uma pessoa‖, portanto a
identidade profissional pode ser definida como representação característica de um grupo
que busca ser reconhecido, buscando sua singularidade dentro das relações, em um
determinado contexto social. Por outro lado o ―ser‖ professor como construção histórica
dialética, que se constitui para além do biológico, compreende uma reflexão da
docência, do sujeito em prática como indicador desse fazer profissional, ou seja, da
identidade docente se constitui na reflexão contínua da atuação deste sujeito.
Nesse trabalho realizou-se uma pesquisa bibliográfica, na qual discutimos em
que aspectos a inserção da História e Filosofia da Ciência (HFC) pode contribuir para a
constituição de uma identidade docente crítica e reflexiva. A leitura e análise desses
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4032ISSN 2177-336X
14
materiais possibilitou a percepção de que esse enfoque pode corroborar para a formação
de um educador que compreenda as relações humanas envolvidas no processo de
construção do conhecimento científico. É possível perceber também que esse
fundamento pode permitir ao professor desenvolver uma prática que rompe com a visão
predominantemente positivista, dogmática e linearizada com que as Ciências são
apresentadas em sala de aula.
Uma vez que no modelo de ensino predominante, a formação docente é exibida
de forma desumanizada e a-histórica, o professor não se dá conta da necessidade de
apresentar o conhecimento científico de acordo com o contexto no qual foi construído,
destacando as relações socioculturais envolvidas nesse processo. Diante disso,
queremos mostrar uma abordagem que suscita a contextualização da Ciência que
possibilita a discussão e reflexão sobre fatores que favoreceram ou incitaram a
formulação de teorias e conceitos, assim como as ações dialógicas que causaram
modificações e correções dos conhecimentos, visando o desenvolvimento de uma
identidade docente coerente e capaz de exercer suas atribuições em conformidade com
os objetivos da educação brasileira.
2. O QUE COMPREENDEMOS SOBRE FORMAÇÃO INICIAL E
IDENTIDADE DOCENTE
Algumas mudanças são necessárias no cenário educacional, relativas à
formação de professores, uma vez que é dever das instituições formadoras preparar os
licenciandos para as realidades e necessidades educacionais oriundas da sociedade,
como afirmam Gatti (2010) e Nóvoa (1997). As Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior dos cursos de
graduação de licenciatura plena (Parecer CNE/CP nº 9, de 08/05/2001), destaca o
preparo inadequado dos professores cuja formação de modo geral, mantém
predominantemente um formato tradicional, focado no modelo da racionalidade técnica,
assim não contempla muitas características consideradas, na atualidade, como inerentes
à atividade docente.
Ao questionar a maneira como os cursos de formação inicial de professores
trabalham, reforçando um perfil profissional e a constituição identitária dos futuros
educadores, Pimenta (1996) argumenta que a atuação do professor não é como ―simples
técnico reprodutor de conhecimentos‖. Na sociedade contemporânea, cada vez se torna
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4033ISSN 2177-336X
15
mais necessário um trabalho docente mediador dos processos constitutivos da cidadania
dos estudantes. Fato que, parece para a autora, impõe a necessidade de repensar a
formação de professores. As Diretrizes Curriculares Nacionais para formação de
professores para a Educação Básica incorporam elementos a respeito do papel dos
professores no processo educativo que possibilita revisão dos modelos hoje em vigor.
Ressaltamos entre esses elementos ―fomentar e fortalecer processos de mudança no
interior das instituições formadoras; dar relevo à docência como base da formação,
relacionando teoria e prática; fortalecer os vínculos entre as instituições formadoras e o
sistema educacional, suas escolas e seus professores‖ (BRASIL, 2001).
Partindo do pressuposto de que a profissão docente é caracterizada por um
conjunto de saberes e competências específicas que o faz único enquanto educador,
podendo destacar que a experiência docente é pré-requisito para o exercício profissional
de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, 9394/96), e
sobre a educação superior, em seu artigo 43, ressalta a finalidade de estimular a criação
cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo nos
discentes, estimulando o conhecimento dos problemas atuais (em particular os nacionais
e regionais), e com a prática dos estágios estabelecer com as instituições de educação
pública uma relação de reciprocidade.
A necessidade de um processo reflexivo durante a formação profissional é
fundamental para a construção da identidade docente, sendo o que Freire (1996; 2011)
sugere como uma possibilidade de Humanização do professor, em que o educador se
veja como um profissional que está sempre se (re) fazendo. Neste caso o conceito de
identidade é compreendido como consciência que uma pessoa tem de si mesma de
forma reflexiva e de continua (re) construção.
Esta consciência identitária pode ser constituída na formação inicial de
professores, por meio de uma concepção pedagógica solidificada na ação, no diálogo e
na participação, com respeito à dignidade e autonomia dos discentes, reconhecendo o
compromisso como práxis (ação e reflexão da realidade), carregada de humanismo e
fundada cientificamente. Como afirma Marcelo
[...] o ensino é uma atividade incerta e espontânea, contextualizada e
construída em resposta às particularidades da vida diária nas escolas e nas
salas de aula. O conhecimento está situado na ação, nas decisões e
julgamentos dos professores. Esse conhecimento é adquirido através da
experiência e da deliberação, e os professores aprendem quando têm
oportunidade de refletir sobre o que fazem. (MARCELO, 2009 p.121)
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4034ISSN 2177-336X
16
Fica claro que alguns elementos constituintes da identidade docente estão nos
saberes da prática e que este conhecimento é construído coletivamente, Gatti (1996)
afirma que esta identidade docente se constrói e que exige postura compreensivo-
reflexiva num movimento de transformação contínua, não envolvendo apenas o fazer
docente, mas nas interconexões da história de vida, contextos socioculturais e processo
de formação do sujeito.
Alguns tópicos sobre a realidade escolar que devem ser repensados na
formação inicial docente são apresentados por alguns autores como Gatti (1996) que
salienta o ―impacto de novas formas metodológicas de tratar os conhecimentos e o
ensino‖ devido o crescimento do número de educando e sua heterogeneidade
sociocultural. Nos pensamentos de Freire (1996; 2011), surgem vestígios da
importância da epistemologia na formação inicial de professores, podendo pensar nesta
formação epistemológica como parte da constituição da identidade docente, pois
nenhuma formação docente verdadeira pode fazer-se alheada, de um lado, do
exercício da criticidade que implica a promoção da curiosidade ingênua à
curiosidade epistemológica, e de outro, sem o reconhecimento do valor das
emoções, da sensibilidade, da afetividade, da intuição ou adivinhação
(FREIRE, 2011, p. 45).
Dentro dessa perspectiva, discutiremos sobre como uma fundamentação em
História e Filosofia da Ciência (HFC) podem colaborar numa mudança na formação dos
professores de ciências, de profissionais transmissores de um conhecimento dogmático
e linear para um profissional que considere a reflexão do processo complexo de
construção científica. Discutiremos como essa abordagem possibilita um conhecimento
epistemológico e contextualizado das Ciências e como essas noções interferem na
constituição da identidade docente.
3. SOBRE A SELEÇÃO DOS MATERIAIS DE ESTUDO
Com esse fim, desenvolvemos uma pesquisa bibliográfica que, segundo
Severino (2007, p.122),
é aquela que se realiza a partir do registro disponível, decorrente de pesquisas
anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos, teses, etc. Utiliza-
se de dados ou de categorias teóricas já trabalhados por outros pesquisadores
e devidamente registrados. Os textos tornam-se fontes dos temas a serem
pesquisados. O pesquisador trabalha a partir das contribuições dos autores
dos estudos analíticos constantes nos textos.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4035ISSN 2177-336X
17
Os textos selecionados foram escolhidos devido à temática: formação de
professores, HFC, história da ciência (HC) e filosofia da ciência (FC). Foram
selecionadas dissertações a partir do banco de dados do Programa de Pós-Graduação em
Educação em Ciências e em Matemática (PPGECM) da Universidade Federal do Paraná
(UFPR), artigos de revistas de Qualis A e B da área da educação e da área de ensino
específica da HFC que utilizavam referenciais teóricos em consonância com os
referenciais adotados pelos autores desse trabalho, e livros e capítulos de livros que
discutem esse conjunto de temas. Por meio de uma reinterpretação e encadeamento
entre os mesmos, buscamos problematizar a formação docente e vinculá-la a uma
abordagem bastante fomentada pelas pesquisas na área de Ensino de Ciências.
Essa articulação foi realizada em seis etapas: a seleção e a separação dos textos;
a análise textual, na qual se faz o levantamento dos elementos básicos para compreensão
do texto; a análise temática, visando entender o conteúdo (ideias) da mensagem e
problematização dessas ideias; análise interpretativa, em que define uma posição do
pesquisador sobre a essência do texto segundo suas concepções; a problematização
geral, visando o levantamento para discussão e reflexão de fatores explícitos ou
implícitos nos escritos de forma total; e, por fim, a síntese, relacionada à retomada de
pontos abordados em todas as etapas anteriores e constituindo um diálogo entre eles
(SEVERINO, 2007).
4. A HISTÓRIA E A FILOSOFIA DA CIÊNCIA NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES DE CIÊNCIAS
Ao refletirmos sobre quais conhecimentos e competências devem possuir
professores de Ciências, observamos que não basta saber apenas os conteúdos a serem
ministrados. Não que esses não sejam importantes, mas como afirmam Higa e Hosoume
(2008), outros saberes fazem parte do profissional docente, decorrentes da inserção em
instituições, experiências de trabalho, fontes sociais, formação escolar, entre outras.
Entretanto, as autoras afirmam que concepções sobre professores e alunos se
estabelecem desde 1950 e ainda interferem na nossa visão e compreensão de ensino,
tem-se de um lado ―a ideia de um professor conteudista, detentor do saber, com o ensino
centrado na memorização dos conceitos e alunos passivos‖ (HIGA; HOSOUME, 2008,
p.245), e do outro, tem-se a concepção de professor orientador e de alunos ativos e
autônomos no processo de ensino-aprendizagem. A primeira ideia aqui descrita deriva
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4036ISSN 2177-336X
18
já do processo de formação do professor, uma vez que esses são formados dentro de
uma perspectiva newtoniana-cartesiana hegemônica, que foca apenas na transmissão de
conhecimentos.
A formação de professores e pesquisadores tipicamente se limita aos aspectos
teóricos e práticos das várias ciências e não fornece referenciais históricos e
filosóficos necessários para suas práticas profissionais. Apesar das
transformações sociais dos últimos 60 anos, que fizeram avanços científicos e
tecnológicos influenciarem as estruturas sociais, a cultura e a vida cotidiana
de uma maneira que não tem precedentes, os currículos de Ciências
praticamente não mudaram, retratando a prática científica como se fosse
separada da sociedade, da cultura e da vida cotidiana, e não possuísse uma
dimensão histórica e filosófica (EL-HANI, 2007, p.5).
Entretanto, o ensino da ciência por meio desse viés desconexo das relações
humanas intrínsecas ao processo de desenvolvimento do conhecimento científico apenas
apresenta os produtos da Ciência, como um conhecimento já finalizado e que cabe ao
aluno apenas aceitá-lo como verdadeiro (GUERRA, 2014). Essa perspectiva afasta o
ensino dos objetivos da Educação no Brasil, que segundo a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN, 9394/96), em seu artigo 43, visa estimular a criação
cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo nos
discentes.
Segundo Guerra, (2014, p.130), ―ao transferir o seu poder de decisão ao
especialista, o cidadão torna-se alijado do saber especializado e não se coloca como um
agente da sociedade capaz de produzir respostas aos problemas em seu contexto
sociocultural‖. Essa visão da ciência, por sua vez, deriva da falta de treino
epistemológico, que leva a interpretação simplista da história da ciência, focada em
experiências e observações (MARTINS, 2014).
Diante desse panorama, El-Hani (2007) afirma que diversas abordagens
contextuais vêm então sendo discutidas e sugeridas para mudanças no currículo nos
cursos de Formação de Professores de Ciências, com o intuito de
contribuir para (i) humanizar as ciências, conectando-as com preocupações
pessoais, éticas, culturais e políticas; (ii) tornar as aulas de ciências mais
desafiadoras e estimular o desenvolvimento de habilidades de raciocínio e
pensamento crítico; (iii) promover uma compreensão mais profunda e
adequada dos próprios conteúdos científicos; (iv) melhorar a formação dos
professores, ajudando-os no desenvolvimento de uma compreensão mais rica
e autêntica da ciência; (v) ajudar os professores a apreciar melhor as
dificuldades de aprendizagem dos alunos, alertando para as dificuldades
históricas no desenvolvimento do conhecimento científico; (vi) promover nos
professores uma compreensão mais clara de debates contemporâneos na área
de educação com um forte componente epistemológico (EL-HANI, 2007, p.
6).
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4037ISSN 2177-336X
19
Afinal, bom professor é aquele que desafia seus alunos, que os envolve em seu
movimento do pensamento enquanto explica, acompanhando as idas e as vindas desse
pensamento, estimulando a pergunta e a reflexão crítica sobre esta questão e ao mesmo
tempo explicando o conteúdo por meio de uma prática dialógica, aberta e indagadora,
salienta Freire (1996). O desenvolvimento da reflexão crítica ajuda o sujeito a se
perceber e compreender suas razões de ser, tornando-o mais consciente de seu papel na
sociedade e estimulando a sua curiosidade epistemológica, gerando condições para que
ele se torne um sujeito autônomo.
O uso de uma abordagem da História e Filosofia da Ciência (HFC) é aqui
sugerida, uma vez que ela permite suscitar reflexões e discussões sobre o
desenvolvimento científico, possibilitando uma análise crítica dos limites e aplicações
da teorias (GUERRA, 2014). Contudo, deve-se ter cautela para que a HFC não se
constitua em anedotas, mas se interponha no ensino de forma a provocar a compreensão
das justificativas e fundamentações do conhecimento científico na história. A HFC não
é um conteúdo a mais a ser trabalhado, mas um enfoque que deve ser dado aos
conteúdos ministrados, para que sejam vistos como uma construção humana, sujeitas a
falhas e correções, e que se constituem dentro de uma conjuntura social, cultural e
política específica.
Para Severino (2008), é necessário que a nova geração seja inserida nesse
processo de formação e desenvolvimento do conhecimento, e destaca a importância da
filosofia e da historicidade no ensino, para que este permita que a nova geração
compreenda o caráter coletivo da Ciência e o complexo processo de produção do
pensamento científico. O estudo de diferentes teorias e pensamentos, ainda que antigos,
é importante para o processo de formação, o conhecimento surge quase como uma
necessidade humana, uma relação entre pensar e existência do homem. Sendo assim, ―a
mediação pedagógica exige a retomada e a exposição destas ideias [científicas], não
como uma peça de anatomia ou de museu, mas como uma dinâmica energética do
pensar que problematiza a nossa própria atualidade‖ (SEVERINO, 2008, p.172).
Em suma, o estudo da Ciência fundamentado na HFC oferece o
desenvolvimento de competências necessárias aos futuros docentes e, segundo Biscaino
(2012), Bezerra (2014), Teixeira, Greca e Freire Junior (2012) e El-Hani, (2007), deve-
se compreender a ciência como uma produção humana, atrelada a todos os fatores que
permeiam o mundo em que vive, assim como um conhecimento com limitações e em
contínua movimentação. Além de favorecer a formação reflexiva e crítica diante da
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4038ISSN 2177-336X
20
existência de soluções alternativas, característica de suma importância para um
professor, que deve estar em contínua reflexão sobre sua práxis e sobre as mudanças
socioculturais nas quais estamos todos imersos.
A epistemologia no processo de formação inicial docente fortalece os saberes
profissionais no processo da constituição da identidade docente, compreendendo os
processos de mudanças contínuas entre educador/educando, pois ambos os aspectos
corroboram para o desenvolvimento contínuo de reflexão crítica e da autonomia do
profissional no contexto de atuação nos diversos ambientes educacionais que este
profissional possa vir a atuar, se adequando aos contextos, político, social, econômico e
cultural, resultando no aumento do capital cultural de todos os indivíduos envolvidos.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A escola vivencia um cotidiano carregado de contradições e conflitos, onde se
refletem os problemas sociais enfrentados pelos adolescentes e jovens na atualidade,
dessa forma, a cultura escolar é uma síntese de diversidades culturais, como assegura
Pimenta (2010).
Nesse sentido buscamos refletir sobre os saberes profissionais que são
necessários para tornar o professor crítico, reflexivo, consciente de seus limites e
possibilidades e inquiridor de sua prática social, como afirma Zeichner (2003), pois tais
saberes estão vinculados diretamente à função do professor na escola e na sala de aula.
Por isso a devida importância na formação inicial de professores de ciências no que diz
respeito sobre a constituição da identidade docente através da compreensão, no que
afirma Pereira (1999) a respeito de o professor ser considerado um profissional
autônomo, cuja prática seja entendida além de um locus da aplicação de um
conhecimento científico e pedagógico, mas como espaço de criação e reflexão, em que
novos conhecimentos são, constantemente, construídos e modificados diariamente.
Nesse trabalho, discutimos como a visão hegemônica das Ciências forma um
professor com elementos de uma identidade docentes predominantemente positivista,
que apresentará, da mesma forma como lhe foi ensinado, a ciência de maneira
dogmática e desvinculada ao contexto sociocultural na qual foi construída. Prática que
leva o educando a não compreender seu papel na sociedade e o processo complexo e
dinâmico que permeia o desenvolvimento científico, e impede ainda que se observem as
relações do conhecimento científico com o meio no qual o estudante esta inserido. Desta
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4039ISSN 2177-336X
21
forma, esse professor deixa de ensinar cumprindo com o objetivo da formação de
cidadãos, sujeitos conscientes de sua responsabilidade social e capaz de compreender e
atuar no meio onde vive.
Buscamos mostrar que uma formação cujas práticas docentes que consideram
um caráter epistemológico e dialógico possibilitam a formação de professores cujas
práxis também serão permeadas pela HFC, o que proporciona um ensino que leva o
estudante a compreender que a Ciência é um fruto de um coletivo e que sofre constantes
mudanças, construídas devido as relações políticas, sociais, culturais e filosóficas que
estamos envoltos. Essa apresentação do conhecimento científico possibilita a formação
de um docente consciente da necessidade de refletir sobre como a sociedade é
influenciada pela ciência e como a ciência é afetada pela sociedade. Assim como
permite uma formação de um professor crítico reflexivo sobre suas práticas capaz de
acompanhar as mudanças socioculturais do mundo e de oferecer um ensino adequado
das ciências aos estudantes.
6. REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases
da educação nacional. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF,
ano 134, n. 248, p. 27.833-27.841, 23 dez. 1996.
________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Superior. Parecer CNE/CP
nº 9, de 8 de maio de 2001. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação
plena. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/009.pdf>. Acesso em:
5 agosto 2015.
BEHRENS, M. A. A prática pedagógica e o desafio do paradigma emergente. Revista
Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasilia, v. 80, n. 196, p. 383-403, set./dez. 1999.
BEZERRA, E. V. L. Análise de propostas didáticas de história e filosofia da ciência
para o ensino de física. 2014. 123f . Dissertação (Mestrado em Educação de Ciências e
em Matemática) – Setor de Ciências Exatas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba,
2014.
BISCAINO, A. P. O enfoque histórico filosófico da ciência no ensino e na formação
inicial de professores de física: estudo de caso com licenciandos em situação de
estágio de docência. 2012. 161f. Dissertação (Mestrado em Educação de Ciências e em
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4040ISSN 2177-336X
22
Matemática) – Setor de Ciências Exatas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba,
2012.
EL-HANI, C. N. Notas sobre o ensino de História e Filosofia da ciência na educação
científica de nível superior. In: SILVA, C. C. (Org.). Estudos de História e Filosofia
das Ciências: Subsídios para aplicação no Ensino. 1ª ed. São Paulo: Livraria da Física,
2007. p.3-21.
FERREIRA, A. B. H. Miniaurélio Século XXI Escolar: o minidicionário da língua
portuguesa. 4.ed. rev. ampliada. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 2001.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
________. Pedagogia da autonomia. 43.ed. São Paulo - SP: Paz e Terra, 2011.
GATTI, B. A. Os professores e suas identidades: o desvelamento da
heterogeneidade. Cadernos de pesquisa, n. 98, p. 85-90, 1996.
________. Formação de professores no Brasil: características e problemas. Educação e
Sociedade. Campinas, v. 31, n. 113, p. 1355-1379, out.-dez. 2010.
GUERRA, A. A identidade e o diálogo como possibilidades de superação da
controvérsia entre educadores e historiadores da ciência. In: CAMARGO, S. et al (Org.)
Controvérsias na pesquisa em ensino de física. São Paulo: Editora Livraria da Física,
2014. p. 129-142.
HIGA, I.; HOSOUME, Y. Formação de professores de física: concepções sobre a
ciência e o seu ensino. In: SCHIMIDT, M. A.; GARCIA, T. M. F. B.; HORN, G. B.
(Org.) Diálogos e perspectivas de investigação. Ijuí: Unijuí, 2008. p. 245-264.
MARCELO, C. A identidade docente: constantes e desafios. Form. Doc., Belo
Horizonte, v. 01, n. 01, p. 109-131, ago./dez. 2009.
MARTINS, R. A. A fundamentação histórica da lei da inércia: um exemplo de conflito
entre educadores e historiadores da ciência no uso da história da ciência no ensino de
física. In: CAMARGO, S. et. al. (Org.). Controvérsias na pesquisa em ensino de
física. São Paulo: Livraria da Física, 2014. Cap. 7, p. 143-160.
NÓVOA, A. (Org.). Os professores e a sua formação. 3.ed. Lisboa: Publicações Dom
Quixote, 1997.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4041ISSN 2177-336X
23
PEREIRA, J. E. D. As licenciaturas e as novas políticas educacionais para a formação
docente. Educação & Sociedade. Campinas, CEDES, ano XX, n. 68, dez, 1999. p. 109-
125.
PIMENTA, S. G. Formação de professores: saberes da docência e identidade do
professor. Revista da Faculdade de Educação, v. 22, n. 2, p. 72-89, 1996.
________. O Estágio na formação de professores: unidade, teoria e prática? Parte II
Práxis – ou indissociabilidade entre teoria e prática e a atividade docente. 9.ed. SP:
Cortez, 2010.
SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. 23. ed. rev. e atual. São Paulo:
Cortez, 2007.
SEVERINO, A. J. A. A filosofia na formação do adolescente no ensino médio. In:
SCHIMIDT, M. A.; GARCIA, T. M. F. B.; HORN, G. B. Diálogos e perspectivas de
investigação. Injuí: Unijuí, 2008. p.165-178.
TEIXEIRA, E. S.; GRECA, I. M.; FREIRE JUNIOR; O. Uma revisão sistemática das
pesquisas publicadas no Brasil sobre o uso didático de história e filosofia da ciência no
ensino de física. In: PEDUZZI, L. O. Q.; MARTINS, A. F. P.;FERREIRA, J. M. H.
(Org.) Temas de História e Filosofia da Ciência no Ensino. Natal: EDUFRN, 2012. p.
9-40.
ZEICHNER, K. M. Formando professores reflexivos para a educação centrada no
aluno: possibilidades e contradições. BARBOSA, R. L. L (Org). Formação de
educadores: desafios e perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 2003, p. 35-56.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4042ISSN 2177-336X
24
MUDANÇA PARADIGMÁTICA E IDENTIDADE DOCENTE:
CONTRIBUIÇÕES PARA UMA FORMAÇÃO DOCENTE REFLEXIVA
Bruno da Silva Piva Picon – PPGECM/UFPR11
Fernanda Fonseca– PPGECM/UFPR12
Neila Tonin Agranionih – PPGECM/UFPR13
Resumo
As reflexões contidas neste trabalho surgiram da busca de compreender o processo
formativo do professor implicando pensamentos de investir em possibilidades de
construções e de experiências de subjetividades sociais promovendo criações que
potencializem outros sentidos além dos significados profissionais de ser professor, onde
a docência possa se construir nas relações com o mundo, a partir das escolhas. Entender
essas relações como inseparáveis é algo que permite duvidar da apreensão de um ser, e
afirmar uma identidade docente mutável, flexível e contínua uma vez que o professor
não se faz unicamente dentro do campo educacional. Portanto, faz-se uma crítica sobre
abordagem tecnicista na educação que foca o aprender a fazer, numa visão de educação-
treinamento com finalidade de maximização da produção, não havendo espaço para a
criticidade, orientando o saber pela razão e experimentação. Apresentando o conceito de
identidade como consciência que uma pessoa tem de si mesma de forma reflexiva e de
continuidade partindo do pressuposto que a profissão de professor é caracterizada por
um conjunto de saberes e/ou competências específicas que o faz único enquanto
educador, necessitando de um processo reflexivo durante a formação profissional.
Defende-se, então, que a formação de professores deve atentar para as diferentes
possibilidades que atravessam o processo de ensino desses profissionais, que darão
caráter a uma identidade reflexiva e crítica sobre sua práxis e os conhecimentos. Diante
desse panorama complexo uma formação que busca o rompimento com a visão
tecnicista das ciências, conscientizando-se da necessidade de uma educação que percebe
um sujeito imerso em um mundo de múltiplos conhecimentos e diversas culturas. A
formação reflexiva é dinâmica ao apresentar metodologia que acolhe, e instiga o
desenvolvimento de capacidades e habilidades, proporcionando-lhes espontaneidade e
vivência dentro de condutas democráticas, assim não apenas formando profissionais
de/com qualidade, mas formando sujeitos para a vida.
Palavras-chave: Mudança Paradigmática. Formação Inicial de Professores. Identidade
Docente.
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo traz algumas reflexões a respeito das dificuldades em se
romper com o paradigma dominante presente na formação inicial docente, focado no
modelo de racionalidade técnica, dos cursos de licenciatura que se baseiam em
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4043ISSN 2177-336X
25
disciplinas cientificas ditas ―puras‖ e que pouco ou superficialmente se aprofundam nos
temas que envolvem a educação. Como objetivos deste estudo, buscamos compreender
as possíveis articulações entre teoria e prática docente, refletindo no agenciamento de
ações que façam com que se viva a docência livre das amarras dos papéis ocupados
dentro de uma identidade profissional endurecida pela técnica, procuramos apresentar
novas reflexões que viabilizem na ação de formar docentes, oportunidades aos
licenciandos praticar e inventar a si mesmo e os espaços de formação, levando em
consideração cada experiência vivida, seja na vida profissional, seja na vida de um
modo geral.
Partimos de ponderações sobre o problema relacionado ao paradigma
dominante presente na formação inicial docente e fomos a caminho de novas
alternativas de formação de professores, que garantam aos licenciandos, futuros
professores, um processo de formação humana, social e profissional, crítica e reflexiva
para a realidade educacional. No sentido que constam explicações sobre a importância
da constituição de uma identidade docente e o processo de formação inicial que valorize
a reflexão crítica superando os obstáculos existentes entre teoria e prática, visando uma
atuação profissional docente de qualidade.
Entendemos o ser professor como uma profissão que assumimos, assim como
inúmeras outras possíveis ao longo de uma vida, desse modo pensar na formação de
professores não opera no sentido de duvidar, mas de acreditar em uma aprendizagem
inventiva desmistificada. Ainda assim, podemos inventar possibilidades de não
deixarmos que o ser professor se torne identidade fixa, mas uma identidade que
corrobora ao processo de devir, de entendermos nossa vida como um constante processo
formativo onde o professor não é existência, é acontecimento, é alguém que constrói
lugares ao invés de somente habitar espaços inventados por outrem.
Surge assim a concepção de uma identidade docente, que visa um profissional
reflexivo, crítico e maleável perante o campo de atuação, envolvendo o período de
formação inicial docente perante as demandas de educadores que a sociedade vigente
necessita. A reflexão da prática na prática exige do docente certos movimentos, de
experiência e de experimentações, que deve progressivamente excluir a lógica
disciplinar como fundamento da formação docente, por meio de ciclos de continuidades
e de rupturas, seus questionamentos identitários e éticos, sua relação complexa com os
saberes de diversas fontes, seus momentos reflexivos mesclados de afetos,
transformando a docência num processo humanizado.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4044ISSN 2177-336X
26
2. CAMINHO METODOLÓGICO
Ao tratarmos de uma pesquisa de natureza qualitativa, damos os primeiros
passos de acordo com Marconi e Lakatos (1992) envolvendo os processos de pesquisa
bibliográfica com finalidade de articulação com o material escrito sobre identidade
docente, possibilitando a construção de caminhos para conhecer suas contribuições para
uma formação reflexiva.
Inicialmente, fez-se um levantamento dos autores na área da Educação que têm
estudado e discutido o conceito de identidade, adentramos também nos campos da
Sociologia e da Filosofia, motivo por perceber que estes apresentam apropriações nas
pesquisas que estudam Formação de Professores. Em seguida, buscamos, no banco da
CAPES, teses e dissertações produzidas nos últimos dois anos, usando os descritores
que apresentavam, no título e no resumo, a proposta de estudar identidade no âmbito da
formação de professores.
Utilizamos a metodologia de revisão sistemática para análise dos trabalhos que
segundo Gomes e Caminha (2014), permitiria a combinação de dados empíricos e
teóricos, para mapear o campo de conhecimento sobre formação inicial docente,
corroborando na (re)construção de redes de pensamentos e conceitos, articulando
saberes na tentativa de trilhar caminhos na direção daquilo que objetivamos conhecer.
Após leitura dos resumos dos trabalhos encontrados, identificamos naqueles
que explicitavam o referencial teórico, as teorias que estavam sendo adotadas nas
pesquisas. Em sequência, fizemos uma leitura aprofundada dos conceitos visando à
análise das ideias apresentadas no material, permitindo a conjecturação de explicações
para a concepção de mudança paradigmática na formação de professores e as
contribuições da identidade docente, que apresentaremos a seguir.
3. O CONCEITO DE IDENTIDADE
Apresenta-se o conceito de identidade como consciência que uma pessoa tem
de si mesma de forma reflexiva e de contínua (re)construção. Na reflexão de alguns
questionamentos, partimos do pressuposto que a profissão de professor é caracterizada
por um conjunto de saberes e/ou competências específicas que o faz único enquanto
educador, necessitando de um processo reflexivo durante a formação profissional, sendo
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4045ISSN 2177-336X
27
o que Paulo Freire (1983) sugere como uma possibilidade de Humanização Docente, em
que o professor se veja como um profissional que está sempre se (re)fazendo.
A humanização deve se orientar para a formação do homem-sujeito, orientação
ontológica ―para o outro‖, de ―ser para o outro‖ (fazer para o coletivo), transcendendo
as barreiras do ―para si‖ e ―em si‖ (fazer individual), rumo ao ―eu social‖ (FREIRE,
1983). Assim, a formação de docentes deve investir vigorosamente em uma educação
solidificada na ação, no diálogo e na participação, respeito à dignidade e na autonomia
do educando, no compromisso como práxis (ação e reflexão da realidade), carregada de
humanismo e fundada cientificamente.
É nessa perspectiva que são sustentados os pensamentos de crise de
paradigmas, principalmente a crítica da constituição de uma rígida concepção na
formação inicial docente centrada no modelo de racionalidade técnica, pois assim o
professor educador morre antes mesmo de nascer, pois é isso que acontece no
treinamento do professor, perdendo-o na estreita e paradigmática visão do processo
(FREIRE, 2013).
4. A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Pensar o processo formativo do professor implica investir em possibilidades,
ainda que provisórias, sendo elas devires, de construções de subjetividades a partir de
experiências sociais, promovendo criações que potencializem outros sentidos além dos
significados profissionais de ser professor, onde a docência possa se construir nas
relações com o mundo, a partir das escolhas, acasos, agenciamentos e encontros.
O devir, para Deleuze (1987, p.25), ―não tem um objetivo, não tende a um
final, não é um processo para um ser, pois se fosse já teria alcançado seu objetivo‖. Isso
não significa que, no caso do professor, ora sejamos um professor, ora sejamos outra
coisa, mas que vamos compondo-nos continuamente como diferentes educadores, como
fragmentos de uma unidade identitária professor infinito. Onde o ser do devir não é a
combinação em si, não se trata de acreditar na soma de cada um desses fragmentos, o
que podemos compreender que enquanto devir, nunca se completa ao ponto de se
considerar formado.
O professor, nesse instante, não busca o encontro com o ser, ele necessita do
acaso, que não é dispersão porque vai ao encontro de uma necessidade de diferença, o
que faz pensar suas vivências de modo mais transversal, duvidando de dicotomias como
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4046ISSN 2177-336X
28
as que a fragmentam entre vida pessoal e profissional ou entre o que é natural e o que é
artificial, ou seja, diversas identidades. Do mesmo modo, um professor não é professor
sem considerar os atravessamentos de sua vida, para além do papel que exerce
profissionalmente. Entender essas relações como inseparáveis é algo que permite
duvidar da apreensão de um ser, e afirmar uma identidade docente mutável, flexível e
contínua.
Pode-se pensar nas experiências enquanto práticas, Bondía (2002), sugere que
as tomemos como o colocar-se em risco, permitindo que algo nos aconteça, correndo os
imprevisíveis perigos da transformação, encontrando sentidos (e não verdades) naquilo
que nos acontece. Por isso como proposta deste estudo sobre identidade docente e
paradigmas na formação inicial de professores, busca-se compreender e respeitar o
educador humano como um ser que não é acabado, e sim estar em processo no momento
mesmo de sua exposição, proporcionando a promoção de rupturas no perceber-se e no
posicionar-se enquanto docente.
Até porque o professor não se faz unicamente dentro do campo educacional.
Podendo refletir sobre as políticas, os parâmetros, as diretrizes da educação que estão
sempre a nos dizer o que ensinar, como ensinar, para quem ensinar, por que ensinar. Por
isso acreditamos no processo em que a formação inicial corrobora para a constituição de
uma identidade docente num processo de devir, proporcionando a desterritorialização
desses processos educativos que nos leva a um posicionamento de luta contra um
controle imposto por regimes opressores, para a produção de diferenças que,
rizomaticamente, nos afastam da compartimentalização de saberes limitados em si
mesmos.
5. A QUESTÃO PARADIGMÁTICA
Estando a ideia de identidade docente definida conceitualmente, podemos
abordar a questão paradigmática na formação inicial docente. Primeiro entendemos
paradigmas como um modelo, significando um padrão, paradigmas são valores e
técnicas adotados por uma comunidade para definir problemas e soluções legítimos
(KHUN, 1998, p. 218), ou seja, os paradigmas são noções e estruturas, como se fossem
filtros cuja finalidade é de estabelecer limites e regulamentos para todo tipo de
conhecimento, a princípio temos a formação tecnicista nos cursos de licenciatura em
ciências ditas ―puras‖ (Física, Química, Biologia entre outras) em que pouco ou
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4047ISSN 2177-336X
29
superficialmente se aprofundam nos temas que envolvem a educação, pois defendem
que o conteúdo específico apenas é capaz de formar bons professores.
A Abordagem Tecnicista na educação foca o aprender a fazer, numa visão de
educação-treinamento com finalidade de maximização da produção, não havendo
espaço para a criticidade, orienta o saber pela razão e experimentação, ―revelando assim
o culto do intelecto e do exílio do coração‖ (BEHRENS, 2013, p. 18). Libâneo (1986)
também relaciona a educação à sociedade industrial e tecnológica, quando se refere ao
preparo dos ―recursos humanos‖ como mão de obra especializada para a indústria,
afinal nas universidades as propostas de formação docente neste paradigma tecnicista se
assemelham a uma fábrica onde os licenciandos acabam se tornando produto
(BEHRENS, 2013), afinal os currículos são semelhantes, definidos disciplinarmente
com critérios a serem cumpridos, os graduandos nestas licenciaturas dificilmente
contribuem como protagonistas nesta proposta de formação.
Estudos e discussões como os de Behrens (2013), Bondía (2002) e Freitas
(2012) referentes a novas perspectivas paradigmáticas para a formação inicial docente,
que fundamentaram a ideia de que os conceitos paradigmáticos vigentes de formação
docente não se encaixam nas expectativas para a docência dos futuros professores,
apontam inadequações não só das escolas, mas também na atuação/ação docente frente
às demandas da sociedade de acordo com a demanda social atual.
As instituições educacionais precisam posicionar-se dinamicamente
interagindo com a sociedade e com outras instituições, ao tratar-se de interações
interpessoais (ALARCÃO et al, 2001), visando uma formação/ação de docentes mais
humanos para atuarem de forma reflexiva sobre suas próprias práticas. Mas para isso as
instituições, não apenas as escolas de educação básica, mas as instituições de educação
superior formadoras de docentes devem juntas se posicionar e agir reflexivamente para
que atinjam um único objetivo, corroborando de forma mútua para a formação dos
futuros profissionais da educação.
A este aspecto de revolução, busca superar o paradigma tecnicista no processo
de formação destes profissionais, principalmente os docentes de disciplinas
consideradas assépticas, pois ainda estão distante da realidade e por vez muito técnica,
como uma conversão do profissional docente em mercadoria. Que muitas vezes estão
submetidos a um projeto comum e homogêneo, opondo-se à verdadeira formação/ação
profissional, que deixam de despertar a reflexão educativa, ao promover conhecimento,
problematizando a realidade e levantando questionamentos que envolvem a própria
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4048ISSN 2177-336X
30
formação, portanto romper paradigmas, numa perspectiva dialógica com as
comunidades que o profissional se envolve.
Rubens Alves (1995) reflete sobre a diferença entre Educador e Professor
fazendo uma analogia com Jequitibás e Eucaliptos. O autor exemplifica o Educador
como Jequitibá, pois este é ―formador de mundos e mediador de esperanças‖
despertando o prazer de aprender, mediando seus educandos para a cidadania tornando-
os sujeitos reflexivos do processo histórico, além do fato de enxergá-los como sujeitos
únicos, portadores de um nome e de uma história. Os Professores são como Eucaliptos,
ou seja, são absolutamente idênticos, pois seu papel é transmitir o conteúdo de suas
disciplinas, o Professor é funcionário de um mundo dominado pelo Estado e por
empresas. Neste caso o Professor é visto como reprodutor e o Educador como
construtor, ou seja, despertar o Educador envolve o processo de formação humana do
professor, que antes de ser profissional ele também é sujeito cidadão, deste modo, um
futuro docente competente, de natureza democrática e libertadora.
6. O NOVO PARADIGMA
Ao refletirmos em um paradigma que atendesse as demandas da sociedade
contemporânea, percebemos a falta de ações inovadoras, não apenas relacionadas às
práticas do educador, mas algo institucional que atendesse sua formação, atentando para
reflexão de suas atitudes profissionais. Como afirma Couto (2013), um projeto de
universidade inovadora que vá além de um currículo interdisciplinar e/ou
transdisciplinar e com vivências extracurriculares para os estudantes, inovando a
formação inicial docente que se apresenta arcaica, cujas principais categorias seriam:
rompimento das barreiras entre saber científico/popular, ciência/cultura,
teoria/prática; questionamento de questões referentes à vida e o ser humano
levando em consideração ideais democráticos; construção da ciência pensada
dentro de valores éticos e morais; produção do conhecimento pautada nas
transformações sociais; formação do graduando não encarada como acabada
no período delimitado pela graduação (COUTO, 2013 p. 144).
As universidades nos dias atuais não apresentam currículos e proposta de
formação inicial docente com determinações de autodesenvolvimento e realização
pessoal do aluno. A formação inicial docente se apresenta sem valorizar o ser humano
como indivíduo e pouco seu trabalho criativo e sua vivência harmônica com a natureza,
há também falta de consideração com o desenvolvimento protagonista do licenciando,
ao perceber o futuro docente como sujeito com liberdade para aprender e que vive
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4049ISSN 2177-336X
31
momentos de autodeterminação e auto-realização. A formação reflexiva é dinâmica ao
apresentar metodologia que acolhe, e instiga o desenvolvimento de capacidades e
habilidades, proporcionando-lhes espontaneidade e vivência dentro de condutas
democráticas, assim não apenas formando profissionais de/com qualidade, mas
formando sujeitos para a vida.
Conceitos e concepções não podem mais estar unicamente atrelados a
fundamentos newtoniano-cartesianos, para que a superação desta crise se promova de
modo articulado para benefício educacional e social. Nesta compreensão, o método
holístico precisa da teoria e da prática como equilíbrio, das relações pessoais e
interpessoais nos processos da formação inicial docente. Na consideração do aluno
como sendo o construtor, o partícipe de sua própria história. Sujeito crítico, ativo e
criativo, ao posicionar-se numa relação dialógica com o professor formador e com seus
colegas licenciandos, pois é a partir do diálogo amoroso que se estabelece uma parceria
mútua de confiança (BEHRENS 2013; FREIRE 1992).
Afinal professor, por sua vez, mais experiente das realidades sociais, assume
uma mediação dialógica no processo saber elaborado/conhecimento a ser produzido. O
diálogo consente na harmonia do ensinar sem autoritarismo e leva ao entendimento da
seguinte reflexão de Freire: ―Uns ensinam e, ao fazê-lo, aprendem. Outros aprendem e,
ao fazê-lo ensinam‖ (FREIRE 1992 p. 112).
7. UMA FORMAÇÃO CRÍTICO-REFLEXIVA
Diante desse panorama complexo de uma formação que busca o rompimento
com a visão tecnicista das ciências, que se conscientiza lentamente da necessidade de
uma educação que percebe um sujeito imerso em um mundo de múltiplos
conhecimentos e diversas culturas e que é acometido pelo devir. Romagnoli (s.d)
explica que o pensamento é afetado pela experiência e pelo sentimento por ela
desencadeado. O pensamento não é neutro, não havendo separação entre sensação e
ideia, desejo e razão. Podemos então conceber que a ciência por sua vez também não
pode ser dita neutra, uma vez que é resultado da compreensão humana do mundo
natural. Inerente à concepção cultural do homem, a construção da ciência é resultado de
afloramentos de ideias, de criações que exprimem as percepções do homem no mundo.
Entretanto, o estudo nas ciências é dirigido por uma perspectiva hegemônica,
um paradigma que legitima o pensamento científico. Uma cultura que se incorpora na
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4050ISSN 2177-336X
32
subjetividade dos sujeitos envolvidos no processo de formação dos futuros docentes e
que muitas vezes atua como uma possibilidade de destruição de potencialidades ou
ocasiona a reprodução de metodologias e pensamentos vigentes (ROMAGNOLI, s.d.).
Buscando uma inovação criativa no processo de formação de professores, é importante
compreender que as multiplicidades de ideias e concepções coexistem, buscando
ligações no rizoma formado por essas ideias para gerar produções. Essas produções
ocorrem, segundo Romagnoli (s.d.) quando as diferenças são encadeadas, devires que
permite a percepção dessas conexões, dos encontros entre os ramos rizomáticos de
subjetividades e pensamentos. Criações surgem quando esses ramos se flexibilizam e
permitem uma afetação por outras linhas.
Defendemos então que a formação de professores deve se atentar para as
diferentes possibilidades que atravessam o processo de ensino desses profissionais, que
darão caráter a uma identidade que deve ser mutante, reflexiva e crítica sobre sua práxis
e os conhecimentos. Consideramos então a importância do contato dos licenciados com
a sociedade para que possam problematizar e identificar as necessidades coletivas para
atuar de forma ativa no meio em que está inserido.
O estudo de abordagens problematizadoras surge como proposta que, segundo
Freitas (2012), proporciona um ensino associado à aplicação de conhecimentos e ao uso
de habilidades. Esse se mostra como ―um avanço em relação ao ensino transmissivo
predominante no meio universitário, caracterizado pela atitude receptiva dos alunos‖
(FREITAS, 2012, p. 407). A autora ainda ressalta que essa concepção ―contribui para
formar hábitos de aprendizagem autônoma, iniciativa e capacidade resolutiva‖ além de
inserir a teoria estudada em contextos significativos de ação, o que concede ao estudante
a noção de responsabilidade e de inserção na sociedade, superando a distância entre
teoria e prática.
A arte da problematização foca na formação de profissionais que exerçam a sua
cidadania atuando de forma a transformar a realidade. Assim como visualiza a educação
também como um fator transformador dos sujeitos que se baseia na interação entre
sujeito e meio, gerando uma mútua transformação. ―O objetivo é levar o estudante a
tomar consciência de seu mundo e agir intencionalmente para transformá-lo com vistas
a uma sociedade melhor‖ (FREITAS, 2012, p. 408). A reflexão sobre os problemas
oportuniza ao estudante compreender suas complexidades e articular com os conteúdos
estudados dentro de uma noção social ampla percebendo fatores não evidentes.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4051ISSN 2177-336X
33
Oportuniza assim, que o estudante ateste suas ideias, aplique-as e lhes dê significação
concebendo o valor delas.
Segundo Freitas (2012), o processo de aprendizagem está intimamente ligado
aos símbolos e conceitos culturais e também às interações entre os indivíduos, como já
descrevemos anteriormente, assim como os processos de desenvolvimento mental e de
personalidade.
Esse processo de aprendizagem deve estar intimamente associado aos
motivos dos alunos, de forma que a aquisição de conhecimentos teóricos e os
modos de pensar precisam surgir de necessidades específicas, de motivos
suficientes para o aprendizado, de problemas suficientemente atrativos para
mobilizar a atividade de aprendizagem. Por sua vez, os motivos são
dependentes do desejo e das emoções como base das necessidades
(FREITAS, 2012, p. 413).
Observamos assim, que estratégias diferentes do paradigma newtoniano-
cartesiano podem contribuir para a formação de uma identidade docente que entende o
ensino como um processo dialógico que envolve interação entre licenciandos, sujeitos
externos e com o meio social em que estão inseridos para que se exerça de forma
expressiva a cidadania.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partimos de uma perspectiva dialética de compreensão do homem e de suas
relações sociais, apontamos a identidade compreendida como constituição do sujeito,
desde que seu significado esteja na direção daquilo que se faz aberto e inacabado.
Constatamos que as relações de vivências juntamente a práxis (diálogo entre teoria e
prática) é imprescindível no desenvolvimento de uma proposta educacional na formação
inicial de professores no processo de construção de identidades docentes. Demonstrando
que propostas de atividades que problematizem os conceitos e práticas, as quais
viabilizem a abertura e continuidade do diálogo, a partir das relações vivenciadas, se faz
construtora de experiências afetivas e reflexivas, capaz de produzir significados
singulares e coletivos, que buscam consolidar a formação/ação reflexiva.
Tendo ciência de que estamos em uma fase de transição paradigmática e que o
foco na formação de professores inferi a abordagens problematizadoras e humanizadas
sobre o papel social do professor, necessitando de avanços à medida que progride a
formação inicial docente juntamente a capacidade de autorreflexão e de conhecimento.
Portanto, fundamentamos uma formação de viés emancipatória para inclui a capacidade
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4052ISSN 2177-336X
34
de o estudante tornar-se protagonista de sua própria formação, como sujeito sensível a
suas experiências e ao mundo que o rodeia.
Verificamos então que uma ruptura com a visão tecnicista hegemônica no
Ensino das Ciências possibilita que não haja um engessamento da identidade do
docente, mas proporciona a formação de uma identidade que corrobora ao processo de
trasnformação social, de entendermos nossa vida como um movimento formativo onde
o professor não é reprodução, mas sim criação. Sugerimos uma formação que visa um
profissional reflexivo, crítico e maleável perante o campo de atuação, com qualidade
perante a nova demanda de educadores que a sociedade necessita. A reflexão da prática
na prática exige dos docentes certos movimentos, de experiência e de experimentações,
que deve progressivamente excluir a lógica disciplinar como fundamento da formação
docente, por meio de ciclos de continuidades e de rupturas, seus questionamentos
identitários e éticos, sua relação complexa com os saberes de diversas fontes, seus
momentos reflexivos mesclados de afetos, transformando a docência num processo
humanizado.
Nesse sentido, salientamos uma formação que propicie aos licenciandos
experiências favoráveis, no sentido de construir e dar sentido a uma prática educativa
para além do conteúdo e da técnica. Mas propiciando aprendizagem ativa dos futuros
docentes, fundamentada na práxis, envolvendo questões sociais, éticas e políticas, e
maior contribuição para o desenvolvimento humano, firmando uma formação inicial de
visão critica de compromisso com as mudanças na realidade do local em que virá a
atuar.
9. REFERÊNCIAS
ALARCÃO, I. et al. Escola reflexiva e nova racionalidade. Porto Alegre: Artmed, p.
15-28, 2001.
ALVES, R. Sobre Jequitibás e eucaliptos. Conversas com quem gosta de ensinar.
1995.
BEHRENS, M. A. O paradigma emergente e a prática pedagógica. Petrópolis – RJ:
6 ed. Vozes, 2013. 117 p.
BONDÍA, J. L. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. In Revista
Brasileira de Educação. n. 19, Jan/Fev/Mar/Abr, 2002. pp. 20-28.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4053ISSN 2177-336X
35
COUTO, L. P. A pedagogia universitária nas propostas inovadoras de
universidades brasileiras: por uma cultura da docência e construção da identidade
docente. Tese (Doutorado em Educação)—São Paulo: USP, 2013.
DELEUZE, G. Nietzsche e a Filosofia. Lisboa: Ed.70, 1987.
FREIRE, P. Educação e mudança. 11. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
________. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1992. 127 p.
________. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 45ª ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.
FREITAS, R. A. M. M. Ensino por problemas: uma abordagem para o desenvolvimento
do aluno. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 403-418, abr./jun. 2012.
GOMES, I, S.; CAMINHA, I. O. Guia para estudos de revisão sistemática: uma opção
metodológica para as Ciências do Movimento Humano. Movimento (ESEF/UFRGS),
v. 20, n. 1, p. 395-411, 2014.
KHUN, T. A estrutura das revoluções científicas. 5 ed. São Paulo: Perspectiva, 1998.
257 p.
LIBÂNEO, J. C. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos
conteúdos. São Paulo: Loyola, 1986. 153 p.
MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Metodologia do trabalho científico. São
Paulo: Editora Atlas, 1992. 4a ed. p.43 e 44.
ROMAGNOLI, R. Videoconferência. (sd). Disponível em: http:// youtu.be/-
JnazrUAZqY <Acesso em: 09/02/2016>.
1,10
Docente do Setor de Educação/Departamento de Teoria e Prática de Ensino/Programa de Pós-
Graduação em Educação em Ciências e em Matemática (PPGECM) da Universidade Federal do Paraná
(UFPR)/Grupo de Pesquisa em Ensino e Aprendizagem de Ciências e Matemática, [email protected]
2Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e em Matemática
(PPGECM)/Licenciada em Matemática e Física/ Professora da Rede Adventista de Ensino)/ Professora de
Física na Faculdade Educacional Araucária-Sede Bacacheri/Grupo de Pesquisa em Ensino e
Aprendizagem de Ciências e Matemática, [email protected]
3 Docente do Setor de Educação/Departamento de Teoria e Prática de Ensino/Programa de Pós-Graduação
em Educação em Ciências e em Matemática (PPGECM) da Universidade Federal do Paraná
(UFPR)/Grupo de Pesquisa em Ensino e Aprendizagem de Ciências e Matemática, [email protected]
4 la division de la pratique thèorique en champs de savior délimités donnant lieu à des pratique
d'apprentissage spécialisées - c'est-à-dire la désyncretisation du savior; em chacune de ces pratiques, la
séparation du savior et de la persone – c’est-à-dire la dépersonnalisation du savior; la programmation des
apprendissages et des controles suivant des séquences raisonnées permettant une acquisition progressive
des expertises – c’est-à-dire la programmabilité de l’acquisition du savior (VERRET, 1975, p. 146, grifo
nosso)
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4054ISSN 2177-336X
36
5 la division de la pratique thèorique en champs de savior délimités donnant lieu à des pratique
d'apprentissage spécialisées - c'est-à-dire la désyncretisation du savior; em chacune de ces pratiques, la
séparation du savior et de la persone – c’est-à-dire la dépersonnalisation du savior; la programmation des
apprendissages et des controles suivant des séquences raisonnées permettant une acquisition progressive
des expertises – c’est-à-dire la programmabilité de l’acquisition du savior (VERRET, 1975, p. 146, grifo
nosso)
6 Um contenido de saber que ha sido designado como saber a enseñar, sufre a partir de entonces um
conjunto de transformaciones adaptativas que van a hacerlo apto para ocupar un lugar entre los objetos de
enseñanza. El ―trabajo‖ que transforma de um objeto de saber a enseñar em um objeto de enseñanza, es
denominado la transposición didáctica (CHEVALLARD,1991, p. 45, grifo do autor).
7 utile de discuter le processus de transposition didactique et, en reprenant les propositions de Michel
Verret, on pourrait montrer comment les savoirs à enseigner tirent leur origine de savoirs savants mais
aussi de pratiques sociales de référence, et comment le passage des savoirs savants et des pratiques
sociales de référence aux savoirs à enseigner s’accompagne d’un processos de dépersonnalisation, de
désyncrétisation, de publicité, de programmabilité (DEVELAY, 1993, p. 37)
8, 12 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e em Matemática (PPGECM)
da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professora de Física da Sociedade Educacional de Santa
Catarina (SOCIESC) unidade de Curitiba/Grupo de Pesquisa em Ensino e Aprendizagem de Ciências e
Matemática, [email protected]
9, 11 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e em Matemática (PPGECM)
da Universidade Federal do Paraná (UFPR)/Grupo de Pesquisa em Ensino e Aprendizagem de Ciências e
Matemática, [email protected]
13 Docente do Setor de Educação/Departamento de Teoria e Prática de Ensino/Programa de Pós-
Graduação em Educação em Ciências e em Matemática (PPGECM) da Universidade Federal do Paraná
(UFPR)/Grupo de Pesquisa em Ensino e Aprendizagem de Ciências e Matemática,
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4055ISSN 2177-336X