REFUGIADOS AMBIENTAIS E A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DO
INDIVÍDUO
Etiene Maria Bosco Breviglieri1
Claudia Karina Ladeia Batista2
INTRODUÇÃO
Já há algumas décadas o meio ambiente global vem dando alardes de sua
instabilidade em todo o planeta e vitimando a população em tragédias ecológicas
causadas pela exploração desenfreada da natureza que revelam um cenário de riscos e
incertezas. Um sem números de tsunamis, erupções vulcânicas, excesso de chuvas e
desabamentos deixou milhares de vítimas e desabrigados, chamados de “refugiados
ambientais”.
Em 2005 a Universidade das Nações Unidas divulgou um relatório que previa
que até 2010 o mundo teria mais de 50 milhões de refugiados ambientais, indivíduos
que não receberam até então regulamentação internacional apta a tratar dessa situação
jurídica. O presente trabalho pretende conceituar os refugiados dando maior ênfase aos
refugiados ambientais ou climáticos como grupos que se deslocam pelas fronteiras dos
Estados em busca de novas condições de vida. Dessa forma, propondo uma ampliação
do conceito de refúgio que vai além da proposta na Convenção dos Refugiados de 1951
englobando os princípios da Solidariedade, da proporcionalidade e da dignidade da
pessoa humana na temática dos refugiados o que torna inevitável a revisão de conceitos
do direito internacional, humanitário e ambiental.
1 Pós-Doutora em Direito. Docente do Curso de Direito da UEMS –Paranaíba.
2 Doutora em Direito. Docente do Curso de Direito da UEMS –Paranaíba.
Para isso, discute-se a conceituação de refúgio bem como possíveis e a
prevenção de catástrofes naturais, a realocação das vítimas de tragédias ecológicas no
próprio país de origem e a utilização do direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado como fundamento da obrigação ética internacional de garantir direitos e
condições mínimas de sobrevivência a esta nova classe de refugiados.
1. Da criação da legislação sobre refugiados
Enquanto alguns remontam o refúgio ao período da Primeira Gerra Mundial
(JESUS, 2009, p.39), alguns autores relembram ainda a Revolução Bolchevique de
1917 e da Fome de 1921 que engendraram as ações da Liga das Nações em acolher
especialmente fugitivos da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Tais esforços resultaram na emissão de um documento o “Certificado de
Identidade para Refugiados Russos”, conhecido como o passaporte Nansen, criado pelo
norueguês Fridtjof Nansen, premiado com o Nobel da Paz em 1925, que definia a
situação jurídica dos refugiados (MAZZUOLI, 2008, p. 168).
Historicamente ainda tivemos todas as situações de desrespeito aos direitos
humanos ocorridos na Segunda Guerra Mundial e o consequente número de refugiados,
especialmente os judeus.
Em dezembro de 1950, foi criado pela Assembleia Geral da ONU o Alto
Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), com a finalidade de
prestar auxílio às vítimas – este é o órgão que, atualmente, tem o encargo de proteger os
refugiados e atender ainda apátridas e deslocados internos.
Nos anos 1990, o número de pessoas buscando refúgio em nosso Estado
começou a aumentar, só que, até então, as ações do governo brasileiro eram unicamente
de providenciar e liberar documentos para a entrada do estrangeiro, deixando-o a sua
própria sorte para providenciar sua adaptação e sobrevivência. Finalmente em 1997, foi
editada a lei n.º 9.474/97, instituindo o Comitê Nacional para Refugiados (CONARE),
com a finalidade de analisar as solicitações de refúgio, de definir os direitos e deveres
do refugiado e de prestar assistência aos mesmos, dentre outras atribuições.
Desta feita conforme a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967, são
consideradas refugiadas as pessoas que se encontram fora do seu país de origem por
causa de fundado temor de perseguição em razão de motivos de raça, religião,
nacionalidade, opinião política ou de pertencimento a determinados grupos sociais, o
que os impede de retorno a seu local de origem. Também são refugiados aqueles que
deixaram seu país motivados por conflitos armados, violência generalizada e violação
aos Direitos Humanos (ACNUR, 2015, s.p).
1.2 O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados
A partir da criação de um órgão voltado especialmente para as questões dos
refugiados, o cenário internacional passa a criar normas e direitos mais específicos para
esse grupo humano. O ACNUR além de ter representação na ONU, possui
representação em todos os continentes, através de escritórios, alocados em determinada
região estratégica.
Com a atuação do ACNUR, todas as questões envolvendo refugiados não
mais são resolvidas apenas pelos países envolvidos, podendo ter interferência deste
órgão por meio de uma colaboração participativa, aliando aspectos humanitários e
sociais, lembrando que no que tange à competência para atuação do ACNUR, esta pode
ser estendida para tutelar indivíduos que se encontram em situação de deslocados
internos e apátridas, não somente aos refugiados. Assim em seus próprios documentos,
chamados de General Information Paper:
Ao buscar o primeiro objetivo ele (Acnur) procura promover a adoção
de padrões internacionais de tratamento dos refugiados e a efetiva
implementação destes padrões em áreas como emprego, educação,
moradia, liberdade de circulação, e garantias contra o retorno forçado
para um Estado no qual o refugiado possa ter razões para temer uma
perseguição. Ao buscar o segundo objetivo, o ACNUR procura
facilitar a repatriação voluntária dos refugiados, ou, quando esta não é
uma solução possível, procura auxiliar os governos dos países de asilo
para que os mesmos possibilitem a auto-subsistência dos refugiados o
mais rapidamente possível (JUBILUT, 2007, p.153).
Tendo em vista a grande dificuldade que é a adaptação de refugiados em
novo território, a ACNUR aborda três diferentes frentes: o da integração local, da
repatriação voluntária e do reassentamento. Entende-se por repatriação voluntária,
aquela em que o indivíduo toma iniciativa de retornar a sua nação de origem. Esta
atitude não poderá ser tolhida nem obrigada pelo Estado que acolhe o refugiado, em
observância do princípio non-refoulement.
Para realçar o quadro de refúgio no Brasil inclui-se o gráfico abaixo
retirado da página on line do ACNUR e que demonstra:
De acordo com dados coletados na página supracitada o número total de
solicitações de refúgio aumentou mais de 2.868% entre 2010 e 2015 (de 966
solicitações em 2010 para 28.670 em 2015). A maioria dos solicitantes de refúgio vem
da África, Ásia (inclusive Oriente Médio) e o Caribe. De acordo com o CONARE, o
Brasil possui atualmente (abril de 2016) 8.863 refugiados reconhecidos, de 79
nacionalidades distintas (28,2% deles são mulheres) – incluindo refugiados
reassentados. Os principais grupos são compostos por nacionais da Síria (2.298),
Angola (1.420), Colômbia (1.100), República Democrática do Congo (968) e Palestina
(376). Só em virtude do Conflito da Síria, em setembro de 2013, o CONARE publicou a
Resolução nº. 17 que autorizou as missões diplomáticas brasileiras a emitir visto
especial a pessoas afetadas pelo conflito na Síria, diante do quadro de graves violações
de direitos humanos. Em 21 de setembro de 2015, a Resolução teve sua duração
prorrogada por mais dois anos.
2 Sociedade de risco e seus efeitos ambientais
O homem na busca pelo crescimento assumiu durante o passar dos séculos
uma série de riscos que tiveram de ser superados em nome da evolução. Sem dúvida
alguns desses riscos foram considerados de menor amplitude do que outros, mas sempre
constituíram entraves a humanidade. É possível assim vislumbrar com o estudo das
principais civilizações o temor do homem por tudo que fora desconhecido e que lhe
gerava incerteza: como a morte, as catástrofes naturais e os infortúnios.
Por isso, o estudo desse tema não é, de todo, novo. No entanto, sua
regulamentação foi tardia. Se por um lado a noção de risco era essencialmente
inevitável ao crescimento humano, por outro lado, as formas de gestão do mesmo
tardaram a aparecer.
A humanidade sempre buscou de diferentes formas, inclusive muitas delas
associadas às religiões e às crenças, formas diferentes de prever o futuro e de certa
forma ter o poder da “manipulação dos riscos”, podendo inclusive o termo “risco” ser
encontrado por exemplo, nos textos bíblicos. O conceito de risco na Europa ocidental
por volta do século XIII, (risicum, rischio, risco, risque) estava associado tanto aos
riscos dos empreendimentos comerciais como à Fortuna, seja na guerra ou nos jogos de
azar. Durante esse período “A Fortuna” representada em gravuras medievais sentada
sobre uma esfera (“Sedes Fortuna rotunda”), como forma de representação da
fragilidade e do instável equilíbrio a que o futuro da humanidade estava sujeito sob as
ideias de incerteza e risco.
Diante de seus temores e de diferentes formas encontradas para lidar com ele,
a humanidade passou a lidar com o risco. Tal termo, “risco” surge mais próximo da
maneira como o conhecemos por volta do Séc. XIV, na Itália, em virtude da
terminologia usada pelos seguros marítimos e ainda muito atrelada aos desastres
naturais.
Com o advento da modernidade no Séc. XVII e o surgimento de novas
tecnologias os riscos aos poucos se depreendem da natureza e rumo às atividades
humanas o que aumenta e propõe o caráter de previsibilidade dos mesmos. Não
surpreende, portanto que ao menos no Séc. XIX o estudo dos riscos, em especial da
responsabilidade inerente a eles, tivesse que surgir como forma de conhecimento do
contexto social, econômico e jurídico em que vivemos e para claro chegarmos
finalmente a superação dos mesmos.
Assim, durante muito tempo a ideia de risco continuou atrelada a de sorte e
infortúnio fazendo com que por consequência os riscos florescessem num campo fértil
de despreparo tecnológico em que a sociedades arcaicas viviam. O fato é que hoje a
presença e análise dos riscos se tornaram um grande paradoxo da modernidade. Ao
mesmo tempo em que evolui tecnologicamente tem de assumir o seu descontrole no
tocante aos efeitos de várias dessas tecnologias. Por isso, o termo “risco” é comumente
empregado no sentido negativo. Em geral associado a desastres de ordem natural ou
mesmo de produção humana, tal termo é sempre mencionado em situações de incerteza
e probabilidade de perdas, sejam econômicas ou de outra ordem.
Se estamos assim, inseridos na chamada “Sociedade do Risco”, termo que desde
a publicação da obra “Sociedade de Risco: Rumo a uma outra modernidade” de Ulrich
Bech desfolha uma realidade de incertezas e responsabilidades na esfera privada e
pública, na qual estamos inseridos e sujeitos a seus efeitos. Dessa forma, uma vez
sujeito aos riscos naturais ou humanos, estaremos, portanto diante de modificações
capazes de engendrar responsabilidade em relação a sua capacidade de mitigação.
Para tanto, o autor da obra supracitada defende a ideia de que durante séculos os
riscos sempre existiram, no entanto, com grau e extensão diferentes, vez que num
primeiro momento, possuíam caráter pessoal; num segundo momento, mais
especificamente na sociedade moderna clássica, os riscos em maior proporção;
atingiram a coletividade principalmente em virtude de fatores como a deficiência de
suprimentos, os baixos níveis de higienização e suas consequentes epidemias. Já na
sociedade pós-moderna os riscos são apontados como de maior extensão vez que
atingem a sociedade, principalmente em virtude da produção em escala industrial
marcada por questões de natureza difusa e coletiva como a degradação do meio
ambiente e os desastres ocorridos nesse sentido.
Beck fará assim uma diferenciação entre os chamados riscos naturais e
modernos (de produção humana) afirmando que tais processos dividem as sociedades
em Tradicionais, de Primeira Modernidade e de Segunda Modernidade. Conforme o
quadro abaixo3:
3 Quadro 1- Características das Sociedades tradicionais, da 1 Modernidade e 2 Modernidade segundo
Beck. In: QUEIROZ, Margarida; VAZ, Teresa; PALMA, Pedro. Uma reflexão a propósito do risco.
Centro de Estudos Geográficos. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Disponível em:<
http://www.ceg.ul.pt/ERSTA/..%5CDescarga%5CERSTA%5CMQ_TV_PP.pdf>. Acesso em:
14/01/2011, p.6.
Sociedades Tradicionais 1ª Modernidade 2ª Modernidade
- Estruturas Comuns
- Influência da família na construção da
individualidade
- Tradição
- Religião/crenças
- Dogmas
- Peso do Estado-nação
- Estrutura das classes sociais
- Pleno emprego
- Rápida industrialização
- Exploração da natureza não visível
- Reflexividade
- Destradicionalização
- Individualização
- Globalização
- Desemprego
- Liberdade de escolha
- Revolução do gênero
- Progresso tecnológico
- Poder tecnocrata
Segundo a obra de Beck pode-se extrair as seguintes tipologias de catástrofes:
Diante desse quadro podemos analisar que a questão dos “refugiados
ambientais” aponta para cenários de mudanças ambientais globais preocupantes em
menos de cem anos. Ao lado dos cenários atuais de mudança climática, a ocorrência
cada vez mais frequente de desastres naturais também explica a preocupação crescente
com o tema na mídia a partir de casos de repercussão mundial como o tsunami na
Indonésia em 2004 e o furacão Katrina nos Estados Unidos em 2005. Também os
recentes acontecimentos no Japão (terremotos, tsunamis e crise nuclear), também
deixam à mostra a fragilidade do mundo desenvolvido aos impactos de eventos
extremos e a situação de crise daí decorrente cuja magnitude excede a capacidade de
Segurança
Previsibilidade
Confiança
Norma
Dúvida quotidiana
Incerteza
Fragmentação Cultural
Insegurança
Comportamentos predefinidos Pensar antes de agir
gestão da sociedade atingida pelo próprio evento o que só confirma a atual sociedade de
risco em que estamos inseridos.
Vale lembrar que um o primeiro caso em que se utilizou o termo refugiados
ambientais foi a dos habitantes da ilha de Tuvalu, no Oceano Pacífico. Os moradores
dessa ilha foram considerados pela ONU como sendo os primeiros refugiados
ambientas, isso porque, a ilha está a apenas 10 centímetros a cima do nível do mar, e,
segundo dados trazidos pelo IPCC, tudo indica que a elevação do nível dos oceanos nos
próximos 100 anos pode variar até um metro. A única solução a longo prazo seria a
evacuação da ilha.
A depender da intensidade e do alcance do evento, é possível vislumbrar a
hipótese de que Estados venham a depender da solidariedade internacional para a sua
reconstrução. O terremoto que atingiu o Haiti em 2010, o maior em 200 anos no país e o
pior desastre urbano da atualidade, que resultou em mais de 300 mil vítimas fatais e
aproximadamente um milhão e meio de pessoas desabrigadas, comprova tal hipótese. O
custo da catástrofe foi avaliado pelo Banco Mundial em 7.9 bilhões de dólares e a
reconstrução vem sendo financiada por organizações, fundos e doadores internacionais
(ALERNET, 2010, s.p)4.
Diante desses quadros podemos enfim destacar como prováveis problemas
naturais ensejadores de refugiados ambientais a crise climática mundial, em especial
pelo aquecimento global, ponto importante na discussão da RIO 92 que salientou:
Agenda 21 – 9.6. A preocupação com as mudanças do clima e a
variabilidade climática, a poluição do ar e a destruição do ozônio criou
novas demandas de informação científica, econômica e social, para
reduzir as incertezas remanescentes nessas áreas. É necessário melhor
compreensão e capacidade de previsão das diversas propriedades da
atmosfera e dos ecossistemas afetados, bem como de suas
consequências para a saúde e suas interações com os fatores
socioeconômicos. (AGENDA 21, 1992, online).
Outros desastres como as chuvas em excesso, desmoronamento, terremotos,
furacões etc.. geram a multicausalidade dos deslocamentos humanos e a dificuldade no
isolamento de suas causas. Data venia, as migrações ambientais podem ser
4 O AlertNet é, serviço de notícias humanitárias da Thomson Reuters Foundation que realiza cobertura de
crises em todo o mundo e fornece informações sobre catástrofes naturais, conflitos, refugiados, fome,
doenças e mudanças climáticas.
caracterizadas de origem natural, humana ou mista, de magnitude tal capaz de
comprometer gravemente a vida e a segurança de indivíduos e grupos de determinada
localidade ou região.
O mapa abaixo retrata o problema dos deslocamentos humanos e seus reflexos
em diferentes áreas do globo.
3. Deslocamentos humanos e o surgimento dos refugiados ambientais
Inegável o número crescente de deslocamentos humanos em várias áreas do
globo. Isso se deve como já mencionado a crescente destruição de recursos naturais que
impossibilitam a sobrevivência humana. Dados internacionais relatam que 60 milhões
de pessoas são vitimadas, o que daria para povoar um país e este poderia ser o 24º país
mais populoso do mundo, chegando ao ponto em que o número de refugiados
ambientais supera o de refugiados de guerra5. Os números mais tristes são registrados na
Síria, na África Subsaariana, no sudeste asiático e no Mar Mediterrâneo, onde desde o
início de 2015, 1.800 pessoas morreram na travessia. Ainda sobre os dados relacionados
ao tema:
Um relatório publicado em Genebra pela Organização Internacional
de Migrações, OIM, juntamente com o Instituto de Desenvolvimento
Sustentável e de Relações Internacionais, IDDRI, informa sobre este
novo fenômeno que afeta todos os continentes. O relatório, State of
Environmental Migration 2010, apresenta um quadro de cifras
significativo: em 2008, 4,6 milhões de pessoas tiveram que se deslocar
dentro de seus países em razão de um conflito armado enquanto outras
20 milhões tiveram que fazer o mesmo devido a uma catástrofe
natural.
As cifras não pararam de aumentar: em 2009 houve 15 milhões de
refugiados “ambientais” e em 2010 a cifra subiu para 38 milhões.
Hoje, o deslocamento climático ou ambiental é a primeira causa das
migrações humanas. Estas cifras podem ser contrastadas com o
número de refugiados políticos que existe no mundo: 16 milhões de
pessoas, 12 milhões sem contar os palestinos (Carta Maior, 2012, s.p).
Pela primeira vez, na década de 1980, o Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente (PNUMA) discutiu o termo refugiado ambiental, definindo como sendo
aquele indivíduo forçado a abandonar seu habitat normal, temporariamente ou
definitivamente, devido a desequilíbrios do meio ambiente, por causas naturais, ou
decorrentes da atividade humana, como acidentes industriais, grandes projetos
econômicos de desenvolvimento, entre outras causas, e que tornaram a vida
insustentável no seu local de origem. Nascem assim a categoria dos refugiados
ambientais que não encontram aporte jurídico específico nas normas internas dos
Estados e no Direito Internacional ficando abarcados em normas gerais de direitos
humanos6. Definidos de forma geral como:
5 A Organização Internacional para Migrações (OIM), por exemplo, estima que o número de “refugiados
ambientais” será entre 200 milhões e 1 bilhão de pessoas em 2050. 6 Encontram respaldo em normas como: (i) a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, na
sua totalidade; (ii) o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, na sua
totalidade; (iii) Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966, na sua totalidade, e (iv) a
Declaração e Programa de Ação de Viena, de 1993, na sua totalidade; entre outros instrumentos de ampla
proteção. Também aplicam-se aos “refugiados ambientais” os instrumentos específicos de direito
internacional dos direitos humanos que digam respeito às mulheres, às crianças, aos idosos e a todos os
grupos considerados vulneráveis.
Na esfera do direito internacional do meio ambiente, os “refugiados ambientais” encontram proteção na
Convenção de Aarhus, de 1998, de caráter regional, além de disporem de proteção nos preceitos da
[...] são forçados a abandonar todos os seus pertences e fugir para
salvar suas vidas, no rescaldo dos furacões, tsunamis, terremotos e
outras perturbações graves. Eles são refugiados ambientais, quando a
falta de recursos e as necessidades básicas da vida os obriga a
abandonar seus habitats, quando a desertificação, o derretimento
glacial e o aumento da poluição ambiental da terra e da água tornam a
sobrevivência digna, e o suporte básico de saúde, impossíveis
(WESTRA, 2009, p.15).
Cançado Trindade critica o não-reconhecimento do “refugiado ambiental” pelo
direito internacional e pelos instrumentos de direito dos refugiados e afirma:
As pessoas deslocadas em diferentes circunstâncias constituem uma
categoria que requer cuidadosa atenção e não raro têm maior
necessidade de proteção do que os refugiados que deixaram o país
(...). Para os propósitos do presente estudo, além da possível
assimilação de vítimas de desastres ambientais a pessoas protegidas
sob o direito dos refugiados, há outro ponto merecedor de atenção, e
igualmente inexplorado até o presente: o da dimensão intertemporal
do direito internacional dos refugiados. Esta dimensão está sempre
presente em níveis distintos; por exemplo, os desastres ambientais,
embora parecendo fenômenos a prazo – “imediato”, podem afetar as
pessoas também a longo prazo. Podem haver vítimas de fenômenos ou
acidentes causados pelo homem com efeitos a longo prazo. Tais
vítimas a longo prazo podem bem afigurar-se como pessoas
deslocadas para o propósito de proteção sob o direito internacional dos
refugiados (TRINDADE, 1993, p. 135).
Diante disso se faz urgente a criação de normas específicas para proteção dos
refugiados ambientais. Em diferentes países já existem protocolos e documentos em
análise sobre o tema no intuito de liquidar o problema normativo. Como pioneiro temos
a proposta do novo protocolo das ilhas Maldivas, fruto da consulta a seus Ministérios,
delegações da ONU, participação de Estados interessados195, reuniões com
representantes de programas e Organizações Internacionais (FICV, OMS, UNICEF,
PNUD e as agências japonesas - JICA e JIJA), além da colaboração de ONGs (LISER)
e pesquisadores. O quadro abaixo aponta alguns aspectos dessa iniciativa7:
equidade intergeracional e de justiça ambiental. No direito das migrações, cabe a Convenção
Internacional para a Proteção de Todos Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias, de 1990,
no que lhes for aplicável. Também se aplicam aos “refugiados ambientais” as resoluções da ONU e as
recomendações de outros organismos internacionais que lhes digam respeito direta ou indiretamente, além
de princípios do Direito Internacional. 7 Linhas gerais da proposta de Protocolo sobre “refugiados ambientais” de iniciativa do Governo
das Maldivas. Fonte: Adaptado de Republic of Maldives (Ministry of Environment, Energy and Water),
2006. (RAMOS, 2011, p.114-115).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos dados analisados situam-se alguns entraves importantes sobre o tema.
Primeiramente o caos ambiental vivido por nosso planeta que aponta para um número
cada vez maior de catástrofes que causarão impacto nas vidas de milhões de pessoas.
Aliada a essa situação teremos um número cada vez maior de “deslocados
ambientais” definidos como pessoas que em virtude de alterações ambientais terão de
deixar suas casas e em grande maioria o Estado em que residem dando causa a
necessidade de apoio e recepção por outros Estados.
Ainda como entrave ao tema temos o problema jurídico de conceituação e
proteção legal dessas vítimas ambientais.
Dessa forma torna-se imprescindível um tratamento novo e amplo do tema a fim
de garantir direitos e princípios basilares aplicáveis a essas pessoas, inclusive no Brasil.
O andamento da criação de normas, bem como a receptividade de países frente
aos refugiados construirá uma proteção baseada no chamado princípio da solidariedade
dos povos, sem o qual não há que se falar em avanço ou contemporaneidade do direito
internacional.
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