MA 14 - Aritmetica
Resumos das Unidades 1 e 2
Abramo Hefez
PROFMAT SBM
Unidade 1
Divisibilidade
O nosso objeto de estudo neste curso e o conjunto dosnumeros inteiros:
Z = {. . . ,−2,−1, 0, 1, 2, . . .}.
Em Z ha um subconjunto que se destaca, o conjunto dosnumeros naturais:
N = {1, 2, 3, . . .}.
Dados dois numeros inteiros quaisquer, e possıvel soma-los,subtraı-los e multiplica-los, mas nem sempre e possıveldividir um pelo outro.
So existe a Aritmetica nos inteiros porque a divisao nemsempre e possıvel.
Diremos que um numero inteiro a divide um numero inteirob, escrevendo
a|b,quando existir c ∈ Z tal que b = c · a.
Neste caso, diremos tambem que a e um divisor ou um fatorde b ou, ainda, que b e um multiplo de a
Exemplos
• 1|0, pois 0 e multiplo de 1: 0 = 0 · 1;
• −2|0, pois 0 e multiplo de −2: 0 = 0 · (−2);
• 1|6, pois 6 e multiplo de 1: 6 = 6 · 1;
• −1| − 6, pois −6 e multiplo de −1: −6 = 6 · (−1);
• 2|6, pois 6 e multiplo de 2: 6 = 3 · 2;
• −3|6, pois 6 e multiplo de −3: 6 = (−2) · (−3).
Note que se a|b, com um jogo de sinais, e facil mostrar que±a| ± b.
A negacao da sentenca a | b e representada pelo sımbolo:
a 6 | b,
significando que nao existe nenhum numero inteiro c tal queb = c · a.
Por exemplo, 3 6 | 4 e 2 6 | 5.
Suponha que a|b e seja c ∈ Z tal que b = c · a.
O numero inteiro c e chamado de quociente de b por a e
denotado por c =b
a.
Por exemplo,
0
1= 0,
0
−2= 0,
6
1= 6,
−6
−1= 6,
6
2= 3,
6
−3= −2.
Estabeleceremos a seguir algumas propriedades dadivisibilidade.
Proposicao
Sejam a, b, c ∈ Z. Tem-se quei) 1|a, a|a e a|0.ii) se a|b e b|c, entao a|c (Propriedade transitiva).
Demonstracao: (i) Isto decorre das igualdades a = a · 1,a = 1 · a e 0 = 0 · a.
(ii) a|b e b|c implica que existem f, g ∈ Z, tais que
b = f · a e c = g · b.Substituindo o valor de b da primeira equacao na outra,obtemos
c = g · b = g · (f · a) = (g · f) · a,o que nos mostra que a|c.
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O item (i) da proposicao acima nos diz que todo numerointeiro e divisıvel por 1 e por si mesmo.
Listaremos a seguir algumas propriedades da divisibilidade,cujas provas sao semelhantes as feitas acima.
Sejam a, b, c, d ∈ Z. Tem-se que
i) a|b e c|d =⇒ a · c|b · d;
ii) a|b =⇒ a · c|b · c;
iii) a|(b± c) e a|b =⇒ a|c;
iv) a|b e a|c =⇒ a|(xb + yc), para todos x, y ∈ Z.
v) Se a, b ∈ N, tem-se que a|b =⇒ a 6 b.
E importante interiorizar as propriedades acima, pois elasserao utilizadas a todo momento.
As proposicoes a seguir serao de grande utilidade.
Proposicao
Sejam a, b ∈ Z e n ∈ N. Temos que a− b divide an − bn.
Demonstracao: Vamos provar isto por inducao sobre n.
A afirmacao e obviamente verdadeira para n = 1, pois a− bdivide a1 − b1 = a− b.
Suponhamos, agora, que a− b|an − bn. Escrevamos
an+1− bn+1 = aan− ban + ban− bbn = (a− b)an + b(an− bn).
Como a− b|a− b e, por hipotese, a− b|an − bn, decorre daigualdade acima e da Propriedade (iv) quea− b|an+1 − bn+1.
Estabelecendo assim o resultado para todo n ∈ N.
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Proposicao
Sejam a, b ∈ Z e n ∈ N. Temos que a + b dividea2n+1 + b2n+1.
Demonstracao: Tambem por inducao sobre n.
A afirmacao e, obviamente, verdadeira para n = 0, pois a+ bdivide a1 + b1 = a + b.
Suponhamos, agora, que a + b|a2n+1 + b2n+1. Escrevamos
a2(n+1)+1+b2(n+1)+1 = a2a2n+1−b2a2n+1+b2a2n+1+b2b2n+1 =
(a2 − b2)a2n+1 + b2(a2n+1 + b2n+1).
Como a + b divide a2 − b2 = (a + b)(a− b) e, por hipotese,a + b|a2n+1 + b2n+1, decorre das igualdades acima e daPropriedade (iv) que a + b|a2(n+1)+1 + b2(n+1)+1.
Estabelecendo, assim, o resultado para todo n ∈ N.
�
Proposicao
Sejam a, b ∈ Z e n ∈ N. Temos que a + b divide a2n − b2n.
Demonstracao: Novamente, a prova se faz por inducaosobre n, nos mesmos moldes das provas das duas proposicoesanteriores. Deixamos os detalhes por sua conta.
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Exercıcio
Vamos mostrar que o produto de i inteiros consecutivos edivisıvel por i!.
De fato, podemos escrever os i inteiros consecutivos como
n, n− 1, n− 2, . . . , n− (i− 1),
cujo produto P = n(n− 1)(n− 2) · · · (n− i + 1) e divisıvelpor i!, ja que
P
i!=
n(n− 1)(n− 2) · · · (n− i + 1)
i!=
(n
i
)∈ N.
Como aplicacao vamos mostrar que 6 divide todo numero daforma n(n + 1)(2n + 1), onde n ∈ N.
De fato,
n(n + 1)(2n + 1) = n(n + 1)(n + 2 + n− 1)= n(n + 1)(n + 2) + n(n + 1)(n− 1).
Como cada uma das parcelas n(n + 1)(n + 2) en(n + 1)(n− 1) e o produto de tres inteiros consecutivos,elas sao multiplos de 3! = 6.
Portanto, sendo o numero n(n + 1)(2n + 1) soma de doismultiplos de 6, ele e tambem multiplo de 6.
Este fato nao e surpreendente, pois sabemos que
n(n + 1)(2n + 1)
6= 12 + 22 + 32 + · · ·+ n2.
Exercıcio
Vamos mostrar que 13 | 270 + 370.
Note que 270 + 370 = 435 + 935.
Como 35 e ımpar, temos que 4 + 9 divide 435 + 935,
o que mostra que 13 divide 270 + 370.
UNIDADE 2
Divisao Euclidiana
Mesmo quando um numero inteiro a nao divide um numerointeiro b, Euclides (Seculo 3 a.C), nos seus Elementos,utiliza, sem enuncia-lo explicitamente, o fato de que esempre possıvel efetuar a divisao de b por a, com restopequeno.
Este resultado, de cuja justificativa geometrica damos umaideia quando a e natural, nao so e um importanteinstrumento na obra de Euclides, como tambem e umresultado central da teoria elementar dos numeros.
Suponhamos que a ∈ N e consideremos a decomposicao de Nem uniao de intervalos disjuntos:
N = . . . ∪ [−2a,−a) ∪ [−a, 0) ∪ [0, a) ∪ [a, 2a) ∪ . . .
Fica claro que qualquer numero inteiro b pertence a um esomente um desses intervalos.
Portanto, existe um unico q ∈ Z tal que b ∈ [qa, qa + a),
ou seja, existem numeros inteiros unicos q e r tais que
b = qa + r, com 0 6 r < a.
Agora enunciamos o resultado geral:
Teorema (Divisao Euclidiana)
Sejam a e b dois numeros inteiros com a 6= 0. Existem doisunicos numeros inteiros q e r tais que
b = a · q + r, com 0 6 r < |a|.
Nas condicoes do teorema, os numeros a e b sao o divisor e odividendo, enquanto q e r sao chamados, respectivamente,de quociente e de resto da divisao de b por a.
Note que o resto da divisao de b por a e zero se, e somentese, a divide b.
Exemplos
• Como 19 = 5 · 3 + 4, o quociente e o resto da divisao de 19por 5 sao q = 3 e r = 4.
• Como −19 = 5 · (−4) + 1 o quociente e o resto da divisaode −19 por 5 sao q = −4 e r = 1.
• O resto da divisao de 10n por 9 e sempre 1, qualquer queseja o numero natural n.
De fato, 9 = 10− 1 divide 10n − 1n = 10n − 1. Assim,10n − 1 = 9q, logo 10n = 9q + 1. Como 0 ≤ 1 < 9, pelaunicidade na divisao euclidiana, tem-se que o resto dadivisao de 10n por 9 e sempre 1.
Par ou ımpar?•
Dado um numero inteiro n ∈ Z qualquer, temos duaspossibilidades:
i) o resto da divisao de n por 2 e 0, isto e, existe q ∈ N talque n = 2q; ou
ii) o resto da divisao de n por 2 e 1, ou seja, existe q ∈ N talque n = 2q + 1.
No caso (i), dizemos que n e par e no caso (ii), dizemos quen e ımpar.
Mais geralmente, fixado um numero natural m > 2, pode-sesempre escrever um numero qualquer n, de modo unico, naforma n = mk + r, onde k, r ∈ Z e 0 6 r < m.
Por exemplo, todo numero inteiro n pode ser escrito emuma, e somente uma, das seguintes formas: 3k, 3k + 1, ou3k + 2.
Ou ainda, todo numero inteiro n pode ser escrito em uma, esomente uma, das seguintes formas: 4k, 4k + 1, 4k + 2, ou4k + 3.
Este ultimo fato, permite mostrar que nenhum quadrado deum numero inteiro e da forma 4k + 3.
De fato, seja a ∈ Z.
• Se a = 4k, entao a2 = 16k2 = 4k′, onde k′ = 4k2.
• Se a = 4k + 1, entao a2 = 16k2 + 8k + 1 = 4k′ + 1, ondek′ = 4k2 + 2k.
• Se a = 4k + 2, entao a2 = 16k2 + 16k + 4 = 4k′, ondek′ = 4k2 + 4k + 1.
• Se a = 4k + 3, entao a2 = 16k2 + 48k + 9 = 4k′ + 1, ondek′ = 4k2 + 12k + 2.
Vamos aplicar este resultado para mostrar algo interessante:
Nenhum numero da forma a = 11 . . . 1 (n algarismos iguais a1, com n > 1) e um quadrado.
De fato, podemos escrever a = b · 100 + 11 = 4(25 · b+ 2) + 3,onde b = 11 . . . 1 (n− 2 algarismos iguais a 1). Logo, a e daforma 4k + 3 e, portanto, nao pode ser um quadrado.
Com esta tecnica pode-se mostrar que nenhum numero daforma 11 . . . 1 e soma de dois quadrados. Deixamos istocomo exercıcio