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ANO LI N 1 JANEIRO - JUNHO DE 2015
REVISTADO
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Revista do Arquivo Pblico MineiroHistria e Arquivstica
Ano LI n 1 janeiro - junho de 2015Numerao sequencial suspensa 2 sem. 2011
Av. Joo Pinheiro, 372 Belo Horizonte MG BrasilCEP 30.130-180 Tel. +55 (31) 3269-1167
Governador do Estado de Minas GeraisFernando Damata Pimentel
Vice-governador do Estado de Minas GeraisAntnio Andrade
Secretrio de Estado de CulturaAngelo Oswaldo de Arajo Santos
Secretrio Adjunto de Estado de CulturaBernardo Novais da Mata Machado
Superintendente do Arquivo Pblico MineiroVilma Moreira dos Santos
Diretora de Acesso Informao e PesquisaAlessandra Palhares
Coordenao editorialRenato Pinto Venancio
Editor executivoRegis Gonalves
Projeto grfico e direo de arteMrcia Larica
Pesquisa e seleo iconogrficaAna Maria de Souza e Renato Pinto Venancio
Assistente de pesquisa iconogrficaMrcia Alkmim
Reviso e normalizao de textoLlian de Oliveira
FotografiaDaniel Mansur
Editorao eletrnicaFbio de Assis
Gesto financeiraVia Social Projetos Culturais e Sociais
Conselho EditorialAndra Lisly Gonalves
Caio Csar BoschiEliana Regina de Freitas Dutra Heloisa Maria Murgel Starling
Jaime Antunes da SilvaJos Murilo de Carvalho
Luciano Raposo de Almeida FigueiredoLucilia de Almeida Neves Delgado
Edio, distribuio e vendas: Arquivo Pblico MineiroTiragem: 1.000 exemplares. Impresso: Rona Editora Ltda.
Revista do Archivo Pblico Mineiro. - Ano 1, n.2(jan./mar.1896) - . - Ouro Preto: Imprensa Official deMinas Geraes, 1896 - .v. : il.; 26 cm. -
SemestralIrregular entre 1896 2005.Numerao sequencial suspensa 2 sem. 2011.Numerao sequencial regularizada no 1 sem. 2014.De 1896 a 1898 editada em Ouro Preto.De 1930 em diante: Revista do Arquivo Pblico Mineiro.
ISSN 0104-8368
1. Histria Peridicos. 2. Arquivologia Peridicos3. Minas Gerais Peridicos. 4. Histria Arquivo Minas Gerais.5. Gesto de documentos Minas Gerais. 6. Administraopblica e cidadania 120 anos do APM Minas Gerais.I - Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais. II. ArquivoPblico Mineiro.
CDD 905
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EDITORIALInstituio pioneira e exemplar
ENTREVISTAUm historiador nos dois lados do Atlntico
Pesquisador infatigvel nos arquivos do Brasil e de Portugal, suaobra indispensvel para a compreenso do perodo colonial.
DOSSI
ApresentaoEsta edio celebra os 120 anos do APM com textos que realam
sua contribuio para a administrao pblica e a cidadania.
Um patrimnio de pedra e calSede do APM valioso patrimnio que sofreu vrias intervenes
arquitetnicas para sua adequao funo arquivstica.
Exerccio de cidadaniaAtuao do APM consagra, desde sua fundao, o ideal de servir
pesquisa, administrao pblica e aos cidados.
Da gesto difuso, avanar precisoEssas so ferramentas metodolgicas essenciais para atualizao
de procedimentos na moderna atividade arquivstica.
Tesouro reveladoEm depoimento pessoal, pesquisador registra como explorou
dados do acervo do APM nos estudos sobrea escravido em Minas.
| Angelo Oswaldo de Arajo Santos 7
| Caio Boschi 8
| Patrimnio, cidadania e pesquisa
| Vilma Moreira dos SantosRenato Pinto Venancio 20
| Mariana Sousa Bracarense 22
| Renato Pinto Venancio 42
| Ivana Parrela 60
| Roberto Borges Martins 80
ENSAIO
O governo dos povos e o amor ao dinheiroO Imprio portugus conheceu frequentes conflitos entre agentes
da Coroa e sditos do ultramar que se julgavam lesados.
Escravos, libertos e a Justia dos brancosEx-escravos recorreram com frequncia aos tribunais, em
Mariana (MG), pleiteando desagravo por direitos derrogados.
ARQUIVSTICA
Arquivos e bibliotecas, realidades antitticasDa Antiguidade aos nossos dias, as atividades dessas instituies
diferem tanto no contedo quanto na forma.
ESTANTEDestaques entre reedies e lanamentos de inditos
nos campos da Histria e da Arquivologia.
ESTANTE ANTIGA
Correspondncia proveitosaCorrespondentes designados por Xavier da Veiga revelam em suas
cartas notvel comprometimento com o projeto do fundador.
| Adriana Romeiro
| Renata Romualdo Dirio
| Elio Lodolini
| Renovao historiogrfica e arquivstica
| Mrcia Pereira Alkmim
SUMRIO
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Instituio pioneira e exemplar
Na antevspera da transferncia da capital para a Cidade de Minas, que se edificava no arraial de Belo Horiz
assim denominado, quatro anos antes, o velho Curral del Rei, criou-se em O uro Preto o Arquivo Pblico Mine
Em 1895, dois anos antes da mudana nervosamente aguardada, Jos Pedro Xavier da Veiga transformou o
onde vivia e o chal anexo, ao p da Igreja das Merc s e Perdes, na s ede do formidvel acervo em que reun
documentos fundamentais da histria da Capitania, da Provncia e do E stado de Minas Gerais.
A proficincia e o zelo de Xavier da Veiga garantiram o xito da misso a que se entregou, no momento em q
todo o passado da Acrpole dos Inconfidentes parecia sucumbir sob o impacto da cidade modernamente tra
sobre as encostas da portentosa Serra do Curral. Basta lembrar que nenhum mvel ou objeto do antigo Pal
dos Governadores erguido por Jos Fernandes Pinto Alpoim e Manuel Francisco Lisboa, na dcada de 174
cuja capela privativa se deve talha do Aleijadinho adentrou o Palcio da Liberdade, ornado e mobiliado
gosto afrancesado das residncias aristocrticas, revelia dos acervos acumulados ao longo dos tempos deglria e declnio da cidade de Antnio Francisco Lisboa. As escadarias de ferro trazidas da Blgica, as lumin
sustentadas por estatuetas de estanho, porcelanas, cristais e tapearias vindos da Frana encheram os olho
se fechavam para os catres de jacarand e as cadeiras de palhinha, as mesas de grandes gavetas, a loua d
Saramenha e os santos contorcidos no movimento barroco de suas vestes.
Graas a Jos Pedro Xavier da Veiga, no despareceram, nas convulses da retirada em massa dos ouro-pr
papis e objetos sem os quais se teria perdido a memria de Minas Gerais. Retratos dos monarcas portugu
dois pequenos canhes da sede do governo colonial, por entre outros vestgios da saga do ouro, cercaram a
papelada colossal que o visionrio autor das Efemrides Mineirascompilou no Arquivo Pblico Mineiro. Tin
ser esta a instituio primeira da presena do Estado no campo da cultura de Minas Gerais, pois que assina
a opulncia de nosso patrimnio histrico e artstico quanto a necessidade de sua preservao.
Doze dcadas passadas, celebramos o Arquivo Pblico Mineiro como um moderno centro de coleta e conse
de documentos, inscrito entre as mais destacadas instituies congneres do Brasil e do exterior. A investig
e o trabalho historiogrficos que nele se desenvolvem compartilham sua riqueza com incontveis estudos,
publicaes e referncias. Esta Revista demonstra a vitalidade do APM e a qualidade da equipe dos servido
nele atuantes. A iniciativa admirvel do historiador e homem pblico Xavier da Veiga prossegue, de modo ex
e merece o empenho do Governo de Minas Gerais e de todos os setores da cultura brasileira, a fim de que s
obstculos e alcance seus mais altos objetivos.
Angelo Oswaldo de Arajo SantosSecretrio de Estado de Cultura de Minas Gerais
Revista do Arquivo Pblico Mineiro | Editorial6 | Revista do Arquivo Pblico Mineiro | Editorial
Primeira sede do APM, em Ouro Preto, na casa em que residiu Jos Pedro Xavier da Veiga. Aquarela.Foto: M. Nods, 1945. Acervo Arquivo Pblico Mineiro.
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Revista do Arquivo Pblico MineirEntrevista
Caio Boschi revela episdios de sua aventura de pesquisador em arqubrasileiros e portugueses, dos quais extraiu rica documentao referenao perodo colonial que lhe permitiu acrescentar anlises inovadoras historiografia do perodo.
Um historiadornos dois ladosdo Atlntico
Revista do Arquivo Pblico Mineiro
Caio Boschi
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Caio Boschi Graduei-meem Histria na Universi-dade Federal de MinasGerais (UFMG). Naaltura, isto , na dcadade 1960, no havia nagrade curricular do cursodisciplinas voltadaspara a metodologia dainvestigao e paraa pesquisa histricapropriamente dita.De toda forma, logo noprimeiro ano, ainda que
esporadicamente, passeia frequentar o ArquivoPblico Mineiro e a tentarler documentos do sculoXVIII. Fiquei seduzido.Tenho comigo cadernos deanotaes desses primeirosexerccios de paleografia.Procurei avanar nesses estudos. Em 1968,participei de um curso de leitura documentalministrado pelo professor Orlandino Seitas Fernandes,ento diretor do Museu da Inconfidncia, de OuroPreto. Em seguida, tornei-me membro da Associaode Pesquisa Histrica e Arquivstica (Apha), quetinha sede no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro,onde estagiei, durante o ms de julho de 1969.Tais interesses levaram-me, j como professoruniversitrio, a candidatar-me a bolsa de estudospara desenvolver pesquisas nos acervos arquivsticosde Portugal. Assim, no incio de 1972, s expensas
do governo portugus, cheguei a Lisboa para umaexperincia profissional que consolidaria em definitivominha atrao por essa atividade. Convivi comdificuldades de localizao de ncleos documentaisrespeitantes ao objeto de minha pesquisa. Recorria especialistas e a conhecedores dos arquivos e
Embora navegandona pesquisa de ponta,este investigador nose furta em escreverpara os historiadoresiniciantes ou para todosaqueles interessadosem conhecer aspectosfundamentais do passadoe da epistemologia dosestudos histricos, comonos casos dos livros: OBarroco Mineiro: artes
e trabalho7e Por que
estudar Histria?.8
A entrevista que aRAPMhoje publicaadquire um significadoespecial, tendo em vistaa comemorao dos120 anos do Arquivo
Pblico Mineiro. Alm de frequentador habitualda sala de consulta desta instituio, Caio Boschipresidiu a Associao Cultural do Arquivo PblicoMineiro (ACAPM), contribuindo em muito para adivulgao dos acervos do APM, como no caso dapublicao do livro Coleo Sumria e as prpriasleis, cartas rgias, avisos e ordens...9 documentomuito til aos estudiosos do perodo colonial. Enfim,nosso entrevistado em muito promoveu a divulgaode acervos e de pesquisas da histria de MinasGerais, num protagonismo de tal maneira destacadoque fez dele uma pgina dessa histria.
RAPM Como historiador, pesquisador econhecedor dos arquivos luso-brasileiros, suaexperincia mltipla. Fale sobre sua t rajetriaintelectual. O que o levou a interessar-se porHistria e arquivos?
Um dos historiadoresmais renomados do Brasil,Caio Boschi apresenta nestaentrevista parte de sua vastaexperincia em universidades earquivos pblicos do Brasil e dePortugal. Doutor em HistriaSocial pela Universidade deSo Paulo, este historiadormineiro compartilhou pormeio de diversos trabalhos sua reconhecida erudio econhecimentos de pesquisa.Inmeras teses, dissertaes,
artigos e livros so tributriosdas informaes e orientaescontidas em publicaestais como Roteiro-sumriodos arquivos portugueses de
interesse para o pesquisador
da Histria do Brasil;1Inventrio da Coleo C asa dos
Contos: livros, 1700-1891;2Fontes primriaspara a Histria de Minas Gerais em Portugal;3eO Brasil-Colnia nos Arquivos Histricos de Portugal.4Cabe ainda mencionar os monumentais catlogos defontes manuscritas do Arquivo Histrico Ultramarino,de Lisboa, que coordenou e produziu, no somentepara o caso de Minas Gerais, como tambm para oMaranho, Par e Rio Negro.
Alm de pesquisas sobre irmandades leigas, que ser-viram de base para seu doutorado e deram origem aolivro Os leigos e o poder: irmandades leigas e poltica
colonizadora em Minas Gerais,5Boschi resgatouconjuntos documentais fundamentais para a histriaeclesistica colonial, como o caso da publicao doO Cabido da S de Mariana (1745-1820): documentos
bsicos.6Atualmente, coordena a elaborao de umahistria da Arquidiocese de Belo Horizonte.
bibliotecas daquele pPercebi, ento, a inede guias sobre o recdessas instituies. Tassim, a ventura de eum roteiro sumrio qpara minha alegria, ade ento, periodicamatualizado, t em favora consulta dos conjudocumentais concernBrasil ali custodiados
RAPM Como foi e
sido sua experinciamagistrio em PortuQuais os interesses dalunos e pesquisadoportugueses em rela Histria do Brasil omais particularmentMinas Gerais?
Caio Boschi Vamos por partes. Em primeirdevo dizer que minha atuao no magistrio Portugal adveio do seguinte. Em 1990, o prodoutor Joaquim Verssimo Serro, da UniversLisboa, contatou-me propondo que, da por dnos meses de frias escolares no Brasil, eu mdeslocasse para Portugal como docente visitaCurso de Mestrado em Histria e Cultura do que ele estava organizando e viria a coordenaAceito o convite, vinculei-me ao curso at 19quando me transferi para a Universidade do
ali permanecendo at 2009. Nesse nterim, mfunes passaram a ter a chancela do goverbrasileiro, que, por intermdio do Ministrio dRelaes Exteriores, criou, em 1994, um Leiem Histria e Cultura do Brasil junto s univeportuguesas. Inicialmente, por designao do
No incio de 1972,cheguei a Lisboapara uma experinciaprofissional queconsolidaria em definitivominha atrao por essa
atividade
Realo o trabalhode alguns de meuscolegas portuguesesno sentido de acolheremps-graduandos e
ps-doutores brasileiros
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embaixador Jos Aparecidode Oliveira e, posteriormente,por aprovao em concursosrealizados pela Coordenaode Aperfeioamento dePessoal de Nvel Superior(Capes), tornei-me ocupantedo cargo,desativado em2009. A meu ver, foi ummomento muito efervescentee estimulante para os estudosde Histria do Brasil, emPortugal. Seja pela produode teses e dissertaes, seja
pelas oportunidades quese abriram e felizmentepermanecem de forteintercmbio entre docentes eentre estudantes universitriosdos dois pases. Nos ltimos15 anos, no entanto, arealidade se alterou. H vriasrazes que explicam o retrocesso havido em Portugalrelativamente ao interesse por se es tudar a Histriado Brasil. Creio que as mais contundentes decorremda vigncia da Declarao/ Processo de Bolonha(1999). Concretamente, a reduo do tempo dedurao dos cursos superiores, e, por consequncia,a diminuio do nmero de disciplinas e a reduode carga horria das que restaram. Tais mudanasatingiram frontalmente o ensino da Histria brasileira.O que antes era obrigatrio passou a ser facultativo;a lecionao que era anual passou a semestral.Hoje, a disciplina no integra as grades curriculares
de nenhuma universidade portuguesa. Em segundolugar, diria que os resultados alcanados no foram,quantitativamente, to expressivos quanto gostaria.Produziram-se boas dissertaes, mas, a meu juzo,quando se trata de estudar a Histria dos pasescolonizados por portugueses, a preferncia dos
estudiosos lusitanos foie continua sendo voltadapara os seus antigosterritrios ultramarinosasiticos. Verifique-se,por exemplo, a produohistoriogrfica doCurso de Histria daUniversidade Nova deLisboa e do Centro deHistria dAlm-Mar(Cham), que nela temsede. Ademais, realoo trabalho de alguns de
meus colegas portuguesesno sentido de acolheremps-graduandos eps-doutores brasileiros,oferecendo-lhesinestimvel colaboraoe inequvoco dilogoprofissional. Ressalvo,
porm, que, em termos da obra historiogrficadeles relativamente Histria do Brasil, o resultadodeixa a desejar. Louvavelmente cosmopolitas,majoritariamente europestas, em especial no quetange Espanha, pouco tm escrito sobre a nossahistria. justo, porm, assinalar iniciativas recentesde pesquisadores portugueses que se voltaram,embora pontualmente, para o estudo da Histriabrasileira, mais particularmente, para o da Histriamineira no perodo colonial, como o caso deLeonor Freire Costa, Maria Manuela Rocha e RitaMartins de Sousa, resultando em artigos e no livro
O ouro do Brasil.10
RAPM Seu trabalho como pesquisador dahistria das irmandades leigas no Brasil foipioneiro. Qual a importncia do tema e como sedesenvolveu a pesquisa?
Caio Boschi Permita-meuma correo importante.Com efeito, no soupioneiro no estudodas irmandades leigasno Brasil. Mesmocircunscrevendo atemtica s Minas Gerais,cabe lembrar autores denomeada que, antes, aela dedicaram pesquisasessenciais, como JulitaScarano e, principalmente,Fritz Teixeira de Salles.
O que, talvez, possater sido diferente,quanto a mim, foi aproposta de estudar asmencionadas associaesentendendo-as, aindaque parcialmente, comoaparelhos ideolgicos
do Estado, em perspectiva analtica lastreada portericos, como Althusser [Louis], Poulantzas [Nicos]e Gramsci [Antonio], que estavam em voga quandodesenvolvi minhas pesquisas a respeito. Devoreferir, alis, que a vontade inicial, caracterizadapor inequvoca ingenuidade, era elaborar estudocomparativo entre os textos compromissaisdas irmandades leigas portuguesas e de suascongneres mineiras. Passados cerca de 40 anos,constato que o tema mantm sua relevncia.Ou melhor. Por aquilo que, desde ento, consigoler ou que me informado, julgo-o com alguma
utilidade, ainda que carente de verticalizaes.Por isso, ousaria reiterar a frase inicial da introduoao livro Os leigos e o poder: a histria dasconfrarias, arquiconfrarias, irmandades e ordensterceiras se confunde com a prpria histria socialdas Minas Gerais do Setecentos.
RAPM Que arquivoforam pesquisados prealizao dessa pes
Caio Boschi Grossomodo, em Portugal,principalmente o ArqHistrico UltramarinArquivo Nacional da Tombo; o acervo doce bibliogrfico da Acadas Cincias de LisboReservados da BibNacional e a Bibliote
da Universidade de CNo Brasil, fundamento arquivos eclesisticArquidiocese de Marespecial) e os das pade Nossa Senhora dode Ouro Preto, de SaAntnio, em Tiradent
a Seo Colonial do APM, o Arquivo Naciondocumentao da Diretoria do Instituto doPatrimnio Histrico e Artstico Nacional (Ipno Rio de Janeiro.
RAPM Tendo em vista sua experincia noarquivos portugueses e brasileiros, quais fortransformaes mais recentes observadas ninstituies?
Caio Boschi Quero partir de uma confissno tenho conhecimentos, mesmo que rudim
de Arquivstica e da Cincia da Informao.No s por isso, mas por outras limitaes, consigo fazer avaliao que seja minimamenadequada. Assim, a resposta que posso ofe na condio de mero frequentador e usude alguns arquivos. Minha viso ess encial
A histria das confrarias,arquiconfrarias,irmandades e ordensterceiras se confundecom a histria social
das Minas Gerais
As novas tecnologiastm proporcionadomudanas estruturais,seja nas aes deidentificao das fontes,seja no tratamento
tcnico delas
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impressionista. Assim, deforma sucinta e genrica,diria mais uma obviedade:a utilizao das novastecnologias nos arquivos temproporcionado mudanasestruturais, seja nas aesde identificao das fontes,seja no tratamento tcnicodelas, seja na reunio deconjuntos documentaisorgnicos que se encontramdispersos, seja na feitura edifuso de instrumentos de
busca seja, por conseguintee, principalmente, nadisponibilizao e napossibilidade de reproduodos documentos. Essepanorama tanto demonstranova dinmica no interiordos arquivos como, claro,favorece o trabalho dos historiadores. Cabe, noentanto, destacar a necessidade de tais dilignciasserem disseminadas pas afora. Nesse sentido,salvo honrosas excees, h quase tudo por sefazer no mbito dos arquivos municipais.
RAPM Em sua perspectiva, quais foram osmomentos mais marcantes da histria do APMe qual a importncia do acervo nele custodiado?
Caio Boschi Lamentavelmente, a despeito deminha prolongada relao amorosa com a instituio,
no me sinto em condies de analisar a trajetria eestabelecer recortes mais significativos. Para no sertotalmente evasivo, lembraria dois ou trs momentosque acompanhei com algum conhecimento. Oprimeiro deles, a construo, nos anos 1970, de umnovo prdio, o carinhosamente chamado Anexo.
Os que conheceram asprimitivas e acanhadasinstalaes e as condiestanto de identificao dosdocumentos desejados,como de trabalho deconsulta da/na casavelha bem podemaquilatar o significado doadvento de outro edifcio.A destacar, tambm,e nesse momento, arevitalizao, a partir de2005, da Revista do
Arquivo Pblico Mineiro,adotando nova linhaeditorial, com nfase napublicao de artigos eensaios de ponta sobreHistria e Arquivstica queprivilegiem a pesquisae os instrumentos de
busca do acervo da instituio tais como os muitose substanciosos inventrios, catlogos e listagensde colees, fundos e sries. Outro momento, maisrecente, o do tratamento tcnico da documentaorespeitante ao perodo republicano, com o desenrolardo projeto Memria da Administrao do Estado deMinas Gerais: organizao, preservao e acesso
ao acervo documental (1889-1945). A concepoe, sobretudo, a implementao do Sistema deAcesso Integrado, o SIAAPM. A produo de tex tossobre gesto de documentos. A elaborao deinstrumentos de busca nos acervos documentais
de vrias cmaras municipais... e assim por diante.Ou seja, sinto dificuldades em precisar taismomentos marcantes. O que acabo de referir, embom rigor, so, principalmente, atividades levadas aefeito pelo APM, que o fazem distinguir-se entre asinstituies similares.
RAPM Explique quaisso os objetivos daComisso Luso-Brasileirapara Salvaguarda eDivulgao do PatrimnioDocumental (Coluso) ecomo funciona.
Caio Boschi A Coluso uma iniciativa formal dosgovernos dos dois pases Brasil e Portugal e foiestabelecida em reunioda Comisso Bilateral
Luso-Brasileira para aCooperao Arquivstica,realizada na sede do entoInstituto dos ArquivosNacionais/Torre do Tombo,em Lisboa, no dia 10 deoutubro de 1995. Em novoencontro, desta feita noRio de Janeiro, a 5 de fevereiro do ano seguinte, aComisso adotou a denominao pela qual ainda hoje conhecida. Ela se compe de duassees, umade cada pas, sob a presidncia dos diretores dosrespectivos arquivos nacionais, sendo integrada pordirigentes dos principais arquivos pblicos dos doispases. Essas s ees se renem anualmente parafazer um balano das atividades realizadas e elaborarprogramas de trabalho para o exerccio seguinte.Nessa medida, posso afirmar que o Projeto Resgate,desde aquela poca, tornou-se o instrumentooperacional por excelncia da seo brasileira da
Coluso, ao passo que o Projeto Reencontrotem amesma pertinncia para sua homloga portuguesa.
RAPM Como surgiu a ideia do Projeto Resgate?O que foi produzido at agora e quais so suasprximas etapas?
Caio Boschi Comosabe, o Projeto ResgBaro do Rio Branco
amplo empreendimevistas a proporcionarpesquisadores acesse rpido documentrespeitante Histriado Brasil depositadaarquivos e bibliotecaoutros pases. Suas odatam da criao doHistrico e GeogrficBrasileiro (IHGB), em
Porm, como se podno obstante os esfodesenvolvidos na altua sua efetivao se dunio de foras indivinstitucionais e aos atecnolgicos de nossA proposta ganhou n
nimo nos anos 80 do sculo passado, sob oauspcios da Fundao Nacional Pr-Memrda Fundao Alexandre de Gusmo. Em 198Conselho Nacional de Desenvolvimento Ciene Tecnolgico (CNPq) disponibilizou recursosfinanceiros para que eu pudesse materializardesafio pessoal: o de coordenar a organizadocumentao no encadernada relativa a MGerais depositada no Arquivo Histrico Ultra(AHU), em Lisboa. Esse trabalho, finalizado depois, pode ser considerado embrio do PrResgate, que surge em 1995, no contexto d
comemoraes do quinto centenrio da chegportugueses ao continente americano. Daquat 2000, verdadeira fora-tarefa de individe de instituies de variados gneros, maciado Brasil, foi mobilizada para identificar, fazleitura paleogrfica de cada dossi e sumari
Os que conheceram asprimitivas e acanhadasinstalaes [do APM]bem podem aquilataro significado do advento
de outro edifcio
Posso afirmar que oProjeto Resgate tornou-seo instrumento operacionalpor excelncia da seobrasileira da Coluso
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condio precpua para amicrofilmagem e posteriordigitalizao dos documentosrespeitantes ao passadocolonial brasileiro depositadosno Ultramarino. Infelizmente,aps as referidas celebraeso ritmo arrefeceu. Mesmonaquele arquivo, h fundos aserem tratados tecnicamente,que tambm so de interessepara a Histria do Brasil,como o chamado Reinoconjunto composto por cerca
de 500 caixas de documentos.Sem falar da documentaorelativa s demais possessesultramarinas do PortugalModerno. Sem elas, oentendimento da nossahistria, para dizer o mnimo,fica francamente incompleto.Seja como for, posso afirmar que, em Portugal, oResgaterestringiu suas operaes ao AHU. Por outrolado, outras instituies, de outros pases europeuse dos Estados Unidos, mereceram igual ateno,gerando catlogos e inventrios que vm sendopublicados. O intuito era o de que, por ocasio deoutras efemrides significativas para a Histria doBrasil por exemplo, o bicentenrio, em 2008, dachegada da Corte ao Rio de Janeiro e a elevao doBrasil ao estatuto de Reino Unido, no corrente ano se obtivessem recursos financeiros para expandirtais aes. O que no tem acontecido. Sinceramente,
no sei quais sero as prximas etapas do Resgate.Quero salientar, porm, a prioridade e o efetivodesenrolar, neste ano, de aes prprias do projetojunto a arquivos e bibliotecas de Portugal, apropsito dos 450 anos de fundao da cidadedo Rio de Janeiro
RAPM Quais so seusatuais temas e reas deinteresse de pesquisa?
Caio Boschi Tenhoprocurado trabalharem duas vertentes, queso complementares.A primeira, visandodemocratizar e socializaras oportunidades deacesso a conjuntosdocumentais de Portugalreferentes Histria do
Brasil. Nessa dimenso,est concludo, em viasde publicao, catlogocircunstanciado doacervo de uma instituiopouco consultada peloshistoriadores, mesmoos portugueses, ou
seja, o Arquivo Histrico do Tribunal de Contas,de Portugal. No geral, o catlogo contm cerca de5.000 entradas de documentao provenientedo Errio Rgio, da Junta da Real Fazenda daCapitania de Minas Gerais e da administrao daReal Extrao de Diamantes. Trata-se de fontesmajoritariamente inditas, cuja reproduo integraltambm ser amplamente disponibilizada porinstrumento digital. Em simultneo, busco participarde gestes com vistas finalizao, no ArquivoNacional do Brasil, dos trabalhos de tratamentotcnico e da divulgao dos documentos avulsos
da erroneamente denominada Coleo Casa dosContos que, como se sabe, est dispersa: a partemais expressiva naquele rgo e outras duas noAPM e na Biblioteca Nacional. A segunda vertentetraduz-se em pesquisas sobre os secretrios degoverno das capitanias na Amrica portuguesa e na
coordenao e redao decaptulos para a Histriada Arquidiocese de Belo
Horizonte, obra em 10volumes, trs dos quais jse encontram publicados.
RAPM Que sugestesdaria aos jovenspesquisadores (earquivistas) recm-chegados aos arquivos?
Caio Boschi inegvel,
por variados motivos, achamada redescobertados arquivos. Porm,penso que os pesqui-sadores que a elesse dirigem o fazemde maneira passiva eirreflexiva. Isto , emgeral, no analisam, previamente, os instrumentosde busca que l iro utilizar. No se interrogamsobre a trajetria dos documentos que consultam,no levam em conta, por exemplo, que, naorigem, a fonte teve funo e finalidade distintadaquela de hoje. Desconhecem a proce dncia dosdocumentos, os condicionalismos e as condiesde produo dos documentos, o processo deorganizao e composio das colees, fundos esries documentais. Ignoram a lgica interna dadocumentao que compulsam. Insisto sempreque a utilizao das fontes tem como pressuposto,
entre outros requisitos, identificar sua organicidade,saber (re)estabelecer interdependncia delas/ entreelas, isto , apurar suas relaes intrnsecas einternas. Em suma: imprescindvel termos controlesobre as fontes de nossas investigaes. Nessesentido, penso que os consulentes dos arquivos,
O catlogo contmcerca de 5.000 entradasde documentaoproveniente do ErrioRgio, da Junta daReal Fazenda e da Real
Extrao de Diamantes
Insisto sempre que autilizao das fontestem como pressuposto,entre outros requisitos,identificar sua
organicidade
especialmente os estda Histria, deveriamcolaborar estreitameos arquivistas nas cotarefas de descrio acervos e na de confdos instrumentos debusca. Subentendemevidentemente, conse sensibilidade dosarquivistas para acola sugerida parceria. consigo ir alm, massuponho que essa se
sugesto com algum
Notas |
1. BOSCHI, Caio Csar. Rotdos arquivos portugueses para o pesquisador da Histsil.2. ed. Lisboa: Edies ULusfonas, 1995.
2. BOSCHI, Caio Csar; MORENO, Carmem; FIGUEIREDO,ventrio da Coleo Casa dos Contos: livros, 1700-1891. BePUC Minas/Fapemig, 2006.
3. BOSCHI, Caio Csar. Fontes primrias para a Histria de Mem Portugal. 2. ed. Belo Horizonte: Fundao Joo Pinheiro,
4. BOSCHI, Caio Csar. O Brasil-Colnia nos Arquivos Histrtugal. So Paulo: Alameda, 2011.
5. BOSCHI, Caio Csar. Os leigos e o poder: irmandades leigcolonizadora em Minas Gerais. So Paulo: tica, 1986.
6. BOSCHI, Caio Csar. O Cabido da S de Mariana (1745cumentos bsicos. Belo Horizonte: Editora PUC Minas/FunPinheiro, 2011.
7. BOSCHI, Caio Csar. O Barroco Mineiro: artes e trabalhoBrasiliense, 1988.
8. BOSCHI, Caio Csar. Por que estudar Histria?. So Paulo:
9. BOSCHI, Caio Csar. Coleo Sumria e as prprias leis, cavisos e ordens que se acham nos livros da Secretaria do GCapitania de Minas Gerais, reduzidas por ordem a ttulos sepHorizonte: Secretaria de Est ado de Cultura/Arquivo Pblico M
10. COSTA, Leonor Freire; ROCHA, Maria Manuela; SOUSA, de. O ouro do Brasil. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moe
Revista do Arquivo Pblico Mineiro | Entrevista16 | Caio Boschi | Um historiador nos dois lados do Atlntico
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serviram de sede para o APM, sempre enfrentando
o desafio como revela Mariana Bracarense, autora
desse texto de ampliar os espaos para o depsito
dos valiosos fundos e colees.
O segundo artigo, de autoria de Renato Venancio,
procura identificar as funes da instituio
arquivstica que, alm de ser local de pesquisa
histrica, forneceu administrao estadual e aos
cidados em geral informaes e documentos para
o auxlio na tomada de decises ou para o exerccio
de direitos.
Em seguida, Ivana Parrela apresenta a evoluo dos
instrumentos tericos e metodolgicos de pesquisa,que, aperfeioados ao longo dos anos, hoje permitem
melhor acesso aos documentos arquivados. Da
mesma forma, a autora sugere a generalizao de
tais procedimentos, aprimorando essas ferramentas e
disponibilizando-as ao pesquisador.
Finalizando este Dossi, Roberto Martins apresenta
um depoimento sobre sua experincia de pesquisar
no APM. Em texto vibrante e carregado de emoo,
mostra-nos exemplarmente como as informaes
contidas nos documentos podem transformar-se em
conhecimento, dando origem a pesquisas que como
no seu caso, especificamente, tiveram impacto em
nveis nacional e internacional.
Muitos outros Dossis poderiam ser produzidos
contando a histria e os servios que o APM prestou
e presta a Minas Gerais e ao Brasil. Esperamos que
o aqui proposto inspire novas pesquisas e sensibilize
tambm a sociedade e o Estado para os grandesdesafios que a instituio arquivstica mais antiga de
Minas Gerais enfrenta no sculo XXI.
Conforme indicam os textos deste Dossi, o APM
cessou, desde os anos 1940 por falta de espao e
de suporte tcnico , sua atividade de recolhim
documentao do Poder Executivo do Estado d
Gerais, salvo no caso da polcia poltica estadu
outros, pontuais.
O projeto da nova Cidade Administrativa ond
se concentram os rgos da administrao est
apesar dos alertas emitidos, no previu espa
arquivo da documentao oficial, intermediria
permanente. Na realidade, a guarda da docum
da ordem de 75 mil metros lineares acumu
conforme mencionamos, desde a dcada de 1
terceirizada sem previso para seu recolhimen
Embora se ressaltando que nem toda essadocumentao tem valor histrico, importan
lembrar que somente a anlise segundo critri
arquivsticos poder decidir por sua guarda ou
eliminao. Deveria o APM ser destinatrio na
desse acervo, mas seus atuais depsitos, mes
remodelados, dificilmente conseguiriam abriga
de trs mil metros lineares de documentao.
portanto, o desafio de construo de novos es
para a instituio, tal como fez o Arquivo Pb
Estado So Paulo e como planeja faz-lo tamb
Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro
citarmos apenas dois exemplos.
Entre as batalhas de nossa poca figuram com
primazia as de ordem tecnolgica, o que torna
o aparelhamento da instituio arquivstica pa
proceder ao recolhimento de documentos digit
produo pela administrao estadual vem se
desde a dcada de 1990, de forma cada vez m
copiosa e acelerada. nosso desejo, por fim, Dossi por meio das contribuies de signifi
valor intelectual que traz no somente inform
respeito da importncia histrica do APM, com
tambm colabore para pavimentar a estrada d
desta instituio.
Revista do Arquivo Pblico Mineiro Dossi |Apresentao
Patrimnio,pesquisa
e cidadania Vilma Moreira dos SantosRenato Pinto Venancio
Revista do Arquivo Pblico Mineiro | Dossi20 | Vilma Moreira dos Santos e Renato Pinto Venancio | Patrimnio, pesquisa e cidadania
O Dossi deste volume celebra os 120 anos
do Arquivo Pblico Mineiro (APM). Essa comemorao
no s destaca os mltiplos significados dos arquivos
pblicos na sociedade contempornea, como tambm
prope um momento de reflexo a respeito dos
desafios enfrentados e a forma de super-los. So
quatro os textos que remetem a esses tpicos.
O primeiro artigo aborda, em seus desdobramentos,
a construo da atual sede do APM e do prdio
anexo. A histria custodial do acervo, como costumaocorrer, no foi linear. Recolhido em 1895, o acervo
da instituio permaneceu alguns anos na casa de seu
criador, Jos Pedro Xavier da Veiga, sendo, depois,
deslocado para Belo Horizonte, nova capital mineira
desde 1897. Nesta cidade, vrios foram os locais que
>
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Dossi
Alm de ter sob custdia um vasto acervo documental, cabe ao APMpreservar o prprio edifcio-sede, uma construo datada de 1897, an
inaugurao da capital mineira , que passou por inmeras vicissitud espera de uma adequao definitiva s suas finalidades.
Revista do Arquivo Pblico MineiroRevista do Arquivo Pblico Mineiro
Um patrimniode pedra e cal
Mariana SousaBracarense
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A pesquisa e a anlise histrica, esttica,
artstica, formal e tcnica de edificaes proporcionam a
compreenso do seu significado ao longo do tempo e a
sua consequente valorizao como patrimnio cultural.
Considerando-se a cidade como um espao de construo
do sentido das prticas e representaes de diferentes
grupos, possvel atribuir significao, dentro da din-
mica social, s suas casas, ruas, praas, parques e
demais espaos urbanos. A partir dessa premissa, o
texto ora apresentado pretende tratar da trajetria de
usos e intervenes na edificao onde est instalado
o Arquivo Pblico Mineiro (APM).1Para tanto, foram
obtidas informaes por meio de pesquisa arquivstica,
iconogrfica e bibliogrfica, que privilegiaram os levan-
tamentos empreendidos pelo Instituto Estadual do Patri-mnio Histrico e Artstico de Minas Gerais (Iepha/MG) e
pelo Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional
(Iphan), a fim de identificar seus diferentes processos.
A edificao localizada na Avenida Joo Pinheiro, n 372,
foi construda em 1897 data de inaugurao da nova
capital e perodo da constituio do espao urbano de
Belo Horizonte. A cidade que se erigia fora planejada para
substituir Ouro Preto como centro administrativo do Esta-
do de Minas Gerais. A transferncia foi motivada pelas li-
mitaes urbanas oferecidas pela capital anterior, a saber,
ruas tortuosas, espaos irregulares, arquitetura colonial e
economia decadente. A mudana foi marcada, ainda, pela
transio da Monarquia para a Repblica, perodo em que
se buscava suprir as demandas colocadas pelo rearranjo
das foras econmicas e polticas do Estado. A transfor-
mao foi vivida com entusiasmo pela elite mineira, que
se reunia em torno do ideal da conciliao poltica.2
A Assembleia Constituinte que se reuniu em OuroPreto para elaborar a primeira constituio republicana
do Estado promulgada em 15 de junho de 1891
debateu, na seo de 30 de maro daquele ano, as
diretrizes a serem adotadas na construo da nova
capital do Estado. Durante as discusses, na esc olha
de sua localizao foram consideradas cinco regies:
Parana, Barbacena, Juiz de Fora, Vrzea do Mar al e
Curral dEl Rei. A eleio, oficializada pela Lei n 3, de
1893,3foi embasada em relatrio que ressaltou, entre
outras variveis, as caractersticas do terreno favorveis
a Curral dEl Rei. A partir dess a definio, formou-se a
Comisso Construtora da Nova Capital, equipe chefiada
pelo engenheiro Aaro Reis, responsvel por elaborar e
executar seu plano urbanstico.
A elite se moderniza
Em 14 de janeiro do ano seguinte, foi promulgado o
Decreto n 680, que autorizava a Comisso Construtoraa desapropriar os terrenos ocupados, os prdios e as ben-
feitorias no permetro estabelecido para a construo da
nova cidade. A Planta Geral da Cidade de Minas nome
provisrio atribudo futura capital foi aprovada pelo
Decreto n 817, de 15 de abril de 1895. O plano determi-
nava a subdiviso da cidade em zonas, distinguindo, em
especial, as zonas urbana e a suburbana, estabelecendo
as diferenciaes entre ambas e a sua separao por
uma avenida de contorno. A zona urbana foi projetada
com quarteires e lotes regulares, ruas com 20m e
avenidas com 35m de largura, nela se concentrando as
habitaes destinadas s classes de maior poder aqui-
sitivo e status superior. A zona suburbana contou com
quarteires e lotes irregulares e ruas c om 14m de largura,
sendo destinada habitao das classes subalternas.4
O projeto resumiu boa parte da cultura tcnica e das
preocupaes estticas do sculo XIX relativas s
cidades. Seus autores denotam conhecimento do plano
de lEnfant para Washington,5da reforma realizada porHaussmann6em Paris e do plano de La Plata,7que lhes
eram contemporneos. Essa relao no se deu com
a simples transferncia de modelos urbansticos, mas
pressupunha uma tentativa de atualizao das antigas
elites polticas modernidade formal. Segundo Cristiano
>
Mariana Sousa Bracarense | Um patrimnio de pedra e cal Revista do Arquivo Pblico Mineiro | Dossi24 |
Vista externa do Palcio da Liberdade em construo. Foto: Raimundo Alves Pinto. Belo Horizonte (M11/11/1896. Acervo Arquivo Pblico Mineiro, Fundo Secretaria de Agricultura. SA-2-004(
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Arrais, essa adeso no significou abandono, ruptura
com o passado, mas incorporao plstica daquele mun-
do social no ambiente hierarquizado das novas cidades.8
Adepto do positivismo, Aaro Reis buscou estruturar
sua proposta em sintonia com os avanos da cincia
e da tcnica de s eu tempo. Para ele, o planejamento
da cidade deveria obedecer s concepes modernas
da higiene, conforto, elegncia e embelezamento.
A nova capital mineira, como sede do poder poltico,
deveria expressar o novo Brasil que se construa com
a Repblica. Os aspectos simblicos foram elementos
ordenadores da implantao dos principais edifcios
pblicos, a exemplo do ncleo administrativo constitudo
pela Praa da Liberdade, dominada pelo Palcio doGoverno e delimitada, nas laterais, pelas Secretarias
de Estado. Essas edificaes incorporaram estilo
consonante com as tendncias da poca arquitetura
ecltica com elementos neoclssicos e vocabulrio
ornamental de aparncia afrancesada.
Para abrigar os funcionrios pblicos transferidos de
Ouro Preto, foram construdas residncias no ncleo
administrativo. A regio, que ficou conhecida como bairro
dos Funcionrios, contou com as chamadas casas tipo,
que seguiram categorias que iam de A a F. As primeiras
serviam aos funcionrios menos qualificados, as ltimas
eram palacetes destinados cpula do governo, as inter-
medirias abrigavam as demais classes de ser vidores.9
As casas tipo Fforam erguidas na Avenida da Liberdade
atualmente Avenida Joo Pinheiro no intuito de servi-
rem de residncia oficial a secretrios de Estado. Essas
edificaes receberam o mesmo r equinte e tratamento
dispensados aos monumentos pblicos.10
Ecltico e requintado
O prdio que atualmente abriga o Arquivo Pblico
Mineiro se enquadra nessa tipologia arquitetnica e foi
inicialmente ocupado por David Morethson Campista.
O ento secretrio de Finanas havia se graduado na
Faculdade de Direito de So Paulo em 1883 e foi,
sucessivamente, deputado na Assembleia Constituinte
mineira, secretrio de Agricultura e Obras Pblicas
durante o governo Afonso Pena em Minas Gerais,
superintendente do Servio de Imigrao no governo de
Crispim Jacques Bias Fortes, secretrio de Finanas no
governo de Silviano Brando e deputado federal, quando
atuou como defensor das polticas cafeeiras.
A edificao, a exemplo das demais encontradas em seu
entorno no mesmo perodo, foi erguida em estilo ecltico,
marcado pela influncia neoclssica, com um pavimento
elevado sobre o poro apresentando escadas balaustra-das, entablamento, fachada frontal c om fronto, pilastras
e ornamentos nas partes superiores junto ao coroamento.
Ficava recuada do alinhamento da via pblica com reas
frontais e laterais descobertas e arborizadas. A planta
apresentava agenciamento simples. O partido inicial
possua corpo nico retangular, com lado menor entregue
fachada frontal. O acesso lateral se dava pelo alpendre,
seguido de salo de recepo, escritrios, dormitrios e
outras dependncias, dispostas ao longo de um corredor
central. O salo de entrada distribua toda a circulao,
constituindo ponto central da edificao. As dependn-
cias eram iluminadas, comunicando-se com o exterior
atravs das envasaduras.11
No perodo em que foi residncia do secretrio de Finan-
as, o edifcio passou por pequenas intervenes, com
execuo de servios no jardim, reformas nas instalaes
hidrulicas e eltricas, instalao de para-raios, pintura e
construo de muros divisrios. Em dezembro de 1910,
a casa passou a abrigar provisoriamente a Prefeitura Mu-nicipal de Belo Horizonte. J em 9 de fevereiro de 1911,
foi elaborado um projeto de ampliao do espao, sendo
acrescidos na parte posterior da edificao, de forma si-
mtrica, dois sales, dois sanitrios e rea de circulao.
A composio arquitetnica foi submetida remodelao
Revista do Arquivo Pblico Mineiro | Dossi26 |
PlantaGeraldaCidadedeMinas,aprovadapeloDecreton817,de15deabrilde1895.
Autordesconhecido.AcervoArq
uivoPblicoMineiro,ColeoArquivoPblicoMineiro.APM
098.
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interna do edifcio principal e as obras, realizadas pela
firma Carneiro de Rezende & Cia. O acrscimo foi des-
provido de grandes pretenses ornamentais nas facha-
das, porm a forma dos vos foi diferenciada, com verga
em arco abatido. As esquadrias foram substitudas por
venezianas com abertura para fora. O telhado recebeu
pequeno beiral que se destacou das platibandas.12
Uma dcada depois, foi feita nova reforma para
ampliao da edificao. Essa segunda interveno
desorganizou a estrutura bsica do partido resultante
das duas primeiras etapas construtivas. Foi acrescido
um prdio ampliado, de volume retangular, no
alinhamento lateral esquerdo, que avanava para frente
do primeiro volume, deixando afastamento de 1,30m e
aproximando-se da testada do terreno localizada na Rua
Aimors. A nova edificao seguiu a mesma linguagem
do corpo principal. Houve um segundo acrscimo,
incorporado pelo volume posterior no plano da fachada,
que apresentou mesmo tipo de esquadria na abertura
dos vos e continuidade da cobertura. O volume contou
com o mesmo padro de cor da pintura das fachadas,
esquadrias, ressaltos e detalhes ornamentais.13
Em 1938, a prefeitura deixou a edificao para ocupar o
recm-inaugurado Palcio Municipal. A partir de ento o
palacete passou a abrigar o Arquivo Pblico Mineiro, insti-
tuio responsvel pela guarda da documentao pblica
proveniente de rgos do Poder Executivo da Capitania,
Provncia, Estado e do Legislativo Provincial e Estadual.
No momento da transferncia, o APM reunia documentos
datados desde o perodo colonial at o ano de 1935.
A instituio criada pela Lei n 126, de 11 de julho
de 1895, contempornea, portanto, transferncia da
capital para Belo Horizonte sinalizou a preocupao
com um novo discurso histrico e o rearranjo da
estrutura de poder em Minas Gerais. Na segund
do sculo XIX, o cientificismo e o positivismo al
grande difuso no Brasil. A valorizao da mem
dos heris e dos grandes acontecimentos refletconcepo de histria universalizante no mbito
ideia de progresso. Junto com a Repblica, sur
necessidade da transformao do pensamento
da reorganizao da histria nacional e da eme
de programas que tratassem da modernidade.
Mariana Sousa Bracarense | Um patrimnio de pedra e cal Revista do Arquivo Pblico Mineiro | Dossi28 |
Fachada do edifcio onde funcionou a Secretaria do Interior at 1930. Belo Horizonte (MG). Foto: Gines Gea Ribsem data. Acervo Arquivo Pblico Mineiro, Fundo Secretaria de Agricultura. SA-2-001(
Praa da Liberdade, ao fundo a Secretaria do Interior e a de Agricultura, Viao e Obras Pblicas. Belo Horizonte (MG).Foto: J. Monteiro, 1933. Acervo Arquivo Pblico Mineiro, Coleo Municpios Mineiros. MM-078.
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O sculo XIX foi um momento privilegiado de
advento da histria cientfica e da valorizao da
memria no s no Brasil, mas em todo o mundo
ocidental. Principalmente aps a Revoluo Fran-
cesa podemos perceber um crescimento signifi-
cativo na criao de arquivos nacionais e museus
que buscavam, ao mesmo tempo, guardar os obje-
tos de memria e escrever uma histria oficial que
desse respaldo s novas relaes de poder que es-
tavam se constituindo no momento. A busca pela
legitimidade era um problema concreto dos novos
Estados e um meio recorrente de se construir
essa legitimidade era a elaborao de um ideal de
nao e de povo que tivessem um passado em
comum, que teria como funo promover a unio
do povo e o fortalecimento da nova nao.14
A criao de arquivos, a publicidade de seus documentos
e a consolidao da Histria como um campo cient-
fico foram, portanto, mecanismos concebidos parafavorecer a construo de um corpo de cidados que
se identificasse com o novo sistema poltico e apoiasse
a formao do novo Estado Nacional.15De acordo
com essa disposio, o Arquivo Pblico Mineiro teve,
segundo a lei que determinou sua fundao, a atribuio
de preservar a memria do Es tado de Minas Gerais.
Foi, assim, encarregado de receber e conservar todos
os documentos concernentes ao direito pblico,
legislao, administrao, histria e geografia,
s manifestaes do conhecimento cientfico, literrio
e artstico de Minas G erais. Seria responsvel, ainda,
pelo recolhimento, guarda e classificao de pinturas,
esculturas e mobilirio de valor artstico e histrico.16
Os recolhimentos
A constituio de seu acervo teve incio com a recolha
de documentos datados ainda do sculo XVIII, com
a chegada a Vila Rica de Gomes Freire de Andrade
governador e capito-general da Capitania do Rio
de Janeiro e Minas Gerais para administrar a rea
mineradora. poca, uma das primeiras aes de
Gomes Freire foi reportar-se ao secr etrio de Governo
da Capitania de Minas Gerais a fim de inteirar-se doestado da documentao administrativa. Ao perceber a
necessidade de organizao documental, o governador
determinou, por proviso de 20 de maro de 1736, a
execuo dessa tarefa por Antnio de Sousa Machado.17
O trabalho deu origem ao acervo que, cerc a de um
sculo e meio mais tarde, foi incorporado ao projeto
de criao do Arquivo Pblico Mineiro, apresentado
Cmara dos Deputados do Congres so Mineiro pelo
deputado estadual Levindo Lopes. Tal documentaoconstitua-se do inventrio dos livros, papis e
documentos da Secretaria de Governo da capitania.
Aps sua criao, a direo do Arquivo Pblico
Mineiro foi delegada a Jos Pedro Xavier da Veiga
e o acervo foi instalado em sua re sidncia em O
Preto. Xavier da Veiga credenciou-se para o car
ter exercido diversificada atividade, do jornalism
poesia e histria, contribuindo para a redefinidos sentidos histricos de Minas Gerais. Em su
mais importante, EfemridesMineiras, ele ana
histria de Minas desde os primeiros anos da o
portuguesa na regio at a Proclamao da Re
No ano seguinte criao da instituio, foi lan
Mariana Sousa Bracarense | Um patrimnio de pedra e cal Revista do Arquivo Pblico Mineiro | Dossi30 |
Antiga sede da Prefeitura de Belo Horizonte, atual Arquivo Pblico Mineiro. Imprensa Oficial. Belo Horizonte (MG), 12/10/19Autor desconhecido. Acervo Arquivo Pblico Mineiro, Coleo Municpios Mineiros. MM-341(
Construo da galeria de gua na Rua dos Caets esquina com Avenida Afonso Pena. Belo Horizonte (MG). Foto: Gines Gea Ribera,1926-1931. Acervo Arquivo Pblico Mineiro, Fundo Olegrio Maciel. OM-2-010(44). direita: Irrigao de plantas das ruas. Belo Horizonte
(MG). Foto: Gines Gea Ribera, 1929. Acervo Arquivo Pblico Mineiro, Fundo Olegrio Maciel. OM-2-004(04).
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a Revista do Arquivo Pblico Mineiro. O peridico
possua sees permanentes sobre biografias, letras
e artes, publicando ainda documentos inditos e
vulgarizados, corografias, entre outros.
To logo se ps frente da instituio, Xavier da Veiga
dedicou seus esforos a r ecuperar os documentos
pblicos que estavam em posse de polticos e ser vidores
do Estado.Dessa forma, alm do acervo da Secretaria de
Governo da Capitania de Minas Gerais, a documentao
primitiva do APM contou com a reunio de documentos
guardados em mbito privado. Era costume arraigado
entre funcionrios do governo a retirada de documentos
pertencentes s reparties a que serviram. Toda vez
que um poltico cumpria o seu mandato, ao entregar ocargo, levava consigo os documentos referentes ao seu
perodo administrativo e es sa documentao passava a
fazer parte de um acervo familiar privado.18
Um ano depois da morte de Xavier da Veiga, ocorrida em
1900, o Arquivo Pblico Mineiro foi anexado Secretaria
do Interior e transferido de Ouro Preto para a nova
capital, Belo Horizonte. A instituio foi alojada em uma
das salas do prdio da Secretaria, localizada na Praa da
Liberdade.19Nos anos seguintes foram observados pro-
blemas relativos conservao do acervo, devido falta
de espao para sua guarda. As dificuldades se avoluma-
ram a partir de 1914, com o rec ebimento de papis des-
sa mesma Secretaria e da Cmara Municipal de Sabar.
Em 1922, o Arquivo Pblico Mineiro passou a ocupar
mais trs sales em um prdio localizado na Rua da
Bahia, n 1.863, compartilhado pela Junta Comercial,
pela Primeira Coletoria do Estado e pelos arquivos da
Secretaria de Finanas e da Secretaria do Interior.20Em
1938, o APM foi transferido para a edificao em queat hoje est instalado. Naquele momento, no foram
empreendidas modificaes necessrias adequao
e o prdio conservou sua feio geral. Porm, o grande
volume de documentos acumulados nas dcadas seguin-
tes gerou a necessidade de expanso e modernizao.
Adequaes e improvisaes
O Arquivo Pblico Mineiro, ao longo de sua histria,
vinculou-se administrativamente a diferentes rgos es-
taduais: entre 1901 e 1964 foi subordinado Secretaria
de Estado do Interior, passando posteriormente ao con-
trole do Gabinete do Governador at 1971, quando ento
foi incorporado Secretaria de Es tado da Educao.
Em 1974, nova mudana: o Arquivo Pblico Mineiro
passou a subordinar-se ao Gabinete Civil do governador,
a permanecendo at 1984, quando ento se tornou
Superintendncia da Secretaria de Estado de Cultura.21
Ao longo desse perodo, a necessidade de espao para
guarda da documentao aumentou. Na dcada de1970, foram iniciadas obras para construo de um novo
edifcio no terreno do palacete, onde, na primeira metade
do sculo XX, existiam anexos destinados s casas dos
empregados do secretrio de Finanas. O projeto, do
arquiteto Lcio Amede Pert, no integrou as duas
edificaes, sendo concebido e construdo de forma
independente. As obras do novo prdio, que contava
quatro pavimentos, foram finalizadas em 1975. A edi-
ficao ocupou, no plano horizontal, 335m da poro
esquerda do terreno do Arquivo, que conta 2,249 mil m.
A partir de ento, o acer vo documental do APM foi
gradativamente transferido para o prdio anexo.
Em 7 de fevereiro do mesmo ano, o prdio antigo foi ob-
jeto do tombamento das fachadas, do volume e das duas
salas frontais, por meio do Decreto Estadual n 16.973.
A edificao tombada ficou fechada por mais de 20 anos.
Durante esse perodo, serviu de depsito do acervo. Se-
gundo levantamento empreendido pelo Instituto Estadual
do Patrimnio Histrico e Artstico de Minas Gerais, poucodepois, em 1979, foi elaborado um projeto de restaurao,
que no obteve recursos para sua execuo. Somente em
1983, foi realizada uma reforma no telhado do velho casa-
ro e, em 1985, o governo anunciou uma reforma de toda
a edificao, mas a verba acabou por no ser liberada. 22
Revista do Arquivo Pblico Mineiro | Dossi32 |
Aspect
osdafachadaprincipaldoAPM.BeloHorizonte(MG).Autordesconhecido,[1968-1972].AcervoArquiv
oPblicoMineiro,FundoArquivoPblicoMineiro.APM-5-003(03).
Abaixo:RestauraodoAPM.Foto:EduardoLacerda.BeloHorizonte(MG),1974.AcervoArquiv
oPblicoMineiro,FundoArquivoPblicoMineiro.APM-6-002(07).
Mariana Sousa Bracarense | Um patrimnio de pedra e cal
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Fotografiasanexadasaoprocessodetombamentoestadualdas
edeeacervodoArquivoPblicoMineiro.BeloHorizonte(MG),
21/01/1975.Autordesconhecido.AcervoInstitutoEstadual
doPatrimnioHistricoeArtsticodeMinasGerais(Iepha).PT-004.
Processodetombamentoestadualdas
edeeacervodoArquivoPblicoMineiro.BeloHorizonte(MG),
21/01/1975.AcervoInstitutoEstadual
doPatrimnioHistricoeArtsticodeMinasGerais(Iepha).PT-004.
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Em 1994, foram feitas obras visando solucionar os
problemas estruturais e hidrulicos do imvel. Em
agosto de 1995, sob a resp onsabilidade da arquiteta
Maria Beatriz Ribeiro Clmaco, foram restaurados
os elementos arquitetnicos, instaladas novas redes
eltrica e hidrulica. Pde, ento, ser implantado o
sistema de informatizao do rgo. Alm dessas
intervenes, o muro de divisa entre o Museu Mineiro
e o Arquivo Pblico foi demolido, dando lugar a uma
barreira fsica mais baixa, que incorporou as reas
externas e os jardins atravs de uma passagem comtratamento paisagstico semelhante. Os cmodos
anteriormente ampliados ou subdivididos foram
readaptados por meio da abertura de vos, demolio
de paredes e fechamento de algumas portas,
modificando o fluxo entre os esp aos. Alm disso, foi
foi colocada na circulao entre a antiga casa e o prdio
de guarda do acervo.26
No perodo entre 25 de abril a 6 de outubro de 1997
a equipe do restaurador Carlos Magno, da cidade de
So Joo del-Rei, realizou interveno nos elementos
decorativos da edificao antiga. Os trabalhos de
restaurao compreenderam os forros em tela, as
cimalhas em papel mach e a recuperao das
pinturas decorativas das paredes. Na primeira sala, as
prospeces feitas encontraram pinturas de molde, que
foram limpas, reintegradas e mantidas como registro.
Tais pinturas de molde serviram de modelo para a
restaurao das demais pinturas da sala. Na segunda
sala foram encontradas pinturas elaboradas antesdo barrado superior existente, porm a dificuldade
de remoo das repinturas, o baixo percentual
remanescente e o pssimo estado de conservao
levaram os restauradores a manter a prospeco
apenas como registro. A recomposio e reintegrao
do barrado superior foi, ento, executada.
Em casa, de novo
Em maro de 1998, alguns anos aps a reforma, o
edifcio foi reaberto e o atendimento ao pblico foi
transferido para a casa. O pr dio novo funciona como
anexo, guardando a maior parte do acervo do Arquivo
Pblico Mineiro. A sede oferece salas para consulta
acadmica, consulta probatria e consulta cartogrfic a.
No casaro funciona ainda a parte administrativa do
arquivo, um laboratrio de conservao e restaurao
de papis e uma sala de referncia com computadores
e leitoras de microfilmes.27
Em setembro de 2008, outra interferncia: foram
iniciadas escavaes e remoes de terra nos jardins
do Arquivo, com a finalidade da construo de novo
espao de s ociabilidade do Circuito Cultural Praa da
construda uma ligao entre o prdio antigo e o novo
atravs de passagem interna.23
No perodo de 25 de setembro a 26 de outubro de 1995,
a edificao foi cedida Casa C or, evento realizado para
apresentar tendncias da arquitetura e da decorao.
As intervenes que ocorreram para a montagem do
espao da exposio foram fiscalizadas pelo Iepha/MG
para garantir sua reversibilidade. Na ocasio, o piso do
alpendre, em mrmore nas cores vermelho e preto, com
fundo bege, foi substitudo.24
A obra iniciada em 1994 s e estendeu, sendo finalizada
em 1998. Entre as modificaes implementadas
encontram-se ainda a incorporao de um pequenoambiente na lateral esquerda da edificao antiga,
com acesso atravs da sala onde funciona a consulta
acadmica. As caractersticas do poro foram
modificadas devido alterao de seu uso, sendo
ocupada pela Diretoria de Conservao e Restauro e
uma sala de referncia com computadores e leitoras
de microfilmes. Esses cmodos foram integrados
internamente atravs das circulaes verticais: uma
escada helicoidal localizada na recepo, dando acesso
sala de desinfestao de documentos e um elevador
do tipo monta-carga, para acessibilidade de portadores
de necessidades esp eciais.25
Ainda segundo levantamento empreendido pelo
Iepha/MG, o piso original do poro, em ladrilho
hidrulico, ainda presente em alguns ambientes,
foi substitudo por granito branco com acabamento
polido e jateado, formando desenhos geomtricos
semelhantes aos do piso anterior. O piso externo, de
tijolo queimado, foi assentado ao fim da obra a partirde projeto da paisagista Jnia Lobo. A cobertura
tambm foi modificada na poro posterior da
edificao, houve juno dos telhados, que foram
acoplados, homogeneizando-se as telhas. Uma
cobertura de policarbonato em estrutura metlica
Liberdade, sendo esse espao atualmente ocup
um restaurante. Obra polmica, tal interveno
abaixo do nvel do terreno, com o objetivo de ev
conflito ou sobreposio entre a nova edificao
prdios histricos do c onjunto, que tambm inc
Museu Mineiro.
Desde 1994, a Lei n 11.726, de 30 de dezem
estabeleceu que a implementao e o acompa
mento da poltica estadual de arquivos, no m
do Poder Executivo do Estado de Minas Geraispassariam a ser coordenados pelo Arquivo Pb
Mineiro. Essas aes envolvem a produo, cl
ficao, avaliao, destinao, acesso, difuso
preservao dos arquivos da administrao est
em sua fase corrente, intermediria e permane
Mariana Sousa Bracarense | Um patrimnio de pedra e cal Revista do Arquivo Pblico Mineiro | Dossi36 |
Inaugurao do prdio anexo do APM. Belo Horizonte (MAutor desconhecido, 12/03/1975. Acervo Arquivo Pblico Min
APM-6-003(
Construo do prdio anexo do APM. Belo Horizonte (MG).Foto: Eduardo Lacerda, 1974. Acervo Arquivo Pblico Mineiro,
Fundo Arquivo Pblico Mineiro. APM-6-001(42).
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Mariana Sousa Bracarense doutoranda em HistUniversidade de vora (Portugal). Mestre em Histda Cultura pela Universidade Federal de Minas Ge(UFMG), graduada em Histria pela Universidadde Ouro Preto (Ufop) tendo especializao em HisCultura e da Arte pela UFMG. Atua como pesquisconsultora em p atrimnio cultural. msbraca@gma
Legislao mais recente tambm estabelece normas
em relao aos arquivos privados de interesse pblico
e social. Contudo, a implementao dessas funes
arquivsticas encontra-se gravemente comprometida
em razo de uma preocupante insuficincia de que
tratamos acima, neste artigo: desde 1975, no h
expanso ou construo de novas reas de depsito
no Arquivo Pblico Mineiro. Esse descaso ser
cobrado pelas geraes futuras, pois, devido
impossibilidade de planejar novos recolhimentos,
elas podem vir a ser privadas de preciosa
documentao sobre Minas Gerais, principalmente
aquela produzida da segunda metade do sculo XX
em diante.
RESUMO | O artigo apresenta um estudo sobre a edificao que desde1938 abriga o Arquivo Pblico Mineiro (APM). Intenta-se, a partir daobservao de seus usos, traar um histrico das intervenes no edif-
cio, suas particularidades tcnicas e seu contexto no espao da cidadede Belo Horizonte e do Estado de Minas Gerais em diferentes perodos.
ABSTRACT| The article presents a study of the building that, since1938, has housed the Minas Gerais Public Archives (APM), seeking, bynoting how it has been used, to trace a history of its changes, technicalpeculiarities, and its context within the city of Belo Horizonte and theState of Minas Gerais during different periods.
Notas |
1. Parte deste texto foi originalmente escrito em 2013, como estudopreliminar para instruir um projeto de interveno no edifcio-sede doArquivo Pblico Mineiro, tendo a Escala Nacional Arquitetura, Urbanis-mo e Engenharia como contratada, o Departamento de Obras Pblicasdo Estado de Minas Gerais como contratante e o Circuito Cultural Praada Liberdade e o Instituto Estadual do Patrimnio Histrico e Artsticocomo fiscalizadores.
2. SIMO, Fbio Luiz Rigueira. Tradio e modernidade na construoda nova capital mineira: padre Francisco Martins Dias e os Traos hist-ricos e descriptivos de Bello Horizonte. Revista Eletrnica Cadernos deHistria, v. 6, ano 3, n. 2, p. 117-136, dez. 2008. p. 117. Disponvelem: . Acesso em: 06/04/ 2015.
3. SILVA, Marisa Ribeiro. Histria, memria e poder: Xavier da Veiga, oarconte do Arquivo Pblico Mineiro. Dissertao (Mestrado em Histria) Departamento de Histria, Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas,Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006. p. 120.
4. PENNA, Alcia Duarte. Belo Horizonte: um espao infiel. Vria Hist-ria, Belo Horizonte, n. 18, p. 102-106, set. 1997.
5. Plano para a construo da cidade de Washington feito por PierreCharles LEnfant. Seus desenhos previam uma cidade centralizada noCapitlio dos Estados Unidos, cruzada por avenidas diagonais nomea-das pelos topnimos dos Estados da Federao. Os cruzamentos dessas
avenidas com ruas correndo num sentido norte-sul e leste-oeste seriamefetuados mediante rotatrias cujos nomes homenageariam grandes per-sonalidades norte-americanas.
6. Georges-Eugne Haussmann foi, entre 1853 e 1870, prefeito doantigo Departamento do Sena, que inclua os atuais departamentos deParis, Hauts-de-Seine, Seine-Saint-Denis e Val-de-Marne. Durante esseperodo, foi responsvel pela reforma urbana de Paris, determinada porNapoleo III, e tornou-se muito conhecido na histria do urbanismo edas cidades.
7. O plano de La Plata, na Argentina, teve como concepo urbansticaa apresentao de uma malha urbana ortogonal cortada por diagonaise fechada por um anel circular. Valorizava as reas verdes e possuaquarteires com 120m.
8. ARRAIS, Cristiano Alencar. Belo Horizonte, La Plata brasileira: entrea poltica e o urbanismo moderno. Revista UFG Dossi cidades plane-jadas na Hinterlandia, ano XI, n. 6, jun. 2009. p. 63.
9. IEPHA/MG; REDE CIDADE. Inventrio de proteo do acervo cultural.Complementao do inventrio qualitativo dos prdios do Circuito Cul-tural Praa da Liberdade. Arquivo Pblico Mineiro e Jardins do MuseuMineiro. Belo Horizonte: Iepha/ MG, 2005/2006. p. 171.
10. IEPHA/MG; REDE CIDADE. Inventrio de proteo do acervo cul-tural, p. 172.
11. IEPHA/MG; REDE CIDADE. Inventrio de proteo do acervo cul-tural, p. 172.
12. IEPHA/MG; REDE CIDADE. Inventrio de proteo do acervo cul-tural, p. 172.
13. IEPHA/MG; REDE CIDADE. Inventrio de proteo do acervo cul-tural, p. 172.
14. SILVA. Histria, memria e poder, p. 9.
15. SILVA. Histria, memria e poder, p. 34.
16. EQUIPE DE ELABORAO E MANUTENO DO SIAAPM. Histricodo Arquivo Pblico Mineiro Instituio cultural mais antiga de MinasGerais. Disponvel em: . Acess o em: 06/04/2015.
17. BOSCHI, Caio. Nas origens da Seo Colonial. Revista do ArquivoPblico Mineiro, Belo Horizonte, ano XL III, n. 1, p. 38-51, jan.-jul. 2007.
18. SILVA. Histria, memria e poder, p. 8.
19. Posteriormente a edificao abrigou a Secretaria deAtualmente ocupada pelo Museu das Minas e do Metal.
20. PARRELA, Ivana.A lgica e o labirinto. Revista do ArqMineiro, Belo Horizonte, ano XLIII, n, 1, p. 92-107, jan.-jul. 20
21. MINAS GERAIS. Guia do Arquivo Pblico Mineiro. BelSecretaria de Estado de Cultura, 1993. p. 1-9.
22. IEPHA; REDE CIDADE. Inventrio de proteo do acep. 10.
23. IEPHA; REDE CIDADE. Inventrio de proteo do acep. 11.
24. IEPHA; REDE CIDADE. Inventrio de proteo do acep. 11.
25. IEPHA; REDE CIDADE. Inventrio de proteo do acep. 127.
26. IEPHA; REDE CIDADE. Inventrio de proteo do acep. 173.
27. IEPHA; REDE CIDADE. Inventrio de proteo do acep. 12.
Mariana Sousa Bracarense | Um patrimnio de pedra e cal Revista do Arquivo Pblico Mineiro | Dossi40 |
rea de guarda do Acervo Cartogrfico e Laboratrio de Conservao de Documentos do APM. Belo Horizonte (MG).Fotos: Pedro de Brito Soares, 02/1998. Acervo Arquivo Pblico Mineiro, Fundo Arquivo Pblico Mineiro. APM-11-024(03 e 04).
Laboratrio de Conservao de Documentos do APM. Belo Horizonte (MG). Fotos: Pedro de Brito Soares, 02/19Acervo Arquivo Pblico Mineiro, Fundo Arquivo Pblico Mineiro. APM-11-024(05 e
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Dossi
O Arquivo Pblico Mineiro foi, desde sua origem, local privilegiado dpesquisa histrica, cumprindo ainda funes de servir administrapblica e facultar aos cidados os registros para a comprovao dedireitos, o que faz dele notvel instrumento de cidadania.
Revista do Arquivo Pblico MineirRevista do Arquivo Pblico Mineiro
Exerccio de cidadaniaRenato Pinto Venancio
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mineiro so exemplos da funo desempenhada pelo
APM na escrita da histria do grandioso passado regional.
Tal dimenso, contudo, no deve obscurecer outra, que
consiste no fato de os arquivos servirem administrao
a que esto subordinados. Nesse sentido, cabe lembrar
que os documentos de arquivos so, do ponto de vista
jurdico/diplomtico, autnticos e fidedignos, regulando
obrigaes e direitos. Essas caractersticas, mesmo que
passados vrios sculos da poca em que o documento
foi produzido, so imprescritveis.18Por isso mesmo,
desde os primeiros relatrios produzidos pelo APM, bem
antes da constituio de sala de consulta, em 1920,19
menciona-se o atendimento na secretaria e a emisso de
certides requeridas, demandadas pela administrao
estadual ou por cidados em busca de documentao
probatria.20Concomitantemente a esses procedimentos,
cabe tambm lembrar a natureza do Estado ento exis-tente, que era oligrquico, mas apresentava uma roupa-
gem institucional liberal, sendo visto c omo agente garan-
tidor do respeito propriedade privada e aos contratos.21
Tal concepo estimulava, paralelamente ao clientelismo
ou uso da violncia na resoluo de conflitos, o surgi-
mento de ilhas institucionais de experincia cvica, em
que os documentos de arquivos eram utilizados para fins
de acesso a direitos ou mediao de disputas.
Um exemplo a respeito dessa ltima dimenso refere-se
questo da definio dos limites regionais. Desde a
Independncia, um dos problemas enfrentados por todas
as provncias consistiu na delimitao das fronteiras
administrativas regionais e intermunicipais. Aps a procla-
mao da Repblica, tal situao tornou-se ainda mais
urgente, pois a cobrana de impostos e a prpria sobre-
vivncia das finanas pblicas dependiam cada vez mais
desse conhecimento preciso. Ciente desse problema,
Xavier da Veiga recolheu grandes conjuntos de mapas e
plantas relativos a Minas Gerais. Alm disso, deu incio
a uma pesquisa, procurando reunir dados e identificar
novos registros confiveis. No primeiro volume da RAPM,
sob o ttulo Corographia Mineira: questionrio, dadanotcia dos levantamentos de fontes a ela relacionadas.
Tratava-se, como o prprio autor menciona, da distribui-
o de folhetos, um para cada districto de paz do Estado
[...] com o preciso espao em branco para as respectivas
respostas. Nesses levantamentos procuravam-se
identificar as produes agropecurias e as riquezas natu-
rais, populao e grupos tnicos, clima e salubridade,
constituio geolgica e at mesmos tipos de insetos da
fauna regional e valores venais dos imveis.22
Contudo, a primeira questo apresentada no referido
folheto consistia em saber os limites das localidades:
1. Qual a situao e aspectos physico dessa localidade?
Com que districto (desse ou de outro municpio) esse
districto confins?23Mas, conforme Xavier da Veiga reco-
nheceu, em texto publicado na RAPM, das centenas de
folhetos distribudos, s algumas dezenas voltaram com
informaes. Isso o levou a aceitar c ontribuies espon-
tneas.24Entre 1896 e 1900, 34 trabalhos corogrficos
so publicados na revista. Na gesto de Augusto deLima, compreendida entre 1901 e 1910, esse nmero
diminui drasticamente: apenas oito e studos so publi-
cados. No entanto, devem-se acrescentar a essa lista
outras pesquisas semelhantes e de ainda maior
as monografias a respeito dos limites interestad
tambm divulgadas na forma de extensos relat
O prprio APM, na figura de seu diretor, aps in
pesquisas no acervo, redigiu propostas a respeito
deveriam ser as fronteiras mineiras em relao ao
de Gois27e So Paulo.28Em 1905, num relat
Augusto de Lima reconheceu que essa estava se
principal ocupao: A maior atividade do directo
chivo tem sido aplicar-se pesquisa de docume
nossas questes de limites.29Cabe tambm sub
o APM no declinou de se posicionar frente s d
de criao de novos municpios.30Quando no d
de documentao especfica em seus acervos, psubsidiar as discusses sobre as fronteiras, a ins
arquivstica agia como intermediria, solicitando
em outros arquivos estaduais ou no Arquivo Nac
Renato Pinto Venancio | Exerccio de cidadania Revista do Arquivo Pblico Mineiro | Dossi46 |
Chegada do presidente Arthur Bernardes e do rei Alberto I da Blgica ao Palcio da Liberdade. Belo Horizonte (MG).Foto: Bonfioli Photo, 1920. Acervo Arquivo Pblico Mineiro, Fundo Arthur da Silva Bernardes. AB-04-1-004-005-006.
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Uma interpretao dessas atividades, meramente do
ponto de vista da teoria da histria, desconsidera que
ela visava subsidiar decises de advogados contratados
pelo poder pblico, assim como informar legisladores
envolvidos na definio dos limites estaduais e muni-
cipais mineiros. Tratava-se de acirradas disputas, que
acabavam sendo encaminhadas aos tribunais de Justia.
Nesses momentos, a relevncia dos servios prestados
pelo APM era reconhecida pelo governo e stadual:
O servio do Archivo Publico e da Estatstica
Official, confiada competentssima e zelosa
direco de illustre mineiro, no obstante a
deficincia de sua organizao, vem pres tando
servio de relevncia ao Estado, principalmente
nas questes pendentes de limites com os
vizinhos, elementos decisivos para soluo dos
conflitos e das pendncias nas zonas litigiosas
das fronteiras.32
Cabe destacar, ainda, que as atividades corogrficas
criaram, internamente ao APM, uma competncia em
termos de produo de dados estatsticos.33Tal consta-
tao, por sinal, no surpreendente. Antes mesmo de
o APM assumir essa funo, ela era desempenhada por
outros arquivos pblicos estaduais, como o de So Paulo,
que em 1891 foi institudo como Repartio de
Estatistica e do Archivo do Estado34e repassou
congnere mineira modelos de estudos de estatstica
demogrfica, econmica e moral (ou seja, criminal).35
O reconhecimento da referida competncia tcnica
do APM fez com que, em 1909, o Setor de Estatstica
estadual fosse incorporado de forma subordinada
instituio arquivstica:
Art. 68 O Arquivo Pblico constituir uma
diretoria separada, e no tocante ordem e
processo do servio, continuar a reger-se porseus regulamentos especiais.
Art. 69 So transferidos para esta diretoria
todos os servios relativos estatstica geral do
Estado, em todos os seus diferentes ramos.36
No entanto, tal arranjo administrativo dura pouco
Em 1910, restabelecida a Secretaria da Agricu
Indstria, Terras, Viao e Obras Pblicas, que re
o encargo de produo de dados estatsticos para
estadual.37Contudo, at 1926, quando criado
o estatstico geral,38o APM continuou produzind
estatsticos. O governo mineiro demonstrava confi
informaes coligidas ou produzidas pela institui
assim que, por ocasio da consulta feita pelo P
Fascista, a respeito da comunidade italiana estab
em Minas Gerais, o presidente de Estado incumb
tuio arquivstica o encaminhamento da questo
Alm das funes administrativas, o APM era co
um repositrio confivel, uma espcie de cartrio
pblicos, o que lhe agregava prestgio e reconhec
Desconhecer tais funes implica o risco de no
preender como foi constituda boa parte do acer
Renato Pinto Venancio | Exerccio de cidadania Revista do Arquivo Pblico Mineiro | Dossi48 |
Gabinete de trabalho. Belo Horizonte ( MG). Autor desconhecido, sem data. Acervo Arquivo PMineiro, Coleo Tipografia Guimares. TG-206-
Interior do Banco Hipotecrio e Agrcola do Estado de Minas Gerais com funcionrios e clientes. Belo Horizonte (MG).Autor desconhecido, 1916. Acervo Arquivo Pblico Mineiro, Coleo Tipografia Guimares. TG-202-001.
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instituio, por exemplo, a citada coleo de mapas e
plantas reunida desde os tempos de Xavier da Veiga.
Repositrio confivel e instituio cultural
Ao longo da dcada de 1910 e 1920, observa-se na
Revista doArquivo Pblico Mineirouma diminuio de
publicaes corogrficas ou que discutiam os limites e as
fronteiras estaduais.41A partir de ento, o perfil do APM se
aproxima cada vez mais ao atualmente existente. O incio
de funcionamento de uma sala de consulta e a multiplica-
o dos instrumentos de pesquisa inventrios, catlogos
de fontes etc. abriram a instituio aos pesquisadores.
O surgimento do Instituto Histrico e Geogrfico de Minas
Gerais, em 1907, tambm em muito havia estimuladoa consulta aos acervos. A dimenso acima apontada
fortalece-se com o advento das polticas de cultura.42
Os relatrios governamentais, antes mesmo da criao
do Servio Nacional de Patrimnio Histrico e Artstico
(Sphan), em 1937, retomando itens do regulamento origi-
nal do APM, apontam e reforam essa vocao. o que
lemos, por exemplo, na mensagem que o presidente de
Estado enviou Assembleia Legislativa mineira em 1929:
pensamento meu dotar de melhores
installaes o Archivo e, bem assim, promover,
ao lado do mesmo, a creao de um museu
histrico e de uma pinacotheca, afim de reunir,
em uma s instituioas preciosidades, ora
dispersas, que o Estado j possue.43
Porm, tal dimenso no obscureceu a funo
primria do APM de servir administrao a que
estava subordinado. Infelizmente, uma parte desses
servios no ficou registrada para a posteridade.44
J os pedidos encaminhados por escrito acabaramsendo meticulosamente identificados. A consulta ao
livro de registros de 1896 a 1926 45permite verificar
que a instituio arquivstica era autorizada, com base
na documentao que custodiava, a emitir as seguintes
certides probatrias:
Revista do Arquivo Pblico Mineiro | Dossi52 |
Da esquerda para direita: Jos Pedro Xavier da Veiga. Autor desconhecido, [1895-1900]. Acervo Arquivo Pblico Mineiro, Fundo Theophilo Feu de Carvalho.TFC-4-001. Antnio Augusto de Lima. Autor desconhecido, 1929. Acervo Arquivo Pblico Mineiro, Fundo Joo Dornas Filho. JDF-8.2-152.
Mrio Franzen de Lima. Autor desconhecido, 1915. Acervo Arquivo Pblico Mineiro, Coleo Tipografia Guimares. TG-101-001.
RevistadoArquivo
PblicoMineiro,volume4-MinasGeraiseRiodeJaneiro(questodelimites).
BeloHorizonte(MG):ImprensaOficialdeMinasGerais,1899,p.317.
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- Certido de carta de sesmaria.
- Certido de registro de terra.
- Certido de medio de terras.
- Certido de instalao de distritos, municpios e
comarcas.
- Certido de divisa de distritos e municpios.
- Certido de patrimnio (trata-se de um tipo de registro
de terras de distritos, instituies religiosas etc.).
- Certido de registro de sentena judicial.
- Certido de nomeao para c argo (vereador, deputado,
funcionrio etc.).
- Certido de tempo de servio.
- Certido de acumulao de vencimentos.
- Certido de segunda via de diploma escolar (concedidaa alunos de escolas normais, Escolas de Minas e de
Farmcia de Ouro Preto etc.).
Havia ainda outros tipos de certido que ficaram regis-
trados apenas na correspondncia oficial. Um deles con-
sistia na certido de naturalidade produzida a partir dos
livros de matrcula de imigrantes.46Esse ltimo tipo de
certido, assim como as referentes ao registro de terra,
at hoje emitido pelo APM. Cabe ainda destacar que
no se tratava de uma improvisao administrativa, pois
eram emitidas guias para registrar as demandas.47
Tambm se constata que essas certides eram
reguladas por meio de legislao especfica. No que
diz respeito, por exemplo, aos municpios, cpias das
atas de instalao de distritos eram confiadas ao APM,
prtica que se estendeu at a dc ada de 1970:
Art. 1 Fica marcada a data de 15 de
outubro de 1970 para instalao dos distritoscriados at 30 de dezembro de 1962 e ainda
no instalados.
2 Cpias da ata de instalao e da lei
referida no pargrafo anterior devero ser
remetidas Secretaria de Estado do Interior e
Justia, aoArquivo Pblico Mineiroe ao Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatstica.48
Tal procedimento tambm ocorria por ocasio de criao
de comarcas da diviso judiciria:
Art. 4 Criada por lei uma comarca, ser
ela instalada em dia designado por decr eto
do Poder Executivo.
Pargrafo nico Presidir a instalao o juiz
de direito da comarca desmembrada ou o
juiz da mais prxima, se duas ou mais forem
desmembradas, e lavrar-se- ata no livro denotas do cartrio de paz, remetendo-se cer tido
da mesma ao Tribunal de Justia, ao Tribunal
Regional Eleitoral, ao Departamento de Justia da
Secretaria do Interior, ao Departamento Estadual
de Estatstica e aoArquivo Pblico Mineiro.49
O mesmo constatado em relao s cpias de
registros de posse de vereadores:
Art. 14 Para instalao da Cmara Municipal,
os vereadores diplomados reunir-se-o sob a
presidncia do juiz de direito da comarca, em
dia, hora e local por ele designados.
1 Convidado pelo juiz, o vereador
mais idoso prestar o seguinte comproPrometo cumprir leal e honradamente
as funes de vereador deste municpio
o qual ser repetido pelos demais,
medida que for pronunciado o nome de
cada um deles.
Renato Pinto Venancio | Exerccio de cidadania Revista do Arquivo Pblico Mineiro | Dossi54 |
Carta topogrfica do Estado de Minas Gerais confeccionada por Francisco Bhering para comemorao do primeiro centenda Independncia. Berlim (AL, 1922). Acervo Arquivo Pblico Mineiro, Coleo Arquivo Pblico Mineiro. APM - 039(
Anncio publicado noJornal Minas Gerais, 04/01/1899.
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tambm, e fundamentalmente, existem para apoiar
a administrao a que se vinculam e garantir
ao cidado acesso a documentos, na comprovao
dos seus direitos.52
Eis a caminhos de pesquisa interessantes. Em uma
sociedade marcada por concepes oligrquicas
e patrimonialistas, o APM, desde sua origem,
proporcionou pr-requisitos documentais para a
resoluo de conflitos de terras, de limites entre
Estados e municpios etc. por intermdio da
Justia. A instituio tambm possibilitou o acesso a
determinados direitos aposentadoria,53nomeao
para cargos etc. atravs de documentao probatria,
e no necessariamente por meio de vnculos pessoaisde amizade e compadrio, como era c omum ocorrer.54
Internamente administrao estadual, o APM
procurou agregar racionalidade s decises atravs
de disponibilizao de documentos e informaes,
alm de pioneiramente ter defendido concursos no
preenchimento dos quadros de funcionrios pblicos.55
Com o passar do tempo, vrios servios e funes
originalmente da instituio arquivstica estadual
foram transferidos para outros rgos pblicos.
No entanto, a marca original do APM, como supor te
para o exerccio da cidadania, por meio do aces so
a documentos autnticos e fidedignos, manteve-se,56
apesar das dificuldades enfrentadas para se perenizar
essa dimenso.57
RESUMO | O presente texto analisa a formao do Arquivo PblicoMineiro no contexto da administrao pblica estadual. Criada em 1895,essa instituio no s atendeu a de mandas da escrita da Histria, comotambm, e principalmente, serviu ao poder pblico estadual e aos cida-dos mineiros com documentao autntica e fidedigna, base para atomada de decises e o exerccio dos direitos de cidadania.
ABSTRACT| This text analyzes the development of the Minas GeraisPublic Archive within the context of state public administration. Createdin 1895, this institution not only met demands to preserve written history,but also, and principally, served state governments and state citizens byoffering authentic and reliable documentation as a basis for decision-making and the exercise of citizen rights.
Notas |
1. Diversas pesquisas sublinham a influncia dos modelos insArquivo Nacional e do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiroalguns desses estudos: PARRELA, Ivana. Patrimnio documede uma histria da ptria regional: Arquivo Pblico Mineiro, 189Paulo: Annablume/Fapemig, 2012; PARRELA, Ivana. A lgica Revista do Arquivo Pblico Mineiro, v. XLIII, n. 1, p. 92-105,RELA, Ivana. Fundamentos legais de um projeto arquivstico. Rquivo Pblico Mineiro, v. XLVII, n. 1, p. 140-157, 2012; VENAPinto. O arquivo e a lei. Revista do Arquivo Pblico Mineiro, v. X135-145, 2012; ARAUJO, Valdei Lopes; MEDEIROS, Bruno Ftria de Minas como histria do Brasil. Revista do Arquivo Pbv. XLIII, n. 1, p. 22-37, 2007; MEDEIROS, Bruno Franco. Jos da Veiga e o projeto de uma identidade histrica no Arquivo PRevista Intellectus, v. 5, n. 2, p. 1-13, 2006. Disponvel em: . Acesso em: 28
2. MINAS GERAIS. Lei n. 126, de 11 de julho de 1895. Cra Ouro Preto uma repartio denominada Archivo Publico MineirPatrimnio documental e escrita de uma histria da ptria regio
3. MINAS GERAIS. Decreto n. 860, de 19 de setembro de
mulga o regulamento do Archivo Publico Mineiro. PARRELAdocumental e escrita de uma histria da ptria r egional, p.
4. Rascunho de relatrio de atividades desenvolvidas1898/05/24, APM-1.2-Doc.
5. PARRELA, Ivana. Patrimnio documental e escrita de uda ptria regional, p. 53.
6. MINAS GERAIS. Lei n. 318, de 16 de setembro de 1901. Rversos ramos do servio pblico do Estado. Coleco de leis eEstado de Minas Gerais.Belo Horizonte: Imprensa Official, 19
7. SILVA, Marisa Ribeiro. O artfice da memria. Revista doblico Mineiro, v. XLIII, n. 1, p. 74-91, 2007.
8. PAULA, Joo Antonio de. Histria revista e passada a limdo Arquivo Pblico Mineiro, v. XLIII, n. 1, p. 59, 2007.
9. MINAS GERAIS. Exerccio de 1895. Demonstrao da dzer-se com pessoal e material do Archivo Publico Mineiro. Mrgo official dos poderes do Estado, 22 de janeiro de 1896
10. MINAS GERAIS. Decreto n. 1.479, de 21 de outubro dem execuo a Lei n. 318, de 16 de setembro do corrente areferente Secretaria do Interior. Coleco de leis e decretde Minas Gerais.Belo Horizonte: Imprensa Of ficial, 1901, p
11. Grifo nosso.
12. PARRELA. A lgica e o labirinto, p. 99-102.
13. MINAS GERAIS. Guia do Arquivo Pblico Mineiro. BelSEC, 1993, p. 9.
14. PAULA. Histria revista e passada a limpo, p. 73.15. ARAUJO; MEDEIROS. A histria de Minas como histrp. 22-37.
16. PARRELA. Patrimnio documental e escrita de umaptria regional, p. 60; CARNEIRO, Edilane Maria de AlmeMarta Elosa Melgao. Introduo. In: VEIGA, Jos Pedro Xamrides Mineiras, 1664-1897. 3. ed. Belo Horizonte: FuPinheiro, 1997, v. 1, p. 17-40.
2 Compromissados os vereadores, o
Presidente da sesso dar-lhes-, em seguida,
posse dos cargos, declarando instalada a
Cmara, do que se lavrar ata circunsta