S B P R P setembro/outubro 2013 70nº
B RibeirãoPreto
m 1983, Hanna Segal (1918 – 2011), psicanalista da
Sociedade Britânica de Psicanálise, participou da funda-
ção do PPNW (Psicanalistas na Prevenção da guerra Nuclear).
A partir de alguns referenciais teóricos psicanalíticos, tais como
“Psicologia de grupo e análise do ego”, Freud (1921); “Notas
sobre alguns mecanismos esquizoides”, Klein (1946); “Expe-
riências com grupos”, Bion (1961) e ainda da contribuição de
outros autores que cooperaram para a expansão de trabalhos
teóricos e clínicos com pacientes psicóticos, Hanna Segal
elaborou e publicou dois belos artigos - ”O silêncio é o verda-
deiro crime”(1987) e “De Hiroshima à guerra do Golfo e
Depois: expressões sociopolíticas de ambivalência”(1995).
Nesses, ela declara que a psicanálise dispõe de conhecimento
profundo e particular do funcionamento da mente humana, que
a autoriza a contribuir para a compreensão de estados de tensão
grupal e de conflitos de guerra. Em sua obra observamos que
utilizou toda sua argúcia, percebendo e identificando a presen-
ça do instinto de morte na vida cotidiana. Sua contribuição
transita da teoria à clínica, à política, ao Social, à literatura e às
artes como um todo.
Nesta edição vamos visitar galerias e espaços culturais da
nossa cidade. No “Com a palavra” a atual Diretora do Instituto,
Dra. Sônia Mestriner chama a atenção para a importância dos
trabalhos em equipe, que favorecem expansões como a criação
de cursos eletivos. À semelhança de Hanna Segal, a Dra.
Martha M. M. Ribeiro, analista didata da SBPRP, convida a
todos para uma reflexão sobre os movimentos sociopolíticos
globais da atualidade. As preparações rumo à “Terceira
Bienal de Picanálise e Cultura” prosseguem e, o espaço
cultural organiza um encontro inspirado na obra da
escritora e jornalista Clarice Lispector. Finalmente,
Luciano Bonfante, membro filiado, descreve a importância
das relações interculturais promovidas e fomentadas nos
congressos internacionais de Psicanáilse.
Agenda CulturalPágina 2
Com a PalavraPágina 3
Tema LivrePáginas 4 e 5
Notícias da SBPRPDiretoria CientíficaPáginas 6, 7
Cinema e PsicanálisePágina 8
Espaço dos Membros FiliadosPágina 9
Programe-sePágina 10
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Sociedade Brasileira de Psicanálise de Rib. Preto.
Filiada a IPA InternationalPsychoanalytical Association Ribeirão
Preto
Panoramas
Exposição e arte digital
"A proposta apresentada pelo artista desperta a emoção do observador pelo brilho das cores e pelas formas que surgem, ora lúdicas ora reflexivas.Sua arte, alegre e impactante, evoca o senti-mento do visto e do não visto, levando-nos à reflexão sobre as muitas possibilidades da imagem." Maria Aparecida Zanon
Protagonista e Domingo
A pintura de Cristina Canale revela traços bastante singulares, notadamente a maneira como os elementos figurativos da composi-ção estão sempre na iminência de se diluírem em pura abstração. Suas paisagens parecem retratar um mundo fluido, em que uns poucos elementos reconhecíveis surgem por entre campos de cor que se justapõem – e de maneira harmônica, não obstante a ampla variedade de cores que emprega.
Vive e trabalha em Londres, Reino Unido e São Paulo, Brasil.Suas pinturas e gravuras mostram o efeito do homem na natureza. Através das técnicas pictóricas ela cria zonas de ambiguidade visual, em que a luz é o elemento mais importante, conseguindo nos transmitir a sensação de atemporalidade.
tualmente o nosso Instituto
promove e supervisiona a forma-
ção psicanalítica de duas turmas: a VII,
em formação há cerca de três anos e a
VIII que iniciou a formação em agosto.
Por essa razão é pertinente usar este
espaço no Boletim para fazer algumas
considerações sobre a formação que
promovemos no Instituto.
A nossa formação é fruto de um
longo processo de experiência com o
ensino e a prática da Psicanálise, um
empenho de gerações de psicanalistas
trabalhando na Instituição. Cada direto-
ria do Instituto realiza as transformações
decorrentes de sua experiência. Para
isso, conta com a Comissão de Ensino
cuja função é assessorar a Diretoria do
Instituto. É constituída por todos os
analistas didatas e pela diretoria do
mesmo. O trabalho comum das diretori-
as com a Comissão de Ensino, levando
em conta as sugestões dos membros da
Sociedade e dos membros filiados ao
Instituto, o predomínio do trabalho, da
busca de conhecimento, do amor e
respeito, garante a continuidade harmô-
nica, benéfica e inovadora na evolução
do Instituto e nas sucessões das diretori-
as. Abre caminho para que possamos
receber a VIII turma com a disponibili-
dade de criarmos, junta-mente com a
nossa Sociedade, um vínculo frutífero
entre nós.
A Formação que promovemos é
baseada em análise pessoal, seminários
teóricos e clínicos e supervisões. O pro-
grama teórico concentra-se especial-
mente nos trabalhos de Freud, Klein e
Bion. Há alguns anos acrescentamos
outros autores, visando uma ampliação
de oportunidades para o conhecimento
das diversas teorias psicanalíticas.
Introduzimos nesta gestão os
cursos eletivos, isto é, seminários temá-
ticos optativos com a finalidade de
proporcionar aos membros filiados uma
maior oportunidade de estudo de temas
diversos e a possibilidade de conhe-
cerem melhor os membros filiados
pertencentes a outras turmas. Espe-
ramos que essa importante inovação seja
acolhida por todos os membros e
coordenadores de seminários e
proporcione uma formação mais
fecunda.
omo compreender as múltiplas reali-
dades emergentes nas manifestações de
rua que mobilizam a população brasileira e
desafiam os governos de todo o país, nos dias
de hoje?
Neste ano de 2013, estamos enfrentando
tempos incertos e fluidos com ferramentas
políticas e intelectuais de outras épocas, de
outros tempos, observando a realidade como
se ela fosse estável, homogênea e determina-
da. Estejamos onde estivermos, no Brasil, no
Egito, na Grécia, Turquia ou Chile, estamos
vivendo em um mundo incerto, mutante,
complexo, plural, indeterminado, sujeito ao
imprevisível e ao inesperado; sujeito às emer-
gências de natureza política, econômica,
social, ética e cultural, para as quais, lamenta-
velmente, não estamos ainda, individual e
coletivamente, preparados.
Significativamente uma grande parcela
da população está desafiando os governantes
de todos os estados brasileiros, bem como a
própria Presidência da República. Tais mani-
festações ganharam corpo e expressão nacio-
nal e internacional, expandindo-se gradual-
mente, em uma onda de protestos (e também
de violência), levando dezenas de milhares de
pessoas às ruas, com uma significativa agenda
de reivindicações.
A grandeza do protesto e a violência dos
confrontos acabaram se espraiando pelas
principais cidades brasileiras e no dia 17 de
junho, no início da Copa das Confederações, o
Brasil viveu uma das maiores mobilizações
populares dos últimos 20 anos, inflamado por
várias outras bandeiras, dentre elas, as reivin-
dicações por melhores condições de vida,
saúde, educação e transporte, como um novo
“Cuidado por onde andas, pois é sobre seus sonhos que tu caminhas.” Carlos Drummond de Andrade
momento na cadeia de mobilizações como
também já ocorreu na África do Sul. O super-
faturamento nas obras (estádios, etc.) rouba as
prioridades que exigem recursos para Saú-
de/Educação, áreas essenciais que envolvem
outras.
O psicanalista é uma espécie de 'antena'
do que está acontecendo não apenas a nível
individual, mas também no plano social e
político. Analista e analisando estão inseridos
na mesma sociedade, na mesma época. Uma
possível função do analista, comprometido
com o princípio da realidade, talvez seja
mobilizar a consciência de que somos um país
pobre, com carências múltiplas, e que, tanto
no plano coletivo como no individual, deve-
mos estar atentos para um realista planeja-
mento de nossos recursos, sejam eles financei-
ros ou emocionais. Para tal, amor à Verdade
(como sinônimo de Realidade) é fundamental.
O que se percebe é que grande parte das
demandas do clamor das ruas é de natureza
ética, o que nos leva a perceber, com entusiasmo
e alegria, a emergência de indícios de uma nova
consciência e de postura em relação ao bem
comum.
Temos grandes dificuldades, tanto em
nível individual quanto coletivo, para encontrar
soluções compatíveis com a magnitude e a
intensidade dos problemas atuais. Alguns veícu-
los de comunicação que permitem reflexão de
natureza cultural e política são bruscamente
fechados, a exemplo da Revista Bravo: o que
seria um convite à reflexão, sobre as Artes em
geral, artigos e entrevistas com artistas também
contemporâneos, de repente desaparece!
Essas manifestações sendo acolhidas e se
apurando a interpretação dos problemas que
existem, ainda será preciso várias gerações de
estadistas para aprofundar as soluções possíveis
para o que está apenas enunciado.
O psicanalista vive em uma caverna,
segundo Meltzer (lembrando a caverna de
Platão), porém às suas vivências pessoais soma-
se o que chega, por meio dos analisandos, à
sessão de análise, a qual é uma espécie de jornal
rádio televisivo do quotidiano. Cabe ao analista,
em sua reflexão, complementar, cooperar com a
leitura das cenas que chegam, para aprofundar
fatos e viver a experiência emocional da sessão.
Sigmund Freud, apesar de ser conhecido
pelo descobrimento e pelas reflexões sobre a
estrutura psíquica do Indivíduo, articulou gran-
des teorias sobre o funcionamento dos Grupos
Humanos. Convido o leitor interessado a exami-
nar cuida-dosamente certas reflexões emitidas
por Freud, principalmente nos seguintes textos,
que apesar de centenários, são úteis para serem
lidos nos dias de hoje: Totem e Tabu (1913),
Psicologia das Massas e a Análise do Ego
(1921), O Futuro de uma Ilusão (1927) e O mal
estar na civilização (1930).
Freud também lidou com questões de
guerra. Sua obra Pensamentos para os tempos de
guerra e de morte (1915) foi a primeira grande
reflexão sobre a violência, o ódio e a ilusão de
uma bondade originária, que permitiu entrever a
futura conceituação da pulsão de morte. Nesse
texto, ele elegeu como epígrafe, a seguinte
reflexão de Horácio:
Em parte, estas reflexões estão ligadas às
fortes vivências emocionais de Freud, pois seus
dois filhos estavam participando, como solda-
dos, na I Guerra de 1914-18; Ernest Freud
combateu na Galícia e Martin Freud foi ferido
em combate. O armistício em novembro de
1918 trouxe um grande alívio para a humanida-
de. Entretanto, Martin não dava notícias para
seus familiares. Foi localizado seu cativeiro na
Itália, sendo solto somente em outubro de 1919.
Bion (Experiências com Grupos, 1968),
por sua vez, esteve nas duas grandes guerras
mundiais. Foi condecorado e trabalhou com
grupos terapêuticos no pós-guerra; como obser-
vador com intuição psicanalítica, constatou que
quando se reúnem várias pessoas visando um
objetivo, podem-se distinguir duas tendências:
uma é dirigida a realizar a tarefa prevista, buscar
os ideais (grupo de trabalho), enquanto a outra
se opõe a isso (grupo de suposto básico); são os
incendiários, os vândalos, que demonstram
estar funcionando em estados emocionais pri-
mitivos intensos, quando expressam suas fanta-
sias inconscientes no grupo, tornando-se caóti-
co qualquer funcionamento de cooperação entre
os participantes.
Estaríamos, atualmente, diante de um
sonho ou pesadelo? Como conclusão, não
podemos ainda antever a intensidade do impac-
to das mobilizações de rua em um futuro próxi-
mo, mas sabemos que o Brasil jamais será o
mesmo. Assim como a mobilização das placas
tectônicas provocam tsunamis, terremotos e
maremotos, também o clamor das ruas, as
reivin-dicações da população, anteriormente
adormecida (muitas vezes em berço esplêndi-
do), assustam e requerem respostas rápidas e
verdadeiras.
Espaço Cultural convida os membros
da SBPRP para uma proposta de inter-
locução entre Literatura Psicanálise. A ↔Comissão Cultural tomou por missão manter
este espaço como um ponto de encontro, um
espaço para mobilizar a reflexão de questões
culturais e psicanalíticas atuais, onde possa-
mos nos reunir para compartilhar conheci-
mentos e estimular reflexões, sempre em
busca de novos vértices. Sendo assim, orga-
nizamos um primeiro encontro sobre Psica-
nálise e Literatura.
A Psicanálise nasceu na fronteira entre
a medicina e a literatura. Ana O., uma das
'personagens' mais famosas da história da
Psicanálise - apesar de não ser personagem
de nenhum romance - colaborou para que
Freud percebesse a importância da narrativa
no trabalho clínico do psicanalista. Como
grande leitor, Freud encontrou nos textos de
Shakespeare, Goethe, Schiller, Schnitzler,
Jensen, Ibsen, inclusive os de Ágatha Chris-
tie, entre outros, uma importante fonte que o
nutriu para suas descobertas a respeito do
funcionamento psíquico humano. Como
exímio escritor, Freud narrou as histórias de
seus pacientes, bem como suas teorias, de tal
forma que muitos de seus textos podem ser
lidos como se fossem um romance. Não foi
por acaso que a única honraria importante
que Freud recebeu em vida, já aos 74 anos,
foi o Prêmio Goethe, láurea dedicada aos
grandes escritores. Segundo Peter Gay, um
de seus maiores biógrafos, nesta altura da
vida ele já havia desistido de esperar o
prêmio que tanto almejou (e mereceu): o
Nobel de Medicina.
O interesse de Freud pelas narrativas
consolidou os laços frutíferos entre a Psica-
nálise e a Literatura. Em “A Interpretação
dos Sonhos” Freud (1900) refere-se aos
sonhos como “relatos imaginários”, pouco
depois, em 1907, Freud fala da importância
do devaneio na criação artística; em 1908
publica “Escritores Criativos e Devaneio”,
onde se pergunta: De que fontes esse estra-
nho ser, o escritor criativo, retira seu
material?
Escritores, artistas e psicanalistas
tem um patrimônio em comum: a função
onírica, fundamental e vital para qualquer
trabalho criativo, denominador comum dos
sonhos, devaneios, jogos e brincadeiras
infantis, da criatividade artística e científica.
Escritores e psicanalistas captam e registram
os sentimentos humanos e as diversas formas
pelas quais nos relacionamos, colaborando
para que possamos dar significado ao inomi-
nado, gerando uma rede simbólica que nos
possibilita expansão emocional para além de
limites pré-determinados (Guedes Cruz,
2007).
Neste encontro, intitulado “Clarice
Lispector: Inquietações do Inacessível”,
teremos a oportunidade de mergulhar na
particularidade do pensamento|sentimento
desta gigante escritora da literatura
brasileira. Faremos esta viagem acom-
panhados pela sua biografa Nádia Battella
Gotlib, profunda conhecedora de sua vida e
obra, bem como pelas nossas colegas Denise
Antônio e Letícia Wierman, amantes da obra
da Clarice.
ste é o tema da III Bienal de Psicanálise e Cultura
da nossa Sociedade, que será realizada nos dias
15, 16 e 17 de maio de 2014.
Nas palavras da Dra Lia Fátima Christovão
Falsarella, atual Diretora Científica e Coordenadora
Geral do evento: “A psicanálise não ilude a dor, nem a
torna risível, mas a acolhe em continente que a desin-
toxica de excessos indigestos. A função última da
psicanálise também é fornecer ao homem o alimento
da verdade que, se não o torna tão mais feliz, o faz mais
forte para lutar pela felicidade. Humor e Psicanálise
são métodos de ingerir doses de verdade”.
Um rico programa está sendo organizado para
adentrarmos nesta instigante temática, que a exemplo
das duas primeiras Bienais, reunirá profissionais de
diferentes áreas de conhecimento. Serão psicanalistas,
jornalistas, escritores, filósofos, sociólogos, drama-
turgos, entre outros, distribuídos em cursos, conferên-
cias e mesas redondas. Fará parte também da progra-
mação, atividades bem humoradas, artísticas e cultu-
rais, entrelaçadas com as atividades científicas.
Segue o programa preliminar, com temas e profissio-
nais confirmados:
Comissão de Divulgação:Gislene Andrade SantosMauro Campos BalieiroPatrícia R. de Andrade Tittoto
avier Dolan, diretor e prota-gonista deste filme, retrata suas
próprias experiências de vida. Aborda temas atuais sobre a adolescência, os conflitos internos gerados pelo processo de transição para a vida adulta, assim como o difícil exercício da função materna inserida neste processo.
A meu ver, Xavier Dolan ao escrever sua história de vida, revela através do seu olhar, como vê o mundo e a si mesmo. Tal como também se propõe a fazer, Hubert (Xavier Dolan), um adolescente de 16 anos, que utilizando-se de uma câmera de filmagem, edita sua história, na busca de observar e conhecer o seu mundo interno e externo, para tentar organizar seus conflitos.
Para tecer meus comentários, proponho-me seguir os passos de Xavier Dolan, o diretor, e de Hubert, o protagonista, realizando através do meu olhar, um “remake” (re-filmagem), isto é, a partir da história contada, oferecer uma nova versão, introduzindo novas produções que foram se realizando em minha mente, baseando-me também nas minhas próprias experiências de vida.
Como cenário, escolho um restaurante, com uma mesa ocupada por mãe e filho. Cozinhar é um ato criativo, em que se utilizam vários ingredientes, que combinados harmonicamente, produzem um alimento saudável e nutritivo. Mas me parece, que os ingredientes de amor, com-preensão, tolerância, intimidade, de Hubert e de sua mãe, Chantele (Anne Dorval), são sobrepujados pelos ingredientes de ódio, ressentimento e vingança, tornando o alimento indigesto, com discussões violentas e ataques mútuos frequentes.
Observando a relação entre eles, e sentindo a musicalidade deste encontro, escolho como trilha sonora, a bela música “Naquela mesa”, escrita por Sérgio Bitencourt, logo após a morte de seu pai, Jacob do bandolim.
O tema central da música é o sentimento de falta. Hubert, reconhece que em sua vida, algo existiu, mas se
Na sequência, a síntese do comentário.
Fernanda Sivaldi Roberti Passalacquaperdeu. Recorre às lembranças felizes de sua infância, e delas tenta se nutrir, ao mesmo tempo, que aprisionado no passado, não consegue atualizar suas vivências. Sua mãe, por sua vez, também reconhece ao conversar com uma amiga, que num determinado momento de sua relação com o filho, algo se perdeu. Devido à indigestão mental de mãe e filho, não é possível lidar com as frustrações impostas pela realidade, o trabalho de elaboração do luto pelas perdas e a tentativa de reparação, ficam impedidas de serem alcançadas.
Em toda boa mesa, há sempre um bom vinho, e que necessariamente requer um processo de decantação. Este processo elimina as borras acumuladas no vinho, permitindo que o vinho respire, ou seja, a oxigenação permite a total libertação dos aromas contidos numa garrafa, contribuindo posi-tivamente para o seu paladar.
Sabemos da importância da função materna, como recipiente para receber e nomear as angústias do bebê, favorecendo que ele possa introjetar a capacidade de conter seus próprios recursos psíquicos. Mas quando falta esta condição na mãe, o bebê fica intoxicado pelas angústias inomináveis, e as angústias da mãe e do bebê se misturam e se confundem umas com as outras.
Na mesa em que ocupam, há um lugar vazio, a presença da falta do pai, ou de uma outra figura masculina, tão importante na sua função de exercer um equilíbrio e uma equidistância entre Hubert e sua mãe.
Surge a necessidade iminente de se fazer uma modificação no cenário. A esperança, como um novo ingrediente, passa a fazer parte da relação entre mãe e filho. Da mesa de um restaurante, caminham para a mesa de uma cozinha, para enfrentarem juntos as adver-sidades da vida, tentando resgatar o que ficou soterrado, mas vivo e presente em cada um de nós. E assim, continuar o ato criativo que é viver desfrutando de uma relação possível.
Como membro filiado foi
enriquecedor estar com colegas de
países de diferentes continentes,
conhecer um pouco seus modos
de vida e conversar sobre as
diferenças de formação em uni-
versos culturais tão distintos,
assim como entrar em contato
com uma diversidade de pensa-
mentos, formações psicanalíticas,
posturas profissionais e pessoais.
Além disso, encontrar os colegas
da mesma Sociedade e conviver
com eles em outros contextos foi
também bastante prazeroso. Des-
ses contatos, dos movimentos
internos por eles propiciados,
vamos nos constituindo, definin-
do o psicanalista que se quer ser.
Ao encontrar tantos outros,
você faz um encontro consigo
mesmo. E, claro, simplesmente
ter o prazer de viajar, fazer aquisi-
ções culturais, encontrar amigos,
reunir-se para conversar, estreitar
relações e viver experiências que
se leva para vida toda. É a nossa
formação em diferentes dimen-
sões. Um privilégio, portanto.
m julho último aconteceu
em Praga, na República
Tcheca, o Congresso da IPA -
Facing the pain. A cidade é conhe-
cida, entre outros, por sua bela
composição arquitetônica, pelo
escritor Kafka, pelo poeta Rilke,
pela música de Dvorák, pelo
relógio astronômico, pela boa
cerveja e por um ótimo pato
assado em seus restaurantes.
Praga estava vibrante de beleza e
visitantes, em um verão que lem-
brava o ardente calor ribeirãopre-
tano.
Um congresso mundial é
uma oportunidade única de
conhecer – ao vivo – o pensamen-
to de psicanalistas do mundo
inteiro, encontrar autores relevan-
tes que produzem trabalhos
conhecidos em publicações, além
de ser uma oportunidade ímpar de
rever idealizações que podemos
ter em relação às expectativas de
um congresso dessas proporções,
e assim ficarmos mais livres para
pensar e usufruir o que é
oferecido.