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Fepal - XXVI Congreso Latinoamericano de Psicoanálisis "El legado de Freud a 150 años de su nacimiento" Lima, Perú - Octubre 2006
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O DELIRIO COMO UMA BIZARRA FORMA DE VIDA – A BUSCA DE
INVARIANTES PARA A LOUCURA. FRAGMENTOS DE UMA PESQUISA
(“RAZÃO E PSICANÁLISE”)
Ney Marinho (SBPRJ) – 2006
1 – INTRODUÇÃO
Dentro da proposta do Congresso de apresentar o desenvolvimento de
pesquisas conceituais que membros da FEPAL estejam realizando,
apresentamos um fragmento da investigação que desenvolvemos, desde 1999,
no Departamento de Filosofia da PUC-Rio. Os resultados da pesquisa têm sido
apresentados através de publicações acadêmicas (Marinho,N. 2001; 2006).
A pesquisa se originou de três fontes principais: a prática clínica, o
estudo da obra de W. R. Bion e a “crise da psicanálise”. Sempre chamou nossa
atenção, no cotidiano do trabalho clínico, o peculiar e intenso sofrimento mental
que os pacientes diagnosticados como psicóticos apresentavam, ao lado do
limitado alcance da análise de tais pacientes embora os mesmos
permanecessem longos períodos em tratamento. Do estudo de Bion extraímos
sua sugestão que se estudasse a sigla R (razão) como um dos elementos da
psicanálise (Bion,1963). Quanto à “crise da psicanálise”, entendemos fazer
parte de uma crise de “longa duração”: a crise da modernidade, instigando-nos
a investigar as vicissitudes da razão em nossos tempos, utilizando a
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psicanálise em sua dimensão de crítica da cultura. Até o presente momento
temos privilegiado as duas primeiras vertentes da pesquisa, apesar da última –
a dimensão cultural – acompanhar-nos sempre como um pano de fundo.
Relegamo-la a um próximo momento tanto por sua importância como por sua
complexidade.
Partimos de três questões:
1 – Que fundamentos epistemológicos garantiriam uma cientificidade ou
racionalidade à teoria psicanalítica?
2 – Seria a psicanálise um instrumento competente para a compreensão
do fenômeno psicótico, ou melhor, da loucura?
3 – Teria o estudo da loucura, sob o ponto de vista psicanalítico, alguma
contribuição a dar ao entendimento da razão e suas vicissitudes?
Ao mesmo tempo, durante toda a pesquisa procuramos selecionar
candidatos a invariantes do fenômeno da loucura, já buscando elementos para
esta possível terceira fase. Falamos em terceira fase, pois, a resposta a cada
questionamento acima mencionado se constituiu nas diferentes fases da
investigação. A escolha de um departamento de filosofia para realizarmos
nosso trabalho se prende ao fato de considerarmos que no estudo da loucura o
que está, fundamentalmente, em discussão são nossas concepções de
racionalidade/irracionalidade e caso não enfrentássemos tal questão, ou seja,
caso déssemos por assentada uma prática como racional sem lhe investigar os
possíveis fundamentos, estaríamos andando num círculo, sujeitos à
arbitrariedade na escolha de padrões de racionalidade. No mesmo sentido
adotamos o termo vago e abrangente de loucura para evitar uma delimitação
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“científica”, cuja precisão poderia deixar escapar a complexidade do fenômeno.
Tomamos o delírio como um paradigma da loucura e o Caso Schreber como
um campo de estudo, a fim de facilitar a interlocução, uma vez tratar-se de um
texto clássico de conhecimento geral.
O presente trabalho, dadas as características de sua apresentação,
procurará mostrar apenas um fragmento do resultado de nosso trabalho, para
apreciação e discussão, precedido de um breve sumário do percurso até aqui
percorrido. Desejamos registrar que, ao partir das questões mencionadas,
evitamos na medida do possível qualquer idéia preconcebida, deixando que a
pesquisa nos conduzisse pelos caminhos que se ofereciam. Pelos motivos já
expostos, trabalhamos sempre a partir de dois vértices: o filosófico e o
psicanalítico. Desenvolvemos nossa investigação no ambiente da filosofia
anglo-saxã por ser o meio onde se movimenta a teoria de relações de objeto,
em sua vertente kleiniana e segundo o que entendemos da leitura de Bion.
Nossa escolha correspondeu também aos instrumentos de trabalho de
utilizamos ordinariamente, cientes de que outros colegas buscariam outras
fontes para suas investigações sobre o tema. Tivemos também que,
constantemente, limitar nossa pesquisa, restringindo-a aos autores mais
significativos para o debate, procurando evitar uma usual dispersão que
prejudica o aprofundamento da discussão, além de nossa reconhecida
incompetência para um estudo mais abrangente. Contudo, pensamos que
qualquer que seja a linha a ser seguida, pode haver um amplo diálogo sobre os
temas básicos a partir de diferentes vértices. Assim, privilegiamos Popper,
como a fonte do debate epistemológico anglo-saxão, de onde surgem duas
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avaliações filosóficas, importantes e antagônicas, acerca do empreendimento
psicanalítico: a de Grünbaum e a de Klimovsky. Em nossa avaliação, levamos
em consideração as críticas que a epistemologia popperiana recebeu por parte
de Imre Lakatos, Thomas Kuhn e Paul Feyerabend, assim como a alternativa
apresentada por Larry Laudan. Ao abandonarmos a tradição popperiana,
devido às suas insuficiências, aproximamo-nos da filosofia da linguagem.
Chegamos então à avaliação de Marcia Cavell – baseada nos trabalhos de
Donald Davidson e Ludwig Wittgenstein – onde encontramos um campo mais
promissor para o estudo dos problemas com que a psicanálise lida.
Consideramos a avaliação de Cavell um definitivo avanço no diálogo
psicanálise e filosofia, contrapondo-se exitosamente à muito difundida
apreciação de Grünbaum que apresenta, a nosso ver, falhas epistemológicas
de difícil superação. Procuramos – em linha semelhante à de Cavell – avançar
a investigação utilizando mais especificamente certas noções wittgensteinianas
e as oriundas das contribuições de Bion, por considerar que abrem espaço
para um debate mais abrangente dos problemas que a loucura levanta, tanto
no âmbito individual como em suas manifestações culturais.
2 – RESUMO DE UM PERCURSO
Iniciamos nossa pesquisa estudando a epistemologia de Karl Popper,
sua crítica ao indutivismo e sua proposta de um critério de diferenciação entre
ciência e pseudociência, através da noção de refutabilidade. Como é
conhecido, Popper considerava como científicos os empreendimentos capazes
de serem refutados, ou seja, passíveis de experiências cruciais que
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invalidariam suas hipóteses teóricas. Assim, a astrologia, a teoria da evolução
de Darwin e a psicanálise por não se prestarem a testes, seriam
pseudociências, ou melhor, não seriam ciências empíricas. Embora, com o
passar do tempo e as críticas que se acumularam à sua proposta, Popper
viesse a reconhecer como racionais tais empreendimentos, a rigor, nunca abriu
mão deste critério de demarcação. As principais críticas que recebeu partiram
de Imre Lakatos, Thomas Kuhn e Paul Feyerabend que questionaram a
possibilidade de identificação de teorias capazes de se prestarem a teste, uma
vez que uma teoria – como é o caso da teoria psicanalítica – é composta de
diversas teorias e, na história da ciência, foram vários os casos em que teorias
componentes foram refutadas, reformuladas, protegendo o núcleo central da
teoria maior que supostamente estaria sendo testada. Apesar de sua grande
consistência o critério popperiano se mostrou muito estreito para abarcar toda
uma gama de empreendimentos racionais, principalmente, no campo das
ciências humanas. Deste modo, o próprio Popper, veio a sugerir um método –
lógica situacional – para avaliação de teorias metafísicas (denominação que
dava a todas aquelas que não se prestavam a testes de refutação). Tal método
– a análise ou lógica situacional – muito simples e engenhoso, propõe que
perante uma situação problema, reconhecida pela comunidade científica, uma
teoria ofereça soluções capazes de serem corrigidas pela experiência, dando
origem a novos problemas e novas teorias, que eliminem os erros da anterior, e
assim sucessivamente. Popper chegou a aplicar tal metodologia ao estudo da
teoria de Darwin - de quem era um grande admirador - localizando-a assim
como um programa de pesquisa metafísica, ou seja: um empreendimento
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racional, criticável, embora não passível de refutação, não-empírico. Não lhe
ocorreu, contudo, aplicar tal método à psicanálise em relação à qual manteve
sempre uma atitude crítica. Entretanto, em nossa primeira fase da pesquisa,
utilizamos o método popperiano da análise situacional para mostrar como o
mesmo se aplica perfeitamente à teoria psicanalítica dos grupos. Para tanto
utilizamos a teoria de Freud e a de Bion, esta última como um
desenvolvimento, solucionando questões da primeira e oferecendo novos
problemas. Em conseqüência, consideramos como alguns comentadores de
Popper – como é o caso de Renée Bouveresse – que a teoria psicanalítica
seria um programa metafísico de pesquisa, utilizando a terminologia
popperiana. Julgamos este um importante passo, pois, supera-se a infindável
e, a nosso ver, estéril discussão quanto à cientificidade da psicanálise e passa-
se para um campo mais promissor da investigação da sua racionalidade.
A partir de Popper examinamos duas avaliações da psicanálise: a de
Adolf Grünbaum e a de Gregorio Klimovsky. A primeira, embora muito
minuciosa e difundida, padece de uma falha epistemológica que Lakatos
denominou de falseacionismo ingênuo ou dogmático que a compromete.
Considera Grünbaum que a teoria psicanalítica é passível de ser refutada – ao
contrário do que pensava Popper – e quando a mesma se oferece a testes: é
refutada. A avaliação de Klimovsky chega a conclusões opostas, considerando
que a psicanálise é passível de refutação e se sai tão bem como qualquer outra
ciência humana aos testes adequados à sua especificidade. Klimovsky
incorpora as críticas de Lakatos, utiliza o que denomina de método hipotético-
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dedutivo em sua versão complexa e desenvolve uma epistemologia mais
sofisticada, superando as deficiências de Grünbaum.
Contudo, há certas limitações na tradição epistemológica popperiana
que nos parecem insuperáveis para um aprofundamento da discussão filosófica
da psicanálise. Uma delas seria a recusa em admitir a importância da
linguagem no debate filosófico, transformando, por exemplo, todas as
afirmações na primeira pessoa em enunciados na terceira pessoa, passíveis de
um suposto tratamento objetivo. Outras limitações e dificuldades que levam a
impasses discutimos no primeiro de nossos textos mencionados. Nesta
primeira fase da pesquisa, encontramos na epistemologia de Larry Laudan uma
boa alternativa aos dilemas com que se debate a tradição anglo-saxã. Ao
definir o papel da ciência como uma “atividade de solucionar problemas”,
problemas empíricos e conceituais, consegue escapar de inúmeros impasses a
que as epistemologias já mencionadas levavam. Referimo-nos, sobretudo, à
crítica dos relativistas de que o empreendimento científico seria irracional,
sendo possível estabelecer qualquer critério para a escolha entre teorias rivais.
As escolhas seriam circunstanciais, predominando fatores sociológicos, não-
cognitivos. Laudan consegue preservar uma noção de racionalidade, sem
negar o movimento não linear da história da ciência. Liberta-se do jugo do
empirismo, embora, em seus textos, os exemplos de ciências humanas sejam
escassos. Pensamos ser promissora sua proposta de tradição de pesquisa
para tratar o estatuto epistemológico da psicanálise, superando certas
inconsistências de outras propostas, como a de programa de pesquisa
(Lakatos) ou paradigma (Kuhn). As tradições de pesquisa seriam amplos
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conjuntos de teorias, de certa forma comprometidas com visões de mundo,
dispostas a lidar com a solução de problemas empíricos e conceituais. Sob
este ângulo, por exemplo, o que ficou conhecido como a “crise da psicanálise”
poderia ser repensado em termos muito mais ricos do que o estreito limite de
avaliações empíricas.
Deste período retivemos, além da noção de tradição de pesquisa – em
substituição a de teoria – um candidato a invariante da loucura: a atitude
dogmática. Esta é uma interessante contribuição de Popper que, citando a
psicanálise, atribui à atitude dogmática o maior obstáculo à discussão racional
e aceita suas raízes neuróticas, segundo a teoria psicanalítica (Popper, 1972
[1963]: 79).
As severas limitações desta tradição epistemológica nos levaram a
buscar outros instrumentos de avaliação filosófica para a teoria psicanalítica.
Em conseqüência, encontramos no trabalho de Marcia Cavell uma nova e
potente articulação – entre a moderna filosofia da linguagem e a teoria de
relações de objeto – capaz de dar conta de questões que a psicanálise levanta,
até então afastadas de um escrutínio filosófico. O ponto que mais chamou
nossa atenção foi sua tese básica – exposta em sua obra maior: The
Psychoanalitic Mind – from Freud to Philosophy (Cavell, 1996) – “... assim
como a linguagem é uma atividade comunitária, da mesma forma a mente é um
fenômeno mais interpessoal do que estamos propensos a pensar”
(Cavell,1996:IX). Sua proposta está baseada, como já foi mencionado, nas
contribuições de Donald Davidson e Ludwig Wittgenstein quanto à noção de
significado. Tal noção desempenha papel central nas teorias de relação de
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objeto que também concorda com aqueles autores em que o significado é
sempre construído de forma intersubjetiva e contextual. Cavell consegue dar
conta de uma gama de questões que pareciam filosoficamente inabordáveis.
Pensamos, sobretudo, na questão da aquisição da linguagem, do valor do
método da associação livre e do tema do irracionalismo, entre outras. Contribui,
inclusive, para uma melhor discussão das questões éticas sob o ponto de vista
psicanalítico, uma vez que a constituição do self é vista como inseparável de
uma genealogia da moral. Neste último caso utiliza noções oriundas de Melanie
Klein. Em que pese certas discordâncias com Cavell, julgamos que sua
avaliação filosófica é radicalmente original e, dada a sua minuciosidade,
mostra-se como um perfeito contraponto a de Grünbaum. Uma exposição e
exame do texto de Cavell se constitui no segundo capítulo de nossa tese:
Mente e Significado.
O passo seguinte que demos foi o de iniciar uma avaliação própria,
semelhante a de Cavell, mas utilizando mais amplamente certas noções de
Wittgenstein, associando-as a outras de Bion. A partir de Cavell começamos a
segunda fase da pesquisa. A esta altura já considerávamos respondida a
primeira questão (a teoria psicanalítica não seria uma ciência empírica, embora
seja um empreendimento racional, passível à crítica e reformulação pela
experiência). Entramos então em nosso segundo questionamento e tomamos
O Caso Schreber como campo de teste. Antes vejamos, sumariamente, as
principais noções wittgensteinianas e contribuições de Bion que utilizamos.
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3 – JOGOS DE LINGUAGEM/FORMA DE VIDA/CERTEZA, EM
WITTGENSTEIN
Embora a noção de forma de vida (Lebensform) tenha uma longa
história na psicologia, o uso que fazemos da mesma se prende exclusivamente
ao papel que desempenha na obra de Wittgenstein. Freqüentemente se atribui
a Spranger a introdução deste termo no debate psicológico, na Viena dos anos
20 do século passado. Sua obra – Lebensformen (o uso no plural é importante
para uma futura discussão) – foi um espetacular êxito editorial e correspondia à
tendência da época em criar tipologias. Tendência que, na psiquiatria, atingiu
seu clímax com Kretschmer. Outros comentadores remontam a Wundt – com
uma perspectiva um tanto diferente da de Spranger – a introdução deste
conceito. Contudo, na Viena da época, Lebensform fazia parte também dum
movimento mais amplo que atingia até o design – Loos – de modo a privilegiar
o modo de viver em lugar de imposições arbitrárias. Por exemplo: “O próprio
Loos tinha insistido em que o design de qualquer artefato significativo deve ser
determinado pelas ‘formas de cultura’ na qual ele é usado – a forma de uma
cadeira pelo modo como nos sentamos etc. – de modo que as mudanças no
design sejam necessariamente justificadas por mudanças em nossa maneira
de viver, e não o inverso.” (Janik & Toulmin, in A Viena de Wittgenstein,
1991:270). Entretanto, em Wittgenstein, a noção de “forma (s) de vida” irá
surgir por uma necessidade de sua própria concepção de significado e mesmo
do sentido do empreendimento filosófico.
Sua proposta é que o significado surgiria a partir dos jogos de linguagem
empregados na prática de todos nós, cujo êxito comunicativo asseguraria seu
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valor, esclareceria suas flutuações, evoluções, sempre subordinadas ao
contexto em que se insere. Assim, um gesto, um monossílabo, um poema, uma
fórmula matemática teriam significado dentro daquele jogo de linguagem, em
que ocorrem.
“Quantas espécies de frases existem? Afirmação, pergunta e comando, talvez ? Há inúmeras de tais espécies: inúmeras espécies diferentes de emprego daquilo que chamamos de ‘signo’, ‘palavras’, ‘frases’. E essa pluralidade não é nada fixo, um dado para sempre; mas novos tipos de linguagem, novos jogos de linguagem, como poderíamos dizer, nascem e outros envelhecem e são esquecidos. (Uma imagem aproximada disto pode nos dar as modificações da matemática). O termo ‘jogo de linguagem’ deve aqui salientar que o falar da linguagem é uma parte de uma atividade ou de uma forma de vida. ...” (Wittgenstein, 1968:23)
A concepção pragmática de significado, apresentada por Wittgenstein,
tem a rigor implicações filosóficas radicais, uma vez que a linguagem deixa de
ser um veículo de expressão de pensamentos para ser o próprio meio onde
estes existem e têm sentido. Há uma forte recusa a qualquer forma de
linguagem privada e, conseqüentemente, a qualquer veleidade de
conhecimento privado. Juntamente com a centralidade que a linguagem passa
a ocupar, o mesmo ocorre com a intersubjetividade, pois, é na prática social
que surge um mundo significativo. Algo semelhante ocorrerá a respeito da
fundamentação, da justificação, conceitos que sempre acompanharam na
tradição filosófica a noção de conhecimento, como crenças verdadeiras
justificadas.
“Mas a fundamentação, a justificação da evidência tem um fim – mas o fim não é o facto de certas proposições se nos apresentarem como sendo verdadeiras, isto é, não se trata
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de uma espécie de ver da nossa parte; é o nosso actuar que está no fundo do jogo de linguagem.” (DC,204) “Se o verdadeiro é o que é fundamentado, então o fundamento não verdadeiro nem falso.” (DC,205)
Entendemos que esta proposta supera muitos dos impasses da
epistemologia anglo-saxã – com seus nunca resolvidos embates entre
relativistas e racionalistas ou correspondentistas e coerentistas – uma vez que,
juntamente com a noção de jogos de linguagem, surge como um pano de fundo
constitutivo a de forma(s) de vida. Os jogos obedecem a regras, mas estas não
são arbitrárias. Ou seja: a forma de vida na qual o jogo se desenvolve é o que
lhe dá sentido e evita a arbitrariedade. Não podemos estabelecer qualquer
jogo, ordenado por qualquer regra que não corresponda e atenda a uma
determinada forma de vida. Em conseqüência, esta última noção é que dará a
racionalidade do empreendimento. Racionalidade que se pretende universal,
por motivos lógicos e não psicológicos, ao mesmo tempo que admite outras
como coexistentes. Vemos, portanto, a proposta como pluralista e não como
uma nova modalidade de relativismo.
Wittgenstein dedicou seu último trabalho a uma reflexão sobre a certeza,
tema venerado pela tradição filosófica desde, pelo menos, Descartes. Contudo,
o escrutínio da noção de certeza muitas vezes foi relegado, dando margem a
importantes mal-entendidos que, no nosso campo de trabalho, assumem
peculiar importância. Lembremos que a certeza subjetiva (Leme Lopes,1982) é
da tríade jaspersiana característica do delírio o sintoma mais forte. Os outros
elementos seriam a impossibilidade de conteúdo e a irredutibilidade pela
argumentação lógica; porém, mesmo havendo plausibilidade do conteúdo (o
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que mais tarde foi descrito), a irredutibilidade que persiste, sustenta-se
justamente nessa certeza inquestionável.
Importante registrar que o afastamento de temas como os que a loucura
nos coloca, impediu por muito tempo uma discussão mais detida de
significativas diferenças, como as existentes entre “ter certeza” e “saber”.
Vejamos alguns parágrafos de Da Certeza:
“A quem é que alguém diz que sabe qualquer coisa ? A si mesmo ou a outra pessoa. Se o diz para si mesmo, como é que se distingue da afirmação de está seguro de que as coisas são assim ? Não há segurança subjectiva de que eu saiba qualquer coisa. A certeza é subjectiva, mas não o saber. Assim, se digo ‘Eu sei que tenho duas mãos’ e isso não for para expressar apenas a minha certeza subjectiva, então tenho de poder convencer-me de que estou certo. Mas não o posso fazer porque o ter duas mãos não é menos certo antes de ter olhado para elas do que depois. Mas podia dizer: ‘Eu ter duas mãos é uma crença inabalável’. Isso exprimiria o facto de que não estou disposto a aceitar qualquer invalidação desta proposição.” (DC,245 – grifo nosso) “’Cheguei aqui à raiz de todas as minhas convicções’. ‘Manterei esta opinião!’ Mas não será isto, precisamente, só porque estou plenamente convencido? – O que é: ‘estar plenamente convencido’?” (DC,246) “Como seria duvidar agora de que tenho duas mãos? Porque será que não o posso imaginar de modo algum? Em que acreditaria, se não acreditasse nisso? Até agora não tenho sistema algum que pudesse incluir essa dúvida.” (DC,247 – grifo nosso)
Todo o esforço de Wittgenstein, através de inúmeros exemplos, é o de
delinear o espaço lógico para a dúvida, para o erro, para as afirmações
inquestionáveis (lógicas) que configurariam uma gramática. É bom frisar que
nesta concepção filosófica nada é fixo, podendo proposições empíricas –
sujeitas à verificação pela experiência – tornarem-se metodológicas, não
passíveis de questionamento sem que todo o sistema seja posto em dúvida.
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No mundo de Schreber, por exemplo, ou, em sua peculiar
forma de vida, certas dúvidas não caberiam, o que nos causa natural
perplexidade. Se, frustrados com esta primeira incomunicabilidade, nos
afastarmos de seu discurso, perderemos a oportunidade de observar estarmos
diante de uma diferente gramática. Julgamos que perplexidade semelhante a
que experimentamos, ocorre também com o paciente, pelo menos, no período
inicial da doença (há várias menções neste sentido nas Memórias). Está ele
lutando contra os limites da linguagem, tentando expressar algo que, do ponto
de vista aqui defendido, não adquiriu significado, não pertence a um jogo de
linguagem do conhecimento, mas que ele acredita, tem certeza de existir.
Especulamos que o delírio cria esta ontologia bizarra, mas, até certo ponto,
tranqüilizadora. O “terror sem nome” passa a receber um nome, inédito e
inapropriado para a nossa usual gramática. Mas antes de falarmos de
Schreber, devemos apresentar algumas das contribuições de Bion que
associamos às de Wittgenstein para formular nossa hipótese do delírio como
uma bizarra forma de vida.
4 – OBJETOS BIZARROS, A TEORIA DAS TRANSFORMAÇÕES,
TRANSFORMAÇÃO EM ALUCINOSE, SEGUNDO BION
Ante a impossibilidade de uma exposição detalhada desses temas,
lembraríamos apenas que desde O Caso Schreber, Freud chama a atenção
para o mecanismo da projeção como sendo característico das psicoses.
Contudo, no correr de sua obra não esclarece em que consistiria a
peculiaridade da projeção psicótica, uma vez que nas neuroses também ocorre
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projeção. Sabemos que diversos autores procuraram dar conta desta questão –
como Melanie Klein e Lacan, por exemplo. Em nossa linha de trabalho,
seguimos as formulações de Bion – que partem da noção kleiniana de
identificação projetiva – expressas desde seus primeiros trabalhos (Bion,1956).
Assim, descreveu inicialmente os objetos bizarros como “... partículas do ego
expelidas que levam uma vida independente e sem controle ... ora contendo,
ora sendo contidas pelos objetos externos onde exercem suas funções, como
se a provação a que se submeteram servisse apenas para aumentar-lhes o
número e provocar nelas hostilidade contra a psique que as expulsou.” Tais
objetos que recebem estas projeções podem ser personalidades ou objetos
inanimados, daí o “gramofone que vê”, daí o mundo bizarro no qual o paciente
vive. Novos comentários sobre os objetos bizarros irão mostrar sua complexa
composição, com partes do super-ego, assim como sua desarmoniosa
configuração, pois, aglomeram-se e não se articulam, podendo os monstros
mitológicos serem bons representantes. É neste sentido que falamos de
bizarrice, característica que pode passar despercebida nos casos mais sutis
(lembremo-nos de certas queixas hipocondríacas renitentes que podem levar
até a cirurgias desnecessárias, ou, de certos processos de reivindicação de
heranças). Quanto à teoria das transformações, consideramo-la como uma
caesura na obra de Bion – uma passagem de suas tentativas epistemológicas
de dar conta da experiência analítica para a criação de um modelo próprio mais
propício para pensar a psicanálise, sem o abandono das velhas questões,
agora vistas de um novo ângulo. Neste sentido, extraímos da proposta bioniana
de transformação em alucinose a noção de regras capazes de dar sentido ao
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que antes seria puro nonsense. Recordamo-las apenas para usá-las na seção
seguinte:
“... As regras de transformação em alucinose devem ser estabelecidas por intermédio de observação clínica. Não tenho nenhuma dúvida de sua existência e podem ser delineadas pela observação de inveja, avidez, rivalidade, superioridade ‘moral’ e científica operando na alucinose. Ofereço provisoriamente as seguintes sugestões como exemplo de tais ‘regras’. A. Se um objeto é o ‘máximo’, ele dita ‘ação’; é superior em
todos os aspectos em relação a todos os outros objetos e é auto-suficiente e independente deles.
B. Objetos que podem ocupar tal posição incluem (a) Pai, (b) Mãe, (c) Analista, (d) Objetivo, objeto ou ambição, (e) Interpretação, (f) Idéias, sejam morais ou científicas.
C. A única relação entre dois objetos é a de superior para inferior.
D. Receber é melhor do que dar.” (Bion, 1977:133)
5 – O CASO SCHREBER COMO UM ESTUDO DE CASO
Em nossa pesquisa revisitamos Schreber, explorando diversos aspectos
do caso, utilizando noções oriundas de Cavell, Wittgenstein e Bion, com ênfase
nos seguintes pontos: O Irracionalismo Interno; O Delírio como uma Forma de
Vida; As Fontes Intersubjetivas do Delírio; O Método da Loucura; Bizarrice e
Nonsense no Delírio de Schreber; A Língua Fundamental e A “Verdade
Histórica” no Delírio de Schreber.
Procuramos fazer um exercício de articular os pontos de vista filosófico e
psicanalítico para a compreensão de um caso que, dada a sua riqueza, pede a
utilização de diversos vértices. Por outro lado, estávamos interessados em dar
conta da segunda questão que mencionamos na Introdução. Como, por motivo
de espaço, só poderemos apresentar conclusões, gostaríamos de deixar claro
que nenhuma delas é definitiva, mas são promissoras e indicativas de que o
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trabalho conjunto é inescapável. Daremos dois exemplos: discutir meramente
sob o ponto de vista filosófico o irracionalismo interno de Schreber – o
contraste entre seu delírio, suas Memórias e sua defesa da suspensão da
curatela – deixaria de lado o aspecto dinâmico da interação destes aspectos de
sua personalidade e não permitiria a compreensão de como se
“harmonizaram”, embora o mais correto seria dizer: como “conviveram”, pois, o
delírio tem uma dimensão de fracasso que não deve ser esquecida, sob pena
de ignorarmos também o seu peculiar sofrimento. E esta dinâmica é uma
contribuição própria da psicanálise. Outro exemplo: a afirmação de Freud de
que há método na loucura de Schreber ficaria insuficiente, presa a uma
circularidade de interpretações psicanalíticas, se não levássemos em
consideração as noções wittgensteinianas de jogos de linguagem, seguir
regras ou gramática. As regras de transformação em alucinose seriam boas
candidatas neste caso. Estamos cientes que tal articulação levanta sempre
novos problemas que devem ser enfrentados caso não desejemos fazer uma
falsa e apaziguadora sustentação filosófica para a psicanálise. No exemplo em
discussão, caso desejemos defender – como é nosso intuito – que o delírio de
Schreber segue regras, sendo, portanto, significativo, o que não lhe retira o
caráter de nonsense (lembremo-nos: “Quando se diz que uma frase não tem
sentido, não é que seu sentido, por assim dizer, não tenha sentido. Mas que
uma combinação de palavras é excluída da linguagem, é retirada de
circulação” Wittgenstein, IF,500), devemos indicar de que prática social aquela
linguagem – ou seus resquícios – se origina. Julgamos responder a esta
pertinente questão, apontando para as primitivas relações intersubjetivas,
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fontes do delírio, sendo que no caso temos o respaldo das importantes
pesquisas de Niederland e Baumeyer sobre o ambiente familiar de Schreber.
Não ignoramos, contudo, que por mais terrorífica que tenha sido aquela forma
de vida schreberiana, pelo menos, uma de suas irmãs – Klara – teve um bom
desenvolvimento emocional, segundo as mesmas pesquisas. Tudo isso pede
mais investigação.
A idéia de ver o delírio como uma bizarra forma de vida surgiu da própria
pesquisa e não tem pretensão alguma além de propor uma outra forma de ver
as coisas. A vantagem que encontramos neste enfoque seria não só a de
superar velhos debates quanto à apropriação da loucura pela medicina,
psiquiatria ou pela própria psicanálise, mas, em particular, de colocar novas
questões que julgamos promissoras para a aproximação de uma manifestação
que é um milenar desafio. Referimo-nos à busca, ou, reconhecimento de um
solo comum capaz de tornar possível o diálogo com a loucura, melhor ainda,
com o louco, uma vez que colocamos a racionalidade no agente, não em suas
afirmações – que se podem até tornar racionais em novos contextos – mas
com sua prática, sua maneira de relacionar-se. Freqüentemente nesta tradição
filosófica se coloca a discussão do solo comum no encontro de um conjunto de
crenças em comum que permitiria a divergência, o conflito, mas no
reconhecimento de uma linguagem. Entretanto, pensamos que a psicanálise
tem algo a oferecer neste terreno, a partir suas teorias sobre os afetos, as
relações pré-verbais – que se constituem na primeira linguagem – e ocorre-
nos, a título de exemplo, a teoria dos vínculos de Bion, capaz de lançar luz ao
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sentido que as comunicações podem adquirir, às distorções a que estão
sujeitas e ao constante caráter performativo da linguagem.
5 – IMPLICAÇÕES E DESENVOLVIMENTOS
É natural que se pergunte, após esta sumaríssima exposição, qual a
vantagem desta aproximação ao fenômeno da loucura? Nós mesmos nos
perguntamos várias vezes. Vemos algumas.
Julgamos que com ela podemos retirar a loucura dos subúrbios da
filosofia, trazendo-a para o seu devido espaço lógico como vizinha da razão.
Não vemos originalidade na proposta, exceto na sugestão de tomar a noção
wittgensteiniana de forma(s) de vida como veículo de tal mudança. Nisto só
encontramos companhia em pesquisa semelhante que realizou Hans Rudi
Fischer (1991), citado por um autorizado comentador de Wittgenstein, Newton
Garver, que nos chama a atenção para o aspecto de normalidade que
usualmente acompanha a noção de forma de vida, vista como o
“comportamento comum da humanidade”; porém, faz parte também de tal
comportamento a guerra que Montaigne já considerava a “doença da
humanidade”. Assim, consideramos que nossa interpretação da loucura como
uma forma de vida, esteja mais próxima dos “fatos da vida”, da referência a
“esta complicada forma de vida” e, sobretudo, das afirmações que Wittgenstein
faz quando fala da móvel cerca que separa o com sentido (consentido) do sem
sentido. Nesta linha de pensamento concordamos com Luis Claudio Figueiredo
(2005) que o fazer sentido é uma atividade, acrescentando que o fazer delírio
(ou loucura) também é uma atividade. O afastamento da razão da loucura é
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uma fonte de equívocos e de falsos problemas. O sem sentido e o com sentido
estão em permanente interação, caso pensemos numa razão sadia (feliz
expressão de HiIlary Putnam). Por razão sadia entendemos aquela atividade
capaz de acolher qualquer pensamento, qualquer sentimento, integrando-os
num permanente diálogo. Toda exclusão – ensina-nos a clínica – é um
empobrecimento, um ato de violência. Tanto a loucura quanto a sanidade não
escapam desta tentação totalitária. Canetti (1983) descreve com perspicácia o
mito do único sobrevivente, que aparece no delírio de Schreber. Uma visão
solipsista que encontra seus equivalentes em outros mitos – tão cultuados ao
longo da história – como os de supremacia racial, povo eleito, elites culturais ou
civilizatórias. Por outro lado, concordamos também com Santner (1997) que, ao
contrário de Canetti, vê em Schreber, a luta contra a opressão totalitária: sua
loucura seria uma desesperada denúncia do submetido. As duas
interpretações, a rigor, não se excluem. Tratam do homem e de sua loucura,
impossível dissociá-los.
Outra vantagem: o reconhecimento de nosso solo comum (esta
complicada forma de vida: o comportamento comum da humanidade); o
afastamento de falsas opções quer racionalistas (loucura como uma entidade
em oposição à razão) quer relativistas (loucura como um construto histórico-
social); uma atitude mais promissora quanto a uma comunicabilidade
necessariamente difícil mas não impossível; assim como menos idealizada
quanto ao que entendemos por comportamento racional e comportamento
irracional ou louco. Certamente há gradações importantes entre estes
extremos, como a irreflexão ou insensatez (ver: Marinho, N. 2000).
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Resumindo, pensamos que a implicação primeira é o humilde
reconhecimento de nosso solo comum, tema que pede mais pesquisa. Outras
seriam: a necessidade de uma articulação do conceito – forma(s) de vida – em
seu emprego clínico e sua utilização para uma crítica da cultura (fizemos um
exercício a respeito, tomando o tema da guerra como objeto de investigação.
Ver: Marinho, N. 2003); além de um amplo campo de trabalho em conjunto que
se abre com as contribuições de Wittgenstein (1980, 1986) à filosofia da
psicologia que são paralelas a investigações de psicanalistas ligados à teoria
de relações de objeto, como Meltzer (1986) e Thorner (1981), referimo-nos a
conceitos como: cego para o significado, atmosfera (na constituição do
significado), atitude, além da questão muito debatida sobre o interno e o
externo, na vida mental (ver: Jordan Moore, 2005).
Os candidatos a invariantes da loucura que se apresentaram nesta
segunda fase foram: pretensão a um conhecimento privado; peculiar (bizarra)
forma de vida; peculiar certeza; irracionalismo interno um; peculiar sofrimento
mental; particular e persistente (crônica) maneira de ver as coisas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(Nota: no texto utilizamos as abreviaturas, IF para Investigações Filosóficas e
DC para Da Certeza; assim como mantivemos a grafia das traduções
utilizadas. Nos textos de nossa autoria se pode encontrar uma bibliografia
detalhada dos textos utilizados na pesquisa, muitos não mencionados nesta
breve apresentação. Algumas expressões em itálico são próprias de
Wittgenstein, não sendo possível sua exposição apenas as registramos como
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indicações aos interessados. Os nossos trabalhos podem ser encontrados no
site da SBPRJ: www.sbprj.org.br).
Bion, W. R. (1956) Desenvolvimento do Pensamento Esquizofrênico, in
Estudos Psicanalíticos Revisados (Second Thoughts), Rio: Imago, 1994.
____. (1963). Os Elementos da Psicanálise. Rio: Zahar, 1966.
____. (1965). Transformações. Rio: Imago, 2004.
Canetti, E. Massa e Poder. São Paulo: Melhoramentos, 1983.
Cavell, M. The Psychoanalytic Mind, from Freud to Philosophy. Cambridge:
Harvard University Press, 1996.
Figueiredo, L. C. A Questão do Sentido, a intersubjetividade e as teorias de
relações de objeto. Trabalho apresentado no Painel: Psicanálise e
Filosofia – Implicações da Teoria de Relações de Objeto. 44º.
Congresso Internacional de Psicanálise (IPA). Rio, 2005.
Fischer, H. R. Sprache und Lebensform. Heidelberg: Auer, 1991.
Freud, S. (1911c) Psycho-Analytic Notes on an Autobiographical Account of a
Case of Paranoia (Dementia Paranoides). S.E. XII.
Janik, A. & Toulmin, S. A Viena de Wittgenstein. Rio: Campus, 1991.
Jordán Moore, J. F. Realidad extena/realidad interna: dicotomia real?, in
Verdad, Realidad y el Psicoanalista: contribuciones latinoamericanas al
psicoanálisis. London: API, 2005.
Marinho, N. A psicanálise entre o passado e o futuro – notas sobre o “pensar”
em Hannah Arendt e W. R. Bion. Revista Brasileira de Psicanálise, v. 34
(3): 475-494, 2000.
____. Discussão da Racionalidade da Teoria Psicanalítica a partir da
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Epistemologia de Karl Popper – Avaliações, Impasses, Alternativas.
Dissertação de Mestrado. Departamento de Filosofia PUC-Rio, 2001.
____. Sobre a Guerra e a Paz. A Aporia Freudiana. In, Trieb, vol. 2 no. 2,
setembro, Rio, 2003.
____. Razão e Psicanálise. “O Caso Schreber (Freud,1911)”, Revisitado a
partir das Contribuições de Marcia Cavell e Ludwig Wittgenstein. Tese
de Doutorado. Departamento de Filosofia PUC-Rio, 2006.
Meltzer, D. The Limits of Language. In, Studies in Extended Metapsychology.
London: Clunie Press, 1986.
Popper, K. (1963) Conjecturas e Refutações. Brasília: Ed. Universidade de
Brasília, 1972.
Santner, E. L. A Alemanha de Schreber. Rio: Jorge Zahar. 1997.
Schreber, D. P. Memórias de um Doente dos Nervos. Rio: Edições Graal, 1984.
(Trad. Marilene Carone).
Thorner, H. Either/Or. A Contribution to the problem of symbolization and
sublimation. In, International Journal of Psychoanalysis, 62, 379-502,
1981.
Wittgenstein, L. Investigações Filosóficas. São Paulo: Nova Cultural, 1991.
____. Da Certeza. Lisboa: Edições 70, 1990.
____. Remarks on the Philosophy of Psychology. Oxford: Basil Blackwell, 1980.
____. Últimos escritos sobre Filosofia de la Psicologia. Lo Interno y lo Externo.
Madrid: Editorial Tecnos, 1996.