Existência e Arte – Revista Eletrônica do Grupo PET – Ciências Humanas, Estética da Universidade Federal de São João Del-Rei – ANO VIII – Número VII – Janeiro a Dezembro de 2012
Sartre e a Revolução: Um estudo acerca da Evasão do Homem Contemporâneo do Estado Alienado segundo
Jean-Paul Sartre
Sartre and the Revolution: a Study about Contemporary Man’s Evasion of the State Alienated According to Jean-Paul Sartre
Thiago Teixeira Santos
1 – Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia
Resumo: Este texto tem por objetivo traçar o conceito de alienação desenvolvido por Jean-
Paul Sartre, bem como a possível evasão do homem contemporâneo deste estado de simbiose
entre humano e inumano. Para isso é analisada a obra Crítica da Razão Dialética. Nela
encontramos os principais elementos que abarcam a realidade da relação capitalista-
proletariado, os agrupamentos, sendo estes orgânicos, ou não. Por fim, tratar dos grupos em
fusão, apontados pelo autor como possibilidades dos homens em realizar atividades humanas
não alienantes.
Palavras-chave: Alienação, Existencialismo, Grupos, Humano, Inumano.
Abstract: This paper aims to outline the concept of alienation developed by Jean-Paul Sartre,
as well as the possible circumvention of contemporary man from this state of symbiosis
between human and inhuman. For that analyzes the work Critique of Dialectical Reason. In it
we find the main elements that encompass the reality of capitalist relation-proletariat,
groupings, these being organic or not. Finally, we address the group in merger possibilities
mentioned by the author as men in performing human activities not alienating.
Keywords: Alienation, Existentialism, Groups, Human, Inhuman.
Introdução
busca pela compreensão da alienação, a partir do pensamento de Jean Paul
Sartre é o fator fundamental deste trabalho. Tal exame é realizado sob o prisma da obra
Crítica da Razão Dialética, pois esta evidencia o desdobramento do pensamento de Sartre em
relação ao de Marx nos Manuscritos Econômicos Filosóficos, onde o autor suspende a querela
do trabalho alienado. É ali, no pensamento de Karl Marx, que Sartre buscou os pressupostos
1 Mestrando em filosofia pela FAJE.
A
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para ler a realidade da relação capitalista-proletariado. Este trabalho tratará, inicialmente,
deste salto conceitual.
Sartre parte do pensamento de Marx para tratar da alienação, mas diverge do mesmo
por vezes em seu texto. Distinção atribuída principalmente à filosofia existencialista, corrente
que Sartre se filia como um dos grandes expoentes.
Os fins do trabalho do homem foram pré-determinados pelo capitalista. Este é quem
detém principalmente as máquinas e o poder. As máquinas, segundo Sartre, estão à espera de
quem as manuseiem de forma inautêntica, como uma extensão delas mesmas. Deste modo,
ocorre à objetivação da matéria. No momento as máquinas são manuseadas, o trabalhador
realiza o projeto do capitalista e não o seu.
Outro problema que se instaura nesta esteira, e será analisado é o fato de também ser o
capitalista alienado. Contudo é preciso frisar que, neste caso há uma diferença deste em
relação a quem se dispõe a realizar o seu projeto. O patrão está alienado e a diferença em
relação a seu proletariado está na consciência de sua imersão na matéria. Vive em função do
lucro desenfreado, autômato, onde ter é sempre melhor. Neste momento o ser entra em
desuso.
Já o trabalhador é, até certo momento, inconsciente ao se objetivar numa práxis e num
projeto que não é seu. Sustentamo-nos no pensamento de Sartre, e ali observarmos a evasão
desse sujeito do estado alienado, a partir do agrupamento, denominado Grupo em Fusão.
Estes se configuram como grupos engajados e comprometidos, conscientes da alienação e
atentos a sua superação. Este trabalho tentará evidenciar, através da esfera desses grupos, o
que Sartre aponta como saída do estado do prático-inerte a fim de constituir uma efetiva
práxis “revolucionária do grupo”.
Acenamos, para iniciar nossa investigação, o ponto fundamental desta proposta: como
ocorre, a partir do pensamento de Sartre, o salto, a saída desse do homem do estado alienado?
E mais: quais os meios utilizados pelo trabalhador para garantir sua liberdade, seus direitos e
à efetivação de seu próprio projeto?
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1 A Gênese da Alienação em Sartre: Escassez e a Contra-Finalidade da
matéria
Sob o prisma da filosofia de Sartre, a relação capitalista-proletariado é análoga ao
subjugo de países “subdesenvolvidos” explorados pelos outros, que detêm o capital. Aqui
notamos aproximação em relação aos pensamentos de Marx e Sartre, no que se refere à
hostilidade vigente nos limites das relações de produção.
A gênese da alienação para Sartre tem inicio pela escassez. Este estado é considerado
pelo autor como pré-capitalista, de modo que, a falta de recursos naturais que abarquem e
atendam a todos, incita a manipulação da natureza com o intuito de criar objetos
amenizadores, de certo modo, dessa carência. Tal manipulação traça o destino dos pobres que,
são arrancados de sua vida e são forçados a serem mão de obra, massificada, “unidades
intermutáveis” e simples “coisas inertes”. Ser homem neste caso é servir melhor à produção.
Esse caráter massificador do trabalho é característica da alienação, haja vista que, ao
submeter sua força de trabalho, o sujeito aliena seu projeto, ou seja, sua capacidade de se
construir através de suas próprias escolhas. O trabalhador se torna alienado, na medida em
que, realiza, através de sua práxis, um projeto estranho a si, marcado por escolhas que não são
as suas. É importante lembrar o que afirma Sartre em o Existencialismo é um Humanismo: “O
homem não é nada mais do que tenha projetado ser.” (SARTRE, 2010.p.26)
Quando tratamos da relação proletariado-capitalista constatamos uma dilaceração da
liberdade do trabalhador. Ao tratarmos da liberdade, sob a ótica de Sartre, encontramos alguns
elementos significativos como: escolha, ação, situação, Para-si e Em-si.
Por Para-si entendemos a consciência, isto é, capacidade do sujeito de deliberar sobre
as possibilidades que se apresentam a ele. É elemento que não o deixa inerte em relação a este
campo dos possíveis. Sendo assim, é manifestação concreta de um ato. O modo de Ser Em-si
caracteriza o fechamento do ser, podemos identificá-lo por ele mesmo, em sua plenitude.
Aqui o homem é objetivado e não reconhecido como consciente, mas sim, é posto na
qualidade de objeto. Sob este aspecto está o nosso trabalhador alienado: objeto nas mãos do
capitalista, mero número numa seqüência da empresa de montagem de peças, ou um rosto
irreconhecível ao seu patrão, justamente por não se preocupar em enxergá-lo como uma
existência dotada de consciência e liberdade.
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A escolha é fundamental para a liberdade, bem como a ação e as adversidades. Ela
atesta a distancia de Sartre em relação às concepções de liberdade como uma disposição
interior. A liberdade neste caso deve ser uma manifestação concreta, efetivada através da
escolha, dentro do campo dos possíveis que se abrem. Sobre o trabalhador, afirmamos que sua
liberdade deve se manifestar, na medida em que, suas escolhas e ações são caminho para seu
reconhecimento enquanto Ser Para-si.
As adversidades são também ponto chave para existir liberdade. É necessário algo que
a contrarie, um campo de resistência fazendo existir um desdobramento entre o estado a ser
superado e a superação. Nesta proposta o campo de resistência a ser superado está no projeto
do capitalista que é realizado pelo proletariado. Este deve, portanto, buscar meios para
garantir a efetivação de seu próprio projeto.
Em contrapartida, através da escassez, os trabalhadores estão interligados por seu
trabalho e sua práxis. Esse agrupamento na ocorre pela matéria trabalhada e não anula o
conflito de liberdades existente entre os homens. Em Existência e Liberdade, de Paulo
Perdigão, encontramos a definição das relações de reciprocidade positiva e negativa. Na
primeira a união dos homens está na matéria a ser trabalhada e nos trabalhos a serem
realizados, que são comuns. Embora exista esse ajuntamento entre os trabalhadores, ele é de
todo, alienado, pois ainda nesse estado se agrupam para dar vida a um trabalho que garante a
satisfação somente ao capitalista. Essas relações também não podem ser enxergadas como
naturais entre os homens, porque nelas existem reciprocidades negativas, ou seja, o conflito
de liberdades que se configura na existência do outro como um meio, objetivando-o.
A escassez instaura entre os homens um campo de tensão. Se, não existem bens
suficientes para todos os trabalhadores não se reconhecem com iguais. Neste contexto, não
ocorre uma reciprocidade positiva. Na escassez, o homem utiliza o meio ambiente no qual
está situado, e esse utilizar o ambiente deliberadamente é um dos pressupostos para provocar
o desenvolvimento histórico. Como já afirmamos, a gênese da alienação ocorre através da
escassez. Na medida em que o homem trabalha o meio em que vive e se utiliza de matéria
inumana para realizar sua práxis, sua atividade lhe é desconhecida e por este motivo ele se
torna homem inumano ou uma espécie estranha.
Destarte, há um mundo que foi outrora manipulado e modificado pelas práxis que nos
antecederam. Assim como Marx, Sartre reconhece que as estruturas sociais organizadas e as
relações de produção, são heranças deixadas pelas gerações que nos precederam. Mas acresce
que, o mundo material antecede nossa existência, e que ao habitar no mesmo, percebemo-nos
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num lugar marcado pelas práxis de outros, anteriores, a nós. Este é o chamado “inferno do
prático-inerte”. Nele, estamos num mundo prático, criado pela ação de homens que estiveram
aqui antes de nós, mas inertes porque os mesmos projetos estão passivos e cristalizados na
matéria trabalhada, como nos mostra Sartre, ao se referir aos verdadeiros fundamentos da
alienação:
A matéria aliena nela o ato que a trabalha, não na medida em que ela própria é uma
força, tão pouco na medida em que é inércia, mas na medida em que sua inércia
permite-lhe absorver e voltar contra cada um a força de trabalho dos outros (....) é o
produto que designa os homens como outros e que constitui a si mesmo como outra
espécie, como contra-homem (SARTRE, 2002, p. 262).
Reconhecemos então, a alienação e a negação do homem pela matéria no sistema
capitalista. Quando essa matéria, para efetivar o projeto do detentor do capital, condiciona as
relações humanas. Podemos dizer que, nesse estágio encontramos o antagonismo entre as
duas partes: proletariado e capitalista e que aqui estes se ajuntam em classes. Outro conceito
correlato desse antagonismo é a necessidade. Ou seja, o trabalhador percebe sua práxis
alienada, identifica que dentro dessa relação violenta e antagônica necessita se sujeitar a este
estado.
A saber, a práxis é a manipulação ou a instrumentalização do mundo material. Trata-se
do envolver algo inanimado num projeto totalizador, aonde lhe é atribuída uma unidade,
inerte material, “pseudo-orgânica”. É inerte, pela passividade da matéria pronta a ser
instrumentalizada e permanece social e humana, pois trata do reflexo do trabalho humano que
se utilizou de condições e ferramentas para alcançar aquele fim.
2 A Matéria que Domina o Homem
Entendemos que a matéria trabalhada é anterior ao homem, e este mesmo homem é
dominado por ela. Isso é o que Marx denomina “materialismo histórico”, a matéria que
outrora foi manipulada, torna-se mais tarde ferramenta de dominação dos seus sucessores.
O homem então é conduzido pela matéria, enquanto essa é produto de sua práxis.
Sartre demonstra a simbiose existente entre o humano e o inumano, isto é, a concatenação do
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homem e da matéria que traz a tona uma relação de necessidade e “passividade ativa”
(SARTRE, 2002.p. 295). O homem é, neste sentido, produto do que produz.
Ao passo que o homem produz, manipula a matéria e trabalha nela. A matéria então
realiza um processo de dominação do homem resultando numa equivalência perfeita, por
anulações progressivas. Tal equivalência nos permite pensar em objetos originários, como por
exemplo: o sistema ferroviário, um homem ou um grupo de homens ou máquinas. Desse
modo a totalização resultante desta equivalência, carece de uma conveniência entre o material
e o humano, ou seja, é necessária uma utilidade que abarca aquelas duas partes.
Este homem cujo nos referimos a pouco é designado pelo objeto que imporá qual a
conduta que será necessária a ser ajustada. A máquina ou a ferramenta é a práxis cristalizada e
define qual será a forma real de seu uso no âmbito do trabalho comum. Nas relações humanas,
em sentido estrito, a reciprocidade ocorre de modo diverso a esta necessidade. Logo, um
homem espera de outro e isto caracteriza essa reciprocidade. Nesse caso, a relação se refere a
uma “exigência passiva”, quando tratamos da relação humano-matéria.
O primeiro elemento para tratarmos da saída do estado alienado é a soberania. Em
outros termos: a liberdade do homem que é posta Para-si. Outrossim, no trabalhador
individual a única expectativa que terá é a de efetuar bem o seu trabalho manuseando a
máquina que lhe couber, enquanto que o grupo ou o trabalhador que assume a expectativa
humana a qual nos referimos, reconhece o outro, enquanto pessoa e os seus atributos como:
caráter, nome, etc. No caso individual, quem definirá o status de trabalhador será a máquina,
será uma consciência que representará o projeto, que não é daquele sujeito.
Sartre apresenta os objetos como estruturas sociais e econômicas de cada época. Desse
modo, os trata como manifestação de um contexto econômico e social. Eles tornam-se por si
uma exigência que definirá a larga produção e levantarão exigências de outros objetos, isso
ocorre no âmbito de uma práxis serial. O homem, nesse contexto, realiza uma ação inumana,
ou como afirma Sartre, “inessencial”, fora da ótica de seu próprio projeto e nessa impotência
constante, o homem se torna um meio, em decorrência de um benefício que não é humano.
Como nos mostra o próprio filósofo:
Descrevemos o ser serial como determinação do vinculo de alteridade como unidade
de pluralidade pelas exigências e estruturas do objeto comum que define em si
mesmo essa pluralidade com tal. Vimos que este ser é prático uma vez que é
sustentado, na realidade, pelas relações que estabelecem no campo prático-inerte
entre as ações individuais dos homens (...) ele é constituído como unidade negativa e
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interdependência ameaçadora (paralisante) pela impotência de cada ação real
(SARTRE, 2002.p.406).
Assim, na esfera do “prático inerte” encontramos um complexo que abarca conjuntos,
sendo estes: finalidade, contrafinalidade descoberta e suportada, e, por fim, a
contrafinalidade denunciada teoricamente, que pode não ser denunciada em um determinado
tempo por grupos que detém o poder de mudar esta situação.
A primeira ocorre, pois, o homem é responsável por sanar um problema qualquer em
relação à matéria trabalhada. No exemplo do próprio Sartre temos as primeiras máquinas a
vapor que eram barulhentas e aos técnicos foi dada a incumbência de diminuir o barulho. No
segundo conjunto, o homem é posto em face daquele problema e obrigado a se adaptar em
relação ao mesmo, como prova de que o progresso chegou a afirmar de forma material a
“nova potência humana”. Como exemplo, temos o complexo ferro-carvão. O ruído e a fumaça
eram vistos como ratificação da mudança no modo de produção, mas se caracterizava como
um mal, tanto aos operários, quanto aos proprietários fundiários. A contrafinalidade, “a
afastar”, como denomina Sartre, atinge somente os operários, ou seja, em situação, estes
continuam a viver no ruído e os patrões não fazem mais que passar por eles. Isto resulta numa
exigência negativao, no desenvolver de uma práxis estanque, um conjunto de “vantagens” e
inconvenientes através de contradições passivas. Em suma, reconhecemos a indissolúvel
unidade existente entre o inerte e a finalidade. Assim, as contradições no cerne da práxis em
andamento surgem da negação como fator de unidade material, ou seja, todas as finalidades
implicam logo em contrafinalidades. Uma vez que as matérias são sustentadas e dirigidas por
homens, cada contra-finalidade se torna, de certo modo, uma finalidade.
3 O Interesse
Entendido por Sartre como uma especificação da exigência, o interesse é um simbiose,
ou seja, é o ser que se vê fora de si em outra coisa. Voltando-se a algo ou a alguém, imprime
ali o seu desejo, necessidade de realizar seu próprio trabalho com vistas a um fim, isto é, seu
projeto. No entanto, o sujeito que está no âmbito da práxis alienada, tem seu projeto
sobreposto por objetos que não expressam seu interesse, mas o de outrem. Este homem é
surpreendido por um projeto externo e seu trabalho terá por finalidade cumprir uma tarefa,
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realizar um objetivo que foi imposto, revelado a ele. Enfim, neste caso os fins não se voltarão
ao homem satisfazendo-o nos limites das necessidades e desejos, mas sim daquele que o
impôs a práxis a ser realizada, havendo aqui uma perda da subjetividade, da liberdade.
Sua origem está na relação unívoca do homem com o meio ambiente, da interação
deste com a exterioridade que lhe é circundante, no entanto, a nós é relevante a relação
manifestada no tocante ao prático-inerte. Neste caso, o interesse está fundado na relação dos
sujeitos com o meio que o cerca, mas o que é externo é constituído por um conjunto de
prático-inertes de materiais trabalhados e assim entrega sua pessoa real à inércia prática desse
conjunto. Para entendermos este conceito, é necessário percebermos o ser do proprietário em
relação ao conjunto por ele possuído. Aqui Sartre utiliza o exemplo de uma casa como
propriedade, retrata a interioridade do proprietário que se exterioriza através de sua posse,
onde serão impressas suas memórias, práticas e costumes. Essa nuance da vida privada, diz
respeito ao encontro da verdade e da realidade do proprietário com a coisa possuída, que se
volta para ele como sua essência tocável. O fundamento da práxis do proprietário é, portanto,
o tempo, a carência e a vontade de expansão de sua propriedade, embora a carência não seja
seu dilema central, mas sim a necessidade de expansão, pois, sua práxis assume um caráter
teleológico, orientada pelo movimento de crescer. A vontade de poder, propiciada através de
sua práxis se revela pelo seu próprio fim: a expansão objetiva de sua propriedade.
Sendo o interesse, a relação do homem que se efetiva com o meio que o circunda, e
uma vez que o homem é percebido sob aspectos históricos e estes mudam suas exigências ao
longo do tempo, a propriedade em si mesma deixa de ser o interesse do proprietário, na
medida em que este mesmo se desloca em outros fins que possibilitem a expansão.
É importante voltar ao exemplo de Sartre para imaginarmos que a fábrica de um
capitalista é em si mesma seu interesse, seu ser-fora-dele, mas com o passar do tempo, para
garantir sua estabilidade diante da concorrência com outras indústrias que estão a caminho de
lhe superarem, no que diz respeito à produção, através das máquinas, adquire também estas
para não perder seu campo. O interesse era inicialmente a fábrica, mas, torna-se a posteriori a
máquina. Essa pluralidade dos interesses resguardados pela vontade expressa ora a fábrica,
ora a máquina, diz respeito ao isolamento dos homens em face à matéria inerte. Cada sujeito
ou classe é apartado dos outros, na medida em que, o interesse é refletido na matéria
trabalhada e estes sujeitos assumem um estado semi-sólido, ou seja, se dirigem a um mesmo
fim (neste caso a produção), mas se desconhecem (pois suas liberdades, interesses não estão
em si mesmos, mas na matéria trabalhada).
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Os interesses se consolidam para cada indivíduo ou para as classes, na medida em que,
são definidos pela própria matéria produzida. Os homens e as relações estão aqui como
disposições postas a servi-la (à produção). O conflito de interesses é, portanto, a luta de
indivíduos ou de grupos que lançaram seu ser-fora-de-si mesmos e ainda sim desejam
arrancar a possibilidade de controle de produção do outro ou dos outros.
A alienação é uma relação unívoca da interioridade com o meio ambiente no qual está
o homem inserido. Esta inferência distancia esta proposta da ótica de Marx, onde a alienação
tem início somente a partir da exploração. Dito de outro modo: seu princípio é de todo externo
ao homem. Mas é necessário que percebamos os elementos internos no tocante ao sujeito que
se exteriorizam como totalização material inerte. A práxis, ou o conjunto de pressupostos que
configuram as escolhas livres, o para si do indivíduo são dispersos e se voltam para ele
mesmo através da matéria trabalhada, transformando-o, dando-lhe significado por meio da
inércia material. Entretanto, antes deste movimento, há no homem uma escolha original, sua
liberdade que antecede este círculo. Deste modo, a alienação não é somente produto do meio
circundante sob a forma de exploração, mas uma relação da escolha original dispersada na
matéria que se volta como síntese a ela mesma como totalização inerte. No momento em que
esta liberdade original é entregue à matéria e o homem à experiência, o outro e a sua escolha
impressa na matéria, o resultado que será evidenciado é a constituição de um não-homem ou
um contra-homem.
4 O Sujeito Social
No instante em que o sujeito percebe sua práxis, a partir da objetivação dela mesma,
entende que seu ser está fora si, na coisa, como sua verdade fundamental, sua realidade. Ele,
em face da inércia objetiva, reconhece seu ser-fora-de-si. Este ser fora, constituído com
matéria do prático-inerte, isto é, particularidade do homem orientada, condicionada
bruscamente pela exterioridade, retorna à concepção de alienação que é definida pela relação
unívoca de interioridade que percebe o homem como organismo prático a em seu meio. Marx
se refere à outra terminologia, é o estar-fora-de-si, como realização do trabalho do
proletariado, que antes mesmo de ser concluído, pertence a outrem. Sartre acrescenta a
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inserção das máquinas nesta relação. Aqui o capitalista, coloca nelas seus fins, cabendo aos
trabalhadores realizá-los.
Os homens podem se reunir a fim de chamar a atenção dos patrões, como por
exemplo, nas greves, sendo estas necessárias ao do sistema, todavia, os patrões sabem da
possibilidade de tais ações e se beneficiam das mesmas. Neste estágio de reunião das
singularidades, não há a constituição de uma ação do grupo como atividade humana, pois os
homens não superam seu estado mecânico e atômico alienado. Sua prática não traz elementos
que configuram uma atividade que se propõe humana, pois estas ações têm uma geração
anônima, ou seja, não é identificado o corpo de operários, uma vez que, não se reconhecem a
si mesmos. Suas ações ainda são alienadas, e firmadas em interesses particulares. O que
entendemos é que a proposta do filósofo francês é apresentar num primeiro momento, mesmo
com estas deficiências expostas, a primeira estrutura da classe enquanto ser social e coletivo.
Toda a exterioridade exerce sobre o operário condicionamento através do temor. Esta
supressão advinda do caráter extrínseco apresenta uma contradição futura, dito isso, sabemos
que o trabalhador para operar uma máquina, deve ser levado pela passividade e vigilância, por
um tipo de automatismo que o afasta da consciência de si e dos devaneios de sua própria vida,
mas o deixa sempre a disposição da máquina, alerta.
A alteridade no prático-inerte é unívoca e extrínseca, ou nos dizeres de Sartre: uma
unidade exterior. Nela, todas as relações são orientadas por um elemento externo aos
indivíduos. Atendo-nos ao exemplo da fila de ônibus, todos os sujeitos encontram-se ali por
um propósito comum, um projeto, embarcar no veículo, todavia, estão numa situação de
hostilidade, pois não há lugar para todos (escassez). Cada um na fila percebe o outro como
rival. Não há aqui um vínculo comunitário, tampouco uma ação comum legitima. Estas
pessoas estão próximas e não se vêem, se ignoram, estão juntas e ao mesmo tempo a sós.
Para proporcionar a liberdade dos indivíduos e legitimar uma ação de um grupo como
atividade humana é preciso um Grupo-em-Fusão. Este se distancia do grupo formado nos
moldes do prático-inerte. É necessária então, uma nova ação em face da dura realidade
passiva e serial, da negação de um estado de inércia e, sobretudo, de alienação. Adentraremos
a partir deste momento, na formação deste grupo.
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5 A Inércia Material e os Coletivos
O homem está inserido numa inércia material, mas o que é de fato esta inércia?
Podemos determinar tal passividade como as condições pré-fabricadas nas quais o ser deste
homem está situado. Coerente à nossa proposta, isto é, analisando a relação de produção,
dizemos que se trata das condições de situação do ser do operário. Neste estado passivo, há
uma separação absoluta entre os indivíduos. Eles não se encontrar, ou melhor, não se
reconhecem. A única relação de proximidade ocorre através da matéria circundante e pela
práxis também alienada por meio da objetividade. Os funcionários de uma fábrica são
exemplos deste distanciamento. Condenados a viver um destino sob forma molecular, isolada,
os homens no mundo do prático-inerte, estão severamente no crivo da alteridade, pois este
termo designa o distanciamento dos indivíduos, aonde o outro é reconhecido, não como uma
extensão infinita de si, mas como “absolutamente outro”. O prático-inerte não oferece aos
homens um sentimento de integração no tocante a uma vida comum.
O mundo do prático inerte deixa o homem entregue, escravizado pela matéria,
alienado, vitima de um destino pré-moldado, previamente imposto. Tem por modo de
existência social, a série. Na serialidade não encontramos o fundamento de uma sociedade
possível, ali todos estão como números. Pensar, agir e sentir são marcados por características
do prático-inerte.
A inércia material está no fato do trabalho ser realizado anteriormente ao homem,
constituir na máquina as exigências dum futuro insuperável, ou seja, o modo de uso e suas
possibilidades em determinadas condições de aumentar a capacidade de produção. Existe aqui
uma anulação passivizante, isto é, o futuro modificado através do passado, uma atualização
deste trabalho, mas não uma superação, pois o que vigora é uma estagnação dos projetos. Só
haverá uma transcendência na medida em que os homens constituírem novos valores e
significados ao seu trabalho, sendo este livre quando romper o futuro passivo e destruidor.
Estes novos valores segundo Sartre, em “Por que a Revolta?” nascem de um processo
dialético na revolta dos homens diante da opressão, que sofrem. Os diferentes valores são
constituídos pela sublevação face às diferentes formas de subjugação. O marxismo faz
apologia ao desenvolvimento histórico que apresenta os homens, como os mesmos desde
Adão, todavia estes são diferentes, nascem de outros problemas sociais ao longo da história,
estão num tempo cercado de seus próprios conflitos. Cada geração possui uma classe superior,
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os explorados suas instituições e confusões, por isso, distante do que sustenta o marxismo,
todos estes elementos da história são feitos por indivíduos completamente distintos ao longo
do tempo. A história possui duas faces: de um lado a continuidade; e do outro a ruptura, o
desligamento vivenciado por homens que se distanciaram do destino pré-estabelecido, por
seus pais, pelo mundo material, ou seja, na situação do prático-inerte. Assim, os oprimidos,
conscientes de tal estado, têm todas as razões para contestar este destino não escolhido, mas
forçado pelas instituições, família e pelas relações de produção.
Neste campo de passividade material, está o ser-de-classe, o estatuto do prático-inerte
individual ou comum é a sentença do ser, que reconhece sua existência em condições pré-
esboçada por práxis anteriores a ele. O passado que se inscreve no futuro, se reconhece numa
nova experiência de necessidade. Esse marco proporcionado através da experiência do
prático-inerte acomete a todos pelo que Sartre denomina classe exploradora.
Destarte, o primeiro fundamento da coletividade se dá por meio do prático-inerte. Os
primeiros ajuntamentos e suas estruturas configuram um campo material firmado no trabalho
dos que antecederam o agrupamento em questão. A partir de sua estrutura fundamental, isto é,
o prático-inerte, terá o coletivo uma experiência dialética, tendo como tese, o campo de
passividade, antítese à práxis e como síntese, a superação como fins materiais a serem
alcançados. Estes fins revelarão este agrupamento como coletivo, marcado pela inércia, ou um
grupo organizado, suprimindo a passividade pelo trabalho, pelas atividades dos seres
orgânicos. A definição dos fins assumidos pelos coletivos e sua determinação serão: sua
práxis, expondo este como simples coletivo serial, alienado, não o seu projeto, mas o de
outrem, sendo este o elemento externo de interação entre os homens, ou um grupo, que por
sua vez, sobrepõe através da consciência de seu estado alienado, age com vistas à transcender
sua situação de conflito através da responsabilidade com o coletivo em que está. Como
exemplo de grupo, temos as “unidades de combate”, onde todos os membros lutam e vivem
juntos, não abandonando os agrupados. A práxis aqui se faz libertadora e diante de uma
opressão vigente, supera-a.
Inferimos de forma clara a distinção entre estas duas realidades sociais, a saber: o
grupo que consiste no esforço e movimento constante de integração entre os homens ali
presentes, findando numa “práxis pura”, que irá afastar todo resquício de inércia é o coletivo,
que responde ao seu ser, ou seja, toda a práxis neste campo é pura ´exis´, prática mecânica
realizada por homens de forma serial. A inércia é engendrada nos trabalhos individuais,
fazendo-os unívocos, a partir de uma unidade extrínseca não superada, os fins são passivos,
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presos no campo material, na herança deixada pelos que nos antecederam. Portanto, entender
um coletivo é necessariamente compreender seu “conjunto de circunstancias materiais”, o
telos das práxis individuais que se ajuntaram.
Com efeito, ocorrerá no nível do prático-inerte a determinação da sociedade e de seus
indivíduos a partir dum objeto material. Tal apontamento se tornará efetivo, através da
serialidade onde os homens estão próximos e concomitantemente se desconhecem. Esta
exigência do prático-inerte advém da escassez, da falta que abarca a todos. Ela (a escassez) é
contingente e ao mesmo tempo, fundamental relação do homem com a natureza, uma vez que,
esta é o palco de todas as experiências deste homem, mesmo as passivas. É importante
frisarmos a escassez particular como um dos aspectos da inércia material, outro também
importante é a estrutura generalizada do prático-inerte sob a forma de agrupamento.
Sobre serialidade, a escassez particular designa cada homem como excedente, uma
sobra, sendo rival do outro por sua identidade, instaurando logo um problema na ordem da
alteridade. O que resolverá por ora este problema, configurando uma medida paliativa ainda
que de forma insatisfatória e alienada o problema do reconhecimento do Outro, será a unidade
extrínseca (material), que porá em confluência os interesses. Estes se encontrão numa ordem
externa aos homens, ligando-os não por que são de fato e pelo que desejam em comum, mas
por um interesse externo que os coloca em proximidade, contudo sem a percepção do Outro
como tal. Não haverá neste tipo de coletivo, uma visão do Outro, por suas qualidades
intrínsecas, um reconhecimento de seu projeto e construção, no entanto será evidenciada uma
unidade separativa desprovida de sentido. Uns se diferenciam dos outros sem acrescentar nada
ao seu caráter, não os reconhecendo. Esta experiência serial é exposta por Sartre, como figura
análoga, referindo-se a uma fila de ônibus, onde todos aguardam o meio de locomoção.
Encontram-se na fila abarcados pela serialidade, não se conhecem, nada sabem sobre os
projetos daqueles que os antecedem ou sucedem, embora estejam unidos por um interesse
externo: embarcar no ônibus. Ele retrata a unidade material externa aos indivíduos e a
proximidade da separação. As expectativas são experienciadas de formas distintas embora,
embarcar no ônibus seja um interesse comum.
Até aqui, explicitamos os elementos do agrupamento fixado nos parâmetros do
prático-inerte de um ajuntamento alienado. A seguir, trataremos da classe como um ser
coletivo e adentraremos de forma mais profunda no vínculo da alteridade sob o campo serial.
Tal investigação nos levará posteriormente ao conhecimento de um grupo estruturado, onde
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há o reconhecimento do outro enquanto projeto e a proximidade dos homens é configurada
pelos fins escolhidos, transcendendo por sua ação e escolha um estado opressivo.
6 O Ser Serial e o seu Agrupamento
O ser serial é descrito por Sartre como determinação do vínculo de alteridade. Define
também a proximidade dos homens e sua relação alienada como unidade da pluralidade que
se firma nas exigências e estrutura do objeto comum (externo), assumindo “em si mesmo essa
pluralidade como tal”.
É importante salientarmos o caráter prático desse ser serial, isto é, mesmo no campo
do prático-inerte os indivíduos agem, realizam atividades o que sustenta a realidade de sua
ação, todavia, ao mesmo tempo o coletivo que possui estas ações isoladas dos seus
organismos constrói uma “unidade negativa de interdependência”.
Esta unidade diz respeito à disparidade das ações e o encontro sem sentido que ocorre
em relação aos mesmos. Tal univocidade é negada na medida em que, atividades são isoladas,
não havendo um reconhecimento do outro, ou uma relação por qualidades intrínsecas. Uma a
uma, estas atividades isoladas findam objetivamente numa impotência, pois, não realizam
uma ação humana na esfera do coletivo, estão presas ao terreno fundamental do ajuntamento:
o prático-inerte.
Este aprisionamento por escolha é marcado pela passividade e a impotência no âmbito
da ação. Estes dois pressupostos são a própria estrutura dialética do prático-inerte. Um
exemplo claro deste isolamento dos indivíduos em suas particularidades e da aproximação
firmada num elemento externo, é o da fila de produção, numa empresa automobilística, por
exemplo. Ali, cada funcionário permanece em seu posto para encaixar uma peça, a fim de
montar o carro. Entendemos este como o objeto externo de vínculo entre estes sujeitos, o
interesse que nem mesmo lhes pertence. Atestamos a atomatização de cada indivíduo, pois no
momento em que estão dispostos em fila, desconhecem-se uns aos outros, a única ligação
entre eles é o objeto.
Em tal forma de coletivo, a alteridade, isto é, o reconhecimento do outro enquanto
absolutamente outro, torna-se uma ordenação num princípio negativo, neste caso, tanto faz o
lugar ocupado na serialidade, pois esta ordenação é passiva e alienada. Tanto eu, quanto os
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outros desconhecemo-nos enquanto Para-si, pois somos meros números. Estamos, assim, no
âmbito do Em-si, ou seja, não possuímos em nós mesmos a “razão”, do número que somos
tampouco da própria ordem na qual estamos.
Enquanto o coletivo é dito por uma unidade externa, existe uma estrutura de
agrupamento, contudo as expectativas e os interesses dão-se de forma separadas. No exemplo
acima, os operários estão agrupados com o objetivo de montar as peças dos carros, mas as
expectativas no momento da produção são vividas separadamente. A partir desta perspectiva,
o grupo é delineado, no entanto, seu ajuntamento e a quantidade de indivíduos são
contingentes, pois as pessoas são consideradas partes quaisquer do grupo. A alteridade no
coletivo, onde a unidade é transcendente ao ajuntamento é vista por Sartre como fator
irredutível, na medida em que cada um dos indivíduos imersos na serialidade é percebido
como ele próprio, enquanto é outro que não os outros e do mesmo modo o contrário.
Aqui os indivíduos estão todos no mesmo patamar serial e somente as possibilidades,
as circunstâncias e a unidade extrínseca constituem a efetiva alteridade do grupo. Atestamos
nesta conduta social, uma totalidade organizada, ou se preferirmos, o ajuntamento dos homens
pelo objeto.
Neste sentido, a alteridade no âmbito do coletivo marcado pela serialidade é dada
através da unidade externa tornando cada indivíduo equivalente, enquanto Em-si, coisificado.
A consciência dos próprios interesses e de seu ser enquanto Para-si é abnegado em
detrimento de todo o sistema alienado. Deste modo todas as potencialidades dos homens são
dadas separadamente e isso inviabiliza uma ação estruturada de grupo humanizada. É preciso
delimitar, a partir de agora, o ajuntamento com vistas a uma ação orgânica, desdobrando este
estado de passividade.
7 O Grupo Estruturado: em-fusão
Até aqui evidenciamos a passividade e a serialidade no que tange aos coletivos,
configurando assim, a alienação nas condutas sociais. Mas é preciso que voltemos ao cerne do
problema deste trabalho tendo por fundamentação a seguinte indagação: como se efetiva a
saída dos homens deste estado alienado? É sabido que, a serialidade é a estrutura fundamental
da sociabilidade, no entanto, é necessário examinar as relações internas dos grupos de modo a
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exprimir uma união dos homens a partir da interioridade do mesmo. Assim podemos entender
a transcendência da passividade e da opressão para uma práxis revolucionária de grupo numa
investida dialética tendo como elementos, a ação coletiva como luta em si mesma contra a
inércia fundamental.
O coletivo outrora não efetuando uma práxis humana, passa por uma transformação
material realizada no âmbito da escassez. As crises e as faltas advindas daquela, leva os
homens a sentirem quanto são afetados e superarem esta situação através do grupo. É
imprescindível para tal remanejamento, uma reestruturação do grupo, pois a práxis agora deve
romper com a unidade serial. Dito de outro modo: este grupo deve superar a passividade e a
alienação mantida pela subjugação daqueles que mantém o poder sobre o objeto unívoco
exterior, através da interação e do reconhecimento de todos do grupo enquanto Para-si,
dotados de interesses particulares, mas orientados a um interesse comum construído com
vistas à transcendência da todo. A união do grupo agora é mantida neste âmbito de conduta
social, a partir da percepção do Outro enquanto absolutamente outro e da práxis comum
constituída no cerne do grupo, tendo como espinha dorsal uma estrutura de objetividade
unificante.
Diferentemente do coletivo mantido pelo prático inerte, onde a alienação e a
passividade são os fatores cruciais no que tange ao agrupamento, no grupo estruturado isto é,
Em-Fusão, a tensão entre interioridade e a materialidade configura uma superação por meio
de uma práxis transcendente, a realidade serial. Com efeito, este grupo através do trabalho
toma uma unidade, agora objetiva, isto é, uma universalidade constituída pelos homens em
suas relações de modo intersubjetivo, visando um remanejamento numa situação de
necessidade que ser tornará um ajuntamento onde a práxis revolucionária do grupo se
efetivará. Este estado serial só poderá ser superado na medida em que a universalidade for
vivida, como sua própria superação rumo à unidade de todos, o que nos leva à noção de ação
e responsabilidade apresentada em O Existencialismo é um Humanismo. Ou seja, ao agir
somos inteiramente responsáveis por nós e por outrem, enquanto escolhemos, pois ao fazê-lo
inventamos certa imagem de homem, como pensamos deveríamos ser. Deste modo,
percebemos como as condutas humanas a serem constituídas no interior deste grupo surgem
enquanto forma dos homens agirem no mundo e ao mesmo as relações que une os homens,
como nos mostra:
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Assim, a primeira decorrência do existencialismo é colocar o homem em posse
daquilo que ele é, e fazer repousar sobre ele a responsabilidade total por sua
existência. E quando dizemos que o homem é responsável estritamente por sua
individualidade, mas que é responsável por todos os homens. (...) Quando dizemos
que o homem faz escolha por si mesmo, entendemos que cada um de nós faz essa
escolha, mas com isso, queremos dizer também que ao escolher por si, cada homem
escolhe por todos os homens (SARTRE, 2010. p. 27-28).
O salto da práxis alienada para revolucionária ocorre no terreno da unidade inventada
na objetividade, nas relações dos homens com vistas a superar uma opressão vigente, e não
mais por meio do interesse comum a todos evidenciado na exterioridade dos mesmos. Os
homens não se perdem mais em sua produção, pois, enquanto se reconhecem uns aos outros e
o interesse que há neles do comum, rompem com a vontade do burguês impressa na matéria a
ser produzida. Não sendo mais um produto do meio de produção, abnegando sua liberdade,
suas ações serão orientadas pelas escolhas conscientes do mundo e de suas relações, e não
estarão como produto do que é produzido, ou e outros termos: “inertes produtos de uma inerte
alteridade”. Esta alteridade é dita por uma multiplicidade onde os indivíduos que são meros
números dentro dos coletivos, findando numa impotência dos grupos, na medida em que as
forças de tais relações são forças de inércia.
Existe, portanto neste grupo uma negação da negação, isto é, a negação da série, a
partir de uma práxis humanizada. Desde modo, é importante sabermos acerca do
desenvolvimento temporal do grupo em fusão, sua duração depende fundamentalmente das
circunstâncias e da situação, mas caso este agrupamento não esteja estruturado neste processo,
ficará estanque num coletivo. Na interioridade deste grupo o objetivo a ser alcançado é a
ruptura com o destino pré-fabricado imposto ao ajuntamento através da constituição de novos
valores, criados pelos homens, afastando de todas as prescrições dadas de todas as unidades
externas a orientar os coletivos reforçando a alienação, uma vez que os homens desconhecem-
se a si mesmos e a outrem e os interesses estão atrofiados e passivos.
A dialética apresentada por Jean-Paul Sartre, cujo ponto de vista podemos atribuir a
essa descaracterização do estado alienado, evidencia como a transcendência do coletivo ao
grupo, através duma negação da negação, em outros termos, a série dissolvendo-se,
configurando assim uma ruptura com a serialidade. O fator primordial para a efetivação deste
caráter revolucionário do grupo está fundamentado na ação.
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8 Ação: Fundamento do Grupo Revolucionário
A superação do estado alienado ocorre efetivamente na ação orientada para a
modificação de uma atividade passiva em ação comum. Podemos atribuir ao ato várias noções
que devem ser organizadas e hierarquizadas, como afirma Sartre em o Ser e o Nada. Ele pode
ser entendido como modificação da figura do mundo, dispor de meios com vistas a um fim,
produzir um complexo, cuja organização se refere a uma determinada ordem, a modificação
dos elos de uma série para que ocorra seu final previsto. No entanto, nenhuma destas
concepções é de fato interessante à nossa proposta. É-nos importante reconhecer que é a ação
como um princípio intencional, ou seja, quando realizamos um ato conhecendo as
circunstâncias nas quais ele se insere e as conseqüências advindas do mesmo. Neste sentido, o
exemplo de Sartre para demonstrar o que não é visto como uma ação é muito pertinente:
O fumante desastrado que, por negligência fez explodir uma fábrica de pólvora não
agiu. Ao contrário, o operário que encarregado de dinamitar uma pedreira, obedeceu
às ordens dadas, agiu quando provocou a explosão prevista ( SARTRE, 2009. p.
536).
Agir é, portanto realizar um ato firmado numa intencionalidade, ou seja, tendo
consciência das possibilidades e das conseqüências do que se faz. Trazemos esta realidade da
ação no âmbito do Grupo, como a realização consciente dos homens rumo à saída do estado
passivo do prático-inerte. Os trabalhadores de uma empresa que se ajuntam a fim de romper
com o sistema opressor no qual estão inseridos configuram através de sua práxis orgânica,
uma ação.
Enquanto agimos escolhemos e ao escolher o fazemos visando a nós mesmos e a
outrem na medida em que cada um de nossos atos configura a imagem do homem conforme
julgamos dever ser. Assim, o grupo estruturado é constituído por homens que têm tal
consciência de seu projeto e de como este pode ser orientado a um interesse comum. Ao
escolher atribuímos valor a nossas ações e moldamos a imagem de homem que consideramos
ser a melhor.
O ajuntamento constituinte do Grupo-em-fusão visa transcender o mal-estar imanente
da passividade e da alienação, por meio da práxis integrada de cada um dos membros do
grupo. Cada indivíduo do grupo estruturado o unifica enquanto suas ações ajuntam os meios
aos fins, abarcando o bem do todo. Com efeito, este grupo é configurado por uma unidade
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imanente da multiplicidade das sínteses das quais cada uma das práxis individuais se integra
rumo a uma práxis comum. A ação intencional no cerne deste grupo é dialética, pois trata da
transcendência do estado alienado e passivo do prático-inerte para síntese no âmbito
revolucionário do ajuntamento, ou seja, o desdobramento do coletivo para o grupo firmado
numa ação orgânica.
Considerações Finais
É importante frisarmos a alienação como negação do homem já esboçada no
pensamento de Marx, quando o proletariado é visto analogamente como a coisa que produz,
isto é, sendo reconhecido somente nela. Sua essência ou natureza humana se esvai na medida
em que realiza um trabalho que não o pertence. Está imerso num campo antagônico e
necessário ao sistema de produção junto ao capitalista. O homem nesta concepção, só
alcançará sua essência quando estiver fora do trabalho ou quando realizar um trabalho em que
se reconheça.
Ser alienado, portanto, é estar estanque diante da produção é ser apresentado a partir
dela. A mesma inferência pode ser feita a partir da acepção de Sartre, contudo, o caminho
traçado para sair deste estado é inverso ao delineado por Marx. Estar alienado é, segundo o
filosofo francês, a permanência na passividade, serialidade, ou seja, no âmbito do Em-si,
reificado. Quando dizemos que é um caminho traçado de modo dispo contrário, a proposta
revolucionária do grupo como ação orgânica, levando aos homens a transcenderem à
serialidade, na qual estão subjugados e oprimidos pelo sistema. Deste modo, enquanto para
Marx o homem deve fugir do trabalho e do âmbito social inerente ao mesmo, para buscar vias
que lhe tragam de volta acesso à sua liberdade, sua essência humana, Sartre considera a
inexistência desta mesma como dada, e o homem só romperá com o estado alienado, com a
passividade através da ação integrada e revolucionária entre os indivíduos do grupo, com
vistas a um interesse comum. Assim, Marx se refere à saída do âmbito coletivo da relação de
produção para o âmbito privado e Sartre atesta que o ser serial está imerso no campo do
pratico inerte, sendo este fundamentalmente parte de um coletivo, onde todos os homens estão
unidos por um interesse externo, mas desconhecem uns aos outros.
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Enquanto se encontra no Em-si, o homem está a mercê daquele que o domina, por isto
tomamos a relação de produção para elucidar esta afirmação. O trabalhador coisificado aliena
sua liberdade, suas escolhas e seu projeto, para tornar efetiva uma práxis que não lhe pertence,
o projeto do capitalista. O interesse a ser objetivado não é o seu, é externo a ele, e todo o
campo que dirá ser seu efetivar-se-á como material, pré-fabricado, cabendo-lhe reforçar esta
passividade através do caráter estanque, diante do capitalista, afastando-se de quaisquer
atitudes libertárias.
Todavia, o interesse dos homens sobrepondo à coisificação realizada pelo capitalista e
orientada ao interesse comum, isto é, onde as particularidades existem e também seus
interesses, mas não abafam a ação comum que configura o grupo organizado, onde os homens
sairão do estado alienado. O coletivo é importantíssimo em toda esta problemática, pois nele
se dá o movimento dialético constituinte desta saída do homem da passividade, isto é, os
homens transcendem a serialidade, percebem-se como liberdades e conscientes da sua
condição, e agem como Para- si, nadificando uma realidade violenta, reinventando-a.
Em suma, deixar de ser alienado é assumir sua existência e suas escolhas, agir
intencionalmente rompendo diante de uma realidade de constrangimento. Desalienar-se, se
isto é possível, é sobrepor a uma unidade externa que regula as práxis dos homens, é
constituir uma unidade concreta objetiva, firmada nas escolhas dos homens. A derrocada da
alienação do homem contemporâneo ocorre na medida em que este adota uma postura
revolucionária, levando sua responsabilidade consigo mesmo e com o outro até as ultimas
conseqüências.
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Submetido em: 04/01/2012
Aceito em: 20/10/2012