Secretaria de Estado da Educação
Superintendência da Educação Departamento de Políticas e Programas Educacionais
Coordenação Estadual do PDE
A MÚSICA E A POESIA ENSINANDO LITERATURA
Artigo científico apresentado como Trabalho Final pela Professora Valéria da Costa Oliveira Piotrowski, como requisito parcial para o cumprimento das atividades propostas pelo Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, da Secretaria de Estado da Educação do Paraná – SEED, sob a orientação do Prof. Dr. Ubirajara Araujo Moreira, da Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG/PR.
RESERVA - PR
A MÚSICA E A POESIA ENSINANDO LITERATURA
Autora: Valéria da Costa Oliveira Piotrowski1
Orientador: Ubirajara Araujo Moreira2
Resumo
O presente artigo diz respeito a um desafio pedagógico no ensino da Literatura no Ensino Médio, através da implementação dum projeto provocadoramente intitulado: “De ‘deusa’ a ‘cachorra’: figurações da mulher em poemas e letras de canções”. Constata-se que, por vários motivos, nem sempre os alunos estão adequadamente motivados para o estudo e fruição da Literatura, e também que nem sempre percebem que ela, enquanto produção artística, mantém relações com o contexto sociocultural e contém dimensões ideológicas. Por isso, procurou-se trabalhar com um tema que os motivasse: as diferentes representações da “mulher” em poemas e letras de canções, daí partindo para as próprias imagens que os alunos dela constroem, assim como aquelas produzidas no meio em que vivem. O recurso à Música se justifica por ser uma Arte marcadamente presente e prazerosa na vida pessoal e social dos alunos, servindo inicialmente como uma estratégia de atração. Assim, propiciou-se aos alunos um amplo e comprometido debate sobre o tema, colocando-os em contato com vários poemas e letras de canções de autores contemporâneos, oportunizando-lhes um olhar novo e plural sobre a Literatura e um repensar sobre a Música, contribuindo para ampliar sua visão de mundo, o seu senso crítico e a sua sensibilidade estética. O projeto foi desenvolvido com alunos de uma das 3ª séries do Ensino Médio, período diurno, do Colégio Estadual Manoel Antonio Gomes, do município de Reserva, PR. A experiência revelou que é possível engajar os alunos no estudo e fruição da Literatura de uma forma prazerosa, interessada, participativa, crítica e criadora. Ao final dela, pôde-se perceber que os alunos passaram a reconhecer e apreciar a Literatura e a Música com produções artísticas comprometidas não só com o belo e a emoção, mas também com a realidade humana, social e cultural.
Palavras-chave: Ensino de Literatura; Poesia; Letra de canção; Figurações da mulher
1 Especialista em Português e Literatura, pela Universidade Estadual de Ponta Grossa –
UEPG. Licenciada em Letras Português, pela UEPG. Professora da Rede Estadual de Educação Básica do Estado do Paraná. 2 Doutor em Literatura Brasileira, pela Universidade de São Paulo – USP. Mestre em Teoria da
Literatura, pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR. Professor-Adjunto do Departamento de Letras Vernáculas da Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG.
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Introdução
Sabe-se, e não é de hoje, das grandes dificuldades e desafios que é
trabalhar com a Literatura no Ensino Médio. Inúmeras variáveis se cruzam
nesse contexto, entre as quais as condições de letramento literário com que os
alunos chegam a esta etapa, seja em termos do que foi feito e como (ou do que
não foi feito), ao longo do Ensino Fundamental, seja pela deficiência ou
inexistência das bibliotecas escolares, seja pela generalizada falta de estímulo
no meio familiar e sociocultural donde provêm, e especificamente, já neste grau
de ensino, os programas engessados, a rarefeita carga horária destinada à
Literatura e os materiais didáticos disponíveis ou não – para citarmos alguns
fatores dentre os principais.
No entanto, para o professor realmente convencido da importância da
Literatura para a vida de seus alunos, ou seja, dos valores que este tipo de
obra de arte pode oferecer a eles, tal situação, ao invés de desestimulá-lo ou
forçá-lo à mesmice da mediocridade, pode ser um forte desafio ao seu
compromisso social e à sua iniciativa e criatividade de profissional e educador.
Esta importante função mediadora do professor fica bastante evidenciada nas
Orientações curriculares para o ensino médio; volume 1 (2006), quando
estas a ela assim se referem no item 4.1 O professor e a seleção dos textos:
O estatuto do leitor e da leitura, no âmbito dos estudos literários, leva-nos a dimensionar o papel do professor não só como leitor, mas como mediador, no contexto das práticas escolares de leitura literária. A condição de leitor direciona, em larga medida, no ensino da Literatura, o papel dos mediadores para o funcionamento de estratégias de apoio à leitura da Literatura, uma vez que o professor opera escolhas de narrativas, poesias, textos para teatro, entre outros de diferentes linguagens que dialogam com o texto literário. Essas escolhas ligam-se não só às preferências pessoais, mas a exigências curriculares dos projetos pedagógicos da escola. Há nessa dupla perspectiva aspectos que devem ser considerados: o dos tempos escolares, que levam à necessidade de organização sistemática (o que supõe um projeto pedagógico para os três anos do ensino médio); o dos gêneros (noção também ela tributária a Bakhtin, como condição básica de inserção dos sujeitos no mundo letrado) e dos autores que serão lidos pelos alunos (organização imprescindível para que se garanta uma sequência lógica, não necessariamente cronológica) com uma margem para outras leituras não previstas e, por que não, “anárquicas”. (BRASIL, 2006, p. 72).
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Nesta perspectiva, uma das alternativas coerentes que se têm
procurado é exatamente a de se ir ao encontro do aluno: de seus interesses,
necessidades e preocupações, de sua realidade psicoafetiva e sociocultural,
oferecendo textos literários cujos temas digam alguma coisa a ele, e a partir
dos quais se possa mediar o percurso artístico e cultural do aluno através da
obra literária para que ele usufrua do prazer estético e de um entretenimento
de qualidade, afinando a sua sensibilidade, e possa ampliar seus horizontes
socioculturais e desenvolver seu senso crítico e criador, humanizando-se cada
vez mais!
O professor constata que nem sempre os alunos percebem que a
Literatura, enquanto produção artística, é um bem cultural, ou seja, que
mantém estreitas relações com o contexto sociocultural em que se origina.
Então, somente através de um trabalho mais contextualizado da Literatura é
que os alunos passarão a compreender e, consequentemente, a valorizar e a
admirar as produções literárias – seja como manifestações de arte, seja como
expressões de certos aspectos cruciais da realidade social e cultural que têm a
ver com eles.
É neste contexto que entendemos as considerações de Antonio
Candido (1995), ao apresentar a literatura como um direito humano e de assim
dimensioná-la:
Por isso é que nas nossas sociedades a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade preconiza, ou os que considera prejudiciais, estão presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas. Por isso é indispensável tanto a literatura sancionada quanto a literatura proscrita; a que os poderes sugerem e a que nasce dos movimentos de negação do estado de coisas predominante. (CANDIDO, 1995, p. 243)
A partir desta preocupação, pensamos em levar para as aulas de
Literatura um tema que poderia ser altamente motivador para esta faixa
etária e ao mesmo tempo um tema que sempre esteve presente na Literatura,
aliás, um tema universal nas Artes: a Mulher. Julgamos que poderia interessar
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tanto os rapazes como as meninas, pois tem a ver com questões de
relacionamento entre gêneros sociais (o feminino e o masculino), e também
com questões de subjetividade e identidade, no que diz respeito à
psicoafetividade, além de questões relativas a valores e ideologia presentes
nas construções socioculturais da figura feminina.
Nossa opção foi então elaborar um projeto para trabalhar
associadamente com dois gêneros: o poema e a letra de canção – isto por
várias razões. Primeiramente cabe esclarecer que, em nosso entendimento,
letra de canção é poema; mais especificamente, é uma modalidade de poema,
pois estrutura-se mediante versos, em geral metrificados, rimados e
distribuídos em estrofes, com exploração sistemática e intensiva de recursos
de linguagem tipicamente usados em Poesia, tais como os recursos sonoros
(além das rimas, as aliterações e assonâncias, por exemplo), jogos de palavras
(paranomásias, trocadilhos) e a linguagem figurada (metáforas, símiles,
antíteses, hipérboles...), construindo um referencial ou universo próprio, de
caráter ficcional. Portanto, quanto à sua natureza e características formais,
entendemos que, teoricamente, a letra de canção se realiza como uma
modalidade peculiar de poema; agora, quanto à qualidade artística desta ou
daquela letra de canção, isto já é assunto que cabe à Crítica avaliar, aliás,
como também acontece com os próprios poemas.
Sabe-se que o poema é, em geral, o gênero literário mais dificultoso de
se trabalhar em sala de aula e, por isso, quase sempre fica esquecido ou é
tratado de forma superficial e até mesmo equivocada, inclusive nos livros
didáticos. Sobre esta situação particular do poema na sala de aula, os próprios
autores das Orientações curriculares para o ensino médio (2006), ao
abordarem o problema da seleção de textos para as aulas de Literatura, assim
observaram:
Cabe aqui um parêntese relativamente à leitura da poesia. Sabe-se que ela tem sido sistematicamente relegada a um plano secundário. Muito já se falou sobre a dificuldade de lidar com o abstrato, com o inacabado, com a ambiguidade, características intrínsecas do discurso poético, que tem tornado a leitura de poemas rarefeita nas mediações escolares com sua tradicional perspectiva centrada na resposta unívoca exemplar e na inequívoca intenção autoral. (BRASIL, 2006, p. 74, grifos nossos).
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Como a música exerce forte atração e efeito prazeroso sobre os
adolescentes e jovens (mas não só sobre eles...) e o poema sofre essa
dificuldade de abordagem, pensamos que, unindo os dois, haveria uma
potencialização recíproca: indo da letra de uma canção para um poema, ou
deste para aquela, ambos de mesma temática ou temática afim, com pontos de
vista convergentes e/ou complementares, ou diferentes e até mesmo
conflitantes, o poema se beneficiaria do atrativo natural que a canção e sua
letra exercem, e estes se enriqueceriam com a aproximação do poema, que
costuma ser mais prestigiado culturalmente. Assim, se trabalharia com um
gênero de mais fácil agrado dos alunos (a música) e se teria, ao mesmo tempo,
a possibilidade de se trabalhar como gênero literário mais dificultoso, tornando-
o mais acessível pela via atrativa e prazerosa da música.
Não custa destacar oportunamente que estas duas artes propriamente
nasceram juntas, juntas ficando por muito tempo e que, mesmo se tornando
gêneros autônomos, continuaram mantendo estreitas relações, como bem
relembra Joaquim Aguiar em seu livro A poesia da canção (1993):
Reza a tradição que a música e a poesia nasceram juntas. De fato, a palavra “lírica”, de onde vem a expressão “poema lírico”, significava originalmente certo tipo de composição literária feita para ser cantada fazendo-se acompanhar por instrumento de corda, de preferência a lira. Durante muito tempo a poesia foi destinada à voz e ao ouvido. Seria necessário esperar pela Idade Moderna para que a invenção da imprensa, e com ela o triunfo da escrita, acentuasse a distinção entre música e poesia. A partir do século XVI a lírica foi abandonando o canto para se destinar, cada vez mais, à leitura silenciosa. Entretanto, mesmo separado da música, o poema continuou preservando traços daquela antiga união. [...] são fartas as alusões que a arte poética faz à arte musical. Se a separação de poetas e músicos dividiu a história de um gênero e outro, a poesia não abandonou de vez a música tanto quanto a música não abandonou de vez a poesia. (AGUIAR, 1993, p. 10).
Figurações da Mulher em poemas e letras de canções
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Ao longo dos tempos, sabe-se que a “mulher” vem sendo representada
pelos escritores e letristas sob as mais variadas e até mesmo contraditórias
figurações: “a amada”, “a idealmente perfeita”, “a bela”, “a santa, deusa ou
anjo”, “a mãe”, “a heroína”, “a sedutora”, “a mistério”, “a infiel”, “a prostituta”, “a
demoníaca”, “a perversa”, “a insensível”, “a poderosa”, “a corruptora”... – para
mencionar algumas das mais constantes entre as tantas imagens de “mulher”
que são repassadas nas obras. Num mesmo romancista, como José de
Alencar, temos, por exemplo, a idealização de uma Iracema, que renega a sua
própria tribo para ser fiel ao seu grande amor por um homem branco, e a
ambiguidade moral e comportamental de uma Lucíola, prostituta da alta
sociedade que se resgata pela pureza de um grande amor...
O mesmo grande poeta Manuel Bandeira, que escreveu estes versos
de Irene no céu (1993, p. 142):
Irene preta Irene boa Irene sempre de bom humor. Imagino Irene entrando no céu: - Licença, meu branco! E São Pedro bonachão: - Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.
– é autor do poema Estrela da Manhã (1993, p. 149), onde se podem ler versos como:
Virgem mal-sexuada Atribuladora dos aflitos Girafa de duas cabeças Pecai por todos pecai com todos Pecai com malandros Pecai com sargentos Pecai com fuzileiros navais Pecai de todas as maneiras Com os gregos e com os troianos Com o padre e o sacristão Com o leproso de Pouso Alto Depois comigo
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Em nosso cancioneiro popular contemporâneo basta que lembremos,
por exemplo, dois extremos nestas figurações da “mulher”, como a letra da
canção A Rosa, de Pixinguinha, cuja estrofe inicial declara:
Tu és divina e graciosa, estátua majestosa do amor, Por Deus esculturada e formada com o ardor, Da alma da mais linda flor, de mais ativo olor E que na vida é a preferida pelo beija-flor.
E compará-la com o início da letra de Cachorra, da banda Oz Bambaz:
Toda noite ela quer fazer esquema Pega um, pega geral, pra ela não é problema No carro, no cinema ou no meio do mato Estilo cachorra, ela fica de 4
Frases como “As feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”,
de Vinícius de Moraes; ou “Amélia que era a mulher de verdade”, de Mário
Lago, por exemplo, tornaram-se amplamente conhecidas, repetidas e
cantaroladas por várias gerações.
No decorrer da História, a mulher, através de muita luta, conquistou
seus espaços, fez valer seus direitos (nem todos ainda plenamente
reconhecidos...), como, entre outros, foi a verdadeira batalha pelo direito ao
voto, provou sua capacidade profissional, conseguiu sua independência
financeira, sua emancipação social e sexual... Recentemente, a lei “Maria da
Penha” vem ajudando as mulheres a resgatarem corajosamente sua dignidade.
Mas, observa-se também que nesta busca da independência sociocultural e
econômica e da liberdade sexual, muitas se perderam no caminho, ou seja,
inverteram valores, abandonaram a feminilidade adotando os equivocados
comportamentos masculinos, ou passaram a supervalorizar a aparência. Enfim,
trata-se de um processo de emancipação que, como tudo o que é humano, não
escapa às situações ambíguas e contraditórias, e merecem um constante olhar
aberto e crítico.
Pretendeu-se assim, através do tema “mulher”, atrair os alunos para a
leitura de vários poemas e letras de canções, oportunizando-lhes um olhar
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novo sobre a Literatura e um repensar sobre a música que é veiculada pela
mídia. E, ao final do trabalho, esperava-se que reconhecessem e passassem a
apreciar tanto a Literatura quanto a Música como expressões artísticas
comprometidas não só com o belo e a emoção, mas simultaneamente também
com a realidade social e cultural, o que as torna atemporais e,
consequentemente, relembradas por muitas gerações. É o amplo sentido de
humanização de que nos fala Antonio Candido (1995), a respeito da Literatura,
e que aqui podemos estender à Música:
Entendo aqui por humanização [...] o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar os problemas da vida, o senso de beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante. (CANDIDO, 1995, p. 249).
É neste sentido e contexto que, por meio da análise interpretativa de
poemas e de letras de canções que abordam o tema da “mulher”, tornou-se
possível provocar junto aos alunos vários debates e reflexões sobre as
múltiplas imagens que se constroem sobre a “mulher”, levantar questionamento
sobre o que é “ser mulher” na sociedade atual, incluindo-se tópicos como
gravidez na adolescência, aborto, anorexia, diretamente relacionados com o
universo feminino. Esperava-se, desta forma, ampliar a visão de mundo dos
alunos, desafiá-los para a reflexão ética sobre conceitos de “certo ou errado”,
“feio ou bonito”, “digno ou vulgar”, “artístico ou comercial”.
A influência da mídia
Não é segredo que a mídia tem exercido uma influência crescente e
notória na formação ideológica e comportamental das pessoas, e
principalmente das crianças, adolescentes e jovens. Estes normalmente
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absorvem tudo o que lhes é passado, com pouquíssimo ou nenhum
questionamento ou visão crítica sobre o que a mídia mostra como “verdade”.
Os programas de televisão não se limitam a divertir e informar, mas
assumiram um papel de formadores de opinião. É próprio do ser humano se
sentir atraído por emoções fortes e marcantes. E a mídia, mais especificamente
a televisiva, expõe situações que interferem nos sentimentos, influenciam na
formação e na estruturação da personalidade da criança e do jovem. Esta
influência começa muito cedo, porque a televisão tornou-se um objeto
indispensável nos lares, e as crianças desde bebês já estão tendo contado com
o som e as imagens deste envolvente meio de comunicação. Crescem tendo a
tevê como uma companheira diária, e essa relação, quando não mediada
conscientemente pelos pais, pode trazer consequências negativas. Cenas de
sexo, brigas entre familiares, traição, mentira, violência fazem parte da
programação televisiva. É comum, por exemplo, se ver crianças tendo atitudes
precoces em relação à sensualidade.
Quanto aos jovens, é visível o poder de persuasão que a mídia
apresenta. Vive-se numa sociedade extremamente capitalista e
consequentemente egocêntrica, “onde a cultura dominante é o consumismo,
onde o individualismo chegou ao paroxismo do narcisismo social, muito bem
expresso nas publicidades de produtos para a beleza e a elegância, que
identificam a felicidade com mercadoria.” (BELLONI, 2005, p. 36).
Uma das consequências é que se pode observar que a insatisfação
dos jovens em relação à sua aparência, a busca de emoções imediatas,
mesmo que passageiras, são características desta geração que, influenciada
pela mídia, acredita que a realização pessoal está no ter, e que a prioridade é a
conquista da fama, do dinheiro e do poder.
Diante dos avanços tecnológicos e da facilidade que a internet trouxe
às novas gerações em termos não só de entretenimento mas também de
estudo, conhecimentos e atualização, deduz-se que o professor precisa ser
mais criativo, para que o tempo que o aluno passa dentro da sala de aula não
seja tão cansativo e até frustrante.
Quanto ao estudo de Literatura não é diferente, pois muitas são as
dificuldades encontradas pelo professor para fazer com que o aluno entenda e
consequentemente valorize e goste de Literatura, que a reconheça como parte
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integrante de uma cultura e expressão de sentimento e visão do artista, que de
uma forma singular e especial consegue representar suas emoções, bem como
as emoções alheias.
Aliás, a este respeito, é oportuno transcrever o que Freud, pioneiro nas
investigações modernas sobre a alma humana, escreveu numa carta:
Os poetas e romancistas são aliados preciosos, e seu testemunho deve ser tido em alta estima, pois eles conhecem, entre o céu e a terra, muitas coisas com as quais nossa sabedoria escolar não poderia sequer sonhar. Eles são para nós, que não passamos de homens vulgares, mestres no conhecimento da alma, pois se banham em fontes que ainda não se tornaram acessíveis à ciência. (Apud PRAXEDES, 2002)
Quando se fala em artista, entende-se também o compositor e cantor
de músicas brasileiras ou internacionais, muitas vezes diretamente associadas
a um determinado contexto histórico e social. Porém, com a avalanche de
músicas sem um conteúdo significativo, que invadem o dia a dia dos jovens e
adolescentes, torna-se mais difícil fazer com que reconheçam a poesia contida
em muitas letras de canções. Cada vez mais surgem músicas “descartáveis”,
com seus “quinze minutos de sucesso”, que são ouvidas durante algumas
semanas ou meses e logo caem no esquecimento, e os alunos não se dão
conta de que são vítimas desse comércio desenfreado.
Neste contexto aparece o tema “mulher”, que está presente na poesia
e na música, e percebe-se a necessidade de se debater com os alunos as
várias formas como a mulher é representada, pois é incontestável a influência
que a mídia exerce sobre nossos jovens, e diante de tantas e contraditórias
imagens, muitas vezes “o ser mulher” acaba comprometido por conceitos
preestabelecidos e eticamente questionáveis, o que pode levar a uma inversão
dos verdadeiros valores.
A Literatura na Escola
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Acredita-se que a escola ainda é o espaço propício para que a criança,
o adolescente e o jovem se apropriem não somente do conteúdo específico de
cada disciplina, mas principalmente de uma visão interdisciplinar e crítica para
que possam filtrar e avaliar devidamente o que é lançado pela mídia como
“verdade”.
Considerando a importância da Literatura e da Música para a formação
integral do educando, a escola deve incentivar a prática pedagógica
fundamentada em diferentes metodologias, valorizando as diversas
concepções de ensino e adequadas estratégias.
A escola é o espaço privilegiado para a aquisição do conhecimento
historicamente produzido pelo homem e para a construção de novos
conhecimentos. Assim, a escola deve propiciar ao aluno uma visão ampla de
tudo o que o cerca, independente de qual seja a sua condição social,
econômica ou cognitiva. Os conteúdos trabalhados devem proporcionar ao
educando condições de analisar criticamente a sociedade, suas conquistas e
contradições. É do saber especializado e acumulado pela humanidade que
devem ser extraídos os conceitos e os princípios a serem ensinados ao aluno.
Se todo cidadão é, em grande parte, o resultado da época em que vive
e do meio social que o envolve, por sua vez, suas ideias e atitudes são
capazes de transformar esse meio. O acesso ao conhecimento o capacita a
propor mudanças na sociedade em que está inserido.
Desta forma, o estudo da Literatura não pode e não deve se identificar
com decorar datas e nomes, nem conceitos preestabelecidos, como se estes
fossem dogmas intocáveis e imutáveis. Devem-se priorizar atividades que
ofereçam ao aluno condições de refletir a respeito da sociedade a partir de uma
obra literária, relacionando-a a acontecimentos socioculturais, a valores,
reconhecendo que as palavras são carregadas de conteúdos ideológicos.
Assim, o estudo da Literatura pode ajudar os alunos a melhor compreenderem
a si próprios, bem como a sua comunidade e ao mundo.
Neste sentido, assim as Diretrizes Curriculares da Educação Básica,
Língua Portuguesa (2008b) sintetizam as posições de Antonio Candido, que
atribui três principais funções para a Literatura:
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Para Candido (1972), a literatura é vista como arte que transforma/humaniza o homem e a sociedade. O autor atribui à literatura três funções: a psicológica, a formadora e a social. A primeira, função psicológica, permite ao homem a fuga da realidade, mergulhando num mundo de fantasias, o que possibilita momentos de reflexão, identificação e catarse. Na segunda, Candido afirma que a literatura por si só faz parte da formação do sujeito, atuando como instrumento de educação, ao retratar realidades não reveladas pela ideologia dominante. A função social, por sua vez, é a forma como a literatura retrata os diversos segmentos da sociedade, é a representação social e humana. Candido cita o regionalismo para exemplificar essa função. (PARANÁ, 2008b, p. 58-59).
O estudo de uma determinada obra literária, poema ou letra de música,
deve proporcionar ao educando oportunidade de sentir e expressar o que
sente, ampliar seus sentidos, bem como refletir sobre a ideologia expressa pelo
autor. A partir da análise, reflexão e debate, o aluno será capaz de
compreender melhor a realidade que o cerca, aguçar seu espírito crítico, e
também perceber as relações de poder, reconhecendo-se como sujeito que
pode e deve interferir na sociedade.
A Música
A criança já chega à escola com significativa carga de cultura musical
advinda de diferentes fontes: é-lhe é repassada pelos familiares, tais como as
canções de ninar, as cantigas de roda e canções folclóricas (estas, muito
comum entre imigrantes, por exemplo), mas há também as que ouve no rádio e
na tevê, assim como na sua comunidade religiosa (quando é o caso),
formando, à sua maneira, o seu incipiente gosto musical. Como bem observam
e alertam as Diretrizes Curriculares da Educação Básica, Arte (2008a):
Desde o nascimento até a idade escolar, a criança é submetida a uma grande oferta musical que tanto compõe suas preferências relacionadas à herança cultural, quanto interfere na formação de comportamento e gostos instigados pela cultura de massa. Por isso, ao trabalhar uma determinada música, é importante contextualizá-la, apresentar suas características específicas e mostrar que as influências de regiões e povos misturam-se em diversas composições musicais. (PARANÁ, 2008a, p. 75, grifos nossos).
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A música brasileira faz parte da história do nosso país. A variedade de
ritmos que se tem é o resultado da nossa colonização e miscigenação
sociocultural. Em função desta realidade, muitos são os estilos musicais que a
nossa cultura apresenta, despertando, portanto, um variado gosto musical.
Pode-se afirmar que atualmente o gosto musical está fortemente ligado
à mídia. Começando pelas crianças, passando pelo jovem e chegando até os
adultos, observa-se que ouvem, cantam e dançam as músicas veiculadas nas
novelas, nos programas de auditório, nos comerciais, sem nenhuma
consciência de que estão sendo alvos de um capitalismo exacerbado que visa
exclusivamente o lucro.
Até poucas décadas atrás, costumava-se situar tipos de diferentes
músicas para determinadas faixas de idade e mesmo para diferentes classes
sociais. Hoje, dada a produção midiática massiva, isso parece ultrapassado,
sobretudo nos ambientes urbanos, e é evidente que há uma forte tendência
para a socialização e homogeneização do padrão de gosto musical, como
apontam tantos estudiosos do fenômeno da cultura de massa em nosso país.
Os nossos jovens são bombardeados por letras de músicas que,
desprendidas de sentido e conteúdo, acabam desvirtuando o conceito de
música como expressão artística de qualidade. Dentro deste contexto, o
professor deve dar condições ao aluno de analisar os diferentes estilos
musicais, sem pretensão de rejeitar as variedades musicais, mas para
despertar uma visão crítica em relação aos estilos divulgados maciçamente
pela mídia.
A música tem um imenso potencial educativo, já que está vinculada a
conhecimentos socioculturais, históricos e até mesmo científicos. Também é
um instrumento importante de integração intra e interpessoal. A interação entre
letra de música e poema é um facilitador do ensino-aprendizagem, propiciando
maior comunicação entre alunos e professor, favorecendo a postura crítica e
criativa, aspecto essencial para a formação de uma mente investigativa, que
não se contenta com respostas prontas e definitivas, mas se direciona para a
pesquisa e para a criação do conhecimento.
Repensar o ensino da Literatura no Ensino Médio, vinculado à análise
interpretativa de letras de música, implica pensar também as contradições e as
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diferenças que fazem parte da contemporaneidade. A partir desta análise,
procurar tornar o ensino da Literatura uma opção para ampliar a visão crítica
dos alunos em relação a acontecimento sociais e artísticos que ocorreram ao
longo da História, para que passem a reconhecer a importância da Arte (no
caso específico, a Literatura e Música) como a representação dos diversos
segmentos da sociedade.
O projeto em ação
O nosso projeto, provocadoramente intitulado “De ‘deusa’ a
‘cachorra’: figurações da mulher em letras de canções e poemas.” foi
desenvolvido com alunos de uma das 3ª séries do Ensino Médio, período
diurno, do Colégio Estadual Manoel Antonio Gomes, do município de Reserva,
PR. A finalidade deste trabalho era contribuir para ampliar a visão que os
alunos tinham sobre a poesia brasileira e também levá-los a uma criticidade em
relação às letras de músicas veiculadas pela mídia, propiciando-lhes, neste
contexto, a oportunidade de analisarem interpretativamente como o tema
“mulher” é apresentado tanto nos poemas como nas letras de canções.
Inicialmente foi aplicado um questionário de sondagem para que se
pudesse ter uma noção do quanto os alunos leem, o que leem, se gostam de
poesia, de quais estilos musicais gostam, quem ou o que os influenciou quanto
ao gosto musical e como eles veem a abordagem do tema “mulher” nestes dois
gêneros.
Na primeira aula, a sala foi ornamentada com as mais diversas
gravuras, textos, poemas, letras de canções, que apresentavamm o tema
“mulher”, para que os alunos ao chegarem à sala pudessem circular e observar
as gravuras e ler os textos expostos. Após este momento, foram questionados
sobre o que observaram de comum entre os cartazes e os textos. Chegaram à
conclusão de que a “mulher” era o tema principal. Dando sequência, os alunos
oralmente comentaram o que viram, o que leram, expressaram opiniões,
questionamentos, etc.
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À medida que os alunos foram falando, o professor registrava no
quadro de forma sintetizada as ideias levantadas relacionadas à “mulher”,
permitindo aos alunos terem uma abordagem bem ampla sobre o tema.
Em seguida ouviu-se a música Mulher de fases, do grupo Capital
Inicial, e houve um tempo livre para discussão sobre a letra dessa música,
sempre relacionando-a com o que já havia sido comentado anteriormente.
A partir dessa discussão, os alunos foram divididos em grupos e cada
um leu outras letras de músicas com o tema “mulher”. Discutiram e depois
apresentaram ao grande grupo: o que acharam do texto, qual a sua ideia
principal e quais discussões surgiram, etc. Quanto ao autor da música, quem
canta, e outros dados, eles pesquisaram e trouxeram na aula seguinte.
Na sequência assistiram ao vídeo Decadência da música brasileira.
Percebam que, no caso das músicas apresentadas no vídeo, houve certa
“degradação “ da imagem da mulher, que passa de “deusa” a “cachorra”.
Na outra aula, leram poemas de poetas brasileiros que apresentam a
mulher como tema principal. Para uma interpretação mais completa, leram o
poema O casamento, de Adélia Prado. A interpretação deste poema e a leitura
de outros que falam da mulher levaram os alunos a debaterem o tema e a
reconhecerem a literatura como humanizadora, descobrindo que a partir de
textos literários é possível refletir, adquirir saber, penetrar nos problemas
humanos, despertar o senso do belo, perceber a complexidade do mundo e
das pessoas, enfim, admitir que “A literatura desenvolve em nós a quota de
humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para
a natureza, a sociedade, o semelhante.” (CANDIDO, 1995, p. 249).
Como trabalho final, os grupos escolheram uma das propostas
sugeridas pelo professor para apresentar o tema “mulher”. Dentre as propostas
estavam: paródias, declamação de poemas de suas autorias ou não,
teatralização, entrevistas, vídeos, documentários, músicas, debates. As
apresentações foram feitas para as outras 3ª séries do mesmo Colégio.
Foi possível perceber, através do questionário, que a grande maioria
dos alunos ouve música diariamente, porém a leitura de poesia é muito rara,
normalmente quando é uma exigência do professor de Literatura. Os alunos
reconhecem que a mídia exerce uma forte influência no gosto musical dos
adolescentes e que as letras das músicas veiculadas são, na sua maioria,
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românticas e abusadas, retratando a mulher como um objeto de prazer,
manipulável, sensual, vulgar, infiel, inconstante. Foram marcadas as opções
que apresentavam as características “negativas” em relação à mulher. Quanto
à questão que perguntava se eles tinham algum poeta de sua preferência, uma
minoria respondeu “sim” e citaram Cecília Meireles, Vinícius de Moraes,
Fernando Pessoa, Manuel Bandeira e Mário Quintana.
As atividades que foram trabalhadas a partir de músicas que
apresentavam como tema “a mulher” despertaram muito a atenção dos alunos,
que participaram de forma bem positiva, debatendo sobre o tema. Ficaram bem
atentos ao vídeo Decadência da música brasileira, o qual apresentou uma
retrospectiva de músicas que abordavam a “mulher” desde 1940 a 2006. Ao
observarem de forma mais atenta os adjetivos dados à mulher, nas músicas de
décadas diferentes, concluíram que a mulher era mais respeitada, valorizada,
“endeusada”, e que a própria mulher tem uma grande parcela de culpa nesta
”desvalorização”, pois, de certa forma, permitiu essa situação.
A partir do vídeo, os alunos responderam a um questionário. E quando
perguntados sobre ser atribuído à mulher esta certa “decadência do
romantismo” nos relacionamentos, a maioria, principalmente das alunas,
afirmaram ser a mulher a principal culpada: “... com o tempo a mulher acabou
se desvalorizando e com isso os homens foram deixando de lado a magia do
romantismo pela facilidade da conquista.”
Atendendo à proposta, os alunos, divididos em equipe, deram
continuidade ao vídeo, apresentando músicas até 2012. Foi muito válido, pois
perceberam que há músicas que desvalorizam a mulher, porém há aquelas que
ainda a exaltam.
A leitura e interpretação dos poemas que apresentavam a mulher como
tema, acredita-se que colaboraram para que os alunos ampliassem seu
conceito de Literatura, porque perceberam-na como humanizadora, pois
conseguiram a partir dos poemas debater vários temas atuais relacionados à
mulher, como a independência feminina, a lei Maria da Penha, gravidez na
adolescência, supervalorização da aparência, distinção entre sensualidade e
vulgaridade, etc.
Como encerramento do projeto, os alunos apresentaram várias
atividades a partir do tema “mulher”. Apresentaram a biografia de mulheres que
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marcaram a história, tais como: Cecília Meireles, Cora Coralina, Carmen
Miranda, princesa Isabel, princesa Diana, entre outras. Foi um trabalho bem
interessante, pois a maioria das mulheres biografadas não eram do
conhecimento dos demais alunos. E os próprios alunos que apresentaram esta
atividade tiveram que pesquisar sobre as mulheres que se destacaram na
História; muitas delas viveram no anonimato. A partir desta pesquisa e
apresentação foi possível motivar um debate sobre as mulheres exaltadas pela
mídia que, na maioria das vezes, ficam famosas não por suas atitudes, mas
simplesmente pela aparência física “perfeita” ditada pela própria mídia.
Uma equipe formada apenas por meninos cantou a música Mulher, de
Elba Ramalho: “De um lado é corpo e sedução do outro força e coração. É fera
e sabe machucar mas é a primeira a te curar. Sempre faz o que quer ninguém
pode impedir. E assim começo a definir Mulher.” Foi possível perceber que os
alunos entenderam que há várias figurações da mulher e que a mídia, na
maioria das vezes, explora a “mulher objeto”, “mulher prazer”, ”mulher
aparência”.
Houve equipes que optaram por fazer poemas que abordassem a
mulher. Surgiram versos como: “Mulher não é palavra/ mulher é sinceridade.”
“Mulher pode até não entender algumas coisas, mas as aceita como ato de
amor.” "Mulher que tem o dom da vida nas mãos/ luta para ganhar o pão.”
Houve um grupo de alunas que aproveitou os poemas trabalhados em
sala: Retrato e Mulher ao espelho, de Cecília Meirelles, Soneto do amor
total, de Vinícius de Moraes, para serem lidos a algumas mulheres. E depois
de lerem os poemas, fizeram uma entrevista com tais mulheres. Importante
destacar que eram mulheres com idades bem distintas. Ao relatarem a
experiência ao grupo, as alunas destacaram a alegria das mulheres ao ouvirem
os poemas; e que todas deixaram aparente a emoção que sentiram ao ouvir os
poemas. Fizeram comentários sobre cada um deles. Acredita-se que os alunos
mais uma vez perceberam que a Literatura não é algo isolado, mas uma arte
que vem do mundo real, que expressa esteticamente realidades vividas pelo
ser humano em diferentes épocas.
Considerações finais
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Considerando o objetivo geral do projeto, que era oportunizar aos
alunos, através de pesquisas, leituras, audição de músicas e debates, a
apreciação artística e crítica de poemas e letras de canções que tematizassem
diferentes figurações da “mulher”, visando ampliar e aperfeiçoar, desta forma, a
sua visão de mundo, o seu senso crítico e a sua sensibilidade estética, pode-se
dizer que este objetivo foi alcançado, pois foi possível perceber através dos
trabalhos finais que os alunos foram capazes de expressar de uma forma
crítica o tema “mulher”.
Neste sentido podemos compreender o caráter provocativo que a obra
literária contém, conforme as palavras dos autores das Orientações
Curriculares para o Ensino Médio quando reconhecem que:
A leitura do texto literário é, pois, um acontecimento que provoca reações, estímulos, experiências múltiplas e variadas, dependendo da história de cada indivíduo. Não só a leitura resulta em interações diferentes para cada um, como cada um poderá interagir de modo diferente com a obra em outro momento de leitura do mesmo texto. (BRASIL, 2006, p. 67).
Através deste trabalho foi possível confirmar o quanto a Literatura e a
Música são importantes para a formação integral do educando, e que a escola
deve incentivar a prática pedagógica fundamentada em diferentes
metodologias, valorizando as diversas concepções de ensino e ativando as
mais variadas estratégias.
É importante que o educador conheça mais seus alunos e parta, em
sua práxis pedagógica, da realidade deles, procurando saber quais seus
interesses, suas preocupações, seus gostos, seus valores, seu universo, enfim!
A partir dessa realidade, contribuir para que o educando amplie seus
horizontes, procurando compreender a si, a seus semelhantes e à sociedade
com maior conhecimento de causa, mais profundidade e senso crítico.
Nesta perspectiva, pode-se perceber o quanto os alunos se sentem
motivados e se envolvem no seu próprio processo educativo, revelando seus
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potenciais de conhecimento, de senso de pesquisa, de iniciativa, criatividade,
empenho, coleguismo, abertura ao social...
A escola é o espaço propício para o conhecimento historicamente
produzido pelo homem e para a construção de novos conhecimentos. Assim, a
escola deve oportunizar ao aluno uma visão ampla de tudo o que o cerca,
independente de qual seja a sua condição social, econômica ou cognitiva. Os
conteúdos trabalhados devem proporcionar ao educando condições de analisar
criticamente a sociedade, suas conquistas e contradições.
Se todo cidadão é, em boa parte, o resultado da época em que vive e
do meio social que o envolve, por sua vez, suas ideias e atitudes são capazes
de transformar esse meio. O acesso ao conhecimento o capacita a propor
mudanças na sociedade em que está inserido.
Desta forma, no estudo da Literatura devem-se priorizar atividades que
ofereçam ao aluno condições de refletir a respeito da sociedade a partir de uma
obra literária, relacionando-a a acontecimentos socioculturais, a problemas,
interesses, valores, atitudes, reconhecendo que as palavras são carregadas de
conteúdos ideológicos. Como alertam os autores das Orientações
Curriculares para o Ensino Médio:
A palavra plural, disseminadora de sentidos, requer uma leitura também ela múltipla, não mais regulada pela busca do significado único ou pela verdade interpretativa, mas atenta às relações e às diferentes vozes que se cruzam nos textos literários. (BRASIL, 2006, p. 66)
A Arte é um caminho para a compreensão da História e da sociedade
numa dimensão ampla, extrapolando o senso comum. A Música, enquanto
Arte, também oferece a oportunidade de análise interpretativa e crítica,
inclusive propicia um questionamento pessoal, confirmando ou contrariando o
que se tem por “verdade”.
É de se concordar com Antonio Candido (1995) na sua defesa de que a
Literatura (e, por extensão, as Artes em geral) tem a capacidade de transformar
o ser humano justamente por ser capaz de humanizá-lo!
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O estudo de uma determinada obra literária, poema ou letra de música,
deve proporcionar ao educando oportunidade de sentir e expressar o que
sente, ampliar seus sentidos, bem como refletir sobre a ideologia expressa pelo
autor, levando em conta uma adequada contextualização. A partir da análise,
reflexão e debate, o aluno será capaz de compreender melhor a realidade que
o cerca, aguçar seu espírito crítico, e também perceber as relações de poder,
reconhecendo-se como sujeito que pode e deve interferir na sociedade.
Os nossos jovens são bombardeados por letras de músicas que,
desprendidas de sentido e conteúdo, acabam desvirtuando o conceito de
música como legítima expressão artística. Dentro deste contexto, o professor
deve dar condições ao aluno de analisar os diferentes estilos musicais, sem
pretensão de rejeitar as variedades musicais, mas para despertar uma visão
crítica em relação aos estilos divulgados maciçamente pela mídia.
A escola deve ser o espaço que propicia o confronto entre o
conhecimento que o aluno traz do seu cotidiano e o conhecimento
sistematizado. A televisão e os meios de comunicação eletrônicos influenciam
a educação e o processo de ensino-aprendizagem, portanto, a escola precisa
estar consciente da necessidade de educar para a mídia, desenvolvendo uma
visão mais crítica dos conteúdos veiculados por ela.
Este trabalho proporcionou ao professor repensar o trabalho com a
Literatura no Ensino Médio, vinculado à análise interpretativa conjunta de
poemas e de letras de música. Foi possível pensar também as contradições e
as diferenças que fazem parte da contemporaneidade. O ensino da Literatura é
uma opção para ampliar a visão crítica dos alunos em relação a acontecimento
sociais e artísticos que ocorreram ao longo da História, para que passem a
reconhecer a importância da Arte como importante representação do universo
interior do indivíduo e de sua dimensão social.
Referências
AGUIAR, Joaquim. A poesia da canção. São Paulo: Scipione, 1993. Coleção Margens do texto.
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BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. 20 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. BELLONI, Maria Luíza. O que é mídia-educação. 2 ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2005. Coleção Polêmicas do nosso tempo, 78.
BRASIL: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Básica. Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC, 2006. 239 p. (Orientações curriculares para o ensino médio; volume 1).
CANDIDO, Antonio. Vários escritos. 3 ed. revista e ampliada. São Paulo: Duas Cidades, 1995. PARANÁ, SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO. Diretrizes Curriculares da Educação Básica. Arte. Curitiba: SEED, 2008a. _____________________________________________. Diretrizes Curriculares da Educação Básica. Língua Portuguesa. Curitiba: SEED, 2008b. PRAXEDES, Walter Lúcio de Alencar. Para que serve a literatura. Revista Espaço Acadêmico – Ano II – Nº 15 – Agosto de 2002. Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/015/15wlap.htm Acesso em: 4 jun. 2012.