UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
CURSO DE PSICOLOGIA
RESPOSTAS EMOCIONAIS DOS FAMILIARES DE PACIENTES
INTERNADOS NA UTI FRENTE À HOSPITALIZAÇÃO
SILVIA CLEMES PESCADOR
Itajaí, (SC) 2008
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SILVIA CLEMES PESCADOR
RESPOSTAS EMOCIONAIS DOS FAMILIARES DE PACIENTES
INTERNADOS NA UTI FRENTE À HOSPITALIZAÇÃO
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí Orientador: MSc. Giovana Delvan Stühler
Itajaí, (SC), 2008
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Dedico esta monografia à minha avó Santina
Mansueta Pescador, que completou 99 anos e que,
por muitas vezes, já foi um familiar de paciente
internado na UTI. As dificuldades da vida somadas
à sua força e coragem fizeram com que a senhora
se tornasse um exemplo de mulher pra mim.
Te amo muito, Vó. Tudo que eu fizer com o objetivo
de ajudar as pessoas que passam por dificuldades
será apoiada nos seus ensinamentos.
Obrigada por existir na minha vida.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais Odete Clemes Pescador e Nério Antônio Pescador
pelo amor e pela educação. Ao meu irmão Guilherme Clemes Pescador por
compreender meus momentos de mau humor e estresse, por sua companhia,
preocupação e alegria em todos os momentos difíceis de nossa vida. À minha
madrinha Lourdes Pescador pela compreensão e pelo amor de cada dia.
Agradeço ao meu namorado Thiago Olante Casagrande pelo amor, pelo zelo,
pelas palavras de conforto e pelo colo que recebo há tantos anos. Obrigada também
pela compreensão nos momentos difíceis desta etapa.
Agradeço ao meu afilhado Lucas Pescador por me transformar numa criança,
esquecer dos problemas e fazer meus dias ficarem mais coloridos.
Agradeço aos meus amigos Bruno Zanotti, Daiana Kroth, Daniane Gomes,
Priscila Kramer e Veridiane Rodrigues pela amizade tão verdadeira e por todo
carinho que vocês têm por mim. Ao meu amigo Juliano Ghisi pelas horas de escuta
nos momentos difíceis e pelas palavras confortantes. Às minhas amigas e colegas
Raquel Vicenço e Tamara Maciel pela escuta e pela ajuda na busca subsídios para
ultrapassar os obstáculos.
Agradeço a todos os familiares de pacientes internados na UTI que tive
contato, mesmo aqueles que não participaram da pesquisa, pela simpatia e carisma
com que me receberam.
Agradeço à minha orientadora Professora Giovana Delvan Stühler por dividir
seus conhecimentos comigo e por me auxiliar na realização desta monografia.
Agradeço a Deus por colocar todas estas pessoas, e tantas outras que não
pude citar, no meu caminho para que eu me fortalecesse na vida e fosse capaz de
realizar um trabalho como este.
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SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................................. 6
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................. 7
2. OBJETIVOS..................................................................................................... 9
2.1. Objetivo Geral ..................................... .................................................... 9
2.2. Objetivos Específicos.............................. ............................................... 9
3. EMBASAMENTO TEÓRICO .......................................................................... 10
3.1. Saúde e Doença ..................................... ............................................... 10
3.2. O Hospital e a Psicologia Hospitalar............... .................................... 13
3.3. Unidade de Terapia Intensiva ....................... ....................................... 15
3.4. Sistema familiar................................... .................................................. 17
3.5. Análise do Comportamento ........................... ...................................... 19
4. ASPECTOS METODOLÓGICOS................................................................... 21
4.1. Participantes da pesquisa.......................... .......................................... 21
4.2. Instrumento ........................................ ................................................... 22
4.3. Coleta dos Dados................................... ............................................... 23
4.4. Análise dos Dados.................................. .............................................. 23
4.5. Trajetória da Pesquisadora ......................... ......................................... 24
4.6. Procedimentos Éticos ............................... ........................................... 25
5. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS .............................. 26
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 41
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................... 46
8. APÊNDICES .................................................................................................. 50
8.1. APÊNCIDE 01 ........................................................................................ 51
8.2. APÊNDICE 02 ........................................................................................ 52
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RESPOSTAS EMOCIONAIS DOS FAMILIARES DE PACIENTES IN TERNADOS
NA UTI FRENTE À HOSPITALIZAÇÃO
Orientador: MSc. Giovana Delvan Stühler Defesa: março de 2008.
Resumo: A UTI é um setor diferenciado do hospital, onde os cuidados são intensivos e específicos. A possibilidade de recuperação e de sobrevivência do paciente internado está sempre em dúvida, gerando, na família que o acompanha, sentimentos de ansiedade, medo, angústia, tristeza, alívio, raiva, desespero, dentre outros, dependendo da relação que estes têm com a pessoa internada e do papel da mesma no sistema familiar. Diante da internação de um membro deste sistema, a família sofre uma crise, tendo que encontrar um novo ponto de equilíbrio. Neste sentido, o presente estudo teve como objetivos: identificar as respostas emocionais dos familiares de pacientes internados na UTI de um hospital geral; analisar até que ponto a organização do sistema familiar contribui para o aparecimento destas respostas; identificar o conhecimento que os familiares têm acerca do quadro clínico e do tratamento de seu familiar. Participaram da pesquisa sete familiares e utilizou-se como instrumento de coleta de dados a entrevista semi-estruturada, cujos resultados foram classificados em três categorias: Sentimentos frente à internação, Sistema familiar e Conhecimento do quadro clínico. Utilizou-se como aporte teórico a Análise do Comportamento. Foi possível observar que os familiares demonstraram mais sentimentos negativos, tal como preocupação, pena, saudade, impotência, sensibilidade, angústia, abatimento, ansiedade, tristeza, impacto e dificuldade, do que sentimentos positivos, como fé, esperança, ânimo, alívio e superação. A organização do sistema familiar influenciou nas respostas emocionais, de modo que o bom relacionamento familiar pode gerar sentimentos de luto, porém os sentimentos de luta foram mais relevantes no sentido de promover subsídios para a reorganização do sistema familiar. Verificou-se também que o conhecimento do quadro clínico influencia no aparecimento de respostas emocionais positivas. Palavras-chave: Análise do comportamento; familiares de pacientes internados na UTI; respostas emocionais.
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1. INTRODUÇÃO
A presente pesquisa é pré-requisito básico para obtenção do título de
Psicólogo e visou estudar as respostas emocionais dos familiares de pacientes
internados na UTI.
A Psicologia na UTI desperta a atenção para uma investigação, pois a UTI é
um setor diferenciado dos outros. Neste local o tratamento é mais específico e
intensivo, independente da procedência do paciente, seja ele pós-cirúrgico, terminal
ou em estado grave com possibilidade de recuperação. É o único setor que
equipamentos como respirador mecânico, monitor cardíaco, oxímetro, nebulizador,
bomba de infusão, e outros, fazem parte dos cuidados especiais que são dedicados
a estes pacientes.
Ao contrário de uma internação de pacientes em outro setor do hospital, o
paciente internado na UTI, na maioria das vezes, encontra-se em estado de coma,
seja ele induzido ou não, restritos ao leito, sem acompanhante, sendo que sua
higiene pessoal e alimentação são realizadas por profissionais da saúde no próprio
leito. O estar doente e a hospitalização são variáveis que influenciam na
vulnerabilidade emocional do sujeito. Quando este sujeito sofre de uma doença ou
acidente graves e é necessário que seja internado na UTI, esta internação é do tipo
não-planejada e junto com ela surgem as dúvidas sobre a recuperação deste
paciente, os cuidados, dentre outras. Não podemos esquecer que este paciente não
vem sozinho, junto com ele estão seus familiares (AGOSTINHO; PREGNOLATTO,
2003).
Santos e Sebastiani (1998), afirmam que a família é um sistema de relações
fechado e interdependente, cada membro possui seu papel no equilíbrio da mesma,
dependendo, assim, uns dos outros para manter o sistema. Portanto, quando a
família está privada de um de seus componentes, privação imposta pelos limites da
doença do familiar afetado, esta se desequilibra por perder um dos seus pontos de
referência e sustentação. Esta crise provoca uma grande movimentação no sistema
familiar em busca de uma adaptação e reorganização com o objetivo de resgatar seu
equilíbrio. A identidade e integridade deste sistema encontram-se ameaçadas,
podendo gerar sensações e comportamentos dos mais diversos em relação tanto à
pessoa que adoeceu, quanto à equipe de saúde, o tratamento e a eles próprios.
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A internação de um membro do sistema familiar pode gerar, não somente no
indivíduo como também na família, sentimentos de ansiedade, medo, angústia,
tristeza, alívio, raiva, desespero, dentre outros, dependendo da relação que estes
têm com a pessoa internada e do papel da mesma no sistema. Além do
desequilíbrio, a família vivencia a incerteza da recuperação de seu parente e busca
obter informações com os profissionais sobre o diagnóstico, a recuperação e os
cuidados prestados. Têm que conviver com a idéia de morte que se torna constante
pela gravidade do diagnóstico e respeitar as regras da instituição como, por
exemplo, o horário de visita.
Percebendo a importância de mais pesquisas e trabalhos científicos neste
setor, especificamente em relação aos familiares de pacientes internados, buscou-
se, através desta pesquisa, identificar quais são as respostas emocionais dos
familiares de pacientes internados na UTI, bem como analisar até que ponto a
organização do sistema familiar e o conhecimento que os familiares de pacientes
internados na UTI possuem acerca do quadro clínico e do tratamento de seu familiar,
contribuem para o aparecimento e manutenção de respostas emocionais. Acredita-
se que, através deste conhecimento, possam ser identificados outros fazeres do
psicólogo a respeito do universo afetivo dos familiares, assim como refletir sobre a
necessidade de ambientes mais humanizados no contexto hospitalar que observem
a integralidade do ser humano.
A presente pesquisa será apresentada da seguinte forma: na primeira parte
segue o capítulo do embasamento teórico, no qual são abordados os temas saúde e
doença, o hospital e a psicologia hospitalar, unidade de terapia intensiva, sistema
familiar e análise do comportamento. O próximo capítulo trata sobre os aspectos
metodológicos, ou seja, a descrição do método utilizado, os participantes, o
instrumento, a coleta de dados, a análise dos dados e a trajetória da pesquisadora, e
os procedimentos éticos envolvidos neste estudo. Por fim segue a apresentação, a
discussão dos resultados e as considerações finais.
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2. OBJETIVOS
2.1. Objetivo Geral
- Identificar as respostas emocionais dos familiares de pacientes internados na UTI
diante da hospitalização.
2.2. Objetivos Específicos
- Analisar até que ponto a organização do sistema familiar contribui para o
aparecimento de respostas emocionais dos familiares de pacientes internados na
UTI;
- Identificar se o conhecimento que os familiares de pacientes internados na UTI têm
acerca do quadro clínico e do tratamento de seu familiar influencia no aparecimento
e manutenção de respostas emocionais.
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3. EMBASAMENTO TEÓRICO
3.1. Saúde e Doença
As primeiras representações de saúde e doença surgiram ainda entre os
povos sem escrita, onde a doença era vista como o resultado de influências de
entidades sobrenaturais. Os antigos povos da Mesopotâmia acreditavam em uma
sociedade sobrenatural de “deuses” tidos como demônios que se apossavam dos
corpos dos indivíduos mais fracos, provocavam as doenças e deviam ser
exorcizados (Sevalho, 1993). A visão de doença, apontada por Laplantine (1991),
partia da crença religiosa, como uma maldição ou punição, era entendida como obra
dos deuses, fruto do humor divino, e o homem nada poderia fazer para evitar.
Entretanto, ainda hoje certos aspectos de caráter religioso, maldições ou castigos,
prevalecem nas representações de saúde e doença.
Sevalho (1993) diz que na civilização egípcia este caráter religioso dividiu
espaço com uma naturalização da saúde/doença, onde as primeiras noções de
infecção foram observadas. Acreditavam em um princípio chamado por eles de
whdw, que poderia chegar ao sangue levando ao apodrecimento do corpo. Esta
naturalização foi passada aos gregos através da perspectiva humoral defendida por
Hipócrates que, por sua vez, afirmava que o corpo humano é formado por quatro
fluídos (bile amarela, bile negra, fleuma e sangue), sendo a saúde o equilíbrio destes
líquidos e a doença o desequilíbrio, ou seja, a predominância de algum dos humores
sobre os demais.
Deste modo, os gregos hipocráticos acreditavam em sistemas de
correspondência entre os elementos do corpo e da natureza, onde quatro humores
corporais correspondiam à água, à terra, ao fogo e ao ar. O equilíbrio deveria ser
buscado através de cuidados com o corpo, hábitos alimentares e exercícios físicos,
em uma convivência harmônica com o ambiente. Mais tarde, no século XVII, o
surgimento do dualismo mente e corpo, proposto por Descartes, facilitou os estudos
da anatomia humana, fazendo com que as doenças fossem relacionadas aos órgãos
(SEVALHO, 1993).
O mesmo autor segue explicitando que, na Idade Média, a forte influência
católica manteve a concepção da doença como conseqüência do pecado e a cura
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como questão de fé. Os hospitais se aproximavam mais de casas de abrigo e de
exclusão social do que locais de recursos terapêuticos e o objetivo maior desta
instituição eram garantir benefícios e salvação no âmbito religioso para aqueles que
ajudavam os enfermos.
Scliar (2007) cita que o avanço da ciência, tal como a descoberta do
microscópio, possibilitou o conhecimento de microorganismos causadores de
doença, além da criação de soros e vacinas para combatê-los. Este e os demais
avanços da tecnologia modificaram também o modo de lidar com a morte, afirma
Campos (1995), já que anteriormente, o momento da morte era compartilhado por
toda comunidade, e a tristeza e a dor, eram expressas. Atualmente, em decorrência
dos novos recursos da medicina, a sociedade deixa o enfermo solitário no momento
de sua morte, muitas vezes num leito de hospital. As crianças são privadas do
contato com o doente por medo de que possam ser influenciadas negativamente no
seu desenvolvimento, a tristeza e a dor são mascaradas, dificultando na elaboração
do luto.
Todavia, a evolução das discussões sobre saúde e doença não havia
proporcionado, até então, um conceito elaborado de saúde. Scliar (2007) expõe que
somente depois da Segunda Guerra Mundial foram fundadas a Organização das
Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) e pôde-se criar um
conceito universal de saúde. Tal conceito foi divulgado em sete de abril de 1948
como sendo a saúde um completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a
ausência da enfermidade, sendo posteriormente alvo de críticas por seu caráter
idealista. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, artigo 196, evita
discutir o conceito de saúde, mas afirma que: "A saúde é direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para a promoção, proteção e recuperação".
Segundo Campos (1995), a história nos mostra que o homem sempre lutou
contra a doença e, conseqüentemente, contra a morte também. Considerando a
doença como um inimigo que deve ser estudado, localizado e combatido, surgiram
os medicamentos e os profissionais de saúde para auxiliar neste combate. Na
maioria das vezes, a doença impede ou, ao menos, prejudica a vida do indivíduo, no
que diz respeito, não somente, ao seu trabalho ou estudo, mas também podendo
isolá-lo do convívio com seus amigos e familiares. É necessário pensar o homem
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como um ser singular em seu modo de ser e adoecer, com características próprias
para encarar a experiência de estar doente.
Reis e Fradique (2003) afirmam que tanto os indivíduos saudáveis, quanto os
indivíduos doentes constroem significações sobre os processos de saúde e doença,
baseados na influência que recebem do contexto sociocultural, da época e da
sociedade que estão inseridos, tendo como objetivo dar significado às experiências.
Sintetizando dados de estudos e revisões de literatura no âmbito da Psicologia da
Saúde, os autores concluem que as significações possuem um papel importante nos
comportamentos dos indivíduos, tal como: na geração e manutenção dos processos
de doença e na facilitação dos processos de recuperação ou reabilitação; nas
expressões emocionais e processos de confronto relacionados aos processos de
saúde e doença; na base do bem-estar pessoal e podendo constituir um fator de
proteção das doenças; na promoção da saúde; na qualidade da relação técnico-
paciente e no processo de adesão às recomendações dos profissionais da saúde ou
às mensagens contidas nas campanhas de educação para a saúde.
As mudanças conceituais, observadas por Rangel (2005) sofrem certa
resistência pelos profissionais da saúde quanto à sua prática. Estas novas
concepções acerca dos processos de saúde/doença implicam em mudanças
significativas na relação entre os profissionais da saúde e seus pacientes. Para que
estas ações sejam efetivas, uma alternativa seria a qualificação destes profissionais
para que haja a compreensão e incorporação das novas concepções, levando em
conta a cultura, o meio social e a voz do paciente.
A experiência de saúde e doença, conforme Herzlich (2004), não passa
apenas pelo domínio privado, mas também pelo domínio público, os quais sofrem
transformações freqüentes. O corpo ainda pertence ao domínio privado, pois as
sensações ainda dizem respeito à intimidade, envolvendo até sigilo e rituais
individuais cotidianos. Entretanto, falar sobre corpos implica sua relação com o
domínio público, ao passo que a história de saúde/doença envolve a história do
contexto, dos países, das guerras, da sociedade em si.
Por muito tempo, a medicina ocidental tratou a doença, o órgão doente,
separando corpo e mente e esquecendo-se de considerar a história pessoal, familiar
ou social do indivíduo. Mas atualmente, em decorrência de estudos e pesquisas
científicas, a tendência é de valorizar os fatores externos, sendo avaliados e
entendidos em função da pessoa na expressão de sua doença (Campos,1995).
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Referente ao âmbito privado, Campos (1995, p.42) observa que “a doença
física é acompanhada de manifestações na esfera psíquica, ocasionando também
alterações na interação social. A doença provoca, precipita ou agrava desequilíbrios
psicológicos, quer no paciente, quer na família”. Neste sentido, o desequilíbrio
psicológico diz respeito às relações que uma pessoa mantém com o seu ambiente e
a forma como interpreta esta nova condição: estar doente. Então se comportará de
forma a modificar as relações com os demais e os familiares, por sua vez, terão seus
comportamentos alterados a partir desta mudança e poderão também apresentar
respostas emocionais decorrentes das relações que estabelecem com este novo
ambiente. A autora destaca que: “A saúde é um processo a ser adquirido e
conquistado em todos os momentos da vida, assim como as potencialidades para as
realizações. Pode-se dizer que ser saudável é uma conquista contínua e não algo
definitivo e eterno” (CAMPOS, 1995, p.50).
3.2. O Hospital e a Psicologia Hospitalar
Neder e Monteiro (2003) explicam que, a palavra hospital vem do latim,
hospitalis, adjetivo derivado de hospes (hóspede, estrangeiro, viajante), significando
também “o que hospeda” e não o que tem por objetivo o tratamento e a cura. Na
civilização greco-romana, a primeira organização de instituições foi destinada aos
cuidados e proteção de lutadores, cidadãos, escravos e soldados, constituída de
cômodos pequenos e dispostos em volta de um pátio.
O cristianismo tornou a assistência prestada por religiosos obrigatória a todos
os cidadãos, foram construídas junto aos mosteiros salas para o atendimento aos
doentes. A medicina e a prática religiosa se confundiam, considerava-se o corpo
humano como sagrado, não podendo ser aberto. A cura era feita pela fé, os doentes
suportavam seus sofrimentos e, da mesma forma, os profissionais assumiam uma
postura resignada. Portanto, nesta época, o hospital caracterizou-se como uma casa
sob a proteção de Deus, não sendo destinada à cura do corpo, pois este último era
considerado sagrado, e sim a uma salvação da alma. Mais adiante, com o aumento
das guerras e das epidemias, foi necessário aumentar o número de
estabelecimentos pela Europa para atender os feridos e doentes. Nos séculos XIV e
XV foi possível que os homens ampliassem seus conhecimentos através da
divulgação dos textos em latim. Com o passar do tempo a medicina tomou um
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caráter mais individualista, onde os médicos tratavam os doentes em casa, tornando
o hospital e a medicina independentes até meados do século XVIII
(NEDER;MONTEIRO, 2003).
A transformação do hospital em um centro de diagnóstico e de tratamento foi
possível por causa dos avanços médico-científicos, dos próprios equipamentos, dos
espaços físicos, fazendo com que a presença dos médicos, auxiliares e enfermeiros
fosse necessária numa atuação multidisciplinar para que o hospital tivesse o papel
de proteger e curar os pacientes. No século XX a assistência à saúde foi ampliada
para a prevenção às doenças através de campanhas de vacinação. No decorrer
deste século, expandiram-se as especialidades médicas, principalmente a
imunologia, radioterapia, quimioterapia e farmacologia, tornando o hospital um lugar
repleto de profissionais da saúde especializados, tal como cirurgiões, especialistas
em transplante de órgãos e psicólogos, que interagiam direta ou indiretamente no
cuidado do enfermo (NEDER; MONTEIRO, 2003).
Segundo Remor (1999) a partir da carta constitucional da Organização
Mundial da Saúde de 1964, a saúde passou a ser definida, não como um estado de
não-doença, mas como um bem-estar físico, psíquico e social.
Conforme Lalloni (2001), nos hospitais na década de 60, os psicólogos
aplicavam testes para avaliação de inteligência, personalidade, ou do
desenvolvimento motor, pois os pacientes internados eram os que apresentavam
doenças mentais. Uma década depois a psiquiatria se ocupa da medicina
psicossomática, que integra a doença com a dimensão psicológica, abrindo as
portas para que os psicólogos atuassem em outras especialidades da instituição e
surge, um pouco mais tarde, a medicina comportamental, onde o psicólogo é
inserido neste grupo.
Em 1978, a partir da evolução dos acontecimentos no âmbito da psicologia
científica, a Associação Americana de Psicologia (A.P.A.) cria e legaliza uma nova
área de atuação do psicólogo: a Psicologia da Saúde.
No Brasil, por volta de 1957, Mathilde Neder iniciou sua prática no Instituto
Nacional de Reabilitação da USP, surgindo a Psicologia Hospitalar. Posteriormente,
vários cursos de formação, aperfeiçoamento e especialização demonstraram a
preocupação com a formação do psicólogo na área Hospitalar. O principal objetivo
da Psicologia Hospitalar é amenizar o sofrimento causado pela internação,
abrangendo pacientes e familiares. Além de, segundo Campos (1995), produzir
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conhecimento através da experiência e contribuir para o aperfeiçoamento de outros
psicólogos e de outros profissionais da saúde. O psicólogo prepara o paciente e sua
família para a internação, bem como para a alta hospitalar, auxiliando na orientação
e cuidados já recomendados pela equipe hospitalar e dando o suporte necessário
para a nova etapa de suas vidas. Também esta assistência se estende à equipe, na
sua relação com o paciente, com os familiares e com eles mesmos (profissionais da
saúde).
A OMS definiu o hospital, em 1987, como parte integrante de um sistema
coordenado de saúde, cuja função é dispensar à comunidade completa assistência
médica, preventiva e curativa, incluindo serviços extensivos à família em seu
domicílio e ainda um centro de formação dos que trabalham no campo da saúde e
para pesquisas biossociais. Assim, o hospital deve ser compreendido como um todo
que busca proporcionar o bem-estar físico, social e mental do homem, sendo uma
instituição com regras, rotinas e condutas específicas que presta atendimento a nível
primário, secundário e terciário.
3.3. Unidade de Terapia Intensiva
No hospital existem diversos setores, dentre eles existe a UTI (Unidade de
Terapia Intensiva) que se diferencia dos demais por oferecer um tratamento
intensivo e específico para o paciente. Agostinho e Pregnolatto (2003), explicam que
esta unidade, especificamente a UTI adulto, é destinada a receber pacientes do
centro cirúrgico, enfermarias de especialidades, tal como clínica médica, ortopedia,
ginecologia e obstetrícia, coloproctologia, vascular, plástica, neurocirurgia,
neurologia, cardiologia, infectologia, clínica cirúrgica, e pronto socorro, além de
pacientes encaminhados de outros hospitais. Independente do diagnóstico dos
pacientes internados na UTI, todos necessitam de cuidados especiais. Fazem parte
destes cuidados alguns equipamentos básicos, tal como respirador mecânico
(função de inspirar e expirar pelo paciente); monitor cardíaco (registra os batimentos
cardíacos); oxímetro (medir a quantidade de oxigênio aproveitado pelo sangue a
partir da pulsão cardíaca); nebulizador (fornecer maior quantidade de oxigênio do
que a normal do ar, utilizado para quem não precisa do respirador mecânico); bomba
de infusão (controla a quantidade de soro com medicamento infundido no organismo
do paciente).
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A equipe de saúde que atua nesta área, normalmente é composta por um
grupo fixo de médicos intensivistas, enfermeiro-chefe, técnicos e auxiliares de
enfermagem. Esta equipe conta com o auxílio de outros profissionais, o psicólogo, o
fisioterapeuta, o nutricionista e a assistente social.
O psicólogo tem como objetivo principal assistir ao paciente e aos fatores que influenciam sua estabilidade emocional, como orientar e informar as rotinas da UTI-A, avaliar a adaptação do paciente à hospitalização (sono, alimentação, contato com as equipes, aceitação de procedimentos, visitas e outros), avaliar o estado psíquico do paciente (orientação, consciência, memória, afetividade, entre outros) e sua compreensão do diagnóstico, além das reações emocionais frente à internação e à doença, (AGOSTINHO e PREGNOLATTO, 2003, p.98).
Agostinho e Pregnolatto (2003) seguem destacando que ao entrar no hospital,
o paciente perde suas referências, é impedido de exercer suas funções e seus
papéis e deve adaptar-se às normas e regras da instituição. Em especial, quando o
paciente é internado na UTI, além de enfrentar a gravidade de sua doença, que,
muitas vezes, carrega em si a possibilidade de morte iminente ou a impossibilidade
de recuperação, o mesmo fica exposto a um ambiente e sons estranhos e a diversos
equipamentos. Estes fatores contribuem para o surgimento de reações psicológicas
variadas, tais como, tristeza, choro, medo, desorientação, euforia a apatia.
Conforme Silva e Andreoli (2005), os familiares que acompanham o paciente
também passam por momentos de ansiedade e angústia. A UTI, mesmo com os
avanços na tecnologia e na ciência com o propósito de restabelecer a saúde de
pacientes graves, é considerada, por grande parte da população, um local
ameaçador associado à morte iminente ou poucas chances de recuperação.
No que se refere ao atendimento do psicólogo, além de avaliar e intervir junto
ao paciente, é de sua competência atuar junto aos familiares. Sua prática deve ser
no sentido de facilitar, criar e garantir a comunicação efetiva e afetiva entre
paciente/família e equipe, identificando qual o membro do sistema familiar tem mais
condições emocionais e intelectuais para receber informações da equipe de saúde.
Do mesmo modo, se a família estiver desorganizada, cabe ao psicólogo verificar se
possuem condições ou se necessitam de colaboração para se reorganizar,
disponibilizando horários de atendimentos individuais aos familiares, ou,
dependendo do caso, fazendo encaminhamentos a outros profissionais psicólogos
(ROMANO, 1999).
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3.4. Sistema familiar
Segundo Walsh e McGoldrick (1998), a família é um sistema de relações
fechado e interdependente, portanto quando ela é privada de um de seus
componentes (por ocasião de uma doença) perde um dos seus pontos de referência
e sustentação, desequilibrando-se. Este desequilíbrio é chamado de crise e tanto a
família quanto o indivíduo que está doente precisa se mobilizar para encontrar
novamente seu ponto de equilíbrio. A intensidade da reação emocional depende do
nível de funcionamento da integração emocional da família e da importância
funcional do membro afastado.
Silva e Andreoli (2005) afirmam que durante a internação de um membro, os
familiares passam por fases de adaptação. São elas: Período de flutuação onde há
confusão, estresse, incerteza e os familiares não conseguem perceber suas
necessidades; Período de busca por informações, os familiares buscam
compreender o que está acontecendo e quando recebem informações adequadas
podem se adaptar melhor; Período de acompanhamento da evolução, quando
observam e analisam o cuidado e o respeito que são dispensados ao paciente; e por
fim, Período de busca de recursos, a família busca suprir as necessidades do
paciente e a sua própria. Estas fases não ocorrem necessariamente nesta seqüência
e, de acordo com as contingências, o sistema familiar pode regredir nesse processo
de adaptação da crise.
Segundo Santos e Sebastiani (1998), as sensações geradas por esta crise
podem ser tanto subjetivas quanto objetivas e comportamentos diversos podem
ocorrer em relação à pessoa doente, ao tratamento dedicado a ela, a eles mesmos e
à equipe de saúde. Os autores descrevem três níveis de reação que são mais
comuns: O sistema mobiliza-se na intenção de resgatar seu estado anterior; O
sistema paralisa-se frente ao impacto da crise; O sistema identifica benefícios com a
crise e se mobiliza para mantê-la.
No primeiro caso, quando a família recebe o diagnóstico do familiar, sofre um
impacto e, logo após, busca a recuperação do paciente com a intenção de reintegrá-
lo ao sistema familiar. A família pode passar por diversos estados emocionais, assim
como o paciente, tal como medo, ansiedade, angústia, mobilização de mecanismos
de defesa, sempre com o intuito de superar a crise. Quando a recuperação breve do
paciente ocorre, esta superação é alcançada e logo a família volta a viver no mesmo
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sistema que vivia antes da crise. Porém, quando é constatada uma doença crônica,
na qual impõe ao paciente seqüelas permanentes, este resgate de equilíbrio como
no sistema anterior não é possível. Deste modo, ambos devem buscar um novo
equilíbrio, uma nova estrutura de identidade, o que se torna um processo difícil de
adaptação.
No segundo caso, ainda conforme Santos e Sebastiani (1998), a família se
encontra num processo muito parecido com um estado de choque e, diferente dos
demais, neste caso, o estado não é superado em um curto espaço de tempo. Esta
imobilidade, como foi antes citada, é proporcional ao grau de importância que o
paciente possuía na determinação do equilíbrio da estrutura familiar e ao grau de
maturidade dos familiares envolvidos. A família não poupa o paciente dos problemas
e é insistente com a equipe sobre a melhora do familiar internado. A barganha pode
ocorrer neste caso, com o intento de ter o familiar de volta a sua casa para que
possa cumprir seus papéis novamente.
No terceiro caso, a família identifica benefícios na mudança do sistema.
Pacientes que precisaram passar muito tempo internados em função dos seus
tratamentos de longa duração, podem passar por este processo. Pois a família
precisou organizar-se novamente para manter o equilíbrio e será muito difícil inserir
este familiar que já não faz mais parte do sistema novo. Este retorno ao lar fará com
que haja, novamente, uma desorganização do sistema, gerando uma nova crise e
necessitando de um novo equilíbrio.
A crise, gerada pelo desequilíbrio, pode fazer com que os familiares
vivenciem diversos tipos de sentimentos. Conforme Guilhardi (2002), a concepção
que a análise do comportamento tem a respeito dos sentimentos é de que não se
trata apenas de alegria, raiva, ansiedade, etc, mas sim um conjunto que engloba
manifestações respondentes e manifestações operantes numa interação da pessoa
com ambiente. Os comportamentos respondentes são manifestações do
funcionamento interno do corpo: sudorese, batimentos cardíacos e ritmo respiratório
e as manifestações operantes são outros comportamentos, como por exemplo: falar,
gesticular e gritar. O funcionamento se dá através de eventos antecedentes que
produzem, ao mesmo tempo, comportamentos e sentimentos. Neste caso, por
exemplo, o diagnóstico de uma doença grave e a internação de um membro do
sistema familiar na UTI seriam eventos antecedentes, o choro de um dos membros
19
seria o comportamento e a tristeza o sentimento que este familiar estaria
vivenciando.
3.5. Análise do Comportamento Conforme Baum (1999), a análise do comportamento é uma ciência do
comportamento e, com propriedade, é vista como uma filosofia desta ciência, pois
trata-se de um conjunto de idéias que sustentará algumas práticas ou investigações.
John B. Watson foi o fundador do behaviorismo em 1913, adotando a psicologia
comparativa que enfatizava a origem comum de todas as espécies na seleção
natural, o que auxiliou na promoção de explicações puramente naturais acerca do
comportamento humano e sustentou que somente através do estudo do
comportamento a psicologia atingiria a confiabilidade e a generalidade para se tornar
uma ciência natural.
B. F. Skinner, o mais conhecido behaviorista pós-Watson, se preocupou em
determinar o caminho para a ciência do comportamento através do desenvolvimento
de termos e conceitos que permitissem as explicações científicas. Opondo-se ao
behaviorismo metodológico nomeou suas idéias de behaviorismo radical (BAUM,
1999). Micheletto (2001) afirma que Skinner se propôs a fazer uma análise científica
do comportamento partindo do conceito de reflexo. Tal conceito permitia estudar o
comportamento por meio da observação do ambiente e abria o caminho para a
previsão e controle do mesmo.
A definição de comportamento é dada por Rose (2001) como a atividade dos
organismos em contato com o ambiente. Estes são divididos em: comportamentos
operantes e respondentes. O último diz respeito a uma resposta que é eliciada a
partir de um estímulo antecedente, sendo importante para o funcionamento e a
sobrevivência do organismo. A relação entre estímulo e resposta é denominada
reflexo incondicionado, como por exemplo, o grito de um adulto para um bebê gera a
reposta de medo no último. Ao passo que a resposta condicionada é quando passa
a ocorrer na presença de estímulos associados com os estímulos incondicionados,
utilizando o exemplo anterior, quando a presença de um adulto que grita
freqüentemente com o bebê elicia a resposta de medo. “O processo de
condicionamento é muito importante na determinação de nossas emoções” (ROSE,
2001, p.82). O autor segue explicitando que os comportamentos operantes são
20
aqueles que operam sobre o ambiente, como, por exemplo, dirigir um carro, falar,
etc. Constituem a maior parte das atividades observáveis dos seres humanos, porém
até mesmo os pensamentos, denominados comportamentos encobertos já que não
são visíveis, envolvem o comportamento operante.
O comportamento privado, ou encoberto, é dividido em dois tipos: eventos de
pensar e eventos de sentir. Pensar é falar privadamente, portanto tem uma relação
com a fala pública. O pensamento pode ser enunciado pública ou privadamente,
diferentemente dos eventos de sentir que estão apenas no âmbito privado. “A coisa
que é vista, ouvida, cheirada, sentida, ou provada é uma qualidade do evento – ou
seja, é parte da definição do evento” (BAUM, 1999, p.61).
Especificamente no que diz respeito ao comportamento de sentir, Skinner
(1974) explica que não seria justo negligenciá-lo apenas por ser a própria pessoa a
única capaz de estabelecer contato com seu mundo interior. Os indivíduos
aprendem a descrever seus sentimentos através do que lhes é ensinado pela
comunidade verbal por meio de respostas descritivas das condições internas usando
condições públicas correspondentes. Quanto mais um indivíduo tem consciência de
si mesmo, melhor ele pode prever e controlar seus comportamentos.
Skinner (1967) afirma que as variáveis externas influenciam no
comportamento humano e esta influência dá origem ao que chamou de análise
causal ou funcional. Muitas vezes esta interação entre o ambiente e o organismo
gera uma relação de contingência, ou seja, uma relação condicional entre uma
resposta e suas conseqüências, e para analisá-la é necessário abordar três pontos
importantes descritos pelo autor: a ocasião em que a resposta ocorre, a própria
resposta e as conseqüências reforçadoras. As inter-relações entre elas são as
contingências de reforço.
Segundo Meyer (2001), a análise funcional busca identificar as contingências
que estão operando e descobrir quais as que operaram no passado através da
escuta e da observação do comportamento, envolvendo dois processos:
microanálise e macroanálise. A primeira é um estudo das diversas relações
contingenciais responsáveis pela manutenção de determinado comportamento, já a
segunda é um levantamento que abrange a história de aprendizagem do indivíduo.
Existem alguns aspectos relevantes para que seja possível a compreensão do
comportamento atual de uma pessoa: a história de vida e o repertório
comportamental, assim como as condições sociais e econômicas onde está inserida.
21
4. ASPECTOS METODOLÓGICOS
Para a realização da presente pesquisa, o enfoque metodológico utilizado foi
de base qualitativa e empírica. Rey (2002) descreve que na pesquisa qualitativa, o
processo de conhecimento dá-se na relação entre o teórico e o empírico, onde o
pesquisador é envolvido de forma simultânea nos acontecimentos pesquisados e
também com suas idéias e preferências pessoais. Esta abordagem abrange
aspectos da relação entre realidade e sujeito, pois não é algo objetivo, mensurável,
é validado através de percepções, uma relação dinâmica na troca de informações.
4.1. Participantes da pesquisa
Participaram da pesquisa sete familiares de pacientes internados na UTI,
durante o período de agosto a outubro de 2007, de acordo os seguintes critérios de
inclusão: adulto; convívio diário com o paciente internado; grau de parentesco: pais,
filho e cônjuge; não apresentar diagnóstico de nenhum transtorno
psiquiátrico/psicológico e não fazer uso de medicamento psicotrópico.
Com a finalidade de melhor visualização, os participantes foram identificados
através do quadro abaixo.
22
QUADRO 1: Identificação dos familiares de pacientes internados na UTI.
Identificação Sexo Grau de instrução
Grau de parentesco
Motivo da internação do paciente
Período de
internação do
paciente
Número de internações anteriores
em UTI
P1 F 4ª série do ensino
fundamental
Ex-esposa Meningite 17 dias 0
P2 M Ensino superior
incompleto
Irmão Pneumonia dupla
14 dias 0
P3 M 1ª série do ensino
fundamental
Filho Infarto 1 dia 1
P4 F 4ª série do ensino
fundamental
Filha Fraturas múltiplas
decorrentes de acidente
de carro
8 dias 1
P5 M 2ª série do ensino
fundamental
Genro Fraturas múltiplas
decorrentes de acidente
de carro
8 dias 1
P6 F Analfabeta Ex-esposa Infecção generalizada decorrente de facada
11 dias 0
P7 M Analfabeto Esposo Acidente vascular cerebral
1 dia 2
Dentre os participantes identificados neste quadro, é possível perceber que
um deles é genro e dois deles são ex-esposas. Os mesmos foram incluídos, pois,
possuíam um contato diário com o paciente, sendo que habitavam no mesmo local.
4.2. Instrumento
Para a realização desta pesquisa foi utilizada a entrevista semi-estruturada
que seguiu um roteiro (APÊNDICE A), possibilitando o aprofundamento de questões
sobre sentimentos, relação familiar e o conhecimento do quadro clínico.
A entrevista semi-estruturada fornece ao pesquisador a oportunidade de
investigar o tema da pesquisa, e também dá vez ao entrevistado para falar
23
livremente sobre os assuntos que vão surgindo. “A entrevista, na pesquisa
qualitativa, tem sempre o propósito de converter em um diálogo, em cujo curso as
informações aparecem na complexa trama em que o sujeito as experimenta em seu
mundo real” (REY, 2002, p.89).
4.3. Coleta dos Dados
Inicialmente foi mantido contato com a psicóloga responsável pelo Serviço de
Psicologia Hospitalar, para que a mesma autorizasse a realização desta pesquisa. A
princípio, a proposta era que a psicóloga fizesse a triagem, indicando quais os
familiares se enquadrariam nos critérios de inclusão anteriormente citados.
Entretanto, no período de coleta, a psicóloga encontrava-se afastada deste setor,
ficando para a enfermeira responsável pela UTI proceder com o encaminhamento
dos participantes. A pesquisadora, então, dirigia-se a cada um dos familiares
explicando quais eram os objetivos da pesquisa e apresentando-lhes o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE B) para que autorizassem sua
participação através da assinatura do mesmo. As entrevistas foram realizadas na
sala de espera da UTI diante da disponibilidade de cada participante, entre os
horários de visita das 15h00min às 15h30min e das 21h00min às 21h30min, ou logo
em seguida, após o parecer do médico, que informava à família sobre o estado do
paciente. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas na íntegra para
que fosse possível a análise do material. O resultado desta pesquisa foi
encaminhado à psicóloga do Hospital e à enfermeira do setor para que, juntamente
com a pesquisadora, façam a comunicação do mesmo ao demais profissionais da
equipe de saúde da UTI.
4.4. Análise dos Dados De posse do material gravado e transcrito, este foi lido exaustivamente para
que a categorização fosse feita segundo os métodos de análise de conteúdo
propostos por Bardin (1977). Após a categorização, o referencial teórico utilizado
para a discussão das categorias foi a teoria comportamental, na medida em que
aceita como causa do comportamento não algo que está dentro do indivíduo, em
alguma instância mediadora do comportamento, mas, sim, no ambiente, mesmo que
24
seja o ambiente interno (o próprio organismo), uma vez que o organismo é
considerado parte do mesmo. Ou seja, a relação do organismo com o ambiente é
levada em conta na determinação do comportamento, como também é considerado
sua estrutura genética e sua história de vida (GUIMARÃES, 2003).
4.5. Trajetória da Pesquisadora
O trabalho na UTI envolve muitos desafios por se tratar de um setor
diferenciado dos demais. Os cuidados da equipe de saúde são especializados e os
pacientes estão sob risco iminente de morte, influenciando diretamente no
comportamento dos familiares que aguardam do lado de fora.
Um dos primeiros desafios que a pesquisadora enfrentou foi o fato de que a
psicóloga do hospital, a qual estava ciente da pesquisa que seria realizada e
concordou em auxiliar fazendo a triagem dos familiares, estava afastada do serviço.
A pesquisadora e a orientadora apresentaram a pesquisa para a enfermeira
responsável pelo setor da UTI, que demonstrou prontidão para viabilizar a execução
do estudo. Em outro momento a enfermeira da UTI auxiliou a pesquisadora a dar
início ao trabalho convidando-a para entrar no setor com o objetivo de “assistir” uma
visita onde seria possível a indicação de quais familiares se enquadravam nos
requisitos da pesquisa.
Assim, a pesquisadora iniciou a coleta de dados, porém a dificuldade em
encontrar participantes foi outro obstáculo vivenciado. É pertinente explicar que as
possibilidades de visita que os familiares têm, nesta instituição, são de duas vezes
por dia, a primeira às 15h00min e a segunda às 21h00min, dois familiares podem
visitar o paciente, sendo que cada um deles tem direito a 15 minutos. Não era
incomum nas visitas o comparecimento de pessoas sem parentesco, como por
exemplo, chefes, amigos, colegas de trabalho, vizinhos, parentes distantes, sendo
assim, fora dos critérios de inclusão.
Além disso, ocorreu que em algumas vezes a pesquisadora combinava com
um familiar o encontro no dia seguinte, todavia a rotatividade dos pacientes na UTI é
muito grande, alguns vão a óbito e outros, assim que apresentam um quadro clínico
melhor, são internados nos quartos. Por isso, ao retornar em outro dia, não
encontrava os mesmos familiares no setor.
25
No contato com os familiares, a pesquisadora observou que em um total de
vinte pessoas abordadas, apenas sete familiares aceitaram participar do estudo. Os
motivos que levavam a uma recusa foram: falta de tempo, não estar com vontade e
não conseguir falar sobre o assunto. Além disso, aqueles que aceitaram a
participação tinham uma fala sucinta, podendo ser decorrente da tristeza e
dificuldade vivenciadas naquela situação. Levando em conta tudo isso, em algumas
ocasiões, a pesquisadora procurou respeitar o momento vivido pelos participantes,
aceitando seus depoimentos até o momento que se sentiam à vontade para falar ou
até mesmo se mantendo apenas como observadora para estabelecer um contato
com os familiares.
Um outro desafio vivenciado pela pesquisadora diz respeito ao nível de
compreensão dos familiares. Grande parte dos pacientes internados nesta instituição
é atendida pelo SUS (Sistema Único de Saúde), conseqüentemente seus familiares
também são pessoas de baixa renda e com nível de escolaridade baixo. Portanto,
tinham uma limitação quanto ao entendimento das perguntas realizadas na
entrevista.
4.6. Procedimentos Éticos
A presente pesquisa envolveu seres humanos, deste modo, está de acordo
com a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e CFP 016/2000, pois
possui a anuência por escrito dos sujeitos da pesquisa ou seu representante legal,
mediante explicação completa e pormenorizada sobre a natureza da pesquisa,
benefícios previstos, potenciais riscos e incômodos que podem ocorrer em
decorrência do estudo. Tal anuência é o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido.
Foi mantido em absoluto sigilo a identificação dos participantes, sendo
garantido o seu anonimato.
26
5. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
De posse do material transcrito e realizada a leitura necessária para a análise
dos dados, selecionou-se setenta e uma unidades de registros distribuídas em três
categorias, sendo elas: Sentimentos frente à internação, Sistema familiar e
Conhecimento do quadro clínico. A primeira categoria foi dividida em duas
subcategorias: sentimentos de luta e sentimentos de luto.
A seguir, apresentar-se-á as categorias e as unidades de registro, utilizando-
se a literatura como respaldo para a análise e discussão dos dados encontrados.
1ª Categoria: Sentimentos frente à internação
Por sentimentos entende-se, no presente estudo, respostas emocionais
desencadeadas nos familiares em função de um estímulo (no caso a internação) e
do quadro clínico de seu parente na UTI.
Oriundos das unidades de registro, estes sentimentos foram divididos em
duas subcategorias: sentimentos de luta e sentimentos de luto.
Subcategoria: Sentimentos de Luta
Por sentimentos de luta, entendem-se as emoções ditas positivas que
auxiliam e dão suporte aos familiares na vivência da internação de um parente na
UTI, podendo fazer com que o familiar seja mais participativo no tratamento e tenha
um olhar mais otimista. São eles: fé, esperança, ânimo, alívio e superação. Alguns
entrevistados demonstraram este tipo de sentimento nas suas falas como se
observa a seguir:
“[...] mas sempre aquela fé”. (P1, ex-esposa).
“Eu tenho uma fé, uma fé, uma fé. E eu tenho certeza que ele vai sair dessa sim e
que ele vai continuar a vida dele [...] aquela esperança que ele vai sair daquela”.
(P1, ex-esposa).
27
“Mas ela vai ficar boa”. (P4, filha).
O sentimento de fé a esperança podem levar à crença de resultados positivos
e, especificamente nessas situações de risco iminente, torna-se uma ferramenta que
possivelmente proporcionará o alívio da aflição ou dará subsídios para que estes
familiares possam enfrentar a situação.
Para Skinner (1974) os indivíduos aprendem a descrever seus sentimentos
através do que lhes é ensinado pela comunidade verbal por meio de respostas
descritivas das condições internas usando condições públicas correspondentes.
Quanto mais um indivíduo tem consciência de si mesmo, melhor ele pode prever e
controlar seus comportamentos.
Ânimo e alívio são sentimentos que demonstram um momento de
tranqüilidade do indivíduo diante da situação da internação de um familiar. Como se
pode observar anteriormente, estes dois sentimentos podem ser evidenciados diante
de um diagnóstico favorável dado pelo médico ou diante uma melhora visível do
quadro clínico do paciente.
“Tô mais animada porque tô vendo que ele tá...ele tá respond...correspondendo, né,
ao tratamento”. (P1, ex-esposa).
“Ah, eu fiquei mais aliviada um pouquinho”. (P4, filha).
“Não, eu to melhorando”. (P7, esposo).
A superação está ligada ao desafio de “passar por cima” de algum conflito ou
problema. Neste caso, o problema trata-se da dificuldade de vivenciar a situação de
internação de um familiar na UTI de um hospital. Sendo um sentimento positivo,
pode auxiliar no fortalecimento do familiar para enfrentar este momento complexo.
“É, tá sendo difícil, mas tem que superar”. (P5, genro).
28
Subcategoria: Sentimentos de Luto
Nesta subcategoria entende-se por sentimentos de luto as emoções ditas
negativas expressas pela vivência do familiar, tais como: preocupação, pena,
saudade, impotência, vulnerabilidade, angústia, abatimento, ansiedade, tristeza,
impacto e dificuldade. Tais sentimentos podem surgir em conseqüência das
informações obtidas acerca da gravidade do quadro clínico do paciente, do
diagnóstico desfavorável ou até mesmo da falta de esperança dos familiares. Alguns
deles aparecem nas falas dos entrevistados:
“Olha, eu me sinto assim...preocupada, preocupada!”. (P1, ex-esposa).
“E dá a impressão assim, que como ele veio pelo SUS, a impressão é que...sei
lá...há um relaxamento, né”. (P2, irmão).
“Ah meu Deus, então a mãe não tá boa”. (P4, filha).
“[...] se ela ficar muito tempo ali (na UTI) já é perigoso pra dar uma infecção no
pulmão, porque ela fica deitada, de um jeito só, entendeu?”. (P4, filha).
“[...] eu responsável por ela só [...] é, porque eu tenho que ser, né”. (P7, esposo).
Em outras falas, observa-se uma resposta de ansiedade, tratada pelos
participantes como “nervosismo”, que pode ser caracterizada por um descontrole
emocional ou um medo antecipado acompanhado de um sentimento de temor e até
mesmo de sintomas físicos de tensão. A incerteza da possibilidade de recuperação
do paciente internado na UTI pode causar, em seu familiar, este sentimento.
“[...] fica nervoso, né [...] Ah, eu me alterei [...] eu levantei a voz com a enfermeira,
gritei ali[...] É, fiquei nervoso pelo estado crítico dela, né”. (P3, filho).
“Muito nervoso, bastante [...] eu choro, eu choro”. (P7, esposo).
29
As respostas de ansiedade podem estar associadas aos “raros contatos com
os médicos e enfermeiros e a insuficiência de orientação oferecida” (SILVA e
ANDREOLI, 2005, p. 42).
O sentimento de pena está relacionado ao sentimento de tristeza. O familiar
se mostra descontente com a situação vivida por seu parente.
“Pena, sinto pena”. (P1, ex-esposa).
“Só tenho pena, né, pelo que ele tá passando aí (na UTI)”. (P6, ex-esposa).
Alguns entrevistados evidenciaram uma falha na discriminação dos
sentimentos como se pode constatar abaixo:
“Olha, eu nem sei o que eu sinto”. (P1, ex-esposa).
“É, a gente tá sentindo, né [...] é, a gente sente assim...não sei, eu sinto assim de ele
estar ali sofrendo”. (P6, ex-esposa).
Skinner (1974) afirma que as pessoas aprendem a relatar o que sentem
através da aprendizagem proporcionadas pela comunidade verbal. Para explicitar o
autor utiliza o exemplo de que uma criança pode ser ensinada pela comunidade a
nomear cores, como quando apontam um objeto e lhe perguntam o nome da cor,
elogiando ou corrigindo. No entanto, a comunidade não pode ensinar, deste modo,
um indivíduo a descrever estados do seu corpo, tal como sentimentos, pois a
primeira não possui as informações necessárias para poder elogiá-lo ou corrigi-lo.
Todavia é possível ensinar uma pessoa a descrever muitos de seus estados
orgânicos e emocionais fazendo-lhe perguntas relacionadas aos seus sentimentos,
embora estas descrições nunca sejam totalmente precisas, esta se torna consciente
de si mesma.
Diante disto, os participantes podem estar apresentando certa dificuldade em
nomear seus sentimentos ou por uma falha na aprendizagem fornecida pela
comunidade verbal em que está inserido ou por vivenciar, exclusivamente neste
momento, uma série de respostas emocionais concomitantes.
Segundo Camon e Coppe (1998) ao receber a notícia de que seu parente
precisa ser internado na unidade, emerge no familiar uma sensação de estranheza e
30
impotência, carregada de medos e ansiedades em relação ao processo de
internação. Deste modo, o desequilíbrio emocional e a desestabilização dos
familiares são evidenciados, como nas falas a seguir:
“A gente se sente impotente assim, né. Sem poder ajudar, sem poder fazer nada”.
(P2, irmão).
“A gente fica assim abatido”. (P3, filho).
“Ah, a gente fica assim triste, né”. (P4, filha).
A impotência, o abatimento e a tristeza podem influenciar de maneira negativa
o comportamento do sujeito. A tristeza, por exemplo, é um sentimento que expressa
desânimo ou frustração em relação a algo ou alguém e pode aparecer pela perda de
alguém ou algo importante na vida do indivíduo. Neste caso, o familiar pode
vivenciar este sentimento frente à internação de seu parente, podendo acarretar o
sentimento de impotência, onde o sujeito acredita não ser capaz de auxiliar de
nenhuma maneira no bem-estar de seu familiar internado na UTI, mantendo-se
numa postura de estagnação, desesperança e abatimento.
A saudade é outro sentimento expresso na fala dos participantes e pode ser
considerada, neste caso, como um sentimento de luto, pois pode gerar sentimentos
de tristeza, abatimento e pena, já que a internação do paciente impossibilita o
convívio diário com o familiar:
“É, sente falta”. (P1, ex-esposa).
Lemos e Rossi (2002) verificaram que o processo de separação do paciente e
de seus familiares, por si só já é um evento que gera respostas de estresse, e pode
assumir concepções diferentes de acordo com o tratamento que a equipe de saúde
dispõe ao paciente e aos membros da família, podendo assumir conotações desde
agressivas até tranqüilas.
A situação de internação de um parente na UTI pode gerar nos familiares
sentimentos de vulnerabilidade. Do mesmo modo, o desconforto pela situação pode
gerar abatimento e tristeza. Vasconcellos (1995) expõe que quando o grupo familiar
31
sente dificuldade em lidar com os conflitos internos e não recebe ajuda terapêutica
da equipe de saúde, ocorre a retroalimentação, onde o sistema busca o alívio de seu
sofrimento por outros meios, como por exemplo pela fé.
“Então ta sendo um pouco difícil”. (P4, filha).
“A gente fica mais sensível, né”. (P2, irmão).
“É, a gente não se sente muito bem, né”. (P3, filho).
Duarte e Leal (2001) explicam que no momento em que a família se encontra
numa situação desesperadora, ou seja, quando o sofrimento ultrapassa os limites da
doença física e das possibilidades de ajuda, emergem estes sentimentos de
vulnerabilidade, fraqueza e medo do desconhecido.
A angústia é um sentimento com características muito parecidas às de
resposta de ansiedade, anteriormente conceituada, pois se trata de um sentimento
de temor ou uma insegurança que precede alguma situação não confirmada:
“[...] deixa a gente nesta angústia”. (P2, irmão, 32 anos).
O choque aparece na fala de um participante e pode ser caracterizado como
um impacto gerado por uma situação perigosa, estranha ou desagradável. O familiar
pode vivenciar este sentimento quando se sente impactado com o quadro clínico ou
estado físico de seu parente internado na UTI:
“Ah, eu senti um choque”. (P6, ex-esposa).
2ª Categoria: Sistema familiar
Entende-se por sistema familiar um sistema de relações fechado e
interdependente, quando é privado de um dos seus membros passa por uma crise,
onde busca meios para restabelecer seu equilíbrio.
32
Nesta categoria serão descritas, segundo as falas dos entrevistados,
características do relacionamento familiar entre o paciente internado, o familiar
visitante e o sistema que está inserido.
Alguns participantes descreveram seu relacionamento com o membro do
sistema internado na UTI como sendo positivo, como se observa nas falas a seguir:
“A gente se dá super bem”. (P1, ex-esposa).
“Assim, de irmão mesmo, de amigo, amigo irmão”. (P2 , irmão).
“É bom, é muito bom [...] sim, sim, meu irmão tudo [...] se dá bem com todo mundo.
Ah, ela gosta muito de nós, né”. (P3, filho).
“Ela é uma pessoa muito querida. [...] Eles (os netos) adoram ela, ela adora eles,
meu Deus. [...] quando eles (os netos) chegam ainda tem o meu menino que vai lá,
passa a mão na cabeça dela, brincam com ela”. (P4, filha).
“É muito querida. [...] É muito bom (o relacionamento)”. (P5, genro).
Conforme Santos e Sebastiani (1998), o bom relacionamento, anterior à
internação, do familiar com o paciente, exerce uma influência importante, pois, este
fator pode ser de grande importância para que a família como um todo se mobilize
em busca do equilíbrio frente à crise causada pela ausência de um membro.
A companhia e afetividade presentes nas relações entre os familiares
demonstram a importância que o membro afastado tem perante o sistema familiar:
“Porque era...era a minha companhia, né. [...] depois que ele foi lá pra casa, assim
pra me fazer companhia, eu me senti melhor”. (P1, ex-esposa).
“Sente falta, né. Por causa que quando a gente chega, a primeira coisa que faz é
olhar o quarto, falar com ela, né. Meio dia é...pra comer, ela come junto na mesa. Só
quando ta meio adoentadinha, né. Daí a gente pergunta: ‘Ah, o que que a mãe quer
33
comer?Quer comer alguma coisa? Quer comer isso? Que comer aquilo?’ Pra
incentivar a pessoa que é mais de idade”. (P3, filho).
“Sente, né. Porque era o que cuidava, porque aí eu não tinha medo de dormir”. (P6,
ex-esposa).
O bom fluxo de comunicação entre os familiares mostra-se importante, sendo
relatado pelos participantes:
“Ah, muito bom, muito bom. Ela conversa muito, muito conversadeira”. (P4, filha).
“Conversava, aham, conversava [...] nós não ficamos de mal”. (P6, ex-esposa).
Comportamentos como boa comunicação e afetividade caracterizam o bom
relacionamento familiar. Estes comportamentos podem gerar sentimentos positivos e
estes, por sua vez, podem fazer com que os familiares participem ativamente do
tratamento e cuidados de seu parente e tenham uma postura mais otimista,
apresentando sentimentos de luta. Estes mesmos comportamentos podem gerar
respostas emocionais negativas, como saudade, pena e preocupação, já que o
membro afastado pela internação tem importância na estruturação da família, porém,
parecem não prejudicar significativamente a participação e o otimismo dos
familiares.
Alguns participantes falam sobre os conflitos do sistema familiar. Os
problemas no fluxo de comunicação são citados pelos membros do sistema:
“Ah tava...porque ele se sentiu sozinho, né. Aí ele ficou mais na bebida. Porque ele
se viu sozinho, por né, eu não dava atenção pra ele. Às vezes ele queria falar
comigo, aí eu tava braba, não falava [...] mas ele se sentiu muito assim da
separação”. (P6, ex-esposa).
As situações de conflito no relacionamento familiar, onde aparecem brigas e
até mesmo agressões físicas são relatadas:
34
“Eu às vezes brigava com ele. [...] às vezes ele era agressivo [...] o motivo (da
separação) é porque ele era agressivo [...] ele me avançava, me dava soco”. (P6, ex-
esposa).
“É porque ele brigava muito, daí eu ficava com raiva, saía fora”. (P6, ex-esposa).
“Ela é muito nervosa, muito braba. [...] Não, ela...quando vê ela tá discutindo comigo,
mas eu não dou muita atenção”. (P7, esposo).
Conforme Santos e Sebastiani (1998), a busca pelo equilíbrio é proporcional
ao grau de importância que o paciente possuía na determinação do equilíbrio da
estrutura familiar e ao grau de maturidade dos familiares envolvidos. Esta afirmação
pode ser verificada na fala a seguir onde o entrevistado se mostra “preparado para a
morte” de sua mãe:
“A gente tá preparado pra...morte, que a gente também não quer deixar assim,
morrer”. (P3, filho).
O membro afastado do sistema pela internação pode não ocupar uma função
primordial no que diz respeito à organização familiar, neste caso, por sofrer de uma
enfermidade há muito tempo. Isso facilita a aceitação dos demais membros quanto à
ausência, se houver o óbito, e maior facilidade de adaptação para o equilíbrio do
sistema.
Um familiar fala sobre seu relacionamento com sua esposa exemplificando
uma atividade de rotina:
“[...] ela tem mais jeito de cuidar das coisas da casa. Ela que faz as compras da
casa. Que eu não faço, eu não vou”. (P7, esposo).
Até mesmo nas tarefas do dia-a-dia é possível se observar qual o
comportamento de cada membro dentro do convívio familiar. Quando o familiar
internado faz ou assume o comportamento de cuidar dos afazeres domésticos, como
o que consta na fala anterior, demonstra a participação do mesmo no sistema
familiar, podendo, após sua internação, gerar entre os demais membros uma
35
mobilidade para que este comportamento seja executado por outra pessoa para
suprir a necessidade.
3ª Categoria: Conhecimento do quadro clínico
Esta categoria diz respeito ao conhecimento que o familiar tem sobre o
quadro clínico do paciente através dos seguintes aspectos: conhecimento adquirido
pela informação do médico responsável por atender seu parente; conhecimento
adquirido quando o familiar busca o auxílio de outro membro para compreender o
que está sendo explicitado pelo médico e o conhecimento prévio adquirido através
de uma experiência anterior, no caso, outra internação do mesmo familiar na UTI
onde este apresentou a mesma enfermidade.
As falas a seguir são exemplos do conhecimento adquirido através do diálogo
entre médico e familiar.
“Mas só que o próprio médico...sei lá...ela já dá um monte de informação assim que
ele tava melhorando, que ele tava reagindo, que amanhã já ia sair do tubo”. (P2,
irmão).
“Ah, o estado dele é bem crítico, né. Bem, bem grave mesmo. O médico falou que a
chance dele sobreviver é mínima, né”. (P2, irmão).
“[...] ela tá bem pelo que o médico falou também”. (P4, filha).
“Ela só tá se recuperando. Ela só fez tomografia, essas coisas assim pra ver se tinha
alguma coisa na cabeça...uma batida na cabeça”. (P4, filha).
“Que tem esperança (o que os médicos dizem), que vai demorar um pouquinho,
mais uns dois ou três dias na UTI depois vai pro quarto, né”. (P5, genro).
“Eu disse: ‘Tu não vai sair daqui, tu tá no soro, tá com tudo, tá com coisa aí puxando
as nojera’ (referindo-se ao dreno)” (P6, ex-esposa).
“Falou (o médico) que tava bem. Falou que ele ia sair dessa”. (P6, ex-esposa).
36
“O derrame é do lado direito, do lado direito. Que é mais perigoso ainda”. (P7,
esposo).
Uma boa relação entre o médico de família, o paciente e a família pode contribuir para uma melhoria na qualidade dos cuidados de saúde. Vários estudos de investigação comprovam que a família exerce influência no estado de saúde dos seus membros e que os cuidados de saúde mais eficazes e eficientes serão aqueles em que exista cooperação entre o médico, o paciente e a família (RIBEIRO, 2007, p.300).
Alguns participantes sentem dificuldade em entender o que é exposto pelo
médico por causa dos termos técnicos e buscam auxílio de outros membros do
sistema familiar para este entendimento:
“Não, pra mim ninguém...ah...quem passou pra mim foi minha filha. Porque a minha
filha se encarregou de tudo, né. Como ela é enfermeira ela se meteu aí com os
médicos”. (P1, ex-esposa).
“Olha, o que ele (o médico) diz pra mim aí eu ligo pra minha filha e digo [...] ‘o
médico disse isso, isso e isso’ ”.(P1, ex-esposa).
O conhecimento prévio aparece em algumas falas. Este conhecimento é
decorrente de outras experiências vivenciadas pelos membros do sistema familiar
em que o paciente já foi internado na UTI pela mesma razão. Deste modo, os
familiares podem demonstrar maior facilidade em compreender o quadro clínico,
tratamento e prognóstico do paciente:
“É, o médico daí chamou nós lá e explicou [...] ela já trata em casa, né. Ela trata do
coração, ela tem...negócio no pulmão, é fraco. [...] Então a gente já sabe que na
hora de atender...a gente já buscou todas as consultas no outro (médico)...no posto
que a gente acompanha com outro médico, né”. (P3, filho).
“Olha, ele (o médico) falou pra mim, ele explicou, né. Que era problema de coração,
eu já sabia de tudo, né. Eu acho que...eu acho que pra mim ficou bom, né”. (P3,
filho).
37
“Ela só tem problema de bronquite. Aí a gente já, já tem o pulmão bom, como eu e
ele já ta difícil de respirar, imagina ela, né”. (P4, filha).
“Eles (os médicos) não chegaram a comentar ainda (sobre o prognóstico), mas a
gente mais ou menos já sabe, porque faz três anos [...] que ela ficou doente”. (P4,
filha).
“Bacia por bacia trincada ela já tava da outra vez, então a gente sabe como é, né”.
(P4, filha).
“Não, segundo dois anos atrás deu um derrame nela e agora é o mesmo. [...]
Provavelmente é (derrame), o médico não me deu esse diagnóstico aí, mas ele vai
me dar, é isso aí”. (P7, esposo).
“Olha, eu não sei, mas acho que vão fazer tudo que fizeram da outra vez”. (P7,
esposo).
Conforme Oliveira et. al. (2005) a equipe deve prestar um cuidado especial à
família quando for informar o diagnóstico do paciente, pois este momento é de
grande impacto para eles. Deste modo, o conhecimento prévio, a busca pelo
conhecimento e as informações dadas pelo médico podem ser determinantes de
sentimentos de luta e podem diminuir a freqüência de comportamentos negativos.
O desconhecimento dos familiares diante do quadro clínico se caracteriza por
não saber o que está sendo feito para a melhora do indivíduo, por desconhecer
medicamentos e exames ou até mesmo a realização deles e por desconhecer o
diagnóstico do familiar internado:
“É, a princípio quando ele foi internado antes, ele não tinha...ninguém falou nada. Só
depois quando ele veio pra UTI que daí o médico passou a situação dele”. (P2,
irmão).
38
“Não, é bem complicado porque eles (os médicos) dão...por exemplo, eles dão
a...fórmula, né. Mas eles não explicam assim pra gente pra que serve, o que vai
acontecer. Se tal remédio ele vai combater, se vai diminuir ou se vai estabilizar.
Muitas vezes não explicam o tratamento que foi feito, né”. (P2, irmão).
“Não me falaram que ela tava na UTI.[...] Confiando, mas desconfiando, né”. (P4,
filha).
“É que eles (os médicos) não falam assim...que a gente entende [...] mas que tem
esperança, né, que ela tá bem”. (P4, filha).
“Ah, eu não sei” (quando foi indagada sobre seu conhecimento sobre os
procedimentos que os médicos tomaram quando o paciente chegou ao hospital).
(P6, ex-esposa).
Parte deste desconhecimento pode ser decorrente da falta ou deficiência na
informação transmitida pela equipe de saúde sobre o quadro clínico do paciente.
Pinho e Kantorsky (2004) perceberam, através de seus estudos que
as equipes de saúde costumam conviver diariamente com a possibilidade da cura ou a iminência da morte, voltando suas atividades para o pronto restabelecimento do "indivíduo doente". O próprio ambiente fechado e cheio de aparelhagem de alta tecnologia, de certa forma, já induz à valorização das técnicas em detrimento do trabalho com o ser humano e sua família (PINHO; KANTORSKY, 2004,p.8).
O desconhecimento pode gerar uma confusão no entendimento do familiar,
como mostram as falas a seguir:
“Ah, não sei. Não sei, não me falaram nada” (quando indagada se o paciente havia
se submetido à alguma cirurgia durante a internação). (P6, ex-esposa).
“É, porque daí...antes de ontem a gente veio e falou...e ele fez cirurgia. Ele já fez
quatro cirurgias. [...] não sei porque, mas deve ser porque cortou muito por dentro,
né. Cortou várias tripas, não foi só uma, várias”. (P6, ex-esposa).
39
As informações que a equipe dá aos familiares sobre o quadro clínico do
paciente são importantes, pois podem evitar respostas inadequadas por parte dos
familiares. Isso dependerá da capacidade do profissional de discriminar o quanto de
conhecimento e compreensão o familiar possui, para que, através da utilização de
uma linguagem adequada e clara, possa promover aprendizagem evitando
distorções ou deduções.
Um participante demonstra dúvidas no que diz respeito à prática profissional
das enfermeiras quando relata:
“Eu pergunto, pergunto pras enfermeiras, mas elas dizem que tá tudo bem, que tá
tudo bem [...] de certo eles não querem assim falar, né. Acho que nem pode”. (P6,
ex-esposa).
Pinho e Kantorsky (2004), em sua pesquisa sobre o contexto psicossocial de
famílias de pacientes internados na unidade de emergência, em relação à equipe de
enfermagem, verificaram que geralmente a vigilância dos pacientes nas unidades de
emergência, assim como a UTI e o Pronto Socorro, é muito maior que nas demais
enfermarias. As intervenções são quase imediatas e o tecnicismo assume um papel
relevante na prestação da assistência de enfermagem. Portanto pode-se supor que
este comportamento puramente técnico pode levar a equipe a sobrepor seus
conhecimentos aos do paciente e de sua família, dificultando as relações
interpessoais entre a equipe de enfermagem e a família do paciente.
A busca pela informação se dá através de questionamentos que os familiares
dos pacientes fazem aos profissionais das equipes de saúde, tal como enfermeiros e
médicos:
“A gente procura falar mais com o médico, né”. (P3, filho).
“Confiei neles e mais em Deus”. (P4, filha).
Segundo Silveira e Angelo (2006), a maneira com que a equipe de saúde
interage com a família é um fator que influencia as reações dos membros frente ao
evento da internação. Quando a família sente que o profissional está “aberto” a
40
questionamentos e disposto a esclarecer suas dúvidas, ela tem mais facilidade em
interagir com eles, pedindo ajuda, fazendo perguntas e até mesmo desabafando.
Alguns familiares preferem que a equipe médica faça o que for preciso para o
bem estar de seu familiar internado, sem a necessidade de que estes profissionais
os informem sobre quais são os procedimentos:
“Ele falou, ele falou. Mas eu não falo mais nada, deixo pros homens (médicos)”. (P7,
esposo).
Para Laplatine (1991) esta confiança depositada nos médicos origina-se da
vulnerabilidade diante da situação de risco e transforma-se em uma relação de
interdependência, ao passo que toda a responsabilidade pela cura do paciente é
transferida ao médico que o atende.
41
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo foi realizado com sete familiares de pacientes internados
na UTI através de uma entrevista semi-estruturada a fim de identificar quais são as
respostas emocionais dos mesmos diante da hospitalização, bem como analisar até
que ponto a organização do sistema familiar e o nível de conhecimento que os
familiares têm acerca do quadro clínico e do tratamento do paciente, contribuem
para o aparecimento de respostas emocionais.
A UTI por ser um setor onde os cuidados são intensivos e específicos torna-
se um ambiente aversivo por suscitar respostas de medo, insegurança e incerteza
nos familiares diante do quadro clínico do paciente internado. Neste momento o
sistema familiar sofre um desequilíbrio que, influenciado pelas variáveis externas, a
história de vida, o repertório comportamental e as condições sociais e econômicas
dos sujeitos, dão origem aos comportamentos, neste caso, as respostas emocionais.
Foi possível observar que os sentimentos de luto foram mais representativos
do que os de luta. Estes sentimentos negativos podem aparecer pela gravidade do
quadro clínico do paciente, pelo diagnóstico desfavorável ou até mesmo pela falta de
esperança dos familiares. A preocupação foi a resposta emocional mais vivenciada
pelos participantes, onde os mesmos sentem-se inseguros perante o tratamento e o
diagnóstico de seus familiares internados.
O estado crítico e a incerteza da possibilidade de recuperação do paciente
suscitaram nos familiares respostas de ansiedade e angústia.
O sentimento de pena também está relacionado aos sentimentos de luto, ao
passo que demonstra um descontentamento do familiar diante da situação de
internação vivida por seu parente Este sentimento pode estar associado às
respostas emocionais de impotência, abatimento, tristeza e vulnerabilidade,
influenciando negativamente o comportamento do sujeito de modo que o familiar
acredita não ser capaz de auxiliar de nenhuma maneira no bem-estar de seu
parente, mantendo-se numa postura de estagnação.
O processo de separação do paciente e de seus familiares por conta da
internação, por si só é um evento estressante, gerando a resposta emocional de
saudade, principalmente se a relação dos mesmos no sistema familiar era positiva.
42
O impacto gerado por uma situação perigosa, estranha ou desagradável,
como a internação de um membro do sistema familiar na UTI, suscitou a resposta de
choque nos familiares.
Além disso, verificou-se que dois participantes tiveram dificuldade na
discriminação dos sentimentos, podendo ser decorrente de uma falha na
aprendizagem fornecida pela comunidade verbal em que estes estão inseridos ou
por vivenciarem, neste momento, uma série de respostas emocionais concomitantes.
Os sentimentos de luta, os quais auxiliam e dão suporte aos familiares na
vivência da internação de um parente na UTI, também foram evidenciados. A fé e
esperança se tornam uma ferramenta que proporciona alívio da aflição e subsídios
para o enfrentamento. A resposta emocional de superação também pode fortalecer o
familiar para lidar com a situação do membro afastado do sistema pela internação.
O alívio e o ânimo demonstraram um momento de tranqüilidade do familiar
diante da situação, podendo estar associados a um diagnóstico favorável informado
pela equipe.
Estes sentimentos positivos podem fazer com que o familiar seja mais
participativo no tratamento, colaborando com a equipe de saúde e mantendo um
olhar mais otimista.
A resposta emocional seja ela negativa ou positiva, é resultado da relação
contingencial que há entre ela e a suas conseqüências. Através dos princípios da
análise funcional é possível identificar as variáveis externas que influenciam no
comportamento, utilizando-se a macroanálise: o estudo do repertório
comportamental do sujeito, sua história de vida e suas condições sociais e
econômicas.
No que diz respeito à organização do sistema familiar, quando um membro é
afastado pela internação este sistema desequilibra-se necessitando de uma
mobilização para reencontrar seu ponto de equilíbrio. Esta mobilização depende do
tipo de relacionamento que é estabelecido entre os membros no sistema como um
todo.
Cinco participantes descreveram uma convivência agradável, afetiva e
comunicativa. Verificou-se que o bom relacionamento familiar pode gerar muitas
respostas emocionais de luto, demonstrando que o afastamento do membro deste
sistema implica em sentimentos de preocupação, tristeza, saudade, pena e
vulnerabilidade. Entretanto, o bom relacionamento influenciou positivamente
43
gerando maior mobilização para reorganizar a estrutura familiar e promover
subsídios para que possam enfrentar a situação de internação.
Percebeu-se que o grau de importância do familiar no sistema interfere na
aparição e manutenção de respostas emocionais, já que os familiares que relataram
ter um parente idoso internado na UTI, que já não possuía uma função primordial no
funcionamento da família, pareceram aceitar a possível ausência do membro, caso
houvesse óbito.
Os comportamentos conflituosos nas relações familiares, além de gerarem
sentimentos de luto, contribuem para a eliminação ou diminuição de respostas
emocionais positivas. Pode-se concluir que os membros de um sistema com
conflitos significativos podem apresentar mais dificuldades em restabelecer o
equilíbrio perante a crise instalada, já que apresentaram muitas respostas
emocionais negativas e poucas, ou nenhuma resposta positiva.
O conhecimento que os familiares têm a respeito do quadro clínico e
tratamento de seu parente demonstrou ser uma variável importante. Os indivíduos
que possuíam conhecimento, mesmo que superficial, apresentaram mais respostas
emocionais positivas do que negativas, demonstrando uma relação contingencial.
Este conhecimento foi adquirido através do diálogo com o médico responsável, ou
pelo auxílio de outro familiar para compreender o que foi informado pelo médico ou o
conhecimento prévio através de uma experiência anterior de internação do mesmo
membro do sistema familiar com a mesma enfermidade.
Cinco dos familiares entrevistados adquiriram conhecimento sobre o quadro
clínico de seu parente através da informação da equipe de saúde, principalmente
dos médicos, podendo ser atribuída à boa comunicação entre equipe e família. Um
familiar, pela dificuldade em compreender os termos técnicos utilizados pela equipe
de saúde, buscou auxílio com outros membros do sistema familiar. Estas duas
maneiras de conhecimento contribuíram da mesma forma para o aparecimento de
respostas emocionais positivas como alívio, superação, ânimo e fé.
A relação entre o conhecimento prévio e as respostas emocionais positivas se
mostrou relevante. Os familiares que já haviam passado por um momento de
internação do mesmo membro pela mesma enfermidade no setor da UTI
demonstraram maior conhecimento dos procedimentos, tratamentos e quadro
clínico.
44
Pode-se concluir que o conhecimento, independente do modo que foi
adquirido, é determinante nos sentimentos de luta e pode diminuir a freqüência de
comportamentos negativos.
O desconhecimento dos familiares diante do quadro clínico se caracteriza por
não saber o que está sendo feito para a melhora do indivíduo, desconhecer
medicamentos e exames ou até mesmo a realização deles. Dois dos familiares que
demonstraram este desconhecimento apresentaram somente sentimentos de luto,
podendo dificultar a busca do equilíbrio necessário para a organização familiar.
O desconhecimento e as informações distorcidas apresentadas pelos
familiares podem ser decorrentes de uma falha na comunicação entre equipe e
família. O profissional deve ser capaz de discriminar o quanto de conhecimento e
compreensão o familiar possui para promover a aprendizagem do mesmo, através
da troca de informações de um modo adequado, evitando equívocos. A interação
entre a equipe e a família influencia diretamente no comportamento dos familiares
frente à internação, à medida que ao sentirem-se seguros, os familiares podem
esclarecer suas dúvidas e se tornarem mais colaborativos.
Acredita-se que este estudo seja relevante para a equipe de saúde,
demonstrando, através da identificação dos sentimentos vivenciados pelos familiares
e os fatores que influenciam no aparecimento destes, que o foco não seja apenas no
paciente que necessita de cuidados intensivos, mas também nos familiares. É
importante que estes profissionais tenham conhecimento sobre os sentimentos
vivenciados pelos familiares, a fim de manter um bom relacionamento com os
mesmos, o que será determinante para a emissão do comportamento participativo e
colaborativo dos familiares, facilitando o trabalho destes profissionais.
Sabendo-se que um dos principais objetivos Psicologia Hospitalar é amenizar
o sofrimento causado pela internação, abrangendo pacientes e familiares, acredita-
se que este estudo contribui para a identificação de novos fazeres do psicólogo, na
medida em que identifica que neste setor este sofrimento mostra-se mais intenso.
Para uma maior abrangência deste estudo, sugere-se a realização de novas
pesquisas no setor da UTI, voltadas para a identificação das respostas emocionais
dos pacientes internados, dos profissionais de saúde que ali atuam e as variáveis
que podem influenciar no aparecimento destas respostas. Provavelmente os
resultados encontrados contribuirão para a mudança de comportamento por parte da
45
equipe de saúde, transformando assim a UTI em um local mais humanizado para
todas as pessoas que necessitam de internação neste local.
46
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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50
8. APÊNDICES
8.1. APÊNDICE 01 – Roteiro de entrevista semi-estru turada
8.2. APÊNDICE 02 – Termo de consentimento livre e e sclarecido
51
8.1. APÊNCIDE 01
ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
Entrevista n° _____
DADOS DE IDENTIFICAÇÃO:
- Sexo:
- Idade:
- Grau de instrução:
- Profissão:
- Estado Civil:
- Grau de parentesco:
- Com que freqüência visita o paciente?
- Familiar que convive diariamente com o paciente:
- Período de internação do familiar:
- Motivo da internação:
PERGUNTAS:
- Quais são os seus sentimentos diante da internação de um parente na UTI?
- Fale sobre o relacionamento familiar de vocês.
- O que você sabe sobre o diagnóstico/tratamento/prognóstico de seu familiar
internado na UTI? Quem lhe forneceu estas informações?
52
8.2. APÊNDICE 02
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Gostaria de convidá-lo (a) a participar de uma pesquisa intitulada “Respostas
emocionais dos familiares de pacientes internados na UTI frente à hospitalização”,
cujos objetivos são: identificar as respostas emocionais dos familiares de pacientes
internados na UTI diante da hospitalização; analisar até que ponto a organização do
sistema familiar contribui para o aparecimento de respostas emocionais dos
familiares de pacientes internados na UTI e identificar se o nível de conhecimento
que os familiares de pacientes internados na UTI tem acerca do quadro clínico e do
tratamento de seu familiar influencia no aparecimento e manutenção de respostas
emocionais. Sua tarefa consistirá na participação em uma entrevista que terá uma
duração de, em média, 30 minutos.
Quanto aos aspectos éticos, gostaria de informar que:
1. seus dados pessoais serão mantidos em sigilo, sendo garantido seu
anonimato;
2. os resultados da pesquisa serão utilizados somente com finalidade
acadêmica podendo vir a ser publicado em revistas especializadas,
porém, como explicitado no item 1, seus dados serão mantidos no
anonimato;
3. não há respostas certas ou erradas, o que importa é a sua opinião;
4. a aceitação não implica que você estará obrigado a participar, podendo
interromper sua participação a qualquer momento, mesmo que já tenha
iniciado, bastando, por tanto, comunicar a pesquisadora;
5. você não terá direito à remuneração por sua participação, ela é
voluntária;
6. durante a participação, se tiver alguma reclamação, do ponto de vista
ético, você poderá contar com o responsável por esta pesquisa;
7. os resultados da pesquisa serão repassados à psicóloga responsável
pelo Serviço de Psicologia do hospital para que, juntamente com a
pesquisadora, divulgará os mesmos aos integrantes da equipe de
saúde da UTI.
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