Spinoza e Leibniz: os antípodas metafísicos
FAF1010 – MetafísicaBacharelado em Filosofia
Universidade Federal de Santa Maria
Prof. César Schirmer dos [email protected]
18 de setembro de 2013
Os antípodas metafísicos
Metafísica é a “[…] tentativa mais geral de dar sentido às coisas” (A. W. Moore)
Nos grandes temas relacionados à metafísica, Spinoza é o anti-Leibniz, Leibniz é o anti-Spinoza.
MOORE, A. W. The evolution of modern metaphysics: making sense of things. Oxford: Oxford University Press, 2012.
Usos da metafísica, motivações
● Descartes: metafísica a serviço da ciência● Spinoza: dar sentido às coisas em geral (ou
seja, a metafísica) é uma realização ética (MOORE, 2012, p. 50)
● Leibniz: metafísica a serviço de uma questão metafísica, a teodiceia
● MOORE, A. W. The evolution of modern metaphysics: making sense of things. Oxford: Oxford University Press, 2012.
Bento de Spinoza
● Amsterdã, 1632-11-24 – Haia, 1677-02-21
● Filósofo holandês, religião judaica, origem ibérica
● Se manteve trabalhando com instrumentos óticos
● Influenciado por Descartes e Hobbes, influência de Leibniz e Deleuze
Principais obras de Spinoza
● Correspondência (1661-74)● Tratado da reforma do intelecto, redigido
em 1660-63, publicado postumamente em 1677● Princípios da filosofia de Descartes +
Pensamentos metafísicos (1663)● Tratado teológico-político (1670, anônimo)● Ética (1675, publ. post. 1677)● Tratado político (1676-77, póstumo)
Leibniz
● Leipzig, 1646-07-01 – Hannover, 1716-11-14
● Filósofo alemão, religião protestante
● Se manteve trabalhando até como engenheiro
● Influenciado por Spinoza, influência de Kant e Russell
Principais obras de Leibniz
● Discurso de metafísica (1686)● Da origem primeira das coisas (1697)● Monadologia (1714)● Correspondência com Clarke (1715-16)
Consulte http://www.leibnizbrasil.pro.br/
Focos de divergência
● A noção de substância● A relação entre o indivíduo e o restante da
realidade ● A natureza das modalidades● O estatuto das leis naturais● Relação entre conhecimento e realidade● A questão da liberdade
Substância: antiguidade e modernidade
● Teoria antiga da substância: Aristóteles● Teoria moderna da substância: Descartes
Substância – a herança antiga
● O que está sob (etimologia)● Essência, ser (ousia)● Identidade na multiplicidade (sujeito da
mudança)● O sujeito gramatical de uma frase● Substâncias primeiras e segundas● COMTE-SPONVILLE, A. Substância. In: ___. Dicionário filosófico. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2011. p. 573-574.
Substância: o que está sob
● A essência de uma coisa está sob as aparências que a envolvem e ocultam
● A permanência de uma coisa está sob a mudança das suas propriedades
● O sujeito de uma frase está sob os predicados que o determinam
Substância: essência, ser
● O termo ousia, do grego antigo, pode ser traduzido tanto por essência como por ser
● Tradicionalmente se traduz o termo ousia por substância
Essência
A natureza de uma coisa
O ser verdadeiro e profundo de uma coisa, em contraste com as aparências, as quais são superficiais e podem ser enganadoras
O que a coisa é, em contraste com sua existência (o que a coisa é vs. que a coisa é) e com aquilo que lhe sucede (seus acidentes)
COMTE-SPONVILLE, A. Essência. In: ___. Dicionário filosófico. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. p. 211-212.
Substância: o idêntico sob o múltiplo
● A substância é o sujeito da mudança● Quando os acidentes (propriedades) de uma
coisa mudam, a coisa permanece idêntica a si mesma, pois a substância é aquilo que permanece na mudança, dado que permite a mudança
● Se não há substância, então não há mudança, mas apenas substituição de um indivíduo por outro
Substância: o sujeito gramatical de uma frase
● Uma substância é uma coisa da qual se pode afirmar ou negar alguma coisa
● Não se pode negar ou afirmar uma substância de coisa alguma
● O que se pode afirmar ou negar de algo é uma propriedade
● Assim, uma substância corresponde ao sujeito gramatical, uma propriedade a um predicado gramatical
Substâncias primeiras e segundas
● “Eduardo passeou.”● Substância: Eduardo (um indivíduo);
propriedade: ter passeado (algo geral, repetível)● “Passeios são divertidos.”● Substância segunda: os passeios● Uma substância segunda não é uma substância
legítima (um indivíduo), é apenas uma propriedade ocupando o lugar gramatical do sujeito da frase; substância por analogia
Substância em Descartes
● “Por ‘substância’ não podemos entender senão a coisa que existe de tal maneira que não precise de nenhuma outra coisa para existir.” (Descartes, Princípios da filosofia, art. 51)
● Independência ontológica como critério da substancialidade
● Uma substância é um indivíduo que não depende de nenhum outro indivíduo para existir.
● DESCARTES, R. Princípios da filosofia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002.
Substância na modernidade: uma ambiguidade decisiva
● “E, de certo, só há uma única substância que se pode entender como absolutamente independente de qualquer outra coisa, a saber, Deus. Todas as outras, porém, percebemos que não podem existir a não ser graças ao concurso de Deus. E, por isso, o nome ‘substância’ não convém a Deus e a elas univocamente […].” (Descartes, Princípios da filosofia, art. 51)
● DESCARTES, R. Princípios da filosofia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002.
Divergências modernas sobre a substância
● Spinoza: só há uma única substância, pois somente um indivíduo que seja causa de si mesmo (causa sui) pode ser ontologicamente independente
● Leibniz: há uma quantidade atualmente infinita de substâncias, pois cada indivíduo é logicamente autossuficiente, isto é, logicamente independente de todos os outros
Spinoza
Metodologia O método racionalista
O método da geometria
Substância
O método racionalista
Descobrir a verdade, caso a busquemos
Demonstrá-la, quando a possuímos
Discernir o verdadeiro do falso, quando examinamos
Em suma, provar as verdades já encontradas, e torná-las tão claras que a prova seja incontestável.
PASCAL, B. Do espírito geométrico. In: ___. Do espírito geométrico e da arte de persuadir. Porto: Porto Editora, 2003. p. 11-56.
O método da geometria euclidiana
Provar cada proposição
Dispor as proposições na melhor ordemPASCAL, B. Do espírito geométrico. In: ___. Do espírito geométrico e da arte de persuadir.
Porto: Porto Editora, 2003. p. 11-56.
Uma demonstração geométrica
Postulado: dados dois pontos distintos, uma única reta os contém
Teorema: duas retas concorrentes (distintas e que se interseccionam) se interseccionam em um único ponto
Demonstração: digamos que duas retas r e s concorram no ponto P. Seja Q outro ponto qualquer que está nas duas retas. Pelo Postulado, P e Q determinam a reta r, e também a reta s. Logo, r e s são a mesma reta, o que mostra que a concorrência só se dá em um único ponto. Q.E.D. (Quod Erat Demonstrandum, “o que era para ser demonstrado”)
Ver o cap. 1 de: REZENDE, A. Q. F.; DE QUEIROZ, M. L. B. Geometria euclidiana e construções geométricas. 2. ed. Campinas: Editora Unicamp, 2008.
Substância em Spinoza
● “Por substância compreendo aquilo que existe em si mesmo e que por si mesmo é concebido, isto é, aquilo cujo conceito não exige o conceito de outra coisa do qual deva ser formado.” (Spinoza, Ética 1d3)
● “Além de Deus, não pode existir nem ser concebida nenhuma substância.” (1p14)
● “Tudo o que existe, existe em Deus, e sem Deus, nada pode existir nem ser concebido.” (1p15)
● SPINOZA, B. Ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
Como citar a Ética
● Parte: 1, 2, 3, 4 ou 5 (ex. Ética 2, a 2ª parte da Ética) ● Axioma: a (ex. 2a4, o axioma 4 da 2ª parte da Ética)● Definição: def (ex. 4def1, a definição 1 da 4ª parte da
Ética)● Proposição: p (ex. 2p1, a proposição 1 da 2ª parte da
Ética)● Demostração: d (ex. 3p10d, a demonstração da
proposição 10 da 3ª parte da Ética)● Corolário: c (ex. 2p9c, o corolário da proposição 9 da 2ª
parte da Ética)● Escólio: e (ex. 3p9e, o escólio da proposição 9 da 3ª parte
da Ética)
Monismo substancial spinozano
● A realidade é composta de um único indivíduo que é ontologicamente independente de todos os outros: a natureza, isto é deus
● Tudo o mais que existe, existe na natureza, e não é substância, mas sim modo (modificação) da substância
● A natureza é composta de infinitas modificações (1p16)
Descartes vs Spinoza:Deus, mente e corpo
● Descartes: Deus é substância distinta das mentes finitas e da matéria
● Spinoza: Deus é em si mesmo, Deus não tem uma mente tal como a humana, as mentes finitas são em Deus, assim como os corpos
Metafísica spinozana
● Tudo é na Substância (1a1, 1p15)● Não há diferentes domínios do ser (diferente de
Kant e Frege, p.ex.), mas há diferentes graus de realidade ou perfeição: mais atributos = mais realidade (CHAUI, 1999, p. 837)
● Chaui, M. A nervura do real: imanência e liberdade em Espinosa. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
Substância● Produtividade pura; os modos são as estruturas
que a Substância se dá (MATHERON, 1988, p. 13) – e a Substância se dá todas as estruturas que pode se dar (Princípio de Plenitude; LOVEJOY, 2005, p. 57-59)
● Concebido por = engendrado por; princípio de inteligibilidade = causa eficiente (MATHERON, 2012, p. 16)
● LOVEJOY, A. O. A grande cadeia do ser. São Paulo: Palíndromo, 2005 (1936).
●
MATHERON, A. Individu et communauté chez Spinoza. Paris: Minuit, 1988 (1969).
Plenitude
● “Deus é a projeção ontológica da proposição: ‘Todos os indivíduos possíveis devem existir.’” (MATHERON, 1988, p. 16)
● A matéria toma todas as formas possíveis sucessivamente (MATHERON, 1988, p. 27)
● Matheron, A. Individu et communauté chez Spinoza. Paris: Minuit, 1988 (1969).
Atributos
● Extensão é atividade espacializante (MATHERON, 1988, p. 13)
● Infinidade de atributos: cada um dos infinitos modos é dado de uma infinidade de maneiras (MATHERON, 1988, p. 16)
● Matheron, A. Individu et communauté chez Spinoza. Paris: Minuit, 1988 (1969).
Substância em Leibniz
● “[…] a natureza de uma substância individual ou de um ser complexo consiste em ter uma noção tão perfeita que seja suficiente para compreender e fazer deduzir de si todos os predicados do sujeito a que se atribui esta noção […].” (Leibniz, Discurso de metafísica, §8)
● Leibniz sacrifica a independência ontológica em nome da independência lógica
● LEIBNIZ, G. W. Discurso de metafísica. In: Os pensadores: Newton / Leibniz. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 117-152.
Leibniz: tudo é dedutível da noção de uma substância individual
Noção completa de César:César nasceu em SJC e fez ensino médio em
Taquara e se graduou em Porto Alegre e …
Disso se deduz, pela regra da eliminação da conjunção (simplificação: se p e q, então p):César nasceu em SJC
A noção de cada indivíduo expressa todo o universo a partir de um ponto de vista
Sistema leibniziano● Princípio de identidade, A é A: Toda proposição
analítica é verdadeira● Princípio de razão suficiente: Toda proposição
verdadeira é analítica● Princípio de causalidade: A noção de um indivíduo
inclui a totalidade do mundo● Individualidade: A noção de um indivíduo expressa o
universo inteiro● Perspectivismo: O ponto de vista constitui o sujeito● Modalidades: Nem todos os possíveis são compossíveis
DELEUZE, G. Exasperación de la filosofia: el Leibniz de Deleuze. Buenos Aires: Cactus, 2006.
Analiticidade
● Uma frase é analítica caso o predicado esteja contido no sujeito
Definições: Ouro é o elemento químico de número atômico 79, Dança é a arte e técnica de seguir ritmos musicais com o corpo (Míni Houaiss de 2001)
● Para Leibniz, qualquer frase verdadeira é analítica, pois a verdade da frase se deduz do fato do predicado pertencer ao sujeito
Expressão
● “[…] essa acomodação de todas as coisas criadas a cada uma, e de cada uma a todas as outras, faz com que cada substância simples tenha relações que exprimem todas as outras e seja, por conseguinte, um perpétuo espelho vivo do universo.” (Leibniz, Monadologia, §56)
● LEIBNIZ, G. W. A monadologia. In: ___. A monadologia e outros textos. São Paulo: Hedra, 2009. p. 25-42.
Indivíduo
● Spinoza: os indivíduos, ou modos, ou coisas singulares, existem em Deus
● Leibniz: indivíduos são substâncias
Indivíduo em Spinoza
● “Por modo compreendo as afecções de uma substância, ou seja, aquilo que existe em outra coisa, por meio da qual é também concebido.” (Spinoza, Ética, 1def5)
Spinoza: indivíduos● Só existem em comunidade (MATHERON, 1988,
p. 19). ● Se há um, há muitos – argumento contra o
cogito cartesiano (LEVY, 1997)● Não separar a atividade produtora do produto
(MATHERON, 1988, p. 21)● Levy, L. “‘Eu sou, eu existo: isto é certo; mas por quanto tempo?’ (AT VII, 27; IX-1, 21): o
tempo, o eu e os outros eus.” Analytica, v. 2, n. 2, p. 161-185.
● Matheron, A. Individu et communauté chez Spinoza. Paris: Minuit, 1988 (1969).
Singularidade
● É pressuposto que há indivíduos (BARTUSCHAT, 2010, p. 47)
● Várias coisas que em conjunto são a causa de um único efeito são uma coisa singular (2d7)
● Humanos em harmonia como que formam um único corpo (4p18e)
● Realidade irredutível do indivíduo, e da sua essência (MATHERON, 1988, p. 9-10).
● Bartuschat, W.. Espinosa. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.
● Matheron, A. Individu et communauté chez Spinoza. Paris: Minuit, 1988 (1969).
Corpos
● Se distinguem pelo movimento e repouso (2p13l1)
● Dois corpos podem se unir, formando um terceiro mais forte, ou se destruirem● John + Paul + George + Ringo = The Beatles● Animal + ferramenta = animal saudável, ferramenta
preservada● Animal + comida = animal saudável, comida
destruída● Animal + projétil = cadáver
Indivíduo em Leibniz
● “[…] a natureza de uma substância individual ou de um ser complexo consiste em ter uma noção tão perfeita que seja suficiente para compreender e fazer deduzir de si todos os predicados do sujeito a que se atribui esta noção […].” (Leibniz, Discurso de metafísica, §8)
● Nos anos 1710s, Leibniz passará a usar o termo técnico mônada para designar as substâncias individuais
Modalidades
● Spinoza: tudo o que pode existir existe em ato.● Leibniz: o entendimento divino é a terra dos
possíveis. Deus contempla os indivíduos possíveis, e cria o universo com os melhores indivíduos possíveis que são compossíveis.
Modalidades em Spinoza
● “[…] as coisas não poderiam ter sido produzidas por Deus de nenhuma outra maneira, nem em qualquer outra ordem, […] não há certamente qualquer razão sólida que possa nos persuadir a crer que Deus não tenha querido criar todas as coisas que existem em seu intelecto e com a mesma perfeição com que as compreende.” (Spinoza, Ética, 1p33e2)
● Necessitarismo: é necessário que as coisas sejam como são, é impossível que sejam de outro modo
Modalidades em Leibniz
● “Toda a gente concordará estarem assegurados os futuros contingentes, visto Deus os prever, mas daqui não segue a sua necessidade. […] há duas espécies de conexão ou consecução: é absolutamente necessária só aquela cujo contrário implique contradição […].” (Leibniz, Discurso de metafísica, §13)
● Somente o contraditório é impossível, tudo o mais é possível
Modalidades: Kant, Leibniz, Platão“[…] Kant traduz realidade de maneira bastante pertinente como
coisidade, como determinação da coisa [KrV B 182]. Real é aquilo que pertence à res. Quando Kant fala da omnitudo realitas, da totalidade das realidades, ele não tem em vista a totalidade daquilo que é efetivamente presente à vista, mas, ao contrário, precisamente a totalidade das determinações possíveis da coisa, a totalidade dos conteúdos materiais, das essencialidades, das coisas possíveis. A realitas é, por conseguinte, equivalente à expressão leibniziana: possibilitas, possibilidade. As realidades são os conteúdos quiditativos das coisas possíveis em geral, abstraindo-se do fato de elas serem realmente efetivas, em nosso sentido moderno ‘reais’, ou não. O conceito de realidade é equivalente ao conceito da idea platônica como aquilo que é apreendido de um ente quando eu pergunto: ti esti, o que é o ente? Neste caso, a resposta me é fornecida pelo conteúdo quiditativo da coisa, um conteúdo que a escolástica designava com o termo res.” (Heidegger, Probl. fund. fen., p. 53-54)
HEIDEGGER, M. Os problemas fundamentais da fenomenologia. Petrópolis: Vozes, 2012.
Modalidades e realidade
Tradição, renovada por Leibniz (e D. Lewis):
essência real possível→ →Visão contemporânea:
real atual→Visão de Spinoza:
real necessário→
Modalidades, estilo séc. XIII
Imagem retirada de: KNUUTTILA, S. Medieval Theories of Modality. In: ZALTA, E. N. (Ed.). The Stanford encyclopedia of philosophy, 05 feb. 2013. Disponível em: <http://plato.stanford.edu/entries/modality-medieval/>. Acesso em: 11 set. 2013.
Versão contemporânea
ATodos os animais são antas(x)(x é animal → x é anta)
ETodos os animais não são antas(x)(x é animal → x não é anta)
IExiste um animal que é anta( x)(x é animal e x é anta)
OExiste um animal que não é anta( x)(x é animal e x não é anta)
Cf. p. 289-90 de: COPI, I. M. Introdução à lógica. São Paulo: Mestre Jou, 1978.
Interpretação do quadrado
Supondo a existência de ao menos um indivíduo…
Contrárias: podem ser ambas falsas, mas não podem ser ambas verdadeiras – “Todos os animais são antas” e “Todos os animais não são antas”
Subcontrárias: podem ser ambas verdadeiras, mas não podem ser ambas falsas – “Existe um animal que é anta” e “Existe um animal que não é anta”
Contraditórias: uma tem que ser verdadeira, a outra falsa
Subalternas: a verdade da de baixo está suposta na verdade da de cima
Cf. p. 287 de: COPI, I. M. Introdução à lógica. São Paulo: Mestre Jou, 1978.
O quadrado, Spinoza e Leibniz
Spinoza: a realidade não contém nem contraditórios, nem contrários
Leibniz: a realidade não contém contraditórios, mas contém contráriosIsto é: faz parte da realidade (considerada como o
conjunto de todos os mundos possíveis) como um todo (mas não de um dado mundo possível) poder haver coisas que são de um jeito e coisas que não são de um jeito, como animais que são antas e animais que não são antas
Leis naturais
● Spinoza:– Leis naturais são invioláveis
– As mesmas leis naturais explicam tudo, inclusive a mente e o corpo
● Leibniz: – Por elegância, Deus cria o universo segundo umas
poucas leis primárias invioláveis. Mas o universo também é regido por leis secundárias que podem ser violadas. (Logo, milagres são possíveis.)
– As mentes seguem a causalidade final, os corpos seguem a causalidade eficiente
Natureza em Spinoza
● “[…] a substância pensante e a substância extensa são uma só e a mesma substância, compreendida ora sob um atributo, ora sob o outro.” (Spinoza, Ética, 2p7e)
● Se tudo o que há é uma única substância, só há um tipo de lei natural
● É possível explicar capacidades mentais (como a memória) por configurações corporais (do cérebro, por exemplo) – neurociência
Natureza em Leibniz
● “Como estabelecemos acima uma Harmonia perfeita entre dois Reinos Naturais, um das causas Eficientes, outro das Finais, devemos notar aqui, ainda, uma outra harmonia entre o reino físico da Natureza e o Reino Moral da Graça, isto é, entre Deus considerado Arquiteto da Máquina do universo e Deus considerado Monarca da Cidade divina dos Espíritos.” (Leibniz, Monadologia, §87)
Conhecimento e realidade
● Spinoza: não podemos conhecer tudo, o que nos impede de ter liberdade total
● Leibniz: em certo sentido, conhecemos tudo, ainda que confusamente
Conhecimento em Spinoza
● “[…] as paixões só estão referidas à mente enquanto ela tem algo que envolve uma negação, ou seja, enquanto ela é considerada uma parte da natureza, a qual, por si só, sem as outras partes, não pode ser percebida clara e distintamente.” (Spinoza, Ética, 3p3e)
● Conhecimento sensível é paixão; logo, é negação da independência ontológica do sujeito
● Conhecimento racional é ação; logo, afirmação da própria liberdade
Gêneros de conhecimento (2p40e2)1.Particular e inadequado (por passividade, percepção
sensível, 2p29c) • Conhecimento adequado → fundado apenas no sujeito,
e portando suas próprias credenciais (2p31; MOORE, 2012, p. 59)
2. Geral e adequado, de propriedades comuns a todas as coisas (2p37, 2p40e2; MOORE, 2012, p. 61)
3.Particular e adequado, da essência (singular) de uma coisa singular (2p40e, 3p7; MOORE, 2012, p. 62)
• Saber o que x pode fazer, pois isto é o que x é (o poder fazer é a essência [o o-que-é] de x)
● MOORE, A. W. The evolution of modern metaphysics: making sense of things. Oxford: Oxford University Press, 2012.
Conhecimento do 3º gênero
● Conhecer uma coisa singular do seu interior, como se a tivéssemos feito, podendo deduzir da sua natureza o que é efeito (MATHERON, 1988, p. 11)
● Matheron, A. Individu et communauté chez Spinoza. Paris: Minuit, 1988 (1969).
Conhecimento em Leibniz
● “Ora, esse vínculo ou essa acomodação de todas coisas criadas a cada uma, e de cada uma a todas as outras, faz com que cada substância simples tenha relações que exprimem todas as outras e seja, por conseguinte, um perpétuo espelho vivo do universo.” (Leibniz, Monadologia, §56)
● “No entanto, quando há uma grande quantidade de pequenas percepções em que nada há de distinto, fica-se atordoado [...].” (§21)
Liberdade
● Spinoza: a crença no livre-arbítrio é fruto da ignorância. Mas podemos nos libertar: nos esclarecendo, sendo causas das nossas próprias ações.
● Leibniz: Deus cria indivíduos que têm livre-arbítrio.
Liberdade em Spinoza
● “Diz-se livre a coisa que existe exclusivamente pela necessidade de sua natureza e que por si só é determinada a agir. E diz-se necessária, ou melhor, coagida, aquela coisa que é determinada por outra a existir e a operar de maneira definida e determinada.” (Spinoza, Ética, 1def7)
● Um ser humano é um modo. Logo, algo que não pode ser absolutamente livre
● Mas a compreensão da realidade é uma espécie de terapia libertadora (aceitação do destino, estoicismo)
Liberdade em Leibniz● “Diz-se que a criatura age exteriormente na
medida em que possui perfeição; e que padece de outra na medida em que é imperfeita. Assim, atribui-se Ação à Mônada enquanto tem percepções distintas; e paixão, quando as tem confusas.” (Leibniz, Monadologia, §49)
● Há livre arbítrio, mas não há ação de uma coisa sobre outra, pois relações (inclusive causações de um ente criado sobre outro) são irreais (Monad., §7)
● RODRIGUEZ-PEREIRA, G. Leibniz: mind-body causation and pre-established harmony. In: LE POIDEVIN, R.; SIMONS, P.; McGONIGAL, A.; CAMERON, R. P. (Eds.). The Routledge companion to metaphysics. London: Routledge, 2009. cap. 11, p. 109-118.
Epílogo: Deus● “Não poderíamos […] dizer que […] o divino, longe
de ser um constrangimento para o pintor, é o lugar da sua emancipação máxima? […] com Deus se pode fazer qualquer coisa […].” (Deleuze, En medio de Spinoza, p. 22)
● “[…] assim como o pintor se servia de Deus para que linhas, cores e movimentos já não estivessemm obrigados a representar algo existente, o filósofo se serve de Deus, nessa época, para que os conceitos não estejam obrigados a representar algo prévio, totalmente dado.” (p. 25)
● DELEUZE, G. Exasperación de la filosofia: el Leibniz de Deleuze. Buenos Aires: Cactus, 2006.