FACULDADE TEOLOGICA E CULTURAL DA BAHIA - FATECBA
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS DA RELIGIÃO
ALTEMAR OLIVEIRA MENESES
MISSÃO INTEGRAL, A IGREJA COMO AGENTE DO REINO DE DEUS.
SÃO PAULO, 16/06/2013
ALTEMAR OLIVEIRA MENESES
MISSÃO INTEGRAL, A IGREJA COMO AGENTE DO REINO DE DEUS
Trabalho de Curso submetido à (Faculdade
Teológica e Cultural da Bahia) como parte dos
requisitos necessários para a obtenção do Grau
de Mestre em Ciências Sociais da Religião.
Sob a orientação do Professor Dr. Davi
Oliveira Boa Sorte.
São Paulo/SP, 2013.
ALTEMAR OLIVEIRA
MISSÃO INTEGRAL, A IGREJA COMO AGENTE DO REINO DE DEUS.
Trabalho de Curso submetido à Faculdade
Teológica e Cultural da Bahia - FATECBA,
como parte dos requisitos necessários para a
obtenção do Grau de Mestre em Ciências
Sociais da Religião.
___________________________
Dr. Davi Oliveira Boa Sorte
Orientador/ FATECBA
___________________________
Prof° Jander Nascimento
FATECBA
___________________________
Prof° Elí dos Santos
FATECBA
“Dedico este trabalho primeiramente à Deus,
por ter me concedido a oportunidade de
conhecer e serví-lo, dedico também a minha
família e em especial minha esposa Cris, pela
paciência e dedicação às coisas concernentes
ao Reino de Deus, sem você não chegaria até
aqui.”
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos os que me ajudaram direta e
indiretamente na elaboração deste trabalho, a coor-
denadora Walquíria pela presteza, aos professores,
que colaboraram de forma especial na elaboração
do trabalho.
“A Missão da Igreja é manifestar, aqui e
agora como sinal profético, a maior densidade
possível do Reino de Deus, que se consumará
ali e além”.
Dom Robinson Cavalcanti
RESUMO
Fazer Teologia no século XXI não tem sido tarefa fácil, devido as grandes facilidades
que o mundo moderno oferece, como a secularização, a miscigenação do profano com o sa-
grado, alguns chegam a afirmar que a religião está com seus dias contados. É diante deste con-
texto, que somos desafiados a fazer uma teologia que seja relevante ao contexto tricotômico
sócio-econômico-cultural em que vivemos hoje que se faz cada vez mais necessário requerer
que os pregadores utilizem cada vez mais o texto bíblico levando em consideração as necessi-
dades do homem secularizado, da mesma maneira que os cristãos primitivos atualizaram a
mensagem do AT nos termos de Jesus para as comunidades judaico-gentílicas do primeiro
século. Ao apresentar este trabalho, não quero propor adequações do texto bíblico à moralida-
de atual, mas trabalhar a ideia de que a interpretação das Escrituras não é a simples leitura da
mesma na forma litúrgica, mas a utilização da mesma mensagem pregada na Bíblia, dos con-
ceitos que se aprende sobre Deus, numa linguagem que o homem hodierno possa compreen-
der.
Devemos ir a busca de uma teologia compromissada com a evangelização e a ação
social, que possa integrar uma forte espiritualidade religiosa com um forte trabalho social,
tendo uma visão holística do ser humano, testemunhando Jesus como Senhor e Salvador, com
um evangelho encarnado na vida das pessoas e na sociedade, anunciando o evangelho com
todo o seu carisma e amor e levando o “Evangelho todo, para o homem todo, para todos os
homens”.
Palavras-chave: Missão Integral, Teologia Moderna, Missões, Teologia na América Latina.
ABSTRACT
Doing Theology in the XXI century has not been an easy task because of the great fa-
cilities that the modern world offers, such as secularization, the mixing of the profane and the
sacred, some even claim that religion has its days numbered. It is within this context that we
are challenged to make a theology that is relevant to the context tricotomic socio-economic
and cultural environment in which we live today it is increasingly necessary to require that
employers increasingly use the biblical text taking into consideration the needs the secularized
man, just as the early Christians updated the message of Jesus in New Testament pursuant to
the Gentile-Jewish communities of the first century. When you submit this job, do not want to
propose adaptations of the biblical text to the current morality, but working the idea that the
interpretation of Scripture is not simply reading the same in for ma-liturgical, but use the same
message preached in the Bible , the concepts you learn about God in a language that today's
man can understand.
We go searching for a theology committed to evangelism and social action, which
can incorporate a strong religious spirituality with a strong social work, having a saw-are ho-
listic human being, witnessing Jesus as Lord and Savior, with a gospel embodied in people's
lives and society, preaching the gospel with all his charisma and love and taking the "whole
Gospel for the whole man."
Keywords: Integral Mission, Modern Theology, Missions, Theology in Latin America.
SUMÁRIO
i. INTRODUÇÃO .................................................................................................... 10
1. DEFININDO O REINO DE DEUS ....................................................................... 11
1.1 O Reino de Deus e suas características..............................................................................11
1.2 Sinais Visíveis do Reino de Deus ...................................................................................... 12
1.2.1 A Igreja e o Reino de Deus ............................................................................................................. 13
2. MISSÃO INTEGRAL um novo despertar ............................................................. 17
2.1 O Movimento Evangelical Sul-Americano ......................................................................... 17
2.1.1 Os Clades ...................................................................................................................................... 19
2.1.2 O Tratado de Lausanne ................................................................................................................... 20
2.1.3 Missão Integral e a Igreja ............................................................................................................... 22
3. Evangelho e Cultura ............................................................................................. 24
4. A SOTERIOLOGIA DA MISSÃO INTEGRAL .................................................... 26
5. A ECLESIOLOGIA DA MISSÃO INTEGRAL ..................................................... 30
3.1 O presente século e a Igreja ............................................................................................ 30
3.1.1 Os desafios da Igreja no século XXI ................................................................................................ 32
3.2 A Igreja como portadora das Boas Novas de Cristo ........................................................... 34
3.2.1 As estruturas da igreja .................................................................................................................... 35
3.2.2 A mensagem da Igreja .................................................................................................................... 36
3.2.3 O Ministério integral da Igreja ........................................................................................................ 37
ii. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 43
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 46
ANEXOS ................................................................................................................... 48
I. INTRODUÇÃO
Esta pesquisa não tem como intuito esgotar o tema, mas tentar mostrar que a forma
com que se faz teologia no Brasil, pode ser mais eficiente, se a fizermos olhando para o con-
texto sócio cultural da realidade em que vivemos. Para isso, precisamos buscar novos horizon-
tes que possam atingir o homem em sua totalidade. Creio que o melhor modelo teológico nos
dias atuais é aquele que chamamos de Teologia da Missão Integral, onde propõe a mescla da
ação social com o evangelismo olhando para o ser humano como uma criatura de Deus na sua
totalidade com necessidades físicas, materiais e espirituais. Ela pretende desalienar as práticas
de fé existentes na grande maioria das comunidades e nas atitudes das pessoas.
A igreja precisa compreender que evangelizar não é simplesmente distribuir folhetos
como alguns pensam, mas sim, atender o indivíduo na totalidade de suas necessidades. Por
isso mesmo, a Igreja nunca deveria deixar se levar pela prática do paternalismo e assistencia-
lismo paliativos, porém, deveria partir sempre para uma ação social transformadora, do indi-
víduo e da sociedade, para a honra e glória de Deus Pai.
Cada igreja deve refletir sobre sua motivação em praticar evangelismo e ação social,
e todas as atividades nestas direções devem estar debaixo do serviço a Deus em primeiro lugar
(A. C. BARRO, sem data, p. 5). O ponto de partida é o parâmetro bíblico e o contexto da igre-
ja local.
Este texto busca, portanto, ainda que de maneira singela, auxiliar na caminhada em
direção a uma resposta acerca do significado do construto teórico teológico “missão integral”,
tão importante na história da Teologia Latino-Americana.
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1. DEFININDO O REINO DE DEUS
1.1 O Reino de Deus e suas características
Jesus apareceu no meio do seu povo anunciando o evangelho do Reino de Deus, Mt
4.17. Esta frase é uma das mais comuns usadas por Jesus. Sem dúvida alguma, representa um
dos seus ensinos mais fundamentais. De acordo com o evangelho de Marcos, Jesus começou a
anunciar o seu evangelho, dizendo que o Reino de Deus estava próximo, Mc 1.16. Indague-
mos agora qual é a verdadeira significação desta frase "O Reino dos Céus".
O termo grego usado para “Reino de Deus” é Basileia tou teou, e designa um gover-
no ou domínio em que tem Deus por soberano ou governante e não implica necessariamente
que este Reino somente se dará ao findarmos a luta do tempo presente. Ao contrário, confor-
me Cavalcanti, “A Missão da Igreja é manifestar, aqui e agora como sinal profético, a maior
densidade possível do Reino de Deus, que se consumará ali e além” (citado por KIVITS, ÉD
René).
Quando Jesus afirma, que o Reino de DEUS está no meio dos homens, pode-se com-
preender dentre outras coisas, que este reino é parte (ou deveria fazer) integrante de uma nova
proposta de uma maneira de viver, não somente do homem como ser individual, mas é uma
forma de redenção de toda a criação de Deus. Entendemos pelas Sagradas Escrituras que Deus
é um Deus que reina desde a eternidade e o que decorre das ações de Deus na terra é justa-
mente o seu reinado, e as manifestações densas do reinado de Deus na história, são manifesta-
ções deste reinado, que tem seu início no gênesis, passando por todo o Antigo Testamento e
que ficaram mais evidentes com a vida de Jesus Cristo, ou seja, é na pessoa humana de Jesus
que esse reino tem suas características e marcas acentuadas e posteriormente essas marcas de-
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vem ser sinais visíveis herdados e carregados pela igreja que tem a missão primordial de acen-
tuar o máximo possível esses sinais visíveis do Reino de Deus, que tem o Cristo como Se-
nhor.
1.2 Sinais Visíveis do Reino de Deus
A maneira mais simples de compreendermos e visualizarmos estes sinais são a leitura
mais profunda dos evangelhos e mais precisamente na vida e obra de Jesus, que nos trazem à
tona todos os sinais acerca deste reino conforme veremos abaixo:
a) Em Jesus o Reino de Deus é manifesto como o reino que ultrapassa a todas as re-
gionalizações, como um reino que não se deixa conter em fronteiras (Mt 4:5).
Conforme lemos no texto supracitado, podemos entender que o reino de Deus se manifes-
ta como maior do que a fronteira religiosa, porque a tentação de ir ao pináculo do templo e de
lá se lançar, para que Deus enviasse anjos para segurá-lo, era uma tentação para consumo da
instituição religiosa, ou seja, serviria para satisfazer os anseios religiosos daquelas pessoas
que queriam um messias por encomenda, conforme a imagem e semelhança dos projetos de-
les, e Jesus nega veementemente e confronta aquela tentação, dando a entender nas entrelinhas
de que o reino de Deus, o qual ele veio manifestar, jamais se permitiria se manter nas frontei-
ras do consumo dos interesses da religiosidade, porque o reino não pode jamais se conter com
as barreiras da religiosidade, seja ela qual for.
b) O Reino é maior do que a fronteira carismática (Mt 4:3).
Esta tentação de transformar as pedras em pães é a tentação de fazer o reino existir
simplesmente para o consumo carismático (leia-se busca incessante pelos milagres). O Reino
é maior que a dimensão do milagre.
c) O Reino é maior do que a fronteira política (Mt 4:8).
Tudo isso te darei, se prostrado me adorares, nada mais é do que a tentativa de colocar
mediações ou instrumentos políticos nas mãos de Jesus para ele realizar o reino, mas
Jesus rebate afirmando que o Reino não se deixa levar por nenhuma estrutura que não
seja vinda diretamente do próprio Deus.
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d) Em Jesus, o Reino de Deus vence os preconceitos (Lc 10: 25-37).
Na história do bom samaritano, Jesus no mostra que o reino de Deus não tem lugar para pre-
concepções acerca de quem quer que seja, pois no contexto em que Jesus ensinou essa parábo-
la, o samaritano era considerado o menos provável para realizar atos de misericórdia e apre-
sentar sinais do reino de Deus, e em meio a tudo isso, Jesus elege o samaritano como exemplo
de amor fraternal, nos dando a lição de que no Reino de Deus as nossas preconcepções preci-
sam ser esvaziadas.
e) Em Jesus, o Reino de Deus muda a concepção do profano e o sagrado.
Em Jesus, temos a consciência de que não devemos particionar a nossa vida entre o profano e
o sagrado, toda a nossa vida deve ser um culto de louvor ao nosso Deus, no reino de Deus não
há espaço para essa dicotomia.
f) Em Jesus, o Reino de Deus se manifesta como um reino absoluto no seu acolhi-
mento. (Lc 13:18)
Esse reino de acolhimento absoluto, nada mais é do que o reino de aconchego, asilo, e uma
das figuras do Reino de Deus na vivência de Jesus, foi essa de trazer sombra e aconchego
àqueles que não tinham onde se repousar, e foi justamente isso que Jesus fez de fato com to-
dos àqueles que não tinham esperança na vida como as meretrizes, os pagãos, os pobres rejei-
tados, os doentes, as crianças, todas essas pessoas encontraram no reino de Deus enviesado
por Jesus, um refrigério para suas almas, e também dignidade para suas vidas não somente na
divisão espiritual, mas também na dimensão física.
1.2.1 A Igreja e o Reino de Deus
Nos evangelhos, a mensagem pregada por Jesus é identificada como “o evangelho do
reino” (Mt 4.23; 9.35; 24.14; Mc 1.14-15; Lc 4.43; 8.1; 16.16). Esse reino é o “reino de Deus”
ou sua expressão sinônima “reino dos céus”, que ocorre somente em Mateus (3.2; 4.17, etc.;
ver, porém, 12.28; 19.24; 21.31,43). O Evangelho de João usa poucas vezes a expressão “rei-
no de Deus” (só em 3.3,5), possivelmente substituindo-a por conceitos equivalentes, como
“vida eterna”. Ao todo, a expressão ocorre mais de 80 vezes nos evangelhos.
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O conceito do reinado ou senhorio de Deus era familiar aos ouvintes de Jesus, estan-
do presente no Antigo Testamento. Desde o início, Deus deixou claro que ele era o verdadeiro
rei de Israel. Quando o povo pediu um rei humano, o Senhor manifestou o seu descontenta-
mento (1 Sm 8.5-7). A ideia de Deus como rei está presente em todas as Escrituras vetero-
testamentárias (Dt 33.5; Jz 8.23; Is 43.15; 52.7), em especial nos Salmos (10.16; 22.28; 24.7-
10; 47.2,7-8; 93.1; 97.1; 99.1,4; 103.19; 145.11-13). Algumas passagens identificam o reino
de Deus com o reino de Davi (1 Cr 17.14; 28.5; 29.11; Jr 23.5; 33.17). Esse reino será eterno
e só alcançará a sua consumação em um tempo futuro, assumindo feições escatológicas (Dn
2.44).
Aos tempos de Jesus, os judeus piedosos esperavam a vinda do reino (Mc 15.43; Lc
23.51). Após séculos de dominação estrangeira, havia uma tendência natural de se entender o
reino politicamente – a restauração do antigo reino de Israel. A vinda do reino seria (para eles)
a repentina interferência de Deus na vida do seu povo, libertando-o de seus opressores e res-
taurando a sua liberdade, independência e prosperidade como nos dias de Davi.
O Novo Testamento não identifica a igreja com o reino de Deus. Obviamente há uma
relação entre ambos, mas não uma coincidência plena. A igreja tem limites claros, assume
formas institucionais, tem líderes humanos. Nada disso se aplica ao reino de Deus, que é mais
intangível, impalpável. Este é uma realidade que transcende os limites da igreja e que pode
não estar presente em todos os aspectos da vida da igreja. É como dois círculos que se sobre-
põem em parte e que se afastam em parte. Historicamente, a igreja por vezes tem se harmoni-
zado com o reino, outras vezes tem estado em contradição com ele.
Todavia, dada a importância da igreja no propósito de Deus, ela é chamada para ex-
pressar a realidade do reino, para ser o principal agente do reino de Deus no mundo. Para que
isso aconteça, a igreja e seus membros precisam manifestar os sinais do reino, ser instrumen-
tos do reino na vida das pessoas, da sociedade, do mundo. Sempre que a igreja busca em pri-
meiro lugar a glória de Deus, fazer a vontade de Deus, viver uma vida se humildade, amor,
abnegação, altruísmo, solidariedade, etc., ela se torna agente e instrumento do reino.
A oração do Senhor Jesus é um bom ponto de partida para se refletir sobre o reino de
Deus. Nessa oração, Jesus coloca Deus em primeiro lugar, como o centro dos nossos interes-
ses e afeições, e relaciona isso com o reino. “Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o
teu nome; venha o teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu” (Mt 6.9-10).
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O reino de Deus torna-se presente quando os crentes se unem para invocar a Deus como Pai,
quando reconhecem a sua soberania sobre suas vidas, quando o reverenciam e se submetem a
ele, quando procuram fazer a sua vontade na terra como ela é feita no céu.
Para que a igreja seja uma verdadeira agente do reino, primeiramente ela precisa re-
fletir sobre a sua relação com Deus, fazer disso a sua prioridade máxima, identificar-se com os
seus propósitos, associar-se a Ele em sua obra de restauração da criação. A igreja precisa ser
cristocentrica, a começar do seu culto. Quando o culto e a vida da igreja são voltados em pri-
meiro lugar para a satisfação de necessidades humanas, e não para a glória e o louvor de Deus,
a igreja deixa de ser cristocêntrica, e em assim fazendo, não pode ser agente do reino de Deus
no mundo.
Ao mesmo tempo em que cultiva a sua vida com Deus, a igreja deve ser um lugar de
relacionamentos interpessoais transformados. Uma igreja cristocêntrica será também um lugar
de companheirismo, solidariedade e edificação mútua. Essa é uma das grandes ênfases do No-
vo Testamento. Assim como Deus nos amou e nos perdoou em Cristo, também devemos
amar, aceitar e ministrar uns aos outros. Daí o grande número de exortações em que aparecem
as palavras “mutuamente” ou “uns aos outros”.
Como corpo de Cristo, a igreja deve reconhecer, respeitar e até celebrar certas dife-
renças; ao mesmo tempo, deve transcender essas diferenças, cultivando uma vida de união e
fraternidade (Rm 10.12; 1 Co 12.12-27; Gl 3.28). Isso fica especialmente claro no que diz res-
peito aos dons (capacitações para testemunho e serviço), que são sempre discutidos em cone-
xão com o corpo de Cristo (Rm 12.3-8; 1 Co 12.1-12; Ef 4.11-12). Os dons espirituais só têm
razão de ser quando são exercidos, não para proveito e exaltação pessoal, mas para a edifica-
ção dos irmãos, para a realização do ministério da igreja. Um dos argumentos que Paulo usa
em favor da tolerância na igreja é o fato de que não se deve fazer perecer “o irmão por quem
Cristo morreu” (ver Rm 14.15; 1 Co 8.11).
A missão primordial da igreja no que diz respeito ao mundo é a proclamação do
“evangelho do reino”, assim como fizeram Jesus e os seus discípulos. Corretamente entendi-
do, esse evangelho inclui muitas coisas importantes. Em primeiro lugar, esse evangelho é um
convite a indivíduos, famílias e comunidades para se reconciliarem com Deus mediante o ar-
rependimento e a fé em Cristo. Todavia, o evangelho são as boas novas de Deus para todos os
aspectos da vida, pessoal e coletiva. Assim sendo, a legítima proclamação do evangelho não
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vai se limitar ao aspecto religioso e à dimensão individual (experiência de conversão pessoal),
mas vai mostrar o senhorio de Cristo sobre todos os aspectos da existência.
Além disso, essa proclamação não ficará restrita ao aspecto verbal, mas incluirá
ações concretas que expressem a amor de Deus pelas pessoas (Tg 2.14-17; 1 Jo 3.16-18). Aí
podem ser incluídas muitas iniciativas, que vão desde o socorro a necessidades imediatas até a
luta por mudanças estruturais que irão produzir maior justiça na sociedade. Exemplos: auxílio
financeiro a pessoas e instituições, trabalho voluntário, mobilização para a criação de leis jus-
tas, luta pela ética na vida pública, participação em projetos comuns com outras igrejas e insti-
tuições, etc.
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2. MISSÃO INTEGRAL UM NOVO DESPERTAR
Neste capítulo forneceremos uma visão panorâmica dos acontecimentos que marca-
ram o despertar da missão integral no decorrer da história e na formação teológica dentro das
igrejas com o seu pensamento e prática evangelizadora de forma integral. Em primeiro lugar,
apresentaremos uma sinopse dos eventos e aspectos que originam o movimento evangelical,
destacando os antecedentes históricos, o pacto de Lausanne e os Congressos Latino-
americanos de Evangelização (CLADE’s). Em segundo lugar, apresentaremos a missão inte-
gral da igreja, destacando de forma sucinta o pensar teológico manifesto na igreja.
2.1 O Movimento Evangelical Sul-Americano
O século XX foi marcado pelo debate da igreja em torno da relação entre, evangeli-
zação e civilização, ou seja, evangelismo e responsabilidade social, contexto onde diferentes
autores procuraram expressar a missão da igreja em termos de desenvolvimento, presença
cristã na sociedade, diálogo inter-religioso, justiça e paz, diaconia e outros conceitos.
Estas reflexões desencadearam em diversas conferências, entre elas, destacamos a cé-
lebre Conferência Missionária Mundial, realizada em Edimburgo em 1910, que estimulou a
reflexão sistemática e abrangente sobre o trabalho missionário protestante na América Latina,
provocando assim em março de 1913, em Nova York, uma Conferência sobre missões na
América Latina, que criou a Comissão de Cooperação na América Latina (CCLA). Por sua-
vez, a CCLA patrocinou o Congresso de Ação Cristã na América Latina, reunido no Panamá
em fevereiro de 1916, o maior encontro das forças protestantes desse continente realizado até
aquela data. O Congresso mostrou a necessidade de maior cooperação em áreas como educa-
ção religiosa, missões, literatura e formação teológica. Mais especificamente, suas metas prin-
cipais foram a evangelização das classes cultas, a unificação da educação teológica através de
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seminários unidos, o desejo de dar uma dimensão social ao trabalho missionário na América
Latina e o esforço em promover a unidade protestante.
Como resultado do encontro do Panamá, nos anos seguintes realizaram-se dois con-
gressos missionários ecumênicos regionais. O primeiro, denominado Congresso de Ação Cris-
tã na América do Sul, reuniu-se em Montevidéu, Uruguai, em 1925. Em 1929, reuniu-se em
Havana o Congresso Evangélico Hispano-Americano, presidido pelo metodista mexicano
Gonzalo Baez-Camargo.
Uma segunda série de encontros do protestantismo latino-americano com caráter
ecumênico foi representada por três Conferências Evangélicas Latino-americanas: CELA I
(Buenos Aires, 1949), CELA II (Lima, 1961) e CELA III (Buenos Aires, 1969). Essas confe-
rências estavam ligadas às denominações históricas, que rapidamente tornavam-se minoritá-
rias no contexto geral do protestantismo da América Latina.
O protestantismo ecumênico das CELAs recebia a influência do protestantismo histó-
rico do hemisfério norte, já o CELA III buscava aproximar-se do catolicismo posterior ao
Concílio Vaticano II (1962-1965) e procurava responder à difícil situação social do continente
com uma teologia radical, que eventualmente identificou-se com a célebre “teologia da liber-
tação” que adquiriu notoriedade no âmbito católico romano com a segunda assembléia da
Conferência Episcopal Latino-Americana (CELAM), reunida em Medellín, Colômbia, em
1968.
Em 1962, os protestantes haviam criado a organização Igreja e Sociedade na América
Latina (ISAL), após uma consulta realizada em Huampaní, Peru, no ano anterior. Ela tornou
se o centro de convergência dos teólogos protestantes da libertação, tendo como órgão o pe-
riódico Cristianismo e Sociedade.
Ao lado das Conferências Evangélicas continentais (CELAs) e do ISAL, o protestan-
tismo ecumênico latino-americano criou várias estruturas para-eclesiásticas com o fim de
promover os seus objetivos. Alguns organismos importantes foram os seguintes: Movimento
Estudantil Cristão (MEC), União Latino-Americana de Juventudes Evangélicas, passando de-
pois para Ecumênicas (ULAJE), Agência de Serviços Ecumênicos Latino-Americanos
(ASEL), Comissão Evangélica Latino-Americana de Educação Cristã (CELADEC), Coorde-
nadoria de Projetos Ecumênicos (COPEC) e Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI).
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Uma característica desse protestantismo ecumênico era o crescente declínio do seu
ímpeto evangelizador, em contraste com a vitalidade das igrejas vinculadas a missões inde-
pendentes ou ao movimento pentecostal, que mantinham o seu vigor evangelístico apesar das
debilidades da sua teologia.
O Congresso Mundial de Evangelização de 1966, realizado em Berlim, convocado,
patrocinado e dirigido pela revista Christianity Today, para comemorar dez anos de trabalhos,
e pela Associação Evangelística Billy Graham, somou forças para a articulação mundial do
movimento evangelical contemporâneo, sendo classificado como uma reação à postura do
Conselho Mundial de Igrejas a partir dos anos de 1960 e ao movimento ecumênico. Desde en-
tão, os congressos organizados por protestantes conservadores seguiam um caminho diferente
do movimento ecumênico internacional e o latino-americano.
Do seio desse protestantismo majoritário conservador surgiu o impulso para os Con-
gressos Latino-Americanos de Evangelização (CLADE), que foram organizados pela Associa-
ção Evangelística Billy Graham, sob o impulso do Congresso Mundial de Evangelização (Ber-
lim, 1966). O CLADE I permitiu que líderes preocupados em relacionar a fé evangélica com a
realidade latino-americana compartilhassem as suas inquietações, manifestando com clareza,
na América Latina, o desejo de serem evangélicos e como evangélicos, serem latino america-
nos. Naquela ocasião e naquele contexto, tornava-se urgente que, sendo evangélicos, buscas-
sem uma teologia da encarnação que estabelecesse as pautas para um diálogo com a situação
de sofrimento e opressão que se vivia em toda a América Latina.
2.1.1 Os Clades
O CLADE I foi marcado pela diferença de pensamento entre os evangelicais e con-
servadores. Os teólogos latino-americanos não se viam representados pela teologia norte ame-
ricana dos institutos e seminários bíblicos conservadores e tampouco pela teologia ecumênica.
Portanto neste contexto, interpretado para alguns como uma separação radical, para
outros como uma radicalização amena suavizando as pendengas entre fundamentalistas e
ecumênicos, e ainda para outros como reação contra o ecumenismo, surge a divisão entre
evangelicais e conservadores, e depois a divisão destes com o grupo ecumênico. A partir de
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então, preocupados em encarar a missão e a pastoral na América Latina, manifesta-se no
CLADE I três vertentes: a ecumênica, a evangelical e a fundamentalista.
Foi neste contexto do CLADE I realizado em 1969 que se articulou a criação da Fra-
ternidade Teológica Latino-Americana (FTL), organizada no ano seguinte em Cochabamba,
Bolívia, tendo Pedro Savage como seu primeiro secretário e Samuel Escobar como seu pri-
meiro presidente. Desde o primeiro momento, a FTL procurou ser uma plataforma de encon-
tro e diálogo teológico da qual participassem pastores, missionários e pensadores evangélicos,
dentro do marco evangélico de uma lealdade comum à autoridade bíblica e à fé evangélica
como base da reflexão e de um compromisso ativo com o cumprimento da missão cristã.
Por sua vez, a Fraternidade Teológica Latino-Americana convocou os CLADEs pos-
teriores (que apresentaremos à frente) e procurou estar tão consciente da problemática social
latino-americana quanto o grupo de ISAL, mas, ao mesmo tempo, preocupou-se em abordar a
questão de uma perspectiva que entendia ser mais bíblica e equilibrada. Ela é também mais
representativa do protestantismo popular da América Latina que a sua congênere ecumênica.
Entre os seus participantes mais destacados e influentes está o líder Samuel Escobar.
No decorrer deste despertar para as missões no mundo, destacamos o Congresso
Mundial de Evangelização (Berlim, 1966), que foi a primeira grande reunião mundial de
evangélicos no século XX, que também estimulou congressos regionais de evangelização em
vários continentes. Estes por sua vez contribuíram para o Congresso Internacional de Evange-
lização Mundial (Lausanne, 1974), que evocou manifestações de opinião de toda a comunida-
de evangélica, à medida que os participantes se debatiam com as questões da teologia de mis-
são no mundo contemporâneo.
2.1.2 O Tratado de Lausanne
O Congresso Internacional de Evangelização Mundial (Lausanne, 1974), demonstrou
o desenvolvimento de uma teologia missionária amadurecida, positiva e consistente, por parte
dos evangélicos. O próprio tema “Para que o Mundo ouça a Sua (Deus) voz”, destaca a inten-
ção da igreja de reafirmar a vocação e visualizar desafios e recursos para a evangelização em
todo mundo. O Congresso de Lausanne foi considerado, na época, uma das reuniões mais glo-
bais realizada pelos cristãos. Reuniu 2473 participantes e cerca de 1000 observadores de 150
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países e 135 denominações protestantes. Foi um congresso que trouxe um despertar para os
milhares de cristãos no mundo, onde os evangélicos se puseram em dia com a época e com a
história.
Uma das grandes influências nas deliberações do congresso veio através das contri-
buições de oradores do terceiro mundo. O impacto de líderes como Samuel Escobar e C. René
Padilla, através do grupo de Discipulado Radical, foi de especial importância. Oradores latino-
americanos como René Padilla, Orlando Costas e Samuel Escobar proferiram as declarações
mais fortes no sentido de que a preocupação com as necessidades sociais da humanidade e o
envolvimento com as mesmas é uma parte necessária do testemunho e da responsabilidade
dos cristãos em favor do mundo. René Padilha com o tema “A Evangelização e o Mundo”,
afirmou:
“Nossa maior necessidade é um evangelho mais bíblico e uma igreja
mais fiel. Poderemos nos despedir deste congresso com um belo
conjunto de papéis e declarações que serão arquivadas e esquecidas, e
com lembrança de um grande e impressionante encontro de âmbito
mundial. Ou poderemos sair daqui com a convicção de que temos
fórmulas mágicas para a conversão das pessoas. Eu pessoalmente
espero em Deus que possamos sair daqui com uma atitude de
arrependimento no que diz respeito à nossa escravidão ao mundo e ao
nosso arrogante triunfalismo, com o senso de nossa incapacidade de
sermos libertos dos grilhões a que estamos atados e, apesar disso, com
grande confiança em Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que “é
poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou
pensamos, conforme o seu poder que opera em nós, a ele seja a glória,
na igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o
sempre". Amém.”
Samuel Escobar afirmou:
Uma espiritualidade sem discipulado nos aspectos diários da vida —
sociais, econômicos e políticos —, é religiosidade e não cristianismo...
De uma vez por todas, devemos rejeitar a falsa noção de que a
preocupação com as implicações sociais do evangelho e as dimensões
sociais do testemunho cristão resultam de uma falsa doutrina ou de
uma ausência de convicção evangélica. Ao contrário, é o interesse pela
integridade do Evangelho que nos motiva a acentuarmos a sua
dimensão social”.
22
2.1.3 Missão Integral e a Igreja
Em meio a um período conturbado da história recente da América Latina, quando
nosso fomos sacudidos por enormes convulsões políticas, ideológicas e sociais, muitos cris-
tãos aderiram à chamada revolucionária da Teologia da Libertação, apresentada por um ramo
da Teologia Católica Romana. A Fraternidade Teológica Latino-Americana havia feito um
esforço sério no sentido de apresentar uma alternativa a essa teologia que fosse bíblica, evan-
gélica e igualmente radical em suas implicações. Eles demonstraram que as igrejas podem
permanecer fiéis às suas convicções históricas e, ao mesmo tempo, adotar uma postura ousada
e coerente em relação às mazelas sociais. Como cristãos brasileiros, preocupados tanto com a
missão da igreja, quanto com as difíceis realidades sócio-econômicas de nosso país, devemos
levar a sério os desafios desses líderes, que falam com convicção, coerência e clareza sobre a
necessidade de um entendimento abrangente da tarefa da igreja no mundo, como agente e ins-
trumento de Deus. A atitude e as ações de Deus em relação ao mundo, especialmente como
reveladas no seu Filho, Jesus Cristo, são os nossos grandes padrões de missão.
A Bíblia fala apresenta Deus que toma a iniciativa, que vem em busca da humanida-
de com amor e compaixão, que quer dar vida e dignidade à sua criação. Isso foi ilustrado de
maneira extraordinária por Jesus, quando, em seu ministério terreno, manifestou o interesse de
Deus por todos os tipos de pessoas e pela pessoa integral. Nesta visão, fundamentado no pacto
de Lausanne, entre a teologia da libertação e o neofundamentalismo, uma nova geração de
pastores e líderes opta pela teologia da missão integral da Igreja.
A missão integral enfatiza de modo intenso que a evangelização e a ação social não
podem ser separados, tornando necessário pregar Jesus Cristo como Senhor e Salvador de
forma verbal e prática, verbal no que diz respeito à palavra de Deus e ao plano salvífico de
Jesus, para a restauração, transformação, libertação e cura do homem e da mulher, ou seja, de
toda humanidade através do poder do Espírito Santo na vida espiritual e no relacionamento
com Deus; e prática no que diz respeito ao testemunho de amor e vida de Jesus, na ação física
solidária para com as necessidades dos pobres e marginalizados trazendo restauração, trans-
formação, libertação e cura no viver do próximo dentro da sociedade, através do Espírito San-
to no contato pessoal e social. Desta forma, a missão integral reflete o cuidado e os propósitos
de Deus pela pessoa como um todo, alcançando as quatro áreas em que Jesus cresceu - sabe-
doria (aplicação de verdades bíblicas na vida), estatura (atendimento de necessidades físicas),
23
graça diante de Deus (ministério espiritual) e graça diante dos homens (atendimento social),
reconhecendo Deus como importante, amoroso e capaz de transformar vidas, igrejas, comuni-
dades e nações, fundamentando-se nos mandamentos bíblicos de Jesus de amar a Deus e ao
próximo demonstrando um estilo de vida de amor desempenhado por igrejas e indivíduos, se-
guidores de Jesus que demonstram a compaixão de Deus pelo seu próximo. Assim sendo a
missão social defende um evangelismo que atinja as pessoas como um todo, na vida espiritual
e física.
O Evangelho propõe um mundo melhor, e nos convida a promover esta plenitude do
Evangelho às culturas humanas em particular, e aos nossos projetos de civilização. Qualquer
outra possibilidade é uma distorção alienante que retira do Evangelho seu escopo e seu poder
transformador.
24
3. EVANGELHO E CULTURA
Essa sempre foi uma relação de grande tensão na história do cristianismo. Hoje com-
preendemos que não poderia deixar de ser. Evangelho e cultura se distinguem, mas não é fácil
distingui-los. O Evangelho não existe a não ser enculturado, isto é, contextualizado. Há quem
queira separar o Evangelho da cultura, mas isso nunca poderá ser feito. É da natureza do
Evangelho, ser cultural. O Evangelho já nasce arraigado numa cultura; a cultura judaica, mas
não se enleia com ela. Essa é a tensão infinitamente elástica que nos causa tantos transtornos.
O Evangelho não é a cultura, nem mesmo a cultura judaica. Mas só existe imiscuído e mistu-
rado com a cultura, de tal forma que não é possível extraí-lo e limpá-lo da cultura, sem causar
dano à natureza intrínseca do Evangelho e também à cultura. Se tentarmos distinguir cultura
de Evangelho, fica um pouco de cultura, perde-se um pouco de Evangelho, e não se obtém um
bom resultado.
A primeira transposição cultural sofrida pelo Evangelho, se deu para a cultura hele-
nista dos tempos da igreja primitiva. Essa transposição foi feita com plausível sucesso, mas
não sem fortes traumas. É uma adaptação que começa com Paulo, e, portanto, ratificada pelo
próprio Evangelho, pelas Escrituras Sagradas. Mas o Novo Testamento também já dá teste-
munho dos traumas e aflições causados pela transposição. O relativo sucesso do empreendi-
mento, deve nos fazer perceber as tremendas transformações sofridas pelo Evangelho no
mundo helenista. E em particular, a leitura de tendências neoplatônicas e semi-gnósticas que
acabaram por preponderar no período patrístico, e acabaram por servir de base para a constru-
ção da teologia.
Uma segunda transposição acontece no período medieval, e posteriormente no perío-
do moderno, e sempre sofreu o Evangelho transformações, assim como transformou às cultu-
ras. Com o surgimento das nações-estado modernas, e com o crescimento econômico e popu-
25
lacional, advindo das revoluções científica e industrial, surge um grande número de culturas
ocidentais distintas promovendo novas tensões com o Evangelho herdado, e o trabalho missi-
onário leva o Evangelho para culturas não-européias, que iriam absorver o evangelho mistura-
do à cultura dos próprios missionários.
Os missionários das igrejas protestantes históricas trouxeram ao Brasil um Evangelho
marcado pelos traços culturais de onde eles haviam partido. Foi só no século XX que a relação
Evangelho e cultura, passaram a ser mais estudada e compreendida. Começou-se a perceber a
enorme complexidade do processo enculturação do Evangelho, e se começou a falar, no fim
do século XX, em contextualização.
O grande cientista da religião Helmut Richard Niebuhr, irmão do célebre teólogo Re-
inhold Niebuhr, foi um dos pioneiros nesse estudo, com o clássico Cristo e Cultura, onde dis-
tingue cinco diferentes possibilidades compreensão do relacionamento entre Evangelho e Cul-
tura, que ele denomina: (i) Cristo contra a cultura; (ii) Cristo da Cultura; (iii) Cristo acima da
cultura; (iv) Cristo e Cultura em Paradoxo; e (v) Cristo transformador da cultura. Niebuhr nos
mostra como todos os cinco “tipos” (“tipos ideais”, como ele diz) foram praticados e implici-
tamente ensinados através dos tempos. No entanto, sugere que os primeiros dois são engano-
sos, distorções: o primeiro pela rejeição da cultura, o segundo pela sua adoção não criteriosa
ou sem qualificações necessárias. Eles representariam, grosso modo, os pólos fundamentalista
e liberal. Os três outros tipos estariam, segundo o autor, mais de acordo com aquilo que o No-
vo Testamento propõe. O terceiro representando a posição tomista, o quarto a posição existen-
cial-dialética, e o quinto a visão mais comum na teologia contemporânea.
26
4. A SOTERIOLOGIA DA MISSÃO INTEGRAL
A palavra "soteriologia" vem de duas palavras gregas, soteria e logos. O primeiro
significa "salvação" E a última palavra ", dissertação, ou doutrina." Tendo lidado com a dou-
trina da teologia, que era enfatizou a santidade de Deus, e de ter visto o fracasso e o pecado da
humanidade, somos levados a terrível consciência de que o homem precisa de uma interven-
ção suficiente e eficaz para fechar a grande diferença entre esses dois extremos infinitos, pe-
caminosidade do homem e da santidade de Deus.
Felizmente para todos os envolvidos, Deus previu tudo o que aconteceria na queda
do homem, e planejou antes da fundação do mundo a salvação. Antes mesmo que fosse come-
tido o primeiro pecado no universo e antes da triste condição trazida pelo homem rebelde, que
havia sido criado à imagem de Deus, o Senhor tinha planejado e fornecido um meio de reden-
ção dos rebeldes condenados pelo pecado. Nosso Deus não foi pego de surpresa. Ele previu a
queda e pré-ordenada do plano de resgate.
O Pacto de Lausanne chama a igreja à proclamação de Jesus como Senhor com uma
forte responsabilidade de ser agente de transformação histórica, evidenciando a luta pela
transformação através dos cinco itens apresentados abaixo.
Necessidade de nos dedicarmos ao serviço de Cristo e dos homens enquanto aguarda-
mos a vinda de Cristo;
Cobrança aos governos de condições de dignidade humana, conforme consta na Decla-
ração Universal dos Direitos Humanos;
Libertação daqueles que sofreram perseguição religiosa e a certeza de que de forma
alguma nos intimidaremos diante de uma situação como essa;
Oposição a toda injustiça, permanecendo fiéis ao evangelho;
Afirmação da igreja como comunidade do povo de Deus, e não como instituição.
27
Desta forma, a evangelização não só tem a função de apresentar Jesus Cristo como
Senhor e Salvador do mundo, que morreu pelos nossos pecados e trouxe acesso ao Pai nos
purificando de todo o pecado, mas também nos orienta para a libertação total da escravidão
tanto pessoal quanto do mundo, integrando o propósito de Deus de colocar tudo sob o governo
de Cristo. Para isso, chama o ser humano ao arrependimento real para remissão dos pecados.
A bíblia afirma que em Deus somos, movemos e existimos (at 17:28), e que por meio
d’Ele e por Ele são todas as coisas (Rm 11:36), e partido deste pressuposto é que podemos
lançar luz sobre a soteriologia dentro do contexto da Missão Integral, conforme Ramos afir-
ma, Deus é um Deus que vive em Missão, um Deus missionário desde sempre, pois em sua
presciência, já sabendo da condição futura do ser humano, ao invés de dar cabo, prefere man-
ter a humanidade e tudo quanto existe, simplesmente pela sua graça. Pelo fato de Deus criar o
homem, Ele tinha a obrigação moral de manter a sua criação, e quando da queda homem,
Deus se vê livre dessa obrigação de mantê-lo, mas decide mesmo assim manter e resgatar a
sua criação, vemos então Deus mantendo sua posição e providenciando todo o plano de re-
denção não somente da humanidade, mas também de toda a sua criação que sofreu com a
queda do homem.
É neste sentido que a missão integral enfatiza não só a salvação do indivíduo, mas a
regeneração do ser como indivíduo e também em todo o seu contexto sócio-cultural, ou seja, o
evangelho da missão integral visa levar a cabo as palavras ditas pelo Senhor Jesus “Curai os
enfermos, limpai os leprosos, expulsai os demônios” (Mt 10:8). A soteriologia da Missão In-
tegral é levar as boas novas e fazer discípulos (pregação do evangelho), curar os enfermos (dar
possibilidades de uma vida digna), limpar os leprosos (assistência nas necessidades), precisa-
mos compreender que essa não é uma formula que deve ser seguida a risca e nem necessaria-
mente nesta ordem, muitas vezes (maioria), precisamos primeiro fazer o trabalho assistencial,
e depois sim mostrar o caminho da salvação;
A grande diferença da missão integral para os métodos tradicionais de evangelização
é que na evangelização tradicional se dá da seguinte maneira:
Imaginemos uma senhora enferma, vivendo abaixo da linha de pobreza, endividada e
que não conhece o evangelho, o evangelista tradicional a abordaria da seguinte maneira:
28
Evangelista: Vim aqui porque sei que a senhora está passando por dificuldades e de-
cidimos ajuda-la, vamos pagar suas contas, iremos cuidar da senhora em tudo o que a senhora
necessitar.
A senhora responde: Por que vocês estão me ajudando, qual o motivo?.
Evangelista: Faço isso porque obedeço as ordens de meu Senhor que disse “amai-vos
uns aos outros como eu vos amei, não poderia deixa-la dessa forma sem estender a mão e
ajuda-la.
A senhora pergunta novamente: Vocês me ajudaram e trouxeram esperança para mi-
nha vida, muito obrigado.
Evangelista: Não tem porque agradecer, mas a Senhora não gostaria de conhecer me-
lhor o meu Senhor? Ele poderá mudar a sua vida, seu nome é Jesus de Nazaré, e morreu pelos
seus pecados, creia nele e sua vida mudará, ele trará salvação para a sua casa, haverá um dia
que todo sofrimento cessará.
Baseado nesta ilustração, podemos afirmar que foi isso que Deus fez em seu magní-
fico propósito de salvação:
1. Deus manteve sua criação, mesmo tendo o direito de destruí-la - (Graça na sal-
vação)
2. Planeja toda a salvação de sua criação (misericórdia na Salvação)
3. Envia seu filho para redimir a criação (missão na salvação)
4. Consuma seu plano de salvação na Cruz do calvário. (consumação da salvação)
5. Nos envia para anunciar esse plano
A missão integral enfatiza de modo claro que a evangelização e a ação social não se
separam, tornando necessário pregar Jesus Cristo como Senhor e Salvador de forma verbal e
prática, verbal no que diz respeito à palavra de Deus e ao plano salvífico de Jesus, para a res-
tauração, transformação, libertação e cura do homem e da mulher, ou seja, de toda humanida-
de através do poder do Espírito Santo na vida espiritual e no relacionamento com Deus; e prá-
tica no que diz respeito ao testemunho de amor e vida de Jesus, na ação física solidária para
29
com as necessidades dos pobres e marginalizados trazendo restauração, transformação, liber-
tação e cura no viver do próximo dentro da sociedade, através do Espírito Santo no contato
pessoal e social.
Desta forma, a missão integral reflete o cuidado e os propósitos de Deus pela pessoa
como um todo, alcançando as quatro áreas em que Jesus cresceu - sabedoria (aplicação de
verdades bíblicas na vida), estatura (atendimento de necessidades físicas), graça diante de
Deus (ministério espiritual) e graça diante dos homens (atendimento social), reconhecendo
Deus como importante, amoroso e capaz de transformar vidas, igrejas, comunidades e nações,
fundamentando-se nos mandamentos bíblicos de Jesus de amar a Deus e ao próximo, demons-
trando um estilo de vida de amor desempenhado por igrejas e indivíduos, seguidores de Jesus
que demonstram a compaixão de Deus pelo seu próximo. Assim sendo a missão social defen-
de um evangelismo que atinja as pessoas como um todo, na vida espiritual e física.
A missão integral nos chama a identificar-nos com o mundo, sem perder nossa iden-
tidade cristã, ou seja, significa conhecer a situação que nos rodeia e conhecer as pessoas que
iremos servir, fazendo o melhor por eles como pessoas no mundo, amando a Deus e ao pró-
ximo; significa conviver com as pessoas a quem Deus se preocupa e nos enviou; significa
compartilhar o evangelho em sua compreensão integral, lutando pela justiça e paz se preocu-
pando com as necessidades humanas; significa comprometer-se com a vontade de Deus e com
as pessoas.
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5. A ECLESIOLOGIA DA MISSÃO INTEGRAL
Neste último capítulo apresentaremos uma perspectiva eclesiológica da missão inte-
gral, para compreendermos como esta teologia é vivenciada na prática da comunidade e como
ela pode se estabelecer na sociedade, como representante de Jesus Cristo no mundo, sendo
uma proposta teológica atual para América Latina. Para isso, iniciaremos entendendo a socie-
dade secular como campo para a eclesiologia da missão integral. Logo após, apresentaremos
os desafios eclesiológicos atuais; depois, a eclesiologia evangelizadora da missão integral; em
quarto lugar os modelos de ministério integral; e finalizaremos com o crescimento integral da
igreja na sociedade atual.
3.1 O presente século e a Igreja
Os teólogos da Missão Integral têm feito severa crítica à sociedade capitalista. Ela
tem sido marcada pelo amor ao dinheiro a qualquer custo; o amor ao próximo tem se esfriado
cada vez mais; o sofrimento do povo dominado e empobrecido pelas classes sociais dominan-
tes tem ecoado no mundo todo; as necessidades, as dificuldades e as opressões são fortaleci-
das; a globalização e o capitalismo massacram a sociedade, exigindo mais e mais das pessoas;
o ser humano tem tido pouco tempo para si mesmo ou para o lazer, tem sacrificado sua vida,
seus sentimentos, seus relacionamentos e suas necessidades humanas para o capitalismo e a
sociedade global consumidora.
Em sua rebelião contra Deus, o homem é escravo dos ídolos do
mundo, por meios dos quais atuam estes poderes. E os ídolos que
hoje escravizam o homem são os ídolos da sociedade de consumo...
Surgiu uma sociedade que absolutiza a prosperidade econômica e o
conseqüente bem-estar material do homo consumens... O
materialismo – a fé sega na técnica, a indeclinável reverência à
propriedade privada como um direito absoluto, o culto ao aumento
da produção mediante o saque irresponsável da natureza, o
31
desmedido enriquecimento das grandes empresas às custas do
empobrecimento dos deserdados da terra, a febre do consumo, a
ostentação e a moda -, esta é a ideologia que está destruindo a raça
humana.
PADILLA, C. René. Missão Integral: Ensaios sobre o Reino e a Igreja, p. 63.
Neste sistema social, a secularização tem crescido de forma violenta; o ser humano
moderno é aquele que possui uma vida secularizada, que pensa e vive o presente sem pensar
nas consequências do futuro. Contudo, esta modernidade e secularização não conseguem eli-
minar a busca dos homens e mulheres modernos, aspirações e necessidades que marcam a
humanidade.
Neste contexto, a missão integral apresenta a tríplice aspiração universal do ser hu-
mano, aspirações que nascem das pessoas a partir de Jesus Cristo, chamando a igreja ao desa-
fio de apresentar ao mundo a plenitude de Cristo, cf STOTT.
A busca por transcendência: é a busca do ser humano por uma realidade suprema,
que está além do universo material, ou seja, o espírito humano não consegue se satisfazer com
o materialismo, ele necessita de algo supremo, transcendental, pois o ser humano “não vive só
de pão”.
Podemos perceber no ser humano, a busca por transcendência:
Na diminuição súbita da filosofia marxista clássica que nega a existência de Deus.
O fracasso do surgimento do marxismo como substituto para a fé religiosa, com dou-
trinas básicas do comunismo que não convenceu as mentes e nem as emoções das pessoas,
enquanto a fé religiosa está longe de desaparecer. Pois, em muitas circunstâncias, tem encon-
trado uma nova força e vitalidade.
Na proliferação dos cultos religiosos, o ser humano anda à procura de realidade transcenden-
tal no misticismo oriental, na ioga, na meditação transcendental, no ocultismo, no movimento
da nova era, no misticismo materialista (sexo), na astrologia, no espiritismo, nas religiões
afro, no crescimento ao culto às imagens da doutrina católica e no crescimento e divisão das
diversas igrejas consideradas evangélicas.
A busca por significância: é evidenciada pelo nosso senso de significância pessoal,
dando sentido a nossa vida. Isto é essencial para a sobrevivência. O senso de significância tem
32
sido reduzido: pelo efeito da tecnologia quando homens e mulheres são identificados não
mais por um nome, mas por um código ou número de série, por uma placa de computador na
rede mundial; pelo efeito do reducionismo científico de afirmar que o ser humano nada mais é
do que um animal ou uma máquina induzida por estímulos externos; pelo efeito do existencia-
lismo radical que declara que Deus não existe. Portanto, não existem mais valores, leis, pa-
drões, propósitos e nem significados e o ser humano tem que buscar significância em sua in-
significância.
A busca de comunhão: o ser humano vive em uma sociedade moderna que destrói a
comunhão e desintegra a sociedade. Os relacionamentos são enfraquecidos, as pessoas têm
dificuldades para se relacionar com outras pessoas, o amor mútuo quase não é vivido. Contu-
do, o ser humano tem buscado aquilo que foge dele: o amor no mundo sem amor; as pessoas
vivem sedentas de amor, pois o amor é indispensável para a nossa humanidade; o ser humano,
como ser social, precisa de relacionamentos para viver, por isso as pessoas vivem á procura de
comunhão genuína e de relações de amor autênticas.
3.1.1 Os desafios da Igreja no século XXI
A Teologia da Missão Integral indica que a igreja nos dias atuais precisa ser mais
atuante como testemunha de Jesus Cristo. A pregação, a oração e a ação devem manifestar a
vontade de Deus expressa em Jesus Cristo. Para isso, a igreja precisa ter seus ouvidos atentos
e olhos abertos às necessidades da humanidade, precisa de uma consciência sensível no mun-
do, reagindo de forma construtiva e compassiva ao sofrimento do povo.
A ação da igreja deve ser de viver a missão a qual foi chamada: viver em serviço, e
não em servilismo, de acordo com o qual o mundo define a ação da Igreja. Ela não deve se
curvar diante do mundo, e sim manifestar a vontade de Deus, declarando nossa missão de dis-
cípulos de Jesus de Nazaré, o Cristo, chorando com os que choram, tendo sensibilidade às ne-
cessidades humanas, ao grito por justiça, aos sofrimentos e angustias do povo, manifestando o
testemunho de Cristo que resgata, cura, liberta, transforma e salva os seres humanos, dando
vida e vida abundante, trazendo a realidade do Reino de Deus agora.
A igreja precisa responder às questões advindas da sociedade secularizada, enfren-
tando o desafio de apresentar a realidade da adoração, o senso divino e o temor de Deus, sen-
do a resposta da busca por transcendência do ser humano, aos homens e mulheres modernos,
33
manifestando a real transcendência vivida nos cultos de adoração a Deus, possibilitando um
encontro intimo com o Deus vivo.
A igreja precisa enfrentar o desafio de apresentar significado ao ser humano. Para is-
so, a qualidade de ensino da igreja deve dizer às pessoas quem elas são, esclarecer sua identi-
dade, mostrando sua corrupção e sua dignidade bíblica, seu valor como ser humano na doutri-
na da criação e redenção, sua imagem e semelhança a Deus, que foi corrompida, mas não des-
truída. Apresentar o valor do ser humano em Cristo, no amor de Deus, para a nossa própria
auto-imagem e para o bem estar da sociedade.
“Mas quando os seres humanos são valorizados como pessoas, em
virtude de seu valor intrínseco, tudo muda. Homens, mulheres e
crianças são honrados. Os enfermos são cuidados e os idosos
capacitados a viver e a morrer com dignidade. Os dissidentes são
ouvidos, os prisioneiros reabilitados, as minorias protegidas e os
oprimidos libertados. Os trabalhadores recebem salário digno,
condições de trabalho decentes e uma parcela de participação, tanto
na gerencia como nos lucros da empresa. E o evangelho é levado até
os confins da terra. E por que tudo isso? Porque as pessoas
importam. Porque todo homem, mulher e criança têm valor e
significado como ser humano criado à imagem e semelhança de
Deus.”
STOTT, John W. R. Ouça o Espírito, Ouça o mundo: como ser um cristão contemporâneo, p. 258
A igreja precisa enfrentar o desafio de apresentar a qualidade de sua comunhão,
anunciando e vivendo o Deus de amor que enviou seu filho Jesus Cristo para uma verdadeira
comunhão, salvando o ser humano para uma vida de amor e comunhão, construindo uma nova
humanidade, uma nova sociedade que vive o amor de Deus, ofuscando os valores e os padrões
do mundo, quebrando as barreiras raciais, sexuais, nacionais e sociais, experimentando o amor
verdadeiro e sacrificial, atencioso e de apoio mútuo, formando uma comunidade do amor ao
próximo.
Neste contexto, a igreja precisa satisfazer a busca da sociedade secularizada, enfren-
tando os desafios por Deus, pelo próximo e por si mesma, ou seja, a sociedade busca aquilo
que Jesus Cristo oferece. Portanto, a igreja precisa se deixar renovar pelo Espírito Santo de
Deus, manifestando e vivendo a palavra de Deus, oferecendo a transcendência na adoração,
significado no ensino e comunhão no seu amor comunitário. Assim, a sociedade voltará seu
olhar para a igreja reconhecendo a presença e amor de Deus nela, levando a sociedade a uma
34
verdadeira transformação e salvação, promovendo vida e vida em abundância, sendo o Reino
de Deus agora.
“Já que o Reino foi inaugurado por Jesus Cristo, não é possível
entender corretamente a missão da igreja independentemente da
missão de Jesus. É a manifestação, ainda que não completa, do reino
de Deus tanto por meio da proclamação como por meio da ação e do
serviço social. O testemunho apostólico continua sendo o
testemunho do Espírito acerca de Jesus Cristo, por meio da Igreja.” PADILLA, René.
3.2 A Igreja como portadora das Boas Novas de Cristo
A igreja é chamada a proclamar as boas novas de salvação, a testemunhar Jesus Cris-
to como Senhor e Salvador, vivendo a palavra, a mensagem, a sensibilidade e as atitudes de
Jesus Cristo, manifestando a vontade e o amor de Deus para com o ser humano, trazendo cura,
libertação, transformação, vida e salvação. Esta é a missão da igreja. Portanto, para que a igre-
ja cumpra sua missão e propósito, é necessário que ela possua uma teologia (precisa compre-
ender-se), uma estrutura (precisa organizar-se), uma mensagem (precisa expressar-se) e uma
vida (precisa ser ela mesma). Desta forma, a missão integral procura apresentar uma eclesio-
logia evangelizadora partir da Igreja local.
A missão integral entende que a igreja precisa compreender-se, porquanto ela ainda-
não conseguiu entender qual é sua identidade e nem sua vocação. Por isso, as diferentes igre-
jas se encontram enfermas, tendo uma falsa imagem de si mesmas.
No contexto atual, encontramos duas falsas imagens de igrejas, as que possuem um
cristianismo introvertido e outra que possuem um cristianismo secularizado. A primeira vive
como se fosse um clube religioso; seus membros pagam suas mensalidades; gozam de certos
privilégios; gostam de fazer coisas juntos; são pessoas introvertidas que permanecem em seu
mundinho de quatro paredes, vivem se considerando santas e separadas, de tal forma que não
se relacionam com a vida social, e nem se importam com o que acontece em seu redor; per-
manecem em adoração a Deus, voltadas para dentro de si mesma e, quando fazem algum tra-
balho assistencial se consideram cumpridoras da vontade de Deus. Encontramos também igre-
jas ou grupos dentro delas que possuem um cristianismo sem religião, ou seja, uma missão
secular. Estas igrejas, ao contrário das introvertidas, decidiram trocar o serviço divino da igre-
ja pela comunidade secular, não mais realizam cultos de adoração a Deus, mas realizam
35
shows religiosos, em alguns casos, ou atividades meramente humanitárias, em outros, tentan-
do instituir um cristianismo sem religião.
No entanto, existe uma outra forma de compreender a igreja, a igreja que possui tanto
o foco de adoração a Deus, vivendo uma vida de busca e santidade em Deus, quanto o foco de
serviço ao mundo, dedicando-se à missão de servir o próximo testemunhando e anunciando
Jesus como nosso Senhor e Salvador. Uma igreja que possui uma identidade integral, um cris-
tianismo encarnado, sendo santa, separada para pertencer a Deus e adorá-lo, sendo apostólica,
enviada ao mundo para a missão de servir em Jesus Cristo. Uma igreja compromissada com o
Reino de Deus, com uma vida de santidade a Deus e compromissada com o mundo, no senti-
do de viver o testemunho de serviço em Cristo Jesus, sendo pró-ativa ao clamor do mundo,
sua vida e sofrimento, não vivendo isolada, mas encarnada no mundo, ou seja, a igreja está
mundo, testemunhando Jesus Cristo, em seus atos, palavras, sentimentos e pensamentos para
estabelecer o Reino de Deus.
3.2.1 As estruturas da igreja
A igreja precisa organizar-se de tal forma a transparecer sua teologia, seu compro-
misso, sua missão e sua encarnação. Muitas igrejas possuem sua estrutura e organização vol-
tada para si mesma. As programações são fechadas para si, ou seja, não possibilitam o contato
com a comunidade e nem sua participação nos eventos.
“Às vezes eu me pergunto (embora eu exagere, a fim de estabelecer o
meu argumento) se não seria mais saudável se os membros da igreja
só se encontrassem aos domingos (para adorar a Deus, ter comunhão
entre si e receber ensino) e em hipótese nenhuma durante a semana.
Aí a gente se congregaria aos domingos e se espalharia pelo resto da
semana. Nós viríamos a Cristo para adorá-lo e iriamos por Cristo em
missão. E neste ritmo de domingo-dias-da-semana, congregar-eespalhar,
vai-e-vem, adoração-e-missão, a igreja expressaria sua
santa mundanidade, e sua estrutura se adaptaria à sua dupla
identidade.” STOTT, John W. R.
A estrutura da igreja deve identificar sua dupla identidade de adoração e missão, ou-
seja, o prédio da igreja deve possuir uma estrutura convidativa e amistosa; os cultos da igreja-
devem ser organizados de forma a incluir membros e não membros, visando o compromisso, a
participação, a união e a missão. Os membros da igreja devem ser membros da comunidade,
36
possibilitando o testemunho de Cristo na sociedade; o programa da igreja deve favorecer para
o ensinamento da palavra de Deus, o compromisso com a sociedade, a encarnação e a missão
da igreja, com treinamentos para aqueles que querem se comprometer com o serviço e teste-
munho cristão. A igreja deve reestruturar e organizar seus trabalhos e eventos de modo a pos-
sibilitar a participação da comunidade, realizando visitas, eventos para a comunidade, atendi-
mento e serviço à comunidade, eventos evangelísticos com jovens, adolescentes, adultos e
idosos do bairro, grupos de apoio às necessidades do bairro e às necessidades sociais e eco-
nômicas das pessoas, reuniões caseiras, trabalhos familiares, discipulado em células visando à
adoração e o serviço, etc, tudo com o intuito de manifestar a missão encarnada da igreja.
3.2.2 A mensagem da Igreja
A igreja precisa se expressar, articulando sua mensagem, compartilhando o evange-
lho. Para isso, precisa definir sua forma de apresentar as boas novas de Jesus Cristo Senhor e
Salvador, declarando o amor de Deus em Jesus Cristo, seu sacrifício na cruz que nos possibili-
ta o arrependimento para uma nova vida de perdão e libertação com participação na socieda-
de.
Alguns anunciam o evangelho com rigidez total, são escravizados por fórmulas e pa-
lavras, como se o evangelho fosse empacotado. Outros anunciam com fluidez total, contextua-
lizando o evangelho às situações apropriadas e particulares a cada pessoa.
Contudo, é fundamental anunciar o evangelho de maneira equilibrada, não tendo ri-
gidez nem fluidez. Devemos usar a dialética da antiga palavra com o mundo moderno, o con-
cedido com o aberto, o conteúdo com o contexto, revelação com contextualização, à escritura
com a cultura, sendo sensíveis para com as pessoas. A mensagem deve ser marcada com nos-
so compromisso de adoração e missão.
Portanto, uma igreja que busca se estabelecer com teologia, estrutura, mensagem e
vida numa identidade de adoração e missão, com foco na encarnação e na visão holística de
sua missão como igreja, experimenta uma vida de santidade e serviço, testemunhando a von-
tade de Deus em Jesus Cristo. Para isso, a igreja pode estabelecer modelos de ministério inte-
gral na sociedade, sendo a presença de Cristo para os dias atuais, manifestando o Reino de
Deus agora.
“Não basta que a igreja local se compreenda e se organize apropriadamente; ela precisa também articular sua mensagem.
Afinal, evangelizar, no sentido mais simples e mais básico, é
compartilhar o evangelho. Assim, para definir a evangelização é
37
preciso também definir as boas novas.” STOTT, John W. R.
3.2.3 O Ministério integral da Igreja
Como já vimos, a teologia da missão integral destaca a prática de um ministério inte-
gral que possui uma atuação de evangelização e ação social. Esta estratégia de missão é muito
oportuna para a América Latina hoje e a igreja é chamada a vivenciar este ministério.
“A idéia de ministério integral tem raizes bíblicas profundas. Tanto
no Antigo como no Novo Testamento a Bíblia ordena à igreja que
ministre à pessoa como um todo. Isto quer dizer que se deve atender
tanto às necessidades físicas como às espirituais, que estão
inseparavelmente relacionadas, ainda que sejam separadas em
termos funcionais. Vemos esta idéia nas três formas comuns de
ministério no Antigo Testamento: as funções de juiz, profeta e
sacerdote.” YAMAMORI, Tetsunao & PADILLA, C. René & RAKE, Gregorio.
Quando falamos sobre a igreja, não a associamos com uma instituição ou um templo,
ou ainda somente ao pastor ou missionário, mas à comunidade. Ou seja, todos são chamados a
servir como Cristo nos evangelhos, servindo a Deus através do serviço aos outros. Ele anunci-
ou e ensinou o Reino de Deus, curou, libertou, resgatou as pessoas, alimentou os famintos e
lavou os pés dos outros. Agora somos chamados a seguir os seus passos, imitá-lo e até aper-
feiçoar os ideais de serviço que Ele iniciou. Jesus Cristo deve ser o nosso modelo; temos que
dedicar nossas vidas ao serviço como Ele fez; nós somos os seus servos, como Ele foi servo
do Senhor.
Mas que forma nosso serviço deveria ter? Eu quero defender um conceito muito mais
amplo e completo de serviço cristão do que é costumeiro entre nós. Tanto serviço quanto mi-
nistério traduzem a mesma palavra grega, diakonia. É fato que, especialmente quando se an-
tepõe o artigo definido, muitas vezes se pensa em ministério como algo limitado ao clero or-
denado. Mas o ministério cristão é praticado na mesma proporção por leigos quanto por pasto-
res, na sociedade secular assim como na igreja. Na verdade esta é uma palavra que inclui todo
tipo de serviço prestado por alguém em nome de Cristo (cf Sttot).
Para servir é importante entender que, em resposta a diferentes necessidades, existem
diferentes formas de ministério, já que amamos e servimos integralmente (corpo e alma) o
próximo, se preocupando com o bem estar total do ser humano, ou seja, o físico, o religioso e
38
o sócio-político. Somos chamados a nos preocupar tanto com o bem-estar eterno da pessoa
quanto com o bem-estar material.
De acordo com a vocação e o dom de cada servo, também existem diferentes ministé-
rios.
Cada pessoa contribui para o ministério de alguma forma, se engajando em e encora-
jando alguma atividade, em diferentes esferas de ministério, conforme Deus nos coloca, seja
no nosso lar, local de trabalho, local de estudo, vizinhança, igreja local e comunidade. As pes-
soas são capacitadas por Deus e chamadas por Ele a se especializarem conforme a vocação e
oportunidade, manifestando um ministério cristão que signifique pessoas inteiras servindo
pessoas inteiras no mundo inteiro. Desta forma, somos chamados a praticar um ministério in-
tegral em nossas vidas, sendo:
Um ministério integral em nosso lar
Um ministério integral em nosso trabalho – vivendo um testemunho cristão
como filosofia de vida;
Um ministério integral em nossa igreja – como cristãos, devemos participar do
serviço ao mundo (como igreja) de forma integral, ou seja, aproveitar a voca-
ção, a capacitação, a educação, a experiência e o dom de cada membro par-
possibilitar a manifestação do Reino de Deus na terra;
Um ministério integral em nossa vizinhança – como igreja ou como membros
individuais da igreja, precisamos participar da sociedade, precisamos ser sal e
luz do mundo, devemos deixar que a luz de Cristo brilhe em nós, através de
nossas palavras e atos, impregnando na sociedade, ou melhor, na vizinhança,
os valores e os padrões do Reino de Deus, impedindo assim sua deterioração;
Um ministério integral no mundo – devemos ser cidadãos cristãos do mundo,
se comprometendo com a missão mundial e se preocupando com as questões
mundiais, ou seja, devemos anunciar a Cristo como Senhor e Salvador, mani-
festando o Reino de Deus, testemunhando a Cristo no mundo, se preocupando
com a paz, a justiça e o meio ambiente, com estudo, atuação e manifestação
do amor e justiça de Deus nas questões da fome, dos sem teto, da desigualda-
de econômica, da ecologia, dos conflitos raciais ou direitos humanos, bem
como da santidade da vida humana. São vários problemas que, mesmo com-
nosso tempo e energia limitados, somos chamados para manifestar o Reino de
Deus, através da participação nos inúmeros ministérios, grupos ou departa-
mentos que se formam para trabalhar nestas áreas, informados e envolvidos,
vivendo em um ministério integral que manifeste os valores e padrões do
39
Reino de Deus, sendo um corpo bem ajustado em que a cabeça é Cristo Jesus
Senhor e Salvador do mundo.
O modelo de ministério integral não está ligado às estruturas eclesiásticas, adminis-
trativas e organizacionais de uma denominação, igreja, comunidade ou movimento cristão,
mas sim a um estilo de vida cristã que busca encarar a missão de maneira integral como Jesus
Cristo encarou, uma missão integral que anuncia o Reino de Deus e sua justiça, entre a fé e as
boas obras, entre as necessidades espirituais, materiais e físicas, entre a dimensão social e pes-
soal do evangelho, estabelecendo o Reino de Deus, agora. Com este ministério integral, temos
casos de igrejas que estão escrevendo uma nova história a cada dia, mudando a vida e o servi-
ço do povo evangélico latino-americano. As igrejas, sejam elas divididas em departamentos,
ministérios, associações, grupos e células, trabalhando com instituições de assistência, com
ensino bíblico, com cultos e grupos familiares, com discipulado em células, com ação social,
auxílio à comunidade carente, recuperação de dependentes químicos e co-dependentes, traba-
lho com moradores de rua, e muitos outros trabalhos evangelísticos e sociais, podem ter uma
vivência de ministério integral em sua missão de anunciar a Salvação em Cristo Jesus, inde-
pendente se é uma igreja histórica, pentecostal ou neopentecostal.
O modelo de ministério integral, que tem Jesus Cristo como modelo, não reduz o
evangelho a uma mensagem para o indivíduo e para vida privada, mas valoriza o evangelho
como uma mensagem para a sociedade e para a vida pública, manifestando, em Jesus Cristo, a
cura, libertação, transformação e salvação pessoal e social para a humanidade.
A igreja brasileira possui o desafio de manter o crescimento numérico de sua mem-
bresia sem perder de vista a profundidade do discipulado. Vivemos hoje um crescimento es-
trondoso de igrejas evangélicas. O problema é que hoje existem pessoas que mostram este
crescimento com um triunfalismo que só celebra números, mas a grande pergunta é se este
crescimento numérico tem transformado a sociedade, manifestando o Reino de Deus, forman-
do discípulos de Cristo. Como vimos no início deste capítulo, a sociedade secularizada e capi-
talista tem buscado cada vez mais respostas para suas necessidades.
Neste crescimento numérico de evangélicos, nem sempre conseguimos ver os valores
e padrões de Cristo na sociedade, mas sim, temos visto os valores e padrões desta sociedade
secularizada crescendo, transformando a igreja evangélica numa grande empresa que busca
aumentar sua produção, para o crescimento de seu poderio no mercado eclesiástico altamente
40
competitivo. As igrejas devem crescer, mas deve ser um crescimento que evidencie a presença
do amor de Deus Pai, o exemplo de Jesus Cristo o Filho, e a vida do Espírito Santo consola-
dor, manifestando o Reino de Deus e sua justiça. Temos hoje um crescimento da igreja que é
fato, Glória a Deus por isso, porém nossa preocupação deve estar em não ser um crescimento
superficial, mas um crescimento com profundidade do discipulado de Cristo.
A igreja evangélica precisa crescer, e crescer com discípulos e discípulas compromis-
sados com o propósito de Deus e com sua missão de forma integral, um evangelismo pessoal e
social, que manifeste uma espiritualidade carismática na unção do Espírito Santo, que possua
conversão real, transformação de vida, mudança de caráter, com cura e libertação pessoal e
social, espiritual e material, contemplando a vida do ser humano de forma integral, ou seja,
em todos os seus aspectos. Não existe uma fórmula específica para o crescimento integral,
mesmo porque não existe um modelo de missão perfeita que possua uma correlação absoluta
entre todas as qualidades e dimensões do crescimento integral da igreja, ou seja, todo modelo
pode ser aperfeiçoado e reavaliado, sempre buscando o estabelecimento do Reino de Deus de
forma integral.
O propósito de buscar um crescimento integral no projeto redentor de Deus, podemos
observar alguns aspectos dimensionais que podem nos direcionar para um modelo de missão-
que cresça integramente. Entre eles, estão:
A dimensão numérica – a igreja apresenta um crescimento integral quando toda neces-
sidade humana serve como oportunidade para o anúncio da mensagem do evangelho
na vida das pessoas e grupos, independente do que vem primeiro, a evangelização ou o
serviço. A justificativa dos projetos de serviços deriva do Amor de Deus, cumprindo
com vários objetivos do anúncio das boas novas de Jesus Cristo. A vida dos mensagei-
ros do evangelho não se separa da mensagem anunciada. Os próprios líderes da igreja
estão comprometidos com a evangelização e o serviço no ministério integral. O minis-
tério integral favorece a ampla participação dos leigos, evitando que a igreja se torne
uma seita religiosa.
A dimensão orgânica – a igreja apresenta um crescimento integral quando existe um
estímulo no aproveitamento dos recursos humanos e econômicos por parte do ministé-
rio integral, que se ajusta às situações locais. O desenvolvimento da liderança local
surge das bases com o incentivo do ministério integral. Existe a participação dos cris-
tãos e de outras pessoas nos problemas e nas lutas, bem como nas aspirações e espe-
ranças do povo. O ministério integral fornece uma base econômica à igreja para a rea-
41
lização de seu ministério. O ministério integral é capacitado pelas entidades paraecle-
siásticas que encontram sua razão de ser, na medida em que favorecem o crescimento
orgânico da igreja.
A dimensão conceitual – a igreja apresenta um crescimento integral quando forma os
lideres eclesiástico através do ministério integral, com uma visão ampla da vida e mis-
são da igreja. O ministério integral, através das necessidades dos pobres e marginali-
zados, favorece a oportunidade de ensinar a igreja local, de forma teórica e prática, a
respeito do plano de Deus para a criação e a humanidade, e ainda sobre o lugar da igre-
ja em relação a este plano. O ministério integral fornece as condições apropriadas para
que a conversão a Jesus Cristo seja uma conversão ao Reino de Deus e sua justiça, reo-
rientando a vida do ser humano em sua totalidade para o propósito de Deus, não sendo
somente entendida como uma experiência religiosa.
A dimensão diaconal – a igreja apresenta um crescimento integral quando as oportuni-
dades de serviço surgem de cada necessidade humana. A igreja possui os recursos ne-
cessários para servir a sua própria comunidade e o serviço fornece o contexto apropri-
ado para o anúncio do evangelho de Jesus Cristo. O ministério integral, a partir do
Evangelho do Reino de Deus, forma um todo com outros aspectos do ministério, libe-
rando a igreja para ajudar as entidades seculares na promoção do bem comum, mani-
festando o testemunho cristão e ampliando sua esfera de ação. Estas dimensões apre-
sentadas nos direcionam para um crescimento integral, que vem da qualidade da espi-
ritualidade, da encarnação e da fidelidade da igreja para com o propósito de Deus de
estabelecer em Cristo Jesus o Reino de Deus e sua justiça. Para isso, a igreja precisa de
uma espiritualidade que manifeste a presença do Espírito Santo trazendo um real avi-
vamento para igreja em seu ministério integral, ou seja, é necessário acreditar no poder
da Unção do Espírito Santo na vida da igreja. Uma coisa é falar uma mensagem boni-
ta, outra coisa é pregar uma mensagem ungida, com vidas se rendendo aos pés do Se-
nhor Jesus, sendo curadas, libertas, transformadas, restauradas e salvas por Ele. Uma
coisa é ajudar um necessitado, outra coisa servir na unção do Espírito Santo, amando e
servindo como Jesus, se preocupando com a vida humana, chorando com os que cho-
ram e se alegrando com os que se alegram.
“Acredite na realidade diferenciadora da unção. Acredite que uma coisa é pregar um sermão
bonitinho, outra coisa é pregar um sermão ungido; uma coisa é falar do evangelho, outra coisa
42
é anunciar o Evangelho no poder do Espírito Santo. A diferença é brutal!” D’ ARAUJO FILHO,
Caio Fábio. Igreja Crescimento Integral, p. 99.
Somos chamados para ser uma igreja viva que cresce integralmente, conforme o mo-
delo de Cristo Jesus, amando e servindo, em teoria e prática, defendendo a vida e a criação de
Deus em todos os seus aspectos, manifestando o Reino de Deus, aqui e agora.
43
II. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Alguém poderá dizer, agora que desembarcamos no porto final desta caminhada teó-
rica que compõe esta comunicação, que as conclusões a que chegamos são apenas óbvias. Di-
ante desta observação crítica, tudo que tenho a dizer é que concordo inteiramente. Assim já
dizia Caetano Veloso que seriam óbvias as palavras que o índio proferiria em um ponto eqüi-
distante entre atlântico e o pacífico.
Nossa sociedade está contaminada pelo imediatismo e consumismo desenfreado. Que
busca o lucro e a vantagem acima de tudo e de todos. A exploração dos bens naturais sem
qualquer preocupação com o futuro tem, destruído a criação de Deus, comprometendo a vida
humana e a natureza. Nossa política é marcada pela corrupção, pela lavagem de dinheiro e
pelo descaso para com a população.
Os meios de comunicações têm sido uma arma fortíssima para influenciar e propagar
o sistema globalizado em que vivemos, com uma ideologia imediatista que forma um pensa-
mento de que tudo deve ser para agora, de que, a cada dia, temos que ter produtos da moda.
As pessoas devem comprar a novidade que surge no mercado hoje para mostrar um
status que não existe. Todos estes fatores formam um pensamento de que não importam os
meios, e sim os fins, ou seja, a forte concorrência leva as pessoas a agirem sem se preocupa-
rem uma com as outras e com a vida.
Vivemos hoje, através destas influências, numa sociedade insensível que não possui
tempo para nada. Os objetos são mais importantes do que os seres humanos, fazendo assim
pouco caso para as questões sociais, mesmo porque não há tempo para se importar com o pro-
blema dos outros. Os relacionamentos são descartáveis; as palavras amor, amizade, fraterni-
dade e comunhão estão em desuso, em extinção nesta sociedade globalizada.
44
É diante deste desafio que se encontra a igreja de Cristo, algumas com teologias pen-
tecostais, neopentecostais, reformadoras, ortodoxas, tradicionais, etc. Porém, suas doutrinas e
práticas permanecem fechadas em si mesmas. A maioria tem um contato com a sociedade em
um âmbito assistencialista de ação social; outras preferem ficar somente com a pregação do
evangelho; outras ainda preferem viver no âmbito da espiritualidade sem contato com o mun-
do; temos aquelas que pregam o imediatismo e o consumismo cristianizado e temos também
aquelas que são extremamente sociais e políticas, deixando de lado a espiritualidade religiosa.
Contudo, não queremos entrar no mérito da prática e das teologias destas igrejas, mas destacar
que existe uma variedade enorme de práticas teológicas e missionárias na vida das igrejas
evangélicas da América Latina que precisam enxergar os desafios que a realidade apresenta
para a igreja, e assim, buscar meios de anunciar um evangelho que faça diferença na vida pes-
soal e na sociedade, manifestando o Reino de Deus e sua justiça.
A igreja precisa acordar para a realidade. Não podemos pensar que viver o evangelho
é somente ter a doutrina certa, cantar boas e animadas músicas nos cultos, com os olhos fe-
chados e mãos levantadas e ter algum envolvimento com os trabalhos das igrejas. O sistema
globalizado tem moldado, através da mídia e cultura, nossa leitura da realidade. Porém como
cristãos, somos chamados a deixar que a Bíblia, como Palavra de Deus, nos revele as doutri-
nas certas, moldando nossa cosmovisão, a forma como vemos e interpretamos a realidade.
Se, como cristãos, cremos que Jesus é o Filho de Deus encarnado, precisamos viver
nossa humanidade no exemplo de Cristo, sua compaixão, misericórdia, bondade e amor.
Se nós somos verdadeiros adoradores, devemos não somente cantar inspirados no
domingo, mas viver agradando e obedecendo a Cristo todos os dias. Se nós cremos na ressur-
reição e na vida eterna, não devemos ser tão materialistas e consumistas, mas menos apegados
às coisas deste mundo, manifestando o reino de Deus e sua justiça. Precisamos, como igreja,
ser discípulos e imitadores de Cristo, integrando as verdades bíblicas e a vida de forma que o
testemunho de Cristo seja poderosamente afirmado nos atos de misericórdia, compaixão, ser-
viço e proclamação. Devemos viver uma espiritualidade evangélica, encarnada, vivida no po-
der do Espírito Santo, que revele Jesus Cristo como Senhor e Salvador em nossas palavras e
atos, sendo testemunha viva de Cristo.
Como imitadores de Cristo, precisamos ter uma vida de testemunho, com uma espiri-
tualidade que encontre nos evangelhos, na pessoa de Cristo e na presença do Reino de Deus
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sua forma e conteúdo, com uma teologia que é vivenciada na prática da comunidade, sendo
representante de Jesus Cristo no mundo, manifestando o Reino de Deus agora, na esperança
da volta de Cristo.
Esclareço ainda além, portanto, que este texto pretendeu apenas iniciar uma reflexão
que deve continuar em conjunto agora, num espírito fraterno e elucidativo.
Soli Deo Gloria
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REFERÊNCIAS
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ANEXOS
Vem e Vê TV -Vídeo Caio Fábio – O Reino de Deus - www.vemevetv.com.br/
Vimeo Vídeo Ed Renné Kivits – Missão na integra, uma releitura da missão integral -
http://vimeo.com/45929552
A igreja como agente do reino de Deus - Alderi Souza de Matos
www.faculdadelatinoamericana.com.br
Fraternidade Teológica Latino-americana –www.ftl.org.br, em 2004.
Missão Plena – Teoria e Pratica – Cristiano Batista dos Santos
49
Concede-se à Faculdade Teológica e Cultural da Bahia – FATECBA, a permissão para repro-
duzir cópias deste trabalho e emprestá-las tão somente para propósitos acadêmicos e científi-
cos. Direitos reservados. Leis 9.609/98 e 9.610/98. Autoriza-se copia, para utilização exclusi-
vamente com finalidade didática, desde que com a citação da fonte.
Altemar Oliveira Meneses
Autor
Oliveira Meneses, Altemar.
Dissertação Mestrado
São Paulo, 16/06/ 2013.
nº pág. 49