Policy Paper | Nº 32
Julho, 2018
Testando Rent-Seeking no Brasil:
Desigualdade e Arrecadação de IPTU nos
Municípios Brasileiros
Rodrigo Mahlmeister, Bruno Kawaoka
Komatsu, Naercio Menezes Filho
Testando Rent-Seeking no Brasil:
Desigualdade e Arrecadação de IPTU nos
Municípios Brasileiros
Rodrigo Mahlmeister
Bruno Kawaoka Komatsu
Naercio Menezes Filho
Rodrigo Mahlmeister Universidade de São Paulo
Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade Avenida Professor Luciano Gualberto, 908 05508-010 - São Paulo/SP –Brasil
Naercio A. Menezes Filho Insper Instituto de Ensino e Pesquisa Centro de Políticas Públicas (CPP) Rua Quatá, nº300
04546-042 - São Paulo, SP - Brasil [email protected]
Bruno Kawaoka Komatsu Insper Instituto de Ensino e Pesquisa Centro de Políticas Públicas (CPP)
Rua Quatá, nº300 04546-042 - São Paulo, SP - Brasil
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Testando Rent-Seeking no Brasil:
Desigualdade e Arrecadação de IPTU nos Municípios Brasileiros
Rodrigo Mahlmeister
Bruno Kawaoka Komatsu
Naercio Menezes Filho
Centro de Políticas Pública do Insper e USP
Resumo: Esse artigo relaciona a desigualdade de renda e a arrecadação do IPTU nos municípios
brasileiros. Com dados em painel para os anos de 2000 e 2010, avalia-se a existência de rent-
seeking (“captura pela elite”), através de lobby dos mais ricos junto aos prefeitos. Nossos
resultados fornecem evidência estatística em favor de existência rent-seeking, pois a arrecadação
de IPTU tende a diminuir com o aumento da desigualdade nos municípios, especialmente nos
municípios mais pobres, mesmo após controlarmos por efeitos fixos e pelo valor do imputado dos
alugueis. Além disso, entre os municípios mais ricos, encontramos associação positiva da
desigualdade de renda com gastos com educação e cultura, o que poderia sugerir ausência de rent-
seeking e prevalência do eleitor mediano.
Palavras-chave: desigualdade de renda, rent seeking, IPTU.
Abstract: This article examines the relationship between income inequality and IPTU revenues
in Brazilian municipalities. With panel data for the years 2000 and 2010, we evaluate the existence
of rent-seeking ("capture by the elite") through lobby of the richest with the mayors. Our results
provide statistical evidence in favor of rent-seeking existence, since IPTU revenues tend to
decrease with the increase of inequality in municipalities, especially in the poorest ones, even
after controlling for fixed effects and the imputed value of rents. In addition, among the richest
municipalities, we found a positive association of income inequality with education and culture
expenditures, which could suggest the absence of rent-seeking and the prevalence of the median
voter.
Keywords: income inequality, rent seeking, real state tax.
Códigos JEL: O15, P16, I14, I24
1
I - Introdução
A influência mais forte que classes com maior poder aquisitivo, se comparadas às
menos favorecidas, exercem sobre instituições democráticas para direcionar recursos
públicos é um tema enfatizado por uma vasta literatura. Denominada frequentemente
como “captura pela elite”, a influência sobre o governo de grupos pequenos, com maior
renda ou educação, e mais organizados pode alterar decisões políticas de gastos ou de
arrecadações, de forma a gerar maiores benefícios das políticas implementadas para
aqueles grupos. Comportamentos como esse podem ser entendidos como atividades de
rent-seeking, que geram ganhos econômicos aos grupos organizados, e podem se
manifestar de formas legais de influência, ou até mesmo como lobby, suborno e
corrupção. Em situações de captura pela elite, o tomador de decisões políticas não se
beneficia maior igualdade e pode bloquear políticas redistributivas, mantendo ou
ampliando a desigualdade econômica.
Não está claro, no entanto, se sempre que há maior desigualdade econômica os
governos são dominados por elites. Em sociedades mais desiguais em relação à renda e
que operam sob a regra de maioria estrita, o eleitor mediano é mais pobre do que a média,
o que significa maior probabilidade de políticas redistributivas. Qual é o efeito da
desigualdade sobre as decisões de gastos e arrecadações do governo local? Qual é o efeito
que prevalece: a captura pela elite ou as preferências do eleitor mediano?
Empiricamente, há algumas evidências de captura pela elite. Do lado dos gastos,
o poder de barganha dos mais ricos pode orientar o tipo de despesas do governo local,
priorizando bens sem substitutos privados (como avenidas e parques), em detrimento de
bens para os quais há esses substitutos, especialmente educação primária (Kosec, 2010).
Há evidências, além disso, de efeitos diretos de doações empresariais a campanhas
eleitorais sobre o nível de taxação da esfera estadual sobre a renda e o capital das empresas
em governos locais e estaduais nos Estados Unidos (Chirinko e Wilson, 2010). Por outro
lado, o subinvestimento em educação pública no Brasil pode ser devido não à oposição
de uma elite econômica, porém às preferências de eleitores pobres, que preferem a
alocação de gastos em políticas que aumenta a sua renda no curto prazo, como
transferências diretas (Bursztyn, 2016).
Nesse artigo, nós examinamos a questão da prevalência da presença da captura
pela elite no Brasil. A partir de uma painel de municípios brasileiros de 2000 e 2010, nós
2
estimamos correlações entre a desigualdade de renda e variáveis de arrecadação e de
despesas dos governos municipais, controlando por efeitos fixos. Nesse sentido, a
hipótese de captura pelas elites que testamos é de que municípios com mais desigualdade
de renda estariam mais propensos a serem palcos de lobby dos mais ricos junto aos
governantes para amenizar a carga de tributos progressivos e o montante de gastos sociais.
Utilizamos o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) nos municípios
brasileiros como proxy para as receitas. Apesar da importância relativamente pequena do
IPTU na arrecadação municipal, a incidência e a alíquota do IPTU no Brasil são decididas
na esfera municipal, um caso atípico no contexto internacional (IPEA, 2009). Decisões
feitas a nível municipal, ainda que ofereçam a vantagem de responder de forma mais
precisa às demandas dos cidadãos, estão mais sujeitas à captura pela elite do que aquelas
feitas sob administração na esfera estadual ou federal (Bardhan e Mookerjee, 2006). Além
disso, o IPTU é especialmente interessante para esse estudo por incidir diretamente sobre
o patrimônio e ter a possibilidade de reduzir desigualdades locais, ordenando os espaços
urbanos para evitar a especulação sem justificativas sociais e preservando o meio
ambiente – particularidades essas que potencialmente não se alinham com preferências
da elite econômica (IPEA, 2009). Para o lado da despesa, analisamos gastos sociais com
saúde, saneamento, educação e cultura. Como eles costumam apresentar substitutos
privados, examinamos a hipótese de que os mais ricos não os entendem como prioritários,
e se organizam para direcionar esses recursos para áreas que lhes sejam mais favoráveis.
Nas estimações da correlação da desigualdade com o IPTU, nós controlamos
adicionalmente pelo valor do aluguel imputado, uma proxy para o valor do imóvel. Dessa
forma, a correlação estimada entre desigualdade e arrecadação reflete somente as
alíquotas decididas localmente, que é a dimensão que importa para a investigação da
hipótese de captura pelas elites. Nós estimamos o modelo de preços hedônicos proposto
por Morais e Cruz (2003) para obter estimativas dos aluguéis e imputamos valores para
imóveis com características semelhantes.
Nossos resultados trazem evidência da prevalência de rent-seeking em relação à
arrecadação do IPTU, com estimativas negativas da correlação entre o índice de Gini da
renda per capita e a arrecadação per capita do IPTU. Essa relação negativa ocorre mesmo
quando controlamos por efeitos fixos e pelo valor do aluguel imputado e é especialmente
forte entre os municípios mais pobres. Além disso, nossos resultados indicam uma
3
possível prevalência da agenda do eleitor mediano nos municípios mais ricos, onde a
relação negativa não é verificada e os gastos com educação e cultura passam a aumentar
com o nível de desigualdade.
Nosso estudo sobre a presença de rent-seeking nos municípios brasileiros ganha
mais relevância quando relacionamos essas atividade à literatura sobre instituições e em
que medida elas são vulneráveis a grupos de interesse. As instituições são determinante
para o desenvolvimento econômico dos países, uma vez que são elas que organizam a
estrutura de incentivos de uma economia (North, 1981). O estabelecimento de regras e a
eficiência com que se asseguram direitos de propriedade, então, fazem com que o curso
de desenvolvimento econômico das sociedades se resumam, de um modo geral, à
evolução de suas instituições. Além disso, a qualidade do ambiente institucional de um
país também importa para o crescimento. Por um lado, alguns tipos de instituição podem
ser capazes de gerar serviços públicos que garantam igualdade de oportunidades e de
delimitar normas que proporcionem o funcionamento do mercado. Acemoglu e Robinson
(2012) classificam as instituições que cumprem esses requisitos como inclusivas, em
oposição às extrativas, que atuam favorecendo a extração em detrimento da geração de
renda, compondo um cenário no qual um restrito grupo dominante enriquece às custas do
restante da sociedade. A vulnerabilidade dos arranjos institucionais à influência de grupos
de interesse pode, nesse sentido, gerar alterações nas estruturas de incentivos e afetar o
crescimento econômico dos municípios.
O presente artigo está dividido em quatro seções, incluindo esta introdução. A
segunda seção apresenta a metodologia empírica adotada e uma descrição dos dados da
amostra. A seção 3 apresenta os resultados dos exercícios empíricos que relacionam a
desigualdade de renda à arrecadação do IPTU e aos gastos sociais. A seção 4 conclui o
artigo.
II - Metodologia
Nosso objetivo é estudar se um aumento da desigualdade de renda em um
município, medido pelo coeficiente de Gini da renda domiciliar per capita, está associada
a uma queda na arrecadação do IPTU. Para nossa análise, utilizamos um painel de
municípios brasileiros, com dados de 2000 e 2010. Para cada município 𝑖, no instante 𝑡 =
2000, 2010, a equação estimada será:
4
ln(𝑖𝑝𝑡𝑢_𝑝𝑐𝑖𝑡) = 𝛼𝑖 +𝛽1ln(𝑔𝑖𝑛𝑖𝑖𝑡) +𝛽2 ln(𝑟𝑒𝑛𝑑𝑎𝑖𝑡) +𝛽3𝑑𝑒𝑠𝑒𝑚𝑝𝑟𝑒𝑔𝑜𝑖𝑡 + 𝛽4𝑎𝑔𝑢𝑎𝑖𝑡+𝛽5𝑙𝑢𝑧𝑖𝑡 + 𝛽6𝑒𝑠𝑔𝑜𝑡𝑜𝑖𝑡 +𝛽7𝑙𝑖𝑥𝑜𝑖𝑡 + 𝛽8𝑎𝑙𝑢𝑔𝑢𝑒𝑙𝑖𝑡
+∑𝛿𝑗
3
𝑗=1
𝑒𝑠𝑐𝑜𝑙𝑎𝑟𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒𝑖𝑗𝑡 + 𝛽9𝑎𝑛𝑜2010 +휀𝑖𝑡 (1)
onde 𝑖𝑝𝑡𝑢_𝑝𝑐𝑖𝑡 é a arrecadação do IPTU per capita, 𝑟𝑒𝑛𝑑𝑎𝑖𝑡 e 𝑔𝑖𝑛𝑖𝑖,𝑡 são respectivamente
a média e o índice de Gini da renda domiciliar per capita, 𝑑𝑒𝑠𝑒𝑚𝑝𝑟𝑒𝑔𝑜𝑖𝑡 é a taxa de
desemprego, 𝑒𝑠𝑐𝑜𝑙𝑎𝑟𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒𝑖𝑗𝑡 são variáveis de proporções de adultos com 7 a 10 anos de
estudo, 11 a 14 anos de estudo, e 15 ou mais anos de estudo. As variáveis 𝑎𝑔𝑢𝑎𝑖𝑡, 𝑙𝑢𝑧𝑖𝑡
e 𝑙𝑖𝑥𝑜𝑖𝑡 são respectivamente as proporções de domicílios com água canalizada em ao
menos um dos cômodos, iluminação elétrica e coleta de lixo. A variável 𝑎𝑛𝑜2010, é uma
variável dummy que vale zero se o ano for 2000 e um se o ano for 2010. Por último,
𝑎𝑙𝑢𝑔𝑢𝑒𝑙𝑖𝑡 é a média municipal do valor do aluguel imputado para cada domicílio, uma
proxy do valor do imóvel, que entra no cálculo do valor pago do IPTU. Quando
controlamos pelo valor do aluguel imputado, a variação resultante do IPTU se deve
somente às alíquotas determinadas localmente, o que nos permite avaliar de forma correta
a relação entre a desigualdade e a presença de rent-seeking.
O dado da arrecadação do IPTU em cada ano foi obtida dos dados das Finanças
do Brasil (FINBRA), da Secretaria do Tesouro Nacional, que disponibiliza os dados
contábeis dos municípios desde 1989. Há municípios que não declaram as informações
para essa pesquisa, predominantemente em áreas com menor desenvolvimento (IPEA,
2009). A informação do PIB foi obtida da pesquisa PIB dos Municípios, do IBGE. Os
demais dados foram estimados a partir dos Censos Demográficos de 2000 e 2010, do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Todos os valores monetários foram
deflacionados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) para preços de
fevereiro de 2016.
A variável de aluguel foi construída conforme metodologia proposta por Morais
e Cruz (2003) para a estimação do valor do aluguel com dados domiciliares da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). No nosso caso, em 2010 construímos a
variável diretamente com dados do próprio Censo Demográfico, uma vez que essa
pesquisa passou a coletar informações do valor pago pelo aluguel. Para isso, nós
estimamos o modelo proposto por Morais e Cruz (2009)1 e, a partir dos coeficientes
1 Utilizamos como controles: tipo de domicílio (casa ou apartamento), número de dormitórios, número de
outros cômodos, número de banheiros, tipo de parede, densidade de moradores por dormitório, renda
domiciliar per capita, número banheiros, presença de esgoto, água canalizada, coleta de lixo e iluminação
elétrica. No caso do Censo 2010, controlamos adicionalmente por efeitos fixos municipais. Na estimação
5
estimados para as características dos imóveis, nós realizamos uma previsão dos mesmos
valores para todos os demais domicílios. Para 2000, como não há a informação sobre o
valor do aluguel no Censo, nós realizamos a estimação dos coeficientes a partir da PNAD
1999 e aplicamos essas estimativas às características dos domicílios do Censo 2000 para
obter a previsão dos valores dos alugueis para todos os domicílios.
Em nossa especificação principal, nós estimamos a equação (1) em primeiras
diferenças, para a amostra de municípios com valores positivos da arrecadação do IPTU
em 2000 e 2010 (9.456 observações). A Tabela 1 apresenta algumas medidas descritivas
das variáveis do modelo, divididas por ano. Podemos observar que em média o valor do
IPTU per capita é pequeno em relação ao PIB per capita, e mesmo frente aos gastos
sociais em educação e cultura, e em saúde e saneamento. Esse resultado reforça o fato de
que o IPTU possui pouca relevância na arrecadação municipal (IPEA, 2009). As médias
de gastos sociais per capita aumentaram entre 2000 e 2010 em ritmos diferenciados.
Enquanto as despesas em educação e cultura cresceram com uma média anual de 4,2%,
os gastos em saúde e saneamento cresceram 8,9% ao ano (a.a.), a uma taxa superior à da
média do PIB per capita (4,8% a.a.). Além disso, a média da renda per capita aumentou
(2,8% a.a.) enquanto a desigualdade de renda medida pelo índice de Gini se reduziu de
uma média de 0.62 para 0.6. As médias das nossas estimativas do aluguel foram de R$
289 e R$ 376, respectivamente em 2000 e 2010, valor que cresceu na mesma proporção
da renda domiciliar per capita.
com dados da PNAD 1999, controlamos por efeitos fixos de Regiões Metropolitanas e Unidades
Federativas.
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Tabela 1 – Estatísticas descritivas
Obs.
Média Desv. Pad. Mínimo Máximo
2000 2010 2000 2010 2000 2010 2000 2010
IPTU per Capita 4728 27.9 36.5 119 85.1 0.001
3
0.000
1 5657 2222
Gastos em Educação e
Cultura per capita 4728 511 770 514 302 4.8 12.1 30855 4584
Gastos em Saúde e
Saneamento per capita 4728 270 632 276 304 0 0 15299 5684
PIB per Capita 4728 12510 20015 13318 21397 1866 4034 360021 438806
Renda Domiciliar per
Capita 4728 413 546 246 293 24.3 64.2 1965 2265
Índice de Gini da Renda
Domiciliar per Capita 4728 0.624 0.599 0.080 0.092 0.346 0.347 0.890 0.921
População (mil) 4728 33.5 37.5 199 217 0.795 0.805 10436 11254
Até 3 anos de estudo 4728 0.441 0.385 0.164 0.118 0.045 0.081 0.949 0.733
4 a 7 anos de estudo 4728 0.328 0.231 0.101 0.056 0.047 0.075 0.792 0.545
8 a 10 anos de estudo 4728 0.096 0.135 0.039 0.033 0.003 0.048 0.290 0.347
11 ou mais anos de estudo 4728 0.135 0.249 0.069 0.087 0.001 0.057 0.555 0.670
Taxa de Desemprego 4728 0.111 0.064 0.060 0.037 0.000 0.000 0.472 0.418
Iluminação Elétrica 4728 0.891 0.977 0.147 0.047 0.121 0.444 1.000 1.000
Coleta de Lixo 4728 0.571 0.723 0.257 0.202 0.000 0.000 1.000 0.998
Água Canalizada 4728 0.831 0.915 0.219 0.135 0.000 0.052 1.000 1.000
Esgoto 4728 0.420 0.453 0.324 0.308 0.000 0.000 1.000 1.000
Aluguel 4728 289 376 138 72 66 136 1306 671
Fonte: Finbra/STN; Censos Demográficos/IBGE; INPC/IBGE. Elaboração própria. Estatísticas descritivas
das variáveis da estimação da equação (1). IPTU, PIB e gastos governamentais em valores anuais, divididos
pela população obtida nos Censos Demográficos. Amostra de municípios com observações positivas do
IPTU.
A Figuras 1 mostra as correlações entre a arrecadação com o IPTU e a
desigualdade em cada ano (painel (a)), e entre a variação dessas duas variáveis (painel
(b)). Na Figura 1a, podemos observar que a correlação entre o índice de Gini da renda per
capita e a arrecadação do IPTU per capita é negativa nos dois anos. Isso significa que
municípios com maior desigualdade são aqueles que possuem também menor arrecadação
do IPTU per capita. A Figura 1b mostra que a correlação entre as variações do índice de
Gini e do IPTU per capita é também negativa, porém pequena.
A segunda parte da análise consistirá em uma avaliação acerca da existência de
rent-seeking manifestado no lado da despesa, de gastos sociais. Será investigado se
municípios mais desiguais, onde esse tipo de gasto seria de maior importância, investem
menos per capita em educação e cultura, saúde e saneamento. As contas anuais dos
municípios do FINBRA de 2000 apresentam o montante de gastos de educação junto ao
de cultura, e o de saúde junto ao de saneamento e, portanto, esses quatro tipos de gastos
sociais estudados foram incluídos nas regressões representados por somente duas
variáveis. Nós utilizamos a mesma especificação da equação (1), com os mesmos
controles incluídos nas regressões da primeira parte, exceto o aluguel médio.
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Figura 1 – Correlação entre Arrecadação e Desigualdade
a) IPTU e Gini
b) Var. IPTU e Gini
Fonte: Finbra/STN; Censos Demográficos/IBGE; INPC/IBGE. Elaboração própria. Gráfico
de dispersão do IPTU per capita (em Ln) e do índice de Gini da renda domiciliar per capita
em 2000 e 2010 (painel (a)) e da diferença entre 2000 e 2010 do IPTU per capita (em Ln) e
do índice de Gini da renda domiciliar per capita (painel (b)). As retas representam as
tendências lineares da relação entre as variáveis.
A Figura 2 apresenta a relação de cada uma dessas variáveis com a desigualdade,
e também não permite grandes conclusões a respeito da hipótese assumida neste artigo.
Podemos observar na Figura 2a que há uma correlação negativa entre os gastos per capita
em educação e cultura e o índice de Gini em 2000, porém essa correlação não se mantém
em 2010. Esse indica que em 2000 os municípios mais desiguais eram também aqueles
que gastavam menos em educação e cultura, porém em 2010, não parece haver relação
entre as duas variáveis, de modo que municípios mais e menos desiguais investem em
média a mesma quantidade per capita. A Figura 2b, por outro lado, mostra que há uma
correlação negativa entre os gastos per capita em saúde e saneamento e o índice de Gini
que se mantém ao longo do tempo.
8
Figura 2 – Correlação entre Gastos Sociais e Desigualdade
a) Educação e Cultura
b) Saúde e Saneamento
Fonte: Finbra/STN; Censos Demográficos/IBGE; INPC/IBGE. Elaboração própria. Gráfico
de dispersão do IPTU per capita (em Ln) e dos gastos per capita (em Ln) em educação e
cultura (painel (a)) e em saúde e saneamento (painel (b)), em 2000 e 2010. As retas
representam as tendências lineares da relação entre as variáveis.
Figura 3 – Correlação entre variação da despesa em educação e
cultura e variação da desigualdade
a) Educação e Cultura
b) Saúde e Saneamento
Fonte: Finbra/STN; Censos Demográficos/IBGE; INPC/IBGE. Elaboração própria. Gráfico
de dispersão da variação entre 2000 e 2010 dos gastos municipais (em Ln) em educação e
cultura (painel (a)) e em saúde e saneamento (painel (b)), e da variação do índice de Gini da
renda domiciliar per capita no mesmo período. As retas representam as tendências lineares
da relação entre as variáveis.
A Figuras 3 mostra a correlação entre as variações dos gastos sociais e a variação
da desigualdade de renda. Podemos observar na Figura 3a que os municípios que se
tornaram mais desiguais são também aqueles que aumentaram mais seus gastos em
educação e cultura. O mesmo, porém, não ocorre em relação aos gastos em saúde e
saneamento.
Para caracterizar os movimentos do índice de Gini, a Figura 4 mostra a variação
do índice de Gini entre 2000 e 2010 de acordo com os níveis iniciais dessa medida e da
9
renda per capita em 2000. Os municípios que mais reduziram sua desigualdade forma
aqueles que eram também mais desiguais em 2000, como mostra a Figura 4a. Apesar da
média da desigualdade tenha se reduzido (como mostra a Tabela 1), grande parte dos
municípios com menor nível desigualdade em 2000 aumentaram essa desigualdade até
2010. A Figura 4b mostra que os municípios que tinham maior renda em 2000 foram
também aqueles que mais reduziram a desigualdade no período.
Figura 4 – Variação da Desigualdade e Níveis Iniciais de
Desigualdade e da Renda
a) Nível inicial de
Desigualdade
b) Nível inicial de Renda
Fonte: Finbra/STN; Censos Demográficos/IBGE; INPC/IBGE. Elaboração própria. Gráfico
de dispersão da variação entre 2000 e 2010 do índice de Gini da renda domiciliar per capita
e do mesmo índice em 2000 (painel (a)), e da média de renda domiciliar per capita em 2000
(painel (b)). As retas representam as tendências lineares da relação entre as variáveis.
Figura 5 – Variação dos Gastos em Educação e Cultura e Níveis
Iniciais do mesmo Gasto e da Renda
a) Nível inicial de Gasto
b) Nível inicial de Renda
Fonte: Finbra/STN; Censos Demográficos/IBGE; INPC/IBGE. Elaboração própria. Gráfico
de dispersão da variação entre 2000 e 2010 dos gastos municipais (em Ln) em educação e
cultura e do nível desses mesmos gastos em 2000 (painel (a)), e do nível da renda domiciliar
per capita em 2000 (painel (b)). As retas representam as tendências lineares da relação entre
as variáveis.
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A Figura 5a mostra a variação dos gastos em educação e cultura entre municípios
com maior e menor nível desses gastos em 2000. Podemos observar novamente uma
tendência de reversão à média, em que os municípios que gastavam menos no período
inicial foram aqueles que mostraram maior crescimento. Também podemos observar que
os municípios que apresentaram maior crescimento desses gastos sociais foram também
aqueles que tinham menores níveis de renda em 2000 (Figura 5b).
A Figura 6a mostra que os padrões das relações observadas para a desigualdade e
os gastos em educação e cultura (Figuras 4a e 5a) se repetem para os gastos em saúde e
saneamento. Os municípios que mais aumentaram seus gastos em saúde e saneamento
foram aqueles que em 2000 tinham os menores níveis dos mesmos gastos. Por outro lado,
não parece haver uma relação clara entre o crescimento dos gastos em saúde e saneamento
e o nível de renda inicial, como mostra a Figura 6b.
Figura 6 – Variação dos Gastos em Saúde e Saneamento e Níveis
Iniciais do mesmo Gasto e da Renda
a) Nível inicial de Gasto
b) Nível inicial de Renda
Fonte: Finbra/STN; Censos Demográficos/IBGE; INPC/IBGE. Elaboração própria. Gráfico
de dispersão da variação entre 2000 e 2010 dos gastos municipais (em Ln) em saúde e
saneamento e do nível desses mesmos gastos em 2000 (painel (a)), e do nível da renda
domiciliar per capita em 2000 (painel (b)). As retas representam as tendências lineares da
relação entre as variáveis.
III - Resultados
A Tabela 2 mostra as estimações da equação (1), com regressões da arrecadação
do IPTU per capita no índice de Gini e demais controles. Na coluna (1), a regressão por
mínimos quadrados ordinários (MQO) mostra que há correlação negativa entre o nível de
desigualdade e a arrecadação do IPTU. A magnitude da estimativa pontual aumenta
quando controlamos pelos efeitos fixos municipais na coluna (2), onde fizermos a
11
estimação na primeira diferença da equação (1). Esses resultados indicam que mesmo
controlando por características socioeconômicas e pelo nível de renda, os municípios
onde há maior desigualdade são aqueles em que também há menor arrecadação do IPTU
por pessoa.
Na Tabela 3, mostramos as regressões dos gastos sociais no índice de Gini e
demais controles. Nas duas primeiras colunas, a tabela mostra as regressões dos gastos
em educação e cultura e nas duas últimas, as regressões dos gastos em saúde e
saneamento. Nas regressões por MQO das colunas (1) e (3), nós obtemos estimativas
negativas dos dois tipos de gastos sociais. Quando controlamos pelos efeitos fixos dos
municípios nas regressões em primeiras diferenças das colunas (2) e (4), as estimativas
pontuais tornam-se positivas. No caso dos gastos em educação e cultura, a estimativa é
significativamente diferente de zero ao nível de 1%.
12
Tabela 2 – Desigualdade de Renda e Arrecadação com IPTU
Variáveis Independentes
Variável Dependente
Ln (IPTU)
MQO PD
(1) (2)
Ln (Gini) -0.232** -0.495**
(0.111) (0.223)
Ln (PIB per capita) 0.248*** 0.217***
(0.0330) (0.0680)
Ln (Renda per capita) 1.009*** 0.148
(0.0524) (0.112)
Taxa de Desemprego -2.029*** -1.194**
(0.363) (0.492)
Prop. 4 a 7 anos de estudo 2.456*** 0.507
(0.217) (0.376)
Prop. 8 a 10 anos de estudo 3.731*** 0.378
(0.475) (0.711)
Prop. 11 ou mais anos de estudo 4.293*** 0.245
(0.250) (0.587)
Prop. Dom. Água Canalizada 0.282* -1.096***
(0.145) (0.343)
Prop. Dom. Iluminação Elétrica -0.313 0.586*
(0.206) (0.338)
Prop. Dom. Esgoto 0.438*** 0.155
(0.0553) (0.119)
Prop. Dom. Coleta de Lixo 1.107*** 0.805***
(0.113) (0.167)
Ln(Aluguel) 0.378*** 0.221***
(0.0729) (0.0724)
Dummy ano 2010 -0.701*** -
(0.0480)
Constante -10.96*** 0.160*
(0.391) (0.0880)
Observações 9456 4728
Fonte: Finbra/STN; Censos Demográficos/IBGE; INPC/IBGE. Elaboração própria.
Regressão da arrecadação do IPTU per capita (em Ln) no índice de Gini (em Ln) e demais
controles. Amostra de municípios com valores positivos do IPTU em 2000 e 2010. Na coluna
(1), estimação em MQO com amostra de 2000 e 2010. Na coluna (2), regressão em primeiras
diferenças com amostra de municípios de 2010. Erro padrão robusto entre parênteses.
Significância: *** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1.
13
Tabela 3 – Desigualdade de Renda e Gastos Sociais
Variáveis Independentes
Variável Dependente
Ln (G. Educ. e Cultura) Ln (G. Saúde e San.)
MQO PD MQO PD
(1) (2) (3) (4)
Ln (Gini) -0.180*** 0.115*** -0.255*** 0.0337
(0.0371) (0.0228) (0.0495) (0.0835)
Ln (PIB per capita) 0.373*** -0.0391 0.363*** 0.201***
(0.0106) (0.0280) (0.0138) (0.0316)
Ln (Renda per capita) -0.244*** -0.540*** -0.140*** 0.0143
(0.0154) (0.112) (0.0217) (0.0364)
Taxa de Desemprego -0.259** 0.736*** -0.617*** -0.0951
(0.104) (0.107) (0.146) (0.194)
Prop. 4 a 7 anos de estudo 0.239*** 0.158 -0.0915 -0.392***
(0.0733) (0.208) (0.0918) (0.138)
Prop. 8 a 10 anos de estudo -1.380*** 1.298*** -1.732*** -0.996***
(0.173) (0.160) (0.212) (0.316)
Prop. 11 ou mais anos de estudo -0.691*** 0.597*** 0.209 -0.565**
(0.0941) (0.0973) (0.127) (0.252)
Prop. Dom. Água Canalizada 0.169*** 0.226*** 0.432*** -0.151
(0.0378) (0.0684) (0.0545) (0.103)
Prop. Dom. Iluminação Elétrica 0.188*** -0.0387 0.245*** 0.407***
(0.0505) (0.0306) (0.0736) (0.111)
Prop. Dom. Esgoto 0.0365** 0.169*** 0.0350* -0.0602
(0.0157) (0.0444) (0.0213) (0.0447)
Prop. Dom. Coleta de Lixo -0.0960*** 0.233*** -0.0431 0.517***
(0.0316) (0.0243) (0.0478) (0.0777)
Dummy ano 2010 0.484*** - 0.737*** -
(0.0148) (0.0205)
Constante 3.938*** 0.233*** 2.463*** 0.786***
(0.0836) (0.0243) (0.111) (0.0368)
Observações 9456 4728 9456 4728
Fonte: Finbra/STN; Censos Demográficos/IBGE; INPC/IBGE. Elaboração própria.
Regressão dos gastos per capita (em Ln) em educação e cultura (colunas (1) e (2)) e em saúde
e saneamento (colunas (3) e (4)) no índice de Gini (em Ln) e demais controles. Amostra de
municípios com valores positivos do IPTU em 2000 e 2010. Nas colunas (1) e (3), estimações
em MQO com amostra de 2000 e 2010. Nas colunas (2) e (4), regressões em primeiras
diferenças com amostra de municípios de 2010. Erro padrão robusto entre parênteses.
Significância: *** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1.
A partir da Tabela 2, com os resultados das regressões, depreende-se que existe
uma correlação negativa entre o montante per capita arrecadado de IPTU e a desigualdade
de renda do município. Essa evidência sugere uma possível manifestação de rent-seeking,
corroborando a hipótese inicial assumida neste artigo. Como controlamos as regressões
por uma proxy do valor dos imóveis, a correlação entre o índice de Gini e a arrecadação
do IPTU per capita reflete somente a associação da desigualdade de renda com a variação
devida às alíquotas cobradas. Para efeitos fixos, elasticidade do IPTU per capita em
relação ao índice de Gini é de -0,5%. Isto é, para cada 1% de aumento de desigualdade
medida pelo índice de Gini, tem-se, em média, uma redução de 0,5% na arrecadação do
IPTU per capita em um município, tudo o mais constante.
14
Para o gasto com educação e cultura, a evidência disponível no modelo mais
robusto não confirma o padrão de captura pela elite. O coeficiente estimado da variável
que representa o índice de Gini é positivo, indicando que municípios mais desiguais, em
média, gastam mais com esse tipo de despesa. Segundo Bursztyn (2016), eleitores mais
pobres avaliam menos positivamente governos com maiores gastos em educação e
detrimento de gastos em transferências. De modo simétrico, eleitores com maior renda
avaliam positivamente os mesmos governos. Não se trata necessariamente de maior
preferência dos mais ricos por educação. Os indivíduos mais pobres podem se encontrar
em uma situação em que o consumo atual é mais urgente e por esse motivo manifestam
sua preferência pelas transferências.
Nesse sentido, há duas explicações possíveis. Em primeiro lugar, é possível que a
elite econômica desses municípios de fato consiga impor sua agenda política e tenham
preferências no sentido de aumentar o gasto com educação. Por outro lado, é possível que
haja alguma heterogeneidade dos efeitos nos municípios que explique a existência
simultânea de rent-seeking e de maior gastos em educação. Nesse sentido, o eleitor
mediano nos municípios mais ricos tenha renda o suficiente para poderem investir em
educação. Assim, entre os municípios ricos, quanto maior for a desigualdade, mais a renda
do eleitor mediano é menor do que a média e mais demandará políticas redistributivas,
como o gasto público em educação.
Os resultados para saúde e saneamento sugerem que não há uma correlação
significante entre esse tipo de despesa e a desigualdade. Nesse caso, não há nenhuma
confirmação em relação à captura pela elite.
Para entender com mais detalhes os municípios em que ocorrem as maiores
correlações, a Figura 7 mostra as correlações do índice de Gini com a arrecadação do
IPTU e os gastos sociais para 4 grupos de municípios, definidos pela renda inicial. Os
grupos de renda foram definidos a partir dos quartis de renda per capita de 2000, de forma
que possuem tamanhos iguais. A Figura 7a mostra que a estimativa da correlação negativa
entre a desigualdade e a arrecadação do IPTU é explicada pelos municípios do grupo com
as menores médias de renda em 2000. Isso significa que somente nos municípios
inicialmente mais pobres (e que em média tiveram aumento da desigualdade, conforma a
Figura 4) verificamos a associação negativa entre desigualdade e arrecadação do IPTU.
Por outro lado, a figura 7b mostra que a correlação positiva entre os gastos em educação
15
e cultura e desigualdade ocorre de forma mais acentuada nos municípios inicialmente
mais ricos, e entre os quais a desigualdade diminuiu mais (conforme a Figura 5). No caso
dos gastos em saúde e saneamento, Figura 7c, a correlação parece aumentar conforma a
renda inicial, porém nenhuma das estimativas é significativamente diferente de zero.
Figura 7 – Estimativas por Grupos de Municípios por Renda
a) IPTU
b) Educação e Cultura
c) Saúde e Saneamento
Fonte: Finbra/STN; Censos Demográficos/IBGE; INPC/IBGE. Elaboração
própria. Estimativas obtidas a partir de regressões em primeiras diferenças
semelhantes àquelas das tabelas 2 e 3, com o controle adicional de uma
interação entre o índice de Gini e dummies para 4 grupos de renda per capita
em 2000, com tamanhos iguais. A estimativa para cada grupo é a soma da
estimativa do índice de Gini com a da respectiva interação. As barras
verticais representam o intervalo de confiança de 95%, estimado com erro
padrão robusto.
Esses resultados sugerem que dependendo do nível de renda e da tendência de
redução da desigualdade, pode haver maior risco de captura pela elite. Nos municípios
com menor nível de renda e onde a desigualdade aumentou, a captura pela elite parece
operar no sentido de reduzir a arrecadação sobre um dos principais impostos diretos sobre
a propriedade. Nos municípios mais ricos e em que a desigualdade em média caiu mais,
16
é possível que o eleitor mediano de fato tenha condições de colocar suas preferências por
maior gasto em educação.
IV – Conclusão
A avaliação do presente artigo, acerca da existência de rent-seeking, ou de uma
“captura pela elite”, consistiu em uma análise voltada à esfera municipal – na qual as
elites de cada cidade teriam um contato mais próximo junto aos governantes e há a
possibilidade mais clara de influência sobre as decisões de gastos e arrecadação
municipais. Utilizamos variáveis proxy entendidas aqui como valores nos quais os mais
ricos teriam incentivo de intervir, seja amenizando a arrecadação de impostos regressivos
e diretos sobre a propriedade, como o IPTU, seja orientando despesas que outrora eram
investidas em áreas sociais para destinos que lhes trariam mais benefícios, como
infraestrutura. Essas elites poderiam estar, assim, auferindo “renda econômica” e gerando
um custo ao restante da sociedade.
Nós examinamos as correlações entre o nível de desigualdade de renda dos
municípios brasileiros entre 2000 e 2010 com a arrecadação do IPTU per capita e os
gastos sociais com educação e cultura, e com saúde e saneamento. Municípios com maior
desigualdade econômica poderiam estar mais sujeitos à ação das elites no sentido de
impor sua agenda. Por outro lado, para municípios com o mesmo nível médio de renda,
maiores níveis de desigualdade representam uma distância maior do eleitor mediano em
relação à média de renda, o que poderia aumentar a probabilidade de ocorrerem políticas
redistributivas.
Nossos dados fornecem evidência estatística de que a probabilidade de captura
pela elite pode estar associada ao nível de renda dos municípios. Em primeiro, nós
encontramos evidências em favor da hipótese de existência do rent-seeking para a
arrecadação de IPTU, com associação especialmente relevante em municípios com baixos
níveis de renda per capita. Entre eles, o aumento da desigualdade está associado a uma
redução da arrecadação do IPTU, controlando por efeitos fixos e por uma proxy do valor
dos imóveis. Nesses municípios, é possível que o menor nível de renda os torne mais
suscetíveis à influência de seus estratos mais ricos. Entre os municípios com maior nível
de renda, por outro lado, não há evidência de rent-seeking em relação à arrecadação do
IPTU. Além disso, os gastos sociais com educação e cultura aumentam com a
desigualdade. Como não confirmamos a existência de rent-seeking do lado das receitas,
17
é possível que também nesses municípios o eleitor mediano seja capaz de impor uma
agenda redistributiva para os gastos.
Assim, os municípios mais desiguais e pobres, que, em particular, mais
precisariam de mecanismos eficientes de distribuição de renda e de provisão de serviços
públicos, são possivelmente palcos de lobby dos mais ricos junto aos governantes.
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