1. Referncias: VEIGA-NETO, Alfredo. VEIGA-NETO, Alfredo.
Espaos, tempos e disciplinas: as crianas ainda devem ir escola? In:
ALVES-MAZZOTTI,Alda et al. Linguagens, espaos e tempos no ensinar e
aprender. Rio de Janeiro: DP&A, 2000a. p. 9-20 Espaos, Tempos e
Disciplinas: as crianas ainda devem ir escola? * Alfredo Veiga-Neto
** Entre as muitas maneiras de encaminhar uma resposta ao ttulo
deste texto, vou me valer de uma passagem de Kant, na sua Rflexion
sur l'ducation (Kant, 1962, p.71): "Enviam-se em primeiro lugar as
crianas escola no com a inteno de que elas l aprendam algo, mas com
o fim de que elas se habituem a permanecer tranqilamente sentadas e
a observar pontualmente o que se lhes ordena" (grifos meus), uma
vez que "a falta de disciplina um mal pior que a falta de cultura,
pois esta pode ser remediada mais tarde, ao passo que no se pode
abolir o estado selvagem e corrigir um defeito de disciplina"
(Kant, 1996, p.16). Meu objetivo no nem concordar com o filsofo nem
divergir dele, mas to somente sublinhar o fato de que ele talvez
tenha sido o primeiro a caracterizar, formalmente, a escola moderna
como a grande instituio envolvida com o disciplinamento dos corpos
infantis, em especial no que concerne aos usos que tais corpos
fazem do espao denotado pela palavra sentadas e do tempo denotado
pela palavra pontualmente. Assim, se para vivermos civilizadamente
no mundo moderno mesmo necessrio um mnimo de disciplinamento, ento
as crianas ainda devem ir escola. Mas essa resposta kantiana
pergunta do ttulo no encerra a questo; ao contrrio, ela abre um
leque de possibilidades. Uma dessas possibilidades o
desenvolvimento das mais variadas consideraes humanistas e ticas
que lamentam esse carter disciplinador da escola e que denunciam a
opresso a que elas submetem as crianas. Uma outra possibilidade a
incluso dessas prticas disciplinares num quadro mais amplo que
envolve alguns artefatos escolares (como o currculo) e vrios outros
elementos (sociolgicos, econmicos, polticos, culturais ou
lingsticos) para, a partir da, demonstrar e denunciar o papel
reprodutor da escola moderna. A possibilidade que quero
desenvolver, neste pequeno texto, vai num sentido diferente dos
acima referidos. Mas, antes de prosseguir, um alerta: o que segue
no tem carter nem de denncia nem de lamentao; isso assim
simplesmente porque no pressuponho um ideal de educao escolarizada
e de sociedade em relao ao qual a escola moderna teria se desviado
ou o qual ela no tivesse (ainda) atingido. Isso no significa que no
seja importante a busca de determinados ideais, seja para a escola,
seja para a sociedade; significa, to somente, que este texto se
movimenta no campo da anlise e da problematizao. Suas implicaes
ticas e polticas so imensas, mas no sero desenvolvidas aqui. O que
me interessa fazer, ento, problematizar acerca da funo
disciplinadora da escola, especialmente nesses tempos ps-modernos.
Para tanto, iniciarei relacionando, muito resumidamente, algumas
tcnicas espao-temporais que funcionam na escola, e que tomam o
corpo da criana com o objetivo de torn-lo dcil. A partir da,
colocarei algumas questes relativas proclamada necessidade da
escolarizao universal. Meu objetivo final sugerir que a sociedade
contempornea conta com algumas novas tecnologias e as est
disseminando de tal maneira que, talvez, a pedagogia disciplinar
preconizada pelo Iluminismo e to bem formalizada por Kant no seja
mais to importante ou necessria como o foi at h poucas dcadas. No
fundo de tudo isso, o que est em jogo a questo da prpria
sobrevivncia da escola como a principal instituio capaz, em termos
gerais, de promover a socializao e, em termos especficos, de
contribuir para uma maior justia social. Corpos dceis
2. A docilizao do corpo, pelo poder disciplinar, pode ser
entendida em sua dimenso econmica1, na medida em que a disciplina
funciona minimizando a fora poltica e maximizando a fora til ou de
trabalho (Foucault, 1989)2. Alm disso, como tenho argumentado
(Veiga-Neto, 1996, 2000a), as disciplinas articuladas em seus dois
eixos inseparveis: o eixo do corpo e o eixo dos saberes funcionam
como matriz de fundo, na qual cada um de ns assume como naturais os
muros a que somos submetidos como sujeitos modernos; por isso, as
disciplinas esto envolvidas tambm com os processos de subjetivao.
Quanto a esse duplo envolvimento, podemos voltar a Kant. H uma
passagem naquela sua obra pedaggica que emblemtica: "Ser
disciplinado. Disciplinar quer dizer: procurar impedir que a
animalidade prejudique o carter humano, tanto no indivduo como na
sociedade. Portanto, a disciplina consiste em domar a selvageria"
(id., p.26). Como se v, h mais de duzentos anos o filsofo j
anunciava esse duplo destino para a disciplina, na Modernidade: o
corpo em sua "dimenso" individual e poltica. Assim, pode-se dizer
que o corpo se constitui no objeto microscpico do poder
disciplinar. Entender o poder disciplinar como um poder microscpico
sobre o corpo o que, certamente, no significa "fraco", "invisvel"
ou "pouco importante", bem como distribudo por toda a rede social,
nos permite enxergar as inmeras prticas que acontecem no ambiente
escolar como tcnicas que se combinam e do origem a uma verdadeira
tecnologia, cujo fim tanto alcanar os corpos em suas nfimas
materialidades quanto imprimir-lhes o mais permanentemente possvel
determinadas disposies sociais. Isso feito de uma maneira tal que
"alma" e corpo so tomados juntos, pois "a alma , ao mesmo tempo, o
produto do investimento poltico do corpo e um instrumento do seu
domnio" (Ewald, 1993, p.51). Por tudo isso, a disciplinaridade e
seus resultados so vistos como naturais, necessrios. Certamente,
nada disso natural, isso , no provm de uma suposta natureza do
corpo ou do poder disciplinar, mas foi descoberto/inventado ao
longo dos sculos XVII e XVIII, como uma combinao casual de "uma
multiplicidade de processos muitas vezes mnimos, de origens
diferentes, de localizaes esparsas [...]" (Foucault, 1989, p.127)3.
Tais processos ocorreram principalmente nos colgios, nos hospitais,
nos quartis, nos conventos, nas prises. Em algumas dcadas, na Idade
Clssica se estabeleceu uma crescente microfsica do poder,
funcionando a disciplina como uma anatomia poltica do detalhe4.
Entender o poder como uma ao sobre outras aes como prope
Foucaultimplica entender que o poder disciplinar age sempre sobre
algo que tem vida, ou seja, sobre algo que ocupa um lugar no espao
e existe num tempo finito. Em outras palavras, as tcnicas
envolvidas no poder disciplinar operam primria e necessariamente
num espao e num tempo determinados. A questo, agora, examinarmos
como o espao e o tempo so mobilizados nessas aes. Concluindo esta
seo, quero lembrar que um dos elementos que estou colocando em jogo
na minha anlise o poder disciplinar no incompatvel com outras
formas de poder que, ao longo do sculo XX, foram atuando e se
organizando na escola. Pelo contrrio, as prticas disciplinares
espao-temporais que comentarei nas duas prximas sees at mesmo se
articularam com as prticas que as novas pedagogias principalmente
as corretivas e as psicolgicas colocaram em movimento, inicialmente
na Alemanha e, logo em seguida, nos Estados Unidos e na Frana, para
serem em seguida espalhadas por todo o mundo. O espao Para que o
poder atinja a todos da maneira o mais minuciosa possvel, preciso
que os corpos estejam distribudos no espao e que essa distribuio
obedea a uma lgica econmica5. Em primeiro lugar, isso implica que
os corpos no estejam dispersos, mas de preferncia submetidos a
algum tipo de cerceamento ou confinamento que os torne acessveis s
aes do
3. poder. A clausura em tantos aspectos copiada pela escola o
exemplo limite desse confinamento. Rocha (1999), chamando de
"conformao" a essa varivel, nos mostra quatro diferentes "tipos" de
confinamento a que se pode submeter os alunos, em quatro escolas no
municpio de Porto Alegre, RS, e associa esses "tipos" s diferentes
perspectivas pedaggicas que nortearam a criao dessas escolas. Ao
retirar das plantas arquitetnicas grande parte dos detalhes que
dificultavam a leitura que lhe interessava fazer, essa autora
descobriu quatro padres de conformao, cuja correlao s respectivas
orientaes pedaggicas evidente. As conformaes vo do maior fechamento
e isolamento possveis em relao ao espao circundante escola Colgio
Militar de Porto Alegre at maior abertura, contato e transparncia
em relao ao exterior Escola Municipal Jean Piaget. Em segundo
lugar, dentro desse confinamento, a distribuio dos corpos deve ser
o menos catica, difusa e informe possvel, pois preciso que o poder
atinja igualmente a todos. Assim, "importa estabelecer as presenas
e as ausncias, saber onde e como encontrar os indivduos, [...]
poder a cada instante vigiar o comportamento de cada um" (Foucault,
1989, p.131). O quadriculamento a melhor imagem para uma distribuio
em que a lgica : "um lugar para cada corpo e um corpo em cada
lugar". As descries que Rocha (1999) faz das escolas cuja
arquitetura analisou servem como exemplos de diferentes
detalhamentos no acesso que elas tm aos corpos das crianas, em funo
basicamente das pedagogias por elas assumidas e do tipo de aluno
com que trabalha. Alm disso, cabe referir a homologia que existe
entre esse espao fsico e o espao abstrato que a disciplinarizao dos
saberes engendrou, a partir da virada disciplinar que ocorreu ao
longo do sculo XVI6. Em terceiro lugar, a distribuio deve obedecer
a um princpio de funcionalidade. Assim, o quadriculamento no uma
questo puramente geomtrica e no deve ser deixado ao acaso; ele no
deve gerar clulas homogneas. Ao contrrio, cada quadrcula deve
guardar uma certa correspondncia sua funo, no conjunto da rede de
que ela faz parte. A funo de uma quadrcula , em ltima instncia,
desempenhada pelo corpo que a ocupa. Voltando aos exemplos que
tomei de Rocha (1999), por isso que, numa escola de formao
profissional como a Escola Tcnica Parob, a heterogeneidade na
tipologia das salas de aula e do mobilirio muito maior do que numa
escola de formao geral como o Colgio Americano. Em quarto lugar, a
distribuio espacial dos corpos no tem, necessariamente, uma
correspondncia simtrica ao espao fsico; e nem, muito menos, guarda
com esse, uma correspondncia unvoca. Em outras palavras, o que mais
importa no tanto o territrio nem o local em termos fsicos ocupados
por um corpo, mas, antes, a sua posio em relao aos demais. E desses
demais entre si e assim por diante. Dessa maneira, a distribuio
espacial sempre uma questo relacional, a fim de que se obtenha a
maior economia na circulao do poder disciplinar. Vrias prticas e
vrios artefatos, que foram se firmando na escola moderna, servem de
bons exemplos do carter relacional do espao ocupado pelos corpos
infantis: a inveno das classes ordenadas por idade e por desempenho
das crianas; as filas durante os deslocamentos das crianas; a posio
relativa que essas crianas ocupam dentro de cada classe, em funo de
seus atributos biomtricos ou em funo de outros critrios; a posio
que cada uma ocupa num ranking de desempenhos (nas cada vez mais
freqentes avaliaes); e, at mesmo, a posio relativa dos saberes que,
compondo um currculo, so ministrados s crianas segundo uma lgica
que nada tem de natural. O resultado da combinao desses elementos
que o poder disciplinar no atinge um corpo livre no espao; a rigor,
ele nem mesmo atinge um corpo em si. O que esse poder
4. microfsico atinge , antes, uma clula; e ali h um corpo a
ocup-la. Mas esse corpo que d materialidade clula; dito de outra
forma, o corpo que, enquanto objeto do poder disciplinar, atualiza
a virtualidade da clula. Sem o corpo, a clula no teria sentido. Sem
ela, o corpo estaria fora do alcance do poder disciplinar. Nessa
metafsica, talvez se possa dizer que h uma relao imanente e de
tenso mas jamais dialtica entre o corpo e o espao. Um engendra o
outro, ao mesmo tempo em que por esse engendrado. Assim, o espao no
se reduz a um simples cenrio onde se inscreve e atua um corpo.
Muito mais do que isso, o prprio corpo que institui e organiza o
espao, enquanto o espao d um "sentido" ao corpo. O tempo Assim como
o espao, para a maior economia do poder disciplinar preciso que o
tempo em que se do as experincias individuais siga uma ordenao. Em
primeiro lugar, preciso que o tempo seja particularizado,
individualizado, isso , preciso que o tempo vivido por algum seja
separado tanto do tempo fsico (ao longo do qual se desenrola sua
vida) ao qual, a rigor, no temos acesso direto, a no ser atravs de
representaes socialmente construdas7 quanto do tempo social. Essa
separao no natural; ela no ocorre como um atributo humano. A
percepo do tempo no um a priori, como pensou Kant. Ao contrrio, ela
resulta de uma construo social; a percepo do tempo como a do espao
, portanto, contingente. Na cultura do Ocidente, foi somente a
partir do final do Renascimento que ocorreu a ruptura entre o tempo
fsico, macrocsmico, imutvel no qual o homem estava mergulhado; do
qual o homem no se distinguia e o tempo vivido individualmente.
Essa separao entre, de um lado, o tempo subjetivo, e de outro lado,
o tempo fsico e o tempo social/coletivo funcionou como uma condio
de possibilidade para o processo de progressiva individualizao que
vrios socilogos descreveram na nossa Histria entre os clssicos,
Marx, Weber e Durkheim; entre os contemporneos, Elias8. Mas dessa
individualizao no decorre que cada corpo tenha seu prprio tempo,
separado e independente dos demais corpos. Ao contrrio, no que diz
respeito ao tempo como tambm no que concerne a muitas outras
variveis, prticas ou atributos a individualizao no implica
autonomizao, mas to somente uma facilitao para que cada corpo seja
mais fcil, pontual e economicamente atingido e perpassado pelo
poder disciplinar. A solido do Homo clausus de que nos fala Elias
um tanto paradoxal: cada um se sente nico e sozinho, ainda que
todos sejam to igual e homogeneamente subjetivados. Em segundo
lugar, o tempo a que o corpo se submete que se transforma em tempo
subjetivo, ou, ainda melhor, em tempo subjetivado deve ser tambm
fracionado, fragmentado, microscopizado. No mbito escolar e
microscpico, isso feito de uma maneira muito eficiente pelos
horrios os quais, alm da repartio, ainda possibilitam tanto o
controle minucioso e sem desperdcios sobre as aes quanto a repetio
cclica dessas aes. Ainda no mbito escolar, mas agora considerando
as grandes duraes, isso feito principalmente pela seriao. Numa
escala intermediria, est a programao semanal ou mensal, cuja
materialidade mais gritante se d na agenda, esse cronograma que,
espacializando o tempo, tanto nos coloca quanto permite que
coloquemos as crianas, desde cedo, num duplo aprisionamento.
5. Em terceiro lugar, o tempo subjetivado no se reduz a um
simples rebatimento do tempo fsico sobre um corpo individualizado.
O tempo subjetivado muito mais do que isso: ele permite tanto um
controle minucioso sobre os movimentos do corpo quanto uma mais
eficiente articulao entre esse corpo e os objetos que o circundam.
A importncia disso para as prticas escolares muito grande, indo
desde o treinamento da hxis corporal at o melhor uso dos objetos,
do domnio dos movimentos at a otimizao das habilidades individuais.
Para finalizar esta seo, lembro que assim como o espao no deve ser
compreendido como um simples cenrio onde se do nossas aes as nossas
aes no se do simplesmente ao longo de uma durao de tempo; muito
mais do que isso, na prpria ao que se institui um tempo capaz de
ser percebido e de ter algum sentido para ns. Dito de outra
maneira, o tempo se institui e se organiza pela nossa ao. E agora?
Em termos do espao e do tempo, a escola moderna foi sendo concebida
e montada como a grande e (mais recentemente) a mais ampla e
universal mquina capaz de fazer, dos corpos, o objeto do poder
disciplinar; e, assim, torn-los dceis. As conseqncias disso seja ao
nvel individual, seja ao nvel populacional foram imensas. Mas, e
agora? Diante de todas as grande e rpidas modificaes por que est
passando o mundo, qual a importncia de continuar fabricando corpos
dceis? E mesmo que isso seja necessrio, que papel ter a escola
nessa fabricao? Diante, por um lado, das modernas tecnologias de
vigilncia e controle social e, por outro lado, das modificaes no
sistema de produo e acumulao capitalistas, talvez no seja mais
necessrio que o modelo do panptico a grande mquina ptica proposta
para as prises, por Bentham h mais de duzentos anos seja
materializado nas escolas modernas. Talvez no seja mais necessrio
que a escola panptica seja o lugar pelo qual devam passar todas as
crianas a fim de aprenderem a viver nos espaos e nos tempos em que
o mundo quer coloc-las. Com isso, eu no quero dizer algo como
"finalmente, estamos livres do poder disciplinar". Meu argumento
vai em outra direo: talvez no precisemos mais da escola como mquina
panptica simplesmente porque o prprio mundo se tornou uma imensa e
permanente mquina panptica. O ideal da sociedade de cristal foi, h
dois sculos, pontualmente materializado no panptico (Varela, 1996);
hoje, foi a prpria sociedade que se tornou de cristal. De fato, o
avano de toda uma sofisticada tecnologia eletrnica de vigilncia e
documentao de que so bons exemplos os circuitos fechados de
televiso e os potentes e velozes sistemas de informao e bancos de
dados aponta para o progressivo barateamento e disseminao de todos
os atributos do panptico. O principal desses atributos a
visibilidade no apenas se conserva, mas foi at mesmo melhorado. Se
at h pouco foi to necessrio que a escola ensinasse as crianas a se
verem para que apreendessem a ser objetos-de-si-mesmas,
ovelha-e-pastor-de-si, ru-e-juiz-de-si, foi porque no era econmico
mant-las, depois de adultas, sob o olhar soberano. Mas, agora, a
situao outra. O que era uma limitao econmica no mais problema, pois
agora a eletrnica tornou possvel distribuir a baixos custos e
infinitamente o olhar externo, soberano. Mais um paradoxo da solido
do Homo clausus: ao mesmo tempo to fechado em si mesmo e to
acessvel ao olhar dos outros.
6. E, como se no bastasse a onipresena da mquina de Bentham
agora materializada em toda uma parafernlia eletrnica, ainda
preciso levar em considerao que uma das caractersticas da
ps-modernidade a proliferao de situaes em que, desde o nascimento,
cada um de ns interpelado por diferentes dispositivos, instituies e
tcnicas de informao, de subjetivao e de disciplinamento. O
resultado que, mais do que em qualquer outro momento da histria,
vivemos hoje um empalidecimento da escola como a grande instituio
disciplinar. Soma-se a tudo isso o fato de que as prprias percepes
sobre o espao e o tempo esto em contnua mudana, na ps-modernidade.
Vrias questes ligadas ao espao e ao tempo tais como a
fantasmagoria, a presentificao do futuro, a compresso
espao-temporal, a desterritorializao, a volatilidade e o desencaixe
esto transformando de tal maneira nossas vidas e, em conseqncia,
nossas percepes sobre a realidade que comum sentirmos nossa poca
como uma poca de incerteza e de insegurana. Para concluir este
texto, volto a Kant. Se ele escreveu "na verdade, o constrangimento
necessrio" (Kant, 1996, p.34) foi porque ele, inspirado em
Rousseau, queria corrigir o nosso assim chamado "estado de
selvageria" e, por a, combinando disciplina e formao (Bildung)
levar-nos maioridade. Ele ter pensado a escola como a instituio
principal para realizar tal intento nos mostra que ele foi um
filsofo do seu tempo. Se quisermos pensar dentro do nosso tempo, na
busca de um mundo mais justo e feliz, teremos de colocar no
equacionamento dos nossos problemas uma maior clareza acerca das
novas prticas espao-temporais a que estamos submetidos e s quais
estamos submetendo nossos alunos dentro e fora da escola. NOTAS: 1
Estou usando econmico no sentido amplo de "obteno dos maiores
resultados em termos de lucros, bens, afetos, saberes, etc. a
partir dos menores custos ou investimentos". 2 Nesse sentido,
comprende-se a importncia do papel da escola moderna (disciplinar)
para o avano do capitalismo. Para uma reviso dessa questo, numa
perspectiva econmica e poltica, vide Ewald (1993), Varela &
lvarez-Uria (1992) e Foucault (1989). 3 De certa maneira, o que
Kant faz em sua Pedagogia ento, digamos, sistematizar esses novos
processos, legitimando-os e colocando-os num quadro mais amplo, de
cunho modernizador e moral. 4 O detalhe, nesse caso, "vale menos
pelo sentido que nele se esconde que pela entrada que a encontra o
poder que quer apanhar" o homem disciplinado (Foucault, 1989,
p.129). 5 Vide nota 1. 6 Para uma discusso detalhada acerca dos
papis que desempenharam a virada disciplinar, a inveno do currculo
e de vrias prticas escolares e, at mesmo, a difuso do alfabetismo,
no estabelecimento da sociedade disciplinar, vide Veiga-Neto (1995,
1996, 2000a). 7 Para uma discusso detalhada dessa questo, vide
Veiga-Neto (2000b).
7. 8 fcil ver o quanto essa progressiva individualizao criou as
condies de possibilidade para a inveno da infncia, da Pedagogia
moderna, das epistemologias genticas e do prprio sujeito
(Narodowski, 1994; Varela, 1996). Referncias bibliogrficas EWALD,
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Reestruturao Curricular/SMED, 2000b. * Texto para o Simpsio Espaos
e tempos escolares, no 10 ENDIPE, Rio de Janeiro, 31 de maio de
2000. ** Alfredo Veiga-Neto Doutor em Educao e professor no
Programa de Ps-Graduao em Educao, Faculdade de Educao, UFRGS. Porto
Alegre, RS, Brasil.