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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
“ O PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA: da crise do capital à
sociabilidade da dívida no urbano.”
BRUNO XAVIER MARTINS
SÃO PAULO AGOSTO DE 2013
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
“ O PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA: da crise do capital à
sociabilidade da dívida no urbano.”
BRUNO XAVIER MARTINS
Trabalho de graduação individual do curso de Geografia, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Bacharel em Geografia.
ORIENTADORA PROFA. DRA. ISABEL APARECIDA PINTO ALVAREZ
SÃO PAULO AGOSTO DE 2013
3
AGRADECIMENTOS
A todos aqueles que participaram da minha vida!
O Bonfiglioli a casa tornogli.
4
ÍNDICE
INTRODUÇÃO....................................................................................................5
CAPÍTULO I Urbanização crítica e crise do capital: por um Programa
Minha Casa Minha Vida urgente!..................... .................................................8
Estado de sítio e urbanização crítica...........................................................9
CAPÍTULO II Do modelo crítico de expansão do setor imobiliário
brasileiro ao PMCMV................................ ........................................................24
Abertura de capital das incorporadoras brasileiras...................................24
Os impactos da crise dos subprime no mercado imobiliário brasileiro......32
O surgimento do Programa Minha Casa Minha Vida num contexto de
‘estado de emergência econômico’...........................................................36
CAPÍTULO III O Capital Fictício................... .................................................45
1.................................................................................................................45
2.................................................................................................................51
CAPÍTULO IV O Programa Minha Casa Minha Vida: cotidi ano e
sociabilidade endividada........................... .....................................................59 O Programa Minha Casa Minha Vida e o imperativo da dívida................59
Hipotecando trabalho futuro......................................................................65
O Programa Minha Casa Minha Vida como difusor do fenômeno da pobreza......................................................................................................73
CONSIDERAÇÃO FINAIS................................................................................78
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................... ..........................80
5
INTRODUÇÃO
Essa pesquisa busca compreender as determinações críticas da atual
relação entre a produção do espaço e a reprodução do capital financeiro dentro
do território brasileiro, com uma pesquisa que teve foco na análise do
Programa Minha Casa Minha Vida (I e II) e no consequente crescimento do
mercado imobiliário brasileiro da última década; mas, também, nas
consequências diretas ao cotidiano urbano da população, que agora possui sua
relação com o tempo pautada pelas necessidades de remuneração do capital
financeiro internacional, em busca de valorização. Entendemos que esse
processo pode ser entendido à luz do conceito de urbanização crítica,
formulada por Damiani (2004), uma vez que as principais transformações que
vêm ocorrendo nas cidades, parecem relacionadas aos termos da presença
crítica do capital fictício. Através do entendimento das dimensões do
financiamento e do endividamento do mercado imobiliário brasileiro junto às
linhas de crédito concedidas pelo Estado é que parece ser possível dizer que
esta esfera é parte significativa das atuais transformações na produção do
espaço e na reprodução do capital supracitadas.
Em nosso entendimento, o sentimento de urgência e crise, que foi base
para a aplicação emergencial de diversos programas, entre eles o Programa
Minha Casa Minha Vida, levou a um processo de urbanização crítica
generalizada que foi importantíssimo para pensarmos o momento atual. Aqui,
enxergamos a passagem de uma violência estatal direta para uma autocoação
dos indivíduos, onde o sentimento de emergência é agora transferido ao
trabalhador que impõe si próprio um ritmo de vida urbano baseado na
velocidade de pagamento das dívidas de longo prazo do Programa Minha Casa
Minha Vida. Esse caminho foi traçado ao longo do primeiro capítulo.
Todavia, isso implicou em compreender três diferentes momentos do
mercado imobiliário brasileiro que, ao final, culminaria no surgimento do
Programa Minha Casa Minha Vida, realizando assim um recorte temporal para
a pesquisa. Isso foi realizado no segundo capítulo: 1) abertura de capitais das
incorporadoras a partir de 2006 e 2007, e a consequente expansão geográfica
6
dessas empresas para todo o território nacional e para o chamado segmento
econômico, agora guiada pelas necessidades de reprodução do capital
financeiro internacional; 2) a crise dos subprime no final de 2008 com o
epicentro nos EUA, promovendo a retração dessas empresas aos seus
mercados de origem e a consequente perda da grande quantidade de
investimentos feitos em landbanks fora dos mercados centrais, a partir do
dinheiro captado com a realização de seus IPO’s; e, finalmente, o surgimento
do Programa Minha Casa Minha Vida, como uma medida anticíclica de
resposta à crise supracitada, que articula um problema social, o déficit
habitacional, às necessidades do mercado.
O terceiro capítulo aqui exposto, mas que foi o primeiro a ser delineado,
busca fazer um caminho teórico a respeito do que seja o capital fictício, com o
intuito de servir-nos de base para entender os acontecimentos do mercado
imobiliário brasileiro no século XXI. Essa base também serviu para auxiliar o
entendimento de como mudou o cotidiano urbano que agora possui o
endividamento geral e a necessidade de remuneração de um capital financeiro
mundial, a partir do Programa Minha Casa Minha Vida.
Isso tudo implicou em buscar compreender essa última questão,
sistematizada no quarto e último capítulo, qual seja, os ritmos específicos ao
cotidiano urbano decorrentes da situação contraditória que confronta o sujeito
entre a aquisição da “casa própria” e a subordinação às suas próprias dívidas.
Assim, o endividamento a longo prazo do Programa Minha Casa Minha Vida,
associado a um momento específico da produção do espaço e do capital,
enquanto portador de capital fictício, sugere uma nova organização da
exploração do trabalho no tempo e no espaço, administrada de forma crítica
pelo trabalhador/morador em situação de desemprego. A categoria do trabalho
futuro, portanto, ganha espaço nesse momento crítico, onde o endividamento
se generaliza em toda a sociedade e se torna um imperativo de todo o
cotidiano urbano. Por último, coube ainda analisar como a situação precária de
um cotidiano endividado é preferível numa sociedade em que a pobreza
absoluta ainda impera. O Programa Minha Casa Minha Vida parece servir para
ampliar o fenômeno da pobreza. Caberia agora entendê-la não apenas a partir
7
de sua situação mais bruta e miserável, mas também a partir do que
chamaremos de “pobreza urbana”.
8
CAPÍTULO I
Urbanização crítica e crise do capital: por um Programa Minha
Casa Minha Vida urgente!
No dia 22 de Janeiro de 2012, cerca de seis mil pessoas foram expulsas
de suas casas na região do Pinheirinho, em São José dos Campos/SP.
Também em janeiro do mesmo ano, sob a justificativa de uma campanha
policial de repressão às drogas, retirou-se uma enorme quantidade de
moradores e usuários de drogas da região conhecida como Cracolândia, sendo
esta uma ação direta do projeto “Nova Luz” de reurbanização do centro de São
Paulo. Além disso, projetos mais antigos, como as operações urbanas das
Águas Espraiadas e a “Nova Faria Lima”, passaram por situações
semelhantes. O discurso da construção de uma “cidade global”, que tem a “[...]
cultura como alavanca para a valorização fundiária e imobiliária [...]”
(FERREIRA, 2010) é um dos marcos de sustentação destas políticas. Da
mesma maneira, o da “preservação e recuperação ambiental”, que tem
sustentado a remoção de milhares de famílias na zona sul de São Paulo, e o
dos grandes eventos esportivos (Copa 2014 e Olimpíadas 2016) como capazes
de gerar milhares de empregos e renda, além de atrair grandes investimentos1,
acarretará em novas consequências à população2. Ao mesmo tempo em que
são expulsas e/ou desapropriadas, tantas outras pessoas alcançam o “sonho
da casa própria” a partir do Programa Minha Casa Minha Vida, entrando em um
esquema de endividamento de longo prazo que leva o “trabalho futuro” a ser
uma categoria fundamental para entendermos o atual cotidiano urbano3. Estas
situações, na medida em que caminham juntas com o crescimento intensivo,
na última década, do total de lançamentos imobiliários, corrobora com a
1 “Mais da metade do investimento mundial no mercado imobiliário está concentrado em 30 cidades [...] As duas
brasileiras são São Paulo e Rio de Janeiro, que devem continuar entre as líderes nos próximos anos devido aos investimentos para a Copa e Olimpíada.” (Folha de São Paulo, 03/02/2012) 2 Claudio Bernardes, presidente do Sindicato da Habitação (Secovi), indica qual poderão ser os próximos alvos de
grandes investimentos do mercado imobiliário. Em entrevista, ele afirma que “existem espaços nas cidades onde é possível fazer novas centralidades. Em São Paulo, há locais como Mooca, Pari, Santo Amaro, que são antigas áreas industriais, onde o preço não é tão alto, mas há espaços grandes.” (O Estado de São Paulo, 13/02/2012) Deste processo, prevê-se novas desapropriações. 3 Entre outras coisas, a indicação de trocar o termo “modo de vida urbano” por “cotidiano urbano” foi
de Glauco Gonçalves.
9
afirmação de Harvey (2004) de que a acumulação de capital parece ter no
setor imobiliário um importante instrumento de sua realização, especialmente
nos momentos de crise. Acumulação e crise ao mesmo tempo? Sim.
Voltaremos a isso mais adiante.
Enquanto uma grande massa da população das cidades é atirada à
pobreza absoluta através das desapropriações, tantas outras alcançam o que
chamaremos de “pobreza urbana”4 (DAMIANI, 2011), um cotidiano pautado
pelo ritmo de vida endividado do Programa Minha Casa Minha Vida. O pacote
habitacional, editado em caráter emergencial em 2009, após a crise mundial do
ano anterior, e que ainda mantém sua urgência, é objeto de nossa pesquisa,
pois revela um modo crítico de produzir as cidades e o urbano ao concentrar
inúmeras das contradições dos dias atuais.
Com quase 1,5 milhão de habitações entregues em todo o país, o
Programa indica a solução de um dos problemas mais urgentes de toda a
história brasileira – a moradia -, ao passo que explicita grandes contradições da
urbanização e do capital, como veremos a seguir neste trabalho.
Qual será, portanto, o caráter da urbanização em curso nas
cidades brasileiras que vem como decorrência do Programa Minha Casa Minha
Vida? Neste capítulo discutiremos o caráter de urgência no qual foi editado o
PMCMV e como a existência de um estado de emergência constante permitiu
colocar o Programa no que chamaremos de urbanização crítica.
Estado de sítio e urbanização crítica
Se fosse para buscar as bases dessas atuais turbulências e
transformações nas cidades brasileiras eu diria que estamos vivendo em um
4 Amélia Damiani (2011) não trata diretamente do PMCMV quando conceitua o que é a “pobreza
urbana”. Ela toma os casos dos conjuntos habitacionais para entendê-los como uma ampliação do fenômeno da pobreza a partir da inserção de seus moradores na vida cotidiana. Essa derivação para o pacote habitacional Minha Casa Minha Vida é nossa e visa enquadrar no cotidiano aquele indivíduo que tem acesso ao crédito, ou melhor, à dívida. Esse tema será melhor tratado no último capítulo.
10
constante “estado de sítio”. Paulo Arantes define o conceito em sua acepção
mais pura:
“Qualquer que seja, aliás, sua denominação – estado de sítio,
estado de exceção, estado de emergência ou urgência, plenos
poderes, lei marcial etc. -, representa o regime jurídico
excepcional a que uma comunidade política é temporariamente
submetida, por motivo de ameaça à ordem pública, e durante o
qual se conferem poderes extraordinários às autoridades
governamentais, ao mesmo tempo em que se restringem ou
suspendem as liberdades públicas e certas garantias
constitucionais.” (ARANTES, 2007: 153-4)
Este “estado” manifesta-se a partir de várias formas: crise urbana, crise
ambiental, crise social, crise econômica. E a crise impõe ao imaginário geral
soluções emergenciais como a necessidade inquestionável. É indiscutível, por
exemplo, que uma população localizada em área de risco de desabamento
deva ser dali removida; tal como a imensidão de pessoas que hoje ocupa áreas
de preservação ambiental, principalmente aquelas mais próximas às grandes
cidades; como também aquelas que se encontram de forma “ilícita” nas áreas
mais centrais das cidades, seja para o uso de drogas, prostituição ou para as
lutas que questionam a propriedade privada. Há um imaginário geral criado
para uma cidade ideal, um projeto a ser alcançado ou, quando “mais realista”,
um rumo no qual se direcionar: sem distorções, sem imperfeições. As pessoas,
por exemplo, devem circular livremente nas ruas, com maior fluidez e
segurança. Se para isso é necessário criar políticas que retirem ou isolem
moradores de rua, crackeiros, indigentes, em pontos cegos no coração das
metrópoles, isso não passa de um trabalho árduo, mas que deve ser feito, com
objetivo bastante justificado. Se para uns viverem, outros devem morrer; se
para uns terem teto, outros devem não ter, isso é mera consequência da
civilização e, portanto, inquestionável. Parece haver um sentimento geral de
busca por equilíbrio e progresso que não podemos nem devemos nunca
11
refutar. As notícias, os jornalistas e formadores de opinião, enfim, os conteúdos
de informação que circulam na mídia possuem essa lógica. É difícil abandonar
essa forma de pensar, até por que, ou principalmente quando (é complicado
afirmar), via de regra, a própria regra é violada. O urbano não pode comportar
na paisagem, em sua forma, o seu negativo, mas não consegue eliminá-lo de
seu conteúdo. Por isso o constante empenho em esconder a sua forma
contraditória, dada por um conteúdo que em todo momento a explode. A fome,
o pobre, o vagabundo, o mendigo, o drogado, o endividado, o miserável, tudo
isso é conteúdo das cidades hoje e é constantemente rechaçado em favor da
imposição da ordem. O dilema crucial entre a manutenção da ordem e o
respeito à integridade dos direitos do cidadão é ponderado com sensatez até
que seja necessária uma ordem imposta5. “Daí o empenho grotesco, renovado
a cada momento de transe, de legalizar a suspensão da legalidade.”6
Há na verdade um sentimento de confusão geral e que coexiste com
este “estado de exceção” que é na verdade a regra. Se é verdade que a regra
surge juntamente com a exceção, não é a partir desse amálgama que
compreendemos a realidade. Da mesma forma que a lógica racional leva a crer
que a opinião geral deva seguir os preceitos da lei, e tudo o que estiver fora
deles ser considerado um distúrbio, é, ao mesmo tempo, irracional fugir
constantemente da lei para se sustentar o equilíbrio. No entanto, é justamente
isso que acontece. Quando saímos da ditadura para a democracia,
abandonamos o estado de sítio enquanto forma e conteúdo do estado de
direito para cairmos numa forma jurídica que precisa burlar-se a todo instante
com a intenção de adequar-se a seu conteúdo.
5 No mês de junho de 2013, momento em que escrevo este trabalho e em que se dá a Copa das
Confederações no Brasil, o país vive uma onda de manifestações iniciadas pela pauta da redução das tarifas do transporte urbano. A população se acha vitoriosa em haver conseguido o direito de se manifestar “livremente” sem perceber que “a ordem” é pré-requisito para que isso ocorra. As forças militares estão atuando em todo o país contra os manifestantes num cenário montado para a guerra, deixando claro que esta é a única forma moderna de impor o “bom funcionamento” da sociedade da mercadoria. Uma coisa fica evidente: o estado de sitio é um direito, dentro e fora dele, unilateral. Toda vez que a população esboçar o seu estado de sitio (como vem fazendo agora), o Estado é obrigado a sobrepor o dele. Resultado aparentemente vitorioso disso tudo é o alastramento das manifestações pacíficas, com as quais fica fácil perceber o logro militar da internalização policialesca dentro de cada indivíduo. Todos rogam pela paz, uma vez que perceberam que a violência não é um direito deles, mas de quem agora os protege e é seu “parceiro”. Estão todos juntos pela causa comum da democracia. 6 Ibdem: 155
12
A ideia de que à atual crise da cidade deva existir uma solução exata,
faz com que, na defesa de um Estado democrático, se escape das leis de
proteção aos moradores das cidades com a justificativa de proteção a eles
próprios. O atual grau de urbanização no qual se encontram os países centrais
e também periféricos, como o caso brasileiro, necessita de um estado de sítio
constante para o reestabelecimento da ordem e a manutenção de um caminho
sempre direcionado ao equilíbrio, ou melhor, à sua ideia. O estado de sítio
parece ser um conteúdo importante para se pensar o momento atual da
urbanização brasileira.
Este momento pode ainda ser caracterizado de mais uma maneira. Se
antes o estado de sítio se referia mais a uma violência extraeconômica, ou
seja, à presença da “mão forte” do Estado na integridade física do indivíduo,
agora se tem também um estado de sítio que impõe uma emergência
econômica justificada pela ideologia do progresso. Contra ela nada se pode
fazer e, por isso é difícil, mas necessário, enxergar violência no endividamento
de longo prazo do Programa Minha Casa Minha Vida, por exemplo. O pacote
habitacional, que teve sua primeira edição em 2009 e a segunda em 2011,
ainda em andamento, surgiu da necessidade urgente da crise de 2008, sendo
editado com o intuito de aquecer a economia ao passo que tentava solucionar
um dos problemas mais caros à história brasileira – a questão habitacional. A
violência econômica posta para o indivíduo que contrairá uma dívida de 30
anos, colocando o imperativo da concorrência individual no cotidiano, é
facilmente naturalizada. Sem contar os meandros ainda não perceptíveis do
que será o cotidiano urbano com o conteúdo generalizado da dívida.
Qual será, portanto, o caráter da urbanização em curso nas cidades
brasileiras que vem como decorrência do Programa Minha Casa Minha Vida?
Há aqui uma transferência da preocupação e o problema se coloca de uma
outra forma: não se trata de pensar em soluções possíveis para os problemas
de uma urbanização dada - tal como a ideia de crise do urbano ou da cidade
nos impingem a fazer quando da necessidade de encontrar “soluções” a todo
tempo excepcionais -, mas de uma questão a priori: trata-se de trazer à tona
qual a forma de pensar um urbano que necessita de um estado de sítio
13
constante para se justificar. Ou seja, estamos falando de um processo urbano
que não dá conta de seu próprio processo sem intervenções violentas
constantes.
Trata-se de pensar a urbanização enquanto a impossibilidade do urbano
para todos e, portanto, como uma urbanização crítica (DAMIANI, 2004). Assim
define melhor a autora:
“O mundo das massas despossuídas é a urbanização crítica. O
mundo de uma economia que se realiza criticamente é a
urbanização crítica. O urbano como centralidade de culturas,
festas, desejos, encontros, necessidades, que é negado, é a
urbanização crítica. O mundo do dinheiro, da equivalência, que
nos seus fundamentos e subterrâneos, move-se como relações
de não equivalência, de exploração do trabalho, de
expropriação de meios de vida e de produção, de embate entre
as formas do dinheiro – a do dinheiro como medida de valor e
como meio de circulação, sintetizadas na forma dinheiro como
capital – é a urbanização crítica. A tábua rasa da história, o seu
varrer, a produção da obsolescência precoce dos produtos
vários, incluindo a cidade, para afirmar novos produtos, é a
urbanização crítica.” (DAMIANI, 2004: 39)
A urbanização, sendo crítica, traduz-se no negativo do pensamento
idílico sobre ela própria. Traz para o interior da análise o que antes era
considerado uma falha do sistema: o preto, o pobre, os sem teto, os mendigos,
os craqueiros, os desempregados, os endividados. Encara o sentimento de
esperança como preenchimento ao vazio do fenômeno da pobreza de nossa
época. A felicidade é alcançada com acesso aos créditos ou a altas doses de
Prozac. Quando vem o crédito, surge um teto e abriga toda uma família. Todos
se inserem, mas na verdade nunca houve exclusão, mas sim inclusão precária.
O “sonho da casa própria”. São todos proprietários! Proprietários não lutam
contra propriedades. O sonho e a realização da casa própria eliminam as
possibilidades de luta para a aquisição da própria casa. “Esta economia se
realiza negando o que ela mesma impulsionaria. […] Realiza-se como negado.
14
Potencialmente existe, no momento em que se torna real, se realiza invertido,
como miséria, crise, destruição, desumanidade, barbárie.”7
A urbanização decorrente de tão vultuosos investimentos do governo
federal para o Programa Minha Casa Minha Vida é crítica? Não poderia ser de
outro jeito.
Conjuntos gigantescos de casas/apartamentos idênticos estão sendo
criados nos arredores dos espaços centrais das cidades, num movimento
bastante claro de implosão-explosão (LEFEBVRE, 2008: 25) que só inclui os
moradores do Programa na vida urbana, na medida em que os exclui de seus
aspectos positivos. Possuem casa própria: conta de luz, água, telefone;
emprego: deslocamento de horas entre a residência e o trabalho; desemprego:
preocupação, constrangimento, fome, miséria; créditos para o consumo:
sociabilidade endividada; créditos de longo prazo para o financiamento
habitacional: endividamento eterno.
A lógica econômica na qual o espaço está se reproduzindo consegue
revelar o caráter problemático do Programa. O “sistema produtor da
mercadoria-habitação”, implantado ferozmente a partir de 2009 (PMCMV I), traz
ainda entre alguns autores o questionamento se é ele de aporte conjuntural,
como forma de salvamento da crise de 2008-2009, ou se é estrutural, pensado
a resolver de fato o problema da habitação no Brasil. Alguns dados, entretanto,
podem nos indicar o caminho a essa resposta:
“97% do subsídio público disponibilizado pelo pacote
habitacional, com recursos da União e do FGTS, são
destinados à oferta e produção direta por construtoras
privadas, e apenas 3% a entidades sem fins lucrativos,
cooperativas e movimentos sociais, para produção de
habitação urbana e rural por autogestão. […] o déficit
habitacional urbano de famílias entre 3 e 10 salários mínimos
corresponde a apenas 15,2% do total, mas receberá 60% das
unidades e 53% do subsídio público. […] Enquanto isso, 82,5%
do déficit habitacional urbano concentra-se abaixo dos 3
salários mínimos, mas receberá apenas 35% das unidades do 7 Ibdem: 38
15
pacote, o que corresponde a 8% do total do déficit para esta
faixa.” (ARANTES e FIX, 2009)
Deste modo, o que está posto é o caráter conjuntural do Programa que,
a reboque do processo de acumulação do capital, resolve parcial e parcamente
o problema estrutural do déficit habitacional no Brasil. Os quadros abaixo
sintetizam essa ideia.
Quadro 1 – Descolamento entre atendimento do pacote e perfil do déficit
Fonte: ARANTES, P. & FIX, M, 2009. Dados da Fundação João Pinheiro para o déficit
habitacional calculado com base no IBGE para o ano 2000.
16
Quadro 2 – Porcentagem de atendimento ao déficit habitacional por faixa salarial
Fonte: ARANTES, P. & FIX, M, 2009. Dados da Fundação João Pinheiro para o déficit
habitacional calculado com base no IBGE para o ano 2000.
Como se observa nos gráficos, o fundamento do programa não está em
equacionar o déficit de moradia, especialmente à população de menores
rendimentos (0 a 3 s.m.). Assim, se se trata de um Programa que surge
conjunturalmente, quais são as condições histórico-sociais para a sua
implementação? Nossa pesquisa indica que, desde o fim do BNH (Banco
Nacional de Habitação), em 1986, o segmento imobiliário da habitação no
Brasil entrou num longo período de dificuldades para o financiamento que
foram dribladas pouco a pouco, durante os vinte anos seguintes, como
veremos nos itens subsequentes desse trabalho. De 2005 em diante, quando
ocorreu a abertura de capital das incorporadoras na bolsa de valores, há
evidências de uma possível relação entre a expansão dessas empresas (e da
economia como um todo) e o grau de endividamento das mesmas.
Um certo boom imobiliário tornou-se claro de 2007 em diante e políticas
de caráter anticíclicas, que visavam contornar os problemas causados no Brasil
decorrentes da crise mundial, consideradas sempre como medidas imediatas,
num constante estado de exceção econômico (PAULANI In.: SIMONI, 2013),
passaram a ser mais comumente aplicadas, sobretudo após 2009. Estava dado
o cenário onde um novo estado de emergência econômico justificava as ações
17
governamentais: “a crise, a questão habitacional e a necessidade de
canalização de liquidez aos segmentos privados da acumulação se articulam a
partir de uma política anticíclica editada em caráter de urgência.”8
O Estado nacional passa a se mover “[...] por automatismos num
ambiente dominado pelas emergências econômicas definidas pelo mercado ou
pelo capital.” (SIMONI, 2013: 230) Uma coisa se torna urgente: a remuneração
desse capital financeiro internacional que então fluía para o país em busca da
remuneração dentro das incorporadoras brasileiras. A crise passa a funcionar
como a justificativa econômica para a realização do PMCMV e o déficit
habitacional como a justificativa ideológica, que permitiu o “sonho da casa
própria”, juntamente com o bom momento do mercado interno, servir de lastro
ao capital fictício que agora fluía com mais intensidade para o país em busca
das promessas do setor imobiliário. Como solucionar essa questão urgente? O
PMCMV é parte disso, justificado pelo imperativo do progresso e por um rol de
outras ideias as quais é impossível refutar nos dias atuais: sair da crise,
solucionar a questão habitacional, dar lucro as incorporadoras e remunerar o
capital financeiro internacional que supostamente entra para melhorar as
contas do país etc etc etc.
Apesar do caráter de emergência da política brasileira ganhar força e
abrangência com o Programa, ele é anterior a este e anterior até mesmo ao
governo Lula. O monetarismo do governo FHC9, por exemplo, era editado em
caráter emergencial dentro das políticas públicas daquela época. Mas o que já
foi urgente agora é natural, e chega hoje já incorporado na estrutura das
políticas econômicas e sociais.
“Curiosamente, um movimento de inversão parece operar
dentro desse estado de emergência econômico. Se durante os
governos FHC o que era editado em caráter de urgência era
aquilo que está na base da atual política monetarista, hoje esta
8 Ibdem
9 A política monetária do governo FHC compreendia, entre outras coisas o respeito às metas de inflação
e o comprometimento com as altas taxas de juros que remuneravam o grande capital.
18
última é que está instituída como a estreita plataforma a partir
da qual a política econômica é pensada.”10
Novas urgências são colocadas a partir das já estabelecidas dentro da
política econômica. O Programa Minha Casa Minha Vida é editado de última
hora no gabinete da Casa Civil, sem a participação popular e como o estímulo
à construção civil considerado necessário dentro do PAC (Programa de
Aceleração do Crescimento). O pacote passa a cumprir uma função importante
para a situação que se coloca como emergencial: ele passa a atrair o capital
internacional para as incorporadoras com a promessa de uma alta
remuneração.
Até então, a alta taxa de juros brasileira era a responsável pela captação
da liquidez mundial no país, mas a crise mundial em 2008 trouxe insegurança
para os investidores, que sugaram seus capitais de todo o mundo e o
destinaram aos papéis da dívida americana, mesmo que a juros negativo. O
Brasil já não poderia depender unicamente de sua política monetária para
atração desse capital internacional e:
“após a crise, as políticas de suposta inclinação keynesiana e
de dinâmica territorialmente expansionista ganharam espaço
ainda maior e desempenharam bem a função que os
sucessivos aumentos na taxa básica de juros até então vinham
desempenhando sozinhos.”11
Explorar o potencial do mercado interno passou a ser prioridade para o
governo no intuito de atrair o capital internacional que enxergaria nos setores
estratégicos do país, como na construção, por exemplo - pois a partir dela
exercer-se um grande dinamismo entre os diversos setores da economia -, a
oportunidade de vincular a estabilidade econômica do país às altas
expectativas de remuneração do capital que se destinaria às incorporadoras.
Apesar de algumas continuidades existentes entre o governo FHC e o
governo Lula, como, por exemplo, a política monetária, as elevadas taxas de 10
Ibdem: 237 11
Ibdem: 239
19
juros mantidas durante todo o período, o respeito às metas de inflação, dentre
outras, o mercado acionário brasileiro, que compreende os mais diversos
setores, sofreu uma mudança significativa e apresentou-se como possibilidade
de captação de investimentos: “diferentemente dos segmentos exportadores de
commodities, as empresas de incorporação [...] estavam aptas a aproveitar o
bom momento que o mercado interno experimentava.” Essas novas
possibilidades econômicas do mercado interno, que inclui a redução da taxa de
juros, causaram mudanças nos padrões de investimento verificados no
mercado financeiro. Grandes montantes de dinheiro originários do capital
financeiro internacional em busca de valorização passaram a ter no Brasil
destino certo, posto que o governo federal agora apostava no setor imobiliário.
“É nesses termos que, num cenário de relativa redução de juros, a política
urbana e habitacional passa a desempenhar melhor o papel antes atribuído
quase que exclusivamente à emissão dos títulos da dívida pública.”12 Ela serve
de porta de entrada aos capitais internacionais - a partir deste novo momento
mais sujeitos à boa fase de desenvolvimento da economia interna e menos
expostos ao centro do capitalismo em crise. As novas formas e dispositivos da
política econômica serviram para manter a dominação financeira ainda sob os
mesmos preceitos que anteriormente. Agora, e a partir do surto expansionista
do mercado imobiliário brasileiro e, mais especificamente do Programa Minha
Casa Minha Vida, encontra-se:
“[...] todo o território nacional na condição de ‘plataforma da
valorização internacional’, dando origem a uma dinâmica
igualmente híbrida em termos espaciais e que reforça a
centralização do capital por meio da expansão periférica de
parte do investimento.”13
Com o Programa Minha Casa Minha Vida, o Brasil aprofunda a
internalização no brasileiro deste estado de sítio que vimos falando, na forma
dum constante estado de emergência econômico. O crédito a longo prazo, na
forma emergencial da dívida a se pagar, colocado para o financiamento do 12
Ibdem: 240-1 13
Ibdem: 241
20
Programa, impõe um constrangimento ao morador das cidades, que agora
deve tentar adequar o ritmo de seu cotidiano ao ritmo de pagamento das
dívidas e de seus encargos. Trata-se de uma violência subjetiva, internalizada
pelo indivíduo que se constrange na impossibilidade de pagá-la. A violência
agora se encontra na virtude da sociedade da mercadoria: o dinheiro. Em sua
presença, menos violento o seu cotidiano; em sua ausência, mais violento. O
problema é que com o esquema de endividamento geral da sociedade, boa
parte da população parece estar nesse purgatório - passam a vida tentando
não tocar na miséria nem conseguindo eliminar uma rotina violenta.
Como pensar a produção e reprodução do espaço, num contexto de
urbanização crítica, de modo organicamente ligado à produção e reprodução
do capital em crise? É disso que estamos falando, dum amálgama indissolúvel
e indiscernível.
“O espaço aparece como puro bem financeiro, imerso no
movimento do capital como uma corrente de valor, que envolve
toda ordem de especulações com a terra. Trata-se do controle
de um direito sobre rendimentos futuros previstos.” (DAMIANI,
2004: 41)
Parece termos encontrado aqui o elo no qual precisamos aprofundar
para os fins deste trabalho: “em poucas palavras, o direito a terra se converte
numa forma de capital fictício.” (HARVEY. In.: DAMIANI, 2004:41) O espaço e
o capital fictício juntos, criticamente, são também a urbanização crítica.
Mas cabe ainda outra pergunta de caráter específico e essencial. Se
optamos pelo direcionamento do conceito de urbanização enquanto
urbanização crítica, temos todavia que perguntar por que a urbanização,
enquanto um conceito, ele próprio, está no centro de nossas preocupações. Eis
a razão:
“A questão urbana não é uma questão específica, nem menor.
A História, neste momento, propõe as metrópoles como
detentoras da universalidade dos processos sociais. O urbano
está sintetizando esse momento crítico.” (DAMIANI, 2004: 31)
21
Assim também, de forma similar, afirma Carlos (2012), sobre a produção
do espaço:
“Uma nova contradição fundamenta a produção do espaço
nesse período da história: essa produção, como definidora da
sociedade, realiza-se socialmente – criação da totalidade da
sociedade -, mas sua apropriação é privada, isto é, o acesso
aos lugares de realização da vida, produzidos socialmente,
realiza-se, dominantemente, pela mediação do mercado
imobiliário, fazendo vigorar a lógica do valor de troca sobre o
valor de uso.” (CARLOS, 2012: 60)
Trata-se de uma situação condensadora, com capacidade de síntese.
Em nenhum outro lugar, que não no urbano, é possível vislumbrar tão
escancaradamente as contradições essenciais do mundo em que vivemos.
Elas estão por toda parte, mas no urbano estão juntas, confrontando-se. A
pobreza, a miséria, a ostentação, a fome, o luxo. E por que ela seria crítica?
“Porque revela o limite das possibilidades históricas latentes.” (DAMIANI, 2004:
37) No crescer dessas possibilidades reais de realização do homem, resta-lhe
apenas a esperança dessa realização juntamente com as limitações a ele
impostas pela realidade. O prato quase vazio da miséria é preenchido
“satisfatoriamente” com elevadas doses de esperança.
No entanto, uma ressalva teórico-metodológia ainda não fizemos. Para
tratar criticamente do conceito de urbanização por dentro da Geografia,
devemos passar por aquilo que Henri Lefebvre elaborou sobre o tema. Para
ele, a “problemática urbana” impõe um momento inicial, qual seja: “o processo
de industrialização, [pois é ele] que fornece o ponto de partida da reflexão
sobre nossa época”. (LEFEBVRE, 1969: 9) Se hoje é no urbano que
enxergamos os processos contraditórios, a síntese de nossa História, como
afirmou Damiani, é a industrialização o processo indutor disso que
22
enxergamos14. Trata-se, assim, de um duplo processo: a industrialização e a
urbanização. Inseparáveis. Possuem uma unidade conflitante.15
No contexto de embate entre a industrialização e a urbanização, entre o
indutor e o induzido, cria-se uma zona conflituosa, crítica, que mistura esses
conceitos, confunde-nos, inverte-os. De induzida, a urbanização passa a
indutora do processo. “A industrialização, potência dominante e coativa,
converte-se em realidade dominada no curso de uma crise profunda, às custas
de uma enorme confusão, na qual o passado e o possível, o melhor e o pior se
misturam.” (LEFEBVRE, 2008: 25) O conceito de urbanização crítica, portanto,
flerta com esse momento de crise. Falamos, portanto, de uma “sociedade
urbana”, termo reservado “[...] à sociedade que nasce da industrialização.”16
Essa é uma hipótese lefebvriana, que tem como pressuposto “a urbanização
completa da sociedade, [...] hoje virtual, amanhã real.”17
Essa hipótese teórica ou objeto virtual colocado por Henri Lefebvre
possui hoje uma aproximação com o real bastante maior. Uma sociedade pós-
industrial que antes era tendência, orientação e virtualidade, hoje se coloca
como realidade, não no sentido de haver extinguido a materialidade industrial,
mas no de diminuir a sua importância perante outros processos que ganham
relevância na sociedade: a urbanização e a reprodução crítica do capital
financeiro, por exemplo.
Mas este é um processo contraditório e, à medida que ganha força real,
aumenta também o seu obscurecimento.
“A ironia do momento em que vivemos é que o abandono do
debate sobre a ‘produção do espaço’ no conjunto da produção
capitalista – como momento de crise do processo de
acumulação – coincide com a extensão do mundo da
mercadoria, isto é, a expansão da propriedade privada do solo
urbano e da terra, que transforma a cidade inteira em 14
“Se distinguirmos o indutor e o induzido, pode-se dizer que o processo de industrialização é indutor e que se pode contar entre os induzidos os problemas relativos ao crescimento e à planificação, as questões referentes à cidade e ao desenvolvimento da realidade urbana, sem omitir a crescente importância dos lazeres e das questões relativas à ‘cultura’.” (LEFEBVRE, 1969: 9) 15
Ibdem:14 16
Ibdem: 13 17
Ibdem.
23
mercadoria vendida no mercado. Por essa intermediação, a
produção da cidade ganha uma nova perspectiva e as
estratégias dos empreendedores imobiliários, dos bancos e do
Estado orientam suas estratégias de acumulação na produção
da mercadoria-espaço. Generaliza-se, assim, a produção do
espaço na determinação do ‘mundo da mercadoria’. Trata-se,
também, do momento histórico em que a expansão da
mercadoria penetra profundamente a vida cotidiana,
reorientando-a sob sua estratégia. É quando a propriedade
privada invade-a de forma definitiva, redefinindo o lugar de
cada um no espaço, numa prática sócio-espacial limitada pela
norma, como maneira legítima de garantir acessos
diferenciados.” (CARLOS, 2012: 60-1)
As estratégias de acumulação que, no momento atual, passam,
necessariamente, pelo manejo da mercadoria-espaço no contexto da
urbanização crítica, devem ser, portanto, estudadas. O Programa Minha Casa
Minha Vida parece ser parte e expressão condensadora desse processo atual,
que contempla a reprodução crítica do espaço e do capital. Englobando em si,
numa relação problemática, Estado, setor privado e uma grande massa de
indivíduos urbanos, predominantemente, o Programa é detentor de uma
universalidade dos processos sociais no urbano, servindo de porta de entrada
para entendermos algumas das contradições fundamentais da época em que
vivemos.
Assim, pretendemos ver nesta pesquisa, como o nível de endividamento
do setor imobiliário no Brasil neste início de século XXI, a partir de um estudo
mais detido no Programa Minha Casa Minha Vida, parece estar servindo,
criticamente, como parte significativa para a produção do espaço e do capital,
para a urbanização em curso no território nacional, especialmente nas grandes
metrópoles.
24
Capítulo II
Do modelo crítico de expansão do
setor imobiliário brasileiro ao PMCMV
Conseguimos detectar três importantes momentos para refletirmos a
respeito do contexto do mercado imobiliário brasileiro do século XXI que
culminou no surgimento do Programa Minha Casa Minha Vida: o primeiro
deles, a abertura de capitais das incorporadoras a partir de 2006 e 2007, e a
consequente expansão geográfica dessas empresas para todo o território
nacional e para o chamado segmento econômico, agora guiadas pelas
necessidades de reprodução do capital financeiro internacional; o segundo, a
crise dos subprimes no final de 2008 com o epicentro nos EUA, promovendo a
retração dessas empresas aos seus mercados de origem e a consequente
perda da grande quantidade de investimentos feitos em landbanks fora dos
mercados centrais, a partir do dinheiro captado com a realização de seus
IPO’s18; e, finalmente, o surgimento do Programa Minha Casa Minha Vida,
como uma medida de caráter anticíclico de resposta à crise supracitada, que
articula um problema social, o déficit habitacional, às necessidades do
mercado.
Abertura de capital das incorporadoras brasileiras 19
Boa parte dos R$ 23 bilhões captados com as ofertas das ações na
bolsa de valores entre os anos de 2006 e 2007 serviram para comprar terrenos
e lançar imóveis. Desde então, o número de novos empreendimentos triplicou,
ao passo que, até o final de 2011, tais empresas não haviam sequer gerado
caixa (conta que registra o valor dos recursos imediatamente disponíveis). Os
18
A sigla IPO significa “inicial public offering”. Ela se refere ao processo de abertura de capital e emissão dos primeiros papéis da dívida de alguma empresa na bolsa de valores. 19
Algumas leituras foram essenciais para a execução deste item, assim como para a realização de todo o trabalho. Se não entraram no corpo do texto na forma de citações foi por falta de tempo de concatená-las ao tema da pesquisa, mas certamente elas permeiam todo o raciocínio e serviram como pano de fundo de todo o trabalho. Alguns desses textos: HARVEY (1992); KURZ (1995 e 1999); OLIVEIRA (1998, 2003 e 2008).
25
dados são alarmantes: entre 2008 e 2011 o endividamento das principais
incorporadoras aumentou 134%, chegando no último ano a uma relação
dívida/patrimônio de 68%20. Parece haver uma relação entre a expansão
dessas empresas (e da economia como um todo) e o grau de endividamento
das mesmas.
Desde o fim do BNH (Banco Nacional de Habitação), em 1986, o
segmento imobiliário da habitação no Brasil entrou num longo jejum de
financiamento que durou até 2003, quando volta a ser capitalizado com a
ampliação da faixa de financiamento habitacional compulsório do FGTS e do
SBPE. O aumento dos prazos de financiamento e a redução dos juros
decorrentes dessa ampliação são reflexos da crença fetichista em torno dos
índices positivos de uma economia em crescimento. Além disso, foi criado em
1997 um importante instrumento de mobilização da mercadoria imobiliária: a
“alienação fiduciária”. Com ela, posse e propriedade só se unificam na mesma
pessoa quando ocorre a quitação total da dívida. Até que isso aconteça, o
morador, endividado, possui posse direta e propriedade indireta do imóvel,
enquanto que o credor concentra em si a posse indireta e a propriedade direta,
o que facilita a retomada imediata da mercadoria habitação em caso de
inadimplência. De 2006 em diante, as principais incorporadoras realizaram
seus IPO’s na bolsa de valores e arrecadaram bilhões de reais em
pouquíssimo tempo. “Com a abertura na Bolsa e a injeção de capital, as
empresas tiveram que se expandir, tanto geograficamente quanto para faixas
do mercado até então inexploradas.” (ARANTES e FIX, 2009) Estão dadas,
assim, as bases para a recente expansão do mercado imobiliário no Brasil, só
que agora em uma nova dimensão e inserida em novos parâmetros. É sob as
bases de um alto desenvolvimento das forças produtivas e de uma economia
predominantemente financeirizada que pensaremos as mudanças no mercado
imobiliário com consequências para o atual cotidiano urbano de uma sociedade
com caráter amplamente endividado.
O avanço do setor imobiliário no Brasil, dentro de um contexto crítico da
economia mundial de “terceira revolução industrial” (KURZ, 1995), contém
20
Revista EXAME, 22/02/2012.
26
particularidades que agora se ligam ao problema universal. Se, para crescer, o
setor foi obrigado a enquadrar-se na lógica de funcionamento do mercado
financeiro, as questões críticas do padrão mundial de acumulação do capital,
que colocam em cheque o processo de valorização do valor, devem agora ser
relacionadas intimamente com as especificidades do mercado imobiliário. Mas
quais são os reais motivos que fizeram com que esse grande montante de
capital financeiro ocioso em busca de valorização se concentrasse nas
incorporadoras brasileiras com a abertura de seus capitais entre os anos de
2006 e 2007? Antes, ou ao invés, de sair dando respostas a uma questão tão
espinhosa para a geografia urbana atual, cabe seguir o caminho de Flávia
Elaine da Silva Martins e colocar em confronto as possibilidades de análise.
Para ela
“duas hipóteses são possíveis: a primeira, de que este capital
busque exatamente os altos níveis de exploração da
construção civil para se valorizarem, encontrando na renda da
terra um elemento intensificador de suas relações. Nesta
opção, renda da terra e do capital adiantado operariam no
mesmo sentido. Outra hipótese é que a migração desses
investidores para as incorporadoras esteja enquadrada em
uma relação crítica de valorização, sendo esse um movimento
arriscado por apresentar a estes capitais a necessidade de
remuneração da renda da terra e a obrigatoriedade de se
envolverem em um ciclo longo de produção. Talvez estas duas
opções sejam complementares, sendo que o longo ciclo da
produção pode estar sendo resolvido por meio das
securitizações.” (MARTINS, 2010: 29)
É indiscutível a existência de uma alta exploração do trabalho no
canteiro de obra. Ambas as hipóteses contemplam essa afirmação. Mas, numa
economia que parece guiar-se, predominantemente, pelo movimento
tautológico do dinheiro (D-D’) na esfera financeira, devemos tomar cuidado
com a análise que enxerga uma relação automática entre quantidade de
trabalhadores e valorização do valor. O que significa dizer que o setor da
27
construção civil é o que mais emprega trabalhadores no Brasil21? Talvez isso
queira dizer que o setor da construção civil é o que mais emprega
trabalhadores no Brasil. Talvez não. O cenário que me parece mais provável
mistura as duas hipóteses: o grande montante de dinheiro investido nas
incorporadoras indica, ao mesmo tempo, crescimento desse setor e crise de
valorização. Por encontrar-se numa relação crítica de valorização, o capital
financeiro mundial busca o mercado imobiliário que contém em si a
remuneração da renda da terra - uma remuneração baseada numa relação
jurídica que se sustenta com ou sem a crise do valor. Por isso não devemos
nos esquivar da ideia de crise e acumulação/formação de patrimônio
simultâneas. O momento de crescimento e expansão do mercado imobiliário no
Brasil pode ser entendido como a expressão maior da crise do valor, e o
fenômeno da crise de 2008 é apenas a queda, momentânea, do simulacro que
sustentou aquela expansão crítica nos EUA e no mundo, em período anterior.
Sob a lógica de valorização do capital financeiro e, portanto, com parâmetros
de rentabilidade deslocados da realidade produtiva do setor da construção civil
é que constatamos que, independentemente do valor por ai se valorizar ou não,
o ritmo necessário à existência do trabalhador no setor se acelera e,
consequentemente, o grau de exploração também aumenta. Não é um ou
outro.
E a existência da renda da terra, num histórico rentista como o brasileiro,
diferencia o segmento da construção civil de outros, pois ela sempre “[...]
remunerou os agentes imobiliários muito mais do que qualquer aumento de
produtividade interno à construção civil.”22 Resultado disso é uma composição
orgânica do capital mais baixa (TAVARES, 2008: 79. In.: MARTINS, 2010:28)
“[...] e uma lógica de produção apoiada na manutenção das altas taxas de
exploração do trabalho no canteiro de obra, repercutindo em formas
21
A cadeia da construção imobiliária – estimativa que inclui a cadeia de material de construção para o segmento de habitação – calculou por volta de 3 milhões de trabalhadores para o ano de 2011. (Revista EXAME, 22/02/2012.) Os números são frios e não nos dão a verdade das coisas. A alta quantidade de trabalhadores desse setor pode ser tanto uma necessidade de valorização do capital via extração direta da mais-valia, como também pode ser a justificativa ideológica utilizada para a remuneração de um capital financeiro que já não necessita diretamente da extração dessa mais-valia para valorizar-se. 22
Ibdem: 28
28
aparentemente arcaicas de produção, mas que sabemos, complementares à
industrialização.” (MARTINS, 2010: 28)
Tais especificidades do mercado imobiliário, a saber, a existência da
renda da terra, a baixa composição orgânica do capital, juntamente com as
diferenças na rotação do capital decorrentes dos prazos mais longos que as
incorporadoras necessitam para a realização dos ciclos de produção e
consumo, fizeram com que “o mercado” não soubesse como avaliar o preço
dessas incorporadoras quando da abertura de seus capitais na bolsa de
valores. Sendo este um ato inédito até aquele momento23 – antes do final de
2005 não havia nenhuma empresa do setor de capital aberto -, a cultura
patrimonialista brasileira atrelada aos desígnios da renda da terra, como já
observado, corroborou para que a forma de avaliação dessas empresas se
desse a partir da formação de um banco de terras no território nacional. A
“eleição” de critérios de avaliação alheios à atividade produtiva dos segmentos
em geral, como o da formação de um land bank para essas incorporadoras, por
exemplo, é típica da participação do grande capital financeiro internacional nas
empresas em que promove a abertura de capital; ela faz uma tábua rasa nos
setores da economia nos quais investe seus capitais, impondo a todos,
igualmente, “[...] a temporalidade e os parâmetros de rentabilidade próprios do
setor financeiro e do atual padrão de acumulação do capital.” (FIX, 2011: s/p.
In.: SIMONI, 2013: 243)
Isso fez com que as incorporadoras iniciassem uma imensa corrida em
busca de terras. A aquisição dos terrenos, porém, ganha novos conteúdos
históricos com o processo de financeirização do setor, deixando num segundo
plano a tradicional prática de especulação que remunerava o capital a partir da
23
“Na época dos IPO’s e do início do follow-on, de acordo com Ana Maria Castelo, do IBRE, ‘os investidores não sabiam muito para onde olhar. Existia já um histórico de acompanhar a empresa, empresas da indústria, empresa de serviços, mas o setor da construção (...) era um setor novo dentro do mercado de capitais. Então, que parâmetro usar? E aí nessa incerteza, um dos parâmetros que eles começaram a usar foi o banco de terrenos (...). Um banco de terrenos bom significa que vai lançar, e aí as empresas começaram a correr para formar esse banco de terrenos, já com o início aí da subida do preço dos terrenos. (...) Só que, de qualquer maneira, isso levou as empresas perceberem que essa é uma estratégia complicada. Houve aí uma desimobilização...não que as empresas tenham deixado de ter um banco de terras, mas essa coisa, né, o próprio investidor olhar para o próprio banco de terrenos houve uma mudança importante e começaram a perceber, começaram a olhar lançamentos e vendas.’” (SIMONI, 2013)
29
diferença entre o montante pago na aquisição da terra e aquele adquirido na
venda.
“Não que isso não pudesse vir a compor parte dos lucros ou
mesmo parte das estratégias das empresas, mas o aumento da
velocidade de rotação do capital total das empresas prometia
lucros mais ajustados às expectativas do segmento com um
consequente aumento na captação da liquidez internacional
que começava a entrar no espaço econômico nacional pela via
dos papéis ofertados pelas grandes incorporadoras.” (SIMONI,
2013: 243)
Altera-se, assim, a função do banco de terras para o segmento das
incorporadoras. E é importante atentar-se para isso. A “coisa” é a mesma:
terras. Mas possui finalidades diferentes antes e depois do direcionamento do
setor pelo capital financeiro. Antes, ela servia para fins especulativos,
utilizando-se do diferencial de renda entre o momento da compra e o da venda,
como já fora anunciado, além de servir como reserva para lançamento de
unidades futuras. Agora, a aquisição do banco de terras serve, primeiramente,
como prática necessária para que as incorporadoras consigam captar dinheiro
em adiantamento e “[...] a captação dessa liquidez tornou-se, a partir de um
determinado estágio, umas das poucas possibilidades de expansão do
segmento.”24 Num contexto de endividamento crescente, as incorporadoras
preferiram seguir a estratégia cega imposta pelo mercado financeiro de
aquisição de terras para adiantamento do capital, que era novamente utilizado
para aumentar o land bank. No entanto, “a captação com a oferta em bolsa
exige a contraparte das empresas de incorporação. A necessidade de tocar as
obras e sustentar uma velocidade de lançamentos compatível com a
velocidade de aquisição de material (terrenos) é uma delas.”25 Não que agora
não houvesse lançamentos de unidades no setor imobiliário, o que seria infantil
24
Idem: 243 25
Ibdem: 244
30
afirmar, mas, nesse momento, a velocidade da aquisição de terrenos é o que
mede o preço das incorporadoras na bolsa de valores, e não mais
prioritariamente a velocidade de vendas (VSO), como voltará a ser após a crise
de 2008. Há, portanto, um descompasso entre a expectativa criada para o setor
e a realização dos produtos habitacionais para a venda, sendo este talvez o
efeito da relevância dada à formação do banco de terras, para a precificação
das incorporadoras, em relação aos lançamentos, gerando um sistema de
endividamento para as incorporadoras que só pode ser saldado a partir da
contração de novas dívidas. “Lançar, pagar a dívida e remunerar o capital
financeiro acionista eram os três compromissos que essas incorporadoras
deveriam saldar num contexto de uma dinâmica expansionista
superestimada.”26
A lógica do ganho futuro chega à produção do imobiliário e do espaço,
trazendo grandes impactos para o modo como se dá a vida na cidade. Em
função dessa lógica de superprodução do espaço, a cidade tende a uma
obsolescência ainda mais acelerada, uma vez que se torna necessário
reproduzi-la numa velocidade e escala mais acentuada. Parece ser por essas
razões que o endividamento das incorporadoras, e o da sociedade como um
todo (Estado, empresas e indivíduos), passa a ser, com o tempo, mais
aceitável para a sociedade e para o funcionamento de toda a economia27:
empresas driblam as próprias contabilidades como forma de incorporar as
dívidas como receitas28; Estados nacionais inserem-se nos mercados
26
Ibdem: 244-5 27
O endividamento geral da sociedade não foi sempre uma constante na história do capitalismo: “Para o capital privado do século XIX, arcaico do ponto de vista de hoje, com os seus proprietários pessoais patriarcais e respectivos clãs familiares, vigoravam ainda os princípios da respeitabilidade e da "solvência", à luz dos quais o recurso crescente ao crédito parecia quase obsceno, quase o "princípio do fim"; [...] Naturalmente, o capital que rende juros era desde o princípio indispensável como tal ao sistema que se formava, mas não detinha ainda uma parcela decisiva no conjunto da reprodução capitalista; e sobretudo os negócios de "capital fictício" eram considerados, por assim dizer, típicos do ambiente de charlatanice de vigaristas e "gente desonesta ", à margem do capitalismo autêntico (mas a que já então se juntava a honorável burguesia em tempos de ondas especulativas). Até Henry Ford se recusou por muito tempo a recorrer ao crédito bancário para a sua empresa, pretendendo financiar os seus investimentos apenas com capital próprio.” (KURZ, 1995) 28
Essa é uma importante reflexão para pensarmos o capital fictício dentro das incorporadoras, ou seja, sua forma cega de buscar capital em adiantamento sem necessária correspondência com a economia real: “Da mesma forma que o crédito, a dívida deve ser analisada não só pela lógica da equivalência estrita, na qual somas e débitos tendem a se corresponder. O processo de abertura foi visto por muitas
31
internacionais a partir da emissão de suas dívidas públicas; indivíduos
possuem no “trabalho futuro” a forma de sociabilidade do presente, contraindo
dívidas para as necessidades substanciais da vida, muito maiores do que a
capacidade que têm de saldá-las. O que podemos ponderar a partir dessas
observações é que já não importa essencialmente se Estados, indivíduos e
empresas, possuem dívidas ou não para seguirem atuantes no mercado, mas
antes que se demonstrem solventes, ou seja, capazes de rolá-las com o intuito
de seguir remunerando o capital financeiro. Nesse sentido, parece
caminharmos para uma naturalização cada vez maior do “ser endividado”, uma
relação necessária de manutenção da forma do capital ao lado de seu
conteúdo cada vez mais crítico.
Essa corrida em busca de terrenos feita a partir da expansão de um
grande número de parcerias, fusões e aquisições - expansão necessária das
grandes incorporadoras para além dos centros urbanos brasileiros devido à
captação de um excessivo capital em seus IPO’s -, encontrou fortes limitações
no ritmo desejado de dispersão geográfica de suas atividades: “os limites de
atuação nessas parcerias diziam respeito ao caráter pouco ajustado dessas
pequenas empresas aos padrões contábeis e de gestão das grandes
incorporadoras que chegavam do Sudeste.”29
A informalidade das parceiras no interior do Brasil, que não
respeitavam todos os parâmetros legais exigidos nos grandes centros, e os
altos custos resultantes dessa expansão, passam a ser problemáticos para a
lógica racional de remuneração do capital financeiro. A esperança no aumento
de unidades futuras, a concorrência nos mercados centrais e a captação de
dinheiro em adiantamento na abertura de capitais são, entre outras, algumas
das principais características que provocaram o surto expansionista dessas
incorporadoras. Esse movimento, entretanto, ocorreu em resposta ao
compromisso que elas firmaram com a remuneração do capital financeiro,
empresas e investidores como um acesso rápido a um montante de capital significativo, que não necessariamente deveria encontrar correspondência em setores produtivos ou mesmo financeiros. Esta dimensão da fraude é muito difícil de pesquisar, por isso quase não é registrada na pesquisa, mas ela existe.” (MARTINS, 2010: 45) 29
Ibdem: 246
32
colocando-se a necessidade de prever lançamentos futuros para além dos
mercados centrais, mesmo que a velocidade de realização de seus produtos
ainda não estivesse adequada à velocidade de remuneração imposta pelos
critérios abstratos de avaliação do grande capital financeiro mundial.
A crise mundial de 2008, que veremos a seguir, tem importância na sua
dimensão, mas ajuda a esconder a crise que já estava colocada no mercado
imobiliário a partir do processo mesmo de expansão das incorporadoras. O
boom imobiliário iniciado em 2007, portanto, continha já seus problemas
próprios. E a crise dos subprime que, ao mesmo tempo em que leva embora
uma grande massa de capital internacional que buscava valorização dentro do
país, contraditoriamente fortalece a necessidade de tê-lo de volta para
reestabelecer o elo já criado entre o setor imobiliário e o financeiro. A crise de
2008 serve, antes de qualquer coisa, para trazer à tona um problema já
existente dentro do mercado imobiliário.
Os impactos da crise dos subprime no mercado imobiliário brasileiro
Antes mesmo da crise dos subprime30 estourar em finais de 2008, o
modelo expansionista de crescimento adotado pelas incorporadoras com a
abertura dos capitais na bolsa já mostrava claros sinais de esgotamento.
Mesmo possuindo em seus conteúdos o avanço para todo o território nacional
e para o chamado “segmento econômico”, com amplas mudanças para o
cotidiano urbano devido às determinações do crédito de longo prazo no setor,
essas questões já podiam ser identificadas. Alguns dos sinais desse
esgotamento podem ser aqui verificados:
30
“O não pagamento das dívidas pelos compradores de imóveis, nos EUA, criou uma crise nas instituições do topo da pirâmide financeira, os bancos. É preciso entender aqui o crédito em sua relação social, pois com a prática do repasse das dívidas das instituições menores - e que cederam o crédito, para as instituições maiores, o bancos, sob a forma de securitização – o “conhecimento” sobre a potencialidade do pagamento da dívida se dissolve, e o ritmo de pagamento previstos não se confirma. Chamou-se crise dos subprime porque as pessoas que tomaram estes empréstimos não possuíam garantias fortes para o pagamento das dívidas, por isso eram rotuladas com sub, e só lhes restou o abandono do bem financiado, a casa.” (MARTINS, 2010: 41-2)
33
“Produziu-se em 2008 um pico de inflação na construção (12,2
%, o dobro do índice geral), houve falta de determinados
insumos e de mão-de-obra especializada, casos de má gestão
em algumas empresas, redução de exigências em relação ao
crédito e à qualidade dos produtos, produção acima da
demanda e, por fim, uma oferta acima da capacidade do
crédito. A crise mundial, portanto, embora venha a agravar a
situação, não está na origem dos limites para o crescimento do
setor e dos problemas mencionados” (ARANTES e FIX, 2009.
Grifos nossos)
A retomada do crescimento só poderá ser verificada com o lançamento
do Programa Minha Casa Minha Vida, em março de 2009 (como pode ser
observado no gráfico abaixo), que se utiliza do suporte dos fundos públicos
para salvar as incorporadoras e manter os índices positivos da economia
brasileira, num movimento que intenciona realizar a reprodução fictícia do
Estado nacional, com consequências significativas na urbanização brasileira.
Fonte: Simoni, 2013. Dados da Thomson Reuters
A crise, portanto, tornou mais evidente os problemas já existentes no
setor imobiliário. Mas o fato de ter agora em seus conteúdos a influência do
capital financeiro mundial, as particularidades do setor ficam mais vulneráveis
aos movimentos do capital global. A própria abertura de capital já fez essa
34
ligação entre o capital internacional e o funcionamento interno das empresas,
dando a elas a necessidade do aumento dos lançamentos como contraparte
para a remuneração do capital na velocidade de remuneração do capital global.
Não é à toa que esses ritmos alheios ao processo interno das incorporadoras
devessem ser respeitados, uma vez que os investidores estrangeiros “[...]
conformavam cerca de 70% dos investimentos em empresas de construção
civil.” (MARTINS, 2010: 43) No gráfico abaixo, por exemplo, pode-se observar
a resposta das incorporadoras dada ao mercado no momento de abertura de
capitais, da crise de 2008 e do lançamento do Programa Minha Casa Minha
Vida. O comportamento diferenciado entre as incorporadoras, entretanto, como
se observará no gráfico, deve-se aos diferentes perfis de mercado que buscam
atender. A MRV, por exemplo, diferentemente da Cyrela, teve seu crescimento
baseado no segmento econômico, que compreende indivíduos com renda de 3
a 10 salários mínimos. Por isso um crescimento expressivo quando do anúncio
do PMCMV em março de 2009. Neste mesmo momento, observa-se uma
diminuição no crescimento da Cyrela, empresa que optou por não extrapolar-se
dos mercados centrais de alto padrão, naquele momento.
Unidades Lançadas por ano por empresa dentre as principais empresas do ramo (2004-2010)
Fonte: Simoni, 2013
35
Com a crise, os investidores estrangeiros abandonam os investimentos
nessas empresas e aquele processo que já descrevemos de expansão
geográfica via parcerias com as empresas menores começa a se retrair. “Resta
da crise também um movimento acelerado de concentração das
incorporadoras, de aquisição das menores pelas maiores [...]. Em junho de
2009 foram três aquisições, a Cyrela comprou a Agra, a Gafisa comprou a
Tenda e a Brascan comprou a Company.” (MARTINS, 2010: 44) Há, portanto,
uma redefinição dos participantes do mercado, marcado por fusões e
desaparecimentos, bem como pela centralização do capital nas grandes
incorporadoras e sua consequente retração para os grandes centros.
Segundo Martins (2013: 45),
“a absorção do impacto da recente crise americana nas IPO’s
brasileiras pode ser resumida como uma revisão de planos nos
lançamentos imobiliários, reduzindo o número de lançamentos
e projetando-os em prazos maiores, na opção pelo
desenvolvimento de lançamentos imobiliários focados nos
mercados mais populares, na negociação (venda) de bancos
de terras adquiridos anteriormente, e na reestruturação interna
das empresas, por meio, sobretudo, das demissões em massa
dos setores de ‘novos negócios’ das incorporadoras.”
Ainda que seja crítica a reprodução desse mercado antes mesmo da
abertura dos capitais na bolsa, a internacionalização da crise de 2008 se dá
instantaneamente nas empresas de capital aberto, com os resultados aqui
vistos.
Se num primeiro momento, ocorre a entrada de dinheiro em
adiantamento por conta da corrida ao banco de terras, como fora anunciado no
item anterior, os recursos previstos para a produção de novas unidades
36
imobiliárias foram boicotados pela crise americana. O capital financeiro parece
impor os seus ritmos ao desenvolvimento das cidades e ao cotidiano urbano.
Quando traz a “prosperidade”, enxergamos créditos abundantes e uma
aceleração nos ritmos de vida e no local de produção, a partir de um maior
controle futuro das ações das incorporadoras; entretanto, em tempos em que a
crise se torna fenomênica, a abundância de créditos passa a ser vista como
processo de endividamento geral da sociedade, entrelaçando todos os setores
da economia no funcionamento crítico do capital fictício.
O surgimento do Programa Minha Casa Minha Vida num contexto de
‘estado de emergência econômico’
Conforme já anunciamos, parece haver um movimento do mercado
imobiliário brasileiro de 2007 até os dias atuais, que coloca todo o território
nacional como plataforma de valorização do capital financeiro mundial, com
reflexo no cotidiano urbano e numa produção/reprodução do espaço na escala
nacional, que possuem agora, em seus conteúdos, a velocidade de
remuneração de um capital global, alheio aos processos em questão. O
Programa Minha Casa Minha Vida influenciou e continua influenciando
fortemente nesse movimento e:
“atualmente a prática de contar com investidores financeiros
[nas estruturas das incorporadoras] se acomodou como uma
realidade. Esta consolidação repercute em normas e condutas
das empresas e especialmente, repercute enormemente na
forma de se produzir o espaço metropolitano.”31
Aqui, e a partir do que vimos neste capítulo até agora, concluiremos a
observação de um movimento de “expansão-retração-expansão retraída” do
mercado imobiliário brasileiro dentro do período analisado. Num primeiro
31
Ibdem: 45
37
momento, quando da abertura dos capitais na Bolsa de Valores, as
incorporadoras foram obrigadas a expandir-se tanto para fora dos grandes
centros como para os segmentos de mais baixa renda. Essa empresa
malsucedida, que teve na compra dos bancos de terras um talismã no qual se
apegar, mostrou sua face real antes mesmo da crise de 2008, trazendo à tona
os problemas de acumulação internos ao setor, e para muito além dele, que já
foram aqui supracitados. A dita crise dos subprime serviu para retrair de vez a
expansão desenfreada e insustentada dessas incorporadoras, uma vez que o
capital internacional retirou-se desse mercado. Ocorreram demissões em
massa, projetos foram cortados, queda abrupta dos valores dessas empresas
na Bolsa, fusões, aquisições, enfim, uma nova configuração tomou conta desse
setor (MARTINS, 2010). Em meio à quebradeira e desconfiança geral, surgiu o
Programa Minha Casa Minha Vida em março de 2009, que parece ter uma
salvação anticíclica para a economia real, mas que serve, na verdade, para
salvar a remuneração do capital financeiro mundial dentro das incorporadoras
abalada com a crise do setor e com a crise mundial32.
O que o PMCMV fez foi reestabelecer o elo fragilizado na crise dos
subprime entre o mercado imobiliário brasileiro, nas suas especificidades
regionais, e os interesses de acumulação do capital financeiro mundial. As
características particulares do setor voltaram a ser bem quistas
internacionalmente após a criação do Pacote Habitacional, que vinculava as
conhecidas políticas de interesse social do governo Lula ao salvamento das
empresas do setor. Se a corrida cega pela captura dos land banks já não
sustentava a maquiagem necessária para a captação de dinheiro em
adiantamento, o governo brasileiro encontrou no pacote uma forma de atração
desse capital para as incorporadoras. Assim, elas passam não mais a serem
avaliadas pelo critério abstrato da formação de um banco de terras, mas sim
pela capacidade em mostrar possíveis em si mesmas os investimentos
lucrativos dentro de um novo contexto de crescimento econômico nacional. Na
32 “[...] o pacote teve seu caráter emergencial muito mais associado aos mercados financeiros e
imobiliários do que a economia real em geral.” (SIMONI, 2013: 239)
38
aparência de resolução da crise criada pelo próprio setor, o Estado incorpora a
função de um administrador de crises e utiliza-se da possibilidade de
crescimento do setor imobiliário como um novo parâmetro abstrato para a
captação de dinheiro em adiantamento para o próprio país.
O crescimento do setor imobiliário brasileiro engorda os índices de
crescimento econômico do país medido pelo PIB e traz confiabilidade aos
investidores internacionais não apenas nos investimentos no setor como na
dívida pública brasileira. A crise do capital é a chance para o país enquadrar-se
num esquema de acumulação crítica. É melhor acumular em crise que não
acumular.
“Agora, ao invés da expansão produtiva e de mercados, essas
empresas buscavam associar a fama que o programa recebeu
internacionalmente às suas próprias condições de desfrutarem
do bom momento da economia nacional e das aclamadas
políticas públicas que favoreciam o segmento. O objetivo dessa
vinculação publicitária era criar a imagem que conduziria o
entendimento do investidor a relacionar as internacionalmente
reconhecidas políticas sociais do governo Lula às condições de
crescimento do segmento, fazendo com que o mercado
imobiliário pudesse, aparentemente, surgir como um importante
mediador entre o ‘crescimento econômico nacional’ e a
possibilidade de investimentos lucrativos. Mas, na prática, o
segmento se tornava o vínculo efetivo entre o fundo público
brasileiro e o grande capital internacional. Como resultado
dessa estratégia, ‘a relação da ampliação do banco de terras
com a escala do Programa Minha Casa Minha Vida se
evidencia.” (SIMONI, 2013: 248-9)
Se num primeiro momento, o mercado imobiliário brasileiro vincula-se
“autonomamente” ao capital financeiro mundial, agora é o Estado que
estabelece essa relação necessária ao colocar o fundo público à disposição da
39
remuneração do capital internacional. O Programa Minha Casa Minha Vida
surge não só como salvador dum setor fragilizado, mas como a brecha
encontrada pelo próprio Estado para reproduzir-se ficticiamente. Ele vem salvar
o setor das “ameaças do capital fictício”? Não. Ao contrário, ele aparece para
salvar o país da falta de uma acumulação fictícia. O vínculo atual necessário
entre o Estado nacional, incorporadoras, capital financeiro mundial e
indivíduos, é o próprio capital portador de capital fictício. Numa jogada de
mestre, o Estado encontra uma nova maneira de inserir-se na forma de
acumulação mundial (baseado em dívidas), de salvar as empresas de uma
quebradeira geral, de remunerar o capital financeiro e, finalmente, de colocar
toda uma população, através da retomada da ideologia da casa própria, num
esquema de endividamento de longo prazo.
Os conteúdos de um cotidiano urbano caracterizado pelo “trabalho
futuro” em uma sociedade que apresenta a crise do trabalho como uma de
suas prerrogativas ainda está por ser desvelado. No olho do furacão, o que
podemos constatar é uma estranheza geral, onde se encara o presente para
saldar o passado e posterga ao futuro a esperança de não desmoralizar-se
com as dívidas do consumo atual. Agora, além das pequenas prestações
acumuladas das dívidas contraídas com as Casas Bahia, Lojas Marabrás, entre
tantas outras, que em alguns meses se saldava, tem-se a prestação da
mercadoria habitação como uma constante33, ad eternum, que endivida os
indivíduos, de forma generalizada, com o Estado. Cria-se uma ligação
importante e perigosa. É bom ficarmos atentos para o nível de repressão que
este novo credor que possui o monopólio da violência na sociedade pode
exercer sobre toda uma população endividada.
O Programa Minha Casa Minha Vida surge em março de 2009 e seu
lançamento impôs fortes mudanças na avaliação das empresas de capital
33
O Programa Minha Casa Minha Vida libera financiamentos com prazos máximos de 35 anos, obrigando que a dívida não comprometa mais que 30% da remuneração familiar. No entanto, como veremos no último capítulo deste trabalho, o Programa parece dar um tiro certeiro no processo de endividamento geral da sociedade, uma vez que não considera que, com esses 30% fixos, boa parte da
população compromete quase ¾ de toda sua remuneração com o total das dívidas.
40
aberto34. Ele promove uma nova expansão dos ganhos nas incorporadoras e
da influência destas sobre o território nacional, mas é uma “expansão retraída”.
O céu não é mais o limite, pois a crise anterior já havia encontrado as nuvens
no meio do caminho.
“O PMCMV tende, assim, a restaurar um padrão de realização
do investimento em mercados regionais, ao menos pelo
período considerado necessário para minimizar as possíveis e
efetivas perdas que resultam do próprio conjunto de estratégias
passadas do segmento, com o agravante e a justificativa dados
pela crise. Aqui, mais um exemplo de estado de emergência
econômico instaurado em nome da acumulação financeira.
Valendo-se de uma estratégia que buscava legitimidade a partir
da sempre urgente resolução de um dos problemas mais caros
para a história da desigualdade de oportunidades na sociedade
brasileira, o lançamento do Programa Minha Casa Minha Vida
não se diferenciava dos demais pelo fundo retórico que lhe
dava sustentação, mas sim pelos montantes envolvidos e pelos
seus vínculos com uma economia financeirizada.”35
No plano ideológico, o que parece importar é que se consiga apresentar
para a sociedade uma situação sempre crítica, mas sem explicitar os nexos e
fundamentos da crise. Com a crise (habitacional, econômica, ecológica) como
iminente, as resoluções emergenciais são facilmente aceitas e ganham
inclusive suporte de parte dos movimentos sociais e de todas as esferas da
sociedade. O contexto de surgimento do PMCMV serve, portanto, para
amenizar os impactos da crise dos subprime no mercado interno, da eterna
34
“O pacote surge como salvação para o setor que estava entrando em crise profunda, por fatores internos e externos. No primeiro semestre de 2009, [...], o setor da construção lidera disparado (58% acima do segundo colocado) a alta na Bolsa De Valores, impulsionado pelo anúncio do pacote habitacional, segundo afirmam diversos analistas. As empresas que mais se beneficiaram foram as voltadas ao mercado econômico (Tenda, MRV e Rodobens), que apenas nos dois meses após o anúncio do pacote tiveram ganhos especulativos de 126% em suas ações na Bolsa, refletindo a expectativa de ganhos futuros.” (ARANTES e FIX, 2009) 35
Ibdem: 248. Grifos nossos
41
crise habitacional brasileira e da falta de liquidez que acometia as
incorporadoras naquele momento.
“Ainda assim, o programa foi pensado para durar um
período de tempo limitado [...], porque sua função, mais
do que instaurar uma nova dinâmica expansionista,
estava ligada ao salvamento do segmento como uma
importante porta de entrada para o capital estrangeiro.”36
Está dada assim a ligação entre o Estado, os indivíduos e as
incorporadoras, num contexto de endividamento geral da sociedade e de
mudanças das formas urbanas de sobrevivência. Com o intuito de seguir
reproduzindo-se ficticiamente, o Estado brasileiro cria um programa, com a
justificativa emergencial da crise, que permite a volta dos capitais
internacionais para o país, através da vinculação de um setor em potencial
expansão, crescimento econômico, déficit habitacional e menores taxas de
desemprego. O Programa Minha Casa Minha Vida estendeu-se do “I” ao “II” e,
pode estender-se infinitamente, desde que continue remunerando o capital
financeiro internacional e permitindo o país receber estes capitais para a
própria reprodução. Assim que ele não servir mais a estes fins, deixará de
existir, e outro setor com novas dinâmicas servirá para fazer rolar este
mecanismo. Neste momento, a cidade e o urbano se depararão mais
evidentemente com o negativo de todo esse processo, com os impactos de
uma “urbanização crítica”. Então, a dinâmica do urbano dependerá mais da
carência do pacote que da esperança de seus efeitos positivos.
A intervenção do fundo público fez as incorporadoras retornarem à sua
dinâmica expansiva, porém num ritmo menor. Com essa “expansão retraída”,
que recolocaria os níveis de acumulação nos mesmos patamares anteriores à
“retração” evidenciada pela crise, “[...] as grandes empresas voltaram-se mais
para suas ‘praças’ originais, concentrando-se novamente nos grandes
mercados centrais.”37 Essa dinâmica reforça a ideia de expansão territorial
36
Ibdem: 251 37
Ibdem: 262
42
dada a partir da concentração do capital nos grandes centros. Isso fez com que
se criassem boatos a respeito da total concentração dos mercados regionais
nas mãos das empresas centrais, a partir da abertura dos IPO’s e
principalmente com o lançamento do PMCMV. No entanto, isso não se
confirma, uma vez que “[...] esse desfecho que deixou espaço ainda para as
pequenas incorporadoras se deve a um padrão de incorporação que não se
ajusta às características do novo mercado.”38 A problemática já apresentada
em respeito às particularidades das pequenas empresas locais e de suas
parcerias necessárias com as grandes empresas do centro dinâmico da
economia, evidencia, ao mesmo tempo, a impossibilidade de se ter nas
primeiras a velocidade de remuneração do capital financeiro e a necessidade
de se utilizar delas para manter crível a captação de recursos em adiantamento
para o setor concentrado no centro. O que se coloca é que são apenas
algumas das principais grandes empresas que, juntamente com as regionais,
atuam no mercado nacional como um todo para fazer valer a expansão do
PMCMV. Ao mesmo tempo, parece importar apenas que essa dinâmica como
um todo seja crível aos olhos dos investidores internacionais, passando por
cima de algumas particularidades do próprio setor, como por exemplo, o grau
de endividamento das incorporadoras, do Estado nacional via PMCMV e dos
indivíduos colocados nesse esquema de longo prazo. Tal qual já observamos
anteriormente nesse trabalho, os números são frios e são eles que valem como
parâmetro de avaliação do capital financeiro internacional. O restante é
estrutural e não entra na conta dos avaliadores financeiros, mas deve ser
posto, que seja por nós, na conta da população submetida a esse processo.
O boom imobiliário verificado no Brasil deve ser resposta de uma
dinâmica anterior ao PMCMV, já descrita neste trabalho. Eis, portanto, a razão
de ser do PMCMV, com algumas ressalvas que faremos logo a seguir:
“Em termos gerais, ele [o PMCMV] apenas sustentou a
realização de capitais já comprometidos com um modelo pouco
sustentável que havia, em pouco tempo, encontrado seus
termos críticos. O fundamento expansionista desse mercado,
38
Ibdem: 254
43
assim como seus limites, deve ser buscado mais em outras
estratégias. A compra de terrenos como artifício de
demonstração encontrou limites claros nas já tradicionais
‘praças’ de atuação dessas grandes incorporadoras. A
perspectiva de aumento do número de unidades lançadas e a
concorrência nos mercados centrais foram, em período de
captação de recursos por meio da oferta de ações, outras
componentes importantes nesse surto expansionista. Assim, as
grandes empresas que haviam realizado seus IPO’s acabaram
por se comprometer com lançamentos futuros fora dos centros
dinâmicos da economia nacional sem ainda terem as
condições de venda e realização de seus produtos na
velocidade demandada pelo fugaz mercado de capitais. Esse
comportamento de perfil especulativo e sem fundamento na
economia real iria exigir do Estado o exercício de sua função
de garantidor de última instância, o que se deu também dentro
de uma lógica financeirizada de intervenção. As projeções de
crescimento, elemento crucial para o investidor em carteira ou
de tipo fundamentalista, tornaram-se aqui a moeda de troca
pelo capital de giro. A falta de fundamentos dessas apostas
tornou essa corrida expansionista a base da formação de um
capital fictício de curta duração e é nesse momento que o
PMCMV aparece como medida anticíclica. A realização do
capital fictício do ramo das incorporadoras delimitou assim o
campo de atuação do programa.”39
O que SIMONI chama de formação de um capital fictício é na verdade o
capital fictício já em crise, ou seja, no único momento em que ele aparece. Por
dentro desse raciocínio e pensando numa dialética existente entre o Estado e o
mercado, o que o Estado faz é salvar o capital fictício para que ele continue
acumulando criticamente, ao invés de eliminá-lo para que o capital volte a
acumular “normalmente”. Esconder a sua crise faz parte da sua forma de
acumular e o fato de sua forma crítica não aparecer a todo instante não quer
39
Ibdem: 253. Grifos nossos
44
dizer que ele não se reproduza criticamente. Ele, agora, só é garantidor em
última instância da economia real na medida em que salvá-la significa
reproduzir-se ficticiamente. No momento em que o capital financeiro mundial
em busca de valorização não encontrar mais no mercado imobiliário uma forma
de alavancar-se, o Estado nacional brasileiro terá de escolher um novo setor
capaz de reproduzi-lo ficticiamente: cana, soja, petróleo, eucalipto, qual queira.
Assim, e para finalizar, o governo não se utilizou do PMCMV simplesmente
para salvar o setor de uma pretensa ameaça do capital fictício à economia
brasileira, mas, ao contrário, utilizou-se dele para se inserir num esquema de
acumulação global baseado no capital fictício. A estratégia passa por encontrar
setores que, numa dialética entre acumulação e crise, ajudem no processo de
formação do Estado nacional brasileiro em bases fictícias.
Tais questões nos levaram a tentativa de entender um pouco mais a
respeito do capital fictício e é justamente o que pretendemos no capítulo
seguinte. Novamente, se há uma aparência de distanciamento entre o próximo
capítulo e o restante da pesquisa, ela deve ser suprimida na medida em que
nos serviu de base teórica para a elaboração de todo o trabalho.
45
Capítulo III
O Capital Fictício
Neste trabalho, o estudo a respeito do Capital Fictício tem como único
objetivo entender como esta categoria se posiciona em relação às demais no
funcionamento do capitalismo contemporâneo e, decorrente disso, como ela se
torna determinante na sociabilidade imposta aos sujeitos envolvidos: Estado,
empresas e indivíduos. O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), que
em capítulo anterior nos serviu de exemplo, parece ser parte e expressão do
Capital Fictício no caso particular brasileiro. O desdobramento lógico-histórico
da forma mercadoria, que encontra no capital fictício a sua forma mais
desenvolvida neste momento da atual sociedade capitalista, e seu
funcionamento dinâmico são, entretanto, o objeto de análise deste capítulo.
1
Parece não ser por um simples acaso que no capítulo XXV, da Seção V
d’O Capital, intitulado “Crédito e Capital Fictício”, Marx se furta da expressão
capital fictício ao longo de toda a explicação.40 No entanto, seu mecanismo
pode ser demonstrado através dos vários documentos históricos que compõem
o capítulo, dentre os quais destacamos o que se segue a respeito do comércio
entre Londres e a Índia:
“Comprador e expedidor estão ambos de posse de fundos
muitos meses antes de pagarem realmente as mercadorias; e
habitualmente essas letras, ao vencerem, eram renovadas sob
o pretexto de dar tempo ao refluxo num negócio de tão longo
prazo. Infelizmente, porém, as perdas de tal negócio não
40
O termo capital fictício aparece uma única vez no capítulo, como um acréscimo de Friedrich Engels ao texto de Marx. Ainda assim, ao fazer uma atualização histórica do comércio entre Londres e a Índia (exemplo de Marx que será demonstrado a seguir), Engels nega a possibilidade de continuar a “fabricar capital fictício” através da longa duração da viagem das mercadorias quando da construção do canal de Suez e da utilização de navios a vapor. (p. 293)
46
levavam a sua contração, mas justamente a sua expansão.
Quanto mais pobres ficavam os participantes, tanto maior sua
necessidade de comprar, para encontrar assim, em novos
adiantamentos, um substituto do capital perdido nas
especulações anteriores. [...] Mas isso é apenas um dos lados.
O que ocorria aqui [Londres] com a exportação de mercadorias
manufaturadas sucedia no além-mar com a compra e o
embarque dos produtos. Casas da Índia que dispunham de
crédito suficiente para ter suas letras de câmbio descontadas
compravam, açúcar, índigo, seda ou algodão – não porque os
preços de compra, comparados com as últimas cotações de
Londres, prometessem um lucro, mas porque as letras
anteriores sobre a casa de Londres logo venceriam e tinham de
ser cobertas.”41
O capital fictício entra, aqui, como um fator decisivo para o comércio de
risco. Para que a produção possa continuar e o processo de acumulação não
pare, faz-se necessário um novo adiantamento em dinheiro àquele que,
primeiramente, havia adquirido um crédito, mas ainda não pôde pagá-lo.
Qualquer interrupção desse movimento, em qualquer etapa do ciclo da
mercadoria (produção, distribuição, troca e consumo), pode acarretar num
colapso entre todos os elos envolvidos.42 Por isso, tais adiantamentos de
capital passam a ser fundantes para a economia como um todo e o crédito
agora tem um papel fundamental na reprodução social.
Diversos outros exemplos do aparecimento do capital fictício na história
do capitalismo poderiam ser citados. Mas a existência da forma capital fictício,
contração de novas dívidas para pagamento de antigas, em outros momentos
do capitalismo ou até mesmo, numa generalização ainda mais tosca, em
momentos pré-capitalistas, serve apenas para ludibriar a consciência de quem
41
Rua de Londres, centro do comércio atacadista de mercadorias das colônias. Apud MARX, Karl. O
Capital. Livro Terceiro, Seção V, p.293. 42
“Assim surgiu o sistema das consignações em massa, contra adiantamentos para a Índia e a China, que logo se converteu num sistema de consignações meramente para obter o adiantamento [...] e que tinha necessariamente de acabar numa saturação em massa dos mercados e num colapso.” (MARX, Karl. O
Capital. Livro Terceiro, Seção V, p.292)
47
estuda o fenômeno atualmente43. Fruto de uma matriz positiva do pensamento,
as ciências sociais em geral, ainda não dão à questão sua devida importância.
Através de exemplos históricos, seriam capazes de justificar (como já o fazem
às mais diversas categorias) que o fenômeno sempre tenha existido e,
justamente, essa invariabilidade no tempo é que se apresenta como o
fundamental para a explicação do que seria o fenômeno “em si”. Mas, o que é
o capital fictício? Ora, o capital fictício? Questiona-se o cientista. Basta olhar
para os fatos históricos! Ele é e sempre foi o pagamento de dívidas antigas
através da contração de novas. Achar um denominador comum do
funcionamento fenomênico de uma categoria em qualquer momento histórico e
desprezar suas características históricas específicas, considerando-as meros
distúrbios dum desenvolvimento linear e dum equilíbrio que a definem, é
justamente a forma de pensar cientificamente. Será, portanto, o capital fictício
pagamento de dívidas com novas dívidas? Será o dinheiro, meio de troca?
Será o trabalho, atividade mediadora entre o homem e a natureza? Serão as
coisas, coisas elas mesmas, coisas “em si”?
A definição exata de uma categoria não diz em exatidão o que uma
categoria é. Ao contrário, se se deseja definir com precisão o que é o capital
fictício, ou qualquer outra categoria, com muita facilidade se incorrerá num erro,
pois a resposta necessária para tamanha justeza e rigor deverá sempre passar
pela ideia de imutabilidade da substância e de invariabilidade no tempo e no
espaço. Toma-se o invariável pelo conteúdo; e a forma histórica como uma
simples variação “desequilibrada” desse imutável que a define. Portanto, definir
algo, num primeiro momento, para somente depois realizar sua crítica é uma
contradição nos próprios termos, pois a crítica já se daria sobre terreno
meramente “positivo”.44 A definição exata de alguma coisa deve conter a
indicação do que ela não é, e a crítica, a sua forma interpretativa, negativa
desde o início. 43
“[...] o esforço de diferenciação do conceito é apenas o de sabotar a função crítica do conceito, ao se dizer que o negativo apontado nele simplesmente não existe.” (ADORNO, Theodor. Para a Doutrina da
História e da Liberdade. 15° aula - Sobre a Interpretação; Conceito de Progresso. 12/01/1965. Tradução Jorge Grespan) 44
Esse raciocínio de Adorno aplicado ao conceito de progresso e liberdade pode também ser utilizado aos termos do nosso estudo: “o costume vulgar de dizer: se você falar em progresso ou de liberdade, então você primeiro tem de definir o que quer dizer com isso; este costume é, por assim dizer, a depravação mais evidente daquele motivo iluminista outrora louvável.” Idem. Página 6.
48
“E na filosofia este momento da negatividade é o crítico.
Interpretação e crítica deveriam coincidir uma com a outra num
sentido profundo. [...] Uma teoria do conhecimento teimosa,
que insiste em exatidão ali onde a possibilidade de equívoco é
própria da coisa mesma, a falsifica[...]”. (ADORNO:1965. P.6-7)
Não sabemos com exatidão o que é o capital fictício, mas podemos
afirmar, com maior segurança, o que ele não é. E ele não é o pagamento de
antigas dívidas através da contração de novas, apesar dessa ser a forma que
dá a ele sua aparência de conteúdo imanente. O que é o capital fictício? Não
sabemos e nem é a intenção deste trabalho. A exatidão do termo exporia uma
imutabilidade inexistente na realidade. Mas o que é o capital fictício, senão a
importância em que ele ocupa frente às demais categorias na determinação
das relações sociais do presente momento? Somente hoje podemos supor o
que seja, de fato, essa categoria, mas é também apenas agora que se é
possível incorrer no erro de defini-la e, consecutivamente, exportá-la, com
rigidez, a outros momentos históricos, tomando a forma pelo seu conteúdo.
O “malogro” deste texto de Marx indica justamente a indeterminabilidade
dessa categoria na especificidade daquele momento histórico. Ao mesmo
tempo, como “equívoco”, indica também o “não-idêntico” daquela relação crítica
e que em seu desenvolvimento negativo torna-se predominante na
determinação social atual. Num ou noutro momento, o pressuposto do
mecanismo da contração de novas dívidas para pagamento de antigas está
presente e apresenta-se como o substrato mais concreto do capital fictício. No
entanto, no momento de produção do texto de Marx essa categoria
relacionava-se com as demais num contexto mais simples de sociedade,
enquanto que agora, na fase mais avançada do sistema mundial produtor de
mercadorias, o pressuposto categorial do capital fictício, torna-se também
pressuposto social. (MARX, 1982: 55) Contrair uma dívida para pagar outra, ou
ainda como condição primeira, mostrar-se solvente ao mercado como indicativo
da capacidade de rolar suas próprias dívidas, vem concretizando-se como a
única forma possível de socializar-se. Estados nacionais exibem seus índices
49
fetichistas de crescimento econômico como forma de manter crível a
capacidade de pagar suas dívidas internas, verdadeiras moratórias não
declaradas; empresas subsistem-se no mercado apenas mediante rolagem de
dívidas, na maioria das vezes mediada pelos Estados; indivíduos obtêm
créditos para muito além de suas remunerações para a obtenção de itens
básicos de sobrevivência.
Nesse momento em que o pressuposto categorial torna-se pressuposto
social é justamente quando a forma adéqua-se ao conteúdo. Se num primeiro
momento tratava-se de compreender o núcleo e a essência da categoria
estudada, seu mecanismo aparentemente imanente e que lhe dava uma
suposta veracidade para qualquer época da história, agora, somado a isso, “[...]
trata-se de compreender o seu caráter e a sua aparência de fenômeno,
considerada como sua manifestação necessária. Essa forma é necessária em
razão de sua essência histórica, do seu desenvolvimento no campo da
sociedade capitalista.” (LUKÁCS, Georg. História e Consciência de Classe: 75)
A exatidão dos “fatos” que vimos criticando, não leva em conta o “caráter
histórico” e específico do que se pretende estudar, sendo essa particularidade
o fator explicativo da categoria. A particularidade do capital fictício reside no
fato dele se ter tornado geral para toda a sociedade. Não só categorialmente,
mas efetivamente, a particularidade do capital fictício é ser universal. (MARX,
1982: 58) Forma aqui, portanto, é conteúdo, pois uma vez que o que dá
substância a ela é seu “caráter histórico”, sua aparência, o fenômeno é
imediatamente sua essência.
A determinação social do capital fictício, que através do Programa Minha
Casa Minha Vida coloca sob os mesmos ditames o Estado nacional, as
incorporadoras e os indivíduos, foi o ponto crucial para escolhermos essa
categoria como fio condutor de nossa pesquisa.
“Seria impraticável e falso, portanto, deixar as categorias
econômicas sucederem-se umas às outras na sequência em
que foram determinantes historicamente. A sua ordem é
50
determinada, ao contrário, pela relação que têm entre si na
moderna sociedade burguesa, e que é exatamente o inverso
do que aparece como sua ordem natural ou da ordem que
corresponde ao desenvolvimento histórico. Não se trata da
relação que as relações econômicas assumem historicamente
na sucessão de diferentes formas de sociedade. [...] Trata-se,
ao contrário, de sua estruturação no interior da moderna
sociedade burguesa.”45
O que Marx, portanto, tomou como indicativo no texto ao qual nos
referimos inicialmente, tomamos aqui como essencial. O capital fictício possui
hoje centralidade na reprodução social e, assim, recebe a definição mais clara
que podemos dar a ele, ou seja, que no interior do estágio mais avançado da
moderna sociedade produtora de mercadorias, ele é determinante na
sociabilidade geral e ocupa uma posição predominante na relação com as
demais categorias.
Assim, o capital fictício pode ser entendido, daqui por diante e após
feitas todas essas ressalvas, como a capacidade que se tem por rolar dívidas –
contração de novas dívidas para pagamento de antigas. Este é o momento, -
marcado por questões como a queda do padrão dólar-ouro, o alto
desenvolvimento das forças produtivas, as crise do petróleo, a redefinição dos
padrões de financeirização da economia mundial etc - em que o
desenvolvimento lógico casa-se com o desenvolvimento histórico e, portanto, a
característica específica desse momento histórico é a universalização desse
específico.
45
Ibdem: 60
51
2
Elaborado um curto caminho sobre aquilo o que não é o capital fictício,
proporemos, daqui em diante, o seu significado a partir da relação em que ele
estabelece com as demais categorias dentro da moderna sociedade produtora
de mercadorias.
Não deixa de ser um “equívoco”, no sentido adorniano acima explicitado,
que Marx tenha ocultado o termo capital fictício no capítulo que trata
diretamente a esse respeito. Seu próprio título, “Crédito e Capital Fictício”, foi
dado por Engels a um compêndio de documentos que Marx havia separado
dos jornais da época, indicando similaridade no funcionamento de um
fenômeno econômico específico. Não estava definido, porém, o grau de
importância dessa categoria dentro da dinâmica do capitalismo naquele
momento. Seu significado exato não nos foi dado em nenhum instante da
explanação, nem mesmo seu termo fora utilizado nas ocasiões em que ele
pudesse ter aparecido, como já indicamos anteriormente. Tratava-se de um
fenômeno não de todo isolado, mas ainda sem determinação efetiva sobre a
sociabilidade geral. Assim, a melhor forma de analisá-lo será através do
desdobramento da forma mercadoria que, historicamente, vai delegando às
suas formas específicas a determinação das relações sociais.
O capital fictício se impõe às formas existentes atualmente como forma
mais desenvolvida, que rearranja a posição e o sentido das formas mais
elementares. Pode, tanto antes como agora, possuir a mesma forma e expor o
mesmo mecanismo de funcionamento, mas ela mesma possui diferentes
importâncias daquele momento histórico para o atual, sendo justamente essa
diferença o caráter específico que a define. Essa alternância histórica na
posição lógica das categorias dentro da sociedade mundial produtora de
mercadorias serve como movimento de efetivação da forma valor que, no seu
processo de abstração real, vai assumindo formas mais concretas e
“avançadas” como o capital portador de juros, o capital fictício e o dinheiro a
crédito.
Neste item, focaremos no capital portador de juros como maneira de
criar elementos para melhor entendermos o capital fictício. Sendo ambos um
52
desdobramento da forma mercadoria, esse será o nosso norte para a
compreensão das peculiaridades que dão característica a cada uma das
formas.
A forma de circulação do capital portador de juros dá-se como na
seguinte expressão: D–D–M–D’–D’. O dinheiro, como forma do valor e
expressão universal da riqueza, encontra-se na origem e no fim da circulação e
da produção capitalistas. Entretanto, o movimento de efetivação da forma valor,
que se caracteriza por um caminho cego de acumulação de riqueza abstrata,
faz com que a mediação, uma vez necessária, entre o dinheiro e o trabalho no
interior do processo de produção capitalista, torne-se secundária para a
realização do movimento tautológico do dinheiro. O dinheiro buscou o caminho
mais curto para alcançar sua finalidade, a saber, o movimento D–D’, levando a
uma crise de produção do valor e ao crescimento da importância do capital
fictício na reprodução social.
Assim, o dinheiro emprestado para realizar a produção de algo ou o
adiantamento que traz ao tempo presente o valor de uma mercadoria que
promete ser vendida no futuro, tem a capacidade de inverter a ordem da
necessidade do dinheiro para a produção à necessidade do dinheiro pelo
dinheiro.
“Quanto maior a facilidade com que se pode obter
adiantamentos sobre mercadorias não vendidas, tanto mais
esses adiantamentos são tomados e tanto maior a tentação de
fabricar mercadorias ou lançar as já fabricadas em mercados
distantes, somente para obter sobre elas de início
adiantamentos em dinheiro.” (MARX, 1983: 291)
Se se tem por objetivo a criação de mais dinheiro (D’) como finalidade do
processo tautológico da acumulação de capital, a mediação “bárbara” das
relações sociais no interior da produção de mercadorias e serviços não deixam
de existir, mas passa, agora, de um a priori da acumulação do capital para seu
a posteriori. A produção de mercadorias serve, hoje, para fornecer base
material à arrecadação de dinheiro em adiantamento. Assim, a produção dá-se
53
no sentido de criar confiança nos credores para que os produtores possam
seguir rolando suas dívidas.
Este parece ser o resultado alcançado por “[...] uma necessidade lógica
que leva da mercadoria ao dinheiro, e deste ao capital portador de juros e ao
capital fictício.” (HÖFIG, p. 14-5) A síntese D–D’, portanto, é, ao mesmo tempo,
a expressão imanente da crise do valor e a legitimação de que sem ela não há
movimento possível para a acumulação ampliada do capital46. A contradição
reside em que, para a realização do processo de acumulação do capital, o
movimento sintético D-D’ ensaia abandonar a mediação que lhe dá substância.
O processo de produção donde é extraída a mais-valia já não é condição
primeira para a realização do ciclo do dinheiro, enquanto mercadoria-capital.
Resta ainda, entretanto, entender mais sobre as peculiaridades do capital a
juros, para depois voltarmos às deduções possíveis em relação ao capital
fictício.
O movimento D-D-M-D’-D’, do capital a juros, apresenta algumas
especificidades em relação à mercadoria ordinária que merecem aqui ser
destacadas. A começar pela relação prestamista-mutuário (D-D e D’-D’).
Diferentemente do que ocorre entre o comprador e o vendedor, onde se realiza
uma troca de equivalentes e, portanto, uma relação essencialmente
econômica, o prestamista estabelece com o mutuário uma relação jurídica.
Num intercâmbio comum de mercadorias, comprador e vendedor mantém o
mesmo valor em mãos antes e depois da troca. Trata-se de uma troca de
equivalentes, onde troca-se a forma entre dinheiro e mercadoria, mas não o
quantum de valor contido neles. Essa “anomalia” encontrada no capital
portador de juros se deve ao fato de a transação ser um empréstimo e não uma
venda. O que sustenta isso, portanto, é o direito de propriedade do dinheiro
46
Até o momento, não existe no horizonte a possibilidade de outro sistema monetário internacional que não o baseado no dólar. E, a despeito das recentes discussões no senado norte-americano com relação ao teto da dívida (discussão no fundo sem sentido, pois parte já de uma moratória não declarada), o sistema não dá sinais de fragilidade, mas apenas expõe seu funcionamento crítico de forma mais clara. Tanto na crise dos anos 1970 como na atual crise financeira de 2008-2009, a busca por outras reservas de valor que não o dólar duraram pouco tempo e, então, os agentes econômicos logo fizeram o caminho de volta, com taxas de juros negativa, sendo os EUA, ao mesmo tempo, o olho do furacão e o único refúgio possível de segurança na economia mundial. A crise, portanto, não é algo para ser tratado como externo ao movimento do capital, como algo que deva, a todo custo, ser solucionada. Ela é, antes, necessidade para a manutenção do sistema mundial produtor de mercadorias. Quanto maior a crise, maior a possibilidade de acumulação e, neste caso, também maior o poder norte-americano.
54
enquanto uma mercadoria, pois no empréstimo transfere-se o valor de uso,
como de costume, mas também o valor de troca, inédito até aqui.
Mas bastasse a transferência do valor de uso do dinheiro, enquanto
capital a juro, para que nesse caso houvesse uma particularidade, pois “o valor
de uso do dinheiro emprestado consiste em: poder funcionar como capital e em
produzir, como tal, sob circunstâncias médias, o lucro médio.” (MARX, 1983:
250) Não se trata, assim, de uma troca de equivalentes, e essa “anomalia”
econômica, como já anunciado acima, sustenta-se somente através de
contratos. Sua peculiaridade, portanto, está em exercer um papel similar ao
valor de uso da força de trabalho, ou seja, em multiplicar valor através do
consumo de seu valor de uso47. Acontece que, com o trabalho, o consumo de
seu valor de uso gera “mais-valor”, mas não “mais-valor de uso” 48, enquanto
que no capital portador de juros, a mercadoria capital gera “mais-valor” e “mais-
valor de uso”, que possui, por seu turno, capacidade de seguir produzindo o
lucro médio. É como se, numa linha de produção, para além das mercadorias
triviais os trabalhadores produzissem filhos capazes de produzir sempre, e
imediatamente, novas mercadorias, gerando mais valor e capacidade produtiva
infinita, crescentes em progressão geométrica. No entanto, parece ser
contraditório no próprio Marx o apontamento para esse movimento de que o
capital portador de juros pode não ter ligação com a produção em si. É possível
encontrar caminhos para apontar as duas possibilidades.
Eis, portanto, uma mercadoria que, no movimento negativo de efetivação
da forma valor, assume características específicas importantes que a definem
enquanto tal. Esse movimento que possui uma “[...] necessidade interna que
leva o dinheiro a se negar enquanto tal e apresentar-se como mercadoria-
capital – ou seja, capital portador de juros” (HÖFIG, pág.2), traz especificidades
47
“No caso das demais mercadorias consome-se, em última instância, o valor de uso, e com isso desaparece a substância da mercadoria, e com ela o seu valor. A mercadoria capital, ao contrário, tem a peculiaridade de que, pelo consumo de seu valor de uso, seu valor e seu valor de uso não só são conservados, mas multiplicados.” (MARX, 1983: 250) 48
“O dinheiro assim emprestado tem nessa medida certa analogia com a força de trabalho em sua posição em face do capitalista industrial. Só que o último paga o valor da força de trabalho, enquanto simplesmente restitui o valor do capital emprestado. O valor de uso da força de trabalho, para o capitalista industrial, consiste em: produzir, por seu consumo, mais valor (o lucro) do que ela mesma possui e custa. Esse excedente de valor é seu valor de uso para o capitalista industrial. E assim o valor de uso do capital monetário emprestado aparece igualmente como sua faculdade de criar e multiplicar valor.” (MARX, 1983: 250)
55
ao dinheiro que antes ele não continha. Assim, o “dinheiro [...] pode na base da
produção capitalista ser transformado em capital e, em virtude dessa
transformação, passar de um valor dado para um valor que se valoriza a si
mesmo.” (MARX, 1983: 241) O dinheiro torna-se capital e este, por sua vez,
torna-se mercadoria, mas uma mercadoria específica, qual seja, a mercadoria-
capital. Sendo assim, o prestamista não entrega ao mutuário o dinheiro
meramente com suas funções já comumente conhecidas, mas um dinheiro que
funciona como capital e, devido a isso, deve retornar a ele como capital.
O possuidor de dinheiro somente o aliena “[...] sob a condição [...] de
voltar como capital realizado, tendo realizado seu valor de uso de produzir
mais-valia.” (MARX, 1983: 245) Entretanto, sendo o mutuário capaz de produzi-
la ou não, não importa. Se o prestamista desfez-se desse dinheiro enquanto
capital, ele espera seu refluxo enquanto capital. Que o valor de uso da
mercadoria-capital seja, portanto, o de produzir lucro, não está explícito, ao
menos na relação de empréstimo, que para isso seja necessária a produção de
mais-valia. O dinheiro para o prestamista produz lucro; se para o mutuário ele
não produzir efetivamente, ou seja, através da extração de mais-valia do
processo produtivo, deve, da mesma forma, devolvê-lo ampliadamente. E é por
isso que aqui, na relação entre prestamista e mutuário (D-D), pela primeira vez,
o capital alienado é capital para os dois lados ao mesmo tempo. A forma do
empréstimo, de um lado, faz com que o possuidor do dinheiro empreste-o
como capital, ou seja, esperando um retorno necessário do dinheiro que
alienou; e de outro, impele o mutuário à necessidade de utilizar esse dinheiro
como capital, uma vez que a relação jurídica com o prestamista obrigue-o a
devolvê-lo como tal. Se nesse momento, tem-se o valor de uso do capital
portador de juros na capacidade deste antecipar, acelerar e expandir o
processo de acumulação, o valor de uso do capital fictício parece ser o de não
permitir que essa acumulação, uma vez em franco andamento, cesse. Ele
serve como mecanismo de administração da crise criada pelo próprio processo
de acumulação do capital.
O empréstimo do capital portador de juros é peculiar, pois não se
estabelece uma troca de equivalentes. Transfere-se a mercadoria dinheiro para
um terceiro e, por não ser a simples forma dinheiro, mas dinheiro capital,
56
transfere-se também o valor.49 O que sustenta a ausência de equivalentes por
um tempo determinado é a relação jurídica que devolve a mercadoria-capital ao
seu “verdadeiro” proprietário, já acrescida de mais dinheiro por um processo
que, tendo existido ou não, lhe foi invisível.
É justamente a transformação do dinheiro em capital, já desde o início
do processo, que faz com que o dinheiro, não mais como simples forma-valor,
mas como mercadoria-capital, ganhe a propriedade de valor que se valoriza, ou
seja, transforma o processo em D-D’ ao invés de passar pela mediação da
mercadoria força-de-trabalho, D-M-D’. Isso, entretanto, não se faz sem
complicações. Se num primeiro momento o dinheiro ganha o valor de uso de
produzir lucro e, ao ser transformado em capital, produz, ou seja, realiza a
extração de mais valor no processo de produção, num segundo, ele se
contenta com a primeira metamorfose – transformação de dinheiro em capital.
A mercadoria capital, portanto,
“[...] adquire, além do valor de uso que possui como dinheiro,
um valor de uso adicional, a saber, o de funcionar como capital.
Seu valor de uso consiste aqui justamente no lucro que, uma
vez transformado em capital, produz.”50
A passagem do ato de produzir para um momento posterior à
possibilidade de acumulação de riqueza abstrata na forma do dinheiro faz com
que o processo se feche nele mesmo logo no início, relegando à produção, de
fato, a necessidade real da existência de mercadorias e serviços, e o desejo de
manter um lastro com aquele dinheiro já autonomizado da sua substância real,
o trabalho. O deslocamento entre o dinheiro, forma do valor e expressão
49
“No caso da mercadoria simples, da mercadoria enquanto tal, o mesmo valor permanece nas mãos do comprador e do vendedor, só que em forma diferente; ambos possuem o mesmo valor depois como antes, que alienaram, um em forma-mercadoria, o outro em forma-dinheiro. A diferença consiste em que, no caso do empréstimo, o capital monetário é o único que entrega valor nessa transação; mas ele o preserva mediante a restituição futura. No caso do empréstimo, valor é recebido apenas por uma parte, já que apenas uma das partes entrega valor. – Segundo, o valor de uso real é alienado por uma parte e é recebido e consumido pela outra. Mas, diferentemente da mercadoria comum, esse mesmo valor de uso é valor, a saber, o excedente da grandeza de valor que resulta do uso do dinheiro como capital acima de sua grandeza original. O lucro é esse valor de uso.” (MARX, Karl. O Capital. Livro Terceiro, Seção V, p.250) 50
Ibdem: 241
57
universal da riqueza, e o trabalho, sua substância, é o primeiro passo para
incluir no movimento próprio do capital a crise como necessidade de sua
existência e como aparência de constante auto-destruição. É bom que fique
claro, portanto, que as crises atuais oriundas do capital fictício são somente a
forma atual do capital reproduzir-se criticamente, tendo como base a crise do
valor e as crises de produção inerentes à reprodução do capital e muitos
anteriores ao momento atual.
A transformação do dinheiro em capital e, consecutivamente, do
movimento circulatório total do capital a juros, D-D-M-D’-D’, em sua síntese
imediada, D-D’, faz com que fique escondida no movimento final do capital a
juros, D’-D’, a negação necessária dessa forma da mercadoria. Essa é a parte
da circulação que completa a questão jurídica entre prestamista e mutuário
estabelecida no começo da relação de empréstimo, D-D. Compreende-se na
devolução do dinheiro emprestado com acréscimo dos juros,
independentemente se o processo gerou lucro suficiente a isso. A não geração
de um quantum de valor no processo produtivo suficiente para pagar as dívidas
contraídas e, mais, também para repor o próprio processo de forma ampliada,
pode gerar o que vimos entendendo por capital fictício. Pois, se o mutuário não
extrai mais-valia do processo produtivo suficientemente para pagar suas
dívidas antigas, uma outra dívida deve ser contraída para que a relação jurídica
com o prestamista possa se completar e para que o processo de produção não
pare.
Esse momento de retorno do mutuário ao prestamista (D’-D’) pode,
portanto, ser determinante na negação do capital portador de juros enquanto
desdobramento da forma mercadoria para a afirmação de uma forma mais
“desenvolvida”, o capital fictício. Parece ser na impossibilidade de o capital
portador de juros realizar-se no processo produtivo que nos ajuda a entender
qual pode ser o valor de uso do capital fictício. Este entra no momento em que
o anterior se nega. Seu valor de uso, portanto, parece ser a capacidade de
fazer o processo de acumulação ampliada seguir em frente mesmo sem que
sua substância esteja presente em níveis necessários. Conseguir rolar as
dívidas e mostrar-se solvente é o seu mecanismo de funcionamento e a forma
de socializar-se.
58
A legitimação do movimento sintético D-D’ do capital a juros autonomiza
o dinheiro do conteúdo que lhe dá substância, o trabalho. Essa autonomização,
como condição necessária da categoria, cria um processo imediado, ou seja,
sem a necessidade da utilização da força de trabalho. Isso, entretanto, não
ocorre sem consequências. Esse descolamento entre o dinheiro e o trabalho
como “evolução” do movimento de circulação do capital portador de juros gera
sua autonegação como necessidade do processo. Consecutivamente, a
afirmação da forma do capital fictício vem, ao mesmo tempo, solucionando uma
crise e legitimando a necessidade crítica do movimento. Ele aparece para
cobrir o abismo criado pelo capital a juros entre o dinheiro e o trabalho.
59
Capítulo IV
O Programa Minha Casa Minha Vida:
cotidiano e sociabilidade endividada
O Programa Minha Casa Minha Vida e o imperativo da dívida
Na década de 1980, quem fazia sucesso era Expedito, o Santo das
causas impossíveis. Mas o que parecia impossível hoje se resolveu - na maior
parte dos casos com um dinheirinho emprestado. Essa virada trouxe Edwiges
para o centro do Altar. Considerada a Santa dos pobres e dos endividados,
reuniu no ano passado, em somente uma das igrejas na cidade de São Paulo,
outro santo, mais de 45 mil fiéis,.e o número cresce a cada ano.
Uma pesquisa rápida no Google nos propõe uma cartografia do
cotidiano endividado. Logo nas primeiras indicações do site, quando se digita
Santa Edwiges, encontramos quatro igrejas dedicadas à ela. Uma, a mais
antiga, no centro da cidade, e outras três mais recentes espalhadas em regiões
mais periféricas da cidade e na região metropolitana. Paróquias da Santa
Edwiges:
- Estrada das Lágrimas, 910 - Sacomã - São Paulo, SP
- Av Cupecê 5205 - Jardim Prudência
- Paróquia Santa Edwiges (Jardim Noronha)
- Rua Votorantim, 686, São Bernardo Do Campo, SP
Não obstante, o problema da dívida parece não ser exclusivamente dos
fiéis, como nos sugere uma reportagem do G1, do dia 14 de Outubro de 2006:
“IGREJA DA PERIFERIA TEM DIFICULDADE PARA PAGAR CONTAS E ATÉ HÓSTIAS
Os fiéis de Santa Edwiges no Jardim Santo Antônio, periferia da Zona Sul de São Paulo, próxima ao Terminal João Dias, rezam para encontrar soluções para os próprios problemas
60
financeiros, mas até mesmo a paróquia, localizada em meio a uma favela e a um conjunto habitacional Cingapura, vive dificuldades para fechar as contas.
‘Temos contas de água, luz e telefone atrasadas. Às vezes temos de atrasar o pagamento das partículas (hóstias). Está bem difícil’, afirma a secretária Ana Maria, 38 anos.
Apesar das dificuldades, a comunidade religiosa consegue realizar a missa do quilo, para a qual cada fiel leva um quilo de alimento, para ajudar as famílias pobres, e arrecada dinheiro para reformar o prédio, construído há oito anos, cujas paredes ainda exibem tijolos sem reboco.”
No dia 17 de Outubro de 2012, um dia depois do dia de Santa Edwiges,
foi realizada em São Paulo a segunda edição do Feirão Limpa Nome. Nesse
evento, consumidores com dívidas com os bancos Caixa Econômica Federal ,
PanAmericano e Santander; ou com a financeira Losango/HSBC; ou com a
prestadora de serviços de energia elétrica AES Eletropaulo, tiveram condições
diferenciadas de institucionalizar a sua fé, e puderam renegociar ou pagar
totalmente os seus débitos.
Com o intuito claro de “ajudar paulistanos inadimplentes a recuperar o
crédito”, como propagandeava o Feirão a partir dos anúncios na mídia, ele nos
propõe o entendimento de uma sociabilidade endividada. Se enxergarmos o
crédito como dívida, temos agora uma sociedade que, neste novo momento
econômico, precisou naturalizar a dívida a partir das necessidades de
expansão do crédito. Como ficaria o Programa Minha Casa Minha Vida, por
exemplo, sem que uma disseminação do crédito, da naturalização da dívida
melhor dizendo, fosse plenamente aceita? O crédito de longo prazo para o
financiamento imobiliário tem crescido vertiginosamente nos últimos anos e ele
nos ajuda a entender as razões pelas quais se pode pensar num esquema de
endividamento geral da sociedade.
Pela primeira vez na história brasileira, por exemplo, o estoque de
financiamento do mercado imobiliário ultrapassa o do mercado de veículos. Em
2011, a parcela do crédito imobiliário no PIB total do país foi de 4,7%, taxa
considerada baixa pelos analistas do mercado e pela mídia quando comparada
61
com outros países51. A perspectiva, entretanto, é de que esta participação
cresça a taxas crescentes - afirma Octávio de Lazari Junior, presidente da
Associação Brasileira das Entidades de Crédito e Poupança (ABECIP) - até
alcançar a fatia de 10% do PIB brasileiro em 2014, ano em que se realizará a
Copa do Mundo no Brasil. Em 2010, estima-se que toda a cadeia de
construção imobiliária (estimativa que inclui a cadeia de material de construção
para o segmento de habitação – IBGE, in.: EXAME) teve participação de 6%
em relação ao PIB, ficando a frente de setores como “Bancos e seguros”,
“Agropecuária” e Transporte”, entre outros (EXAME: 22/02/2012). Esses
poucos dados servem para exemplificarmos as dimensões do mercado
imobiliário no atual momento e, portanto, dar luz a questão do credito,
enquanto dívida, para o entendimento da sociedade, tal como para
estabelecermos as relações necessárias entre a produção do espaço e a
reprodução capitalista do Estado Nacional brasileiro.
De acordo com dados da ABECIP, o mercado imobiliário brasileiro
apresentou forte crescimento ao longo dos dois governos de Luiz Inácio “Lula”
51
O discurso hegemônico da mídia a respeito do crédito imobiliário é cego, e cumpre uma função meramente ideológica. A régua que mede tal situação comparada entre os países, como de costume, é unicamente quantitativa e abstrai toda e qualquer relação possível de ser estabelecida, mesmo as mais simples. Afirma a revista Época, a partir de dados oficiais da ABECIP: “A participação do crédito imobiliário no PIB brasileiro é irrisória na comparação com outros países (% PIB): Reino Unido 88%; Estados Unidos 81%; Alemanha 48%; África do Sul 42%; França 38%; Chile 19%; México 11%; China 11%; Índia 6%; Brasil 5%; Rússia 2%; Argentina 2%.” Mesmo sendo confusa a relação entre os dados da revista - ou seja, não dá para saber, através dessa reportagem da Época de fevereiro de 2012, se as porcentagens se referem à participação do crédito imobiliário de cada país no PIB brasileiro ou se a conta é feita a partir do crédito imobiliário de cada país com relação aos seus respectivos PIB’s –, o que importa notar é como os números que enxergamos são frios, e por isso carregados de veracidade próprios. Três dos países mais poderosos do mundo ocupam as três primeiras colocações dessa lista, sendo eles também detentores das moedas mais fortes do atual sistema econômico – a libra, o dólar e o euro, tendo, este último, como país central a própria Alemanha. Seria coerente partir desses números para advogar de uma maior quantidade de crédito imobiliário para o Brasil? A capacidade de honrar as dívidas internas, por exemplo, seria a mesma entre um país que possui o Real e outro que possui o Dólar, moeda lastro do mundo? Se a reportagem fizesse essa mínima relação entre crédito, enquanto dívida, e credibilidade internacional para o pagamento das dívidas em cada um dos países, chegaria a uma conclusão mais próxima de dizer que 5% do PIB brasileiro em crédito imobiliário é alto e fora da realidade, e não o contrário, como afirmam. Pensando “por dentro da caixa”, dever-se-ia dizer o oposto, ou seja, a reportagem deveria exibir os mesmos dados, mas extrair a seguinte análise: “Países do centro do capitalismo como a Inglaterra, os Estados Unidos e a Alemanha, exibem hoje uma relação altíssima entre o crédito imobiliário e o PIB. O Brasil, entretanto, não pode seguir o mesmo caminho. Dada a relação de poder e riqueza que possuem tais países nas relações internacionais atuais, seria burrice querer igualar os índices brasileiros aos índices de tais países.”
62
da Silva (2003-2010).52 Em 2011, entretanto, primeiro ano do mandato Dilma e
início do Programa Minha Casa Minha Vida II (PMCMV II), o crédito imobiliário
brasileiro atingiu a maior marca da história. Entre recursos da caderneta de
poupança e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) foram
emprestados R$ 114,1 bilhões para habitação, com crescimento de 36% em
relação a 2010. A maior parte dos financiamentos foi bancada com dinheiro da
caderneta de poupança (R$79,9 bilhões), que teve acréscimo de 42% ante
2010. (Estado de São Paulo – 13/02/2012). É de extrema importância ressaltar
o tamanho desse crescimento por ser ele vertiginosamente maior que o
crescimento do PIB. Tal índice sugere a capacidade ou incapacidade de um
país saldar suas dívidas com o mercado financeiro, e o aumento do
financiamento do mercado imobiliário a taxas exorbitantes pode “auxiliar” a
tarefa do PIB em mostrar-se solvente.
Poderíamos elencar aqui os fatores que aparecem atualmente como
sendo parte dum cenário favorável ao crescimento do crédito imobiliário no
país: “a taxa de desemprego no menor nível da série histórica, o crescimento
da renda e o déficit habitacional de mais de 8 milhões de moradias criam um
quadro seguro para os bancos emprestarem.” (O Estado de São Paulo,
13/02/2012) Se o déficit habitacional sempre foi elevado, por que será que só
agora o financiamento para supri-lo aparece como fundamental ao processo
em curso?
Quem nos indica a resposta são os próprios ministros da Fazenda e do
Planejamento, Guido Mantega e Miriam Belchior, respectivamente. Ambos
“...afirmaram que a meta do governo é entregar cerca de 500 mil moradias do
Programa Minha Casa, Minha Vida em 2012 [e que] o governo conta com o
programa para impulsionar os investimentos e garantir um crescimento
econômico ‘acima de 4% neste ano’, afirma Mantega.” (Gazeta do Povo Online
– Curitiba/PR – Imóveis – 01/02/2012) Tal crescimento do Produto Interno
Bruto (PIB) parece que só se efetivaria, neste ano, na medida em que o
52
No início dos anos 1990, o cenário do mercado imobiliário e dos financiamentos era pouco promissor aos investidores. Desde a extinção do BNH (Banco Nacional de Habitação), em 1986, o setor sobrevivia de vendas diretas, com parcelamento do preço junto aos consumidores de classe média e alta. Em 2002, o financiamento imobiliário chegava ao seu nível mais baixo, com menos de 30 mil unidades financiadas em todo o País com recursos da Poupança ante 421.386 no ano de 2010, segundo dados da ABECIP.
63
mercado imobiliário, principalmente a partir do Programa Minha Casa Minha
Vida, possibilitasse a expansão desejada. Ao mesmo tempo, o crescimento do
próprio PIB acima da média mundial esperada (3% ao ano) é o que indica ao
sistema financeiro a capacidade do governo em honrar com sua dívida interna.
Por isso a expectativa do PIB era acima dessa média mundial, mas também,
pelo fato desse movimento já explicitar uma crise, é que o PIB, ao final daquele
ano, não chegou a 1%.
Estas considerações servem para que invertamos uma opinião
largamente difundida: ao contrário do que se afirma, não são o crescimento
econômico e os “deveres” sociais do Estado que demandam um aumento da
sua dívida interna para a realização de um projeto nacional (discurso
desenvolvimentista), mas é a própria possibilidade de aumento e “rolagem” da
dívida interna, para que o país esteja inserido dentro da lógica de acumulação
global, que possibilitam o crescimento econômico e o fornecimento de
equipamentos públicos à população. Isso permite notar a sujeição a qual nos
encontramos perante os processos históricos pelo qual passamos. Como fazer
os investidores acreditarem que o Brasil está em franco crescimento e que será
capaz de saldar suas dívidas? A grande expansão do mercado imobiliário,
portanto, parece ser uma das formas encontradas para transmitir confiabilidade
aos índices de crescimento do país. Sob as determinações de uma forma
distinta de produção do espaço e acumulação de capital, portanto, é que temos
que pensar como vivem e/ou sobrevivem os habitantes dos espaços urbanos
nos quais o Programa foi instituído, assunto que será tratado ainda neste
capítulo, nos próximos itens.
Se o aumento do crédito pessoal para o financiamento imobiliário, assim
como a abrangência cada vez maior de programas como o “Bolsa Família” e a
consequente ascensão ao consumo da denominada “classe c”, é feita através
do endividamento cada vez maior da população, cabe refletir até que ponto
esses programas refletem uma emancipação real da população pobre
envolvida no processo de transformação das cidades brasileiras atualmente.
Ao endividar-se estão “hipotecando trabalho futuro”, ou seja, estão colocando
sua força de trabalho a disposição da exploração ad eternum, ou até que
consigam saldar suas dívidas, sendo consequência disso a “[...] apresentação
64
de ritmos específicos ao modo de vida urbano” (MARTINS. 2010: 4). O atual
esquema de endividamento geral da sociedade, que possui no Programa
Minha Casa Minha Vida o principal difusor de sua prática e de sua ideologia,
traz à tona uma nova sociabilidade que carece ser desvendada, e, portanto,
uma nova relação com o espaço e com tempo no urbano.
Se percebermos o entrelaçamento do sistema de endividamento do
Estado Nacional brasileiro, como sugerido acima, notaremos que se trata de
uma “emancipação negativa” dessa população, uma vez que qualquer melhoria
de vida que recebam vem à reboque de um processo que passa “as costas dos
sujeitos” (MARX, 1983). Disso deriva-se que, apesar de dadas essas supostas
condições de “estabilidade” da economia brasileira e de manutenção dum alto
nível de emprego53, “[...] convém não deixar de pensar no pior, que seria uma
mescla altamente perigosa de assistencialismo e repressão.” (OLIVEIRA, 1998:
47) Cabe a nós encontrarmos como isso se torna fenomênico nos espaços
urbanos do território brasileiro. Se sabemos algumas das medidas
assistencialistas que recebe a população das cidades brasileiras (Bolsa
Aluguel, Bolsa Família, acesso ao crédito de longo prazo para o consumo da
habitação etc), devemos nos atentar para qual é a forma de repressão que o
processo econômico e o Estado impingem sobre essa população.
Em uma sociedade onde predomina a propriedade privada, está pior
aquele que não possui uma. Em uma sociedade na qual o único acesso à vida
é dado através de trocas monetárias, pior estará o que não tem dinheiro para
sua própria sobrevivência. Não se trata aqui, neste trabalho, de “falar mal” dos
programas sociais do governo, como o PMCMV, o Bolsa Família, entre outros,
com o intuito de dizer que não devessem existir. Ao contrário, na completa
ausência de tudo em que se encontra a população do país, parece ser melhor
que esses e outros programas existam e permaneçam existindo. Trata-se, na
verdade, de uma tentativa de contextualizá-los dentro de um momento
econômico específico em que eles precisem existir para o funcionamento do
Estado nacional brasileiro. Assim, dado que são criados em vistas de seu
53
A taxa de ocupação em 2011 da População Economicamente Ativa (PEA) brasileira foi a menor desde 2002. (dados do IBGE)
65
funcionamento, não devemos fechar os olhos para as formas violentas em que
isso é colocado para a população.
Hipotecando trabalho futuro
Há um ritmo de vida no urbano mais baseado no futuro que no presente:
aquele imediatismo que sempre precisou existir para sobreviver na metrópole,
onde um se vende no almoço para comprar a janta do mesmo dia. Agora a
proposição é distinta: se vende no almoço para pagar a janta de ontem, ou de
um mês atrás. Os elementos do futuro passam a comandar as determinações
presentes no cotidiano urbano e o endividamento geral, principalmente a partir
do Programa Minha Casa Minha Vida, por possuir o caráter de longo prazo,
tem um papel importantíssimo nesse processo. O trabalho que se realiza no
presente paga as dívidas do passado, e as parcelas que carregamos tão
coladas ao corpo como nossas vestimentas mais simples, servem como
chicote com o qual nos açoitamos - auto-flagelamento programado e
naturalizado. O futuro é agora onde se deposita a esperança necessária de
conseguir trabalho - não é uma escolha. Com o PMCMV, hipoteca-se trabalho
por 35 anos, ou seja, amarram-se vidas por um fio muito frágil, onde se deve
manter a esperança de que a exploração do trabalho seja, por qualquer motivo
ainda impossível de dizer, igual ou menor que hoje. Difícil acreditar.
Em trabalho de campo realizado no extremo leste da cidade de São
Paulo, nos empreendimentos da incorporadora MRV (“Quem quer mais que um
apê, vem pra MRV”) na Cidade Líder, o elemento da dívida como parte
integrante e imperativa do dia-a-dia dos moradores do bairro fica evidente. Se,
por exemplo, o Programa Minha Casa Minha Vida exige que os adquirentes do
financiamento habitacional comprometam no máximo 30% da remuneração
familiar com as parcelas do Programa, parece não considerar, entretanto, que
esse não é o seu único comprometimento mensal com dívida. Alex, 27 anos,
morador do conjunto de “edifícios Alameda Aricanduva San Carlo para pessoas
como você que prezam pela qualidade de vida”, (ver ’’foto 1’’ abaixo) de fato
respeita o limite máximo de endividamento com o financiamento imobiliário,
66
mas compromete 67% de toda a remuneração, dele e de sua mulher, com o
conjunto das dívidas. Extraindo o gasto mensal total da família, entretanto, que
inclui as parcelas das várias dívidas e os gastos com comida, transporte e
vestuário, não resta para o casal mais que 10% de toda a sua remuneração. O
que vemos aqui, a partir do endividamento de longo prazo da mercadoria
habitação, principalmente quando do início do Programa Minha Casa Minha
Vida, é uma mudança significativa na função dos salários, uma vez que este
não é mais suficiente para suprir todos os custos da vida do trabalhador. Essa
ideia está melhor desenvolvida em MARTINS (2010: 114-5):
“A partir do ciclo de realização dessa mercadoria, neste setor
em particular, podemos sondar os impactos no setor em geral,
pois o crédito, como dívida, pode significar rebaixamento de
salários e maior submissão às condições de exploração. Por
meio do crédito, da dívida melhor dizendo, o trabalhador tem
acesso às mercadorias que fazem com que ele se reproduza,
dentre elas a propriedade imobiliária. Com salários mais baixos
o trabalhador se endivida e ‘completa o orçamento’. O crédito
apresenta, por meio da programação de pagamentos futuros,
uma possibilidade de reprodução do trabalhador como
trabalhador, dando uma medida comum para o que não é
equivalente. Se não é possível que as necessidades mensais
sejam satisfeitas totalmente pelo seu salário do mês, esta
diferença será ‘acertada’ por um ritmo de pagamentos, que
pagarão além do que foi comprado, o adiantamento dos
recursos para a compra. O trabalhador pode receber menos
para assegurar a sua sobrevivência.”
67
Foto 1: Imagem da portaria do Edifício SanCarlo. Fonte: Bruno Xavier Martins
Foto 2: Imagem de uma das 4 entradas do edifício SanCarlo. São 270 apartamentos em cada uma das entradas. Fonte: Bruno Xavier Martins
68
Stefani, proprietária de um apartamento no “Spazio San Jonas, sua
felicidade o aguarda aqui. Conheça e encante-se”54 (Ver “foto 4” abaixo),
empreendimento também da MRV na zona leste de São Paulo, compromete,
em média, 75% da remuneração familiar com dívidas, sendo que 25% são
referentes à parcela do PMCMV. A peculiaridade desta família em relação à
anterior é que nenhum integrante da casa possui remuneração fixa (o que de
fato não é uma exigência do Programa), sendo que o ritmo de vida deles é
ditado pela inconstância de pagamentos dos serviços vários. Todo o seu
cotidiano articula-se em função da adequação de trabalhos informais com a
finalidade do pagamento dos juros. Pouco a pouco, seu ritmo de vida passa a
assegurar, de forma banalizada, o pagamento dos juros das dívidas com a
mesma naturalidade com que logram alimentar a casa, comprar as roupas ou
levar as crianças ao cinema. As situações de trabalhos precários que podem
por isso vir à tona não são a novidade desse momento, “[...] a novidade é
reproduzi-las de forma estruturada e ritmada ao financeiro mundial, incluindo a
54
“Se você busca um lugar ideal para o seu bem-estar e que atenda as suas expectativas, você acabou de encontrar: Spazio San Jonas. Para falar com um de nossos corretores online, acesse: http://www.mrv.com.br/sanjonas/”.
Foto 3: Imagem de um dos 4 conjuntos do edifício SanCarlo. Ao lado direito uma concessionária da Mercedes Bens e ao fundo o bairro Cidade Líder. Fonte: Bruno Xavier Martins
69
obrigatória programação do tempo futuro, por um curto ou longo prazo.”
(MARTINS, 2010: 116)
A dívida passa a fazer parte do cotidiano e quem consegue acesso ao
crédito de longo prazo, ao constante endividamento melhor dizendo, alcança
um outro patamar de sociabilidade no urbano.
Foto 4: Imagem da portaria do edifício SanJonas. Fonte: Bruno Xavier Martins
Foto 5: Imagem ampla do edifício SanJonas. Fonte: Bruno Xavier Martins
70
Quase todos os entrevistados vivem e trabalham na zona leste, mas
ainda assim gastam de uma a duas horas para chegar ao local de trabalho.
Todos gastam quase que integralmente a remuneração com a finalidade de
não sujarem seus nomes. Vivem em um apartamento minúsculo, pois é a
dignidade que o dinheiro que possuem os permite ter. A urbanização crítica é a
forma como eles se inserem no mundo e a pobreza deve ser entendida de
forma mais ampla, comparativamente. A pobreza não é só a exclusão, é antes
de tudo a inclusão precária, o acesso pífio às coisas ou através da auto-
escravidão futura, ou seja, através do endividamento. Não se trata mais de um
momento inaugural do capitalismo, onde “leis sanguinárias” obrigavam, à força,
toda uma população à disciplina do trabalho. O trabalhador já sabe que a única
forma de sobrevivência é mantendo-se endividado e, para isso, ele mesmo se
coage:
“A partir de um elemento coercitivo como o endividamento, o
ritmo de exploração no trabalho pode ser gerenciado pelo
próprio trabalhador, alternando emprego e desemprego,
buscando não comprometer o pagamento das dívidas, que lhe
servem de lastros para outras dívidas.”55
Nesse sentido, são pobres todas as milhões de pessoas que estão
inseridas no Programa Minha Casa Minha Vida, não porque não possuam
absolutamente dinheiro algum, que seria a pobreza absoluta como a
conhecemos, mas porque, por dentro do mundo do dinheiro, possuem seu
cotidiano ditado pelo ritmo dele, e não o contrário. Do outro lado da moeda não
está o sujeito sem dívidas, mas o Estado, empresas e indivíduos, todos
também endividados, mas que, ao invés de terem seu ritmo ditado pelo capital
financeiro internacional, e isso ser um descompasso em suas vidas, são eles
próprios que impõem à vida de todos, inclusive a deles, o tempo com os
conteúdos da velocidade de remuneração desse capital.
55
Ibdem: 117
71
O capital fictício parece ter alcançado um alto grau de seu
desenvolvimento e agora percorre, decididamente, por entre as diversas
esferas da sociedade: Estado, empresas, indivíduos. É nesse momento que
podemos falar de uma generalização dessa categoria, ou seja, quando nos
indivíduos, nos conjuntos habitacionais aparentemente isolados, nas mais
variadas partes e parcelas da sociedade, à primeira vista autônomas,
encontramos as determinações mais gerais e abstratas do funcionamento atual
de nossa economia. Agora, com o endividamento de longo prazo do Programa
Minha Casa Minha Vida, o capital fictício chega ao indivíduo e impõe a ele o
seu ritmo por tempo indeterminado. Indeterminado? Sim! Quem garante 35
anos de estabilidade financeira dentro do formato precário de vida no
capitalismo? Dez anos já seriam eternos e os efeitos da auto-coação das
dívidas, ou ainda em última instância, da coação do credor-maior, o Estado,
ainda está por vir à tona. O comportamento do Estado, das empresas e dos
indivíduos agora é o mesmo: todos buscam não comprometer o pagamento
das dívidas atuais com o intuito de que o bom comportamento lhes sirva de
lastro para a contração de novas dívidas. O capital fictício se generaliza,
tornando-se predominante na determinação social e é aqui, e desta forma, que
ganha contornos mais precisos, uma definição mais clara: ele é geral para os
casos específicos da sociedade atual e ser geral é o que o determina nesse
momento histórico específico.
O capital fictício ganha importância paralelamente a outro movimento.
Ele parece ter se generalizado num momento de generalização da propriedade
da terra como forma imobiliária urbana. Ao longo das últimas décadas houve
um processo de mobilização do imobiliário, do qual já falamos a respeito neste
trabalho, tornando mais líquida a negociação duma casa, apartamento, terreno.
Essa mobilização feita através da criação de leis específicas que garantissem a
propriedade do imóvel ao vendedor até sua quitação completa, da expansão do
crédito imobiliário, das negociações dos papéis das dívidas do imóvel na bolsa
de valores com o intuito de remunerar o capital financeiro etc. indicam a
passagem “[...] da renda da terra como predominante para a predominância da
72
renda do capital financeiro adiantado”56. A mobilidade do imobiliário só pode
existir, apesar das diversas mudanças, quando se transfere o risco da
remuneração para outro agente. Só está sendo possível mobilizar a terra, pois
agora a extração da riqueza social se concentra no trabalho futuro. A renda da
terra, provável captadora do capital financeiro ocioso em busca de valorização
que fluiu para as incorporadoras brasileiras de 2006 em diante, parece agora
abrir espaço a outra fonte de remuneração, qual seja, a que provem da
generalização da dívida na sociedade.
A necessidade de assegurar legalmente a extração da riqueza em um
agente na sociedade não é recente. O escravo, por exemplo, enquanto
propriedade particular, deu lugar à terra cativa. O processo de mobilização do
trabalho no Brasil, ou seja, da sua transformação em trabalho livre se deu
paralelamente ao de rigidez do uso da terra. O ano de 1850, e o mês de
Setembro, são os mesmos da Lei de Terras, lei que só permite a posse da terra
através da troca monetária, e da Lei Eusébio de Queirós, que proíbe o tráfico
negreiro interatlântico. Passamos agora por um novo processo, em que a
generalização do capital fictício se dá paralelamente a um processo de
mobilização da terra e rigidez da vida endividada. Em suma, “em uma
sociedade com a ‘posse urbana financiada’ livre torna-se cativo o trabalho
futuro, ou ainda, a intensidade com que esse ritmo se apresentará ao
trabalhador por ele próprio.”57
Este processo descrito por último, tenta ser mais uma hipótese que uma
afirmação. Só a observação desse fenômeno nos próximos anos, ou décadas,
é que permitirá falar sobre a coerência dessas relações que estabelecemos
aqui.
56
Ibdem: 120 57
Ibdem: 120-1
73
O Programa Minha Casa Minha Vida como difusor do fe nômeno da
pobreza
A pobreza e a miséria são os conteúdos negativos da urbanização
crítica. A riqueza, num contexto de miséria, porém, também é a urbanização
crítica. Os miseráveis, entretanto, não são apenas aqueles que se encontram
apinhados nas regiões centrais das cidades, consumindo crack, pedindo
esmolas e passando fome, amotinados em cortiços sujos ou dormindo nos
buracos que as estruturas concretas das cidades lhes fornecem “sem querer”.
Estes estão no coração das metrópoles, são os que a sociedade já não quer,
mas não consegue esconder. Estão “fora”, mas estão no meio. São o fracasso,
a escória, estão por baixo de tudo e de todos, mas a cidade, produtora deles,
não consegue sumir com eles. Num contexto de uma cidade plenamente
monetarizada, entretanto, onde a qualidade da virtude é dada pela quantidade
de dinheiro que um possui, também é miserável aquele que tem dinheiro, mas
tem pouco. Os que não têm não existem; os que têm pouco possuem pouca
virtude. Como dizer que não é miserável aquele que gasta 15 horas do seu dia
em função de seu trabalho com a finalidade de manter-se endividado? Aquele
que gasta 75% de sua parca remuneração para não sujar, a causa das dívidas,
o pouco que lhe resta – o seu nome? A periferia das grandes metrópoles está
se inflando cada vez mais, e não de pessoas que a cidade exclui, mas ao
contrário, daquelas que ela inclui e amarra suas vidas, em todas as esferas, em
função de um cotidiano e ritmo de vida cada vez ditados por determinações
abstratas, num ritmo de vida pautado pelo pagamento dos juros das próprias
dívidas.
Esse tempo ditado pelas dívidas alcança a periferia, , nos espaços onde
se encontram os conjuntos habitacionais, aqui, no caso, aqueles financiados
pelo PMCMV. Ali, a lógica do espaço homogêneo tem, no atual momento, o
poder de aglomerar aqueles que possuem um cotidiano com a finalidade de
pagar as parcelas que os incluam na lógica do espaço homogêneo. Para
chegar ao Spazio San Jonas, por exemplo, saindo do centro de São Paulo,
levamos por volta de uma hora e meia, contra-fluxo. O metrô considera como a
média o horário de pico e não altera o volume dos autofalantes nem a força do
74
ar condicionado, que seguem, do começo ao fim, altos como se houvesse
lotação máxima - o prenúncio do que será em poucas horas. Ao chegar à
estação Arthur Alvim e tomar uma lotação que iria até o local, conversei com
Dona Lurdes, que foi me mostrando como a cidade havia crescido. O que mais
me chamou atenção em nosso papo foi sua constatação com relação ao
afastamento dos conjuntos habitacionais. Cohab I, Cohab II, PMCMV. Em
ordem de chegada, o afastamento. Depois da Cohab I disse: “- daqui em diante
não havia nada. A Cohab era a última coisa, só mato.” Mais 5 ou 10 minutos de
conversa e alcançamos a Cohab II: “- até que construíram essa aqui, e ai era
fronteira de novo.” A história parecia se repetir e quando a lotação chegou ao
ponto final, saltei, andei mais 15 minutos e cheguei numa das novas fronteiras
da cidade de São Paulo, de onde “para lá” já não havia mais nada. O edifício
Spazio San Jonas era o limite e as ruas que o contornavam acabavam antes
mesmo de seus muros para dar lugar a um pequeno lixão, de um lado, e ao
que parecia ser um desmanche de carros, de outro.
Foto 6: Imagem de dentro do metro Arthur Alvim. No horizonte é possível ver a sobreposição dos conjuntos habitacionais. Aqui, entretanto, ainda não é possível ver nem o Spazio SanJonas nem o edifício SanCarlo, financiados pelo PMCMV e visitados para esta pesquisa. Fonte: Bruno Xavier Martins
75
Foto 7: Imagem do ponto final que leva ao edifício Spazzio SanJonas. Além do edifício visitado, encontramos muitos outros conjuntos populares, mas que não são financiados pelo PMCMV. Fonte: Bruno Xavier Martins
Foto 8: Imagem do entorno do edifício Spazzio SanJonas. Ao fundo, a fronteira da cidade de São Paulo. Fonte: Bruno Xavier Martins
76
Saindo de lá e andando mais ou menos 30 minutos em direção a
avenida Aricanduva para encontrarmos o edifício Alameda Aricanduva San
Carlo, nos damos de cara com seus 4 condomínios, constituídos de 270
apartamentos cada, totalizando mais de mil apartamentos em um só local. É
nesse instante que, se por algum motivo nos aparece o urbano como idílico e
utópico, devemos tê-lo como crítico, caótico. E os conjuntos habitacionais do
PMCMV devem ser o centro da nossa atenção, pois concentra-se neles o
fenômeno da pobreza urbana58, onde as contradições se aglomeram e são
latentes. “[...] Eles podem representar o espaço de outra forma de pobreza, de
novas alienações, como a pobreza de vida urbana.” (DAMIANI, 2011: 110)
Pensando dessa forma, incluímos o fenômeno da pobreza no nível do
cotidiano, ou seja, abrangendo seu significado para além dos momentos de 58
“A perda da cidade reaparece como tema, mas não necessariamente atrelada à pobreza material, à pobreza absoluta, na figura da ausência de serviços e equipamentos urbanos. Aparece, em última instância, como perda da vida urbana propriamente, e de suas possibilidades.” (DAMIANI, pág. 110)
Foto 8: Imagem do entorno do edifício Spazzio SanJonas Fonte: Bruno Xavier Martins
77
brutalidade e miséria absolutas. A aparência da pobreza deve agora considerar
novos patamares – aqueles que a contemplam mascarados pelas dívidas e
pelo ritmo de vida baseado no pagamento de seus encargos. O cotidiano não
exclui a pobreza urbana, ao contrário, ele a inclui e a naturaliza. Todos que se
encontram na miséria absoluta querem a todo o custo sair, e a forma que
muitas vezes lhes é possível fazer é apenas incluindo-se na pobreza urbana,
num esquema de vida onde sua própria miséria passa a ser controlada e
garantida por instituições oficiais. O Programa Minha Casa Minha Vida tem
grande papel nesse processo, como garantidor da pobreza urbana controlada.
O que seria então esse cotidiano e qual a influência disso decorrente da
implementação do Programa Minha Casa Minha Vida? Amélia Damiani nos
ajuda nessa primeira questão:
“O cotidiano não é somente ordem imposta, ele é, no plano
subjetivo, uma organização de vida assegurada. Quando o
banal do dia a dia, como se alimentar, vestir-se, alojar-se,
locomover-se, produzir, faz parte da vida de forma segura.
Com esses tempos, atividades e espaços conquistados de
maneira que parece definitiva. é a ordem diária da segurança
material. Tendo o cotidiano se dorme em paz.”59
O Programa Minha Casa Minha Vida, entretanto, parece nos trazer uma
mudança na forma de pensar e de realizar o cotidiano, a partir de como foi
colocado por DAMIANI. A função de garantidor da tranquilidade já não é mais
do Estado ou das instituições várias que temos em nosso dia a dia. Já não se
dorme em paz. Sair da miséria absoluta e adentrar na pobreza urbana a partir
da conquista da casa própria significa transferir o ônus do Estado em proteger
a população para a própria população. A dívida banaliza-se. O Estado a
concede, mas quem tem que se virar para pagá-la, enfrentando um mundo com
possibilidades cada vez mais escassas é o indivíduo.
59
Ibdem: 112
78
Consideração Finais
O trajeto escolhido na presente pesquisa buscou compreender como a
urbanização crítica e as determinações críticas do capital fictício se
correlacionaram a partir da implementação emergencial do Programa Minha
Casa Minha Vida. Buscou entender também como tem se adequado o urbano
urbano que, a partir do lançamento do Programa, teve seu ritmo de vida
alterado para se adequar ao ritmo de pagamento das dívidas de longo prazo,
respeitando as velocidades de remuneração do capital financeiro internacional.
O Pacote Habitacional ajudou no estabelecimento do elo global da
remuneração desse capital em todas as esferas da sociedade: Estado,
empresas e indivíduos.
Para salvar as incorporadoras nacionais que estavam prestes a quebrar
com uma crise no setor, seguida da crise mundial de 2008, o governo brasileiro
lança o Programa Minha Casa Minha Vida e atrela, de forma inédita, e crítica, a
resolução de um dos problemas mais caros à sociedade brasileira (a questão
da habitação) ao salvamento do grande capital financeiro internacional ligado a
essas incorporadoras. O salvamento do capital fictício nessas empresas
compreendeu em criar um forte elo entre os fundos públicos e o capital
internacional e teve como importante resultado a concretização de um Estado
nacional em bases fictícias.
Para que isso desse certo, o governo precisou expandir os créditos, as
dívidas melhor dizendo, e permitir o aumento do endividamento de toda a
sociedade brasileira. Um novo cenário está montado: empresas, Estado e
indivíduos fazem parte agora de um esquema de endividamento geral da
sociedade, sem o qual a remuneração do capital financeiro, com conteúdos
cada vez mais marcados pelo capital fictício, não poderia se garantir.
O que temos de novo neste em relação a outros planos habitacionais ou
formas de endividamento é que agora um grande montante da população
brasileira está endividado sob outros parâmetros. Seu credor dos trintas longos
anos de financiamento do PMCMV é o Estado nacional brasileiro, único agente
de contratos que possui o monopólio da violência, e a velocidade necessária de
79
remuneração do capital já não é estatal, mas a velocidade do capital financeiro
internacional. A relação com o tempo e com o espaço no cotidiano urbano sofre
alterações importantes no momento em que o capital financeiro alcança todas
as esferas da sociedade.
Essas mudanças fazem impor ao cotidiano novas formas de pobreza,
para além da pobreza absoluta e miserável a que estamos acostumados a ver
no nível do fenômeno. Agora, o alcance do cotidiano e a inclusão no que se
chamou de “pobreza urbana”, inclui algo mais sutil e de difícil percepção. Trata-
se de ampliar o conceito de pobreza e colocar ai o sujeito endividado no longo
prazo do PMCMV.
80
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