UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS – UFMG FACULDADE DE EDUCAÇÃO
NEILTON CASTRO DA CRUZ
CASOS POUCO PROVÁVEIS: trajetórias ininterruptas de
estudantes da EJA no ensino fundamental
BELO HORIZONTE – MG 2011
NEILTON CASTRO DA CRUZ
CASOS POUCO PROVÁVEIS: trajetórias ininterruptas de
estudantes da EJA no ensino fundamental
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação. Linha de Pesquisa : Educação Escolar: instituições, sujeitos e currículos
Orientadora : Professora Doutora Maria José Braga Viana
BELO HORIZONTE – MG
2011
DA CRUZ, Neilton Castro
Um estudo sobre casos de trajetórias ininterruptas de estudantes da EJA no Ensino Fundamental. Belo Horizonte: UFMG/FaE, 2011. 118 p.
Dissertação (mestrado): UFMG/FaE.
CASOS POUCO PROVÁVEIS: trajetórias ininterruptas de estudantes da EJA no ensino fundamental.
Neilton Castro da Cruz
Um estudo sobre casos de trajetórias ininterruptas de estudantes da EJA no
Ensino Fundamental.
Dissertação de mestrado intitulada “CASOS POUCO PROVÁVEIS: trajetórias
ininterruptas de estudantes da EJA no ensino fundamental.”, avaliada pela banca
examinadora composta pelas seguintes professoras:
_______________________________________________________________ Professora Doutora Maria José Braga Viana – Orienta dora – UFMG
_______________________________________________________________ Professora Doutora Carmem Lúcia Eiterer – UFMG
_______________________________________________________________ Professora Doutora Maria Amália de Almeida Cunha – UFMG
A meu pai, Dudu (in memoriam), por ter me apontado o caminho da escola.
À minha mãe, Laudinha, pelo amor e dedicação.
À minha esposa Dinorá, pela coragem de ter me acompanhado nessa aventura.
A meu filho, Luís Felipe, meu príncipe, meu tudo.
A Reis, meu irmão e amigo de todas as horas.
AGRADECIMENTOS
São muitas as pessoas que preciso agradecer, porque sem elas certamente não
teria dado início a essa importante empreitada, tampouco a teria concluído.
Algumas são de longas datas, outras nem tanto, mas de igual importância.
Agradeço, em primeiro lugar, ao Pai criador, que sempre esteve presente, mesmo
nos momentos em que eu acreditei estar só.
Ao meu professor de graduação, a pessoa que insistiu para que eu participasse
do processo seletivo da UFMG, meu amigo Geovani.
Ao meu amigo de muitos momentos, colega de trabalho, companheiro de luta
sindical, meu parceiro de viagens e eventos educacionais, Euvadelis.
À minha orientadora, a professora Doutora Maria José, por ter acreditado em mim
e aceitado orientar esta pesquisa. Com simplicidade e sabedoria, soube explorar
minhas limitações, ao sugerir e apontar caminhos para que a tarefa pudesse ser
concluída.
À professora Carmem Eiterer, por ter se disponibilizado a ler meu projeto, pelas
sugestões de leitura e por ter aceitado fazer parte da minha banca de defesa.
Ao professor Leôncio Soares, pela acolhida na FaE.
À professora Ana Galvão, por ter, de algum modo, contribuído com o projeto de
pesquisa.
À professora Maria Amália, por ter aceitado o convite para participar da banca de
defesa
Ao pessoal da secretaria da pós, em especial, à Rose, pela simpatia.
Aos meus primos Manuel, Gilberto e suas respectivas esposas, Leide e Elaine,
pelo apoio e solidariedade.
À dona Célia e seu Vicente, pela atenção e carinho dispensados a mim e a minha
família.
A Fina e Waldir, pela força que me deram no momento em que precisei de um
teto para morar em BH.
A Áurea e Roberta, pela atenção, carinho e amizade.
À Aline, Chiquinho, Hélton, Flaviane, Gil, Solange, Iolanda, Dona Tereza, Josy,
Cleo, Andrea, Clebson, pessoas que conheci nessa minha passagem por BH.
Obrigado pelo carinho e amizade, sem vocês os meses vividos em BH teriam sido
muito mais longos.
Aos colegas do mestrado, Kyrleys, Ana Beatriz, Andréia Zica, Sthefânia, Oziel,
Ana Paula, Mírian, Arlete, Fernanda, Helen, Heli e Jerry.
Aos amigos e amigas de passeios, viagens e de tantos outros momentos
inesquecíveis vividos durante o mestrado: Virgínia, Eliana, Jú, Paulinha, Elenice,
Gelson, Marcelo, Alex e Olavo. Foi muito bom ter conhecido vocês!
A Raimundinho, pelas informações gentilmente cedidas durante a pesquisa de
campo.
À professora e amiga Floresbete (Bete), pela disponibilidade de sempre e,
sobretudo, pela correção da dissertação.
A Ivana, pelas leituras sempre em dia, muito obrigado!
De forma especial, gostaria de agradecer a Virgínia, pela leitura do projeto e,
sobretudo, por ter, de alguma forma, me adotado desde o primeiro dia de aula na
FaE. Muito obrigado por você existir e, de maneira especial, fazer parte da minha
história!
A todo/as os sujeitos que contribuíram, dando voz a este trabalho.
Enfim, a todos e todas que, direta e/ou indiretamente, contribuíram com essa
árdua e confortante tarefa. Sem suas críticas e/ou elogios, não teria dado conta
dessa empreitada.
TOCANDO EM FRENTE
Almir Sater e Renato Teixeira
Ando devagar
Porque já tive pressa E levo esse sorriso
Porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte, Mais feliz, quem sabe
Só levo a certeza De que muito pouco sei,
Ou nada sei
Conhecer as manhas E as manhãs
O sabor das massas E das maçãs
É preciso amor
Pra poder pulsar É preciso paz pra poder sorrir É preciso a chuva para florir
Penso que cumprir a vida
Seja simplesmente Compreender a marcha E ir tocando em frente
Como um velho boiadeiro
Levando a boiada Eu vou tocando os dias
Pela longa estrada, eu vou Estrada eu sou
Conhecer as manhas
E as manhãs O sabor das massas
E das maçãs
É preciso amor Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir É preciso a chuva para florir
Todo mundo ama um dia,
Todo mundo chora Um dia a gente chega E no outro vai embora
Cada um de nós compõe a sua historia
Cada ser em si Carrega o dom de ser capaz
E ser feliz Conhecer as manhas
E as manhãs
O sabor das massas E das maçãs
É preciso amor
Pra poder pulsar É preciso paz pra poder sorrir É preciso a chuva para florir
Ando devagar
Porque já tive pressa E levo esse sorriso
Porque já chorei demais
Cada um de nós compõe a sua historia Cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz E ser feliz
RESUMO
Esta pesquisa se propôs a identificar, descrever e analisar casos de trajetórias escolares ininterruptas de estudantes da EJA no Ensino Fundamental (1ª a 8ª série). Para tanto, buscou-se responder às seguintes indagações: o que sujeitos jovens, adultos e/ou idosos fazem para superar os obstáculos da vida cotidiana, intra e extraescolares, mantendo-se na escola? Que relação esses/as educandos/as estabelecem/estabeleceram com o saber e com a escola? A problematização decorreu em torno de três conceitos básicos: Sociologia da Vida Cotidiana (CERTEAU, 1994; HELLER, 2004; LEFEBVRE, 1991; PAIS, 2003), Relação com o Saber e com a Escola (CHARLOT, 2005; 2000; 1996) e, por fim, o conceito de Estratégia (BOURDIEU, 2007; 2004). Os dados empíricos deste trabalho foram obtidos por meio de entrevistas semiestruturadas, realizadas com oito educandos egressos da EJA, sendo dois do sexo masculino e seis do feminino, com idade entre 30 e 53 anos. A análise das entrevistas revelou que, para permanecer na escola, os sujeitos tiveram que desenvolver diferentes estratégias, como por exemplo, mudar de horário no trabalho para se adaptar ao tempo da escola; solicitar ajuda de colegas/filhos/as, entre outras. Ainda de acordo com os dados, o retorno e a permanência desses sujeitos nos bancos escolares, por todo o Ensino Fundamental, podem ser justificados por duas razões básicas: o alargamento da possibilidade de galgar um posto de trabalho mais rentável economicamente, bem como a chance de realizar sonhos quase perdidos, como o de fazer um curso superior. Outro fator destacado nas narrativas diz respeito às relações estabelecidas no interior da escola. Para muitos, as experiências vividas em torno da sociabilidade – as amizades, os encontros, a descontração – foram elementos importantes para que permanecessem na escola e, assim, realizassem trajetórias escolares ininterruptas no Ensino Fundamental.
Palavras-chave : trajetórias ininterruptas em/na EJA, camadas populares, estratégias e vida cotidiana.
ABSTRACT
This research aimed to identify, describe and analyze cases of uninterrupted educational trajectories of EJA's students in elementary education (1st to 8th grade). To this end, we sought to answer the following questions: what subjects young people, adults and / or are elderly do to overcome the obstacles of everyday life, intra-and extracurricular, staying in school? What relation these / the students / the set / established with the knowledge and the school? The questioning took place around three basic concepts: Sociology of Everyday Life (CERTEAU, 1994; HELLER, 2004; LEFEBVRE, 1991, PAIS, 2003), Knowledge and Relationship with School (CHARLOT, 2005, 2000, 1996) and finally, the concept of strategy (BOURDIEU, 2007, 2004). The empirical data of this study were obtained through semi-structured interviews conducted with eight students graduating from the EJA, two males and six females, aged between 30 and 53 years. The analysis of interviews revealed that to stay in school, the subjects had to develop different strategies, such as changing work schedules to adapt to school time, ask for help from colleagues / children / as, among others. Also according to the data, the return and retention of these subjects on the school benches throughout elementary school can be justified for two reasons: the extension of the possibility of climbing a job more economically profitable as well as the chance to perform almost lost dreams, like going into higher education. Another factor highlighted in the narrative concerns the relations established within the school. For many around the experiences of sociability - the friendships, the meetings, the relaxation - were important elements to remain in school and thus perform uninterrupted trajectories school in elementary school. Keywords: paths uninterrupted in / on the EJA, popular classes, strategies and daily life
RESUMEN
Esta investigación se propone identificar, describir y analizar casos de trayectorias escolares ininterrumpidas de estudiantes de la EJA en la Enseñanza Fundamental (del 1º al 8º grado). Para ello, se buscó responder a las siguientes preguntas: ¿Qué hacen los sujetos jóvenes, adultos y/o adultos mayores para superar los obstáculos de la vida cotidiana, interna y extraescolar, manteniéndose en la escuela? ¿Qué relación esos/as educandos/as establecen/establecieron con el saber y con la escuela? La problematización se lleva a cabo en torno de tres conceptos básicos: Sociología de la Vida Cotidiana (CERTEAU, 1994; HELLER, 2004; LEFEBVRE, 1991; PAIS, 2003), Relación con el Saber y con la Escuela (CHARLOT, 2005; 2000; 1996) y, por último, el concepto de Estrategia (BOURDIEU, 2007; 2004). Los datos empíricos de este trabajo fueron obtenidos por medio de entrevistas semi estructuradas, realizadas con ocho educandos egresados de la EJA, siendo dos de sexo masculino y seis del sexo femenino, con edades entre 30 y 53 años. El análisis de las entrevistas reveló que, para permanecer en la escuela, los sujetos tuvieron que desarrollar diferentes estrategias, como por ejemplo, cambiar de horario en el trabajo para adaptarse al tiempo de la escuela; solicitar ayuda de compañeros/hijos/as, entre otras. Aunque de acuerdo con los datos, el retorno y la permanencia de estos sujetos en los bancos escolares, sobre todo en la Enseñanza Fundamental, puede ser justificada por dos razones básicas: ampliar la posibilidad de escalar un puesto de trabajo mas rentable económicamente, bien como la oportunidad de realizar sueños casi perdidos, como el de hacer un curso superior. Otro factor destacado en las narrativas se refiere a las relaciones establecidas dentro de la escuela. Para muchos las experiencias vividas en torno de la sociabilidad – las amistades, los encuentros, el relajo – fueron elementos importantes para que permaneciesen en la escuela y, así, realizasen trayectorias escolares ininterrumpidas en la Enseñanza Fundamental.
Palabras claves : Trayectorias ininterrumpidas en/en la EJA, sectores populares, estrategias y vida cotidiana.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CEDEP – Coordenação de Documentação e Estatística Policial
EJA – Educação de Jovens e Adultos
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FMMDE – Fundo Municipal de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino de
Goiânia
FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e
Valorização dos Profissionais da Educação
FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
de Valorização do Magistério
FHC – Fernando Henrique Cardoso
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LDB – Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC – Ministério da Educação e Cultura
MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização
MOVA – Movimento de Alfabetização
OMS – Organização Mundial da Saúde
PNAC – Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
SECAD – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e
Inclusão
SME – Secretaria Municipal de Educação
SUMÁRIO
1 – INTRODUÇÃO .............................................................................................. 16
2 – CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA .................. ..................................... 21
2.1 – O município e o atendimento à EJA ............................................................ 21
2.2 – Procedimentos Metodológicos .................................................................... 25
2.3 – A busca pelos sujeitos ................................................................................ 27
2.4 – Os sujeitos da pesquisa .............................................................................. 29
2.5 – As entrevistas .............................................................................................. 32
3 – CONTEXTUALIZANDO A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS : breve
histórico das políticas públicas nacionais de Educa ção de Jovens e Adultos
.............................................................................................................................. 36
4 – CONCEITOS BÁSICOS: fundamentação teórica ...... ................................. 50
4.1 – A Sociologia da Vida Cotidiana .................................................................. 50
4.2 – A relação com o saber e com a escola ....................................................... 53
4.3 – Estratégias .................................................................................................. 57
5 – ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA ................. ...................................... 60
5.1 – As interfaces da vida cotidiana: os percalços da vida extraescolar
.............................................................................................................................. 60
5.2 – Entre adversidades e esperança: a permanência e a luta pela realização de
sonhos quase perdidos ........................................................................................ 70
5.3 – Trajetórias ininterruptas do estudante da EJA: algumas estratégias .......... 83
6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................... ................................................. 97
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................ ......................................... 103
ANEXOS ............................................................................................................ 113
16
1 – INTRODUÇÃO
Minha inserção na escola, bem como a luta para permanecer nos bancos
escolares se assemelham muito à história de vida da grande maioria dos/as
estudantes que frequenta a educação para pessoas jovens e adultas. Também
sou filho de trabalhador/a rural e nasci na “roça”. Outra característica que me
aproxima do referido grupo é o fato de pertencer a uma família numerosa. Meus
pais tiveram 21 filhos/as, dos quais fui o vigésimo primeiro. Do total, 15 (10
mulheres e cinco homens) encontram-se vivos, sendo que, de todos/as, fui o
único a frequentar uma escola formal. Todavia, meu primeiro contato com a
escola só ocorreu quando eu já tinha 10 anos de vida, não por uma escolha da
minha família, mas por necessidade de acompanhar meu pai que se encontrava
doente. Naquela época saí da “roça” e fui morar em Vera Cruz, distrito de Porto
Seguro, distante 40 km do centro da cidade. As aulas iniciaram em março de
1986, em julho, meu pai faleceu, vítima de câncer no pulmão. Após o falecimento
do meu pai, minha mãe tentou me tirar da escola, no segundo ano de
escolarização, para voltar à antiga moradia, na “roça”, pois, segundo ela, na
condição de único filho homem (com apenas 12 anos de vida), que ainda não
tinha saído de casa (os outros já possuíam família ou tinham saído de casa em
busca de melhores condições de vida), eu tinha a obrigação de retornar com ela
para cuidar das plantações e dos bichos que tinham ficado para trás. Aliás, além
da dificuldade de frequentar a escola, tendo em vista a inexistência de prédios
escolares próximos ao lugar em que morávamos, para a minha família, estudar
não era assim tão importante, desde que me tornasse uma pessoa honesta e
trabalhadora.
Desde o início de minha trajetória escolar tive que aprender a conciliar
estudo e trabalho. No início, minha ocupação se restringia à venda de picolé,
salgados e “geladinho”. Na medida em que o tempo passava, minhas atividades
laborais também mudavam. Aos 13/14 anos já me sentia envergonhado de estar,
nos pontos de ônibus, vendendo o que vendia antes. Desse modo, passei a me
envolver com outros afazeres, como, por exemplo, a limpeza de piaçavas, bem
17
como de plantações de mamão, maracujá, eucalipto, mandioca, entre outros
serviços braçais. Também exerci, por longo período, a função de ajudante de
pedreiro e carpinteiro. Muitas vezes cheguei a dormir nos bancos escolares,
devido ao cansaço do dia inteiro de labuta na roça ou na cidade, sob o sol
escaldante ou chuva fria.
Aos 21 anos de idade, depois de ter interrompido minha trajetória escolar
por um ano, por questões mesmo de sobrevivência, concluí o Ensino Médio
(Magistério) em 1997. No ano seguinte, já estava lecionando nas séries iniciais do
Ensino Fundamental, em uma das escolas da periferia do município de Porto
Seguro. De 1998 a 2003 atuei especificamente nos anos iniciais do Ensino
Fundamental regular e paralelamente exercia a função complementar como
recepcionista de uma rede de hotéis e pousadas, pois somente a docência era
insuficiente para suprir minhas necessidades, que não eram tão pequenas assim,
já que minha mãe, minha irmã (deficiente) e dois sobrinhos/as moravam comigo.
A partir de 2002 comecei a trabalhar exclusivamente na docência e, em 2004, tive
meu primeiro contato com a EJA.
A inquietação por compreender, sociologicamente, algumas questões que
envolvem a temática da Educação de Jovens e Adultos (EJA) teve seu inicio já
nos primeiros contatos com os/as estudantes, há mais de sete anos. Tal
preocupação adveio, sobretudo, da convivência cotidiana com os referidos
sujeitos. No papel de docente e, nos últimos três anos, na função de coordenador,
recorrentemente passava o tempo do intervalo das aulas, cerca de quinze
minutos, a conversar com os/as educandos/as. Muitos/as aproveitavam para
desabafar. Outros/as contavam de suas lutas, de suas angústias, da difícil
decisão de retornar aos estudos, da batalha incansável para superar o cansaço e
frequentar a escola cotidianamente, entre outros. A aproximação com a
problemática que envolve os sujeitos da EJA corroborou com a escolha desse
campo empírico para a realização do trabalho de conclusão de curso da
graduação, intitulado “TRILHAS E ENIGMAS DO COTIDIANO: vivências, conflitos
e representações de pessoas jovens e adultas na escola”.
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No decorrer da pesquisa monográfica, especificamente durante os meses
de observação participante, tive a oportunidade de vivenciar diversas situações do
cotidiano de uma das maiores escolas de EJA do município de Porto Seguro/BA.
Entre tantas, algumas me despertaram bastante atenção, como o uso e a venda
de drogas no interior da escola, bem como a maneira e a frequência com que os
estudantes eram discriminados (nomeados de vândalos, marginais, coitadinhos,
despreparados, etc.) pelos docentes e demais profissionais da instituição escolar.
Pelo que foi possível perceber na referida experiência, a discriminação,
bem como “os conflitos, as brigas e, até mesmo, a presença de armas no interior
da escola” (DA CRUZ, 2007, p. 40), associados a outras questões sociais vividas
fora da instituição, como a violência, o emprego/desemprego, os conflitos
conjugais, o/a filho/a, entre outras, apresentavam-se como fatores que poderiam
contribuir, de forma imperativa, para a interrupção da trajetória escolar realizada
pelos educandos da EJA, sobretudo para os/as estudantes adultos/as que
estavam retornando à escola depois de anos afastados dela.
Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD),
publicados em maio de 2009, reafirmam as minhas impressões acerca da
dificuldade que o/a educando/a da EJA tem para permanecer na escola. Segundo
a pesquisa, entre os estudantes que efetuaram matrículas em 2007 ou em anos
anteriores, apenas 4,3% dos jovens e adultos conseguiram concluir o primeiro
segmento do fundamental (1ª a 4ª série) e 15,1% o segundo segmento (de 5ª a 8ª
série) sem interrupção. Segundo a mesma pesquisa, os principais motivos para a
não conclusão foram:
O horário das aulas não era compatível com o horário de trabalho ou de procurar trabalho (27,9%); o horário das aulas não era compatível com o horário dos afazeres domésticos (13,6%); tinha dificuldade de acompanhar o curso (13,6%); não havia curso próximo à residência (5,5%); não havia curso próximo ao local de trabalho (1,1%); não teve interesse em fazer o curso (15,6%); não conseguiu vaga (0,7%); e outro motivo (22,0%) (PNAD, 2009).
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Nessa configuração, está posto que a interrupção das trajetórias escolares
dos/as educandos/as da EJA encontra-se vinculada, em grande medida, às suas
precárias condições de sobrevivência: pobres, oprimidos/as, excluídos/as,
vulneráveis, negros/as, da periferia e dos campos” (ARROYO 2007). Nesse
sentido, ao contrário do que geralmente costuma-se afirmar, tais sujeitos não são
os responsáveis pelo abandono da escola, a interrupção não se dá apenas
porque tais pessoas não querem estudar. Na realidade, são vítimas da
desigualdade social que acomete esse grupo. De acordo com Cunha (2009), sem
a devida reflexão “o não poder estudar, se transforma, na ótica de quem é
excluído, em não conseguir estudar. O problema se torna pessoal/subjetivo e a
solução para ele é ter força de vontade” (CUNHA, 2009, p. 27).
Ainda sobre o fenômeno da “evasão”, garante Freire (2006, p. 35):
Em primeiro lugar, eu gostaria de recusar o conceito de evasão. As crianças populares brasileiras não se evadem da escola, não a deixam porque querem. As crianças populares brasileiras são expulsas da escola – não, obviamente porque esta ou aquela professora, por uma questão de pura antipatia pessoal, expulse estes ou aqueles alunos ou os reprove. É a estrutura mesmo da sociedade que cria uma série de impasses e de dificuldades, uns em solidariedade com os outros, de que resultam em obstáculos enormes para as crianças populares não só chegarem à escola, mas também, quando chegam, nela ficarem e nela fazerem o percurso a que têm direito
Nesse sentido, fica evidente que as classes populares, de modo específico
o público que frequenta as escolas de EJA, na maioria das vezes não saem da
escola por uma escolha autônoma. Ao longo da história, esse grupo de
educandos/as vem sendo expulso das instituições escolares, em grande
proporção, porque se encontra refém de suas limitadas condições de vida.
Diante da suposição de que há, por parte das pessoas que estudam nas
escolas de EJA, ampla possibilidade de interromper a escolarização, dada as
imposições da vida cotidiana, nesta pesquisa de mestrado buscou-se
compreender, não os que tiveram suas trajetórias escolares interrompidas, mas
20
os que conseguiram permanecer na escola por todo o Ensino Fundamental (da 1ª
à 8ª série), período considerado longo, em se tratando de EJA. Nesse sentido, a
pesquisa se ateve a três questões básicas. Primeiro procurou saber como a rotina
da vida cotidiana extraescolar pode interferir na permanência do sujeito da EJA.
Depois, verificou em que medida as experiências vividas no interior da escola –
na relação com a escola, com os/as professores/as, colegas, funcionários, de
modo geral – podem alimentar o fenômeno da interrupção da escolarização. Por
último, buscou identificar e analisar as possíveis estratégias utilizadas pelos/as
educandos/as da referida modalidade, que conseguiram permanecer na escola
por todo o Ensino Fundamental.
Este trabalho encontra-se organizado em cinco seções, a saber: na
primeira é apresentado um breve histórico das políticas públicas nacionais de
EJA, bem como a configuração da proposta de educação voltada às pessoas
jovens e adultas no município de Porto Seguro/BA. Na segunda, é apresentada a
pesquisa: os procedimentos metodológicos; a caracterização dos sujeitos. Na
terceira, apresentamos os três conceitos básicos que fundamentaram esta
investigação: a Sociologia da Vida Cotidiana; a Relação com o Saber e com a
Escola; Estratégias. Na quarta, abordamos os dados da pesquisa, extraídos das
entrevistas. Por fim, as considerações finais.
21
2 – CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA
A interrupção do processo de escolarização realizado por jovens, adultos
e/ou idosos, ainda hoje, continua sendo uma preocupação da sociedade
brasileira, sobretudo das pessoas que se encontram envolvidas com a referida
modalidade de ensino. Sendo assim, esta pesquisa, intitulada “Trajetórias
ininterruptas de estudantes da EJA: casos pouco prováveis”, teve como objetivo
central identificar e analisar casos de estudantes que realizaram a trajetória no
Ensino Fundamental da EJA (de 1ª a 8ª série), sem interrupção. Desse modo,
esta investigação buscou respostas para as seguintes perguntas: o que esses/as
estudantes fazem para superar os obstáculos da vida cotidiana, intra e
extraescolares, mantendo-se na escola? Dito de outra forma, que tipo de
estratégias as pessoas que estudam na EJA utilizam para vencer as adversidades
da vida cotidiana, mantendo-se na escola? Que relação os referidos sujeitos
estabelecem com a escola e com o saber?
2.1 – O município e o atendimento à EJA
Porto Seguro, terra onde a Esquadra de Cabral desembarcou em 22 de
abril de 1500, está localizado no Extremo Sul da Bahia, distante cerca de 720 km
da capital, Salvador. Segundo o censo 2010, o referido município possui 126.929
habitantes. Dotado de rara beleza, é considerado um verdadeiro paraíso
ecológico. Suas praias, cercadas pela Mata Atlântica, são exuberantes. Na
condição de ter sido o primeiro núcleo habitacional do Brasil, mantém preservado
prédios e peças valiosas do século XVI. Na década de 70, recebeu o título de
Patrimônio Natural da Humanidade. O título concebido pela Organização das
22
Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura – UNESCO – abrange toda a
Costa do Descobrimento1 (FONTANA, 2004).
Mapa da Bahia
Fonte: SME
O município de Porto Seguro é um dos destinos mais visitados do país.
Segundo reportagem publicada na revista Veja, sobre as cidades brasileiras que
mais se destacam no turismo e no comércio, Porto Seguro foi citada como o
terceiro pólo turístico do Brasil, com a terceira maior rede hoteleira do país,
1 É chamada Costa do Descobrimento um trecho de Mata Atlântica que vai do município de Una, litoral Sul da Bahia, até Linhares, no Norte do Espírito Santo. Nessa área, que é o mais novo Sítio do Patrimônio Mundial Natural brasileiro, encontram-se Reservas Biológicas, Reservas Particulares do Patrimônio Natural e os Parques Nacionais do Pau Brasil, do Monte Pascoal e do Descobrimento.
23
ficando atrás apenas das do Rio de Janeiro e Salvador. Atualmente, Porto Seguro
tem cerca de 37 mil leitos em hotéis/pousadas.
Contudo, vale lembrar, o referido município, no início da década de 80, não
passava de uma aldeia de pescadores. Em 1991, de acordo com dados do IBGE,
moravam em Porto Seguro pouco mais de 34 mil habitantes. Em 1995 já
passavam dos 60 mil. No início dos anos 2000, a população já beirava os 100 mil.
O crescimento da população, vivido de forma desordenada, acarretou ao
município problemas de ordens ambientais e sociais, como, por exemplo, o
desmatamento da Mata Atlântica, o aumento da pobreza e da violência, entre
outros. O processo de migração se deu devido ao fato de algumas lideranças
políticas, por interesses eleitoreiros, terem espalhado aos quatro cantos da região
que em Porto Seguro havia terrenos e emprego para todos. Além de tentadora, a
notícia se espalhou em meio à maior crise vivida pela região cacaueira2. Nos fins
da década de 80 a vassoura-de-bruxa quase dizimou a cultura do cacau da
Região Sul da Bahia. Fator que, inevitavelmente, impulsionou o processo
migratório vivido no citado município. Em 10 anos ocorreu uma explosão
demográfica pouco vista no país (FONTANA, 2004).
Crescimento Demográfico do município de Porto Segur o/BA 3
Os novos moradores tornaram-se também os novos estudantes da EJA,
tendo em vista que a grande maioria dos que vieram para Porto Seguro, devido
2 A "vassoura-de-bruxa", a mais destrutiva doença do cacaueiro, contribuiu fortemente com a
derrocada da cacauicultura e da economia regional a partir de 1989, provocando grandes impactos econômicos e sociais negativos para a região Sul da Bahia. – Disponível em http://www.hjobrasil.com/ordem.asp?secao=1&categoria=132&subcategoria=611&id=3706
3 Esses dados encontram-se disponíveis no site do IBGE.
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ao fato de terem nascido e crescido nas fazendas de cacau, locais em que as
oportunidades de estudar se colocavam de forma muito restrita, possuía pouca
e/ou nenhuma escolaridade. Ao chegar à nova cidade, percebeu que as
oportunidades de trabalho no comércio, no turismo e até na construção civil exigia
dos/as interessados algum tipo de escolarização. Em 2001, ao ser implantada a
EJA no município, a procura pela escola foi imediata, mesmo não havendo
campanha de matrícula. No ano seguinte, em 2002, quase cinco mil pessoas
realizaram matrícula nas escolas de EJA.
O município, ao implantar a EJA, em 2001, por meio da resolução de nº 14,
do Conselho Municipal de Educação, pouco se preocupou com as condições em
que seriam realizadas as aulas, tampouco houve preocupação com a qualidade
do atendimento dos referidos sujeitos, no que diz respeito à formação do docente
que atuaria/atua com a demanda. No mais das vezes, priorizou-se apenas a
disponibilidade de espaços físicos, bem como a contratação de pessoas que
pudessem receber o referido grupo. Dez anos após a sua implantação, percebe-
se que muito pouco tem sido feito para que o professor/a de EJA possa ter
acesso a um processo sistematizado de formação continuada. Segundo dados do
Departamento de Recursos Humanos da Secretaria Municipal de Educação, dos
1.131 professores/as efetivos da rede municipal, apenas 58% possuem formação
superior. De acordo com o Departamento de Educação de Jovens e Adultos da
SME, dos 135 docentes que atuam na EJA, no primeiro e no segundo segmentos,
ou seja, que lecionam da 1ª a 8ª série, 59% são graduados. No entanto, entre os
docentes não há especialista em EJA e/ou em Educação Popular. Nem a
Coordenadora do Departamento de EJA do município possui tal formação.
É válido lembrar que entre os anos de 2005 e 2008 o Departamento de
Coordenação de EJA da Secretaria Municipal de Educação realizou alguns
encontros de formação para os professores que atuavam na EJA. As discussões
foram realizadas em encontros que ocorriam uma vez por ano, durante não mais
do que uma semana. Apesar da grande mobilização por parte dos profissionais,
no sentido de participar dos eventos e, sobretudo, sem negar a importância de se
vivenciar os processos de formação docente, as discussões realizadas tratavam
25
da educação, no mais das vezes, de forma generalizada, com pouco
aprofundamento no que diz respeito às especificidades do referido público.
O fato é que o município não conseguiu construir, nesses dez anos, uma
proposta pedagógica para a EJA, no sentido de reconhecer a diversidade inerente
à referida demanda. Tal realidade tende a potencializar, entre os profissionais que
atuam na educação de jovens e adultos, a repetição das mesmas práticas
desenvolvidas com crianças e adolescente do ensino regular.
2.2 – Procedimentos Metodológicos
Tendo em vista a natureza do objeto da pesquisa, nesta investigação,
utilizou-se, enquanto procedimento metodológico, instrumento de investigação
adotado pela abordagem da pesquisa qualitativa. Segundo Bogdan e Biklin
(1994), a pesquisa qualitativa envolve a obtenção de dados descritivos obtidos no
contato direto do pesquisador com a situação estudada. Enfatiza mais o processo
do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes. Esse
tipo de pesquisa, segundo Minayo (1994), responde a questões muitos
particulares e trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das
aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes. Bogdan e Biklin (1994)
salientam ainda que a pesquisa qualitativa “exige que o mundo seja examinado
com a idéia de que nada é trivial, que tudo tem potencial para construir uma pista
que nos permita estabelecer uma compreensão esclarecedora do nosso objeto de
estudo” (BOGDAN e BIKLIN, 1994, p. 49).
A entrevista semiestruturada foi o único instrumento na coleta de dados da
pesquisa. De acordo com Ludke & André (1986), ela permite a captação imediata
e corrente da informação. De acordo com as autoras, uma entrevista bem feita
pode permitir o aprofundamento da investigação, bem como atingir informantes
que não poderiam ser atingidos por outros meios de investigação. A entrevista
como instrumento é capaz de coletar dados descritivos na linguagem do próprio
26
sujeito e pode permitir ao investigador o desenvolvimento intuitivo de ideias sobre
a maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo (BOGDAN e BIKLEN,
1994).
Sabe-se que a entrevista tem sido um dos recursos muito utilizados pelos
pesquisadores das Ciências Sociais, mas, quanto a esse tipo de instrumento,
Bourdieu (1997, p.695) faz uma interessante observação. Ele chama a atenção
acerca da violência simbólica que pode ser promovida por esse tipo de
instrumento, sobretudo no que diz respeito à “dissimetria social, já que o
pesquisador sempre ocupa uma posição superior ao do pesquisado, na hierarquia
das diferentes espécies de capital, especialmente o capital cultural”. Segundo ele,
é preciso que o pesquisador instaure uma relação de escuta ativa e metódica, no
sentido de tornar a relação entre pesquisador e pesquisado menos distante e
submissa por parte do entrevistado.
A pesquisa de campo foi iniciada em janeiro de 2010. No primeiro momento
buscou-se identificar, junto à coordenação da EJA do município de Porto
Seguro/BA, as escolas que oferecem ou ofereceram, a partir de 20014, educação
para pessoas jovens e adultas. De acordo com as informações, havia, em 2010,
39 escolas atendendo o público de EJA.
De posse dessas informações gerais, optou-se por identificar entre as 39
instituições, quantas atendiam/atenderam estudantes nos dois segmentos, ou
seja, da 1ª a 8ª série, entre o período de 2001 a 2009. Ao final da consulta,
constatou-se que 8 escolas realizam/realizaram tal atendimento.
Após a identificação das escolas, as mesmas foram visitadas, com o objetivo de
identificar os estudantes que haviam passado por elas, sem interromper suas
trajetórias escolares durante o Ensino Fundamental. Tal identificação era
considerada, a princípio, fácil, já que as informações, supunha-se, poderiam ser
tranquilamente encontradas em atas de resultados finais ou em diários de classe,
documentos comuns nas instituições escolares. No entanto, apesar das escolas
4 Ano em que ocorreu a regulamentação da EJA pelo Conselho Municipal de Educação de Porto Seguro.
27
terem os referidos documentos, o fato deles não estarem arquivados ano a ano,
demandaria um tempo muito maior do que o inicialmente planejado.
Diante desse fato, o de que na escola as atas e/ou diários de classe não
estavam devidamente organizados, cogitou-se outra alternativa: buscar, junto à
Secretaria Municipal de Educação (SME), as informações desejadas. A investida
trouxe à tona a informação de que na SME havia um departamento específico
para o arquivamento de atas e diários de classe de todas as escolas municipais.
Ao visitar o referido departamento, percebeu-se que, ao contrário das escolas, os
documentos encontravam-se devidamente organizados, o que viabilizou o
processo de investigação. Assim, passou-se a freqüentar tal ambiente duas
vezes por semana, durante todo o mês de fevereiro de 2010. No final foram
identificados apenas 19 estudantes que, entre 2001 e 2009, realizaram trajetórias
ininterruptas na EJA, durante o Ensino Fundamental.
Identificadas as 19 trajetórias ininterruptas, o passo seguinte foi, mais uma
vez, retornar a cada uma das escolas onde essas pessoas haviam estudado.
Nessa oportunidade, a visita foi para identificar o endereço de cada uma delas.
Para tanto, descobriu-se que os endereços, de modo geral, não tinham sido
atualizados anualmente, no ato da renovação da matrícula. Em outros termos,
essa constatação, nesse momento, constituía-se um grande problema: boa parte
das pessoas já não morava mais no endereço informado no ato da matrícula. Das
19, inicialmente identificadas, foi possível fazer contato com apenas 10
estudantes, das quais, 8 pessoas concordaram em participar da pesquisa.
2.3 – A busca pelos sujeitos
O município de Porto Seguro/BA possui 126.9295 habitantes, segundo
dados do IBGE 2010. Desses, aproximadamente, 50% moram num aglomerado
denominado complexo Frei Calixto ou, como é conhecido popularmente,
5 Dados do IBGE 2010. Acesso: www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php?codmun=292530#
28
complexo Baianão. O referido aglomerado é formado por quatro bairros: Frei
Calixto, Paraguai, Parque Ecológico e Vila Vitória. Além de ser a região de maior
concentração de pessoas no município, é também a mais pobre, a que mais
intensamente convive com a negligência do poder público. Ainda pertence à
referida região o maior índice de violência urbana do município6, consequência,
principalmente, do tráfico de drogas.
Sabe-se que os estudantes da EJA, em sua maioria, são pessoas oriundas
das classes populares (PAIVA, 1987), as quais, em grande proporção, residem
em áreas pobres das grandes e das pequenas cidades. Situação que se confirma
nesta pesquisa, tendo em vista que, das dezenove pessoas que possuíam
trajetórias ininterruptas no Ensino Fundamental – EJA –, 15 delas
moravam/moram na maior região periférica do município de Porto Seguro/BA, ou
seja, no complexo Baianão.
Após a identificação dos endereços dos possíveis sujeitos da investigação,
a tarefa seguinte foi a de localizar cada uma das residências, para que as
referidas pessoas pudessem, caso aceitassem o convite, participar da pesquisa.
Durante as buscas não foi descartada, por se tratar de uma região dominada pelo
tráfico de drogas, a possibilidade de me confundirem com algum rival do grupo
que domina a “área”, principalmente com os constantes assassinatos que tem
ocorrido, consequência de acertos de contas e/ou brigas entre rivais. Apesar do
receio, todos os endereços foram visitados e, em boa parte deles, houve retorno,
já que algumas residências encontravam-se fechadas. Nessas idas e vindas,
certo dia, abordei uma pessoa conhecida, em busca de maiores informações
sobre um possível sujeito. Durante a abordagem, cheguei à conclusão de que as
visitas estavam sendo vigiadas, pois ao iniciar o diálogo com o conhecido,
surpreendentemente, várias pessoas, todas do sexo masculino, jovens
6 De acordo com os dados da Coordenação de Documentação e Estatística Policial (CEDEP), no primeiro semestre de 2010 houve, no município de Porto Seguro, 61 homicídios e 23 tentativas de homicídios. Segundo o Jornal Bahia Dia a Dia, nos primeiros sete meses de 2011, ocorreram no referido município, 79 homicídios. Disponível em: http://www.bahiadiadia.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1721:homicidometro-79-pessoas-ja-foram-assassinadas-em-porto-seguro-este-ano&catid=61:destaque-geral. É válido destacar que a OMS (Organização Mundial de Saúde), considera epidêmicas taxas acima de 10 homicídios para cada 100 mil ao ano.
29
aparentemente entre 16 e 20 anos, se aproximaram, na tentativa de ouvir o
conteúdo da conversa. O fato se deu, acredito, por ter visitado o mesmo endereço
seguidas vezes. Ao sair da incômoda situação, cheguei à conclusão do quão
arriscado estava sendo a busca pelas referidas pessoas.
O perigo tornava-se ainda maior, devido à utilização da moto como meio de
transporte, já que tem sido muito comum, não só em Porto Seguro, motoqueiros
executarem pessoas envolvidas com a criminalidade. Passado o episódio,
cheguei à conclusão de que seria mais prudente, sempre que possível, as buscas
serem realizadas na companhia de algum morador/a da rua e/ou da “área”, como
se diz popularmente.
Devido aos referidos incidentes, infelizmente, pela iminência do perigo, a
busca por alguns possíveis sujeitos da pesquisa teve que ser descartada, tendo
em vista a dificuldade de encontrá-los/as em suas residências. Situação que,
inevitavelmente, obrigaria o retorno ao mesmo endereço diversas vezes, o que
poderia provocar uma trágica reação por parte do pessoal da chamada “boca” e,
assim, ocorrer o pior.
Inicialmente acreditei que o fato de ser morador do bairro, há mais de 15
anos, e de ter lecionado para muitos alunos/as envolvidos/as no submundo do
tráfico, tornaria menos arriscadas as buscas por esses sujeitos. No entanto, foi
entendido, a tempo, que se tratava de um equívoco. Nessa medida, além de
solicitar a companhia, sempre que possível, de algum/a morador/a da rua ou da
região, passei, por medida de “segurança”, a retirar o capacete, pois o referido
equipamento, a despeito de proteger em caso de acidentes, camufla a identidade
de quem está pilotando uma moto, o que tornariam ainda mais arriscadas as
referidas buscas.
2.4 – Os sujeitos da pesquisa
30
Todos os oito entrevistados7, por questões éticas, tiveram seus nomes
preservados. Nesse sentido, cada entrevistado/a escolheu o próprio nome fictício.
A escolha se deu a partir do seguinte critério: cada um dos sujeitos substituiu seu
nome por outro que ele/ela, por razões pessoais, gostasse muito. Assim
nasceram Ana, Bárbara, Dezinho, Gisele, Isabela, Matheus, Meire e Priscila.
As linhas que seguem apresentam uma breve descrição de cada uma das
pessoas que se dispuseram a contribuir com esta investigação.
Ana tem 33 anos de vida. É natural do Salto da Divisa, Minas Gerais. Sua
família de nascimento é composta por nove irmãos. É casada há mais de 15
anos, mãe de três filhos. Está cursando a 1ª série do Ensino Médio. Atualmente
encontra-se desempregada, mas exerce a função de doméstica.
Bárbara é uma moça de 30 anos de idade. É deficiente físico, anda com
cadeira de rodas. Nasceu na cidade baiana de Vitória da Conquista. Não possui
profissão. Ela faz parte da Associação dos Deficientes Físicos do bairro onde
mora. Não é casada, também não tem filhos. Sua família de origem é formada por
12 irmãos. Está cursando a primeira série do Ensino Médio.
Dezinho é um senhor de 50 anos de vida. É casado e pai de três filhos.
Nasceu na cidade de Canavieiras/BA. Atualmente exerce a função de motorista
em uma das empresas de ônibus de transporte coletivo que atua no município de
Porto Seguro. Sua família de origem é formada por três irmãos. Encontra-se
cursando a segunda série do Ensino Médio.
Gisele tem 31 anos de idade. É casada e mãe de dois filhos. Nasceu na
cidade baiana de Camamu. Ainda não atuou no mercado de trabalho, optou por
cuidar da casa e dos filhos. Dos dois filhos que tem, um é portador de
necessidades especiais. Nasceu numa família composta por seis irmãos. Está
cursando a segunda série do Ensino Médio.
7 Inicialmente foi feito contato com dez pessoas, das quais, duas se mostraram resistentes e fizeram a opção de não contribuir com a pesquisa.
31
Isabela é uma jovem senhora de 47 anos. É casada e mãe de cinco filhos.
Nasceu na cidade de Camacã/BA. Enquanto profissional, exerce a função de
doméstica. Sua família de nascimento é composta por 14 irmãos. Atualmente não
está estudando, pois não teve com quem deixar a neta que mora com ela.
Matheus é um senhor de 53 anos de vida. Atua no mercado de trabalho
com a profissão de mecânico de automóvel. É casado e pai de quatro filhas.
Nasceu na cidade de Salvador/BA. Diferentemente dos/as demais
entrevistados/as, Matheus é filho único e está cursando a primeira série do Ensino
Médio.
Meire é uma jovem de 32 anos de idade, a única entre os/as
entrevistados/as a ter nascido/a em Porto Seguro. É casada e mãe de quatro
filhos/as. Sua família de nascimento é formada por seis irmãos. Profissionalmente
depende do turismo. Segundo ela, durante a alta temporada (janeiro e fevereiro; a
primeira quinzena de julho e a segunda de outubro) costuma trabalhar exercendo
a função de camareira ou garçonete em hotéis, pousadas e/ou restaurantes.
Priscila tem 38 anos de vida. É casada e mãe de três filhos. Nasceu na
cidade baiana de Camacã. Atua profissionalmente como cozinheira de
restaurante. Sua família de origem é formada por oito irmãos. Atualmente está
cursando a segunda série do Ensino Médio.
Tabela 1 – Caracterização do sujeito
Sujeito Idade Profissão Nº de filhos/as Nº de irmão s
Ana 33 anos Doméstica 3 9
Bárbara 30 anos Estudante ___________ 12
Dezinho 50 anos Motorista 3 3
Gisele 31 anos Dona de casa 2 6
Isabela 38 anos Doméstica 5 14
32
Matheus 53 anos Mecânico 4 Filho único
Meire 32 anos Camareira 4 6
Priscila 38 anos Cozinheira 3 8
Todos os sujeitos desta investigação, apesar de retomarem seus estudos
nas séries iniciais (1ª e 2ª) do Ensino Fundamental da EJA, frequentaram a escola
na idade “dita adequada”, ou seja, na infância. Mas, como a maioria dos que
frequenta a modalidade de ensino destinada às pessoas jovens e adultas, tiveram
que interromper seus estudos, dentre outras razões, para lutar por sua
sobrevivência e/ou de sua família, devido à condição de excluído que os referidos
entrevistados viveram/vivem socialmente8.
Nota-se que o perfil dos sujeitos que deram voz a este trabalho é comum
ao que outras pesquisas têm apresentado. Em geral são pessoas oriundas de
famílias grandes e profissionais não qualificados.
2.5 – As entrevistas
Após o contato inicial com os sujeitos, foi apresentada a proposta de
pesquisa. De imediato, todos/as com quem conversei aceitaram contribuir com a
investigação. A partir dessa constatação, por telefone, ou pessoalmente, foi sendo
agendado o encontro. Cada entrevista foi marcada de acordo com a
disponibilidade de cada um/uma. Das oito entrevistas, cinco foram realizadas nas
8 Os homens, mulheres, jovens, adultos ou idosos que buscam a escola pertencem todos a uma mesma classe social: são pessoas com baixo poder aquisitivo, que consomem, de modo geral, apenas o básico à sua sobrevivência: aluguel, água, luz, alimentação, remédios para os filhos (quando os têm). O lazer fica por conta dos encontros com as famílias ou dos festejos e eventos das comunidades das quais participam, ligados, muitas vezes, às igrejas ou associações. A televisão é apontada como principal fonte de lazer e informação. Quase sempre seus pais têm ou tiveram uma escolaridade inferior à sua. (MEC, 2006, p. 15)
33
residências dos/as entrevistados/as. Dezinho (50 anos), Isabela (47 anos) e Meire
(32 anos), preferiram que o encontro acontecesse em outro espaço, e não em
suas casas.
Dezinho, percebi, estava um tanto quanto desconfiado. O primeiro contato
que fizemos foi por telefone. Sugeri que ele me desse seu endereço para que
pudéssemos conversar no dia e hora marcados. Mas ele recusou e preferiu que
eu fosse encontrar-me com ele na escola na qual estuda/estudava. Nesse
encontro agendamos a entrevista. Ainda desconfiado, e de forma bastante
imperativa, pediu para que o local da entrevista fosse a minha residência. Assim
ocorreu. Numa tarde de domingo, ele, ainda com a farda da empresa na qual
trabalha/trabalhava, apareceu para uma conversa de mais ou menos 50 minutos.
Só concedeu a entrevista depois de ter feito muitas indagações a meu respeito, e
sobre a finalidade da pesquisa.
O encontro com Meire também foi difícil. Segundo sua vizinha, minha
colega de profissão, seu esposo é uma pessoa muito ciumenta, e ela, Meire, tinha
medo de me receber em sua casa, ao passo que também tinha receio de que o
marido não aprovasse o fato dela ter se encontrado com um homem,
independentemente do local. Por essa razão, a entrevista foi agendada na casa
da minha colega, professora, numa quarta-feira, no finalzinho da tarde. Durante a
entrevista, percebi que ela estava um tanto quanto apreensiva, ansiosa, quem
sabe, sobretudo com quem se aproximava da casa na qual estávamos. Sua
narrativa foi presenciada por dois dos seus/suas quatro filhos/as.
Isabela, também por receio da reação do esposo, preferiu que nos
encontrássemos em sua antiga escola. Aproveitamos um feriado para a
realização da entrevista. Como a escola estava vazia, ficamos à vontade, na sala
dos/as professores/as. A única companhia que tivemos foi a sua netinha, de mais
ou menos cinco anos de idade, que ela cria.
De modo geral, as entrevistas ocorrerem de forma tranquila. Os
depoimentos de Bárbara (30 anos), Gisele (31 anos) e Ana (33 anos) foram
presenciados por pessoas da família. Bárbara mora com a mãe, irmãos/irmãs e
34
sobrinhos/as, numa pequena casa de quatro cômodos. No dia do encontro se
faziam presentes a mãe e três sobrinhos/as. Para que a entrevista fosse iniciada,
foi preciso, antes, negociar com as crianças a altura do volume da televisão.
Resolvido o impasse, deu-se início a entrevista. Enquanto Bárbara dava seu
depoimento, sua mãe ouvia tudo atentamente, em alguns momentos chegou a
ajudar a filha a descrever sua trajetória. No caso de Gisele, o pai e a irmã
estavam presentes, mas apenas assistiram a entrevista.
Caso curioso foi o que ocorreu no encontro com a entrevistada Ana. A
entrevista foi presenciada por sua mãe e uma irmã. Inicialmente tive a impressão
de que o encontro teria que ser remarcado. A mãe da entrevistada se recusava a
diminuir o volume da TV. Segundo argumentou, ela não abria mão de assistir ao
Vídeo Show (programa global). Sem muitas alternativas, já que a casa possuía
poucos cômodos, sugeri que a entrevista fosse realizada na cozinha, mas Ana se
recusou, alegando que o referido espaço estava muito bagunçado. Enquanto isso
sua mãe continuava irredutível: nem permitia que o volume fosse diminuído,
tampouco que desligasse a TV. Para resolver o impasse, foi preciso que a irmã da
entrevistada falasse mais sério com a mãe. Após a intervenção, foi possível
realizar a entrevista. As duas, a mãe e a irmã de Ana, assistiram a entrevista, sem
fazer qualquer intervenção e/ou contribuição. A postura da referida senhora foi, na
realidade, uma forma de demonstrar que ela não reconhecia a legitimidade da
pesquisa. Aliás, que direito teria tal pesquisador, uma pessoa estranha, de
atrapalhar a rotina daquela casa.
De todas as entrevistas, apenas a de Matheus (53 anos) precisou ser
remarcada. Inicialmente, foi agendada por telefone. Combinamos dia e hora para
nos encontrarmos: um sábado, às 13h. Exatamente às 13h ele chegou ao local
combinado. No entanto, havia surgido um imprevisto, uma cliente havia solicitado
seus serviços para aquela tarde. Diante da situação, a entrevista ficou para o dia
seguinte, um domingo, em sua residência, às 14h.
Vale destacar que algumas entrevistas tiveram que ser retomadas em
outros momentos, devido ao fato de algumas questões não terem sido
esclarecidas de forma satisfatória. Tal situação ocorreu com Bárbara (30 anos),
35
Matheus (53 anos) e Gisele (31 anos). O novo encontro, assim como o primeiro,
foi agendado a partir da disponibilidade de cada um/a.
36
3 – CONTEXTUALIZANDO A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS :
breve histórico das políticas públicas de Educação de Jovens e Adultos no
Brasil
Esta seção apresenta, no primeiro momento, um breve histórico das
políticas desenvolvidas no campo da Educação de pessoas Jovens e Adultas,
desde a década de 40, período em que as manifestações em prol da educação
das pessoas que não tiveram acesso à escola e/ou não conseguiram permanecer
nos bancos escolares se intensificaram. Na segunda parte, discorre sobre a
configuração da EJA no município de Porto Seguro, interior da Bahia.
O reconhecimento do direito das pessoas jovens e adultas à educação
representou, no campo do direito subjetivo, a concretização de um sonho,
alimentado durante anos em debates e reivindicações promovidas pelos
movimentos sociais ao longo de quase cinco décadas. Para Sérgio Haddad,
A EJA é uma conquista da sociedade brasileira. O seu reconhecimento como um direito humano veio se dando de maneira gradativa ao longo do século passado, atingindo sua plenitude na Constituição de 1988, quando o poder público reconhece a demanda da sociedade brasileira em dar aos jovens e adultos que não tinham realizado sua escolaridade o mesmo direito que os alunos dos cursos regulares que freqüentam a escola em idades próprias ou levemente defasadas (HADDAD, 2007, p.8).
Todavia, é importante destacar que a luta pelo reconhecimento desse
direito, aliás, direito humano, teve seu início na década de 30, quando finalmente
começa a se consolidar um sistema de educação pública no país. Segundo Paiva
(1987, p. 164), “somente a partir da revolução de 30 encontraremos no país
movimentos de educação de adultos de alguma significância”. Mas foi nos anos
40, sobretudo após o fim da Segunda Guerra Mundial, momento em que mais da
metade da população brasileira ainda era analfabeta, que a mobilização social em
37
prol da educação de adultos começou a ganhar destaque. Segundo Di Pierro
(2005, p. 1118), “ao final dos anos 40 do século passado foram implementadas as
primeiras políticas públicas nacionais de educação escolar para adultos, que
disseminaram pelo território brasileiro campanhas de alfabetização”. Dentre as
diversas iniciativas, sobressaem os movimentos de educação e cultura popular do
início da década de 1960, sob a influência de Paulo Freire (DI PIERRO, 2008).
O entusiasmo advindo da proposta freireana de alfabetização teve sua
ascensão interrompida com o golpe militar de 1964. O novo regime interrompeu
todos os programas de alfabetização e educação popular que haviam se
multiplicado no período entre 1961 e 1964, com o argumento de que os referidos
programas representavam uma grave ameaça à nova ordem recém instituída:
Com o golpe militar de 1964, instala-se no país uma onda de terror. Educadores comprometidos com uma educação voltada para as camadas populares - uma educação conscientizadora - são fortemente perseguidos, cassados e exilados. As lideranças comunitárias são desarticuladas, as universidades sofrem intervenções militares, os estudantes são reprimidos [...] (VALE, 2001, p. 32).
Durante os 20 anos de regime ditatorial, a educação voltada às pessoas
jovens e adultas cumpriu papel pouco significativo, no tocante à formação
humana, já que, ao contrário das campanhas da década de 60, os projetos de
alfabetização de adultos tinham como eixo norteador a formação de mão-de-obra
para atender as demandas do mercado de trabalho, reflexo do desenvolvimento
econômico que atravessava o país (DI PIERRO, 2008). Nesse cenário, em se
tratando de programas oficiais destinados às pessoas jovens e adultas, o
MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização, criado em 1967 – foi o que
teve “maior impacto, nos anos de 1970 até meados dos anos de 1980” (FÁVERO,
2009, p. 75)
Em meados da década de 80, mais precisamente a partir de 1985,
momento em que os civis conseguem, finalmente, assumir o poder, inicia-se uma
38
nova era, a da redemocratização das relações sociais e das instituições políticas
brasileiras, promovendo, dessa forma, um alargamento do campo dos direitos
sociais. Nesse contexto, devido às críticas e ao esvaziamento de vários de seus
programas, o MOBRAL foi extinto, e em seu lugar um novo programa foi
implementado, a Fundação Educar (FÁVERO, 2009). O novo programa de
governo, da “Nova República”, garantia novas diretrizes, modos de operar
reformulados, diferentemente do que vinha ocorrendo sob a orientação MOBRAL.
Dito de outra forma, o governo assegurava que a partir daquele momento “o
Estado brasileiro reassumia a responsabilidade com a educação de adultos”
(FÁVERO, 2009, p. 78).
Nesse contexto, o número dos movimentos sociais no país ampliou
consideravelmente. “A revitalização dessas práticas influenciou, sem dúvida, os
trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte” (FÁVERO, 2009), bem como, a
promulgação da Constituição Federal, em 1988, materializando, dessa forma, o
reconhecimento social dos direitos das pessoas jovens e adultas à educação
fundamental, com a responsabilização do Estado por sua oferta pública, gratuita e
universal. Nesse sentido, de acordo com a Constituição Federal de 1988, em seu
Art. 208, a educação seria efetivada mediante a garantia de: “I – ensino
fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para
todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; [...] VI – oferta de ensino
noturno regular, adequado às condições do educando”.
Apesar do reconhecimento do direito das pessoas jovens e adultas à
educação representar uma valiosa conquista, os fatos históricos posteriores ao da
votação da nova Constituição nem de longe refletem o que ficou estabelecido na
Carta Magna do país (HADDAD, 2007). Segundo a Constituição Federal de 1988,
em seu Artigo 60, que trata das Disposições Gerais e Transitórias, o Governo
Federal e toda a sociedade civil se encarregariam de juntar esforços para
erradicar o analfabetismo no país em 10 anos. Todavia, ao contrário do que se
esperava, o Governo Collor extinguiu, no início dos anos 90, a Fundação Educar,
principal responsável pela coordenação do referido compromisso (MACHADO,
1998). Ao extinguir a referida fundação, o presidente Fernando Collor de Melo
39
lançou o PNAC – Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania –, que
prometia reduzir, em cinco anos, 70% do número de analfabetos do país.
O lançamento do PNAC provocou a criação de uma nova comissão, a qual
estava composta por diversas organizações e personalidades, figuras conhecidas
no campo da alfabetização. Mas em vez da diminuição do número de analfabetos
no país, constatou-se irregularidades, como a de que os recursos estavam sendo
liberados a instituições que não possuíam nenhum vínculo com o processo ao
qual o PNAC estava direcionado. As denúncias desencadearam diversas
renúncias por parte dos integrantes da referida comissão. A consequência de todo
esse processo foi a extinção do PNAC, em pouco mais de um ano.
A educação de jovens e adultos, com a reforma educacional ocorrida na
segunda metade dos anos 90, continuou a ocupar lugar marginal entre as
modalidades de educação fundamental do Brasil. No que diz respeito à reforma
educacional, os principais indicadores que sinalizam a intencionalidade e
implementação de mudanças são a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de
1996 (BRASIL, 1996); as ações do Ministério da Educação que tomam por objeto
as mudanças curriculares e a organização geral da escola, tais como os
Parâmetros Curriculares Nacionais e o Sistema de Avaliação da Educação
Básica; as Diretrizes Curriculares Nacionais propostas pelo Conselho Nacional de
Educação; as políticas de financiamento, tais como a criação do Fundo Nacional
de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e, mais recentemente, o Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica, dentre outras (SILVA & ABREU,
2008).
Diante do modelo econômico adotado no país, a reforma foi “implementada
sob o condicionamento das prescrições neoliberais de reforma do Estado e
restrição ao gasto público, e orientada pelas diretrizes de desconcentração,
focalização e redefinição das atribuições dos setores público e privado” (DI
PIERRO, 2005, p. 1123).
Nesse sentido, garantem Haddad e Di Pierro (2000, p. 119)
40
A história da educação de jovens e adultos do período da redemocratização, entretanto, é marcada pela contradição entre a afirmação no plano jurídico do direito formal da população jovem e adulta à educação básica, de um lado, e sua negação pelas políticas públicas concretas, de outro.
Prevaleceu, nesse caso, o antagonismo entre o que está previsto na Carta
Magna do país e as políticas públicas adotadas pelos governos posteriores à
promulgação da Constituição Federal. Como exemplo, a Emenda Constitucional
nº 14/1996, criada para substituir o artigo 60 da Constituição Federal de 1988, que
trata das disposições transitórias. No referido artigo estava firmado o
compromisso com a erradicação do analfabetismo em dez anos (FONSECA,
2005). A citada emenda também foi responsável pela criação do FUNDEF –
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério, através do qual o governo Fernando Henrique Cardoso
estabeleceu, de forma muito clara, que a modalidade de educação destinada às
pessoas jovens e adultas teria, nos próximos 10 anos, irrisórios investimentos.
Além da citada emenda, outro fato que merece ser destacado diz respeito à forma
como foi a aprovação da nova LDB 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Segundo Sérgio Haddad,
A LDB deixou de contemplar algo que é fundamental para a EJA: uma atitude ativa por parte do poder público e na criação de condições para que o aluno possa freqüentar a escola. Nesse sentido foram deixados de lado vários aspectos, como por exemplo: escolas próximas do trabalho e da residência; criação de condições próprias para a recepção de teleducação em empresas com mais de 100 funcionários; apoios de programas de alimentação, saúde, material escolar e transportes, implementação de formas e modalidades diversas que contemplem os estudantes das diferentes regiões; [...] incentivo à ação do Estado para a escolarização dos funcionários públicos (HADDAD, 2007, p. 9).
Como destaca o autor, as políticas adotadas pelo governo FHC limitaram a
implementação e, sobretudo, a universalização da oferta de uma proposta de
educação com qualidade, amplamente defendida pelos movimentos sociais da
41
década de 80. A Emenda 14/1996, além de suprimir o compromisso da
sociedade e do governo com a erradicação do analfabetismo no Brasil, impediu
que o cômputo das matrículas registradas no Ensino Fundamental presencial de
educação de pessoas jovens, adultas e/ou idosas fosse usado para efeito de
cálculo do fundo, ou seja, as matriculas realizadas na EJA, diferentemente do
ensino regular, não garantiam repasse do FUNDEF aos governos locais, assim, o
governo focalizou os investimentos públicos no ensino de crianças e adolescentes
e, desse modo, desestimulou o setor público de expandir o Ensino Fundamental
para pessoas jovens, adultas e/ou idosas (HADDAD, 2007; DI PIERRO E
HADDAD, 2000).
Ao priorizar os investimentos no Ensino Fundamental de crianças e
adolescentes de 7 a 14 anos, o governo se defendia argumentando que esse
seria, na realidade, uma forma de prevenção do analfabetismo. Para o governo, a
“educação básica de pessoas jovens e adultas oferece uma relação custo-
benefício menos favorável do que a do ensino de crianças e adolescentes” (DI
PIERRO, 2005, p. 1123).
A Emenda 14/96, bem como a própria LDB 9394/96, refletem claramente o
modelo de governo adotado pelo Presidente da República daquele momento
histórico. Noutros termos, “a reforma educacional iniciada a partir de 1995 pelo
governo Fernando Henrique Cardoso foi implementada sob o imperativo de
restrição do gasto público, na lógica da estabilização econômica nos moldes das
reformas neoliberais” (HADDAD, 2007, p. 9).
Nesse novo contexto, o Estado se encolhe e, ao mesmo tempo, repassa
sua obrigação, a de garantir a oferta de vagas nas escolas públicas à demanda
de EJA, aos estados e municípios:
[...] as demandas e necessidades educativas de jovens e adultos, quando consideradas, foram abordadas como políticas marginais, de caráter emergencial e transitório, subsidiárias a programas de alívio da pobreza. Embora perspectivas distintas possam ter se desenvolvido em alguns estados e municípios, essa foi a tônica das iniciativas do governo
42
durante a gestão 1996 – 2002, que desenhou programas como Alfabetização Solidária, Recomeço e de Educação na Reforma Agrária (DI PIERRO, 2005, p. 1123 – 1124).
Com a limitação provocada pela Emenda 14/96, a qual transferia a
responsabilidade da oferta de EJA aos governos locais, algumas iniciativas foram
surgindo no país. O MOVA – Movimento de Alfabetização –, lançado pela
prefeitura de São Paulo, na gestão de Luiza Erundina, tendo Paulo Freire como
secretário de educação, é um dos casos que, devido ao sucesso alcançado,
tornou-se referência no país. Além da experiência ocorrida em São Paulo, outras
cidades como Porto Alegre, Belo Horizonte, entre outras, também desenvolveram
projetos, de âmbito municipal, que buscaram realizar o atendimento do público de
EJA. Todavia, é importante ressaltar que nem sempre tais experiências
conseguiam atingir todo o território municipal (FÁVERO, 2009).
A experiência desenvolvida no município de Goiânia é outra que vale a
pena ser citada. O referido município criou, através da Lei nº 8.075 de 2001, e
regulamentou, por meio do Decreto nº 285, um Fundo denominado FMMDE –
Fundo Municipal de Manutenção de Desenvolvimento do Ensino de Goiânia. No
FMMDE, no tocante às matrículas de EJA, ficou estabelecido o reconhecimento
do estudante jovem e adulto na escola, ou seja, o documento garantiu às escolas
de EJA o financiamento que o FUNDEF negou e, desse modo, o acesso desse
público à escola (MACHADO, 1998).
Nota-se que, mesmo diante das dificuldades impostas, no mais das vezes,
pelos governos que procederam a Promulgação da Constituição Federal, “em
nenhum momento houve por parte das pessoas que buscam a garantia da
Educação Básica de qualidade, um sentimento de que tudo estaria perdido”
(MACHADO, 1998, p. 15). O caso da experiência de Goiânia ilustra bem a
questão. As referidas ações envolveram profissionais que atuam/atuavam e
pesquisam/pesquisavam nesta área, acompanhados de alguns setores oficiais de
ensino, principalmente secretarias municipais, e ainda, de grupos e movimentos
que assumem na EJA uma opção de militância (MACHADO, 1998).
43
O breve histórico das políticas voltadas para o atendimento das pessoas
jovens adultas e/ou idosas é, na realidade, uma tentativa de apresentar ao leitor
desavisado o quanto desafiador foi e ainda continua sendo assegurar um direito
constitucional, e acima de tudo humano, das referidas pessoas à educação.
Diante do exposto, faz-se importante destacar que, após a década de estagnação
que foi os anos 90, não é possível negar o avanço proporcionado pela gestão do
então Presidente do Brasil o senhor Luiz Inácio Lula da Silva – Lula – (FÁVERO,
2009; HADDAD, 2007; DI PIERRO, 2005 e 2010). O referido governo, iniciado em
2003, trouxe um avanço significativo para o campo da EJA. Diferentemente da
gestão anterior, a do Fernando Henrique Cardoso, 1996 a 2002, a gestão do
governo Lula elevou a alfabetização de pessoas jovens e adultas ao rol de
prioridades governamentais (DI PIERRO, 2005).
Mesmo tendo a clareza de que o “percurso não tenha sido linear e que a
EJA continue a ocupar lugar secundário nas prioridades do governo é possível
reconhecer (...) sua inclusão na política de financiamento”, como por exemplo, “a
aprovação do FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e Valorização dos Profissionais da Educação – e os programas de
assistência aos estudantes, como alimentação, transporte escolar e livro didático”
(DI PIERRO, 2010, p. 29).
Nesse sentido, garante Haddad:
O governo do presidente Lula (2003) trouxe para dentro do MEC – (Ministério da Educação) a responsabilidade pela EJA, por meio da SECAD (Secretaria Nacional de Educação Continuada), transferindo o atendimento desta oferta para o campo da responsabilidade pública e procurando garantir o sentido educacional dessa modalidade de ensino, tirando o caráter assistencial que mantinha anteriormente (HADDAD, 2007, p. 12)
O FUNDEB, Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, que ao contrário do
FUNDEF, disponibiliza recursos também para a EJA, ainda não conseguiu
44
modificar, efetivamente, as práticas desenvolvidas na educação de jovens e
adultos, por isso fica a certeza de que a luta por uma educação de qualidade,
orientada por uma proposta que contemple a diversidade, característica inerente à
demanda que compõe o público da EJA, possa ser contemplada nos projetos
pedagógicos das escolas.
Como já foi explicitado anteriormente, aos governos municipais, após a
reforma educacional ocorrida na segunda metade da década de 90, coube a
responsabilidade de oferecer educação às pessoas jovens e adultas. Nessa
direção, diferentemente dos municípios de São Paulo, Goiânia, entre outros, que
contavam com movimentos sociais organizados, fóruns de debates, etc., na
região de Porto Seguro não havia/há, ainda, mobilização de grande expressão
que lutasse/lute pelo direito constitucional das pessoas que não tiveram acesso à
escola. Assim, por essa e também por outras razões, a garantia da oferta de
educação a essa demanda constitui um processo recente na história da Educação
do citado município, tendo em vista que a regulamentação da EJA pelo Conselho
Municipal de Educação só ocorreu em outubro de 2001, através da Resolução de
nº 14.
Ao regulamentar a EJA, o município optou pelo modelo de curso
presencial. O projeto proposto estava organizado em disciplinas e etapas9.
Especificamente, no caso de Porto Seguro, as etapas são quatro: a primeira
corresponde às 1ª/2ª séries; a segunda, às 3ª/4ª séries; a terceira às 5ª/6ª séries
e, por fim, a quarta às 7ª/8ª séries. Atualmente, o curso de educação de jovens e
adultos, no que tange as duas últimas etapas, ou seja, de 5ª à 8ª série, está
composto por seis disciplinas e não cinco. A Resolução do Conselho Municipal de
Educação, nº 19/2007, modificou a Matriz Curricular, ao inserir a disciplina Inglês.
Segundo os dados de relatórios realizados pelo Departamento de
Educação de Jovens e Adultos da Secretaria de Educação e Cultura, entre 2005 e
2008 o município de Porto Seguro possuía, dentre as 105, 44 escolas que
ofertavam educação na modalidade de educação de jovens e adultos. No entanto,
9 O Ensino Fundamental de EJA está dividido em dois segmentos: da alfabetização a 4ª série, o primeiro. Da 5ª a 8ª série, o segundo.
45
dados mais recentes, de 2010, apontam redução do número de oferta, isto é, as
informações dão conta de que no município há 39 escolas atendendo pessoas
jovens e adultas matriculadas no Ensino Fundamental, tanto no primeiro, como no
segundo segmento. Dessas, seis estão situadas na zona rural do município,
sendo que apenas três, das 39, oferecem vagas no turno diurno e oito ofertam
aulas nos dois segmentos, ou seja, da 1ª a 8ª série.
Como dito anteriormente, o público da EJA passou a ser atendido a partir
de 2001. A procura junto à oferta pela escolarização começou timidamente, mas
aos poucos o número de matrículas ampliou-se de forma significativa, como
demonstra o quadro abaixo10.
Número de matrícula na EJA, do município de Porto S eguro/BA
Fonte: IBGE
A implantação da EJA no município se deu a partir da implementação emergencial
do Programa Recomeço11 - Supletivo de Qualidade, lançado pelo Fundo Nacional
10 Esses dados podem ser obtidos no site do INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, através do endereço eletrônico
11 Disponível no endereço: http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=406
46
de Desenvolvimento da Educação (FNDE/MEC), destinado ao atendimento de
jovens acima de 15 anos, no ensino fundamental. O referido programa, instituído
pelo Ministério da Educação (MEC) em fevereiro de 2001, tinha como objetivo
incentivar os jovens com mais de 15 anos e adultos que não tiveram acesso à
escola ou foram excluídos precocemente da Educação Fundamental a voltarem a
estudar. O Recomeço consiste no repasse de verbas para atender todos os
estados do Norte e Nordeste totalizando 14 estados e também mais 389
municípios de microrregiões com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano)
inferior a 0,5%, segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano (PNUD- 1998).
Como cálculo, tomou-se a multiplicação do valor de R$ 230,00 aluno/ano pelo
total de matrículas novas nos cursos presenciais com avaliação no processo, a
partir do Censo Escolar realizado no ano anterior. A aplicação do dinheiro era feita
na contratação temporária e remuneração de pessoal docente, na formação
continuada de professores em efetivo exercício, que atuavam nas classes
presenciais desta modalidade de ensino. Além disso, podiam ser empregados na
aquisição e reprodução de materiais didáticos e pedagógicos e ainda em um
programa suplementar de alimentação destinado a esses alunos.
Em 2001, ano da implantação da EJA em Porto Seguro, enquanto política
pública permanente, o Ensino Fundamental regular atendeu 25.072 estudantes, já
o segmento voltado à Educação de Jovens e Adultos, 362 educandos. Com a
oferta de vagas, a procura por matrícula cresceu consideravelmente, saltando de
pouco mais de 300 para quase 5.000 em 2002. No ano seguinte, 2003, a procura
pela escola permaneceu crescendo, e quase 6.000 estudantes realizaram
matrículas.
A partir do ano de 2004, o Programa Recomeço foi substituído pelo
Programa Fazendo Escola12. De característica semelhante, o novo programa,
também de apoio financeiro a estados e municípios, tinha por objetivo a expansão
12 O Programa Fazendo Escola atende a 3.397 municípios das 27 unidades da Federação. Disponível no site: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=6675 Conheça o programa
O Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino para Atendimento à Educação de Jovens e Adultos - Fazendo Escola, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, é destinado ao atendimento educacional dos alunos matriculados nessa modalidade de ensino, com qualidade e aproveitamento.
47
do atendimento escolar a pessoas jovens e adultas que não haviam completado o
Ensino Fundamental, uma tentativa de diminuir o analfabetismo e a baixa
escolaridade entre a população mais pobre do país. No ano anteriormente
mencionado, o município de Porto Seguro atendeu a 6.841 pessoas.
Em 2005, a mobilização pela procura da matrícula mantém a regularidade
no que diz respeito ao crescimento, visto que, no referido ano, quase 7.000
pessoas procuraram a escola. Número equivalente a 25% do total de matrículas
realizadas no Ensino Fundamental no município de Porto Seguro. No ano
seguinte, em 2006, 6.449 pessoas procuraram a escola para realizar matrículas.
Pela primeira vez, desde 2001, há uma ligeira queda no número de matrícula,
comparada aos anos anteriores.
Em 2007, já com a aprovação do FUNDEB, que diferentemente do
FUNDEF, acolhe não só o Ensino Fundamental Regular, mas também o
segmento de educação voltado às pessoas jovens e adultas e Educação Infantil,
o número de pessoas que procurou a escola, mais uma vez voltou a regredir.
Nessa ocasião, apenas 5.991 realizaram matricula. Em 2008, a tendência de
queda pela procura da escola se mantém. No referido ano, o atendimento foi
realizado a 5.356. A redução da procura por matrícula na EJA é reafirmada em
2009, já que apenas 4.955 pessoas realizaram matrículas nas escolas.
A redução do número de matrícula pode ter algumas explicações. A
primeira diz respeito ao fato de existir no município a oferta de escolarização ao
público de EJA por quase uma década. Acredita-se que, com a oferta de
escolarização e a procura desse grupo pela escola, a tendência seja a diminuição
da demanda, tendo em vista a inserção dos que concluem o Ensino Fundamental
no Ensino Médio. A segunda pela inexistência de campanhas que incentivem e/ou
facilitem a matrícula das pessoas pouco e/ou não escolarizadas no sistema de
ensino do município.
O departamento responsável pela coordenação de EJA no município ainda
possui poucas informações a respeito da referida modalidade. Foi possível
perceber que não havia/há arquivo, tampouco banco de dados sobre a história
48
recente da educação de jovens e adultos. Por essa razão, para a realização desta
pesquisa, não foi possível obter dados sobre a interrupção das trajetórias
escolares dos/as estudantes da EJA, desde a sua implementação, em 2001. As
informações obtidas tratam, especificamente, dos anos de 2008 e 2009.
Segundo o Departamento de Escrituração da Secretaria Municipal de
Educação e Cultura de Porto Seguro13, 57% das pessoas que efetuaram
matrícula (da 1ª a 8ª série) em 2008, tiveram suas trajetórias interrompidas.
Dessas, 49% abandonaram a escola, e 8% não conseguiram ser promovida a
série seguinte. Em 2009 o percentual é mais assustador ainda. A taxa
equivalente à quantidade de pessoas que tiveram suas trajetórias interrompidas
chegou aos 67%. Dessas, 60% abandonaram os estudos, e 7% não conseguiram
ser promovidas de série.
Ao analisar os dados14 sobre a interrupção por segmento, nota-se que, em
2008, o percentual correspondente às trajetórias interrompidas entre os/as
educandos/as matriculados/as de 1ª à 4ª série, ou seja, no primeiro segmento, foi
de 59%, sendo 47% de abandono e 12% de reprovação. No mesmo segmento, no
ano de 2009, a taxa subiu para 68%, sendo 60% referente ao abandono e 8% à
reprovação. Quanto ao segundo segmento, a taxa de interrupção dos/as
estudantes matriculados/as de 5ª a 8ª série, os percentuais se aproximam muito,
pois no referido grupo, em 2008, a interrupção alcançou os 57%, dos quais 51%
dizem respeito aos/às que abandonaram a escola e 6%, aos/ás que não
conseguiram ser aprovados/as de série. Em 2009, 56% dos/as estudantes que
efetuaram matrículas tiveram a trajetória escolar interrompida. Desses, 49%
dizem respeito ao abandono, e 7% aos que foram reprovados/as de série. Nesse
sentido, reafirma-se o que apresentaram os dados da PNAD (2009), isto é, que a
interrupção da trajetória escolar se apresenta de forma mais acentuada no
13 Os dados foram extraídos das atas disponibilizadas pelas escolas de EJA do município de Porto
Seguro/BA. 14 Dados fornecidos pelo Departamento de Escrituração da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Porto Seguro/BA.
49
primeiro segmento, ou seja, entre os educandos que realizam matrículas de 1ª à
4ª série.
A interrupção da trajetória, no mais das vezes, ocorre devido às precárias
condições em que vivem os educandos populares que frequentam as escolas de
EJA. O exposto acima, nos dizeres de Reis (2009), reafirma a especificidade
inerente ao público da EJA, já que “as trajetórias desses educandos, sobretudo a
dos adultos, são marcadas por diversas saídas da escola e reentradas na escola,
conforme a necessidade do trabalho e da família lhes impõe”. (REIS, 2009, p.
110).
50
4 – CONCEITOS BÁSICOS: fundamentação teórica
Este capítulo apresenta os três conceitos teóricos básicos que
fundamentam esta investigação. Nesse sentido e, sobretudo, por compreender
que o sujeito jovem, adulto e/ou idoso é um ator social ativo, por isso, vive
cotidianamente a complexidade da sociedade na qual se encontra inserido,
aborda-se inicialmente O CONCEITO DA SOCIOLOGIA DA VIDA COTIDIANA.
Posteriormente, discorre-se sobre O CONCEITO DE RELAÇÃO COM O SABER
E COM A ESCOLA, pois parte-se do pressuposto de que o/a estudante da EJA
que vence as barreiras da vida cotidiana, intra e extraescolares, e permanece na
escola, só o faz por possuir, com o saber e com a escola, uma relação mais
prazerosa. Por fim, aborda-se O CONCEITO DE ESTRATÉGIA, por entender que,
além de manter uma relação com a escola e com o saber diferenciado, o referido
sujeito precisa desenvolver estratégias, caso queira superar as adversidades
cotidianas e sobreviver nos bancos escolares.
4.1 – A Sociologia da Vida Cotidiana
As pessoas que frequentam o segmento de educação voltado aos jovens e
adultos, antes de serem estudantes da EJA, são atores sociais que,
cotidianamente, ajudam a construir – social e culturalmente – a sociedade na qual
se encontram inseridos. Paradoxalmente, as referidas pessoas são vítimas de
discriminação social da mesma sociedade, tendo em vista a supervalorização
dada ao sujeito alfabetizado, em detrimento do não ou do pouco alfabetizado
(ARAÚJO, 2007; BARBOSA, 2005; MARANHÃO, 1998).
A vida cotidiana é a vida de todo homem/mulher e suas relações humanas,
diz Heller (2004). Segundo a mesma autora, as ações do cotidiano estão
presentes na família, na escola e em todos os espaços da vida humana. No
51
entanto, vale destacar que a vida cotidiana, até pouco tempo atrás, não
despertava interesse de teóricos e pesquisadores, o que a fez, durante muito
tempo, ser retratada apenas por meio de obras literárias, pinturas, artes e outros.
Para muitos, segundo Pais (2003), a sociologia da vida cotidiana não apresentava
o que a comunidade científica definia como fator básico para uma ciência, ou
seja, faltavam-lhe os procedimentos, as convenções de investigação operatória,
isto é, faltava definir o objeto de estudo, um campo de saber. Por essa razão,
Silva (2007) garante que só a partir do século XX os estudos acerca da vida
cotidiana foram ganhando espaço entre os estudiosos, principalmente das
ciências sociais.
Apesar de não ter como campo de investigação um único objeto, a
sociologia da vida cotidiana tornou-se uma corrente como tantas outras correntes
sociológicas. Sobre a referida área do conhecimento têm se debruçado diversos
pesquisadores, na busca de melhor compreender esse universo tão diverso,
complexo e ao mesmo tempo fascinante.
Para Lefebvre (1991, p. 39),
A vida cotidiana se define como lugar social. Um lugar desdenhado e decisivo, que aparece sob um duplo aspecto: é o resíduo (de todas as atividades determinadas a parcelares que podemos considerar e abstrair da prática social), é o produto do conjunto social. Lugar de equilíbrio e também o lugar em que se manifestam os desequilíbrios ameaçadores. Quando as pessoas, numa sociedade assim analisada, não podem mais continuar a viver sua cotidianidade, então começa sua revolução. Só então, enquanto puderem viver o cotidiano, as antigas relações se constituem.
A vida cotidiana assegura Heller (2004, p. 17), “todos a vivem, sem
nenhuma exceção, qualquer que seja seu posto na divisão do trabalho intelectual
e físico”. A vida cotidiana, em grande medida, é heterogênea sob vários aspectos
– sublinha a autora – sobretudo no que diz respeito ao conteúdo e à significação
ou importância de nossos tipos de atividades, a saber: organização do trabalho,
da vida privada, do lazer, do descanso, da atividade social, dentre outros. De
52
acordo com a mesma autora, a vida cotidiana não é somente heterogenia, ela é
igualmente hierárquica. Todavia, diferentemente das circunstâncias da
heterogeneidade, a forma concreta da hierarquia não é eterna e imutável, se
modifica de modo específico, em função das diferentes formas que as estruturas
econômico-sociais se apresentam em determinado momento histórico (HELLER,
2004).
Para Pais (2003, p. 28), “o quotidiano é o que se passa todos os dias”.
Insiste o autor, que o cotidiano seria o que no dia-a-dia se passa quando nada se
parece passar. Só interrogando a modalidade através da qual se passa o
quotidiano, nos damos conta de que é nos aspectos pouco importantes da vida
social, no “nada de novo” do quotidiano, que encontramos condições e
possibilidades de resistência que alimentam seu próprio rompimento.
Para o público que frequenta a EJA, principalmente para as pessoas que
buscaram/retornaram à escola depois de adultas, romper com o “nada de novo”,
com a “rotina” da vida cotidiana constitui uma tomada de decisão das mais
complexas, na medida em que a sociedade, implícita e/ou explicitamente, tem
instituída a “idade ideal” para se vivenciar o processo de escolarização. Por essa
razão, entre outras, não raras vezes tais sujeitos deixam de estudar porque se
sentem envergonhados/as por terem ultrapassado a idade considerada
adequada.
Pais (2003) alerta que “não podemos isolar a vida cotidiana da realidade
social de que fazemos parte, ela é reveladora por excelência de determinados
processos do funcionamento e da transformação da sociedade e dos conflitos que
a atravessam” (PAIS, 2003, p. 72)
Segundo o mesmo autor, no cotidiano experimentam-se tensões, conflitos,
posições ideológicas, mudanças, crises, que a sociologia geral e as diversas
sociologias parciais tomam ordinariamente como seus objetos. Assevera, ainda,
que há maneiras diferentes de encarar a realidade da vida cotidiana, pois
podemos buscar rotas distintas.
53
Nada escapa à vida cotidiana, diz Certeau (1994). Para ele o cotidiano é
aquilo que nos é dado cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos pressiona dia
após dia, nos oprime, pois a existência é uma opressão do presente. Todo dia,
pela manhã, aquilo que assumimos, ao despertar, é o peso da vida, a dificuldade
de viver nesta ou noutra condição, com esta fadiga e com desejo. Ademais, o
autor diz que “o cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do
interior. É uma história a meio caminho de nós mesmos, quase em retirada, às
vezes, velada” (CERTEAU, 1994, p. 31).
No cotidiano importantes decisões são tomadas. Nesse sentido, ao
vivenciá-lo, sujeitos jovens, adultos e/ou idosos que retornaram à escola precisam
articular suas rotinas da vida diária – trabalho, filho/a, esposo/a –, à nova
empreitada, a de ser estudante a certa altura da vida. Para tanto,
necessariamente, precisam superar barreiras, como as que a Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios apontou. Os dados da PNAD (2009) sinalizam, por
exemplo, que 43% das pessoas que buscaram a escola em 2007 ou em anos
anteriores não concluíram nenhum segmento do curso de Educação de Jovens e
Adultos a que frequentaram. Os motivos para a não conclusão do curso,
apontados pela maioria das pessoas, estão diretamente ligados à rotina da vida
cotidiana, como por exemplo, o horário das aulas, que não era compatível com o
horário de trabalho ou de procurar trabalho (27,9%), ou então não era compatível
com o horário dos afazeres domésticos (13,6%), entre outros.
Nota-se que os dados acima destacados (PNAD 2009) apenas reforçam o
que é presenciado cotidianamente nas escolas de EJA. Noutros termos, a
pesquisa reafirma o quanto a “rotina” da vida cotidiana, sobretudo a lida com as
questões da própria sobrevivência e/ou de familiares, tende a minimizar as
chances das referidas pessoas de permanecerem na escola.
4.2 – A Relação com o Saber e com a Escola
54
Ao longo da história da educação, a maioria das políticas públicas do Brasil
destinadas à educação de pessoas jovens e adultas surgiu na tentativa de
atender, emergencialmente, as demandas do mercado de trabalho, ou seja, as
propostas de educação ofertada a essa demanda priorizavam a mecanização, o
adestramento, a habilidade necessária à ocupação dos postos oferecidos no
mercado de trabalho, em detrimento da formação humana. Nessa perspectiva, o
resultado foi a implantação da precariedade e a ineficiência das instituições
escolares, no que diz respeito ao atendimento direcionado a essa demanda.
A Educação de Jovens e Adultos, vale ressaltar, é consequência de uma
relação desigual de acesso e permanência ao sistema de ensino no Brasil, a qual
dispensa a uma boa parcela dos nossos jovens e crianças, condições
inadequadas para o pleno desenvolvimento educativo, ainda na infância, devido à
necessidade que essas pessoas têm de trabalhar para contribuir com o sustento
familiar, fato que, inevitavelmente, concorre com o tempo escolar (CUNHA, 2009).
Ao retornar à escola depois da idade considerada adequada, os sujeitos
jovens, adultos e idosos precisam, cotidianamente, vencer as adversidades que a
vida lhes impõe. Muitos não conseguem superar tais obstáculos, haja vista que
quase 50% dos estudantes que realizaram matrículas na EJA, em 2007 ou anos
anteriores, de acordo com a PNAD (2009), abandonaram a escola. Nesse sentido,
acredita-se que os sujeitos que conseguem permanecer na escola, dentre outras
razões, o faz porque possui uma relação diferenciada com o saber e com a
escola.
Segundo o pesquisador Bernard Charlot (2005), a relação com o saber é a
relação do sujeito consigo mesmo. Na medida em que se relaciona com o outro,
com o mundo, esse sujeito constrói história e experiência. Interpreta essa história
e essa experiência. Dá sentido (consciente ou inconscientemente) ao mundo, aos
outros e a si mesmo. Isso ocorre, porque tal indivíduo é um ator ativo no meio em
que vive, isto é, “esse sujeito exerce atividades no mundo e sobre o mundo,
persegue objetivos nele e realiza ações nele” (CHARLOT, 2005, p. 41).
55
De acordo com Charlot (2005, p. 36), a expressão “relação com o saber”
não é nova. Ela surge nos anos 60 e 70. Ainda segundo o autor, essa discussão
“apareceu, assim, pela primeira vez, com os psicanalistas Lacan (1966) e depois
Aulagnier (1967) e pela segunda vez com Bourdieu e Passeron, sociólogos da
educação de inspiração crítica (anos 70)”.
Analisar a relação com o saber, segundo Charlot (2005, p. 41), “é buscar
compreender como um sujeito apreende o mundo e, com isso, como se constrói e
transforma a si próprio”. Segundo o autor, “não há relação com o saber senão a
de um desejo” (2000, p. 81). Esse desejo é desejo do outro, desejo do mundo ou
desejo de si próprio. Todavia, o desejo de aprender (ou de saber), necessita
consideravelmente de aspiração, a qual não existirá se o objeto da aprendizagem
não tiver significado para o aprendiz. Diz o autor:
Para que o aluno se aproprie do saber, para que construa competências cognitivas, é preciso que estude, que se engaje em uma atividade intelectual, e que se mobilize intelectualmente. Mas, para que ele se mobilize, é preciso que a situação de aprendizagem tenha sentido para ele, que possa produzir prazer, responder a um desejo (CHARLOT, 2000, P. 54).
O significado da aprendizagem, na análise da relação com o saber,
constitui-se um elemento indispensável. Para o autor, só é possível estudar se a
escola e o fato de aprender fizerem sentido; ao contrário, provavelmente, tal
experiência o/a conduzirá ao insucesso escolar. Nessa perspectiva, em se
tratando de pessoas jovens e adultas, caso a proposta desenvolvida pela
instituição escolar não apresente sentido para sua vida pessoal e/ou profissional,
a tendência é que tais estudantes interrompam suas trajetórias escolares.
Até meu cartão eu tinha que pedir para um colega preencher, hoje não. Pego meu cartão faço tudo, ponho a data, o número do carro, tudo certinho. Isso só está acontecendo porque estou estudando. Hoje já sei me expressar, antes não, tinha muita vergonha (DEZINHO, 50 ANOS).
56
“A questão do sentido deve, portanto, preceder a da competência (que
sentido o fato de ir a escola tem para a criança, jovem, adulto e/ou idoso?) e
permanecer presente durante a aquisição de competências (o que significa
“aprender”, estudar)”. A questão é: que sentido tem para o estudante o fato de ir à
escola, o que o incita a estudar? (CHARLOT, 1996, p. 49)
A relação com o saber é relação com o outro e com o mundo. Embora o
mundo esteja aí, por assim dizer, pronto, ele só tem significado através do que o
homem/mulher percebe, pensa, deseja e sente desse mundo. Dito de outra forma,
o homem/mulher só tem um mundo porque tem acesso ao universo dos
significados, ao “simbólico” e nesse universo simbólico é que se estabelecem as
relações entre o sujeito e os outros, entre o sujeito e ele mesmo (CHARLOT,
2000).
Do mesmo modo que a relação com o saber implica, necessariamente,
uma relação com o outro, com o mundo e consigo mesmo, para Charlot (1996, p.
49), “a relação com a escola não é apenas relação com uma instituição abstrata,
mas também relação com um estabelecimento, com uma classe, com os
professores, enfim, com todos os que na escola vivem cotidianamente”. Nessa
direção afirmam Streck; Redin e Zitkoski (2008, p. 68), “a instituição escolar é
muito mais do que tijolo que forma a parede, indiferente, frio, só”. O importante na
escola, salientam os autores, “não é só estudar, não é só trabalhar. É também
criar laços de amizade, é criar ambiente de camaradagem, é conviver, é se
‘amarrar nela’! Numa escola assim vai ser fácil estudar, trabalhar, crescer, fazer
amigos, educar-se, ser feliz”.
Nessa perspectiva, defende-se que a relação do sujeito com a escola
seja, na realidade, o encontro do mesmo com os/as outros/as que,
cotidianamente, estarão ocupando os mesmos espaços, criando laços de
amizades, promovendo novas experiências e potencializando saberes, numa
espécie de comunhão. Para Freire (1992), tal relação deve ser alicerçada no que
há de mais sublime no ser humano, ou seja, o amor e a confiança, na qual o
diálogo nunca está aprontado, é sempre um caminho por onde os homens e as
57
mulheres tomam consciência de si em relação com os outros e com o mundo,
tanto da natureza, como da cultura.
4.3 – Estratégia: uma forma de permanecer na escola
Nota-se que estratégia é uma das preocupações muito presentes,
sobretudo no mundo empresarial. À primeira vista, parece tratar-se de um
conceito estabilizado, de sentido consensual e único. No entanto, segundo
Nicolau (2001), as definições do conceito de estratégia são quase tão numerosas
quanto os autores que a elas se referem. De acordo com Bourdieu (2004, p.81),
Lévi-Strauss “entende estratégia como sinônimo de escolha, escolha consciente e
individual, guiada pelo cálculo racional ou por motivações éticas e afetivas”.
Contrariamente ao que pensava Lévi-Strauss, o sociólogo francês Pierre
Bourdieu (2004) afirma que estratégias são tomadas de posição apreendidas e
realizadas inconscientemente pelo agente que se encontra em disputa no campo
social. Noutros termos, as estratégias são resultados de experiências vividas
socialmente. Incorporadas pelos sujeitos, tais experiências criariam um sistema
de disposições, o habitus, que produziria estratégias que se ajustariam às
diversas situações em que os sujeitos estivessem envolvidos. Os indivíduos,
nesse caso, não atuariam mecanicamente e nem calculariam racionalmente suas
ações, mas agiriam pelo senso prático do jogo.
Na perspectiva da teoria de Bourdieu (2007), especificamente, o habitus
seria um conjunto de disposições ou esquemas transponíveis e duráveis,
consequência da história de vida do sujeito, relacionada a uma condição de
existência, que se constitui na infância e, apesar de sofrer alterações durante a
vida, grande parte do que foi internalizado no ambiente social, sobretudo familiar,
ficaria guardado por longa data. Desse modo, o conceito de estratégia constitui o
sentido prático que advém da capacidade de participação no jogo de que o
agente participa, nos diferentes campos sociais. Afirma, ainda, o autor:
58
O habitus como sentido do jogo é jogo social incorporado, transformado em natureza. Nada é simultaneamente mais livre e mais coagido do que a ação do bom jogador. Ele fica naturalmente no lugar em que a bola vai cair, como se a bola o comandasse, mas, desse modo, ele comanda a bola (BOURDIEU, 2004, p. 82)
Para Bourdieu (2004), “o habitus como social inscrito no corpo, no indivíduo
biológico, permite produzir infinidade de atos de jogo que estão inscritos no jogo
em estado de possibilidade e de exigências objetivas”. Em outros termos, a
experiência vivida desde a infância, incorporada, torna o sujeito capaz (ou
incapaz) de construir “naturalmente” estratégias que se fizerem necessárias às
necessidades de sobrevivência. Ademais, diz Bourdieu: “o bom jogador [...] faz a
todo instante o que deve ser feito, o que o jogo demanda e exige. Isso supõe uma
invenção permanente, indispensável para se adaptar às situações
indefinidamente variadas, nunca perfeitamente idênticas” (BOURDIEU, 2004, p.
81).
Assim, ao tomar o conceito de habitus como ponto de reflexão nesta
discussão, é preciso destacar que os sujeitos que frequentam as escolas de EJA
são, em geral, filhos/as de trabalhadores rurais não qualificados e com baixo nível
de instrução escolar – muito frequentemente analfabetos – (OLIVEIRA 1999, p.
59), ou seja, trata-se de pessoas que ao longo de suas trajetórias de vida, a
princípio, estiveram distante da cultura escolar, o que torna, acredita-se, ainda
mais difícil a apropriação das regras do jogo jogado na escola. Nessa direção,
garante Oliveira (1999, p. 62):
Na verdade, os altos índices de evasão e repetência nos programas de educação de jovens e adultos indicam falta de sintonia entre essa escola e os alunos que dela se servem, embora não possamos desconsiderar, a esse respeito, fatores de ordem socioeconômica que acabam por impedir que os alunos se dediquem plenamente a seu projeto pessoal de envolvimento nesses programas.
Desse modo, pressupõe-se, construir trajetórias ininterruptas na Educação
de Jovens e Adultos requer dos/as referidos/as estudantes a apropriação de
59
diversificadas estratégias, tanto no que diz respeito à busca pela superação das
dificuldades intraescolares, já que as “escolas de EJA funcionam com base em
regras específicas e com uma linguagem particular que deve ser conhecida por
aqueles que nela estão envolvidos” (OLIVEIRA, 1999, p. 62), como extraescolar,
tendo em vista as adversidades impostas pela vida cotidiana.
60
5 – ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
Neste capítulo, que apresenta a análise das entrevistas, os dados estarão
dispostos em três seções. A primeira aborda os percalços da vida extraescolar e
suas implicações acerca da permanência do estudante da EJA na escola. A
segunda traz à cena as adversidades proporcionadas pelas experiências vividas
pelos sujeitos da pesquisa, dentro do espaço escolar. Por fim, a terceira seção, a
qual apresenta as ações desenvolvidas pelos entrevistados durante a trajetória no
Ensino Fundamental, enquanto recurso de sobrevivência nos bancos escolares.
5.1 – As interfaces da vida cotidiana: os percalços da vida extraescolar.
Inicialmente partiu-se do pressuposto de que a “rotina cotidiana”, o que se
passa quando nada parece passar (PAIS, 2003), maximiza a probabilidade do/a
estudante da EJA interromper sua trajetória escolar. Desse modo, neste capítulo
serão analisadas situações vividas no ambiente fora da escola, as quais, em
grande proporção, trazem implicações na vida dentro dela, a ponto de inibir as
trajetórias escolares ininterruptas. Nesse sentido, essa seção apontará as
adversidades que os sujeitos desta investigação tiveram que contornar, para
permanecer nos bancos escolares. Dentre as dificuldades, encontram-se os
problemas relacionados à família (brigas conjugais), dificuldade em conciliar o
horário de trabalho com o da escola, bem como a de ser estudante/cadeirante da
escola noturna de EJA.
As escolas de EJA do município de Porto Seguro/BA atendem jovens,
adultos e idosos. Em geral, são pessoas que exercem no mercado de trabalho
algum tipo de ocupação, seja ela formal ou informal. No citado município, a
61
indústria que mais gera trabalho é a do turismo15. A maioria dos educandos/as da
EJA desenvolve atividades ligadas a esse setor. Há, naturalmente, pessoas que
atuam em outras áreas, como na construção civil e no comércio.
Por ser o turismo a base da geração de trabalho para os/as educandos/as
da EJA, torna-se importante destacar que dos doze meses do ano, em cerca de
três, a cidade tem o que por aqui é chamada de alta temporada, ou seja, durante
aproximadamente noventa dias (janeiro e fevereiro; a segunda quinzena de julho
e a primeira de outubro) a cidade recebe milhares de turistas, vindos das mais
distintas regiões do país, principalmente do Sudeste, e do mundo. Nesse período,
os/as estudantes aproveitam para ganhar dinheiro, tanto em atividades formais,
como informais.
Durante os dias em que a cidade fica repleta de turistas, como por
exemplo, na primeira quinzena do mês de outubro, muitos educandos/as sequer
vão à escola. Em geral porque chegam, no fim da tarde, cansados/as em casa.
Outros/as, os/as que trabalham na formalidade, para aumentar a renda, fazem
horas extras. Ainda existem os/as que atuam na informalidade (ambulantes,
tatuadores/as), que continuam a trabalhar depois do expediente normal, nas
barracas de shows e/ou na conhecida Passarela do Álcool, ponto de encontro de
turistas. Nessa direção, garante Arroyo:
Uma coisa é o tempo de um trabalhador que sabe a hora que entra, a hora que sai e das oito horas de trabalho, e outra coisa é o tempo de um sobrevivente em situações informais de trabalho. Ele não tem tempo, ou melhor, ele não controla seu tempo, ou ele tem que criar o seu tempo. Porém, não é um tempo que ele cria como bem quer. Esse tempo tem que ser criado em função do ganho de cada dia. Ele poderá terminar às seis da tarde se aquele dia foi bom, mas poderá tentar continuar vendendo pipocas, água ou quiabos, se aquele dia foi mal. O tempo dele é tão instável quanto a sua forma de trabalhar (ARROYO, 2007, p. 12).
15 Segundo reportagem publicada na revista Veja, sobre as cidades brasileiras que mais se destacam no turismo e no comércio, Porto Seguro foi citada como o terceiro pólo turístico do Brasil, com a terceira maior rede hoteleira do país, ficando atrás apenas das do Rio de Janeiro e Salvador. Atualmente, Porto Seguro tem cerca de 37 mil leitos em hotéis/pousadas. http://www.bahiadiadia.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=298:porto-seguro-e-o-terceiro-polo-turistico-do-brasil-&catid=42:turismogeral&Itemid=59
62
A instabilidade de emprego, a que se refere Arroyo, é outra questão que
muito tem contribuído com as interrupções das trajetórias escolares no referido
município, pois muitas pessoas não possuem trabalho fixo. Após o carnaval,
geralmente, uma parcela considerável de trabalhadores que atua, principalmente,
no comércio e no turismo é demitida. Os contratos de trabalho são, em geral,
temporários e as oportunidades recorrentemente têm surgido no decorrer do ano,
sendo mais comum nos períodos em que a cidade recebe turista. Tais
oportunidades, para muitos, podem significar a chance de se ter uma renda
estável por certo período, situação que, em muitos casos, dificulta a permanência
do sujeito na escola, devido ao choque entre os horários – escola e trabalho.
Quando isso ocorre, o abandono da escola torna-se inevitável, já que a
sobrevivência está, naturalmente, em primeiro plano. Nesse sentido, garante
Viana (1998), “a permanência dos estudantes das camadas populares no sistema
escolar, quando alcançada, realizar-se-ia sob o “fio da navalha”, em outros
termos, na corda bamba” (VIANA, 1998, p. 277).
O cotidiano da população brasileira de camada popular exige que os
sujeitos jovens e adultos tenham que viver contornando obstáculos (COURA,
2008). Dezinho, por exemplo, teve que enfrentar o patrão, a ponto de pôr em risco
o próprio emprego. Chegou a declarar: “prefiro que me demitam, mas da escola
não saio. Agora que comecei, tomei gosto, estou desenvolvendo, estou vendo
que é futuro, vocês querem me tirar da escola” (DEZINHO, 50 ANOS).
Segundo o entrevistado, a empresa na qual ele trabalha costuma criar
situações para que o/a empregado/a que tenha retornado aos bancos escolares
desista da escola ou peça demissão do trabalho. “A empresa conseguiu tirar da
escola todos os meus colegas que estavam estudando” (DEZINHO, 50 ANOS).
Na ótica da referida empresa, o fato do/a empregado/a estar estudando, limita,
consideravelmente, a disponibilidade de seu tempo para a mesma. Além de
Dezinho, outros/as educandos/as declararam também ter tido desavenças com
o/a patrão/patroa e/ou colegas de trabalho, ao tentar ajustar o horário do serviço
ao da escola, a fim de continuarem estudando.
63
Ao ser coagido, Dezinho, em nenhum momento, sentiu-se fragilizado a
ponto de ceder as pressões advindas de seus patrões e abandonar a escola.
Tanto é que ele conseguiu, apesar de algumas penalizações, como a de perder
as primeiras aulas, pelo fato de ter que chegar atrasado, devido à jornada de
trabalho, permanecer na escola por todo o Ensino Fundamental. Todavia, é
preciso ressaltar, para quem sobrevive do trabalho, numa sociedade de poucas
oportunidades, não é, sem dúvida, tarefa das mais fáceis fazer tal enfrentamento,
sobretudo porque o risco de ser demitido do trabalho é real.
Ao tomar o cotidiano como o espaço no qual se vive concretamente
tensões e conflitos, é preciso reconhecer que o sujeito da educação de pessoas
jovens, adultas e/ou idosas possui, anterior a sua trajetória escolar, uma trajetória
humana que, sobremaneira, tende a influenciar as ações desenroladas dentro da
escola. Suas histórias de vida; os compromissos/relações pessoais e/ou
familiares, dentre outras, podem influenciar o re/começo dos estudos, bem como
a permanência do referido sujeito nos bancos escolares. Arroyo (2008, p. 82) é
mais enfático sobre essa questão. Para o autor, “as trajetórias humanas
condicionam as escolares”.
Para alguns sujeitos desta pesquisa há situações, talvez, ainda mais
complexas de serem superadas do que a já debatida condição de estudante
trabalhador/a. Um exemplo é a resistência da família, em especial por parte do
cônjuge, frente a essa tomada de decisão, a de ser estudante depois de adulto/a.
A resistência16 pode ser por motivos de ciúmes e/ou simplesmente pelo fato da
família considerar que a referida pessoa esteja com a idade muito avançada para
estudar.
De acordo com alguns depoimentos, os referidos conflitos são ainda mais
difíceis de serem superados, se comparados a outros obstáculos, como por
exemplo, os relacionados a cumprimento de horário, a superação do cansaço
e/ou das dificuldades em acompanhar as atividades escolares. Tal complexidade
16 Na pesquisa de mestrado realizada por Santos (2003), também foi evidenciada tal resistência.
64
evidencia-se na medida em que o retorno do referido sujeito à sala de aula e,
sobretudo, sua permanência na escola, em alguns casos, pode custar o fim do
relacionamento de anos. Segundo Meire (33 anos), todas as vezes que ia à
escola sozinha, ou seja, sem a companhia do esposo, ele costumava acusá-la de
ter ido encontrar-se com outros homens.
Ainda sobre os conflitos conjugais, o depoimento de Isabela (47 anos)
demonstra, de forma clara, a dificuldade que ela teve que enfrentar para
permanecer na escola.
Quando me matriculei, fiz a matricula dele (do marido). Mas ele só foi à escola umas três vezes, depois desistiu. Ao desistir, tentou me tirar também, dizendo que na escola eu não ia aprender nada que presta (com ciúmes). Mas eu não desisti. Uma semana depois a gente ganhou os livros. Eu, toda feliz, os primeiros livros que ganhei na minha vida, quando cheguei em casa ele tomou os livros da minha mão, rasgou e pisou em cima (risos) (ISABELA, 47 ANOS).
Isabela sinaliza uma importante questão. De acordo com o que ela
explicitou, não basta apenas a mulher que possui união estável, querer voltar aos
bancos escolares, antes é preciso que ela tenha, em alguns casos, a autorização
do companheiro para realizar tal desejo. De acordo com Silva (2010, p. 75), na
maioria das vezes, as mulheres casadas/amigadas que estudam na EJA pedem a
seus companheiros permissão para voltar a estudar, e ao receberem o incentivo,
“não dão conta de que, da forma como esse incentivo é expresso pelos homens,
está subentendido que há, por parte deles, uma concessão”, sem a qual,
certamente o retorno e, sobretudo, a permanência na escola seriam ainda mais
difíceis de ocorrer, como explicitaram os depoimentos de Meire e Isabela.
Dentre os conflitos familiares descritos, na maioria das vezes, gerados por
questões de ciúmes entre os cônjuges, Dezinho (50 anos) trouxe em sua narrativa
uma situação distinta dos demais depoimentos.
65
Meus parentes dizem que macaco velho não aprende. Dizem que estou perdendo meu tempo estudando. Que estou perdendo de ganhar dinheiro. Já tive que escutar muita gente dizer para eu não estudar. Até mangaram da minha cara. Você tá perdendo seu tempo na escola, porque você não vai aprender nada. O que é que esse velho quer na escola, depois de idoso. Em vez de ir a uma festa, se divertir.
Dezinho, ao relatar sua experiência, buscou enfatizar o quanto para ele foi
difícil superar as críticas e a desconfiança de sua família. Segundo destacou, as
pessoas que o criticavam não conseguiam ter a dimensão do significado, para
ele, de concluir seus estudos, isto é, concluir o Ensino Médio, e quem sabe até
entrar numa faculdade.
Pesquisas17 já apontaram que estudar depois de certa idade não é tarefa
das mais fáceis. Além da luta constante pela sobrevivência, há ainda os
compromissos domésticos e/ou familiares, os quais, assim como os relacionados
ao trabalho fora de casa, muitas vezes tornam-se barreiras que precisam ser
superadas. Priscila (38 anos), em sua entrevista, garantiu que quase abandonou
a escola por não ter com quem deixar a netinha que cria. Situação semelhante a
que ela viveu anteriormente. Segundo relatou, na época em que seus filhos/as
nasceram, teve que abrir mão da escola, para cuidar deles/as.
Outra questão ressaltada por Isabela (47 anos) diz respeito à distância
entre sua residência e a escola. Em sua entrevista garantiu, que sua permanência
na escola, por todo o Ensino Fundamental, só foi possível porque a instituição na
qual estudava situava-se próxima a sua casa. O fato de morar próximo à escola
facilitou sua vida, já que também é avó e cuida de uma de suas netinhas. Caso
residisse afastado da escola, certamente não estaria entre as pessoas que
concluíram o Ensino Fundamental ininterruptamente. Tanto é verdade que, ao
concluir o último período da EJA (7ª/8ª séries) e ter que mudar para uma
instituição afastada de sua casa, devido as reduzidas alternativas, se viu obrigada
a interromper sua escolarização: “esse ano (2010) tive que parar de estudar,
porque eu crio aquela bênção ali (apontando para a garotinha de mais ou menos
17 REIS (2009); COURA (2008); SANTOS (2002).
66
5 anos de idade), minha netinha, e não tenho com quem deixá-la”, afirmou Isabela
(47 anos).
De modo geral, o grupo entrevistado nesta pesquisa sinaliza que as
situações vividas fora do ambiente escolar tendem a ampliar os desafios, no que
diz respeito à construção de trajetórias escolares ininterruptas, do que as que são
vividas dentro da escola. Isso se deve, acredita-se, devido à posição ainda pouco
questionada que a escola tem se mantido. No caso de Bárbara (30 anos), por
exemplo, ela que é deficiente físico, que anda com cadeira de rodas, disse ter
sido vítima de preconceito na escola. Quando criança, sofreu discriminação, a
ponto de ter medo de voltar a estudar. “Sofri muito preconceito numa escola que
tinha estudado. Isso ficou na minha mente. Fiquei meio traumatizada com isso. Aí
bloqueou um pouquinho minha vontade de estudar. Eu tinha vontade, mas tinha
medo da rejeição” (BÁRBARA, 30 ANOS). Mas, ao lhe perguntar onde residiam
as maiores adversidades que ela precisou superar para permanecer na escola, se
na sua vida extraescolar (família, trabalho, etc.) ou intraescolar (conteúdos,
horários, provas, relacionamentos, etc.), respondeu:
Ah, eu acho assim, na questão da família. Por que muitas vezes estava ocupada e não podia me levar à escola. Às vezes tinha que pedir a um colega. Eles iam e me levavam. Às vezes até os vigias da escola vinham me trazer em casa. Porque (minha família) não sabia a hora que eu ia ser liberada, então eu ficava lá esperando, até quando eles vinham me trazer. Então era mais a locomoção mesmo de ir e vir (BÁRBARA, 30 ANOS).
No caso de Bárbara, especificamente, devido a sua deficiência física,
cotidianamente dependia da ajuda de outras pessoas para chegar à escola. No
entanto, é importante sublinhar, além de Bárbara outros/as entrevistados/as
fizeram a mesma observação, ou seja, destacaram os desafios vividos fora do
ambiente escolar como os mais difíceis a serem superados.
67
Chegar cansada do trabalho e ainda ir para o colégio não é nada fácil (ANA, 33 ANOS).
Veja bem, para eu chegar à escola não era fácil. Eu fazia a linha do Village (um bairro da cidade) e era um horário pesado. No início eu chegava à escola quase 20h (o horário de entrada era 19h). Os primeiro dois anos eu só fiquei porque tive coragem, não foi fácil não. Então assim, como no trabalho, muitas vezes, não tinha hora certa para sair. Eu pegava no serviço às 5h da manhã e ia até as 18 ou 19h (DEZINHO, 50 ANOS).
A maior dificuldade, para mim, estava no que acontecia fora da escola. Porque minha vida sempre foi corrida, eu não trabalho fora de casa, mas tenho um filho especial. Eu preciso ir ao médico com ele, às vezes chegava em casa na hora de ir pra escola (GISELE, 31 ANOS).
Devido à correria, às vezes não tinha tempo de estudar pra prova e por causa do trabalho muitas vezes cheguei atrasada na escola (MEIRE, 32 ANOS).
Nessa direção, faz-se importante mais uma vez trazer as reflexões de
Arroyo (2007). Segundo o referido autor, para quem se ocupa apenas com a
escolarização, não tendo outra coisa que fazer na vida a não ser estudar, é
possível aprender de forma rígida, corresponder, por exemplo, aos tempos
escolares. Dito de outra forma, notadamente, é mais fácil frequentar a escola, se
adequar aos espaços-tempos rigidamente estabelecidos pelas instituições
escolares, enfim, aprender quando se tem o tempo livre para dedicar-se aos
estudos. No caso dos/as educandos/as da EJA, é muito mais difícil, pois a grande
maioria precisa lidar cotidianamente com as diversas ocupações da vida que,
inevitavelmente, consomem o tempo que poderia ser dedicado a escola. Nessa
circunstância, as formas de aprender necessitam ser repensadas e/ou
reinventadas para quem não tem controle do seu tempo, como é o caso da
maioria dos estudantes que frequenta as escolas de EJA. “Lembremos que
muitos dos educandos da EJA chegam com percursos truncados pela dificuldade
de articular tempos de sobrevivência e tempos de escola” (ARROYO, 2007, p.
13).
68
Alguns participantes desta pesquisa salientaram que antes mesmo de
enfrentar o desafio de permanecer nos bancos escolares foi preciso superar a
ideia de que, para eles/elas, já não havia mais o que fazer na escola, devido ao
avanço da idade. Nessa direção, ao perguntar se o retorno à escola foi difícil,
ressaltaram:
Fácil não foi, estudar e trabalhar não é fácil. Além disso, eu tinha três crianças pequenas. A sorte foi que meu marido me deu muita força para continuar estudando (ANA, 33 ANOS).
Foi difícil, primeiro porque a diretora não me queria deixar estudar. Disse na minha cara que eu queria era fumar maconha na escola (DEZINHO, 50 ANOS).
Difícil, porque nesse período meu marido também estudava e eu tinha meus filhos pequenos e tenho um que necessita mais de, assim, de cuidados (é uma criança especial), não tinha quem ficasse com ele (GISELE, 31 AN0S).
Não foi muito fácil não, porque a pessoa que trabalha chega em casa cansada, por isso digo que não foi fácil. Mas o cansaço não me venceu não (ISABELA, 47 ANOS).
Fácil não foi, mas eu falei: vou estudar e ninguém vai me fazer voltar atrás. Meu marido sempre concordou, ele me mandava ir, eu até chamei ele, mas ele disse que não vai, mas quer que eu vá (PRISCILA, 38 ANOS).
Se o retorno à escola configura uma tomada de decisão difícil, permanecer
nela exige dos referidos sujeitos um esforço ainda maior. Em grande medida
eles/elas precisam agir como a “massa de água que, no leito do rio, se insinua,
girando à volta de qualquer obstáculo, erosionando-o, enfrentando-o” (PAIS,
2003, p. 75), para superar as adversidades e seguir seu curso. Dentre as
adversidades enfrentadas pelos/as referidos/as educandos/as, podem ser
destacadas:
69
A inadequação da estrutura da escola noturna para os jovens e adultos; o trabalho, que rouba, cada vez, mais tempo; o sono devido ao cansaço físico; a família que ficou em casa; problemas de saúde; a busca por melhores condições de vida em outros cantos do país; o medo de errar, entre outros (REIS 2009, p. 110).
Para muitos que procuram a escola depois da idade considerada
adequada, de modo geral, a buscam com essa expectativa: “Voltei a estudar
devido à dificuldade que você tem para conseguir trabalho. Se você não estudar
você não consegue emprego” (GISELE, 31 ANOS). Por essa, e também por
outras razões, é que Arroyo (2007, p. 7) insiste em afirmar: “a EJA tem que ser
uma modalidade de educação para sujeitos concretos, em contextos concretos,
com histórias concretas, com configurações concretas”. Para o citado autor,
enquanto a escola continuar a pensar, através de suas propostas pedagógicas,
um sujeito inexistente, seus certificados e diplomas não assumirão seu verdadeiro
papel. Nesse sentido, alerta Brunel (2004), a escola de EJA não deve ser apenas
uma emissora de certificados escolares. A instituição escolar precisa, de alguma
forma, cumprir seu papel na vida das pessoas jovens e adultas populares.
Noutros termos, se os/as educandos/as da EJA buscaram a escola para obter
qualificação para o trabalho, cabe à escola dar essa formação. Nessa medida, o
que importa na realidade é saber que as pessoas que buscaram a escola para
obter mais qualificação profissional, saiam mais qualificadas para o trabalho
(ARROYO, 2007).
Como já foi destacado ao longo do texto, o objetivo, nessa etapa, era o de
analisar as situações vividas – fora da escola – pelos/as participantes desta
pesquisa e apontadas por eles/elas como adversidades que bravamente foram
sendo superadas no decorrer do processo de escolarização (da 1ª a 8ª série).
Desse modo, os depoimentos, além de reafirmarem o que outras pesquisas já
apontaram, que não é fácil ser estudante a certa altura da vida, ressaltam também
o quanto, para eles, “a vida quotidiana está cheia de situações insólitas e
desconcertantes” (PAIS, 2003, p. 13), oriundas, sobretudo, da interação social
que vai sendo, inevitavelmente, estabelecida ao longo da trajetória escolar, tanto
70
dentro como fora do ambiente da escola. Situações as quais costumam ser, para
muitos, barreiras insuperáveis.
5.2 – Entre adversidades e esperança: a permanência na escola e a luta pela
realização de sonhos quase perdidos
Nesta seção são apresentadas as adversidades que os sujeitos da EJA
precisaram superar dentro da escola, para permanecerem nela. Os relatos
evidenciam que a luta pela sobrevivência nos bancos escolares justifica-se,
também, pelo desejo de realizar um sonho nunca esquecido.
A reconstrução das trajetórias escolares ininterruptas apontou que, além de
ter que superar as dificuldades da vida cotidiana fora da escola, os/as
educandos/as da EJA precisam aprender a lidar com situações adversas dentro
do espaço escolar. É possível perceber, entre os/as funcionários/as da escola,
certa desconfiança quanto à capacidade cognitiva dos referidos sujeitos, pelo fato
dos mesmos retornarem aos bancos escolares tardiamente. Não raras as vezes
que a escola oferece a esses estudantes um tratamento de coitadinhos ou de
pessoas que nada sabem. Nessa direção Machado (2002, p. 37), afirma que é
notória a “existência, ainda hoje, de uma marca de preconceito sobre a EJA,
impregnada entre professores, corpo técnico das escolas e secretarias de
educação, ocorrendo o mesmo entre os próprios alunos”.
De acordo com Reis, a escola,
No lugar de acolhê-los, de orientá-los, de ensiná-los a se organizarem e relacionar as informações que já possuem com as que estão adquirindo, de incentivá-los a formular perguntas sobre o que querem aprender, infelizmente, completa o trabalho de exclusão. Isso é feito pelo modo que a escola atua, comunicando ao sujeito a sua incapacidade, mostrando a ele sua incompreensão dos procedimentos e da linguagem escolar, sua dificuldade de interagir com exercícios e raciocínios acadêmicos, distantes da sua realidade. Assim, desprovidos de uma ponte que interligue a sua sabedoria com o saber da escola o aluno acaba desistindo de estudar Desse quadro resulta o consenso que circula na
71
escola: o aluno da EJA é incapaz cognitivamente, tem grandes dificuldades de aprendizagem, problemas gravíssimos de memória, lentidão exagerada de raciocínio, etc (REIS, 2009, p. 173).
Dessa maneira, tais posturas têm fortalecido a idéia de que a EJA seja uma
proposta de educação de segunda classe (HADDAD, 2005), destinada a um
grupo de pessoas consideradas inferiores, sobretudo, no que tange a sua
capacidade cognitiva18.
Outra questão ressaltada por Machado (2002) foi a de que os sujeitos da
EJA são mais sensíveis no que diz respeito ao contexto escolar. Segundo a
pesquisadora, o autoritarismo de alguns professores, o medo do fracasso e do
isolamento de colegas na classe tendem a se transformar em obstáculos muitas
vezes intransponíveis, culminando na “evasão” desses estudantes. Nessa
direção, vale destacar a experiência vivida por Matheus. Ao ser indagado sobre o
que ele menos gostou de ter vivenciado no espaço escolar, durante sua trajetória
no Ensino Fundamental, respondeu:
Olha existe uma coisa no colégio, dentro da sala de aula. Sempre existiram os grupos. Isso é em qualquer lugar. Não sei se é a minha pessoa que passa isso para as pessoas lá ou se são elas mesmas que acabam se destacando e me deixando sempre de fora. Na verdade, quando eu tava estudando nessa época aí, eu não tive muita ajuda de colegas não. Sempre me deixavam de fora. Minto, só tive um amigo que de vez em quando, porque ele tinha mais experiência, sabia mais do assunto, esporadicamente ele me chamava. Mas sempre me deixavam de fora. Não sou só eu, tem muita gente na mesma situação. (MATHEUS, 53 ANOS).
Ao relatar sua angustia, Matheus não conseguiu esconder como a referida
experiência foi vivida de forma dolorosa. O mesmo, durante a entrevista chegou a
questionar se o problema era exclusivamente com ele, mas voltou atrás ao
lembrar-se de que outros/as colegas, principalmente as pessoas mais velhas da
classe, também haviam passado pela mesma situação. Ainda de acordo com o
18 Sobre essa questão, ver Oliveira (1999).
72
entrevistado, a sensação de excluído ampliava-se nos momentos em que as
atividades eram realizadas em grupo. Acredita-se que tal situação poderia ser
minimizada, caso as escolas formassem suas turmas respeitando a faixa etária,
questão ignorada pela grande maioria das escolas de Porto Seguro, em parte, por
resistência dos/as próprios/as docentes que atuam nesse segmento, com o
argumento de que a presença dos mais velhos na sala inibiria os mais jovens e os
tornaria mais disciplinados. Tal situação decorre também pela inexistência de uma
proposta pedagógica condizente com a referida modalidade de ensino, tanto por
parte da SME, como das instituições escolares.
É importante salientar que o sentimento de isolamento, em muitos casos, é
alimentado também pela pouca atenção dispensada pelos/as docentes
(consciente e/ou inconscientemente), aos/às referidos/as educandos/as,
principalmente aos/as mais tímidos/as da classe.
Outra questão que merece destaque foi a situação vivida por Dezinho (50
anos). Segundo o entrevistado, quando resolveu retomar seus estudos, a diretora
da escola na qual tentou matricular-se não queria deixá-lo estudar, com o
argumento de que o mesmo queria, na realidade, ter acesso ao espaço da escola
para usar droga. Ainda de acordo com sua narrativa, ele só conseguiu matricular-
se porque uma professora, ao assistir a cena, defendeu seu direito, dizendo: “não,
nada disso, ele vai estudar e eu me responsabilizo por ele. Se não fosse a
professora Laudinha, não estaria estudando hoje”, garantiu Dezinho.
A referida situação, entre as demais trajetórias escolares analisadas nesta
pesquisa, constitui um caso um tanto quanto inusitado, pois não há, entre os
demais relatos, casos em que o/a entrevistado tenha sido acusado/a de ser
usuário/a de drogas, situação que impediria a concretização de sua matricula na
escola. Mas, vista por outra perspectiva, tal postura vai em direção a algo ainda
muito comum na relação estabelecida entre a escola e o sujeito que frequenta a
EJA: a infantilização do/a referido/a educando/a. A situação em questão envolvia
um senhor de quase 50 anos de idade, que só conseguiu matricular-se na escola,
a qual procurou, sobretudo por se tratar de uma instituição situada próxima à sua
residência, porque uma professora se responsabilizou pelo mesmo. De acordo
73
com a narrativa do referido, caso a professora não interferisse, certamente, não
teria realizado sua matrícula, e assim, concluído ininterruptamente o Ensino
Fundamental.
É comum as instituições escolares dispensarem aos sujeitos da referida
modalidade o mesmo tratamento oferecido às crianças, seja através das relações
interpessoais e/ou por meio de suas práticas pedagógicas. Ao discutir essa
questão, Oliveira ressalta que a infantilização das pessoas jovens, adultas e/ou
idosas é,
[...] possivelmente, um dos principais problemas que se apresentam ao trabalho na EJA. Não importando a idade dos alunos, a organização dos conteúdos e os modos privilegiados de abordagem dos mesmos seguem as propostas desenvolvidas para as crianças do ensino regular. Os problemas com a linguagem utilizada pelo professor e com a infantilização das pessoas que, se não puderam ir à escola, tiveram e têm uma vida rica em aprendizagens que mereceriam maior atenção, são muitos (OLIVEIRA, 2009, p. 99).
O atendimento inadequado oferecido pelas escolas de educação de
pessoas jovens e adultas é, em grande medida, conseqüência da insuficiência de
políticas de formação do profissional que atua na EJA. Segundo Di Pierro (2008,
p.287), entre a América Latina e o Caribe, apenas Cuba e Uruguai possuem
profissionais qualificados para atuar na referida modalidade. Ainda de acordo com
a mesma autora, nas “redes públicas de ensino, de modo geral, são os mesmos
docentes que trabalham com crianças, adolescentes, jovens e adultos, muitas
vezes reproduzindo metodologias, currículos e materiais de ensino inadequados”.
As escolas de EJA, através de sua organização (Administrativo-
Pedagógica) têm se distanciado, muitas vezes, dos anseios dos educandos que a
frequentam. “Os programas/projetos nem sempre são precisos no pensar o sujeito
da educação, suas peculiaridades e singularidades, antes de formular as
propostas” (PAIVA, 2006, p. 537). Segundo Meire, uma das entrevistadas, a
escola onde cursou todo o Ensino Fundamental, não atendia as suas
expectativas.
74
Os professores se dedicavam menos do que eu imaginei. Passavam muito tempo só conversando. A gente terminava de fazer as atividades e eles não passavam outra, ficavam só conversando. O duro era a gente ir para a escola cansada esperando uma coisa e chegava lá, os professores ficavam só conversando, perdendo tempo. Ah, eu ficava chateada com isso (Meire, 32 ANOS).
Buscou-se aprofundar a discussão com a entrevistada, na tentativa de
melhor compreender o que seria seu/sua professor/a “ficar conversando”. O
aprofundamento da discussão revelou que, na realidade, a aluna estava
afirmando que o/a professor/a ao/à qual se referia, ao contrário do que se
esperava, gostava de deixar o tempo passar, conversando no corredor com
outros estudantes da escola, enquanto eles/elas, os/as educandos/as da sala
dela, esperavam, pacientemente ou não, sua boa vontade.
Segundo José Carlos e Vera Barreto (2008, p. 63), para se saber o papel,
bem como a função de uma escola, não é preciso, antes, conhecê-la. A
construção social acerca da instituição escolar pressupõe seu papel. A escola, na
visão de uma parcela considerável de estudantes que busca a EJA, sobretudo a
dos analfabetos, é lugar onde se aprende coisas de um mundo distante do seu,
“como ler, escrever, contar e falar bem”, por essa razão não seria interessante
para Meire (32 anos) e tantos/as outros/as colegas perderem tempo com
conversas, aliás, eles/elas, principalmente os/as mais velhos/as, já teriam perdido
tempo demais.
Os depoimentos justificam que, no interior das escolas, há distintos
obstáculos que os sujeitos da EJA precisam superar. Tais dificuldades podem
estar vinculadas à
[...] pilha de trabalhos que a gente levava pra casa. Trabalho de todo tipo. Então você vem pra casa sobrecarregado. E quando você volta você não leva tudo, já tem uma incerteza dentro de você, tipo: poxa isso eu não fiz e já vai ficar pro outro dia. Isso é um fator principal pro aluno “cambalear” (ficar desestimulado/interromper) (MATHEUS, 53 ANOS).
75
Ou às implicações promovidas pelo horário rigidamente estabelecido
pela escola: “a gente tinha que entrar 18h40min, aí eu tinha que pedir pra sair do
trabalho mais cedo, porque eu não gosto de chegar atrasada na escola”
(PRISCILA, 38 ANOS). Tal pedido, quando aceito, criava outras situações, como
a indiferença dos/as demais colegas de trabalho, ressaltou ainda a entrevistada.
Para além das dificuldades em lidar com horários e trabalhos escolares,
Matheus faz o seguinte desabafo:
Poxa, uma diretora da escola, chegar pra gente e dizer: “olha vocês estão aqui e tal, vocês deviam ter aprendido quando era novo”. Num ponto eles têm razão, mas pra uns isso pode ser crucial, vai embora (abandona a escola), mas pras pessoas que querem alguma coisa a mais, pode ser um incentivo. Mas quando chega alguém e diz isso a você é muito complicado (MATHEUS, 53 ANOS).
Matheus (53 anos), mais uma vez mostrou-se muito inconformado com o
tratamento dispensado pela escola aos/às educandos/as. Para ele, foi um
absurdo ouvir o que ouviu. Em vez de recriminá-lo, a escola deveria acolhê-lo e
reconhecer que sua “trajetória humana” (ARROYO, 2009) não havia permitido sua
presença ali durante a infância/adolescência. Ao contrário, as palavras proferidas,
ressaltavam o lugar indevido que o mesmo ora ocupava. Um lugar que já não lhe
pertencia mais. Em outras palavras, afirmou: “chegou a ser humilhante”.
Subjacente às situações constrangedoras que cada um/a demonstrou ter
presenciado/escutado/vivido, a luta para permanecer na escola, entre tantas
razões, encontrava-se ancorada na esperança de alcançar objetivos:
[...] a conquista, na escola, de posição de destaque, de liderança, de comunicação através de várias linguagens; a recuperação da auto-estima; a formulação de projetos pessoais e coletivos; o desejo de ampliação da escolarização; a necessidade da escolarização para busca de emprego, para a valorização da imagem social, para exercício da cidadania e para uso da norma-padrão da língua; a possibilidade de acompanhar e educar melhor os filhos (REIS 2009, p. 173).
76
Tal afirmação vai de encontro às narrativas dos/as participantes desta
pesquisa. Ao serem questionados/as sobre os diversos motivos para eles/elas,
qual deles poderia ser destacado como o mais importante, o que fez com que
saíssem todos os dias de casa para irem à escola, responderam:
Eu tenho um sonho, (risos), eu quero ser enfermeira, por isso preciso estudar. Ser enfermeira está nos meus planos. (ANA, 33 ANOS)
Acho que a vontade de vencer. Entrar numa faculdade. Sabe que eu tenho... meu objetivo não é parar por aqui. Não é terminar o terceiro ano e pronto, não! Meu objetivo é continuar, fazer uma faculdade de Psicologia, é me formar no que eu quero. Então, essa é a vontade do futuro, que me leva todo dia voltar à minha sala de aula. (BÁRBARA, 30 ANOS).
A grande razão é porque eu achei assim, que devia estudar, principalmente porque no mundo de hoje só cresce quem estuda, e se eu não estudar vou ficar sempre lá embaixo. Você vai, todo mundo vai, eu fico. Então, se eu quiser desenvolver, crescer na minha vida eu tenho que estudar. Hoje eu sou um cidadão, sei ler, escrever. Não sei bem, mas estou indo. Antigamente, para pegar um ônibus, eu precisava pedir a um colega, para tirar um dinheiro no banco, a mesma coisa. Hoje chego lá, digito as letras, minha senha e o dinheiro saem (risos). Então é bonito isso, você ser uma pessoa educada. Hoje sei me expressar contigo, como aprendi eu sei um pouco, antigamente não sabia, não tinha conhecimento. Para que serve o estudo? Pra isso. (DEZINHO, 50 ANOS).
É como te falei. Eu quero chegar até o final (concluir o Ensino Médio). E eu quero outra coisa melhor pra mim. Um trabalho melhor. Não vou ficar velhinha naquele trabalho. Trabalhar menos, ganhar mais (risos). A gente tem que pensar no futuro da gente. (PRISCILA, 38 ANOS).
Os depoimentos exaltam questões incomuns, em se tratando de
educandos/as da EJA, em geral, pessoas desacreditadas por si próprias e,
sobretudo, pela sociedade, diante das sequelas deixadas pela exclusão social de
toda uma vida. Outra questão que vale ser ressaltada é o fato de que os projetos
de vida acima descritos não são, como geralmente acontece, de jovens
77
estudantes universitários; profissionais qualificados que frequentam cursos de
formação continuada ou de especialização; pessoas adultas interessadas em
aperfeiçoar seus conhecimentos em áreas como artes, línguas estrangeiras
(OLIVEIRA, 1999). Ao contrário, são de pessoas como Dezinho, um senhor de 50
anos de idade, que diz, em outras palavras, que está se preparando para o futuro.
Nessa direção, garante Cunha:
Esses sujeitos trazem essa forte marca: o enfrentamento a essa exclusão. Apesar de todas as dificuldades mantém vivo o desejo de se formar no ensino básico e não sentir mais vergonha de sua condição. Vergonha, vale lembrar, que é uma barreira também introjetada de que é “feio” e “ruim” ser um adulto analfabeto ou não escolarizado (2009, p. 28).
Os entrevistados buscaram, na realidade, ressaltar o quanto o retorno aos
bancos escolares e, principalmente, a permanência neles, foi significativa em
suas vidas. Nota-se, sobretudo, que a condição de educando/a proporcionou aos
mesmos a criação/ampliação de novos/velhos projetos de vida. O medo e até
mesmo a vergonha de estudar, devido à idade avançada, transformou-se no
desejo de ocupar uma vaga nos cursos universitários, o que seria, para muitos, a
realização de um sonho.
Bárbara (30 anos) narra que seu grande desejo, inicialmente, era o de ser
advogada, mas que suas limitações físicas, as quais a fizeram ter
acompanhamentos psicológicos, contribuíram para que seus planos fossem
modificados. Segundo a mesma, o contato com a Psicóloga, durante as sessões
de terapia, a fez desejar formar-se em Psicologia, prevendo sua contribuição a
outras pessoas portadoras das mesmas necessidades especiais.
A demanda que compõe a EJA, há décadas, é formada pelas mesmas
pessoas: “pobres, oprimidas, excluídas, vulneráveis, negras, da periferia e dos
campos” (ARROYO, 2007, p. 33), as quais, ao superarem as tensões vividas
cotidianamente, tanto no ambiente interno como externo da escola, e, desse
modo, construir trajetórias escolares ininterruptas, sentem-se capazes de investir
78
seus esforços em novos projetos de vida, como, por exemplo, o de cursar o
ensino superior e exercer, num futuro próximo, a profissão desejada.
Dentre as dificuldades que os estudantes enfrentaram para permanecer
nos bancos escolares, merecem destaque os conflitos geracionais que ocorreram
no interior das escolas. Em se tratando especificamente de Porto Seguro/BA, as
escolas de EJA, recorrentemente, têm formado suas turmas desconsiderando a
especificidade etária de seus sujeitos. Tem sido comum o convívio cotidiano entre
pessoas de 15 a 70 anos de idade na mesma sala de aula. A referida situação
tem maximizado a interrupção de muitos jovens, adultos e idosos, decorrentes,
sobretudo, dos conflitos gerados a partir dessa convivência. Noutros termos, a
relação “estriada” entre jovens, adultos e idosos constitui-se em mais um
obstáculo que os referidos sujeitos precisam superar para permanecerem na
escola.
As escolas que oferecem educação para jovens e adultos (EJA), há pelo
menos duas décadas, deixaram de ser espaço exclusivo das pessoas mais
velhas. “O rejuvenescimento da população que frequenta a Educação de Jovens
e Adultos (EJA) é um fato que vem progressivamente ocupando atenção de
educadores e pesquisadores na área de educação” (BRUNEL, 2004, p. 9).
Segundo a mesma autora, esse fenômeno iniciou-se na década de 90.
A presença de educandos/as cada vez mais jovens na educação de jovens
e adultos trouxe uma nova dinâmica para esse contexto. O silêncio, algo comum
outrora às salas dessa modalidade, deu lugar às formas extrovertidas e
barulhentas dos modos de ser jovem dos jovens que a frequentam. Para Brunel
(2004), a presença dos jovens em número cada vez mais elevado modificou o
cotidiano escolar e as relações estabelecidas entre os sujeitos que ocupam o
referido espaço.
Em se tratando dos jovens que frequentam a EJA, vale lembrar, na maioria
dos casos, são educandos desmotivados, desencantados com a escola regular.
No mais das vezes, trata-se de adolescentes com histórico de repetência de
vários anos. Muitos, ao integrarem a esse novo contexto, sentem-se perdidos,
79
principalmente porque, em geral, sua inserção nesse novo universo, o da EJA, se
dá mais por uma imposição da própria escola do que por uma escolha autônoma
e consciente (BRUNEL, 2004). Noutros termos, esses estudantes são
transferidos, em muitos casos, arbitrariamente, para a EJA, porque o ensino
regular já não os suporta mais, já que são vistos como alunos/as problema, os
que nada querem. Além da referida questão, faz-se importante salientar que
“fatores pedagógicos, políticos, legais e estruturais fazem com que muitos jovens
procurem cada vez mais esta modalidade e a cada ano mais precocemente”
(BRUNEL, 2004, p. 19).
Nessa trama, os jovens são, na maioria dos casos, vistos como os únicos
responsáveis pelo desequilíbrio do ambiente escolar. Notadamente, docentes e
educandos/as adultos/as e/ou idosos/as são tratados como vítimas desse novo
grupo que “invadiu” a EJA e descaracterizou a ordem outrora estabelecida.
Segundo Juarez Dayrell,
Para a escola e seus profissionais, o problema situa-se na juventude, no seu pretenso individualismo de caráter hedonista e irresponsável, dentre outros adjetivos, que estaria gerando um desinteresse pela educação escolar. Para os jovens, a escola se mostra distante dos seus interesses, reduzida a um cotidiano enfadonho, com professores que pouco acrescentam à sua formação, tornando-se cada vez mais uma “obrigação” necessária, tendo em vista a necessidade dos diplomas (DAYRELL, 2007, p. 3)
Frente a essa nova configuração, a repressão aos modos inerentes de ser
jovem tornou-se o recurso mais utilizado pelas escolas de EJA. Tal postura
encontra-se presente até no tratamento dispensando pelos/as estudantes mais
velhos/as ao referido grupo. Em alguns casos é possível constatar atitudes de
intolerância e até de desavenças. “Alguns professores (e também alunos mais
idosos) parecem convencidos de que os jovens alunos da EJA vieram para
perturbar e desestabilizar a ordem "supletiva" escolar” (CARRANO, 2007, p. 01).
Em relação aos conflitos geracionais, ressalta o referido autor:
80
É importante que os educadores percebam isso, pois, muitos dos conflitos mal resolvidos existentes entre os jovens entre si e entre estes e as instituições são provocados pelas dificuldades de tradução de sinais que não são decifrados adequadamente pelos sujeitos envolvidos. É nesta situação que se processa uma crise de sentidos entre jovens, instituições e sujeitos adultos. As instituições parecem não perceber que não se pode educar ou negociar valores na ausência de uma linguagem em comum e de espaços democráticos onde os conflitos possam ser mediados. (CARRANO, 2OO7, p. 7)
Para as pessoas de mais idade, os jovens incomodam. Suas brincadeiras e
as músicas barulhentas, tocadas ininterruptamente em seus celulares, atrapalham
o raciocínio e irritam. Os palavrões, as brincadeiras excessivas são, muitas vezes,
inoportunas e desnecessárias. Ao perguntar sobre o que os entrevistados menos
gostaram de ter vivenciado na escola, responderam:
A bagunça, a presença da polícia. Às vezes acontecia de alguns alunos soltarem bombas dentro da escola. Ah, eu presenciei muita coisa. Certa vez soltaram uma bomba em cima do telhado e os pedaços de telhas caíram na cabeça de um colega. Mesmo a escola tendo uma delegada da polícia civil como professora. Essa bagunça toda era feita pelos alunos mais jovens. As pessoas que tem mais de 25 anos não fazem isso, elas vão pra estudar. Abaixo disso, a maioria vai pra bagunçar (DEZINHO, 50 ANOS).
Eu gostei de tudo, tirando aqueles menininhos, que a gente relevava, gostei de tudo. Tinha (estudantes) aqueles mais novos, meio abusados, mas a gente se dava bem (PRISCILA, 38 ANOS).
No contexto do conflito de gerações, a falta de energia elétrica na escola,
durante as aulas, foi apontada como um dos momentos de apreensão, tendo em
vista os acontecimentos decorrentes em função do citado fato. Segundo
narraram, alguns educandos/as, aproveitando-se da escuridão, arremessavam
objetos, como carteiras, chinelos, entre outras coisas. Até pequenos furtos eram
praticados durante a incômoda situação. Tais ações, para os/as mais velhos/as
da escola, eram atribuídas aos estudantes mais jovens. Aqueles/aquelas, como
dizem, que não querem nada com a vida. Isabela (47 anos), por exemplo, ao
81
relembrar dos ditos episódios os trata como sendo um dos momentos que ela
menos gostou de ter vivenciado: “quando faltava energia na escola, dava muito
medo. Apesar de não ser muito comum, quando ocorria me deixava apavorada”.
De acordo com Andrade,
Estes jovens, recém-chegados, trazem consigo o que são como classe social e também a sua cultura, e estas transformações colocam em crise a oferta tradicional da educação escolar, trazendo sintomas de fracasso, mal-estar, conflito, violência, dificuldade de integração, conflitos geracionais e, sobretudo, ausência de sentido da experiência escolar e da incorporação a uma educação que não foi pensada e nem feita para eles (ANDRADE, 2004, p. 90).
Ainda segundo o autor,
Perceber os jovens do ponto de vista da EJA revela uma condição marcada por profundas desigualdades sociais. Nas escolas de EJA estão os jovens reais, os jovens para os quais o sistema educacional tem dado as costas. Percebê-los significa a possibilidade de dar visibilidade a esse expressivo grupo que tem direito à educação, contribuindo para a busca de respostas a uma realidade cada vez mais aguda e representativa de problemas que perpassam o sistema educacional brasileiro como um todo (ANDRADE, 2004, p. 92).
Para Arroyo (2007), a escola, de modo geral, tem uma capacidade
extraordinária de excluir, materializada na organização da e na estrutura do
sistema escolar. Nessa direção, assegura Carrano (2000, p. 160):
As dificuldades em lidar com a diversidade parece algo congênito na constituição da ideia de escolarização. A homogeneidade ainda é muito mais desejável à cultura escolar do que a noção de heterogeneidade, seja ela de faixa etária, de gênero, de classe, de cultura regional ou ética.
82
Na ótica de uma parcela considerável de educandos/as mais velhos/as, a
escola é lugar de estudar: fazer as atividades, ouvir atentamente as explicações
dos/as professores/as, enfim, lugar de silêncio e respeito. No entanto, para os/as
mais jovens, “aqueles/aquelas que vão à escola apenas para conversar e fazer
algazarras”, como diz o senso comum, a escola, além de ser o lugar de estudar, é
também um lugar de encontros, de fazer amigos, de se divertir nas rodas de
conversa, enfim, é também lugar de namorar. Segundo Hernández e Weiss
(2009, p. 3) “El espacio de convivencia entre los jóvenes en la escuela, es sin
duda un espacio de sociabilidad”.
A escola, enquanto instituição escolar, não tem conseguido suprir as
necessidades apresentadas pelos/as educandos/as que se encontram na EJA.
Para Carrano,
À escola impõe-se o desafio de derrubar os muitos muros materiais e simbólicos que foram construídos ao longo da história e que, em última instância, são os principais responsáveis pelas interferências na comunicação entre os jovens alunos, seus colegas mais idosos e seus professores (CARRANO, 2000, 155).
Mesmo percebendo que a escola continua a manter uma postura ainda
pouco flexível, Dayrell (2007) garante que é incontestável o desmoronamento dos
muros que garantiam uma autonomia das instituições (dentre elas, a escola). É
difícil distinguir o dentro e o fora, com os contornos cada vez mais tênues. Assim,
pode-se afirmar que a escola assiste a um "ruir dos seus muros". Para o autor, o
fator determinante para esse ruir foi e é o processo de massificação da escola
pública, que significou a superação das barreiras que antes impediam as
camadas populares de frequentarem-na. No entanto,
Se a escola se tornou menos desigual, continua sendo injusta. E assim é, devido, em grande parte, ao fato da escola e seus profissionais ainda não reconhecerem que seus muros ruíram, que os alunos que ali chegam trazem experiências sociais, demandas e necessidades próprias. Continuam lidando com os jovens com os mesmos parâmetros
83
consagrados por uma cultura escolar construída em outro contexto. (DAYRELL, 2007, p. 22-23).
A questão que mais chama a atenção nessa relação estabelecida, de modo
geral, entre a escola e os jovens é, sobretudo, a forma com que a escola trata tais
sujeitos. A idéia de homogeneizar o atendimento aos estudantes descaracteriza
sua condição juvenil, ou seja, suas identidades. “Os jovens estão pedindo que
não querem ser tratados como iguais, mas, sim, reconhecidos nas suas
especificidades, o que implica serem reconhecidos como jovens, na sua
diversidade” (DAYRELL, 2007, p. 23). Acredita-se, ao demonstrar pouca e/ou
nenhuma intolerância em relação aos modos de ser jovem na escola de EJA, tal
indiferença tende a alimentar a distância entre os/as estudantes mais velhos com
os mais novos, aumentando, desse modo, os conflitos entre as gerações que
frequentam os mesmo espaços educacionais, as escolas de EJA.
Em meio a tantas situações, nota-se que as escolas de EJA não têm
conseguido lidar com as especificidades dos estudantes adultos, tampouco com
as que são apresentadas pelo público mais jovem. Fatores que a princípio
poderiam ser citados como aspectos positivos, como por exemplo, a diferença
etária dos grupos que a frequentam, são, na maioria dos casos, compreendidos
como negativos. Pensar os sujeitos da EJA levando em consideração a sua
concretude, ou seja, reconhecendo-os como pessoas ativas na sociedade em que
vivem, talvez seja a questão mais urgente que os programas de educação,
voltados ao público das pessoas jovens, adultas e/ou idosas, precisam
contemplar.
5.3 – Trajetórias ininterruptas do estudante da EJA : algumas estratégias
Nesta pesquisa partiu-se do pressuposto de que, para permanecer na
escola, os sujeitos que estudam na EJA precisam, entre outras questões,
84
construir estratégias e, por meio delas, vencer os obstáculos que a vida cotidiana
extra e intraescolares impõem. Neste sentido, este capítulo apresenta algumas
ações que os/as entrevistados/as desta investigação tiveram que desenvolver ao
longo de suas trajetórias escolares no Ensino Fundamental, para que pudessem
continuar na escola. A análise encontra-se dividida em duas seções. Na primeira,
são apresentadas as estratégias desenvolvidas fora da escola. Na segunda, as
ações que precisaram ser criadas para vencer as adversidades no interior da
escola.
A permanência dos referidos sujeitos nos bancos escolares, por todo o
Ensino Fundamental, acredita-se, só foi possível a partir da apropriação de uma
diversidade de estratégias, as quais deram aos entrevistados desta pesquisa a
condição, sobretudo, de conciliar os compromissos da vida cotidiana fora da
escola, no mais das vezes inadiáveis, principalmente por tratarem de questões
que envolvem a própria sobrevivência e/ou de familiares, com as atividades
desenvolvidas dentro dos espaços escolares.
As pessoas que participaram desta investigação foram enfáticas ao afirmar
que, para permanecer na escola, foi preciso construir caminhos diferentes
daqueles inicialmente pensados, tendo em vista as dificuldades que foram
surgindo no decorrer de suas trajetórias escolares. Dezinho (50 anos), por
exemplo, saía de casa muito cedo, às 5h da manhã, para o trabalho, e só
retornava no começo da noite, muitas vezes após o horário de entrada da escola.
“Eu pegava no serviço às 5h da manhã e ia até as 18/19h” (DEZINHO, 50 ANOS).
Tal situação se colocou como um desafio que exigiu dele e dos/as demais
participantes, “disposição” e, principalmente, “mobilização”19 para que não
tivessem que interromper os estudos. Segundo Miguel Arroyo, é difícil para as
pessoas das classes populares articularem os tempos de trabalho e de
sobrevivência com os tempos de escola. De acordo com o autor, “se é dramático
abandonar a escola, mais dramático, ainda, é ter de abandoná-la para sobreviver”
(ARROYO, 2009, p. 97).
19 Esse conceito é discutido por Bernard Charlot (2000). De acordo com o autor, mobilizar é pôr-se em movimento, a partir de uma dinâmica interna, e tem a ver com os sentidos que o/a próprio educando/a vai dando às suas ações.
85
Enquanto coordenador de uma das maiores escolas de EJA do município
de Porto Seguro/BA, tenho testemunhado, com certa frequência, muitos
educandos/as recorrerem à instituição escolar, com o objetivo de negociar o
horário de saída da escola. A busca pela negociação justifica-se pela necessidade
dos mesmos terem que estar no trabalho às 22h, horário de encerramento do
turno noturno, na maioria das escolas de Porto Seguro, já que no citado
município, das 39, apenas 3 instituições oferecem EJA no turno diurno. As
referidas pessoas, em geral, são segurança de casa de shows, porteiro e/ou
recepcionista de hotel/pousada.
Há ainda quem busque a instituição escolar para justificar e, ao mesmo
tempo, negociar a ausência da escola, muitas vezes, por uma semana inteira. A
solicitação por parte dos/as educandos/as é justificada pelo fato de algumas
empresas trabalharem com turnos rotativos. Por exemplo: numa semana,
determinado grupo de trabalhadores atua das 8h às 16h; na outra, das 16h às
00h. Ao atender tal solicitação, a instituição escolar está reconhecendo uma das
especificidades presente no grupo de estudantes que frequenta a EJA, e ao
mesmo tempo, cumprindo o que determina a LDB 9394/96, em seu Artigo 37, §1º.
Segundo a referida lei, devem ser “consideradas as características do alunado,
seus interesses, condições de vida e de trabalho [...].” Nesse sentido, ao
reconhecer e legitimar tal especificidade e, desse modo, construir uma relação
mais condizente, agindo de forma flexível, buscando atender as necessidades
dos/as educandos/as que frequentam a escola de EJA, a instituição caminha em
direção a uma das preocupações externadas por Miguel Arroyo. Segundo o autor,
A maior parte dos jovens e adultos da EJA são vítimas, exatamente, da rigidez dos tempos escolares desde o pré-escolar e, ainda, teimamos que eles se adaptem à mesma rigidez no tempo da EJA. Será que não há percepção de que não é possível obrigar jovens e adultos que não dominam os seus tempos, que têm que esticá-los, sempre, para poder sobreviver, a modelos rígidos de organização dos tempos escolares? (ARROYO 2007, p. 13)
86
A rigidez dos tempos escolares determinados pelas escolas que oferecem
EJA certamente é uma das questões que tem centralizado muitos debates.
Embora existam outras situações tão preocupantes quanto, uma delas diz
respeito às dificuldades que os/as educandos/as têm para frequentar a escola,
devido ao perigo que tais sujeitos costumam ficar expostos, no trajeto entre suas
residências e a instituição escolar. A probabilidade de sofrerem um assalto e/ou
de serem estuprados/as torna-se iminente, pelo fato de morarem em regiões onde
frequentemente esses tipos de delitos são cometidos. Tal situação faz com que
boa parte, sobretudo das educandas que frequenta as escolas de EJA, ande,
sempre que possível, em grupo. Para as mesmas, essa é a forma mais segura de
continuar frequentando a escola (DA CRUZ, 2007).
Além da exposição aos perigos da violência urbana, Bárbara (30 anos),
que é cadeirante e moradora de um bairro ainda de ruas sem asfalto da periferia
de Porto Seguro/BA, precisou também superar as irregularidades das muitas vias
que cruzavam o trajeto cotidianamente percorrido entre sua residência e a escola.
De acordo com a entrevistada, só era possível fazer o referido percurso com a
ajuda de familiares e/ou de colegas. Segundo declarou, quando chovia suas
dificuldades eram consideravelmente ampliadas, devido, sobretudo, ao
surgimento de poças de água, que exigiam ainda mais esforço por parte de quem
a conduzia. Mesmo recebendo ajuda de familiares e amigos/as, afirmou: “algumas
vezes fiquei sem ir à escola por não ter quem me levasse. Fiquei chateada. Muito
chateada!” (BÁRBARA, 30 ANOS).
Meire (32 anos) também destacou o perigo em ter que caminhar, muitas
vezes por ruas escuras, até a escola, todas as noites. No entanto, para ela o mais
difícil foi administrar as cenas de ciúmes protagonizadas pelo esposo.
Às vezes meu esposo não ia à escola, e quando eu retornava, ele ficava dizendo que eu não estava estudando. Ele ficava me dizendo coisas, ciúmes, sabe? Ele achava que eu ia me encontrar com outros homens (MEIRE, 32 ANOS).
87
Meire, durante sua trajetória escolar, foi colega de classe do seu marido.
Os dois, para frequentarem as aulas, deixavam seus filhos/as trancados/as em
casa, sozinhos/as. Ele, devido ao trabalho, recorrentemente deixava de ir à
escola, dizendo-se cansado. Ela, na tentativa de minimizar os conflitos conjugais,
só frequentava as aulas nos dias em que seu esposo estava disposto a ir.
Segundo garantiu, foi a forma que encontrou para não ter que abandonar os
estudos, já que sempre que ia sozinha, seu esposo a deixava transtornada devido
às cenas de ciúmes que ele evidenciava, muitas vezes na presença das crianças.
Contornar as crises de ciúmes por parte do companheiro foi determinante
também para que Isabela (47 anos) permanecesse na escola. Segundo a
entrevistada, não foi fácil esquivar-se das investidas do seu esposo para que a
mesma desistisse de estudar. Isabela ressalta que boa parte dos problemas que
teve com seu companheiro era causada pela dependência alcoólica, da qual ele
era vítima. Assim ela narrou alguns trechos de sua trajetória:
Além de ter precisado mudar de horário no trabalho, também precisei enfrentar os ciúmes do meu marido. Quando me matriculei, fiz a matricula dele. Veio umas três vezes, depois desistiu. Ao desistir, tentou me tirar também, dizendo que na escola eu não ia aprender nada que presta. Mas eu não desisti. Mas durante todos os anos ele ficou tentando me fazer desistir. Todos os dias ele vinha me acompanhando até a porta da escola, querendo que eu voltasse para casa. Dizia que eu não ia estudar, que eu ia era a procura de homem. Colocava meus filhos para irem à escola atrás de mim. Os meninos chegavam lá dizendo que ele tinha me mandado voltar para casa. Nunca voltei, só ia embora quando a aula terminava. Foi difícil, eu enfrentei uma luta, uma luta mesmo. Tinha dia que eu saía e ele ficava em casa, quebrando tudo. Isso acontecia todos os dias que ele estava bebendo. Quando não bebia, até que era mais tranquilo (ISABELA, 47 ANOS).
Segundo Isabela, sua permanência na escola só foi possível porque
conseguiu manter uma postura firme frente às imposições do marido. Nota-se,
neste caso, que o companheiro de Isabela insistentemente lutou para interferir em
sua decisão, a de retomar os estudos. Para conseguir seu objetivo, ele foi capaz
de envolver os próprios filhos/as. A obsessão para que Isabela interrompesse sua
trajetória escolar é, na realidade, uma forma de dizer que, por parte dele, não há o
reconhecimento de que ela seja uma pessoa autônoma e/ou independente
88
autorizada a tomar decisões sobre a sua própria vida, mesmo sabendo que a
esposa contribuía financeiramente com o sustento da casa, trabalhando o dia
inteiro como doméstica, em busca de melhores condições de vida para si e,
sobretudo, para sua família. Por tudo que a entrevistada precisou passar, caso ela
não tivesse determinada a lutar pelo que queria e desejava, teria cedido às
pressões e, certamente, interrompido sua trajetória escolar.
Acredita-se que, para as mulheres, sobretudo as que trabalham fora de
casa, as dificuldades em permanecer na escola, são consideravelmente
ampliadas. Além do ciúme do marido, do cansaço da jornada de um dia inteiro de
trabalho, precisam também dar conta dos afazeres domésticos. O depoimento de
Priscila (38 anos) demonstra, de maneira muito convincente, o que ela precisou
fazer para não abandonar a escola.
Eu chegava da escola por volta das 22h30min/23h. Chegava e ainda tinha que fazer as coisas de dentro de casa. Tinha noite que eu ia dormir duas horas, até três e meia da manhã. Tinha trabalho de colégio pra fazer. Às vezes tinha que levantar cinco da manhã, pra deixar pronto, porque quando eu chegava do trabalho não dava tempo de fazer, então o trabalho tinha que está todo certinho.
Ao contrário dos homens, as mulheres precisam conciliar trabalho
remunerado (o fora de casa), trabalho não remunerado (o doméstico), a escola e
a quantidade de atividades vinculadas a ela. Nesse caso, permanecer na escola,
para as mulheres da EJA, na maioria das vezes, é ter que excluir de sua vida
cotidiana momentos importantes, como os de lazer e/ou a vivência com os
familiares, por exemplo. Além de tudo que já foi explicitado, é provável que tais
mulheres não tenham condições de sistematizar o que se aprende na escola, pois
sua vida resume-se em trabalhar, cuidar da casa, dos/as filhos/as, dos afazeres
domésticos e frequentar a escola, o que seria uma das especificidades mais
evidentes entre as mulheres populares que estudam na EJA.
Além de ter que distribuir o pouco tempo disponível entre os afazeres
domésticos, as dificuldades em manter as atividades escolares em dia, entre
89
outras, Priscila (38 anos) garantiu em seu depoimento: “para não desistir da
escola, precisei pagar alguém pra ficar com a minha neta”. Observa-se que, para
não interromper sua trajetória escolar, a entrevistada buscou onerosa alternativa.
Resolveu pagar, do próprio bolso, a uma moça, para cuidar de sua neta. A
decisão de Priscila fez com que a escola, a princípio gratuita, passasse a ter um
custo, o valor que ela pagava à cuidadora de sua netinha. Sendo assim, caso a
entrevistada não tivesse atividade remunerada, ou condição de dispor do valor
investido, teria, certamente, abandonado a escola.
Para contornar as adversidades da vida cotidiana fora da escola e, desse
modo, permanecer nos bancos escolares, os sujeitos desta pesquisa tiveram que
criar diversas alternativas. Primeiro, para retornar à escola, depois, para não ter
que abandoná-la. Nessa situação, além de Priscila, outros/as estudantes também
foram penalizados financeiramente. Dezinho (50 anos), por exemplo, em seu
depoimento relatou sobre a redução do seu salário, pois para estudar deixou de
fazer horas extras na empresa de ônibus na qual exerce/exercia a função de
motorista. As referidas horas davam ao mesmo a chance de ter seu ordenado
ampliado no fim de cada mês. Segundo o entrevistado, ele precisou criar diversas
alternativas para não desistir da escola, dentre elas, aceitar a redução salarial:
“primeiro de tudo, meu salário caiu. Até hoje meu salário é menor do que era
antes. Mas mesmo assim, se a empresa me pedir para escolher entre o emprego
e o estudo, fico com a escola” (DEZINHO, 50 ANOS).
Faz-se importante destacar, os/as educandos/as da EJA são “seres
históricos” que, enquanto humanos, “se movem no mundo, tomam decisões e,
sobretudo, buscam realizar projetos” (FREIRE, 2002). No entanto, para que tais
realizações aconteçam, é preciso antes superar os empecilhos impostos pela luta
da vida cotidiana. Em se tratando dos obstáculos que foram surgindo no decorrer
da trajetória escolar, as narrativas ressaltam: não basta vencer as adversidades
da vida fora da escola. Além dos percalços da vida extraescolar, os/as
educandos/as da EJA precisam ainda lidar com as dificuldades da vida cotidiana,
no interior da escola.
90
O depoimento de Meire (32 anos) demonstra como pode ser complexo o
retorno, bem como a rotina cotidiana no interior da escola. Ela relatou que, para
ingressar na escola, antes precisou superar a vergonha que sentia em ser
estudante das séries iniciais da EJA (1ª/2ª série). “Eu tinha vergonha (risos) de
estar na primeira série”, garantiu. Após vencer tal dificuldade e começar a
frequentar as aulas, tomou uma decisão: a fim de não expor aos demais colegas
da escola a série em que estudava, optou por não sair da sala, nem mesmo
durante o intervalo. Essa atitude, segundo declarou, a resguardaria de olhares e
de comentários “maldosos”. Tal atitude vai em direção a umas das observações
feitas por Cunha (2009, p. 31). Segundo o autor, “os estudantes da EJA, muitas
vezes, têm uma visão da realidade que os qualifica como seres inferiores”,
reflexo, sobretudo, da relação dispensada pela sociedade, em geral, aos grupos
pouco e/ou não escolarizados.
De modo geral, percebe-se que as pessoas que frequentam as escolas de
EJA não conseguem identificar que as práticas pedagógicas podem influenciar,
direta/indiretamente, em seu sucesso/insucesso escolar. Os sujeitos que
participaram desta pesquisa, por exemplo, salientaram que as dificuldades que
tiveram com algumas disciplinas decorriam, sobretudo, de suas próprias
limitações. Salvo uma exceção, os demais depoimentos afirmaram que os/as
professores/as eram dedicados e comprometidos. Não ajudavam mais porque
não tinham, devido a quantidade de estudantes por turma, condição de atender
individualmente a cada um dos/as educandos/as que apresentavam dificuldade.
Uma das entrevistadas garantiu: “a gente de mais idade não aprende igual a uma
criança. O que não aprendi foi por minha culpa mesmo. Não tinha como eu
aprender mais do que aprendi não” (ISABELA, 47 ANOS). Segundo a
entrevistada, ter retomado os estudos depois de adulta, especificamente após os
40 anos de vida, limitou sua capacidade de aprender. O mais intrigante nesta
situação é que, ao afirmar tal questão, a mesma assume para si uma
responsabilidade que não é só dela. Santos (2003, p. 122) alerta que “a
percepção de possuírem um ritmo diferente de aprendizagem, demandando mais
tempo e atenção, tudo isso, contribui para tornar ainda mais tensa e difícil a
retomada/permanência da trajetória escolar”. Além da citada situação, Santos
91
(2003) e Oliveira (2009) garantem que é comum para esses sujeitos, os da EJA,
demonstrarem sentimentos de autoculpabilização das causas do fracasso escolar.
Para Oliveira,
O problema da educação de jovens e adultos remete, primordialmente, a uma questão de especificidade cultural. [...] O primeiro traço cultural relevante para esses jovens e adultos, especialmente porque nos movemos, aqui, no contexto da escolarização, é sua condição de excluídos da escola regular. [...] De certa forma, é como se a situação de exclusão da escola regular fosse, em si mesma, potencialmente geradora de fracasso na situação de escolarização tardia (OLIVEIRA, 1999, p. 61-62)
Faz-se importante ressaltar, ainda, que a desconfiança que Isabela e
outros/as educandos/as da EJA recorrentemente têm apresentado sobre sua
capacidade de aprender, advém de um discurso construído histórico/socialmente
e, na maioria das vezes, reproduzido, consciente/inconscientemente, no interior
da escola, pela própria escola.
Entre tantas questões, para o grupo de entrevistados, o grande desafio
encontrado no interior das escolas foi o de ter que superar as dificuldades com
algumas disciplinas, em especial com a Matemática, sobretudo porque as práticas
pedagógicas desenvolvidas costumam “se distanciar do contexto concreto da vida
cotidiana, de transcendência das condições objetivamente vivenciadas”
(OLIVEIRA, 2004, p. 224). De acordo com Fonseca (2005, p. 20 – 21),
“particularmente em relação ao conhecimento matemático, os próprios alunos
assumem o discurso da dificuldade, da quase impossibilidade, de isso entrar na
cabeça de burro velho”. Segundo a mesma autora, o “burro velho” a que se
referem é, muitas vezes, um jovem ou uma jovem na flor de seus 20 anos.
Eu não sou muito boa em Matemática. Nossa! Sempre tive dificuldade com Matemática. Nossa! (risos) Porque era muito difícil. Eu chegava a conversar com o/a professor/a: não vou passar. Ele/Ela dizia: você vai. Você é inteligente. Eu dizia: tá muito difícil. Ele/Ela dizia: tá nada. Eu
92
passei arrastando em Matemática. Passei na média mesmo. Não gosto de Matemática. Em algumas unidades eu ia legal, tirava a média. Dependia do conteúdo. Quando estava mais fácil eu tirava notas mais ou menos. (BÁRBARA, 30 ANOS).
Matemática é pesada. É uma disciplina que você tem que parar mesmo. Matemática você nunca aprende (risos). Ela sempre tem uma coisinha (DEZINHO, 50 ANOS).
Matemática sempre foi o x da história (risos). Às vezes chegava em casa e ficava estudando até tarde pra consegui passar, entendeu? (MATHEUS, 53 ANOS).
Embora historicamente a Matemática tenha ocupado lugar de destaque
entre as disciplinas que os/as educandos/as da EJA têm apresentado
dificuldades, não há, segundo Fonseca (2005), na literatura que estuda o
funcionamento intelectual do adulto, ainda pouco incipiente, respaldo que co-
relacione tais dificuldades à idade cronológica do referido sujeito. Ao contrário,
assegura a autora, “a idade cronológica, entretanto, tende a propiciar
oportunidades de vivências e relações, pelas quais crianças e adolescente, em
geral, ainda não passaram. Todavia, para os participantes desta investigação, a
Matemática se coloca como o grande desafio que precisa ser superado. Se o
estudante tem mais idade, tal dificuldade tende a ser ampliada, devido, sobretudo,
aos muitos mitos que circundam a inserção desse sujeito mais velho/a aos
bancos escolares, como foi o caso de Isabela (47 anos): “Tive muita dificuldade
com a Matemática. Acho que era por causa da idade, da correria do dia-a-dia.
Cuidar de casa, de filhos. Da casa dos outros e dos filhos dos outros”. Diante de
tal afirmativa, vale destacar o que diz Oliveira (1999), sobre a dificuldade que as
pessoas que frequentam a EJA apresentam frente a escola.
Muitas vezes a linguagem escolar mostrou ser maior obstáculo à aprendizagem do que o próprio conteúdo. Alunos que nunca haviam estado na escola tinham grande dificuldade de trabalhar com a linguagem escolar, enquanto que aqueles que já haviam tido certo treino escolar demonstraram dominar a mecânica geral da escola e considerar os diversos tipos de atividades como aceitáveis no interior do mundo
93
escolar, mesmo quando desconhecidas como atividades específicas. Entretanto, ainda que esses alunos mais treinados soubessem bastante a respeito da verossimilhança das atividades desenvolvidas em classe, a apresentação formal das tarefas escolares continuou sendo um obstáculo ao seu bom desempenho (OLIVEIRA, 1999, p. 62)
Contrariando Oliveira, mas não Fonseca, Isabela (47 anos) garante que
sua dificuldade em aprender Matemática diz respeito ao peso de sua idade, ou
seja, ela não aprende Matemática porque segundo a mesma, passou a idade de
aprender. Essa tem sido uma tônica no discurso de grande parte das pessoas que
busca a escola tardiamente. Desconstruir essa (in) verdade, já que “jovens e
adultos são cognitivamente capazes de aprender por toda a vida” (DI PIERRO,
JÓIA & RIBEIRO, 2001, p. 70), é tarefa de toda sociedade, pois, se faz necessário
“superar a concepção de que a idade adequada para aprender é a infância e a
adolescência e que a função prioritária e exclusiva da educação de pessoas
jovens e adultas é a reposição de escolaridade perdida na idade adequada” (DI
PIERRO, JÓIA & RIBEIRO, 2001, p. 70). Apesar de também destacarem a
vinculação da dificuldade em aprender Matemática e/ou qualquer disciplina à
correria ou ao cansaço da lida da vida cotidiana, a ênfase a referida dificuldade
costuma ser dada, no que tange aos mais velhos, a idade considerada avançada
Em seu depoimento Priscila (38 anos), faz uma observação curiosa: “nunca
tive problema com troco e nem pra fazer contas na rua”. Mas, diferentemente, na
escola ela se via constantemente com dificuldade em lidar com as atividades de
Matemática.
A Matemática não entrava em minha cabeça. Até hoje sou péssima em Matemática. Matemática para eu fazer tem que ter paciência, senão, não consigo. Nunca tive problema com troco e fazer contas na rua, mas na escola às vezes era muito barulho. E pra eu fazer eu tinha que tá calma. (PRISCILA, 38 ANOS).
Tal dificuldade é alimentada, na maioria das vezes, pela prática pedagógica
desenvolvida pelos/as professores/as que atuam na referida disciplina, em alguns
94
casos, sem a formação inicial na área e, em muitos, sem a formação específica
em EJA. Para diminuir o fosso entre o que o/a educando/a sabe e o que é
ensinado na escola, o/a professor/a que atua na educação de pessoas jovens e
adultas deve buscar alternativas metodológicas que ofereçam sentido às
atividades desenvolvidas na sala de aula. Para Fonseca, essa procura de sentido
significa “uma busca de acessar, reconstituir, tornar robustos, mas também
flexíveis, os significados da Matemática que é ensinada-e-aprendida.” (2005, p.
75). Noutros termos, se a escola de EJA não desenvolver uma proposta que
correlacione o que se aprende na escola com o que se vive na vida cotidiana fora
dela, os educandos continuarão a enxergar a disciplina Matemática como o bicho-
papão que, não raras às vezes, alargam a possibilidade de uma pessoa jovem,
adulta e/ou idosa interromper sua trajetória escolar.
Quanto a formação do/a professor/a, ela pode contribuir ou não para o
processo de aprendizagem. Bárbara (30 anos), em seu depoimento, traz uma
questão um tanto quanto intrigante. Segundo declarou, ao buscar ajuda do/a
professor/a, tendo em vista sua dificuldade com a disciplina Matemática, ao
contrário do que esperava, percebeu que o/a docente em vez de direcionar/propor
uma ação pedagógica para que a dificuldade da educanda fosse intermediada,
fez a opção por “facilitar” as atividades, para que ela pudesse obter notas acima
da média nas avaliações e, desse modo, fosse aprovada.
Eu já tinha conversado com o professor. Tinha dito a ele que eu não ia passar na matéria dele (Matemática). Ele garantiu que eu iria passar. Então ele passava atividades mais fáceis pra mim. Ele quebrou mais o peso das atividades (risos). Também tive que estudar mais em casa. Pedi ajuda aos colegas. O professor não tem muito tempo pra explicar a gente até a gente entender.
Na ausência de estratégia e metodologias eficientes,
consciente/inconscientemente, o/a docente fez a opção por facilitar a vida do/a
estudante, através da simplificação do exercício/prova/avaliação aplicado na sala
de aula. Ao tomar tal atitude, o/a professor/a ignorou o que há de mais importante
95
na relação estabelecida entre a escola e o/a educando/a: o processo de ensino e
aprendizagem. Noutros termos, a simplificação das atividades serve, apenas,
para que o/a educando/a obtenha a nota, não o conhecimento necessário sobre o
assunto em questão.
Ao se defrontarem com as distintas dificuldades, em geral, os educandos
recorreram à ajuda de filhos: “pedi ajuda para o meu filho, que sabia mais do que
eu. Até para os meninos que criei eu pedi ajuda” (ISABELA, 47 ANOS). Isabela
ainda disse que algumas vezes chegou a “levar o caderno para o trabalho” para,
no momento que fosse possível, dar uma estudada. Outros/as educandos/as
recorreram ao professor/a, colega de sala, esposo/a, entre outros. Vale destacar
que alguns/algumas entrevistados/as disseram que recorrentemente pediam
ajuda aos colegas que dominavam a disciplina. Segundo declararam, a
explicação dos colegas tornava mais fácil a compreensão do conteúdo que o
professor/a havia ensinado, devido ao curto tempo do/a professor/a, para explicar
o assunto: “a ajuda era maior por parte dos colegas, porque os/as professores/as
tinham pouco tempo, pois tinham que ir para as outras salas, por isso o tempo
para aprofundar o assunto era curto” (GISELE, 31 ANOS).
As narrativas alertam sobre a necessidade de se refletir sobre as
dificuldades que o/a educando/a da EJA tem para permanecer na escola. Em
muitos casos, estão além do cansaço de um dia inteiro de trabalho. Os dados
apontam que outras questões têm engrossado a fila dos que interrompem a
trajetória escolar. Nota-se, diversos são os fatores. O depoimento de Matheus (53
anos) ressalta tal questão. Segundo declarou, para voltar aos bancos escolares,
“precisei vencer a mim mesmo”. Dito de outra forma, ele precisou enfrentar e
vencer seus medos, sua insegurança, enfim, a vergonha que tinha em ser aluno
das séries iniciais da EJA, no alto de seus quase 50 anos de idade.
Percebe-se, então, a partir dos relatos, que a permanência na escola, por
todo o Ensino Fundamental, em grande medida, é consequência da “forma
criativa” dos sujeitos da EJA lidarem com as adversidades encontradas no
percurso em que se desenvolveram as trajetórias escolares. Nessa direção,
eles/elas foram obrigados a construírem novas rotas, novos caminhos, pelos
96
quais tornasse possível vencer e/ou contornar os muitos obstáculos que a vida
cotidiana impiedosamente foi imprimindo. A exemplo disso, podem ser
destacados os casos de alguns sujeitos que compõem esta pesquisa, os quais
tiveram que, para permanecer na escola, aceitar que sua renda fosse diminuída,
bem como o tempo de convivência com seus familiares, como filho/a,
marido/esposa, netos/as, entre outros.
97
6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
As linhas que seguem destacam três aspectos que, de forma significativa,
contribuíram para que os sujeitos que participaram desta pesquisa
permanecessem na escola. Nesse sentido, no primeiro momento serão
destacados os fatores que, em grande medida, fundamentaram o retorno do
referido grupo aos bancos escolares e, por conseguinte, a permanência na
escola. Em seguida, é ressaltada a aprendizagem significativa enquanto elemento
transformador, responsável pela ampliação/aquisição de importantes
competências para o enfrentamento da lida da vida cotidiana. Por fim, a
importância das relações de amizade no interior da escola, para a efetivação das
trajetórias escolares ininterruptas dos/as estudantes da EJA.
A perspectiva sociológica que norteou esta investigação se coloca como
fator distintivo entre esta e as demais produções realizadas no campo da EJA.
Outro aspecto deste trabalho que vale ser destacado diz respeito ao objeto de
estudo desta pesquisa, ainda pouco investigado: a permanência do/a estudante
da EJA no processo de escolarização. Nos últimos anos, quando se pretendia
discutir acerca da dificuldade que o/a referido/a educando/a apresenta para
permanecer nos bancos escolares, buscava-se identificar e compreender, no mais
das vezes, as razões que levam tais sujeitos a abandonarem a escola. Todavia,
nesta investigação, a proposta foi a de escutar os/as que conseguiram
permanecer na escola, por todo o Ensino Fundamental, na tentativa de analisar e,
ao mesmo tempo, compreender o que o referido sujeito precisa fazer para não ter
que abandonar a instituição escolar.
Diante da conhecida dificuldade que os/as educandos da EJA apresentam
para re/começar os estudos depois de adultos e, sobretudo, permanecer na
escola, pode-se ter a falsa impressão de que os que conseguiram sobreviver nos
bancos escolares por um período mais longo não tiveram que enfrentar
obstáculos durante o percurso escolar. Os relatos dos sujeitos que deram voz a
este trabalho afirmam que o fato de terem conseguido permanecer na escola,
98
ininterruptamente, por todo Ensino Fundamental, não significa dizer que a
experiência escolar tenha sido vivenciada de forma tranquila, ao contrário,
motivos para abandonar a escola foram muitos, tanto no que diz respeito às
questões vividas no espaço extra, como intraescolar, como foi visto também em
outras pesquisas20. Aliás, faz-se importante destacar que, embora tais sujeitos
tenham desenvolvido trajetórias escolares diferentes da grande maioria dos/as
estudantes que frequenta as escolas de EJA, os mesmos são portadores de
histórias de vida muito semelhantes daquelas apresentadas entre os/as que
costumam interromper suas trajetórias escolares.
A permanência do grupo de entrevistados/as na escola, em grande medida,
pode ser justificada, entre outras razões, pela capacidade de negociação que
cada um/a teve no momento em que foi preciso enfrentar as turbulências da vida
cotidiana. Em dados momentos, no afã de garantir seu direito constitucional, aliás,
direito humano, o de frequentar uma escola, alguns sujeitos chegaram a colocar
em risco o próprio sustento e/ou de seus familiares, ao afirmar ao patrão que
preferiam sair da empresa, a ter que abandonar a escola. Nesse sentido, acredita-
se, o que contribuiu para que a trajetória escolar dos referidos sujeitos tomasse
rumo distinto dos demais estudantes populares que frequentam as escolas de
EJA diz respeito à disposição que os mesmos tiveram para enfrentar os
obstáculos que foram surgindo no decorrer de sua experiência escolar.
Inevitavelmente todos/as tiveram que superar adversidades, tanto fora da escola,
como no interior dela. E quando não foi possível vencê-las, para permanecer na
escola, tiveram que buscar novas rotas e, estrategicamente, contorná-las
A disposição do referido grupo, no que tange ao enfretamento das distintas
adversidades, tem a ver com o que tais sujeitos objetivavam. Havia uma razão
muito forte que justificava todos os esforços empreendidos para que a interrupção
da escola não ocorresse. O sentido que a escola foi ganhando para cada um/a
alimentava a capacidade de resistência e, ao mesmo tempo, maximizava o poder
de superação que existia dentro deles/delas. Esse sentido tinha uma relação
direta com os sonhos e, principalmente, com as expectativas depositadas na
20 Bastos (2011); Valle (2010); Reis (2009); Coura (2008) e Santos (2003)
99
própria escolarização. Segundo Fonseca (2005, p. 33), muitos educandos
“deixam a escola, sobretudo, porque não consideram que a formação escolar seja
assim tão relevante que justifique enfrentar toda essa gama de obstáculos à sua
permanência ali”. Tal assertiva ressalta o que foi dito anteriormente. De fato, havia
nesse grupo algo que o tornava distinto da grande maioria dos estudantes que
frequenta as escolas de EJA. A experiência escolar, defendiam os entrevistados,
alicerçava e, ao mesmo tempo, ampliava o leque de possibilidades de se ter uma
vida mais digna, econômica e socialmente, como por exemplo, a de contribuir no
processo de escolarização dos/as filhos/as e netos/as (ISABELA, 47 ANOS); a de
conseguir um emprego melhor, onde fosse possível trabalhar menos e ganhar
mais (PRISCILA, 38 ANOS), aliás, justificativa da maioria; e/ou a de cursar o
ensino superior (BÁRBARA, 30 ANOS).
Um outro aspecto a ser considerado, em relação à permanência do/a
estudante da EJA na escola, diz respeito à aquisição de aprendizagens. É
inegável que o prolongamento da presença do/a educando/a jovem, adulto/a e/ou
idosa na escola tem, a princípio, a capacidade de promover a
ampliação/aquisição de importantes competências para a lida da vida cotidiana.
Os relatos sinalizaram que há diferentes percepções acerca da apropriação do
saber vivenciada pelos/as educandos/as da EJA na escola. A desenvoltura na
forma de se expressar, a autonomia na escrita e leitura, a descoberta de direitos
até então ignorados, entre outras situações, foram apontadas como
conhecimentos importantes que a experiência escolar proporcionou. “Estudos têm
demonstrado que é necessária a presença destes estudantes pelo menos até um
nível de escolaridade equivalente à 5ª série do Ensino Fundamental para garantir
o pleno usufruto da sua capacidade de ler escrever e contar” (HADDAD, 2007,
p.10). Para Charlot (2000, p. 60), “adquirir saber permite assegurar-se um certo
domínio do mundo no qual se vive, comunicar-se com outros seres e partilhar o
mundo com eles, viver certas experiências e, assim, tornar-se maior, mais seguro
de si, mais independente”.
As falas dos sujeitos da pesquisa ao ressaltarem tais aprendizagens, a
principio, pareciam um tanto quanto ingênuas. Mas, analisadas, nota-se que elas
trazem à tona algumas questões que a escola, de modo geral, não tem dado
100
muito valor. O olhar escolarizado da instituição escolar, ou seja, a forma como a
escola tende a enxergar os/as educandos/as da EJA, na mesma ótica em que se
observa os/as estudantes do ensino regular, impede que tais aprendizagens, tão
importantes para esse grupo – como aprender a se posicionar frente a uma
discussão, a conhecer seus direitos, a de falar com desenvoltura diante de um
público, entre outros –, sejam reconhecidas como aprendizagens de fato.
A ampliação da escolarização para os sujeitos da EJA se mostra como
uma oportunidade geradora de projetos, os quais tendem a potencializar o
processo de mudança em relação ao presente vivido (REIS 2009). Nesse sentido,
vale destacar, o alargamento da experiência escolar, em grande medida, é
consequência das estratégias de sobrevivência desenvolvidas por tais sujeitos
durante o processo educativo, por essa razão elas ocupam lugar significativo, pois
foram por meio das estratégias que os participantes desta pesquisa puderam
superar e/ou contornar os obstáculos impostos pela vida cotidiana.
A pesquisa mostrou, ainda, que a permanência das pessoas que
frequentam as escolas de EJA por um tempo mais estendido, além de criar
condições de se fazer novas amizades, tende a reacender alguns
sentimentos/sonhos que, a princípio, pareciam esquecidos/adormecidos. Assim
foi possível constatar que, ao vivenciar o processo de escolarização, tais sujeitos
passaram a sentir-se mais confiantes, autônomos e, sobretudo, interessados em
conhecer seus direitos, assumir o que lhes foi negado por toda uma vida: sua
cidadania.
Nesse sentido, a meu ver, os estudos em torno da permanência podem
desconstruir uma ideia, há muito disseminada na sociedade: a de que a EJA seja
lugar, apenas, dos fracassados, atendidos por uma proposta “igualmente”
desvalorizada. Penso que, devido à importância para o campo de pesquisa, seja a
hora de se investir mais em estudos que problematizem a temática da
permanência. Acredito que, ouvindo os/as que conseguem permanecer na escola,
seja mais fácil compreender e, por conseguinte, combater o processo que
alimenta o fenômeno da interrupção. Diante dessa discussão, a da permanência
do estudante da EJA nos bancos escolares, cabem indagações: não há trajetória
101
de sucesso escolar21 entre os/as estudantes que frequentam/frequentaram às
escolas de EJA? Dito de outra forma, os/as educandos/as oriundos/as das
classes de educação de jovens e adultos não alcançam o ensino superior?
Outro aspecto que contribuiu de forma significativa para que fosse possível
construir trajetórias ininterruptas na EJA, diz respeito às relações de amizade
construídas no interior da instituição escolar, dada a importância atribuída
pelos/as entrevistados/as a essa questão. Para os sujeitos da pesquisa, a
experiência vivida em torno da sociabilidade foi significativamente positiva, a
ponto de ser lembrada como momentos nostálgicos. Nessa trama, muito se falou
dos encontros, das festinhas e, sobretudo, das amizades que foram sendo
construídas durante o percurso escolar. Segundo argumentaram, sempre que
possível, buscavam permanecer na mesma turma, pois a intimidade construída ao
longo do tempo ajudava a tornar a escola mais agradável, mais interessante.
A importância das experiências vividas em torno da sociabilidade, no que
diz respeito à permanência do/a educando/a da EJA na escola, também foi
apontada por Mileto (2009), em sua pesquisa intitulada “No mesmo barco, dando
força, um ajuda o outro a não desistir – Estratégias e trajetórias de permanência
na Educação de Jovens e Adultos”. Em uma de suas conclusões, o autor afirmou:
Foi possível concluir que os processos de permanência mantêm uma relação diretamente proporcional com as trajetórias escolares anteriores e com os processos de construção de redes de sociabilidade fundamentadas em vínculos de cooperação e solidariedade.
Ainda sobre as relações de amizade construídas na escola, merece
destaque a atenção dispensada pelas instituições escolares aos estudantes que
deixavam de frequentar a escola. Em parceria com os discentes, ao notar a
ausência de determinado/a educando/a na escola, sempre que possível,
professores/as e coordenadores/as se mobilizavam, na tentativa de trazer de volta
21 Entende-se por sucesso escolar, nesse caso, a chegada do/a educando/a da EJA ao terceiro grau, cuja trajetória, quando realizada por sujeitos oriundos das classes populares, é denominada por Viana (2007), por Longevidade Escolar.
102
o/a educando/a ora desmotivado. O contato era feito das mais diversas formas, a
saber: por telefone, bilhetes, recados e até por meio de visitas às moradias. De
acordo com os relatos, diversos estudantes que haviam abandonado a escola,
após o referido contato, acabaram retornando.
Diante do exercício que foi a realização desta pesquisa, fica a certeza de
que tive a oportunidade de refletir e constatar o quanto as trajetórias humanas
podem pesar sobre as escolares. Como disse Arroyo (2009), esses/as
educandos/as, os da EJA, precisam ser vistos e compreendidos a partir das
marcas que suas trajetórias humanas deixaram sobre cada um/a deles/as, pois
sem compreender as primeiras, talvez, suas trajetórias escolares jamais serão
compreendidas. Por tudo que vivi nesses últimos meses, tenho a certeza de que,
ao concluir esta empreitada, tornei-me mais humano e, acredito, mais sensível ao
olhar para esses sujeitos com os quais cotidianamente me esbarro, converso,
enfim, com os quais encontro na escola, na rua, na vida.
103
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113
ANEXO A
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA
• Você nasceu aqui mesmo, em Porto Seguro?
• Em que você trabalha? Qual é sua profissão?
• Quantos irmãos você tem?
• Todos eles estudaram ou estudam? Até que ano?
• Você é casado (a)? Tem filhos?
• Você estudou quando criança?
• Por que você, depois de adulto (a), resolveu voltar a estudar?
• Retornar à escola foi uma decisão fácil ou difícil? Por quê?
• Seu retorno à escola foi incentivado por familiares, amigos e/ou religião?
• Você se sentiu bem acolhido (a) pela escola?
• A escola que você estudou fica distante ou próxima da sua casa? E do seu
trabalho?
• A escola que você estudou era muito diferente da que você imaginou
estudar? Comente.
114
• Depois de voltar a estudar, você sentiu vontade de desistir da escola? Por
quê?
• Depois de voltar a estudar houve, por parte da escola (professor (a),
coordenador (a), diretor (a) e/ou outro funcionário) algum tipo de incentivo
para que você continuasse seus estudos, ou seja, não abandonasse a
escola?
• A escola que você frequentou conseguiu corresponder as suas
expectativas? Explique.
• Dentre os diversos motivos, qual deles você considera ter sido o mais
importante, o que te fez sair todos os dias de casa e ir à escola?
• Em especial, houve algum professor (a) que tenha se tornado uma grande
referência nesses anos que você passou na escola? Comente.
• Você teve dificuldades com os estudos, digo, com os conteúdos aplicados
pelos professores?
• Qual disciplina você teve mais dificuldade? Por quê?
• E qual teve mais facilidade? Por quê?
, mas não teve oportunidade? Comente.
• O que você mais gostou de ter vivido durante os quatro anos que passou
na escola? Por quê?
• E o que você não gostaria de ter vivido? Comente.
• Qual dos espaços da escola você mais gostava de frequentar? Por quê?
115
• Qual dos espaços da escola você gostaria de ter frequentado?
• Sabe-se que, para o adulto estudar, é preciso que sejam superadas muitas
barreiras. Para você, onde residiam os maiores obstáculos, na sua vida
diária (família, trabalho, emprego, etc.) ou na escola (conteúdo, horários,
provas, etc.)?
• O que você precisou fazer para não ter que abandonar a escola?
• Você, de alguma forma, sofreu influência de amigos, da religião ou da
família para não abandonar os estudos? Comente.
• Esse retorno à escola trouxe mudanças para a sua vida? Quais?
• Para você, o que é escola?
116
ANEXO B
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE
Os pesquisadores da Faculdade de Educação da Universidade Federal de
Minas Gerais, Maria José Braga Viana (professora orientadora) e Neilton Castro
da Cruz (mestrando) têm o prazer de convidá-lo/a a participar da pesquisa
intitulada “CASOS POUCO PROVÁVEIS: trajetórias ininterruptas de estudantes
da EJA no Ensino Fundamental”. O objetivo principal da pesquisa é identificar e
analisar casos de estudantes da EJA que tenham realizado toda a trajetória do
Ensino Fundamental (de 1ª a 8ª série) nessa modalidade de ensino, sem
interrupção.
Tendo em vista os dados apresentados pela Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios – PNAD 2007, que afirmam ser menos de 5% o número
de estudantes matriculados nas séries iniciais da Educação de Jovens e Adultos
conseguem concluir o primeiro segmento (de 1ª à 4ª série), sem interrompê-lo e,
no segundo segmento (de 5ª à 8ª série), menos de 16%, a pesquisa pretende
identificar e analisar, sociologicamente, como são construídos os caminhos, as
relações, as estratégias pelos estudantes da EJA, enfim, como são
desenvolvidas as suas ações, no sentido de garantir sua permanência
ininterrupta na escola durante todo o Ensino Fundamental (da 1ª a 8ª série).
A coleta de dados será feita por meio de entrevistas com estudantes da
EJA (maiores de dezoito anos) que se enquadrem na proposta da pesquisa acima
explicitada. Tais entrevistas, se você permitir, serão gravadas e, posteriormente,
transcritas na íntegra. Fica garantido o acesso ao conteúdo transcrito, bem como
o direito ao veto de parte ou de toda a transcrição. As entrevistas se constituirão
principalmente de relatos de sua história de vida, tendo como tema principal a sua
trajetória escolar na educação de jovens e adultos. Os locais e horários das
117
entrevistas serão combinados com você, respeitando sua disponibilidade e
preferência. Vale ressaltar que você não terá nenhum custo com a pesquisa.
Gostaríamos de esclarecer que o uso do material coletado será destinado
exclusivamente para a realização desta pesquisa e que seu anonimato ficará
assegurado por meio do uso de nome fictício. É importante salientar que estamos
disponíveis para qualquer esclarecimento no decorrer da pesquisa e que você
tem assegurada a liberdade para participar ou não, bem como o direito de retirar
seu consentimento em qualquer fase, sem que isso lhe acarrete quaisquer tipos
de prejuízo, seja no que diz respeito a sua vida acadêmica e/ou pessoal.
Caso concorde em participar da pesquisa, favor preencher seu nome e
assinar abaixo:
Nome:__________________________________________________________
Assinatura: ______________________________________________________