UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CARMEN CINIRA SIQUEIRA LEITE
TRAJETÓRIAS DE PROFESSORAS NEGRAS: VIDA
ESCOLAR E PROFISSÃO
CUIABÁ-MT 2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EDUCAÇÃO, CULTURA E SOCIEDADE
CARMEN CINIRA SIQUEIRA LEITE
TRAJETÓRIAS DE PROFESSORAS NEGRAS: VIDA ESCOLAR E PROFISSÃO
CUIABÁ-MT 2006
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CARMEN CINIRA SIQUEIRA LEITE
TRAJETÓRIAS DE PROFESSORAS NEGRAS: VIDA ESCOLAR E PROFISSÃO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação, na Área de Contração: Educação Cultura e Sociedade, linha de pesquisa: Movimentos Sociais, Política e Educação Popular.
Orientadora: Profª Drª Maria Lúcia Rodrigues Muller
Cuiabá-MT 2006
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Dados Internacionais de Catalogação na Fonte
Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.
L533t Leite, Carmen Cinira Siqueira. Trajetórias de professoras negras: vida escolar e profissão./ Carmen Cinira Siqueira Leite. Cuiabá: UFMT, 2006. Dissertação – Mestrado em Educação – UFMT Orientadora: Profa. Dra. Maria Lúcia Rodrigues Muller 1.Professoras Negras. 2.Identidade Racial. 3.Ascensão Social.. I.Título. CDU 37 : 316.483
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À Emilie Carine, que, como eu, encontre bons conselheiros e ótimos amigos e amigas, brancos e negros.
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À “Olorum” e o seu reino de liberdade, justiça e paz. Agradeço pela luz que me guiou
nesta trajetória.
Às minhas irmãs: Elinéia e Joanice e meus irmãos: Ésio e Claudio; quero que saibam que
sem o apoio incondicional de vocês seria mais difícil concluir esta tarefa.
A meu pai, por quem tenho profunda admiração. Agradeço pelos ensinamentos de vida.
A meu companheiro Amilton por sua grandeza e força de viver. Cuja generosidade seria
impossível de agradecer. Cuja presença foi fundamental no decorrer do mestrado.
Às amigas: Ângela, Lori e Wanda pela amizade estruturada no decorrer do mestrado.
Ao povo do NEPRE pelo apoio e incentivo.
Às mulheres negras, que me ensinaram a enfrentar e celebrar a vida. E que gentilmente
cederam parte de seu valioso tempo para que as entrevistasse e que se dispuseram a falar
um pouco sobre suas vidas.
Às companheiras, Telma Maria, Thelma e Elza pela colaboração na entrevista exploratória.
Aos professores: Drº. Luiz Augusto Passos e Drª Moema De Poli Teixeira, pelas
contribuições no exame de qualificação.
E por fim, eu seria relapsa se não mencionasse uma mulher extraordinária que transformou
a minha vida profundamente. “Minha mãe”. Companheira de ofício, exemplo de vida. Sou
grata pelas preces em que rogastes por mim.
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RESUMO
Este estudo é sobre historias de vida de professoras negras. O objetivo foi investigar as trajetórias de vida escolar e profissional de professoras negras da Rede Municipal de Educação de Cuiabá. Buscou-se entender qual o processo vivenciado por elas desde o inicio da escolarização até assumir a docência. Suas trajetórias revelam o que é ser professora negra numa sociedade racista e sexista bem como a forma como construíram suas identidades racial, feminina e profissional e realizaram seus projetos de vida. Utilizou-se metodologia qualitativa e para a coleta de depoimentos adotou-se a técnica de historia de vida. Apesar de serem historias diferentes, em determinados momentos revelam persistência e autodeterminação para sobrepor as dificuldades na trajetória escolar até assumir a docência. As narrativas fornecem pistas sobre a existência da autonomia no local de trabalho. Por outro lado, veem-se as estratégias encontradas para driblar situações com a discriminação racial e de gênero. Para a concretização do projeto de vida tendo em vista a docência; a família aparece nos relatos como aquela que oferece apoio moral, afetivo, simbólico e financeiro. Portanto, dar voz às mulheres negras, implica em dar visibilidade a esse sujeito silenciado pela história. Constata-se que ainda é pouco o número de mulheres negras que tem obtido visibilidade e a ascensão social através da educação. Palavras-chaves: Professoras Negras; Identidade Racial; Ascensão Social.
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ABSTRACT
This study is about the life stories of black teacher women. The objective is concerned with school and family background of black teachers from Cuiabá Education Secretariat. It was necessary to understand what they have been living since they started their school life until they have become teachers. The challenges these teachers faced reveal what it is to be a black teacher in a racist, sexist society and the way they have constructed their racial, feminine, professional identity and achieved their goals. It was used qualitative methodology and to collect data, it was adopted the technique of life story. Although there are different stories, at a particular point, the stories reveal that the black teachers had persistence and self-determination to overcome the difficulties during school process until becoming teachers. The narratives provide clues about the existence of autonomy at workplace. On the other hand, it´s possible to notice the strategies found to avoid situations with racial and gender discrimination. To achieve the project of beeing a teacher; family appears in the reports as one that provides moral, emotional, symbolic and financial support. therefore, giving black women the opportunity to speak out, implies giving visibility to this people who were silent by history. The number of black women who have achieved visibility and social mobility through education is still very low. Key words: Black teachers, Identities Racial, Social Ascension.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................................12 I - AS CORES DAS DESIGUALDADES.........................................................................23 1.1 – Marcas das Desigualdades Raciais..........................................................................23 1.1.2 – Desigualdades raciais na educação...........................................................................24 1.1.3 – Distribuição de renda e mercado de trabalho...........................................................27
II - DAS IDENTIDADES...................................................................................................30 2.1 – As Identidades na Pós-Modernidade.......................................................................30 2.1.2 – Identidade feminina..................................................................................................34 2.1.3 – Identidade profissional.............................................................................................39 2.1.4 – Identidade racial.......................................................................................................42 2.1.5 – A cor das entrevistadas.............................................................................................46 2.1.6 – Cabelo e corpo: nas relações sociais........................................................................52 2.2. – Cabelo Crespo: Na Mira dos Observadores.........................................................59 2.2.1 – Ser Mulher Negra no Brasil......................................................................................63 III - AS TRAJETÓRIAS...................................................................................................74 3.1 – Trajetórias que se Cruzam e se Distanciam............................................................75 3.1.2 – Preconceito racial, discriminação racial e racismo na trajetória de vida.................84 3.1.3 – Discriminação racial nas relações sociais................................................................87 3.1.4 – O papel da escola na desconstrução do racismo.......................................................95 3.1.5 – A escola: ação pedagógica e conflito.....................................................................102 3.1.6 – A temática racial: um compromisso das professoras negras..................................109 IV - A DOCÊNCIA.........................................................................................................115 4.1 – A Profissão Docente................................................................................................115 4.1.2 – Mulheres ocupam o magistério..............................................................................118 4.1.3 – A missão civilizadora.............................................................................................120 4.1.4 – Mulher negra no magistério...................................................................................124 4.1.5 – O magistério escolha ou vocação...........................................................................128 4.1.6 – Projeto de vida 4.2. – As Redes de Apoio ou Solidariedade....................................................................148 4.2.1 – Mobilidade social e ascensão social.......................................................................157 4.2.2 – A autonomia na atividade docente.........................................................................162
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CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................164 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS...........................................................................170
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INTRODUÇÃO
A idéia de realizar uma investigação sobre trajetória de professoras negras que
atuam no magistério cuiabano nasceu de um desejo pessoal ao participar do projeto
denominado “Cultura e as minorias: ações educativas”, implementado pela Secretaria
Municipal de Educação de Cuiabá.
A hipótese inicial para a realização dessa proposta era que na sociedade
brasileira, o racismo, embora silenciado e camuflado, fizesse parte da realidade da grande
maioria de indivíduos que compõem a população negra, assim, resultando em
desigualdades sociais, econômicas, educacionais, etc. E a escola como uma instituição
dessa sociedade não estaria imune aos efeitos perversos do racismo, visto que adotam em
suas práticas esse mesmo silêncio e caráter dissimulador.
Assim, a SME, a partir do projeto, “Cultura e as minorias: ação educativa”
levou essa discussão para dentro das escolas através de oficinas, concursos e reuniões
pedagógicas com professores e coordenadores pedagógicos. Percebeu-se a necessidade de
um debate mais profundo sobre essa questão tendo em vista o despreparo do corpo docente
para lidar com a temática de raça, gênero enfim as minorias.
No entanto, nas gestões administrativas seguintes ocorreu a interrupção do
referido projeto, que ficou desse modo, sem uma avaliação, no sentido de conhecer os
resultados alcançados no período de sua realização. Apesar de não ser este o objetivo desta
pesquisa, mas, o que importa aqui e esclarecer que no resgate histórico das políticas
educacionais implementadas pela rede de ensino de Cuiabá, as questões raciais já
configuraram como ponto nevrálgico no cenário educacional.
É no contexto desse cenário mais geral delimitado pelo magistério da cidade
de Cuiabá, capital de Mato Grosso, que a experiência escolar e profissional de professoras
negras que nele atuam torna-se o centro do que propõe este estudo.
A pesquisa tem como objetivo entender como e qual foi o processo vivenciado
pelas professoras negras desde o inicio de sua escolarização até assumirem a docência, a
partir de suas trajetórias de vida escolar e profissional, reconstruídas por meio de memórias
individuais.
A memória individual é a expressão da subjetividade de cada individuo, ou
seja, dos gostos, dos hábitos, dos desejos, das aspirações acerca das experiências vividas
no contexto de uma coletividade. Logo, o individual e o coletivo se intercruzam. Como diz
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Maria Izaura Pereira Queiroz (1998) existe um “ponto de intersecção das relações entre o
que é exterior ao individuo e o que traz em seu intimo”. (p.40)
Desse modo, tem-se que a memória individual das professoras negras é
construída como parte de uma memória coletiva, que diz respeito a uma história do negro
em contexto brasileiro e cuiabano e, ainda, a uma memória especifica da docência local.
Neste trabalho, buscam-se apreender por meio de memórias e narrativas de
professoras, a respeito de suas trajetórias de vida, as lembranças das experiências pessoais,
vividas ou não com relação à questão racial, na tentativa de compreender a incidência ou
não, dessas experiências em suas trajetórias escolares e profissionais, acerca da mesma
questão.
Lembrar, entretanto não significa reviver as experiências tais como elas
aconteceram, mas, evocar do passado os fatos e as situações que, gravadas na memória
adquiriram um significado particular para o momento atual da vida. Desse modo, “a
lembrança é em larga medida uma reconstrução do passado com a ajuda dos dados
emprestados do presente” (HALBWACHS, 1990, p. 71).
Ecléa Bossi (1990) também enfatiza que:
A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora à nossa disposição, no conjunto de representações que povoam nossa consciência atual. Por mais nítida que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ela não é a mesma imagem que experimentamos na infância, porque nós não somos os mesmos de então e porque nossa percepção alterou-se e, com ela, nossas idéias, nossos juízos de realidade e de valor. (BOSSI, 1990, p.17)
O trabalho com a memória é indissociável da organização social da vida e, por
isso, marca a construção da própria trajetória dos indivíduos, através de uma ordenação
coerente e continua dos acontecimentos que determinam suas existências (POLLAK,
1989). Sendo assim, há uma forte relação entre memória e trajetória.
A trajetória, de acordo com Pierre Bourdieu (1988), nada mais é do que uma
“serie de posições sucessivamente ocupadas por um agente (ou mesmo grupo), num espaço
que é ele próprio um devir, estando sujeito a incessantes transformações” (p. 189). Essa
noção de trajetória refere-se ao deslocamento dos sujeitos no espaço objetivo da vida
social, permitindo considerar as inter-relações que necessariamente existem entre os dois
aspectos da abordagem biográfica: um que informa sobre o social e outro que fala sobre o
sujeito. Sendo assim, a narrativa biográfica, responsável por recuperar, através da
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memória, a trajetória dos sujeitos, tem muito da reflexão que este sujeito faz sobre si
mesmo e também sobre sua própria ação.
Para a antropóloga Suely Kofes (2001), a noção de trajetória traçada por
Bourdieu deve ser entendida a partir da perspectiva do sujeito e de sua narrativa, pois ao
contarem suas vidas, recorrendo à memória, os indivíduos estabelecem uma seqüência
lógica dos acontecimentos vividos e a ela atribuem sentidos e significados próprios. Dito
de outra forma, os indivíduos se deslocam pelo espaço objetivo que constitui as relações
sociais, imprimindo sobre ele suas marcas, suas interpretações, enfim, suas subjetividades.
Com isso, memória e trajetória se intercruzam e é neste intercruzamento que se
reconstrói aqui, a experiência vivida pelas professoras cuiabanas, principalmente no
universo da escola, como alunas e como profissionais da educação.
Neste sentido, rever o passado, representado pelas experiências vividas por elas
ao longo de suas trajetórias de vida, consiste em modificar o presente e em compreender
como isso ressignifica o futuro, tanto o delas como sujeitos portadores de uma condição
especifica, quanto de suas posturas pedagógicas frente a questão racial.
De acordo com Walter Benjamin (1985) ao falar sobre conceito de história,
passado e presente se conectam, se entrecruzam e se transformam.
O passado se transforma porque este assume uma forma nova, que poderia ter desaparecido no esquecimento; o presente se transforma porque se revela como sendo a realização possível dessa promessa anterior, que poderia ter-se perdido para sempre, que ainda pode se perder se não a descobrirmos, inscrita nas linhas do atual. (BENAJAMIN, 1985, p. 16).
Boaventura de Souza Santos (1997) também evoca o passado para “pensar a
transformação e a emancipação sociais, reinventando-o e restituindo-lhe a capacidade de
revelação” (p. 103), sobretudo no campo pedagógico. Exemplar, neste debate é ainda, seu
texto para uma Pedagogia do Conflito (1996), no qual propõe que se estabeleça o conflito
entre o passado e o presente, na tentativa de desestabilizar os modelos epistemológicos
dominantes e de fazer emergir um novo tipo de relacionamento entre saberes, entre pessoas
e grupos.
É neste sentido que evocar do passado e do presente, por meio das narrativas,
as lembranças das professoras de Cuiabá, tendo a memória como agente desencadeador
desse processo, torna-se possível desestabilizar as idéias pré-concebidas sobre a questão
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racial na escola e, ainda, que as professoras revejam seus conceitos, suas práticas
pedagógicas para que possam construir novos relacionamentos no universo da escola.
Alguns caminhos foram percorridos até chegar às dezesseis professoras que se
constituem aqui, como referência para o mergulho em profundidade das questões
propostas. Esses caminhos envolveram o trabalho de campo e a definição da metodologia
utilizada.
Em 2004, na tentativa de encontrar professoras negras atuantes na rede
municipal de ensino de 1º, 2º e 3º Ciclos e de tornar visível sua trajetória no magistério
cuiabano foi realizado um mapeamento do número de professoras negras, em cada uma das
escolas que compõem o universo pesquisado, considerando o ponto de vista da equipe
gestora (diretor, coordenador pedagógico e secretario escolar) sobre quanto, quais e
quantas professoras seriam negras ou não.
O mapeamento operou com a perspectiva pessoal dos informantes, sem a
interferência do olhar da pesquisadora, sendo que nesse primeiro momento todos os
informantes identificaram como negras as professoras que tinham a pele preta. Com isso, o
termo: negra foi empregada pelos informantes como sinônimos do termo preto.
Ainda em dezembro do mesmo ano, realizou-se pesquisa exploratória para
testar o instrumento de coleta de dados (roteiro de entrevista). Para essa etapa vali-me da
relação de amizade, contei com a participação e colaboração de três professoras de minha
relação pessoal.
Já em 2005, retomei o universo com o propósito de estabelecer o contato e
identificar, por meio da atribuição feita por mim, e da autoatribuição pelas professoras,
assim, o termo negra foi utilizado para referir-me a todas as professoras que possuíam o
fenótipo, ou seja, traços físicos (cor de pele, formato de nariz, lábios, tipo de cabelo) que
indicassem uma possível pertinência racial ao grupo negro, independente das nuanças da
cor da pele.
Com essa perspectiva em mente, fui em busca das professoras negras, sujeitos
desta pesquisa. Num primeiro momento participei da assembléia do sindicato dos
profissionais da educação e como observadora selecionava as professoras que de acordo
com os critérios assumidos quanto ao fenótipo. (cor da pele, independente da tonalidade,
ser mais clara ou mais escura, e outros traços físicos), foram identificadas e consideradas
como negras, a partir da atribuição e dos critérios adotados.
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No entanto, no final da reunião, com muita cautela conversava com tais
professoras, explicando o tema da pesquisa e buscava indícios da autoatribuição que
tinham de si mesmas. A autoatribuição efetivamente dependeu da atividade posterior com
as professoras, mediante a coleta de depoimentos e entrevistas.
Vale ressaltar que nesse momento o contato com as professoras também se deu
via relação de amizade, estabelecida através de amigos pessoais que me apresentavam às
suas amigas, assumindo a função de intermediários para se chegar às outras professoras.
Outro momento também muito importante foi realizado através de visitas a
algumas escolas que são administradas por diretoras, também minhas amigas pessoais, que
conheço de longas datas. Essa visita teve como objetivo conhecer o quadro de professores
das escolas tendo a clara intenção de selecionar as professoras que contemplassem os
critérios adotados. Nesse momento algumas professoras, após concordar em participar da
pesquisa, também indicavam outra colega, da mesma escola e, também de outras escolas.
Assim, fui seguindo as informações daqueles que considero como colaboradores.
A intenção inicial era selecionar somente dez sujeitos, número definidos por
mim e minha orientadora como ideal, no entanto, com as indicações dos colaboradores
chegou-se a dezesseis, privilegiando assim algumas indicações.
No processo inicial para além dos termos de classificação, as conversas
estabelecidas com as professoras permitiram, também, perceber o interesse ou a resistência
em falar sobre um assunto tão controverso e difícil de ser discutido. No entanto como
pesquisadora, mulher e professora, outros caminhos gradativamente se abriram para vencer
tais resistências, possibilitando intensas trocas, principalmente no momento das entrevistas.
As entrevistas, em sua maioria, foram realizadas no ambiente escolar, somente
duas professoras optaram por realizá-las em sua casa. O dia e horário foram escolhidos por
elas, demandando tempo e preparo no sentido de buscar maiores evidencias do até então
percebido e obtido com os passos anteriores, e em caráter exploratório, como meio de
aproximação do objeto e seleção mais precisa da realidade investigada.
As informações coletadas sobre a auto atribuição das professoras, sobre suas
impressões com relação à questão racial na vida escolar e profissional, consistem num
mapeamento geral do tema aqui proposto.
O conhecimento desse universo permitiu selecionar dezesseis professoras
negras atuantes no magistério cuiabano, visando com elas reconstruir suas trajetórias de
vida. São essas professoras cujas experiências foram várias vezes mencionadas nas
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conversas estabelecidas com coordenadores, diretores de escolas e com outras professoras.
São elas, portanto, por diferentes motivos, professoras importantes no cenário educacional
de Cuiabá.
Para a etapa de reconstrução das trajetórias de vida das professoras, a
metodologia qualitativa da história oral se fez necessária, pois possibilita compreender os
processos, os acontecimentos e as relações sociais, a partir da perspectiva dos agentes nelas
envolvidos, e do debate teórico que a fundamenta.
Para Marcelo Kunrath Silva (1999, p. 116) a história oral constitui um método
que integra um campo das chamadas metodologias qualitativas, ou seja, integra um campo
de construção nas Ciências Sociais, sobre como abordar o objeto de pesquisa teoricamente
construído. Como núcleo deste campo, podemos localizar a preocupação em apreender os
processos, acontecimentos e relações sociais, a partir da perspectiva dos dados, a história
oral confere centralidade ao que os agentes sociais comunicam, compreendendo estes
elementos, como fundamentais para a reconstrução, compreensão e explicação de processo
sócio histórico.
É neste sentido que a noção de experiência humana defendida por Thompson
(1982, p.182) permitiu compreender a perspectiva dos agentes como sendo o ponto de vista
de homens e mulheres que se assumem como sujeitos, “não como sujeitos autônomos
indivíduos livres, mas como pessoas que experimentam suas situações e relações
produtivas determinadas como necessidades, interesses e como antagonismos; e em
seguida tratam essa experiência em sua cultura (...) das mais complexas maneiras (...) e em
seguida agem, por sua vez, sobre sua situação determinada”.
Neste caso, partir da perspectiva dos agentes sociais, ou melhor, das dezesseis
professoras, é partir de suas subjetividades, de suas representações acerca das experiências
vividas e observadas, as quais refletem e podem explicar a realidade objetiva caracterizada
pela discriminação, pelo preconceito e pelo racismo, fora e dentro do universo da escola.
É ainda, “dar voz” às experiências daqueles que foram silenciados pela história
oficial ou memória nacional, as mulheres e os negros, portanto as mulheres negras, fazendo
emergir o que Pollak (1989, p.04) chamou de memória subterrânea. Para ele, “ao
privilegiar a analise dos excluídos, dos marginalizados e das minorias, a historia oral
ressalta a importância de memórias subterrâneas que, como parte integrante das culturas
minoritárias e dominadas, se opõe à memória oficial, no caso a memória nacional”.
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A história oral, como metodologia estabelece e ordena procedimentos de
trabalho, apresenta formas distintas de coleta das fontes orais. São elas: histórias de vida,
depoimentos orais, dentre outras, utilizadas de acordo com o tipo de pesquisa que se quer
realizar e com os dados que se pretende obter (QUEIROZ, 1988; LANG et al., 1998;
SIMSON, 1996).
Nesse sentido, de acordo com Maria Izaura Pereira Queiroz (1988), na técnica
de história de vida o informante narra sobre sua existência no decorrer do tempo, buscando
reconstruir todas (ou quase todas) as experiências por ele vividas. A narrativa ocorre
através de constantes avanços e recuos e a interferência do pesquisador deve,
preferencialmente, ser mínima. A história de vida é uma técnica que demanda tempo e, por
isso, não se esgota em uma ou duas entrevistas. Embora o pesquisador dirija as entrevistas,
quem decide o que vai relatar é o narrador, ele é que determina o que é relevante ou não
narrar, por isso é difícil fazê-lo concluir, pois há sempre mais e mais a narrar. No entanto,
cabe destacar que, apesar de intervir minimamente, foi o pesquisador quem escolheu o
tema da pesquisa e propôs os problemas.
Becker (1999, p.11) traz contribuições importantes ao afirmar que a “história
de vida, mais do que qualquer outra técnica, exceto talvez a observação participante, pode
dar sentido à superexplorada noção de processo”. O autor destaca ainda, que a própria
historia de seus atores é uma mensagem viva e vibrante, que vem de lá, que nos conta o
que significa ser um tipo de pessoa que nunca encontramos face a face.
A técnica empregada nesta pesquisa foi de depoimentos orais. A utilização
desta técnica exigiu estabelecer um recorte nas narrativas pessoais das dezesseis
professoras, destacando dessas trajetórias, as experiências com a discriminação racial na
infância e na fase adulta, particularmente no universo da escola: como alunas e como
profissionais da educação. O destaque foi dado, portanto às trajetórias escolares e
profissionais destas professoras e às suas experiências com relação à questão racial.
A coleta das trajetórias de vida das professoras foi realizada mediante
depoimentos gravados em varias sessões de no máximo uma hora e meia de duração; que
foram posteriormente transcritas e seus resultados, sistematizados através dos temas:
família, escolha pelo magistério, mulher negra, identidade, discriminação racial e projetos
de vida.
Para as entrevistas houve a aplicação de um roteiro previamente elaborado e
utilizado apenas como guia para a fala das professoras. As intervenções durante os
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depoimentos foram feitos à medida que outras perguntas se faziam necessárias e para
elucidar questões não abordadas.
As anotações no caderno de campo foram igualmente importantes na coleta de
dados em todas as etapas, e particularmente na coleta dos depoimentos, posto que
permitissem recompor os gestos, as emoções, as impressões da pesquisadora e,
principalmente o não dito no contexto das narrativas, tão fundamentais no processo de
análise.
A metodologia oral mostrou-se imprescindível em todos os seus aspectos:
naqueles que revelam suas potencialidades e possibilidades, como por exemplo, na relação
entre a pesquisadora e as professoras, e naqueles que revelam seus limites. A necessidade
de relativizar as falas dos sujeitos da pesquisa, de não vê-las como verdades absolutas,
constitui-se num cuidado sempre presente, de modo a observar um dos limites dessa
metodologia.
Na busca por mulheres negras atuantes no magistério de Cuiabá, cidade em que
nasci, cresci e onde vivo até hoje, e no encontro com as experiências vivenciadas por elas
no decorrer de suas trajetórias de vida, especificamente em suas trajetórias: escolar e
profissional; encontrei a mim mesma como mulher, professora e pesquisadora.
Segundo Miriam Pilar Grossi (1992) “só se encontra o outro, encontrando a si
mesmo”. (p.15), ou pode-se dizer de outro modo, “o encontro de si mesmo ocorre a partir
do encontro com o outro” (p. 16). Ao (a) pesquisador (a) que investiga um objeto similar a
si mesmo (a) é possível “mergulhar” em sua subjetividade e, conseqüentemente,
redimensionar sua identidade pessoal e profissional.
Ao trocarmos experiências estabelecemos o compromisso de refletir sobre
quem somos sobre o que fazemos e sobre o que poderemos fazer como mulheres e
professoras. Esta reflexão nos foi imposta pela metodologia da história oral, a partir da
qual o entrevistador e os entrevistados não continuam os mesmos.
De acordo com Le Ven, et al (1997) o pesquisador, ao investigar um
determinado grupo ou comunidade, estimula o grupo a compreender-se como agente de
transformação social e ao mesmo tempo também passa a:
Refletir sobre sua própria vida, a partir do depoimento do outro. Os diferentes pontos de vista, concepções de mundo e modos de atuação proporcionados pelo entrevistado suscitam no entrevistador uma relação sobre si mesmo, e novos questionamentos sobre sua experiência e projeto
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de vida. Assim sendo, podemos inferir que os indivíduos não continuam os mesmos. (LE VEN, et et al,1997, p. 221)
Considera-se que a análise dos relatos obtidos envolveu um processo de
reflexão e definição dos pontos a serem interpretados, a partir da relação vivenciada com
os sujeitos da pesquisa, no decorrer do trabalho de campo. Há que se considerar, que este
foi um processo complexo e demorado, que sofreu transformações; pois se considerou o
momento e também a perspectiva em que os pontos foram abordados. Por outro lado, há a
atuação das concepções teóricas, que torna alguns pontos mais relevantes que outros.
Assim, a partir das leituras do material de campo, a tarefa seguinte foi definir
qual a forma para organizá-los. Decidiu-se estruturar em tópicos, que aqui apresentados
colocam em evidência os temas abordados frente a problemática anunciada ao investigar as
trajetórias de vida escolar e profissional das professoras negras, sujeitos desta pesquisa.
Convém lembrar que, o que se apresenta aqui em alguns momentos são idas e
vindas a processos históricos, o que chamo de recuos históricos a determinados períodos
que me parecem fundamentais para melhor elucidar a questão abordada.
A relação de cumplicidade e de parceria entre a pesquisadora e as professoras
negras possibilitou o estudo da problemática proposta pela investigação, resultando na
estrutura da dissertação, que está dividida em quatro capítulos:
Primeiro Capitulo: As Cores das Desigualdades - são apresentados os números
que indicam a prática de discriminação por cor, que se operam abertamente na sociedade
brasileira. Através dos Indicadores Sociais do IBGE e de pesquisas relacionadas a esta
temática, apresenta-se a desigualdade racial nas diversas instâncias: no mercado de
trabalho, distribuição de renda, educação, nível de pobreza, entre outros. Aprofunda-se
neste capitulo, sobre as desigualdades raciais e de gênero por se tratar do objeto da
pesquisa.
Segundo Capitulo: Das Identidades - é abordado o processo complexo das
identidades no contexto da globalização, que para Hall (2003) as identidades são plurais. E
ainda a identidade a partir da visão dos movimentos sociais, as trajetórias de vida das
professoras negras em relação ao processo de construção de identidades.
Terceiro Capitulo: As Trajetórias - propõe uma reflexão sobre as trajetórias
escolares e profissionais das professoras negras e a vivencia com a discriminação racial na
escola e em outros espaços sociais, bem como as estratégias utilizadas como forma de
enfrentamento a essa situação. Realiza-se ainda, uma reflexão sobre os conceitos de
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racismo, discriminação racial, preconceito racial e democracia racial; e também o
desdobramento desses termos na formação docente e na prática pedagógica das
professoras.
Por fim, o Quarto Capítulo: A Docência - traz uma abordagem sobre a
ocupação da profissão docente por mulheres no contexto brasileiro a partir das mudanças
ocorridas no final do século XIX, a posterior saída dos homens desse campo de trabalho,
paralelamente à entrada maciça do gênero feminino nessa profissão; além, de apontar as
barreiras enfrentadas pelas mulheres negras brasileiras para inserir-se nesse espaço
profissional, discutindo também sobre os projetos de vida tendo em vista a docência.
Ao concluir esta introdução a partir da informação que já é suficientemente
conhecida a situação econômica-social do negro após a escravidão, no Brasil:
Situação de vítima: “Como categoria social, isto é, o antigo agente do modo de produção escravagista que: quer como escravo quer como liberto, movimentara a engrenagem econômica da sociedade estamental e de castas. Para ele (a), o (a) negro (a) não houve ‘alternativa histórica’. Ficou como a poeira da estrada, submergindo na economia de subsistência, com as oportunidades medíocres de trabalho livre das regiões mais ou menos estagnadas economicamente e nas grandes cidades em crescimento tumultuoso, ou perdendo-se nos escombros de sua própria ruína, pois onde teve que competir com o trabalhador branco, especialmente o imigrante, viu-se refugiado ou repelido para os porões, os cortiços e a anomia social crônica. (FERNANDES, 1976).
Transcreveu-se tão longa citação, pelo fato de refletir sinteticamente as
contradições de todo o período pós-escravidão, no que se refere a situação do negro,
contradições que ainda não foram superadas. Essa é uma análise visível em todos os
estudos sobre o negro no Brasil, a qual recorreu também este estudo. Mesmo após tanto
tempo, sabe-se que a integração do negro à sociedade ainda não se dá de forma tão
simples, tranqüila. Porém, aos poucos ela tem ocorrido. Por isso é preciso dar voz àqueles,
neste caso aquelas, professoras negras que conseguiram lutar por essa inserção, para que
outros negros e outras mulheres negras possam espelhar-se nesses exemplos e acreditar que
é possível mudar a face injusta e desigual da sociedade brasileira.
23
I - AS CORES DAS DESIGUALDADES
A profissão docente, o gênero feminino e a origem racial pode-se dizer são
características que as professoras deste estudo têm em comum. Desse modo, é necessário
frisar que para assumirem a docência vivenciaram alguns obstáculos no decorrer de suas
trajetórias. Tal situação ocorre devido à relação desigual entre raça, educação e renda que
aqui serão apresentadas.
Este capítulo tem a intenção de apresentar alguns dados considerados
essenciais para melhor compreensão das históricas desigualdades sociorraciais brasileiras a
partir dos indicadores sociais.
1.1 - Marcas das Desigualdades Raciais
O Brasil do inicio do século XXI é um pais que ainda carrega marcas de uma
desigualdade histórica e cristalizada. Vários pesquisadores, como Nelson do Vale Silva,
Paes e Mendonça, Henriques, Hasenbalg entre outros, já se dedicaram a demonstrar que a
mobilidade social ascendente é uma possibilidade para poucos neste país e que uma série
de fatores associados à trajetória de vida do individuo torna praticamente impossível essa
ascensão para a maioria dos brasileiros. Em resumo: aqueles entre os brasileiros, que
nascem pobres tendem fortemente a permanecer pobres; e aqueles que nascem ricos
também mantêm a sua posição. Isso se dá com relativa constância ao longo do tempo,
independentemente da estabilidade financeira do país, dos sucessos dos planos econômicos
ou dos ciclos alternados de crescimento e retração.
As desigualdades que se produziram ao longo do tempo, transformaram alguns
historicamente discriminados em alvos mais fáceis dessa imobilidade social. O caso, mas
evidente é o da população afro-descendente, que acumula ao longo de muitas décadas um
conjunto de desvantagens que têm como conseqüência sua permanência entre os mais
pobres da população brasileira. Os negros têm mais dificuldades para ascender socialmente
no Brasil. Essa é mais uma expressão da desigualdade racial. Cujos marcos mais
24
significativo da demonstração de racismo contra o negro no Brasil, estão historicamente
ligados à implantação do regime escravista e a pretensão de anular qualquer possibilidade
dos africanos serem considerados seres humanos. Naquele momento, os africanos eram
descritos como seres inferiores, desprovidos de alma e humanidade e, portanto destinados à
escravidão.
Somente a partir da divulgação dos princípios iluministas é que se estabeleceu
teoricamente que: ameríndios, orientais e negros compunham o universo dos seres
humanos organizados, porém em uma escala hierárquica, na qual os brancos encontravam-
se no topo e os africanos na base. Como pensar a cidadania da população negra num país
de longo regime escravista, em que a desigualdade era uma condição natural entre os
humanos? Como explicar os indicadores sociais que apontam para desvantagem histórica
dos negros em relação aos brancos?
1.1.2 - Desigualdades Raciais na Educação
A distribuição da população segundo a cor ou raça nas diversas regiões do
Brasil no ano de 2000 aponta que dentre os 169.369.557 milhões de indivíduos que
compõem a população brasileira, 53,4% se declaravam brancos, 40,4% pardos1, 5,6%
pretos e 0,6 amarelos e indígenas. Portanto, os negros totalizam 46% da população,
enquanto os brancos somam 53,4 %.
Os negros representam 46% da população brasileira, mas são 64% da
população pobre e 69% da população indigente. Os brancos, por sua vez, correspondem a
54% da população total, mas somente 36% dos pobres e 31% dos indigentes. O que resulta
é que 53 milhões de brasileiros pobres, 19 milhões são brancos, 30,1 milhões pardos e 3,6
milhões pretos. Entre os 22 milhões de indigentes tem-se 6,8 brancos, 13, pardos e 1,5
pretos.
Esses dados mostram que a pobreza no Brasil tem cor. Ela é negra. Portanto,
nascer negro no Brasil, está relacionado a uma maior probabilidade de crescer pobre. A
1 Neste estudo utilizam-se os dados de classificação do IBGE agregando pretos e pardos na noção de afro-brasileiros, pois ambos os grupos possuem origem histórica comum e estão em condição de vulnerabilidade econômica.
25
população negra concentra-se no segmento de menor renda per capita da distribuição de
renda do país.
De acordo com os dados da Pesquisa de Padrões de Vida do IBGE, estima-se,
por exemplo, que cerca de: 58% do diferencial salarial entre brancos e negros está
associado à desigualdade educacional, sendo uma parte derivada da discriminação gerada
no interior do sistema educacional e outra parte derivada da herança da discriminação
educacional infligida às gerações dos pais dos estudantes.
Nesse sentido, as diferenças nas oportunidades educacionais explicam
praticamente 60% da diferença salarial observada entre brancos e negros. O mercado de
trabalho, portanto, revela uma desigualdade racial anterior ao ingresso dos trabalhadores
no mercado. Desigualdade racial expressa, em termos das diferenças de escolaridade entre
trabalhadores brancos e trabalhadores negros. Diferenças que sintetizam o efeito agregado
da discriminação produzida no interior do sistema escolar e dos impactos direto e indireto,
da escolaridade do país.
O acesso à educação é em geral apresentado pelos estudiosos como um dos
principais fatores associados a melhores oportunidades no mercado de trabalho e,
conseqüentemente, o melhor rendimento salarial. Para uma grande parcela da população, o
aumento da escolaridade é visto como o principal fator de mobilidade social ascendente
dos indivíduos. Nessa área, os negros apresentam indicadores sensivelmente piores do que
os brancos; de acordo com a PNAD/IBGE, de 1999, a média de anos de estudos é inferior
a média da população branca. Por outro lado, a taxa de analfabetismo dos negros em 1998
era de 20,8%, ao passo que a dos brancos era de 8,45. Ou seja, a taxa de analfabetismo dos
negros era em pontos percentuais 148% maior que a taxa de analfabetismo dos brancos.
Isto significava que da população analfabeta no Brasil, 67% eram afro-descendentes.
Com o aumento da escolaridade dos brasileiros as taxas de analfabetismo
caíram para todos ao longo dos anos. O analfabetismo entre brancos e negros revela uma
diferença de 10 pontos percentuais a mais para negros no ano de 2001. Esse índice
comparativo era maior em 1992, com 11% para brancos e 26% para negros, ou seja, uma
diferença de 15% que se manteve estável até chegar em 10%. Ainda assim, é uma
diferença significativa que revela uma desvantagem entre os grupos pesquisados. A
diferença entre os anos de estudo se mantém em torno de 2 anos, ao longo do tempo; essa
estabilidade revela uma dificuldade de aproximação dos índices e confirma mais uma vez a
desvantagem do grupo negro.
26
Quando se analisa o universo feminino sobre a lente das diferenças raciais,
verifica-se que as taxas de alfabetização entre os grupos branco e negro diferem em 13
quando totalizadas. Brancos somam 91% de alfabetizados, enquanto negros se encontram
com 78% da taxa de alfabetização. Embora a taxa de escolaridade, mantenha uma distancia
menor entre os grupos, com diferença superior de 11% para os brancos, revela que os
níveis de escolaridade entre os homens e mulheres diferem, sobretudo para as mulheres
negras que totalizam 76% da taxa de escolaridade, enquanto os homens negros estão com
70%. Entre homens e mulheres brancos, não há diferença significativa.
Ao considerar os indicadores educacionais, a diferença de escolaridade entre
brancos e negros se mantém estável ao longo dos anos. Porém, reconhecendo a
importância da educação na constituição do sujeito, como meio de mobilidade social,
verifica-se que o sistema educacional brasileiro atua de forma excludente; ao promover
apenas ações universalistas que não dão conta das especificidades e das diferenças que
inclui: raça, classe, gênero, religião, etc.
Embora os índices de escolarização do ensino fundamental apontem uma
universalização do acesso para brancos e negros, o mesmo não se observa no Ensino
Médio, tampouco no Ensino Superior. Como a educação tem papel preponderante no
processo de mobilidade social, a perversidade desses indicadores se acentua, pois mantém
os desiguais numa linearidade constante.
Esses dados expõem com nitidez a escolaridade de brancos e negros, a inércia
do padrão de discriminação racial. Apesar da melhoria nos níveis médios de escolaridade
de brancos e negros ao longo do século, o padrão de discriminação, isto é, a diferença de
escolaridade dos brancos em relação aos negros se mantém estável entre as gerações.
Constata-se que as oportunidades desiguais tanto dificultam, como podem
impedir que o negro alcance níveis mais elevados de ensino e, quando consegue ingressar
nesse nível os esforços para permanecer terão que ser maiores em relação aos demais
grupos. As evidências empíricas de desigualdades no campo educacional dão lugar de
destaque para análise conjuntural, para o que tem sido considerado reforço dessas
condições desfavoráveis para os não brancos do Brasil.
27
1.1.3 - Distribuição de renda e mercado de trabalho
A síntese de Indicadores Sociais do IBGE divulgada em junho de 2004, mostra
que negros e pardos têm renda média menor que a dos brancos, mesmo quando são
comparados com o mesmo nível de escolaridade.
Os números do IBGE mostram que, quanto mais tempo uma pessoa estuda,
maior é seu rendimento médio. Esse acréscimo na renda, no entanto, acontece de maneira
diferenciada para brancos e negros. Um negro com até quatro anos de estudos completos
(chegou ao máximo a 4ª série) recebe em média, por cada hora de seu trabalho, R$1,50.
Um trabalhador branco com essa mesma escolaridade tem rendimento melhor R$ 2,30 por
hora trabalhada.
A diferença a favor dos brancos aumenta em valores absolutos e permanece
praticamente inalterada em termos relativos quando se compara a renda de trabalhadores
com mais escolaridade. Com 9 a 11 anos de estudo, a média de rendimento do trabalhador
negro é de R$ 3,10 para cada hora de trabalho. Entre os trabalhadores brancos, esse
rendimento é de R$ 4,40. Entre os trabalhadores que conseguem, ao menos, estudar um
ano no Ensino Superior (12 anos ou mais de estudo), os negros ganham em média, R$ 8,30
por cada hora do seu trabalho, contra R$ 11, 80 dos brancos.
Os dados publicados pelo IBGE, no PNAD de 1987, apontam que entre os
homens negros, 12,09% trabalhavam sem rendimento e 26,17% receberiam até um salário
mínimo e, entre as mulheres negras, 23,6% trabalhavam sem rendimento e 35,05%
recebiam até um salário mínimo. Entre os brancos, naquele ano, 7,7% dos homens
trabalhavam sem rendimento e 11,68% trabalhavam recebendo salário mínimo. Sendo
assim, no ano de 1988, os negros, representando 45% da população brasileira perfaziam
66,9% dos assalariados que recebiam menos de meio salário mínimo e 60,7% dos que
recebiam ate um salário mínimo.
Na Pesquisa Perfil Demográfico das Chefias Femininas no Brasil, a partir dos
dados do Censo de 1991 e do PNAD de 1998, a demógrafa Elza Berquó conclui que nas
famílias chefiadas por mulheres que não tem rendimento ou recebem menos que um salário
mínimo, as chefiadas por negras são 60%, já entre as que recebem três ou mais salários
mínimos, a participação das chefiadas por mulheres negras cai para 29%.
O Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial – INSPIR, em
trabalho publicado em outubro de 1999, intitulado Mapa da População Negra no Mercado
28
de Trabalho, conclui que os resultados da pesquisa trazem um conjunto de informações que
demonstram uma situação de reiterada desigualdade para os negros, de ambos os sexos, no
mercado de trabalho das seis regiões estudadas, independentemente da maior ou menor
presença negra nestas regiões.
A coerência dos resultados em nível nacional demonstra, sem qualquer sombra
de duvida, que a discriminação racial é um fato presente no cotidiano, interferindo em
todos os espaços do mercado de trabalho brasileiro. Nenhum outro fato, que não a
utilização de critérios discriminatórios baseados na cor dos indivíduos, pode explicar os
indicadores sistematicamente desfavoráveis aos trabalhadores negros, seja qual for o
aspecto considerado. Mais ainda, os resultados permitem concluir que a discriminação
sobrepõe-se a discriminação por sexo, combinando-se a esta para construir o cenário de
aguda dificuldade em que vivem as mulheres negras.
Portanto, níveis de escolaridade e renda possuem vínculos relacionais
expressos nos indicadores sociais. As expectativas potenciais do grupo branco se
confrontam com as desvantagens socioeconômicas do grupo negro. Trata-se aqui, segundo
Brandão (2003):
...de uma desvantagem competitiva que é produzida e mantida pela discriminação racial. Mais especificamente, os afro-descendentes em maior número proporcional que os brancos: nascem em áreas pouco desenvolvidas, se originam de famílias mais pobres, possuem dificuldades de realização escolar maiores em todos os níveis de ensino, se concentram nas perspectivas ocupacionais em atividades desqualificadas e de baixo rendimento. ( BRANDÃO, 2003,p. 27)
De tal modo, negros sofrem um conjunto de desvantagens socioeconômicas
cumulativas, que consubstanciam em bem-estar e qualidade de vida, em média inferior
àquela dos brancos.
Os indicadores sociais aqui apresentados confirmam que brancos e negros se
equiparam apenas no quantitativo do conjunto da população brasileira. No entanto, as
condições desiguais para os negros são visíveis na renda, na probabilidade maior de
pobreza, no analfabetismo, no mercado de trabalho, na educação. Henriques (2001) ao
analisar as diferenças salariais entre os grupos faz a seguinte ponderação:
Estima-se que 55% do diferencial salarial entre brancos e negros está associado à desigualdade educacional, sendo uma parte derivada da discriminação gerada no interior do sistema educacional e outra parte da
29
herança da discriminação educacional infligida às gerações dos pais dos estudantes. (HENRIQUES, 2001).
Ao concluir este capitulo, percebe-se que os dados no cenário brasileiro
apontam que as condições de vida da população negra estão intimamente associadas às
condições lastimáveis, e que historicamente esse fato tem se desenvolvido desde a
escravidão; foi mantido após ela, com alguns poucos avanços. Os negros ainda situam-se
na base da pirâmide econômica e social. Portanto, há uma clivagem por raça em vários
elementos discutidos ao longo deste capitulo.
Os mesmos dados evidenciam a existência da discriminação racial, e das
profundas desigualdades sociais, devido ao tratamento desigual das pessoas baseado na
cor, ou seja, a raça é um fator marcante para a exclusão social.
Sobre essa questão Guimarães (2004, p.27) acredita que para reduzir as
desigualdades econômicas e combater o racismo, precisamos antes de tudo, denunciar as
distâncias sociais que as materializam, justificam e legitimam.
A meu ver, esses dados parecem apontar para a inexistência da democracia
racial. Portanto, a desconstrução desse mito é essencial para que se altere o quadro injusto
e desigual brasileiro. É a partir desse mito, sobre o racismo e as práticas discriminatórias,
que as narrativas das professoras, serão abordadas no próximo capítulo.
30
II - DAS IDENTIDADES
“Seu Cristo é judeu, seu carro japonês. Sua pizza é italiana, sua democracia grega. Seu café brasileiro, seu feriado turco. Seu algarismo arábico, Suas letras latinas. Só seu vizinho é estrangeiro”. (Um cartaz em Berlin)
Neste capitulo faz-se uma reflexão sobre a identidade no contexto da
globalização e das questões de raça e gênero na dinâmica que opera a dominação em
âmbito mundial. Acredita-se que é fundamental considerar essas questões com referencia
aos movimentos sociais organizados cuja atuação dá inicio, impulsiona e também dá
direção a transformações que operam a constituição de novos contornos na ordem mundial.
Aborda-se aqui também um tema contemporâneo, controvertido e sempre
presente no âmbito dos debates sobre as relações raciais brasileiras: a questão da
identidade racial. As identidades da mulher negra e professora que interagem e por vezes
se sobrepõe serão analisadas neste capitulo. Como ela se constrói? Como se percebe essa
identidade? Como ela se relaciona com a modernidade? Que referências utiliza nessa
trajetória, nesse vir a ser?
2.1.1 - As Identidades na Pós-Modernidade
A modernidade para Ianne (1996) diz respeito a um modo de ser, sentir e pensar e
esses dilemas se apresentam cada vez mais, de maneira contraditória e fragmentada nos
tempos de globalização. Ao considerar que esta se desenvolve nesse contexto, procura-se
identificar como vivem as mulheres negras e professoras na modernidade tardia.
Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promove aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. A experiência da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideológica. (MARSHALL, apud Ianne, 1996, p. 90)
31
Nesse sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana.
Porém, como ressalta o autor é uma unidade paradoxal, uma unidade, desunidade, pois ela
nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e
contradição, de ambigüidade e angústia.
O tempo e o espaço no mundo globalizado estão cada vez mais ilimitados. A
informação circula cada vez mais veloz e sem fronteiras, os avanços tecnológicos
possibilitaram novas formas de significar o mundo e de perceber o outro. E com isso a
construção da identidade social do sujeito também se fragmenta para dar lugar à
heterogeneidade que se contrapõe à perspectiva das sociedades capitalistas.
Que processos provocaram essas mudanças? Quais as conseqüências para a
identidade?
O sociólogo Baumam (2005) afirma que a globalização, ou melhor, a
modernidade líquida, não é um quebra cabeças que se possa resolver com base num
modelo pré-estabelecido. Pelo contrario, ela deve ser vista como um processo, tal como sua
compreensão e análise. Da mesma forma que a identidade que se afirma na crise do
multiculturalismo, ou no fundamentalismo islâmico, ou quando a internet facilita a
expressão de identidades prontas para serem usadas.
Nesse sentido, os marcos divisórios são cancelados, as biografias se tornam
quebra-cabeças difíceis e mutáveis. Entretanto o problema não são as peças individuais
desse mosaico, mas como eles se encaixam umas nas outras.
Conforme observa Castells (1999):
No mundo globalizado, signos e símbolos são efêmeros, porém poderosos, movimentam nos fluxos globais que caracterizam a sociedade em rede da era da informática. (CASTELLS. 1999, p.31)
Os movimentos sociais incumbem-se dessa busca articulando criticas a cultura
hegemônica do poder e contrapondo aos seus signos e símbolos outros próprios, muitas
vezes enraizado em matizes, tradições e processos de luta não-ocidentais, reprimidos desde
o século das luzes no processo de imposição da hegemonia colonial ocidental.
E ainda a pós-modernidade é marcada por uma visão do mundo humano como
totalmente pluralista. Nesse contexto, a complexidade e o inacabamento do sujeito
apontam a coexistência de múltiplas identidades que interagem e se apresentam segundo
lugar e momento.
32
Portanto, não é possível falar de uma identidade singular, mas de múltiplas
identidades que envolvem variadas dimensões do sujeito, entre elas: gênero, raça, classe,
orientação sexual, nacionalidade e outras.
Esses conceitos colaboram com a idéia corrente de construção da identidade
num processo de mutabilidade. E esse movimento de construção e afirmação identitária é
continuo e também mediado pelo contexto histórico social, numa mútua interação do
sujeito com o mundo. Esse processo não linear permite fragmentações e contradições ao
longo da vida nesse vir-a ser, permeado de atividade, emoções, experiências e tantos outros
elementos subjetivos que caracterizam o sujeito e o humanizam.
Hall, como ele próprio afirma, tem uma ascendência diversificada, mestiça,
hibridizada e provavelmente por isso tenha chegado à conclusão de que “não existe um eu
essencial, unitário – apenas o sujeito fragmentário e contraditório que me torno”. (HALL,
2003, p. 188). Aqui ele contraria a impressão que a sociedade, às vezes tem, de que a
identidade possui uma essência fixa e imutável ou uma substancia inerente ao sujeito.
Assim, a substituição da identidade, vista como estabilidade e permanência,
pela idéia de um processo movediço de identificações, fruto dessa evolução teórica, cabe
perfeitamente aos novos contornos do mundo globalizado.
Acredita-se que a atuação dos movimentos anticolonialistas, feministas e de
minorias ou maiorias oprimidas dentro de sociedade plurais que no decorrer da evolução
da questão da identidade, tenha sido de fundamental importância, embora a sua influência
deixe, em geral de ser reconhecida pelos teóricos cuja tradicional formação acadêmica
tende com freqüência a levá-los a contemplar o próprio umbigo.
Desta forma, o patriarcalismo e o etnocentrismo ocidentais foram duramente
criticados a partir da ação dos movimentos sociais que põe em cena, sob novas
perspectivas o tema da volição na construção da identidade forjada nas condições
socioculturais da classe média branca que constituía o padrão endossado e cultivado pela
sociedade ocidental.
Nesse sentido, Castells (1999) dá significativas contribuições, pois para ele, a
modernidade tardia já cedeu lugar ao que ele determina de sociedade em rede, formada na
revolução tecnológica informacional e na reestruturação do capitalismo, processo em que
são deslegitimadas as instituições da sociedade civil como o sindicalismo, a organização
política partidária e os movimentos políticos articulados em torno do tradicional eixo
ideológico esquerda-direita.
33
Em sua análise, Castells (1999) considera três formas distintas de construção
de identidades: a legitimadora, produzida pelas instituições civil no intuito de expandir e
racionalizar sua dominação. Esse modelo tende a desaparecer dada a crise do estado-nação,
principal fonte de legitimidade. A identidade de resistências que reúne grupos
estigmatizados ou excluídos pela lógica da dominação, (essa resistência leva a formação de
comunas ou comunidades que são verdadeiras redes de proteção contra a opressão e
hostilidade externas). A identidade de projeto que busca a transformação da estrutura
social e produz o sujeito. E que conforme Alain Touraine (1999):
Chamo de sujeito o desejo de ser um individuo, de criar uma história pessoal, de atribuir significado a todo o conjunto de experiências da vida individual [...] A transformação de indivíduos em sujeitos resulta da contribuição necessária de duas afirmações: a dos indivíduos contra as comunidades e a dos indivíduos contra o mercado. ( TOURAINE, 1999, p. 26)
A primazia da questão da identidade fundamenta-se, portanto, na função que
desempenha para as populações excluídas, pois na maioria das vezes a razão dominante
não reconhece a diferença ou não lhe atribui importância. Portanto, sendo autossuficiente,
ela define à sua universalidade. É essa batalha travada pelos movimentos sociais ao lutar
contra as novas formas de dominação em três campos principais. Contra lógica do espaço
desmaterializado dos fluxos do poder, eles defendem seu espaço e seus locais. No caso do
feminismo e dos movimentos de identidade sexual, trata-se de defender seus espaços mais
imediatos, isto é, seus corpos. Configura-se uma batalha entre a concepção do corpo como
identidade autônoma e objeto social. No caso da identidade afirmada pela adoção de estilos
visuais ou de estéticas de apresentação pessoal como o uso de trançinhas, cabelo afro e
outros, por exemplo, o corpo também passa a construir um campo de afirmação de
identidades de resistência. Contra a tendência de dissolver-ser a história no tempo
intemporal e contra a exaltação do efêmero na cultura da virtualidade real, esses
movimentos afirmam sua memória histórica e a permanência de seus valores. Ao mesmo
tempo em que dominam e utilizam a informática como meio de comunicação, refutam a
idolatria da tecnologia e elevam os seus valores de origem, de cultura ou de ética acima da
lógica da rede.
34
2.1.2 - Identidade feminina
“Não se nasce mulher, torna-se mulher” Simone de Beauvoir (1952)
Neste tópico torna-se necessário assinalar a interligação da questão racial com a
de gênero. Ambas passam fundamentalmente pela questão da identidade. Ao afirmar que
não se nasce mulher, mas vive-se um processo complexo e socialmente condicionado de
torna-se mulher, Simone de Beauvoir traz a tona o processo complexo de construção da
categoria “mulher” na sociedade patriarcal ocidental. Assim, o objetivo final do processo
de tornar-se mulher para Beauvoir é assumir mulher como projeto. Entretanto, para
formular esse projeto é preciso forjar uma consciência critica da identidade feminina
construída socialmente no paternalismo. A desconstrução criteriosa desta falsa identidade
caracteriza forçosamente o projeto de torna-se mulher.
Pode-se afirmar que o centro da teoria feminista está na revelação da ideologia
do patriarcalismo e em sua critica. De acordo com essa ideologia, as desigualdades sociais
associadas à condição feminina seriam conseqüências da natureza de sua constituição
biológica orgânica. Portanto, a diferença biológica entre macho e fêmea justificaria a
distinção por sexo na atribuição de papeis sociais, direitos e deveres legais, expectativas de
sucesso, e assim por diante. As desigualdades entre homens e mulheres nos âmbitos da
educação, do trabalho, da renda e da remuneração seriam conseqüências naturais da
diferença entre os sexos.
Os efeitos psicológicos da inferiorização da mulher no imaginário coletivo
mediante esse processo de naturalização de sua condição social chamou a atenção da
autora Belotti (1987), que demonstrou, de que forma as representações sociais do
feminino, reprodutoras de preceitos e estereótipos negativos internalizados desde a
primeira infância por uma educação infantil e escolar imbuída da ideologia do
patriarcalismo, são capazes de tolher o desenvolvimento da personalidade, de auto-estima e
de autonomia como individuo.
Essas representações evidenciam claramente o paralelo entre esse processo e a
justificação das desigualdades raciais, tornando-as naturais. Essa justificação é
acompanhada dos efeitos psicológicos que a partir de um ensino que reproduz preconceitos
35
e estereótipos derivados das teorias pseudocientíficas da inferioridade biológica congênita
do africano (ou indígena) e de seus descendentes. Dito isso de outra forma, o racismo se
constitui e opera essencialmente da mesma forma que o sexismo no campo da
discriminação e resulta em desigualdades sociais estatisticamente mensuráveis no âmbito
mais amplo, efetuando de diversas maneiras, ora direta, ora sutil, as possibilidades e
perspectivas de vida das pessoas e dos grupos humanos envolvidos. Nesse contexto, no
Brasil, um estudo de primeira referência sobre a questão racial na psicologia remete à frase
de Simone Beauvoir: Tornar-se negro. É esse o enfoque da psicanalista Neusa Santos
Souza (1983). Esse processo de tornar-se negro, o projeto identidade negra ou afro-
descendente, passa pela desconstrução das representações negativas do negro construídas
socialmente por meio da ideologia da supremacia branca.
Nessa perspectiva, a análise sociológica postula que a redução do cultural ao
biológico como essência do racismo, existiria sempre quando se explica uma posição de
prestigio ou estigma social invocando uma característica natural.
Conforme o postulado científico da hereditariedade dessas características
desembocaria na teoria da eugenia. Desse modo institui-se como políticas públicas diversas
técnicas aplicadas a otimização do estoque genético da população, não apenas nos países
europeus como também nos EUA, na America Latina e no Brasil.
Esses exemplos servem para ilustrar de que maneira o patriarcalismo se
entrelaça com o racismo na qualidade de teorias e práticas de dominação, além de objetos
de critica e resistência à dominação.
Du Bois (1999) observa que a questão de gênero se coloca como parte
integrante da critica ao universalismo ocidental hegemônico e da luta antirracista,
entretanto, para ele, a perspectiva critica das mulheres negras seria articuladas por elas
mesmas; ao analisarem as ideologias de dominação e as formas de opressão sexista e
racista em diferentes contextos inclusive dentro dos movimentos sociais.
O próprio movimento feminista nem sempre se caracterizou por uma
consciência dos problemas específicos da mulher negra, e sim, por muito tempo apresentou
a face branca e de classe média da época, diz Du Bois. Contudo, com o processo de
descolonização e independência dos países africanos, acompanhado da ascensão social de
intelectuais e do movimento de feministas em outras nações outrora colonizadas, mulheres
do chamado Terceiro Mundo passaram a articular uma crítica ao discurso e a pratica do
feminismo, à medida que refletiam a perspectiva do universalismo ocidental.
36
Diante dessas demandas, a insistência de algumas feministas em “trabalhar
para avançar a causa de todas as mulheres, sem divisões entre nós”, igualava-se ao antigo
discurso da supremacia da luta de classes que deslegitimavam o próprio feminismo,
alegando que poderia conduzir a uma divisão da classe operária.
No entanto, ao articularem suas questões dentro do movimento negro, as
afrodescendentes esbarravam na insistência de um discurso generalizado sobre “o negro”
ou “os interesses da comunidade”.
Com a frase: “Todas as mulheres são brancas, todos os negros são homens,
mas algumas de nós somos corajosas”, a feminista negra norte-americana Gillian (2000)
relata um sentimento amplo entre as mulheres negras e do Terceiro Mundo quando diz que
houve um tempo em que as mulheres negras, sobretudo nos E.U.A; receavam assumir-se
como feminista em virtude da forte identificação desse movimento com o ocidentalismo
eurocentrista. Assim articulado, o feminismo excluiria a maioria das mulheres negras no
mundo, cuja experiência difere daquela vivida pela mulher branca nas sociedades
ocidentais hegemônicas.
A crítica rejeitava, em outras palavras, a universalização da categoria mulher
socialmente construída no contexto daquelas sociedades. E ao desafiar essa classificação,
questiona-se precisamente o pressuposto de que haja uma experiência-de-ser mulher
generalizável, identificável e coletivamente consensual (CORNEL, 1987, p. 20), insistindo
em que a especificidades da condição da mulher nas sociedades periféricas impõe a
problematização dos modelos teóricos do feminismo unitário que reproduzem a anulação
da heterogeneidade no Terceiro Mundo. Porém, à medida que se demonstrava capaz de
absorver essa crítica no processo de luta social mundial, o feminismo foi sendo
transformado e recuperado como perspectiva teórica. Assim, de forma figurativa, a questão
retoma implícita e simbolicamente a postura de Du Bois ao realçar a necessidade, para os
negros, de enfrentar a questão do patriarcado, como fenômeno interligado com a
dominação racial, “não apenas porque a dominação patriarcal conforma relações de poder
nas esferas pessoal, interpessoal e mesmo ideológicas semelhantes às que permitem a
existência do racismo”. (BAIRROS, 1995, p. 462). E segundo apontava a critica das não
ocidentais, as mulheres não partilhavam todas, a mesma opressão, elas têm em comum
tanto o interesse em acabar com o sexismo quanto à condição da luta social por esse
objetivo, abraçado também por setores mais amplos, entre eles a própria comunidade
afrodescendente. O feminismo, nessa perspectiva constituiria:
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O instrumento analítico e teórico que permite dar conta da construção de gênero como fonte de poder e hierarquia que impacta mais negativamente sobre a mulher. É a lente da qual as diferentes experiências das mulheres podem ser analisadas criticamente, com vistas à reivindicações de mulheres e de homens fora dos padrões que estabelecem a inferioridade e um em relação ao outro. (BAIRROS, 1995, p. 462)
No entanto, para que pudesse cumprir essa função, fez-se necessário reformular
os conceitos básicos de feminismo. O da condição universal feminina ou experiências de
ser mulher à idéia de uma matriz multidimensional que fora tecida na inter-relação entre
raça e gênero, em que essa experiência é determinada pelo contexto histórico, social e
econômico.
De acordo com Bairros (1995, p. 461), o balanço teórico se dá ao identificar o
entrelaçamento dinâmico das duas dimensões: a experiência de ser negro como sendo
vivida por meio do gênero e da de ser mulher ou homem vivido pela condição racial.
Logicamente que o desenvolvimento do conceito de gênero constitui o
principal marco na evolução recente, da teoria feminista. Ao enfocar o aspecto relacional
do feminino, esse conceito ampliou o campo do pensamento feminista, em que antes se
articulava uma perspectiva presumidamente unitária da mulher sobre a mulher.
Porém, pode-se dizer que um aspecto menos conhecido é o fato de ele ocorrer
no contexto desse processo de dialogo crítico. Ao historiar de forma breve e superficial a
evolução da teoria feminista em sua interação com a crítica ao universalismo eurocentrista,
entende-se a importância de mostrar aqui como a noção de gênero se forjou antes na
dinâmica concreta da ação dos movimentos sociais do que no próprio domínio abstrato da
teoria. Se a idéia de gênero é discutida teoricamente, a epistemologia pós-estruturalista e
pós-moderna, também nasceu do mesmo viés: do dialogo e do confronto em torno das
questões concretas da diferença e da desigualdade, da universalidade e da particularidade.
Assim, Nascimento (2002) ressalta que:
Se, o feminismo se assentava na proposta da igualdade e na denúncia da desigualdade e da discriminação, e se sua proposta e verdade se pretendiam universais, o pós-modernismo se pergunta sobre as diferenças e as relações não só entre homens, mas também entre mulheres, baseando-se especialmente nas diferenças entre culturas relativamente aos modelos de gênero e, portanto, na inexistência de um “modelo universal”. (NASCIMENTO, 2002)
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No que se refere à identidade, o conceito de gênero, com seu enfoque
relacional e sua desconstrução da noção do feminismo como condição natural ou biológica,
implica a constituição de um campo de identidade feminina mais flexível que as noções
elaboradas por algumas feministas com base na especificidade da função materna ou na
resposta a emotividade ou subjetividade da mulher.
A identidade emerge não como algo fixo ou essencial, mas como processo de
identificações. Ademais como enfatiza Ferreira (2000) a teoria feminista nos remete à
noção de um processo de identificações com um sentido de autoria.
A clássica frase de Simone de Beauvoir (1952) “Nós não nascemos, mas nos
tornamos mulher”, o tornar-se entendido como assumir ou encarar intencionalmente,
pressupõe a escolha de um projeto de identidade a ser assumido e auto definido. Como
observa Judith Butler (1987): “Não só somos nós, culturalmente construídas como, em
certo sentido, construímos a nós mesmos”.
O gênero passa a ser, então, simultaneamente uma questão de escolha e de
construção cultural tornando-se um lugar de significados culturais tanto recebidos como
inovados.
A partir da frase de Beauvoir, pode-se concluir que de fato, entender a mulher
como existindo na ordem metafísica do ser, não é compreendê-la como aquilo que já está
feito, idêntica a si mesma, estática, mas concebê-la na ordem metafísica do tornar-se é
inventar possibilidade em sua experiência, inclusive a possibilidade de jamais se tornar
uma mulher substantiva, idêntica a si mesma. Assim, pode-se entender de forma figurativa
como resposta ao desafio das mulheres do terceiro mundo a conclusão de Monique Wittig
(1978 apud CORNELL & BENHABIB) no sentido de que mulheres resultam ser uma
categoria útil para a constituição da ação política contra o domínio patriarcal. Poder-se-ia
escolher, coletivamente, essa identidade no sentido do torna-se beauvoiriani. Ampliando
essa análise ao focalizar o maior impacto social do movimento, talvez seja nesse sentido
que o feminismo constitui-se, nos termos de Castells (1999) “uma identidade de projeto”.
Sueli Carneiro (1993) revela que a identidade feminina é hoje um projeto em
construção que depende do rompimento com os velhos modelos impostos à mulher e da
construção plena da cidadania para a mulher como garantia de seus direitos fundamentais.
Portanto, o rompimento com esses velhos modelos passa, também pela rejeição dos
mecanismos de discriminação racial, como a “boa aparência”, que garantem o acesso
privilegiado ao mercado de trabalho para as mulheres brancas.
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Conforme adverte ela, passa pela exigência da coleta do quesito cor nos
formulários e prontuários dos pacientes; para se ter o direito de saber do que adoecem ou
morrem as mulheres negras, pela exigência de que nos censos se colete sistematicamente o
quesito cor, para se ter o direito de sabe: quantas são e como vivem, pela luta da aplicação
do principio constitucional que torna crime a pratica da discriminação racial.
E passa, enfim, pela luta por uma sociedade multirracial e plurirracial, onde a
diferença seja tida e vivida como equivalência e não mais como inferioridade.
2.1.3 - Identidade Profissional
Para compreender como as professoras construíram sua identidade profissional
buscou-se por meio do relato de suas histórias de vida, conhecer suas trajetórias
profissionais: como se desenvolveu o trabalho docente? Em que condições? Quais as redes
de relações entre os profissionais da educação? Quais suas posturas em relação à
profissão?
A identidade docente é um processo complexo e ambíguo, que mistura
momentos de continuidade e ruptura, igualdade e diversidade, singularidade e pluralidade,
pois aqui se articulam a identidade do individuo e sua relação com a coletividade. A
expectativa de que sua ação se traduza em um acréscimo de humanidade (atitudes, valores
e conhecimentos) sobre os educando. Porém, a decadência da carreira, a proletarização, a
alienação e a perda de prestigio profissional, frutos do sistema capitalista, contribuíram
para desfigurar a identidade do professor.
No capitalismo - o sistema sustenta as principais relações sociais de produção
na sociedade brasileira-, o professor é constituído como mais um suporte do capital. O
capital determina o professor negando-o como professor, já que este; tal qual outros
profissionais, torna-se um trabalhador coisificado, torna-se, igualmente, um trabalhador-
mercadoria, sem autonomia nem projeto de existência. (SILVA, 1995, p. 71).
Nesse sentido, construir uma identidade docente positiva torna-se uma tarefa
difícil e conflitante para o professor, sobretudo por esta profissão ter sido durante muito
tempo associada às atividades femininas.
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Muitos pesquisadores têm se dedicado ao estudo das histórias de vida de
professores, ao cotidiano da escola, às experiências e práticas pedagógicas, conjugando
múltiplos olhares sobre a atividade docente. Por isso, entendem que percorrer os caminhos,
as experiências, as interações exercidas, são importantes para compreender o complexo
processo de construção do sujeito e de sua identidade, porque implica também numa
apropriação de sua história.
Além da análise das questões político-pedagógica da atividade docente é
oportuno considerar a identidade como um recurso importante nesse processo de constitui-
se professor. Nóvoa (1991) destaca os principais elementos no processo identitário do
professor: adesão, ação e autoconsciência. Adesão aos princípios e valores, ação que se
traduz na prática, nas escolhas, na maneira de ser e autoconsciência porque tudo deriva de
um processo continuo de reflexão sobre a ação. Compreender esse processo identitário, que
se constrói numa dinâmica de lutas e conflitos é fundamental para perceber a dimensão da
própria atividade docente.
Para Moita Lopes (1995, p.17) a construção da identidade “é uma construção
que tem a marca das experiências feitas, das opções tomadas, das práticas desenvolvidas”.
Claude Dubar (1997, p.106) informa que: “identidade para si são os atos de
pertença aqueles que exprimem ‘que tipo de homem ou mulher você quer ser’”.
Para o autor (1997, p. 107) as transações objetivas são “transações externas
entre o individuo e os outros significativos que visam acomodar a identidade para si à
identidade para o outro” e as transações subjetivas ‘internas’ (identidades herdadas) “é o
desejo de construir para si novas identidades no futuro (identidades visadas), procurando
assimilar a identidade-para-outro à identidade-para-si”. Dubar (1997) reforça que: “de fato,
a transação subjetiva depende, com efeito, de relações com o outro que são constitutivas da
transação objetiva”. Ele destaca também, outros aspectos da construção das identidades:
A construção das identidades faz-se, pois na articulação entre os sistemas de acção que propõem identidades virtuais e as trajetórias vividas no interior das quais se forjam as identidades ‘reais’ a que aderem os indivíduos. A construção da identidade pode, também, ser analisada tanto em termos de continuidade entre herdada e identidade visada, como em termos de ruptura que implica conversões subjetivas. Ela pode também traduzir-se tanto por acordos como por desacordos entre identidades virtuais, proposta ou imposta pelo outro, e identidade real interiorizada ou projetada pelo individuo. (DUBAR, 1997, p. 108)
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Em relação ao processo de produção de identidades Dubar (1997) utiliza
também as denominações: “processo biográfico (identidade para si) e o processo
relacional, sistemático, comunicacional (identidade para o outro)”. Ao analisar o processo
de produção de identidades, incluindo a identidade profissional, chama a atenção para:
Se o processo biográfico pode ser definido como uma construção no tempo pelos indivíduos de identidades sociais e profissionais a partir das categorias oferecidas pelas instituições sucessivas (família, escola, mercado de trabalho, empresa.) e consideradas, simultaneamente, como acessíveis e valorizantes (transação, “subjetiva”), o processo relacional diz respeito ao reconhecimento, num dado momento e no seio de um espaço determinado da legitimação, das identidades associadas aos saberes, competências e imagens de si propostas e expressas pelos indivíduos nos sistemas de acção. A articulação destes dois processos representa a projeção do espaço-tempo identitário de uma geração conformada com as outras na sua caminhada biográfica e o seu desenvolvimento espacial. As formas sociais desta articulação constituem, simultaneamente, a matriz das categorias que estruturam o espaço das posições sociais (alto/baixo, mas também dentro/fora do emprego) e a temporalidade das trajectórias sociais (estabilidade/mobilidade, mas também continuidade/ruptura). (DUBAR, 1997,p. 118)
Por isso, o autor argumenta que não é possível fazer a identidade das pessoas
sem elas e que também não se podem dispensar os outros para construir a sua própria
identidade.
No interior da problemática da identidade situa-se a questão da identidade
profissional. Derout (1988 apud Nóvoa, 1995) quando se refere à identidade profissional
dos educadores e professoras chama-lhe uma “montagem compósita”. É uma construção
que tem uma dimensão espácio-temporal, atravessa a vida profissional desde a fase da
opção pela profissão à reforma, passando pelo tempo concreto da formação inicial e pelos
diferentes espaços institucionais onde a profissão se desenrola. É ainda, segundo o autor,
construída sobre saberes científicos e pedagógicos como experiências feitas, das opções
tomadas, das práticas desenvolvidas, das continuidades e descontinuidades, que ao nível
das representações que ao nível do trabalho concreto. (p.115).
Assim, tem-se que o processo de construção de uma identidade profissional
própria não é estranho à função social da profissão, ao estatuto da profissão e do
profissional, à conduta do grupo de pertença profissional e ao contexto sociopolítico em
que se desenrola.
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A partir da análise dos relatos das professoras, acredita-se que essa
identidade vai sendo desenhada não só a partir do enquadramento intraprofissional como
ressalta Derouet, mas também com a contribuição das interações que se vão estabelecendo
entre o universo profissional e os outros universos socioculturais.
O processo identitário passa também pela capacidade de se exercer com
autonomia a atividade profissional, pelo sentimento de que se controla o trabalho. A
maneira como cada professor ensina, está também diretamente ligado aquilo que se é como
pessoa quando exerce o ensino.
Portanto, conclui-se que tornar-se professor é um desafio constante, um
processo histórico inacabado. Os relatos de experiências, as biografias e as histórias de
vida de professoras dão conta de uma construção singular, permeada pela representação
que a sociedade faz do oficio de mestre. As leituras de mundo, as interações com o outro,
são parte desse processo de diversas falas de professores um eterno aprender a ser.
Aprende-se a ser professor com a prática. Atribui-se importância fundamental ao processo
de interação soci