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Tratamento dos Diferendos Relativos a Investimentos Internacionais em Macau

Fan Jian Hong∗

Introdução

O desenvolvimento económico de Macau depende do

melhoramento das condições de investimento, da capacidade para atrair investimento estrangeiro e da resolução eficaz dos diferendos relativos ao investimento estrangeiro. Assim, o Governo de Macau aprovou a aplicação da Convenção ICSID (Convenção para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos entre Estados e Nacionais de Outros Estados)1. Em termos jurídicos, a aplicação da convenção é feita com prevalência. Por isso, é necessário e importante, no âmbito jurídico e económico, que o sector jurídico de Macau estude a convenção e o respectivo conteúdo.

A. Definição e tipologia dos diferendos relativos

ao investimento estrangeiro Os conflitos internacionais relativos ao investimento

estrangeiro reportam-se aos conflitos que surgem nas relações com os particulares estrangeiros no investimento directo que, por seu turno, podem ser divididos concretamente em três tipos de conflitos: 1. os conflitos entre o Governo do Host State e o investidor particular estrangeiro. 2. os conflitos entre o investidor

∗ Doutorado em Direito na Universidade Abert-Ludwigs de Freiburg da Alemanha e

mestrado em Direito na Universidade Chritian-Albrecht de Kiel. Interessa-se nos estudos sobre o direito civil e comercial entre a União Europeia e Macau, o direito comercial internacional, o direito comparado (entre Alemanha e a RPC, Taiwan e Macau). É professor na Faculdade de Direito da Universidade de Macau.

1 Ver Gabinete para os Assuntos do Direito Internacional, Tratados Multilaterais Internacionalmente em Vigor na Região Administrativa Especial de Macau (lista temática), IV. Economia e Finanças, nº 18; Lei nº 4/2002 da RAEM: Lei relativa ao cumprimento de certos actos de direito internacional.

particular estrangeiro e os seus sócios de nacionalidade diferente no Host State. 3. os conflitos entre o Estado investidor e o Host State. Desses três tipos de conflitos, na prática o primeiro tipo é o mais complexo e difícil. O seu problema reside muitas vezes na aplicação do direito, na questão de determinar se o investidor particular estrangeiro poderá ou não ter direito de acção num tribunal internacional, e como se irá aplicar a decisão do Tribunal Internacional de Justiça quanto à condenação do Estado.2 Devido à divergência na aplicação do direito, o diferendo torna-se muitas vezes político e desliza para um conflito entre Estados (por exemplo, o direito sub-rogado de regresso ou o direito de protecção diplomática através do Estado do investidor transforma-se num conflito entre Estados). O segundo tipo de situações refere-se a um conflito que surge na organização da actividade da sociedade ou de outras actividades que explorem dos recursos naturais. Este conflito é mais específico quanto à aplicação do direito e é mais fácil de resolver. Quanto ao terceiro tipo de situações, além dos conflitos que surgem na resolução ou aplicação dos tratados bilaterais de investimento entre Estados, muitas vezes resultam do agudizar do conflito da primeira situação, que só podem ser resolvidos através dos métodos tradicionais previstos pelo direito internacional.

B. Resolução dos conflitos relativos a investimento estrangeiro e a sua correlação Os meios de resolução dos conflitos relativos a investimento estrangeiro diferenciam-se dos meios de resolução gerais para os conflitos económicos e comerciais internacionais. Os primeiros são divididos normalmente em meios não jurisdicionais e jurisdicionais:

1. Meios não jurisdicionais 1.1. Negociação e conciliação A negociação implica uma troca directa de opiniões entre as

partes. Numa negociação, através da avaliação dos proveitos e

2 Ver Yao Meizhen, Direito Comparado de Investimentos Estrangeiros, pág. 940,

1996; P. F. Sutherland, “The World Bank Convention on the Settlement of Investment Disputes”, in International and Comparative Law Quarterly, pág. 370-372, Bd. 28, 1979.

perdas dos próprios interesses, chega-se a um acordo mútuo. A conciliação refere-se à entrega, pelas partes (ou estados-partes), da resolução de um conflito, ao conselho reconhecido por eles. Com base numa investigação e num fundamento justo e razoável, o conselho propõe as soluções. Esta proposta não é juridicamente vinculativa e as partes não são obrigadas a aceitá- la.

As diferenças entre uma negociação e uma conciliação são as seguintes: Numa negociação, não é necessária a intervenção dum terceiro, enquanto que numa conciliação a intervenção dum terceiro é necessária. Nas resoluções para os conflitos relativos a investimentos internacionais, existe muitas vezes a mediação, que é idêntica à conciliação no que se respeita à intervenção dum terceiro. No entanto, na conciliação, o terceiro apresenta uma proposta, enquanto na mediação, normalmente não há proposta3, mas o terceiro cria, através da mediação, as condições favoráveis para a negociação e renegociação das partes e geralmente este terceiro preside pessoalmente à negociação.

1.2. Protecção diplomática Em representação do investidor e através de meios

diplomáticos, o Estado onde se encontra o investidor (em Macau é através da China)4 faz uma reclamação internacional ao Host State. Para recorrer à protecção diplomática, é preciso ter em conta os seguintes pressupostos: a) exaustão dos meios internos5, i.e., salvo disposições legais em contrário do Host State, os conflitos relativos a investimento devem ser resolvidos por meios internos 6 ; b) também deve ter em conta o princípio da nacionalidade continuada. Se o investidor estrangeiro perder, em qualquer altura que decorre desde que os seus direitos e interesses foram prejudicados até à solicitação da protecção diplomática, a nacionalidade do Estado do qual pretende a protecção, não terá acesso à protecção diplomática. Desde que o Estado que recorre à protecção diplomática não viole os princípios da exaustão dos meios internos e da nacionalidade continuada, poderá apresentar

3 Ver Redfern/Hunter, Law and Practice of International Commercial Arbitration,

1986, pág. 383. 4 Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da

China, artigo 13º. 5 Shi Jingxia, “Exaustão dos Meios Internos e Conflitos Relativos a Investimentos

Internacionais”, in Colectânea do Direito Económico Internacional, vol. II, pág. 309-328, Law Press, 1999.

6 Ver A. A. Cancado Trindade, The Application of the Rule of Exhaustion of Local Remedies in International Law.

a reclamação internacional ao Host State. Os Governos dos dois Estados devem resolver esse conflito através de negociação diplomática, arbitragem internacional, ou até pelo recurso ao Tribunal Internacional de Justiça.

2. Meios jurisdicionais 2.1. Arbitragem internacional Designa-se também juízo público. Isto é, através de acordo,

as duas partes submetem o conflito a um terceiro (geralmente é uma arbitragem comercial internacional 7 ou instituição especializada de arbitragem de investimento), que toma uma decisão avaliando especialmente quem tem razão no conflito. A distinção entre aquela e a conciliação reside nos seus efeitos jurídicos. A arbitragem tem carácter exclusivo e a natureza de decisão final e judicial, enquanto a conciliação não tem efeitos jurídicos nem força obrigatória. Na prática ocidental, existe uma distinção rigorosa entre o processo de conciliação e o de arbitragem. Por um lado, a distinção é rigorosa quanto à nomeação do pessoal, por outro, na arbitragem não se permite uma conciliação, as cobranças das taxas para a conciliação e a arbitragem são também independentes.

2.2. Acção num tribunal estrangeiro O investidor estrangeiro instaura uma acção contra o Host

State, num tribunal de outro Estado. Este tipo de acção compreende normalmente: a) a acção antimonopólio, em que com base nas leis antitrust de um terceiro Estado (Estado co-réu e incitante), acusá- lo de ser co-réu do Host State, incitando o último a fazer nacionalização do autor. b) Acção sobre a ineficácia da propriedade, que é também designada litígio de perseguição (Pursuit Litigation). Esta acção pode ser contra o objecto (em que o réu é o proprietário concreto) ou contra a pessoa (em que o réu é o Estado que executa as medidas de nacionalização). Estes dois aspectos compõem o conteúdo principal para a instauração de acção pelo investidor estrangeiro contra o Host State, num tribunal doutro Estado.

Nos contratos das empresas colectivas com capitais chineses e estrangeiros, geralmente existem apenas dois meios de resolução de conflitos, que são a arbitragem e a negociação.

7 Ver Yang Liangyi, Arbitragem Comercial Internacional, Editora Universidade da

Ciência Política e Direito da China, 1998.

Negociar, conciliar, recorrer ao tribunal e negociar, conciliar, recorrer à arbitragem, os três meios de cada grupo podem ser aplicados em conjunto, com excepção da arbitragem e da acção no tribunal que são dois meios que se excluem. No ocidente, esses dois meios também se excluem; por exemplo, o conciliador não será nomeado para ser árbitro do mesmo litígio, ou mesmo que tenha sido nomeado, é preciso a concordância prévia das duas partes; outro exemplo, só quando a conciliação não tem sucesso e as partes a solicitam é que se pode instaurar a instância arbitral. No prosseguimento da instância arbitral não pode haver conciliação. Quando se requer o processo de conciliação, é preciso pagar despesas de conciliação. A arbitragem só se inicia quando a conciliação não tem sucesso e é preciso pagar despesas arbitrais. Nos litígios de empresas colectivas com capitais chineses e estrangeiros, quando existem contratos de convenções arbitrais, o tribunal não os admite, e vice-versa. É preciso ter em conta que nos termos do artigo 60º das Regras de Arbitragem da Comissão de Arbitragem da Economia e Comércio Internacionais da China, a decisão arbitral é final e é vinculativa para as duas partes. Nenhuma parte pode recorrer ao Tribunal, nem pode pedir a qualquer instituição que modifique a decisão arbitral. O artigo 35º do Regime da Arbitragem (Decreto-Lei nº 29/96/M, também designa-se por Regime Jurídico da Arbitragem Interna) também tem uma disposição correspondente: a decisão arbitral final é vinculativa para as duas partes. O Tribunal não pode aceitar a acção das partes8. Tendo previsto a aplicação das convenções internacionais, o artigo 1º do Decreto-Lei nº 55/98/M sobre a arbitragem externa é idêntico ao artigo 35º da Convenção ICSID no seu carácter final e vinculativo. Apesar de existir o regime da decisão arbitral final para qualquer tipo de arbitragem na RPC, se a decisão vier a decretar a anulação ou a não execução pelo Tribunal Popular, as partes que não querem pedir arbitragem quanto ao compromisso arbitral novamente estabelecido sobre aquele conflito podem instaurar acção no Tribunal Popular. Esta

8 No entanto, conforme o Regime da Arbitragem de Macau, a anulação da decisão

arbitral pode ser requerida por qualquer das partes através de acção judicial a intentar no Tribunal de Competência Genérica, no prazo de 30 dias contados da data da notificação daquela. A pendência da acção de anulação não impede a instauração da acção executiva com base na decisão do Tribunal Arbitral, sendo equiparada tal pendência, para todos os efeitos legais, à pendência de um recurso com efeito meramente devolutivo. Da decisão proferida na acção de anulação cabe sempre recurso para o Tribunal Superior de Justiça.

medida é diferente do estabelecido nas Regras de Arbitragem da Comissão de Arbitragem da Economia e Comércio Internacionais da China.

C. Semelhanças e diferenças entre o tratamento

dos conflitos relativos a investimentos internacionais e o mecanismo da OMC relativo a diferendos

Com a adesão da China à OMC, ao estudar os meios para

tratar os conflitos relativos a investimentos internacionais, é bom comparar as resoluções de diferendos relativos a investimentos internacionais com as resoluções adoptadas pela Dispute Settlement Body da OMC. As resoluções tomadas pela DSB da OMC são idênticas no sentido de que em ambos os casos se adoptam medidas de negociação, conciliação e arbitragem para resolver diferendos.

As diferenças residem em: 1) Apesar de existirem semelhanças entre as resoluções para

os conflitos relativos a investimentos internacionais e as resoluções adoptadas pela DSB da OMC, a OMC é uma instituição para a resolução de diferendos relativos a investimentos internacionais independente do mecanismo existente para a resolução de diferendos nos direitos interno e internacional. Além da OMC não se envolver em investimentos internacionais, o seu mecanismo de resolução de diferendos também não trata de conflitos que ocorrem entre dois sujeitos de direito privado9, nem trata de litígios comerciais entre o Governo dum Estado e a pessoa colectiva ou singular de outro Estado10, e é diferente da resolução de diferendos internacionais que ocorrem entre dois Estados no âmbito do direito internacional público11.

2) Nas resoluções de conflitos relativos a investimentos internacionais, as medidas são não coercivas. As medidas não

9 Essas causas são geralmente resolvidas pela justiça interna ou pela arbitragem

comercial internacional. 10 Actualmente ainda não estão dispostas medidas para a resolução dessas causas. 11 O Tribunal Internacional de Justiça, que trata de diferendos entre Estados, não

aceita tratar de diferendos comerciais entre um Estado e um território aduaneiro separado, porque os membros da OMC tanto compreendem Estados que são sujeitos do direito internacional, como territórios aduaneiros que não são sujeitos do direito internacional.

coercivas incluem os meios jurisdicionais (arbitragem e acção) e não jurisdicionais (negociação), entre quais os meios internos do Host State são um meio jurisdicional e a protecção diplomática é um meio não jurisdicional.

No entanto, a DSB da OMC utiliza uma medida coerciva a par das medidas não coercivas: a represália cruzada (Cross Retaliation). No domínio do direito privado, esta represália corresponde à excepção de um cumprimento simultâneo no domínio do direito contratual12. Refere-se ao caso em que as pessoas com obrigações provenientes do contrato bilateral podem, antes do cumprimento da contraprestação pela outra parte, recusar a cumprir a sua própria prestação, salvo se tiverem a obrigação de prestar em primeiro lugar 13, com excepção das situações previstas no artigo 423º do Código Civil de Macau e no artigo 68º da Lei Contratual da RPC; mais a excepção de manter vícios e a excepção por inquietação 14, a excepção simultânea ao cumprimento da sentença e o direito de retenção. No domínio do direito público, Albert Speer escreveu no seu livro, “Durante alguma altura na antiguidade este tipo de acto de vingança particular ficou na moda, porque em Atenas uma lei previa que se um ateniense fosse morto no estrangeiro e esse país estrangeiro se recusasse a punir ou extraditar o criminoso, o parente deste ateniense tinha o direito de capturar e entregar 3 cidadãos desse país estrangeiro ao tribunal de Atenas. Na Idade Média, ou até em época mais recente até os fins do Século XVIII, os Estados passaram “termos de acção” aos seus funcionários e cidadãos que fossem prejudicados pelos países estrangeiros ou pelos seus cidadãos mas que não tinham acesso a meios de apoio. Este documento possibilita ao portador proceder a acção directa relativamente àqueles países, seus cidadãos e os bens deles, para obter indemnização pelos danos causados. Mais tarde, os próprios países também fizeram vinganças. O resultado é que os actos de vingança particulares deixaram-se de se adoptar e desapareceram nos fins do Século XVIII.” 15

O princípio fundamental do mecanismo de resolução de

12 O segundo caso previsto no artigo 422º, nº 1 do Código Civil de Macau; artigo 66º

da Lei Contratual da RPC. 13 Artigo 67º da Lei Contratual. 14 Artigo 68º da Lei Contratual da RPC. 15 Ver Oppenheim ’s International Law, revisto por H. Lauterpacht (Inglês), Vol. II,

tomo I, pág. 95-103, traduzido por Wang Tieya e Chen Tiqiang, Commercial Press.

conflitos da OMC é, através de meios que não sejam de negociação, fazer com que os Estados partes cumpram as obrigações acordadas. Quando não se chega a um resultado satisfatório com os meios não coercivos, admite-se aos Estados partes a acção directa coerciva de represália cruzada. No mundo contemporâneo, as guerras comerciais, as represálias comerciais, especialmente a represália cruzada, são como a guerra, não ajudam à resolução de conflitos e, até agora, não se encontra ninguém que consegue obter a vitória absoluta através de represálias comerciais. Ela é uma representação da política do mais forte e da desigualdade política.

3) O investidor estrangeiro pode instaurar uma acção contra o Host State, num tribunal fora desse Estado. O Standing Appellate Body’s Review estabelecido pelo DSB da OMC distingue-se das instituições de natureza judicial. Quando uma parte dos conflituantes interpõe um recurso de revisão, parece que tem uma natureza judicial. No entanto, a conclusão da revisão pelo Standing Appellate Body não tem os efeitos coercivos duma sentença judicial. Com fundamento no descontentamento com o resultado da revisão, a parte que invoca o processo de resolução dos conflitos pode, com a autorização do DSB, adoptar represálias directas.

4) Os investidores estrangeiros podem, sob o pressuposto de exaurir os meios internos e o princípio da nacionalidade continuada e serem representados pelo próprio Estado, apresentar uma reclamação internacional ao Host State através dos meios diplomáticos. Esta medida não existe no mecanismo de resolução de conflitos da OMC. Por seu turno, não existe o mecanismo de resolução de conflitos por grupo de especialistas nos modos de resolução de conflitos de investimento internacional. Na opinião do DSB, se ambos conflituantes acharem que os conflitos não podem ser resolvidos através de negociação e conciliação, podem pedir a constituição de um grupo de especialistas. Uma das partes no conflito pode apresentar ao DSB o pedido da constituição de um grupo de especialistas, que é composto geralmente por 3 a 5 oficiais governamentais ou particulares que tenham um bom conhecimento e experiência no âmbito de comércio internacional, nomeados pela secretaria. Para facilitar a escolha de especialistas, a secretaria tem uma lista de pessoal governamental e não governamental. O papel do grupo de especialistas é fazer uma avaliação objectiva por unanimidade sobre o facto e a aplicação

da lei (convenção) em causa, consoante o procedimento de trabalho e a periodicidade rigorosa do próprio grupo de especialistas, e apresentar o relatório de investigação e proposta de resolução de conflitos ao DSB. No prazo de 60 dias desde a apresentação do relatório ao DSB, o DSB aprovará, em reunião, o relatório. Se uma das partes no conflito apresentar recurso, o relatório não será aprovado.

Comparando a protecção diplomática e o grupo de especialistas (em termos formais), o grupo de especialistas parece ser mais flexível. No entanto, deve ter-se atenção que o grupo de especialistas é de natureza diferente da conciliação e da arbitragem, no sentido em que o grupo de especialistas não tem a função conciliatória, nem o seu relatório ter efeitos da decisão arbitral; quando uma das partes no conflito não concorda com ele, pode ainda interpor o recurso de revisão.16

5) A compensação nos investimentos internacionais não se refere apenas às propostas de resolução de conflitos, mas também ao critério da compensação quanto à nacionalização. Actualmente os Estados Unidos ainda insistem na compensação adequada (Adequate), efectiva (Effective) e rápida (Prompt). Os Estados em via de desenvolvimento, e o direito internacional consuetudinário 17 , insistem na compensação razoável ou apropriada (Reasonable Compensation ou Appropriate Compensation). A compensação no mecanismo de resolução de conflitos da OMC é apenas uma negociação compensatória voluntária, i.e., quando a proposta ou relatório do grupo de especialistas ou órgão de recurso não for aceite ou executado, os conflituantes podem, voluntariamente, chegar a um acordo sobre o modo de compensação. Decorridos 20 dias após o prazo

16 O órgão permanente de recurso é composto por 7 pessoas de prestígio, com

reconhecida competência especificamente em direito, no comércio internacional e na convenção em causa, sendo o mandato de 4 anos. O órgão não está subordinado a qualquer Governo e o recurso só pode ser interposto por uma parte no conflito. O assunto do recurso limita-se às questões jurídicas referidas no relatório do grupo de especialistas e as interpretações jurídicas feitas pelo mesmo grupo. O relatório do órgão de recurso deve ser feito dentro de 60 dias contado do dia em que a decisão do recurso é comunicada ao DSB (nunca podendo exceder 90 dias nos casos excepcionais). O relatório do órgão de recurso pode reconhecer, modificar ou discordar do resultado e conclusão do grupo de especialistas. Logo que o relatório do órgão de recurso for admitido pelo DSB, os conflituantes são sujeitos a aceitá-lo pura e simplesmente.

17 Samuel K. B. Asante, International Law and Foreign Investment 37, 1998, p. 602-613.

razoável e não tendo chegado a um acordo satisfatório, a parte que invoca o procedimento resolutório de conflitos pode pedir ao DSB que lhe delegue competência para suspender o cumprimento de concessões e outras obrigações do acordo em causa, salvo se o DSB recusar por unanimidade tal pedido.18

Em suma, apesar da represália cruzada nos métodos de resolução de conflitos da OMC ter reforçado a natureza de acção directa, é uma realização da política de força. Nesta matéria, os métodos de resolução de conflitos da OMC só adoptam métodos não coercivos (jurídicos e políticos). De qualquer maneira, a flexibilidade e o procedimento acelerado de recurso do grupo de especialistas do DSB merece elogios.

D. Razões para a criação do mecanismo de resolução de conflitos do ICSID

Nos anos 60 o mundo capitalista foi relativamente próspero. Os países capitalistas desenvolvidos tiveram vultuosos capitais inactivos a procurar mercado; depois da sua independência, alguns países em via de desenvolvimento procuraram fomentar a economia e necessitaram fundos, formando assim a época de grande expansão de investimentos nos anos 60. No entanto, os métodos tradicionais de resolução de conflitos relativos a investimentos internacionais não correspondiam aos interesses das duas partes19. Por outro lado, estes tipos de conflitos são

18 Nos termos do Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos pelo que se Rege

a Resolução de Diferendos, a parte reclamante pode, baseada em certos princípios e procedimentos, suspender o cumprimento de concessões e outras obrigações do acordo. Ou seja, com a autorização do DSB, pode fazer represália cruzada, salvo se no acordo em causa está previsto a proibição de suspensão de concessões e outras obrigações. A represália cruzada abrange os sectores de mercadorias, serviços e a propriedade intelectual relacionada com o comércio. O nível da suspensão de concessões e outras obrigações autorizado pelo DSB será equivalente ao nível da anulação ou prejuízo.

19 Quanto aos diferendos provenientes de investimento entre o investidor estrangeiro e o Governo do Host State, tradicionalmente existem quatro formas de resoluções (ver Chen An, Direito Internacional Económico, Editora Universidade de Pequim, 1994): 1. A pátria do investidor, em nome do exercício de “protecção diplomática”, aplica pressão política, sanção económica ou até intervenção armada, ao Host State; 2. Procurando uma resolução por via judicial, o Governo da pátria do investidor, como autor, instaura uma acção no Tribunal Internacional de Justiça contra o Governo do Host State que seria o réu. Uma vez que as partes processuais do Tribunal Internacional de Justiça limitam-se a Estados, o próprio investidor não pode instaurar uma acção directamente contra o Host State nesse Tribunal. Além

complicados e difíceis na prática, sendo o seu problema originado pela aplicação legislativa, pelo facto de os investidores particulares estrangeiros terem ou não direito a recurso nos tribunais internacionais, como se executa a decisão de condenação de um Estado pelo tribunal internacional, etc. Os tratados bilaterais também deparam-se com dificuldades técnicas e procedimentais 20 Para integrar as “lacunas” técnicas e procedimentais dos referidos métodos tradicionais e tratados bilaterais de resolução de conflitos relativos a investimentos internacionais e construir um mecanismo eficaz, os países desenvolvidos e os em via de desenvolvimento elaboraram e celebraram, sob a orientação activa do Banco Mundial em 1965 a Convenção para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos entre Estados e Nacionais de Outros Estados.

E. Organização, regras e estatuto do ICSID

(Centro Internacional para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos)

1. Ó rgãos constitutivos O Centro é constituído pelos órgãos seguintes: 1.1. O Conselho de Administração21 O Conselho de Administração é composto por um

representante de cada um dos Estados Contratantes. Para entrar no Conselho de Administração, o Estado Contratante deve

disso, a jurisdição do Tribunal Internacional de Justiça baseia-se no consentimento dos Estado-partes, podendo assim o Host State recusar a sua jurisdição; 3. O investidor estrangeiro pede arbitragem às instituições internacionais de arbitragem, mas essas instituições são fortes geralmente em resolver os conflitos económicos entre sujeitos do direito privado e, quando estão perante diferendos de investimento internacional que têm como parte o Estado com imunidade soberana, são muitas vezes incapazes porque essas instituições não têm um mecanismo específico que seja eficaz neste aspecto; 4. O investidor faz queixa ou instaura acção no órgão administrativo ou judicial do Host State. Este método corresponde ao princípio do privilégio territorial reconhecido publicamente no Direito Internacional e é apoiado pelos Estados em via de desenvolvimento. Para o investidor estrangeiro, este método é o pior porque está preocupado que o órgão do Host State que admite o caso seja favorável à outra parte, sendo injusto na aplicação das leis.

20 a. Nas negociações bilaterais, uma vez que a mudança de Governo dos Estados em causa, as renegociações ou a suspensão das negociações são frequentes, faltando normas unificadas, é susceptível surgir conflitos na sua interpretação; b. Decorrendo uma a uma, as negociações bilaterais demoram e não têm efeitos instantâneos.

21 Ver os artigos 4º a 8º da Convenção.

possuir uma das qualidades seguintes: a. Estado Contratante do Banco Mundial; b. Estado signatário do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça. O Presidente do Banco Mundial será ex officio Presidente do Conselho de Administração, o governador e o governador suplente do Banco nomeados por um Estado Contratante serão ex officio o representante e o substituto desse Estado no Centro. As principais funções do Conselho de Administração são: adoptar as Regras de Conciliação e as Regras de Arbitragem, determinar as condições de emprego do Secretário Geral e dos Secretários Gerais Adjuntos e adoptar o regulamento administrativo e financeiro do Centro.

1.2. O Secretariado22 O Secretariado do Centro é constituído por um

Secretário-Geral, um ou mais Secretários Gerais Adjuntos e o pessoal do Centro. É o representante legal do Centro e é responsável pela sua administração, incluindo o recrutamento do pessoal, de acordo com as disposições da Convenção e respectivos regulamentos. Tem também o poder de registrar os pedidos de conciliação ou arbitragem e autenticar as decisões arbitrais do Centro.

1.3. As listas de Conciliadores e de Árbitros23 Cada lista é composta por dez pessoas de nacionalidade

diferente, nomeados pelo Presidente de entre a lista de candidatos. Cada Estado Contratante designa quatro candidatos para a lista, independentemente de serem ou não nacionais daquele Estado. Por outro lado, ao designar os candidatos, o Presidente do Conselho de Administração deve ter em conta que as listas de conciliadores e de árbitros representem os principais sistemas jurídicos do mundo e os ramos mais importantes da actividade económica. Todos os conciliadores e árbitros designados para a lista devem gozar de elevada consideração e reconhecida competência no campo de direito, comércio, indústria ou finanças e devem decidir de modo independente. A competência no campo de direito é de importância particular no caso das pessoas designadas para a lista dos árbitros.24 O papel básico do Centro é facilitar, no aspecto de conciliação e arbitragem, a resolução de conflitos relativos a investimentos, por isso o próprio Centro não participa directamente na conciliação e arbitragem. O processo de 22 Ver os artigos 9º a 11º da Convenção. 23 Ver os artigos 12º a 16º da Convenção. 24 Ver os artigos 12º a 14º (1) da Convenção.

conciliação e arbitragem realiza-se por uma comissão especial de inquérito ou por um Tribunal Arbitral.

2. Regras (Regras do Processo de Conciliação e de Arbitragem do Centro)

Os processos de conciliação e de arbitragem do Centro são independentes e são realizados respectivamente por uma Comissão de Conciliação e por um Tribunal Arbitral. Uma vez que a conciliação não tem propriamente força vinculativa, a arbitragem é o método mais eficaz proporcionado pelo Centro. Na realidade, a maior parte dos casos são submetidos à arbitragem. No ponto de vista de A. Broches, “A convenção, por ser um tratado, constitui a lei processual da arbitragem. Por isso, além do que está especificado na própria convenção, a convenção exclui a aplicação de qualquer lei de tribunal de um estado.”25 Por outras palavras, a instância arbitral do Centro é controlada inteiramente pela Convenção e as disposições da Convenção referentes à arbitragem constituem um sistema autosustentado.26 2.1. Apresentação do pedido: A instauração de qualquer processo começa primeiro com a apresentação de um pedido por uma ou ambas as partes. O pedido deve ser apresentado ao Secretário-geral do Centro e só será registado após se verificar que o conflito cai na jurisdição do Centro. O Secretário-geral notificará o registo à outra parte. Se entender que o conflito não pertence manifestamente à jurisdição do Centro, o Secretário-geral notificará a recusa do registo ao interessado com o respectivo fundamento. A decisão da recusa do registo do Secretário-geral é uma decisão final.27

2.2. Constituição da Comissão de Conciliação ou Tribunal Arbitral:

As duas partes podem combinar a constituição de uma Comissão de Conciliação ou de um Tribunal Arbitral cujas condições de formação são seguintes:

25 Ver A. Broches, “Convenção”, in Recueil de Cours da Academia de Direito

Internacional de Haia, Vol. 136, 1972, versão inglesa, página 385. (Nota transcrita de: Yu Jingxiong, Direito Internacional de Investimento, Law Press, 1997, página 440).

26 Ver G. R. Delaume, “Transnational Contracts”, Booklet 16.2, 1982, versão inglesa, páginas 41 a 43 (Nota transcrita de: idem).

27 Ver o artigo 28º da Convenção; Regra 6 e seguintes das Regras para a Instituição de Processos de Conciliação e de Arbitragem do ICSID.

a) O número de conciliadores ou árbitros deve ser ímpar28. b) A maioria das pessoas do Tribunal Arbitral não deve ser

nacional do Estado de qualquer parte. A recusa de cooperação de qualquer parte não pode resultar

na não constituição da Comissão de Conciliação ou do Tribunal Arbitral. Os conciliadores e árbitros são nomeados por acordo das duas partes. Se não houver este acordo, a Comissão ou o tribunal será composto por três conciliadores, um nomeado por cada parte e o terceiro nomeado por acordo das duas partes. Se as duas partes não chegarem a acordo ou uma parte se recusar a nomear, o Presidente do Conselho de Administração deve, mediante solicitação de qualquer uma das partes, e após consulta às duas partes, nomear o(s) conciliador(es) ou o(s) árbitro(s). O(s) conciliador(es) ou o(s) árbitro(s) podem ser nomeados fora das listas referidas do Centro mas devem possuir as qualidades exigidas pela Convenção.

2.3. Regras para a conciliação e a arbitragem29 Os procedimentos para a conciliação e a arbitragem e a matéria relacionada estão sujeitos às Regras do Processo de Conciliação e as Regras do Processo Arbitral aprovadas pelo Conselho de Administração. Além das duas regras obrigatórias da Convenção, as partes também podem combinar a aplicação de outras regras. No início ou no prosseguimento dos processos conciliatório ou arbitral, se qualquer uma das partes apresentar embargos quanto à jurisdição do Centro, a Comissão de Conciliação ou o Tribunal Arbitral decidirá se tem competência ou não. No caso da conciliação, a Comissão de Conciliação deve apresentar propostas às duas partes para estas chegarem a acordo. Não chegando a acordo, devem terminar os processos e fazer um relatório. No caso da arbitragem, o Tribunal Arbitral decide o conflito com base nas normas jurídicas acordadas pelas duas partes. Faltando tal acordo, o Tribunal Arbitral deve aplicar o Direito do Estado Contratante que seja Estado parte (incluindo as suas normas de conflito de leis) e demais princípios de direito internacional aplicáveis. 30 Concordando as duas partes, o

28 Ver os artigos 29º, 2 (a) e 37º, 2 (a) da Convenção. 29 Todos os Estados Contratantes devem reconhecer a força vinculativa duma decisão

tomada conforme a Convenção e cumprir as obrigações pecuniárias postas por essa decisão dentro dos seus territórios, considerando essa decisão como uma decisão final dum tribunal do próprio Estado. (Ver os artigos 53º e 54º da Convenção).

30 Ver o artigo 42º, nº 1 da Convenção.

Tribunal Arbitral pode decidir o conflito com base nos princípios de justiça e de boa fé. O tribunal não pode recusar-se a julgar sob pretexto do silêncio e da obscuridade da lei. 31 Além disso, qualquer parte pode pedir a anulação da decisão com qualquer ou quaisquer dos fundamentos seguintes: (a) vício na constituição do Tribunal; (b) manifesto excesso de poder do Tribunal; (c) corrupção de algum membro do Tribunal; (d) inobservância grave de uma norma de processo; (e) vício de fundamentação. O Presidente do Conselho de Administração nomeará um comité ad hoc de três pessoas da lista de árbitros que decidirá a anulação ou não da sentença.32

2.4. Local para os processos de conciliação ou de arbitragem:

a) Salvo estipulação especial, é a sede do Centro, ou seja, Washington nos Estados Unidos;

b) As partes podem combinar que a conciliação ou arbitragem seja realizada na sede do Tribunal Arbitral Permanente, i.e., em Haia na Holanda, ou qualquer outra instituição apropriada, privada ou pública, com quem o Centro tenha chegado a acordo para tal efeito;

c) Em qualquer outro local aprovado pela Comissão ou Tribunal após consulta com o Secretário-geral.

2.5. Escolha do processo a) As duas partes podem combinar primeiro uma conciliação e

só recorrerão à arbitragem se a conciliação não resultar. b) Ao proceder à arbitragem, as partes podem conciliar e anular

o processo de arbitragem. Também podem pedir ao Tribunal Arbitral que produza uma decisão arbitral contendo o acordo conciliatório. 33 Tendo escolhido a conciliação, as duas partes também podem acordar que o relatório da conciliação tenha força vinculativa.

3. Função fundamental e estatuto jurídico As funções fundamentais e o estatuto jurídico do Centro são

seguintes: a) O objectivo principal é facilitar a conciliação e arbitragem de

conflitos entre os Estados Contratantes e os nacionais de outros Estados, por isso não intervém directamente na conciliação e arbitragem e só fornece a lista dos conciliadores

31 Ver o artigo 42º, nºs 2 e 3 da Convenção. 32 Ver os artigos 51º e 52º da Convenção. 33 Ver o artigo 34º das Regras do Processo Arbitral.

e dos árbitros para os investidores e Estados Contratantes escolherem, com vista a constituir, nos termos da Convenção, uma comissão especial ou um Tribunal Arbitral para proceder à conciliação e arbitragem.

b) O Centro é estabelecido de acordo com a Convenção, tem plena personalidade jurídica internacional e capacidade legal que compreende a de contratar, de adquirir bens móveis e imóveis e dispor deles e de estar em juízo.34

c) Depois de desempenhar as suas funções, o Centro goza nos territórios de cada Estado Contratante da imunidade e privilégios previstos na Convenção.

O Centro, seus patrimónios e bens, gozam de imunidade relativamente a qualquer acção judicial. Os arquivos e comunicações do Centro são invioláveis. O Centro, seus bens, rendimentos e as operações e transacções autorizadas pela Convenção são isentos de qualquer imposto ou direito alfandegário. Os administradores e funcionários do Centro gozam de imunidade relativamente a qualquer acção judicial referente aos actos realizados no desempenho das suas funções; quando não são nacionais do Estado onde exercem as suas funções, gozam das mesmas imunidades em matéria de imigração, de registo de estrangeiros e de obrigações de serviço militar, assim como das mesmas facilidades em matéria de trocas e de câmbios que as conferidas pelos Estados Contratantes aos representantes de escalão comparável doutros Estados Contratantes. Os salários, subsídios ou outras remunerações estão isentos de imposto.35

F. Condições fundamentais para a determinação

da competência do Centro Primeiro, temos de especificar que a jurisdição do Centro não

é uma jurisdição judicial no sentido rigoroso, mas é um termo empregue para representar as condições em que o Centro admite os casos de conciliação e de arbitragem e o seu âmbito.36 34 Ver o artigo 18º da Convenção. 35 Ver os artigos 19º a 24º da Convenção. 36 Ref. ao caso em que Alcoa Minerals of Jamaica, Inc. instaura uma acção contra o

Governo da Jamaica (“Arbitragem sob a Orientação do ICSID: o Sentido da Decisão ao Caso Alcoa Minerals of Jamaica, Inc. v. Jamaica”, in Harvard International Law Journal, 1976, versão inglesa, páginas 90 a 103); ao caso Maritime International Nominees Establishment v. Guiné (Yao Meizhen, Estudo de Casos Concluídos sobre Investimento Internacional, Wuhan University Press, 1989,

Nos termos do nº 1 do artigo 25º da Convenção, “A competência do Centro abrangerá os diferendos de natureza jurídica directamente decorrentes de um investimento entre um Estado Contratante (ou qualquer pessoa colectiva de direito público ou organismo dele dependente designado pelo mesmo ao Centro) e um nacional de outro Estado Contratante, diferendo cuja submissão ao Centro foi consentida por escrito por ambas as partes. Uma vez dado o consentimento por ambas as partes, nenhuma delas poderá retirá- lo unilateralmente.” Assim, podemos ver que a eventual determinação da competência do Centro depende das três condições seguintes:

1. Condições obrigatórias As condições obrigatórias são as condições que o Centro

deve possuir necessariamente para a determinação da sua competência:

1.1. Sujeitos legítimos Um sujeito legítimo é o Estado Contratante (incluindo a sua

pessoa colectiva ou organismo designado), a outra parte são os nacionais de outros Estados Contratantes (incluindo pessoas singulares e colectivas):

1.1.1. Estados contratantes: São os Estados que já aderiram oficialmente à Convenção no momento em que acordam com os investidores submeter o diferendo à jurisdição do Centro, ou quando a instância arbitral está instaurada. Por isso, só serão Estados Contratantes legítimos os Estados autorizados pela Convenção. Caso se preveja que um Estado venha a aderir brevemente à Convenção e a outra parte é nacional doutro Estado Contratante, as duas partes podem acordar condicionalmente a submissão à jurisdição do Centro, i.e., logo que aquele Estado adira oficialmente à Convenção, a cláusula de submissão entra automaticamente em vigor.

1.1.2. Pessoa colectiva ou organismo: O Estado Contratante, como um Estado parte do conflito, abrange ainda sua “pessoa colectiva ou organismo”. Nos termos da Convenção, desde que o Estado Contratante ratifica a Convenção, cons titui-se parte processual do Centro. Além disso, pode determinar à vontade a sua “pessoa colectiva ou organismo” como uma parte processual do Centro. A Convenção não dá definição de “pessoa colectiva ou

páginas 89 a 116).

organismo”, dando liberdade aos Estados Contratantes. Nos termos dos nºs 1 e 3 do artigo 25º da Convenção, para constituir-se uma parte processual do Centro, a “pessoa colectiva ou organismo” deve passar pelo processo seguinte: o Estado Contratante notifica ao Centro determinada entidade pública que julga apta37, e essa entidade consente na jurisdição do Centro. A par disso, o Estado Contratante deve aprovar depois o consentimento (salvo se esse Estado notifica o Centro que tal aprovação não é necessária).

1.1.3. Acreditação de empresa nacional: A questão da acreditação de empresa nacional é relevante. A empresa nacional pode tornar-se parte processual do Centro através da acreditação pelo próprio Governo. Quando um Governo acredita uma empresa nacional para ser parte processual do Centro, os conflitos entre a empresa e o investidor estrangeiro podem ser resolvidos através do processo do Centro. No entanto, o efeito jurídico dessa acreditação é grave, porque implica que esse Governo assumirá os deveres provenientes da Convenção, assegura que as disposições da Convenção serão observadas pela empresa nacional, bem como reconhecerá e executará a decisão arbitral. Por isso, antes de um Estado fazer essa acreditação, deve compreender plenamente os efeitos jurídicos resultantes da responsabilidade internacional que assumirá para essa empresa nacional e a questão sobre a modificação ou anulação da acreditação. Depois de certo Estado Contratante ter acreditado determinada empresa ou instituição a ser parte processual do Centro, se a forma legal de existência dessa empresa se modifica (por exemplo, é dissolvida ou fundida), a acreditação pelo Governo também se modifica? Por outro lado, tendo o consentimento de um Estado Contratante sobre certa pessoa colectiva ou organismo acreditado como parte processual do Centro sido aprovado, pode depois anular essa acreditação? Em termos gerais, quando existe modificação das partes, a acreditação anterior torna-se nula, devendo acreditar outro. Em

37 Até agora só existem quatro casos de organismos acreditados: a) Em 1963, a

Inglaterra acreditou as suas colónias ultramarinas como parte processual do Centro e notificou que não era necessário o consentimento da entidade aprovadora; b) Em 1981, a Guiné acreditou a Companhia de Exploração de Minas de Ferro de Nimba ao Centro; c) Madagáscar acreditou a Companhia Nacional de Carvões ao Centro; d) o Sudão acreditou a Companhia Geral de Petróleo ao Centro. Porém, não havia notificação ao Centro de não ser necessária a aprovação do consentimento dessas instituições.

termos doutrinários, as opiniões sobre a anulação da acreditação são diversas. A doutrina indiana pensa que a acreditação difere do consentimento sobre a submissão do conflito à jurisdição do Centro, é um acto unilateral em que o Estado Contratante pode anular a aprovação feita. Isto corresponde aos princípios fundamentais do direito internacional, que autorizam o Estado soberano a praticar actos jurídicos que correspondem às disposições da lei e a anular o acto observando os termos da lei.

1.1.4. Qualidade da pessoa singular Nos termos do nº 2 (a) do artigo 25º da Convenção,

entende-se como nacional doutro Estado Contratante qualquer pessoa singular que tenha a nacionalidade de um Estado Contratante distinto do Estado parte no diferendo à data em que as partes consentiram em submeter tal diferendo a conciliação ou arbitragem, assim como na data em que o pedido foi registrado, não incluindo no entanto qualquer pessoa que em qualquer das datas também tinha a nacionalidade do Estado Contratante parte no diferendo38. Atenção: a Convenção estabelece que a pessoa singular com a nacionalidade do Estado parte não tem qualidade para ser parte processual do Centro. A natureza dessa inaptidão é absoluta, não podendo ser alterada mesmo que o Estado parte no diferendo consinta. Assim, exclui-se radicalmente a possibilidade de o nacional de um Estado ou qualquer pessoa que tenha dupla nacionalidade aproveite o processo do Centro para instaurar uma acção contra o Estado da sua nacionalidade.

1.1.5. Qualidade da pessoa colectiva As pessoas colectivas que têm a qualidade de parte

processual do Centro são: a) A pessoa colectiva que tenha uma nacionalidade distinta dum Estado Contratante parte no conflito; b) Pessoa colectiva que tenha a nacionalidade de um Estado Contratante parte no conflito mas controlado por interesses estrangeiros. Nas actividades de investimento internacional, a nacionalidade da pessoa colectiva é realmente um problema complexo. Diferentes doutrinas jurídicas têm critérios diferentes quanto ao reconhecimento da nacionalidade da pessoa colectiva (segundo os princípios gerais do direito internacional privado, existem vários critérios para determinar a nacionalidade da pessoa colectiva). Nos termos do nº 2 (b) do artigo 25º da Convenção, considera-se nacional de outro Estado Contratante

38 Ver o nº 2 (a) do artigo 25º da Convenção.

“qualquer pessoa colectiva que tivesse a nacionalidade de um Estado Contratante, outro que não o Estado parte no diferendo, à data em que as partes hajam consentido em submeter tal diferendo a conciliação ou a arbitragem, bem como qualquer pessoa colectiva que tinha a nacionalidade do Estado Contratante parte no diferendo àquela data e que, em virtude do controlo sobre ela exercido por interesses estrangeiros, as partes tenham acordado em tratar como um nacional de outro Estado Contratante, para os efeitos da presente Convenção”. Daqui podemos retirar os dois critérios que são utilizados para qualificar a pessoa colectiva. Primeiro, quando é pessoa colectiva com nacionalidade distinta do Estado Contratante parte no conflito, é a nacionalidade original; segundo, quando é pessoa colectiva com nacionalidade de um Estado Contratante parte no conflito mas é controlada por interesses estrangeiros, adopta-se o acordo entre as duas partes. Essas disposições da Convenção implicam que o critério geral para a nacionalidade da pessoa colectiva é o do local do estabelecimento da empresa, mas com uma excepção, nomeadamente o do controlo, isto é, relativamente às empresas estabelecidas num Estado não contratante mas controladas pelos nacionais de um Estado Contratante, as duas partes podem acordar que tenham a nacionalidade do Estado Contratante.

1.2. Legitimidade do sujeito: É necessário que o diferendo seja um diferendo jurídico

resultante de um investimento. Nos termos da Convenção, a submissão do conflito à jurisdição do Centro tem que preencher três requisitos:

1.2.1. O conflito resulta directamente dum investimento39: a ausência de definição do termo “investimento” é um “lapso” intencional da Convenção. Com a multiplicidade das formas de transacções económicas a nível internacional, o conceito de investimento também sendo enriquecido. Nenhuma definição podia englobar completamente a diversidade das transacções entre particulares e entidades públicas estrangeiras (por exemplo: investimentos em serviços internacionais, investimentos flexíveis internacionais relacionados com o comércio, créditos internacionais, investimentos em bolsas internacionais, etc.) A

39 ICSID – Model Clauses, Section II (7) : “Para os efeitos do nº 1 do artigo 25º, as

partes consentem em que (o conflito)(qualquer diferendo relacionado com a presente Convenção ou resultante dela) é um diferendo jurídico resultante directamente do investimento.”

definição de investimento na Convenção conduziria à auto-limitação do âmbito da jurisdição do Centro. Assim, as transacções que pertencem inequivocamente ao conceito de investimento incluem o crédito, o fornecimento de capitais, de propriedade e a propriedade industrial. As transacções que sem dúvida não são incluídas são as transacções comerciais gerais, por exemplo, a compra e venda de mercadorias. Relativamente às transacções que ficam a meio caminho entre os dois, os Estados Contratantes podem determinar o conteúdo de “investimento” consoante o seu próprio entendimento. Para evitar quaisquer conceitos ambíguos, sugere-se às partes que declarem claramente no documento que para os efeitos da Convenção, determinada transacção entre as duas partes pode constituir um investimento.

1.2.2. É um conflito jurídico: os Estados Contratantes acordam que os conflitos submetidos são “conflitos jurídicos”. O termo “conflito jurídico” também não foi definido, existindo apenas na página 9 do Report of the World Bank Executive Directors on the Convention, in Doc. ICSID/2, uma explicação orientadora: “o conflito jurídicos caem na jurisdição do Centro, não pertencendo à jurisdição do Centro os meros conflitos de interesses”(...) “São excluídos totalmente da jurisdição do Centro os conflitos de interesses comerciais concentrados no Host State e no Estado investidor, que não estão relacionados com a matéria dos direitos legais.”40 É uma diferença, no regime da jurisdição, entre o Centro e outras instituições arbitrais em matéria comercial internacional, limitando, no âmbito de conflitos jurídicos, os conflitos sob a jurisdição do Centro.

1.2.3. Nos termos do artigo 25º da Convenção, os Estados Contratantes podem, a qualquer altura, notificar o Centro para não admitir os conflitos de investimento sob a sua jurisdição, ou seja, os Estados Contratantes podem determinar livremente quais os tipos de conflitos que ficam na jurisdição do Centro e quais os que não se submetem à jurisdição do Centro. Por exemplo, ao aderirem à Convenção, podem declarar expressamente que não submetem à conciliação e arbitragem do Centro as matérias relacionadas com a soberania do Estado. Em 9 de Fevereiro de 1990, o nosso país assinou a Convenção. No entanto, para defender a soberania do país, os três tipos de conflitos seguintes

40 Ver Yu Jingsong, Direito Internacional de Investimento, Law Press, 1997, página

450, nota 4.

não estão submetidos à jurisdição do Centro: 1. Conflitos relacionados com a nacionalização ou a legalidade das providências de cobrança de imposto; 2. Conflitos relacionados com a interpretação e aplicação das leis vigentes do nosso país; 3. Conflitos relacionados com a sanção, pelos órgãos executivos do nosso país nos termos da lei, dos actos ilegais de investidores estrangeiros.

2. Condições facultativas 2.1. O consentimento é fundamento para a jurisdição do

Centro Conforme a página 8 do Report of the World Bank Executive

Directors on the Convention, in Doc. ICSID/2, “o consentimento das partes é o fundamento para a jurisdição do Centro.” Isto é, as partes consentem em submeter o diferendo à conciliação ou arbitragem do Centro. Este requisito significa que a jurisdição do Centro é voluntária e não obrigatória. Por outras palavras, a adesão e aprovação da Convenção pelos Estados Contratantes não implica a obrigação de submeter um concreto e determinado conflito de investimento à conciliação e arbitragem do Centro. A aprovação da Convenção por certo Estado é apenas um requisito no consentimento em aceitar a jurisdição do Centro e desempenha uma função determinante para o pressuposto da jurisdição do Centro. Representa a característica radical da Convenção 41. Esta dependência da vontade não é ilimitada. Por exemplo, uma vez prestado o consentimento, nenhuma parte pode anulá-lo unilateralmente42. No sentido do nº 1 do artigo 25º da Convenção, a notificação posterior do Governo não pode anular o consentimento anterior. Esta notificação pode apenas ser interpretada como se referindo a conflitos futuros. Uma vez constituída a jurisdição do Centro, pode ser adoptado o princípio do impedimento judicial para excluir que o tribunal interno exerça o poder judicial no mesmo caso, excluindo também que o Host State recorra a meios internos e à protecção diplomática43.

41 P. F. Sutherland, “The World Bank Convention on the Settlement of Investment

Disputes”, in International and Comparative Law Quarterly, vol. 28 (1979), versão inglesa, página 380.

42 Ver a última frase do nº 1 do artigo 25º da Convenção. 43 Ver o nº 1 do artigo 27º da Convenção.

2.2. Forma escrita adequada Escrevemos atrás que o consentimento das partes é o

fundamento para a jurisdição do Centro. É ainda necessário, porém, que as partes adoptem uma forma escrita adequada. A forma escrita autorizada pela Convenção possibilita que as duas partes possam adoptar qualquer forma escrita que julguem adequada. Esta forma escrita inclui normalmente: a) Consentimento nas cláusulas principais de um acordo de investimento; b) Consentimento nas normas principais do direito interno do Estado onde ocorre o investimento, cuja validade carece ainda do consentimento em forma escrita do investidor estrangeiro; c) Consentimento do Host State e do escritório principal da empresa local em submeter o diferendo à resolução pelo Centro. O requerimento de investimento pelo Host State que aprova o estabelecimento de uma empresa local e que prevê que os conflitos entre a empresa e o Governo do Host State sejam submetidos à arbitragem do Centro pode constituir o consentimento entre o Host State e o escritório principal da empresa local; d) O Governo e a empresa cessionária estrangeira acordam em submeter o diferendo à resolução do Centro. Este acordo com a empresa cessionária estrangeira representa que o Governo do Host State aprova transmitir, a essa empresa estrangeira, as quotas da empresa local que goza de direito arbitral do Centro. Como as duas partes manifestaram o seu consentimento, significa que se comprometem a assumir obrigações. Por isso, mesmo que o Estado Contratante deixe de participar na Convenção, o consentimento dele e dos seus nacionais prestado antes não pode ser anulado. Isto inevitavelmente resulta numa restrição da soberania do Estado Contratante; e) Consentimento das cláusulas principais do acordo de investimento bilateral, por exemplo, “as partes contratantes consentem em submeter à resolução do Centro qualquer diferendo entre uma parte contratante e o nacional ou empresa da outra parte contratante.”

3. Condições e princípios de avaliação 3.1. Direito de opção Mesmo que os Estados Contratantes tenham assumido o

compromisso em que consentem a jurisdição do Centro, eles não podem determinar se o diferendo será submetido à jurisdição do Centro conforme a sua vontade porque o Secretário-Geral tem o

direito de opção. Quando surge um diferendo, uma parte no diferendo tem que apresentar ao Secretário-Geral do Centro um pedido de conciliação e arbitragem. Logo que este pedido tenha sido registrado pelo Secretário-Geral do Centro, pode ser constituído um Tribunal Arbitral especializado ou uma Comissão de Conciliação que adoptará o procedimento de conciliação e de arbitragem44. Nos termos do artigo 28º do Capítulo III e do artigo 36º do Capítulo IV da Convenção, o Secretário-Geral pode exercer um direito próprio em que pode decidir o registo ou não de um pedido apresentado pelo impugnante consoante o conteúdo deste pedido. Se ele considerar que o diferendo não pertence claramente à jurisdição do Centro, tem o poder de recusar o registo do pedido. Este direito próprio é portanto um direito de opção do Secretário-Geral.

O exercício deste direito de opção favorece a vontade discricionária da Comissão de Conciliação e do Tribunal Arbitral, deixando muitas impugnações dos Estados de contestação da jurisdição sem serem apreciadas.

3.2. Regras de “controlo estrangeiro” Na determinação da nacionalidade da pessoa colectiva,

passámos pelas disposições sobre o “controlo estrangeiro”. Na Convenção não existe definição de “controlo estrangeiro”, deixando a sua interpretação para o Tribunal Arbitral do Centro, reservando assim um extenso poder discricionário ao Tribunal Arbitral e dando a oportunidade de ser parte do Centro à empresa estrangeira com qualidade de pessoa colectiva. O Tribunal Arbitral do Centro utiliza sempre esta competência para procurar diferentes fundamentos para alargar a jurisdição do Centro. No entanto, os Estados Contratantes podem, por forma escrita, declarar a sua posição na matéria do estabelecimento da nacionalidade da pessoa colectiva e realçar que o Centro não exclui em absoluto a aplicação das regras relativas aos meios internos do Host State. Depois da exaustão dos meios internos, o investidor pode dirigir-se directamente às instituições internacionais para instaurar processo contra o Host State, deixando o conflito ser resolvido a nível internacional. Assim, é tanto desnecessário como ilegítimo conceder protecção diplomática ou apresentar uma reclamação internacional. Por isso, 44 Ver as Regras 1 e 6 das Regras para a Instituição de Processos de Conciliação e de

Arbitragem do ICSID.

nos termos do nº 1 do artigo 27º da Convenção, “Nenhum Estado Contratante concederá protecção diplomática nem apresentará internacionalmente uma reclamação respeitante a um diferendo que um dos seus nacionais e outro Estado Contratante tenham consentido submeter ou hajam submetido a arbitragem no quadro da presente Convenção, excepto no caso de o outro Estado Contratante não acatar a sentença proferida no dito diferendo.” Nos termos do nº 2 do artigo 27º, “A protecção diplomática, para efeitos do n.º 1, não incluirá diligências diplomáticas informais, visando unicamente facilitar a resolução do diferendo”. Não podemos negar o facto de que o Centro estabeleceu um tribunal internacional admissível, tanto pelo investidor como pelo Host State, excluindo a intervenção por parte do Governo do Estado a que pertence o investidor no conflito de investimento, não deixando que o conflito seja resolvido politicamente. É também uma importante tendência na evolução das formas de resolução dos conflitos de investimento.

G. Questão sobre a aplicação da lei pelo ICSID A aplicação da lei pelo Centro é garantia de arbitragem justa

pelo Centro. A regra da aplicação da lei pelo Centro está prevista no artigo 42º da Convenção: “1. O tribunal julgará o diferendo em conformidade com as regras de direito acordadas entre as partes. Na ausência de tal acordo, o tribunal deverá aplicar a lei do Estado Contratante parte no diferendo (incluindo as regras referentes aos conflitos de leis), bem como os princípios de direito internacional aplicáveis. 2. O tribunal não pode recusar-se a julgar sob pretexto do silêncio ou da obscuridade da lei. 3. As disposições dos n.ºs 1 e 2 não prejudicarão a faculdade de o tribunal julgar um diferendo ex aequo et bono se houver acordo entre as partes.”45 A questão da aplicação da lei pelo Centro está previsto no artigo 42º da Convenção, mas os problemas seguintes surgiram com a aplicação concreta do artigo 42º:

45 Ver Visão Global dos Tratados Económicos e Comerciais Internacionais – Vol. I,

Editor principal Huang Shuhai, Editora Ordenamento Jurídico da China, 1997, p. 362.

1. ex aequo et bono (princípio da imparcialidade e da justiça)

Nos termos do nº 3 do artigo 42º da Convenção, “As disposições dos n.ºs 1 e 2 não prejudicarão a faculdade de o tribunal julgar um diferendo ex aequo et bono se houver acordo entre as partes.”

O princípio da imparcialidade e da justiça surgiu primeiro no direito romano e foi consagrado no Código Civil Francês e no Código Civil Alemão 46, tornando-se um princípio no direito civil que se encontra em muitas convenções internacionais e regras de arbitragem. O sentido geral deste princípio é o de que o árbitro pode, com o consentimento das partes, tomar uma decisão vinculativa não correspondente às disposições legais mas baseando noutros critérios justos e razoáveis.

Devido à objectividade da realidade e à compatibilidade da maioria das normas jurídicas, a Convenção reservou, como técnica jurídica, um certo “espaço” para a aplicação da lei. O árbitro tem que interpretar, porém, dentro dos limites dos valores estabelecidos pela Convenção e não decidir livremente, alterando a intenção inicial de “imparcialidade” e “justiça”. O famoso jurisconsulto alemão, Harry Westermann, afirmou: “Quanto à sua natureza, a justiça é uma aplicação dos valores do direito, e não uma decisão independente do juiz”47. Mesmo que a Convenção não tivesse previsto uma cláusula concreta para aplicação e que não se possa recorrer à analogia por parte do aplicador do direito (por exemplo, o árbitro)48, é obrigatório fazer uma interpretação dentro dos limites dos valores estabelecidos no sistema global da Convenção. A interpretação, baseando-se em princípios e acórdãos famosos como meios de apoio dentro deste “espaço”, é legal.

A questão é que, no espaço concedido pela Convenção, muitas vezes existem vários princípios aplicáveis. Quando é o caso, existe o problema do conflito na aplicação dos princípios. Uma vez que cada princípio tem uma hierarquia de valores, um 46 Ver artigos 138º e 242º do Deutsches Buergerliches Buch. 47 Ver Harry Westermann, Wesen und Grenzen der richterlichen Streitentscheidung im

Zivilrecht, Muenster, 1995. 48 Diferentemente do direito privado, no direito penal não é permitido o recurso à

analogia e à retroactividade. Claro, a não retroactividade não deve incluir o homicídio e a proibição da aplicação do direito consuetudinário desfavorável ao arguido (o último, porém, é permitido no direito civil da Suíca. Ver o artigo 1º, nº1, do Código Civil da Suíça).

objectivo profundo, uma função estrutural diferente, os conflitos são inevitáveis na aplicação. Por outro lado, quando o tratado é abstracto, é difícil descrevê- lo separadamente dos valores desse diploma que aparecem sob a forma de princípios. Isto não é a orientação que se pretende aqui. Como o núcleo da discussão reside em determinar como se equilibram os conflitos de princípios na aplicação, voltamos ao princípio geral do “privilégio dos artigos da Convenção”. Primeiro, o aplicador da lei tem a obrigação de verificar se o princípio adoptado já está consagrado na Convenção, ou seja, procurar os artigos que a partir dos quais se concretizam os princípios. Uma vez que os princípios estejam concretizados em artigos da Convenção, quer dizer que o conflito entre os princípios já está resolvido quando se escolhe os artigos que os especificam em concreto; por outro lado, se os princípios não estiverem concretizados em artigos da Convenção, a regra que se segue é: os princípios concretos e específicos prevalecem sobre os princípios abstractos e gerais, salvo os princípios absolutos (por exemplo os princípios como “inviolabilidade da dignidade da pessoa, o respeito e protecção pela dignidade da pessoa é uma obrigação dos órgãos de poder de todos os Estados”) que excluem todos os princípios gerais e concretos49. Se se delegassem competências aos tribunais para que possam julgar com base no princípio da imparcialidade e da justiça, implicaria que os tribunais pudessem julgar sem respeitar as leis e poderia resultar numa sentença que se fundamenta na independência das leis, ou até contra a imparcialidade e honestidade das leis. Sem o “espaço” concedido pela lei, não se devem aplicar os princípios. A aplicação ilimitada de princípios resultaria na igualação e assimilação dos tratados e a consequente ineficácia das leis. Por isso, na vida arbitral, o abuso dos princípios faria com que os tratados perdessem o sentido e o poder caísse nas mãos do árbitro, apesar do árbitro ser apenas autorizado a fazer isso e não ser obrigado a desviar-se do Direito. Assim, o critério para a “imparcialidade” e a “justiça” ficaria sujeito totalmente ao ponto de vista do próprio árbitro e a posição dele tornar-se-ia muito importante, é portanto imprevisível se a decisão “imparcial” e “justa” dele é realmente “imparcial” e “justa”. Por isso, a atitude prudente para a aplicação daquele

49 Ver Robert Alexy (alemão), “zum Begriff des Rechtsprinzips” , in Rechtstheorie,

Beiheft 1, 1979, p. 59 e seguintes.

princípio tem realmente fundamento jurídico. 2. O direito internacional e o direito interno Nos termos do artigo 42º da Convenção: “1. O tribunal

julgará o diferendo em conformidade com as regras de direito acordadas entre as partes. Na ausência de tal acordo, o tribunal deverá aplicar a lei do Estado Contratante parte no diferendo (incluindo as regras referentes aos conflitos de leis), bem como os princípios de direito internacional aplicáveis.”

Na opinião dos Estados em via de desenvolvimento, o próprio acto de investir no Host State implica que o investidor estrangeiro concorda em entregar à jurisdição do direito interno do Host State, todos os aspectos relativos ao contrato de investimento. Sem estipulação em contrário pelas partes, o Tribunal Arbitral deve aplicar o direito interno do Host State. Os Estados desenvolvidos discordam, porém, que o direito interno seja limitado ao direito do Host State. A. Broches, Presidente da Assembleia Regional, afirma: “o termo direito interno não se limita concretamente às leis do Host State, porque as normas de conflito podem às vezes resultar na aplicação de leis diferentes.” “A aplicação do direito interno deve ser decidida pelo Tribunal Arbitral conforme as normas adequadas do direito internacional privado. Na maioria dos casos, a lei competente é, claro, o direito interno do Estado que recebe investimentos. Porém, existem controvérsias na aplicação das leis em determinados casos, tais como o cartão de autorização e as convenções de saber- fazer“. A. Broches ainda afirma que “Primeiro, o objectivo da Convenção ICSID é criar uma instituição internacional, portanto é razoável que o Tribunal Arbitral possa aplicar o direito internacional; Segundo, o Tribunal Arbitral Internacional deve procurar aplicar primeiro o direito interno do Host State visto que nesta relação de investimento deve ser aplicado primeiro o direito interno. Apesar disso, quando este direito interno contraria o direito internacional, deve ser posto de lado.” O representante americano enuncia: “Apesar do facto da aplicação do direito interno nos casos gerais, a possibilidade da aplicação do direito internacional prevista no Projecto é também muito importante, porque nos termos do artigo 28º do Projecto, os Estados Contratantes devem renunciar ao direito à protecção diplomática.” Na opinião do representante alemão, “O Projecto refere que o direito internacional é muito importante. Ele dá protecção excepcional aos investidores

particulares e, na evolução desse tipo de contratos (nos contratos entre o Estado e os investidores particulares), a tendência é para aplicar o direito internacional.”

De facto, não se trata apenas duma diferença entre a teoria e a prática jurídica, é também um conflito de diferentes pontos de vista político e económico. Conforme o princípio da relação mais próxima proposta pelo jurista americano (com origem na doutrina da localização de Friedrich Karl von Savigny), para resolver os conflitos de investimento também não se deve aplicar o direito internacional mas o direito do Host State, porque existe uma relação mais próxima entre o direito do Host State e os conflitos de investimento. Além disso, o Host State pode exigir que se especifique claramente a definição e âmbito de aplicação do direito internacional, indicando, particularmente, que o Tribunal Arbitral deve decidir se existe uma violação do direito por uma das partes no seu acto de nacionalização e expropriação, com base no direito interno ou no direito internacional. De facto, existem dois casos distintos quanto à escolha do direito interno: o primeiro é, nos contratos de crédito entre o Estado Contratante e as instituições financeiras, a maioria escolhe o direito do Estado donde provém o credor e poucos escolhem o direito do Centro Financeiro Mundial que faz parte de um terceiro Estado. Segundo, nas convenções sobre o investimento no Host State, que são do tipo mais importante de convenção, também se prevê a aplicação do direito interno do Host State. Na realidade, a maior parte das convenções de investimento com a previsão de cláusulas do Centro prevê o direito do Host State50 . No entanto, muitas convenções “estabilizam” ou “congelam” o direito escolhido do Host State no direito (e.g. o direito fiscal) do momento da celebração do contrato, ou nas cláusulas que limitam o Governo do Host State (que entra em vigor com a avaliação e visto do Host State), ou ainda salienta que não se pode violar o direito interno do Estado investidor, procurando que o contrato seja favorável ao investidor. Isto merece particular atenção.

Nos termos do artigo 42º, nos casos em que não há leis escolhidas pelas partes, o Tribunal Arbitral deve aplicar primeiro o direito do Host State e só depois é que se considera ser de aplicar o direito internacional, não podendo aplicar directamente o direito internacional; a prioridade entre os dois está fixada. O

50 Ver News from ICSID, vol. I, no. 2 (1984), página 2.

argumento principal reside na questão da relação mútua entre o direito internacional e o direito interno. A essência da argumentação é a questão de, nos casos de conflito entre o direito internacional e o direito interno, determinar qual deles tem prioridade. Embora o direito internacional e o direito interno sejam sistemas diferentes de direito, o legislador do direito interno é o Estado, sendo o direito internacional também criado com a intervenção do Estado. Por isso, quer o direito internacional prevaleça sobre o direito interno quer o direito interno prevaleça sobre o direito internacional, correspondem a graus diferentes de negação da soberania. São, portanto, mutuamente complementáveis, mas não se pode rever ou corrigir o direito interno através do direito internacional.

3. Princípio da proibição da decisão de não julgamento Nos termos do nº 2 do artigo 42º da Convenção, “O tribunal

não pode recusar-se a julgar sob pretexto do silêncio ou da obscuridade da lei.” Os juristas interpretam esta disposição como o “princípio da proibição da decisão de não julgamento”.

A vantagem desta disposição da convenção é evitar que, não tendo o direito interno nem o direito internacional disposição expressa sobre uma determinada questão, o Tribunal Arbitral não resolva o diferendo com o pretexto da falta disposição na lei. A desvantagem é que esta disposição promove o poder discricionário do Tribunal Arbitral, o que é desfavorável para um Estado em vias de desenvolvimento cujo acervo legislativo não esteja tão perfeito. No entanto, “Primeiro, o artigo 42º (2) prevê expressamente que só quando há silêncio ou obscuridade da lei aplicável é que se pode arbitrar com base nos princípios gerais de direito ou direito transnacional; uma vez que hoje em dia os Estados, incluindo os em vias de desenvolvimento, têm legislações cada vez mais perfeitas sobre os investimentos estrangeiros, há pouca possibilidade de recorrer aos princípios gerais de direito ou direito transnacional para integrar ou interpretar a lei aplicável. Segundo, mesmo que o Tribunal Arbitral do Centro conseguisse aplicar e desenvolver um conjunto de princípios jurídicos novos, não podiam substituir o direito interno do Host State ou as leis aplicáveis dispostas por esse Estado. Se não conseguir obter o apoio pleno dos Estados

Contratantes, não terão valor nenhum.”51 H. Reconhecimento e execução da decisão

arbitral do ICSID 1. O carácter vinculativo e final da decisão arbitral do

Centro Nos termos do nº 1 do artigo 53º da Convenção, “A sentença

será obrigatória para as partes e não poderá ser objecto de apelação ou qualquer outro recurso, excepto os previstos na presente Convenção. Cada parte deverá acatar os termos da sentença, excepto se a execução for suspensa em conformidade com as disposições da presente Convenção”. Nos termos do artigo 54º, “1. Cada Estado Contratante reconhecerá a obrigatoriedade da sentença dada em conformidade com a presente Convenção e assegurará a execução no seu território das obrigações pecuniárias impostas por essa sentença como se fosse uma decisão final de um tribunal desse Estado. O Estado Contratante que tenha uma constituição federal poderá dar execução à sentença por intermédio dos seus tribunais federais e providenciar para que estes considerem tal sentença como decisão final dos tribunais de um dos Estados federados. 2. A parte que deseje obter o reconhecimento e a execução de uma sentença no território de um Estado Contratante deverá fornecer ao tribunal competente ou a qualquer outra autoridade que tal Estado tenha designado para este efeito uma cópia da sentença autenticada pelo secretário-geral. 3. A execução da sentença será regida pelas leis referentes à execução de sentenças vigentes no Estado em cujo território deverá ter lugar.”

Assim, podemos ver que as disposições da Convenção excluem as práticas anteriores:

Primeiro, a Convenção recusa o não reconhecimento e a não execução da decisão pelos Estados Contratantes sob pretexto de manutenção da ordem pública. Nos termos da Convenção, a decisão do Centro é considerada sentença final dos tribunais dos Estados Contratantes. O Estado Contratante deve reconhecê- la e pô-la em execução, desde que seja apresentada ao Tribunal competente ou qualquer outra autoridade em causa, uma cópia da 51 Redacção principal de Yu Jinxiong, Direito Internacional de Investimento, 1997, p.

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decisão devidamente certificada pelo Secretário Geral. Segundo um autor estrangeiro, “Este procedimento simples elimina o problema existente no direito interno e noutras convenções internacionais quanto ao reconhecimento e execução das decisões arbitrais estrangeiras. Nos termos da Convenção para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos entre Estados e Nacionais de Outros Estados, não há excepção ao carácter vinculativo das decisões do Centro, sendo a função dos tribunais dos Estados Contratantes apenas ajudar a executar as decisões do Centro.”

Segundo, a Convenção afasta-se do direito internacional consuetudinário. Nos termos do direito internacional consuetudinário, um Estado e seus tribunais devem considerar como “decisão estrangeira” qualquer decisão feita por um tribunal fora do seu território. Para defender os direitos e interesses judiciais do próprio Estado, antes do reconhecimento e execução da decisão estrangeira no próprio território, é preciso fazer uma avaliação, incluindo a avaliação procedimental e a avaliação material para verificar se existem conflitos entre essa e os princípios jurídicos e interesses do próprio Estado. Se existir um conflito, pode recusar-se a reconhecer e executar tal “decisão estrangeira” com base em fundamentos legítimos.

Terceiro, a Convenção também se afasta da legislação arbitral de certas convenções e Estados. Por exemplo, nos termos do artigo 9º da Convenção Europeia sobre Arbitragem Comercial Internacional de 1961, as partes podem, com base em determinados fundamentos, pedir a anulação da decisão, no Estado que adoptou a decisão ou que a adoptou baseado nas leis de outro Estado.

Quarto, a Convenção até recusa a adopção das práticas gerais de reconhecimento e execução das decisões estrangeiras pelos Estados anglo-saxónicos. Os Estados que adoptam o procedimento de direito anglo-saxónico não aplicam directamente as decisões estrangeiras em geral, mas consideram-nas como fundamento para nova demanda nos tribunais do Estado da execução. Depois de conhecê-las, se esse tribunal considerar que não contraria o direito local, proferirá uma sentença com conteúdo idêntico e executá- la-á segundo os procedimentos gerais. Em termos jurídico-formais, o que se executa é a decisão de um tribunal local e não a decisão de um tribunal estrangeiro.

A execução da decisão arbitral do Centro é o ponto

fundamental para a arbitragem do Centro, porque está directamente relacionada com a concretização dos direitos e interesses das partes e a protecção dos interesses da parte lesada. Uma vez que existem vícios nas práticas internacionais e na execução de decisões na arbitragem entre Estados, muitas vezes a parte que perde não procede à execução da decisão que lhe é desfavorável, com base em diferentes tipos de pretextos (por exemplo, reclama contra a jurisdição do Tribunal Arbitral e a legitimidade da lei aplicada pelo Tribunal Arbitral, a decisão não é justa, existem erros notórios, etc.), a parte que perde torna-se portanto no árbitro final. Para evitar tais vícios, o Centro fez os maiores esforços e tentativas, para encontrar o melhor meio entre a defesa dos direitos soberanos dos Estados Contratantes e a obrigatoriedade absoluta da execução da decisão do Centro pelos Estados Contratantes, garantindo o seu carácter vinculativo e final. No entanto, como existem sistemas judiciários diferentes nos diversos Estados, a Convenção não pode exigir uma forma fixa e única para a execução de decisões, exigindo portanto aos Estados Contratantes que satisfaçam as exigências, por parte da Convenção, de execução das decisões do Centro com base nas suas próprias regras de direito. Nos termos da Convenção, a execução da decisão do Centro fica sujeita às normas que, sobre execução de sentenças, estiverem em vigor no Estado em cujos territórios tal execução se pretenda.52

Se os Tribunais da RAEM e da China continental concorrem à jurisdição prioritária sobre conflitos de investimento, devem recorrer primeiro ao princípio da exaustão dos meios internos. Nos termos da cláusula 19 da Secção V do ICSID – Model Clauses, salvo disposição em contrário, o consentimento para submeter o diferendo à arbitragem do Centro considera-se como uma renúncia a quaisquer outros meios internos. No entanto, o Host State pode determinar a exaustão primeiro de meios internos como uma condição do seu consentimento a submeter a arbitragem. A cláusula seguinte aplica-se àquela situação: “Antes de【nome do investidor】instituir uma instância arbitral conforme as disposições desta Convenção,【nome do investidor】 tem que exaurir【os meios internos】【os meios administrativos ou judiciais seguintes】,【salvo (nome do Host State) renuncia a esse requisito por escrito】.” 52 Ver o nº 3 do artigo 54º da Convenção.

Por outro lado, pode-se conceber uma “convenção sem excluir quaisquer outros meios”. A primeira frase do artigo 26º da Convenção prevê que o consentimento das partes em submeterem o diferendo à arbitragem, “excepto no caso de estipulação contrária, considerado como implicando a renúncia a qualquer outro meio de resolução.” Já que esta disposição admite uma estipulação em contrário, as partes podem adoptar a cláusula seguinte: “O consentimento à jurisdição do Centro registado em【citação da cláusula básica】não excluirá qualquer parte de recorrer aos meios alternativos seguintes:【identificação de outro tipo de processo】. Enquanto este outro tipo de processo estiver a decorrer, não se deve iniciar outro processo arbitral previsto na Convenção.”

Terceiro, para defender a jurisdição exclusiva sobre os conflitos de investimento. Assim, pode aproveitar-se a oportunidade de o âmbito de conflito da arbitragem do Centro ser determinado pelos Estados Contratantes 53 para indicar expressamente o âmbito dos conflitos a submeter à arbitragem. Muitos Estados não submetem à arbitragem do Centro os conflitos relacionados com os actos da soberania do Estado e com os recursos naturais do Estado. No nosso país (incluindo Macau), os seguintes três tipos de conflitos são relacionados com os actos da soberania do Estado: 1) Os conflitos relacionados com a legalidade das providências de nacionalização ou expropriação; 2) Os conflitos resultantes da interpretação e aplicação das leis vigentes no nosso país ; 3) Os conflitos resultantes da punição nos termos da lei, pelos órgãos executivos do nosso país, dos actos ilegais praticados pelos investidores estrangeiros.

Quarto, resolução dos conflitos pela aplicação mediante escolha das leis do nosso país (incluindo Macau) através da adopção do princípio da autonomia da vontade das partes. O princípio da autonomia da vontade das partes está consagrado no nº 1 do artigo 42º da Convenção. Para evitar que o Tribunal Arbitral, na arbitragem, se venha a desviar da lei ou a aplicar alguns princípios jurídicos com os quais Macau ou a China continental não concordam, Macau e a China continental precisam de escolher primeiro as leis aplicáveis na arbitragem (por exemplo, as normas imperativas no Direito da China: quanto aos contratos empresariais de capitais sino-estrangeiros, contratos 53 Ver o nº 1 do artigo 25º da Convenção e o preâmbulo do ICSID – Model Clauses .

empresariais cooperativos sino-estrangeiros, contratos de exploração cooperativa sino-estrangeira dos recursos naturais, que se cumprem dentro do território da China, aplicam-se as leis da RPC. Aqui são incluídas obviamente as empresas com capitais de Macau, da RPC e do estrangeiro, situadas no interior da China). No entanto, as questões das empresas de investimento estrangeiro relacionadas com o “controlo estrangeiro” também precisam da consagração do princípio da autonomia da vontade, i.e., para as empresas de capitais mistos serem partes processuais legítimas na arbitragem do Centro, precisam ainda o acordo do Governo do nosso país e do investidor estrangeiro de, por causa do “controlo estrangeiro”, considerá- las como nacionais doutros Estados Contratantes. Claro que, no caso das empresas de capital estrangeiro exclusivo, mesmo que sejam pessoa colectiva da China, desde que tenham factores evidentes de “controlo estrangeiro” como investimento, exploração e gestão pelo investidor estrangeiro, podem ser considerados nacionais de outro Estado Contratante no sentido da Convenção.

2. Efeitos jurídicos da decisão arbitral e as medidas de

reparação Nos termos do nº 1 do artigo 27º da Convenção, “Nenhum

Estado Contratante concederá protecção diplomática nem apresentará internacionalmente uma reclamação respeitante a um diferendo que um dos seus nacionais e outro Estado Contratante tenham consentido submeter ou hajam submetido a arbitragem no quadro da presente Convenção, excepto no caso de o outro Estado Contratante não acatar a sentença proferida no dito diferendo.” Nos termos do artigo 64º, “Qualquer diferendo que surja entre Estados Contratantes referentes à interpretação ou aplicação da presente Convenção e que não seja resolvido por negociação deverá ser levado perante o Tribunal Internacional de Justiça a requerimento de qualquer das partes envolvidas no diferendo, excepto se os Estados interessados acordarem noutro método de resolução.”

A partir dessas disposições, podemos concluir que: 1. Caso uma parte investidora se recuse a cumprir a decisão que lhe é desfavorável, o Estado Contratante parte no conflito poderá, nos termos do artigo 54º da Convenção, proceder à execução coactiva desta decisão no tribunal de um terceiro Estado (que é um Estado Contratante); 2. A disposição do nº 1 do artigo 27º da Convenção

exclui a protecção diplomática ou reclamação internacional pelo Estado Contratante que se recuse cumprir uma decisão que lhe seja desfavorável, e concede, à outra parte contratante ou outro Estado Contratante, o direito de instaurar acção no Tribunal Internacional de Justiça, conforme o disposto no artigo 64º. Estas disposições revelam que os Estados Contratantes têm a obrigação de reconhecer e executar as decisões do Centro, sob pena de incorrer em responsabilidade internacional, e que o poder vinculativo dos tribunais dos Estados Contratantes e do Tribunal Internacional de Justiça também é determinante. Para evitar que advenham decisões indevidas na arbitragem dos Estados, uma série de medidas de controlo estão previstas na Secção V do Capítulo IV da Convenção, que incluem a interpretação, revisão e anulação da decisão. Quando uma parte ou ambas partes tiverem dúvidas acerca da decisão do Centro, só podem recorrer aos meios previstos nas referidas disposições da Convenção. Nos termos do artigo 50º da Convenção, caso surja um diferendo entre as partes acerca do sentido ou âmbito da decisão, qualquer delas poderá solicitar a sua interpretação mediante requerimento por escrito dirigido ao Secretário Geral. Se for possível, esta solicitação deve ser submetida ao Tribunal Arbitral que fez a decisão. Não sendo possível, deve constituir-se um novo Tribunal Arbitral. Se o Tribunal Arbitral considerar que as circunstâncias o exigem, poderá suspender a execução da decisão até que decida sobre a sua interpretação. Quanto à revisão da decisão, o artigo 51º da Convenção prevê que qualquer das partes poderá pedir, mediante requerimento por escrito dirigido ao Secretário Geral, a revisão da decisão, fundada na descoberta de algum facto de tal natureza que influencie decisivamente a decisão, desde que à data da sentença tal facto fosse desconhecido do Tribunal e doo requerente, e que o desconhecimento do facto pelo requerente não se devia à sua negligência. Neste caso, se o Tribunal Arbitral considerar que as circunstâncias o exigem, poderá suspender a execução da decisão até decidir sobre a revisão. O requerente também pode pedir, no seu requerimento, a suspensão da execução da decisão, até que o Tribunal Arbitral decida sobre a revisão. A anulação da decisão (prevista no artigo 52º da Convenção), por seu turno, significa que qualquer das partes poderá solicitar a anulação da decisão mediante requerimento por escrito dirigido ao Secretário Geral fundado numa ou mais das seguintes causas: (a) o Tribunal tenha sido constituído

incorrectamente; (b) o Tribunal tenha ultrapassado manifestamente os limites das suas competências; (c) tenha havido corrupção por parte de algum membro do Tribunal; (d) tenha havido inobservância grave de uma norma de processo; (e) a decisão não tenha sido fundamentada.


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