Tribunal de Contas da União
Dados Materiais:
Decisão 560/97 - Plenário - Ata 34/97
Publicada também no BTCU 54/97
Processo nº TC Processo nº TC 016.793/96-0
Interessado: Tribunal de Contas da União.
Órgão: Tribunal de Contas da União.
Relator: Ministro Carlos Átila Álvares da Silva.
Representante do Ministério Público: Dr. Lucas da Rocha Furtado.
Unidade Técnica: 2ª SECEX.
Especificação do "quorum":
1. Ministros presentes: Homero dos Santos (Presidente), Adhemar
Paladini Ghisi, Carlos Átila Álvares da Silva (Relator), Marcos
Vinicios Rodrigues Vilaça, Paulo Affonso Martins de Oliveira, Iram
Saraiva, Humberto Guimarães Souto, Bento José Bugarin e o
Ministro-Substituto Lincoln Magalhães da Rocha.
2. Ministros com voto vencido: Adhemar Paladini Ghisi e Bento José
Bugarin.
Assunto:
Administrativo - Representação em tema de aposentadoria.
Ementa:
Representação. Questionamento sobre a incidência das Súmulas TCU
nº 074 e 106 nas aposentadorias efetivadas com aplicação do
arredondamento do tempo de serviço, vigente após a Lei 8112/90, ante
decisão prolatada pelo STF, que declarou a inconstitucionalidade do
parágrafo único do artigo 101 da Lei 8112/90. Conhecimento.
Entendimento já firmado pelo TCU sobre a matéria. Não conhecimento
da proposição da 2ª SECEX, que sugere a revisão do texto da Súmula
TCU nº 106, por se tratar de matéria diversa ao objeto da presente
representação.
Declaração de Voto:
Primeiramente, desejo cumprimentar o ilustre Ministro Carlos Átila
pelo brilhante trabalho elaborado com vistas a regulamentar questão
assaz delicada e complexa como a que se nos apresenta para exame. As
razões que conduziram seu Voto, embasadas na mais atualizada
doutrina, demonstram a tendência do pensamento jurídico moderno num
Estado Democrático de Direito, como bem consignou S. Exa., ao citar
os ensinamentos do eminente jurista, o Professor Almiro do Couto e
Silva, no sentido de se corrigirem as distorções do princípio da
Legalidade da Administração Pública, uma vez que sua origem radica
na proteção dos indivíduos contra o Estado.
2. O efeito "ex nunc" defendido por S. Exa., da declaração de
inconstitucionalidade, proferida pela Suprema Corte Constitucional
em matéria de tamanho alcance social, demonstra a preocupação do
eminente par em caminhar "pari passu" com o pensamento moderno,
dando ênfase à segurança jurídica nas relações entre o Estado e o
indivíduo.
3. Precisamente, por todo o embasamento doutrinário que
conduziu o Voto de S. Exa. é que entendo que este Tribunal deva
reconhecer, também, as situações constituídas após a publicação da
Medida Cautelar que suspendeu a aplicação do arredondamento previsto
no parágrafo único do art. 101 da Lei nº 8.112/90.
4. Tal posicionamento explica-se pela simples razão de que o
servidor, que solicitou a sua aposentadoria nos termos da lei não
apenas vigentes mas exitentes à época de seu requerimento, e a quem
a Administração, reconhecendo o direito conferido pela lei,
aposentou, não deve ser responsabilizado ou apenado pelo Estado. O
fato da Administração haver descumprido a decisão da Suprema Corte
que determinou a suspensão da aplicação do arredondamento do tempo
de serviço, expedindo ato de aposentadoria com base no dispositivo
legal sob cautela, me parece, não lhe retira a eficácia, no sentido
de que todos os elementos necessários à validade do ato
administrativo ali se acham reunidos. Não se trata aqui, ainda, de
decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, mas
um acautelamento sob o pressuposto implícito, segundo Michel Temer
que venha a ocorrer "lesão irreparável a pessoas, à sociedade, à
ordem, à segurança e à economia pública, de modo a não poder
aguardar-se o julgamento final e a suspensão de eficácia pelo
Senado. Somente será deferida se, no período que medeia entre a
propositura da ação e a eventual declaração de
inconstitucionalidade, puder verificar-se a ocorrência de atos que
impeçam, após a declaração, a recomposição de direitos vulnerados."
É bem verdade qeu o próprio jurista retrocitado entende que a
concessão da liminar, no caso, "é excessão ao princípio segundo o
qual os atos normativos são presumidamente constitucionais. Sendo
excepcional, a sua interpretação é restritiva. A regra é a
não-invalidação apriorística do texto normativo. A concessão da
liminar produz esse efeito antes da declaração definitiva." (Michel
Temer, Elementos de Direito Constitucional, 11ª Edição, Malheiros
Editores).
5. O fato é que a desobediência à determinação do Supremo
Tribunal pela Administração propiciou precisamente o que a medida
cautelar propõe evitar: "atos que impeçam, após a declaração, a
recomposição de direitos vulnerados".
6. Na realidade, não tratamos, neste processo, de situações em
tese, mas de casos concretos já conhecidos por este Tribunal na
apreciação de atos de aposentadoria para fins de registro, de acordo
com a competência constitucional a esta Corte atribuída.
7. Não podemos olvidar que ao servidor, no caso de inativação
por tempo de serviço, apenas é dado o direito de solicitar a sua
aposentadoria, pois a concessão é feita pelo Estado, e, ainda que
maculada pela inconstitucionalidade, não lhe é dado o direito de
retornar à atividade enquanto assim não decidir o Estado.
Ante o exposto, desejo acrescer à decisão oferecida pelo
eminente Ministro Carlos Átila, em seu item 8.1.2, a ressalva de que
as aposentadorias requeridas antes da publicação da liminar, isto é,
antes de 8.4.92, embora em data posterior, são consideradas legais.
Dessa forma, proponho a seguinte redação ao item 8.1.2:
"8.1.2. também não incide a Súmula nº 074 nem a nº 106 nas
aposentadorias com arredondamento do tempo de serviço deferidas
posteriormente a 08/04/92, ressalvadas aquelas cujo requerimento
tenha sido apresentado pelo servidor anteriormente a essa data,
quando se aplicará o item 8.1.1 desta decisão,..."
Este é o meu Voto.
Parecer do Ministério Público:
Processo TC 016.793/96-0
Aposentadoria
Excelentíssimo Senhor Ministro-Relator.
Trata-se de representação a respeito da Questão de Ordem
suscitada pelo Exmº Senhor Ministro HUMBERTO GUIMARÃES SOUTO, na
Sessão Plenária de 30.10.96, Ata nº 43/96 relativa aos processos de
concessão de aposentadoria que envolvam o arredondamento de tempo
de serviço previsto no parágrafo único do artigo 101 da Lei nº
8112/90, declarado inconstitucional em Sessão de 8.4.92, pelo
Supremo Tribunal Federal, na ADIn nº 609-6.
Em atenção à determinação do eminente Ministro-Relator CARLOS
ATILA ÁLVARES DA SILVA, a 2ª SECEX emitiu detalhado Parecer (fls.
10/22), examinando todas as questões jurídicas postas nos autos e
propondo solução para cada um dos pontos questionados.
O Ministério Público, contudo, dissente das proposições
constantes dos subitens 4.5 e 4.8, pelas razões e considerações a
seguir expostas.
O subitem 4.5 cuida da possibilidade de ser aplicada a Súmula
nº 74 do TCU apenas às aposentadorias concedidas com
proporcionalidade mínima após 8.4.92, data do deferimento da Medida
Cautelar requerida na ADIn nº 609-6, quando o inativo não possa
retornar ao serviço, por ter falecido, por ter atingido a idade
limite de 70 (setenta) anos ou outros motivos alheios à sua vontade.
Entende o Ministério Público que essa possibilidade só
encontra respaldo jurídico se for admitida a contagem de período de
inatividade até a véspera do impedimento do retorno à atividade.
Nesse caso, não há necessidade de vincular o cômputo do tempo
de inatividade aos casos de aposentadoria proporcional mínima
(25/30 avos para mulher e 30/35 avos para homem), tendo em vista
que não encontra amparo legal a contagem de período de inatividade
após a data limite de 70 (setenta) anos, após a invalidez ou
falecimento.
Veja-se, por exemplo, o caso de servidor que foi aposentado
após 8.4.92, contando com 29 anos 6 meses e 3 dias e que atingiu a
compulsória um mês depois. Note-se que, mesmo computando-se o tempo
de inatividade até a véspera da compulsória, o interessado
continuará a ter seus proventos calculados proporcionalmente a
29/35 avos.
Verifica-se, portanto, que o inativo continuará a fazer jus à
aposentadoria, sendo necessário, apenas, modificar o fundamento
legal da concessão (no exemplo citado, do art. 186, inciso III,
alínea "c", da Lei nº 8.112/90 para o art. 186, inciso II, da
referida norma).
Quanto à proposição constante do subitem 4.8, que sugere a
revisão do texto da Súmula nº 106/TCU deste Tribunal, dissente o
Ministério Público da 2ª SECEX por se tratar de matéria diversa ao
objeto da presente representação.
Em face do exposto, este representante do Ministério Público
junto ao Tribunal de Contas da União aquiesce às proposições da 2ª
SECEX, exceto quanto às proposições constantes nos subitens 4.5 e
4.8, pelos motivos acima mencionados.
Data da Sessão:
03/09/1997
Relatório do Ministro Relator:
GRUPO II - CLASSE VII - Plenário
TC 016.793/96-0
NATUREZA: Administrativo - Representação.
ÓRGÃO: Tribunal de Contas da União.
EMENTA: Representação. Questionamento sobre a aplicabilidade das
Súmulas do TCU nº 074 e nº 106 nas aposentadorias com
arredondamento do tempo de serviço vigentes após a Lei nº 8.112/90,
ante a declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único do
seu artigo 101 pelo Supremo Tribunal Federal "in" D.J. de 16/02/96.
Conhecimento. Entendimento firmado de que, em face da publicação do
deferimento, na ADIn nº 906-6, de medida cautelar que suspendeu a
eficácia do parágrafo único do art. 101 da Lei 8.112/90, "in" D.J.
de 08/04/92, não se cogita da aplicação dessas súmulas nas
aposentadorias que, anteriores à cautelar, são consideradas legais.
Também não incidem nas aposentadorias posteriores à mesma cautelar,
quando não mais vigorava o referido parágrafo único que autorizara
o arredondamento. Não conhecimento da proposição da 2ª SECEX, que
objetiva revisão da Súmula TCU nº 106, por não ser matéria objeto
desta representação.
Este processo se originou da questão de ordem suscitada pelo
eminente Ministro Humberto Guimarães Souto, em Sessão Plenária de
30 de novembro de 1996, nos seguintes termos:
"Submeto à deliberação do Tribunal Pleno a presente questão de
ordem, relativa à possibilidade de aplicação das Súmulas TCU nos
106 e 074 em processos de concessões que envolvam arredondamento de
tempo de serviço, ante decisão prolatada pelo Supremo Tribunal
Federal transitada em julgado, que declarou, ao julgar a ADIn nº
609-6, na Sessão de 08/02/96, a inconstitucionalidade do parágrafo
único do artigo 101 da Lei nº 8.112/90.
Referido dispositivo refere-se ao tempo de serviço para fim de
aposentadoria, nos seguintes termos:
'Parágrafo único. Feita a conversão, os dias restantes, até
cento e oitenta e dois, não serão computados, arredondando-se para
um ano quando excederem este número, para efeito de aposentadoria.'
Como conseqüência da declaração judicial de
inconstitucionalidade desse parágrafo, temos sua exclusão do
ordenamento jurídico, com efeito "ex tunc".
Transcrevo, por oportuno, ensinamento do professor Carlos
Mário da Silva Velloso, nobre Ministro do STF:
'No que toca aos efeitos da declaração de
inconstitucionalidade na ação direta de inconstitucionalidade por
ato comissivo, deve a Constituição prever a possibilidade de o
Supremo Tribunal emprestar efeitos "ex tunc" ou "ex nunc" à
declaração de inconstitucionalidade. Quanto à decisão proferida na
cautelar, os seus efeitos são "ex nunc", quer dizer, contam-se a
partir da decisão. Já a decisão de mérito tem efeitos "ex tunc".'
("In" 'Temas de direito público', Belo Horizonte, Del Rey, 1993, p.
118 -- grifado).
Tendo o referido Acórdão decidido o mérito da questão, entendo
que seus efeitos haverão de retroagir à data de vigência da Lei nº
8.112/90.
Assim, trago aos eminentes Pares a seguinte questão de ordem:
poderá esta Corte de Contas continuar aplicando em processos de
arredondamento de tempo de serviço, para fim de aposentadoria, as
Súmulas TCU nºs 106 e 074?
Penso que não, por tratar-se de decisão judicial, com poder
vinculante "erga omnes".
Ao invés da Súmula nº 106, parece-me aplicável, ao caso, a
Súmula TCU nº 235, "verbis":
'Os servidores ativos e inativos, e os pensionistas, estão
obrigados, por força de lei, a restituir ao Erário, em valores
atualizados, as importâncias que lhes forem pagas indevidamente,
mesmo que reconhecida a boa-fé, ressalvados apenas os casos
previstos na Súmula nº 106 da Jurisprudência deste Tribunal.'
Pelas mesmas razões que acabo de expor, entendo que se torna
incabível a utilização da Súmula nº 074/TCU, que permite a
utilização de tempo não trabalhado para cômputo de nova
aposentadoria, pois poderia ser interpretada como forma de burlar a
decisão do Supremo, aceitando-se então o arredondamento, apenas com
outra denominação.
Essa Súmula, então, deveria ser aplicada apenas na ocorrência
de impossibilidade de retorno à atividade do servidor aposentado,
nos casos de aposentadoria proporcional mínima (25/30 para mulheres
e 30/35 para homens)."
Em face da relevância e da complexidade da matéria, a digna
Presidência julgou conveniente receber como Representação a questão
suscitada para, consoante o disposto no inciso IV do artigo 138 do
Regimento Interno, combinado com o artigo 13 "in fine" da Resolução
nº 64/96, determinar a constituição deste processo, do qual fui
sorteado o Relator, e sobrestar o exame de todos os outros que
versassem igual matéria, até a solução da controvérsia.
Determinei, então, o encaminhamento dos autos à 2ª SECEX para
que instruísse o feito e que o retorno do processo se desse por
intermédio do Ministério Público, dando ensejo a seu
pronunciamento, ao tempo em que também encareci urgência, haja
vista o mencionado sobrestamento.
Dada a complexidade do tema sob exame que, bem por isso,
demandou percuciente estudo para a elaboração dos pareceres que me
precederam, os autos retornaram a meu gabinete no mês de maio do
ano em curso.
Em alentada e judiciosa instrução acerca do arredondamento
previsto no parágrafo único do artigo 101 da Lei nº 8.112/90, cuja
eficácia foi suspensa (decisão em medida cautelar publicada no
Diário da Justiça de 08/04/92) e a inconstitucionalidade declarada
(decisão definitiva publicada "in" D.J. de 16/02/96) pelo Supremo
Tribunal Federal, a Assessora da 2ª SECEX, Drª Cláudia de Faria
Castro, rememora que este Tribunal tem adotado nesta matéria, em
linhas gerais, a seguinte orientação (fls. 10/22):
- as aposentadorias anteriores à medida cautelar (08/04/92)
foram consideradas legais, com ressalva de que o julgamento de
mérito da ADIn nº 609-6 pelo Supremo Tribunal Federal poderia
ensejar o reexame dessas decisões;
- as aposentadorias posteriores à medida cautelar e à decisão
de mérito (16/02/96) foram consideradas ilegais com a aplicação da
Súmula nº 106, facultando ao servidor o aproveitamento do tempo de
inatividade, nos termos da Súmula nº 074, para prosperar a
aposentadoria, ou sua reversão à atividade ou, ainda, aposentar-se
com proventos proporcionais ao tempo restante da exclusão do
arredondamento impugnado, guardada a observância da
proporcionalidade mínima prevista em lei.
No mérito, observa de início as disposições legais que
fundamentaram a Súmula nº 074, com a previsão de aproveitamento do
tempo de inatividade. Tal previsão, desde o advento do Estatuto dos
Funcionários Públicos Civis de 1.939 (art. 82 da Lei nº 1.713), foi
ampliada no art. 80 da Lei nº 1.711/52 e, já agora, mantida no § 1º
do art. 103 da Lei nº 8.112/90.
Nesse contexto cita Ivam Barbosa Rigolin que 'in' 'Comentários
ao Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis' sustenta:
"O § 1º do art. 103 da Lei nº 8.112/90 somente poderá ter
algum sentido se entendido como devendo ser computado o tempo em
que o servidor esteve aposentado numa situação posteriormente
cancelada, para fim de que lhe fosse concedida nova aposentadoria,
dessa vez supostamente correta e por isso apta a ser mantida. De
outra forma, o texto não faz o menor sentido."
Observa que a Súmula nº 074 guarda igual orientação ao admitir
o aproveitamento do tempo de inatividade apenas para compensar
tempo de serviço impugnado nas aposentadorias que, concedidas
mediante o cômputo plausível mas equivocado do tempo de serviço,
foram tardiamente submetidas a exame deste Tribunal, evitando-se,
assim, que a inércia da administração implique ônus para o
servidor, ou até inviabilize seu retorno à atividade para completar
o tempo faltante.
Diante da declaração de inconstitucionalidade do referido
parágrafo único do art. 101 da Lei nº 8.112/90, pelo Supremo
Tribunal Federal, pondera a Srª Assessora, há que se ter cautela na
aplicação da Súmula nº 074, a qual se tornou incabível nas
aposentadorias concedidas em clara afronta àquela declaração cujos
efeitos têm suscitado debates doutrinários no respeitante à
retroatividade. Conquanto convergentes acerca de sua abrangência
"erga omnes', divergem os doutrinadores quanto aos efeitos "ex
nunc" ou "ex tunc". Contudo vem-se consolidando a tendência de se
atenuarem as posições extremadas de ambas as correntes
doutrinárias, em prol da "exigência de um mínimo de certeza e de
estabilidade das relações jurídicas".
Nesse sentido, argumenta, não seria cabível que situações
constituídas sob a égide da lei, ainda não declarada
inconstitucional, viessem a ser "exumadas" para, negando-se a
boa-fé dos envolvidos, proceder-se à revisão de atos praticados
então sob o amparo do direito positivo, até porque "a boa fé
presume-se, e a má-fé comprova-se". Nessa ordem de idéias,
colaciona a opinião de respeitáveis juristas.
Da Professora Regina Maria Maceda Nery Ferrari em sua
monografia "Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade", 3ª
edição, Revista dos Tribunais:
"Vemos, então, que os pontos extremos das duas correntes que
procuram estabelecer a eficácia da sentença que proclama a
inconstitucionalidade devem ser abandonados, já que trazem, em si
mesmos, abalos na segurança e na certeza do direito que constitui a
sua essência.
A lei inconstitucional é, portanto, anulável, já que existiu
validamente até o momento da decisão que assim a considera. Dizer
que a mesma é simplesmente nula, já que inválida desde o início,
como se não tivesse existido e que tal característica foi apenas
constatada através de uma sentença declaratória, é esquecer que
toda lei nasce com a presunção de validade do mundo jurídico, gera
direitos, deveres e efeitos no plano do ser físico, e neste não há
ato humano nulo ou anulável, visto que uma vez praticado, jamais
deixarão de ter sido, 'pois fora do mundo jurídico não há
reversibilidade do tempo". (cit. Pontes de Miranda, Tratado de
Direito Privado).
Do Ministro Leitão de Abreu ("in" RTJ 82/791), à época em que
integrava a Suprema Corte:
"A tutela da boa-fé exige que, em determinadas circunstâncias,
notadamente quando, sob a lei ainda não declarada inconstitucional,
se estabeleceram relações entre o particular e o Poder Público, se
apure, prudencialmente, até que ponto a retroatividade da decisão,
que decreta a inconstitucionalidade, pode atingir, prejudicando-o,
o agente que teve por legítimo o ato e, fundado nele, operou na
presunção de que estava procedendo sob o amparo do direito
objetivo."
...............................................................
"Acertado se me afigura, também, o entendimento de que não se
deve ter como nulo 'ab initio' o ato legislativo, que entrou no
mundo jurídico munido de presunção de validade, impondo-se, em
razão disso, enquanto não declarado inconstitucional, à obediência
pelos destinatários de seus comandos" (RTJ 82/795).
Da doutrina de José Afonso da Silva "in" "Curso de Direito
Constitucional Positivo" (págs. 55/6):
"Problema debatido é o dos efeitos da declaração de
inconstitucionalidade, cujo deslinde depende da solução da grave
controvérsia sobre a natureza do ato inconstitucional: se é
inexistente, nulo ou anulável. Buzaid acha que toda lei, adversa à
Constituição, é absolutamente nula, não simplesmente anulável. Rui
Barbosa, calcado na doutrina e jurisprudência norte-americanas,
também considera que toda medida, legislativa ou executiva, que
desrespeite preceitos constitucionais é, de sua essência, nula.
Francisco Campos sustenta que um ato ou uma lei inconstitucional é
inexistente.
A nós nos parece que essa doutrina privatística da invalidade
dos atos jurídicos não pode ser transposta para o campo da
inconstitucionalidade, pelo menos no sistema brasileiro, onde, como
nota Themístocles Brandão Cavalcanti, a declaração de
inconstitucionalidade em nenhum momento tem efeitos tão radicais,
e, em realidade, não importa por si só na ineficácia da lei."
(grifo da parecerista).
Do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Néri da Silveira, na
Representação nº 1.418/5-RS:
"Se, em linha de princípio, como examinarei adiante, as 'leis
de efetivação' são inconstitucionais, é indiscutível constituir,
entretanto, questão melindrosa a que se refere à proteção de certos
efeitos decorrentes de seu cumprimento. Distintas, na ciência do
Direito, a validade e a eficácia da norma jurídica, - embora
inválida a regra constitucional, poderá, por vez, no plano dos
fatos, ser eficaz, consoante sucede, quando a lei inconstitucional
é cumprida por seus destinatários ou aplicada pela Administração.
Não sem freqüência, há os que opõem, nesse sentido, diante das
circunstâncias, restrições ao princípio de que a lei
inconstitucional é nula "ab initio", e não só a partir da data em
que é assim judicialmente declarada, ou como também se expressou,
entre nós, a fórmula "null and void", írrita e nenhuma. Para quem
dessa forma entende, embora infringente da Constituição, o ato
legislativo assim marcado é um fato eficaz ("it is an operative
fact"), 'ao menos antes da determinação da constitucionalidade,
podendo ter conseqüências que não é lícito ignorar'.
Estabeleceu-se, segundo certa corrente doutrinária, que, 'assim
como, em direito privado, se protege o ato jurídico, em cuja
engendração se insinuou algum vício, mantendo-se-lhe, em parte, os
efeitos produzidos, malgrado a sua anulação pelo órgão judiciário'
no plano do direito público, igual providência cabe quanto ao ato
inconstitucional. Da mesma maneira como se há de tutelar, na esfera
do direito privado, em determinados casos, o ato aparente, entende
essa doutrina, ao não qualificar, desde logo, como nula e nenhuma a
lei inconstitucional, que importa seja estendida aos atos em
desconformidade com a Constituição, praticados com apoio em norma
com tal mácula, certa proteção. Se na ordem privatista, dentre
outras razões, argúi-se a necessidade de proteger a boa-fé dos que
tiveram como perfeito ou regular o ato, que se veio,
posteriormente, a declarar nulo, no direito público, raciocina-se
'com a presunção de legitimidade dos atos que, nessa esfera, são
emanados'."
E a propósito, a Srª Assessora da 2ª SECEX salienta a linha de
raciocínio do ilustre Ministro Carlos Mário da Silva Velloso, na
obra já mencionada pelo eminente Ministro Humberto Souto na
presente questão de ordem, intitulada Temas de Direito Público, Ed.
Del Rey, Belo Horizonte, 1994:
"É que a decisão proferida no controle concentrado de
constitucionalidade tem a natureza de norma, de norma em sentido
negativo, porque ela afasta da ordem jurídica a norma incompatível
com o ato normativo inicial, na linha, aliás, da lição de Kelsen,
citada por Jorge Miranda, no sentido de que 'anular uma lei é fazer
uma norma geral, fazê-la com sinal negativo'.
Destarte, a decisão ou ato praticado com base em norma
inválida, porque assim declarada, em tese, pelo Supremo Tribunal
Federal, também será inválido, mas a declaração dessa invalidez
deverá ser buscada mediante a utilização do processo ordinário e
das ações que integram o que Capelleti denomina de jurisdição
constitucional das liberdades - os remédios ou garantias
constitucionais, que são, na Constituição vigente, o 'habeas
corpus', o mandado de segurança individual e coletivo, o 'habeas
data', o mandado de injunção e a ação popular." (pág. 96/7)
Acrescenta, ainda, que nessa mesma obra (pág. 18), ao
discorrer especificamente sobre os efeitos da decisão de mérito,
Sua Excelência afirma que "a decisão de mérito tem efeitos 'ex
tunc'. Casos há, entretanto, que seria adequado o efeito 'ex
nunc'". Que tais casos, na visão do autor, são aqueles onde a
segurança jurídica, a eqüidade ou razões de interesse público
recomendem a irretroatividade. Aduz também que o insígne Ministro
do STF relembra, ademais (pág. 440), o entendimento assente naquela
Corte Maior no sentido de que "a aposentadoria deve reger-se pela
lei vigente à data de sua concessão".
Nessa lógica, deduz a Srª Assessora: "Ora, se declarar a
inconstitucionalidade de uma lei é 'fazer uma norma geral, fazê-la
com sinal negativo', tal norma não vigia anteriormente ao
deferimento da medida cautelar requerida na ADIn nº 609-6, época em
que foram concedidas aposentadorias, com fulcro no parágrafo único
do art. 101 da Lei nº 8.112/90 cuja constitucionalidade não havia
sido questionada". Logo " as concessões de aposentadorias ocorridas
entre a publicação da Lei nº 8.112/90 e o deferimento da medida
cautelar requerida na ADIn nº 609.6 - publicada em 08/04/92 - não
devem, singelamente, ser consideradas nulas ou ilegais". Segundo
infere das ponderações do Ministro Carlos Velloso, "a invalidez das
aposentadorias em causa só poderia ser declarada em sede de
processo ordinário judicial", conforme a melhor doutrina. E sendo
assim, não há falar, nesses casos, em aplicação da Súmula nº 074.
Por outro lado, tem por inaplicável a referida Súmula nas
hipóteses em que a concessão de aposentadoria, com arredondamento,
ocorreu em data posterior à publicação da medida cautelar. A partir
dela restou suspensa a eficácia do parágrafo único do artigo 101 da
Lei nº 8.112/90 e, nesses casos, não mais se pode presumir a
boa-fé. Uma vez confirmado o entendimento na decisão do mérito da
ADIn nº 609-6, a aceitação do arredondamento implicaria afronta ao
respeitável "decisum".
Tem por correto, entretanto, nessa hipótese, permaneça a
faculdade de o inativo retornar à atividade para completar o tempo
de serviço imprescindível para a aposentadoria na forma
originalmente deferida. Caso assim não queira, ser-lhe-á facultado
aposentar-se com os proventos calculados proporcionalmente ao tempo
restante da impugnação.
Entretanto nas aposentadorias originalmente concedidas com
proventos calculados na proporcionalidade mínima cujo inativo
esteja impossibilitado de retornar à atividade para completar o
tempo impugnado (invalidez, morte, implemento da idade ou em outras
hipóteses excepcionais), afigura-se-lhe viável a aplicação da
Súmula nº 074, ante a impossibilidade de se provar a má-fé do
beneficiário.
No que respeita à Súmula nº 106, considera que os mesmos
fundamentos até aqui expendidos justificam que não se cogite de sua
aplicação, por incabível, nas aposentadorias ocorridas antes da
publicação da medida cautelar (08/04/92), as quais se revestem de
legalidade. Nesses casos, observa:
"3.31. Resta analisar a situação daqueles que se aposentaram a
partir da publicação do deferimento da citada medida cautelar.
Também nestes casos há que se guardar coerência com as conclusões
alusivas à inaplicabilidade, à espécie, da Súmula nº 074, ou seja,
caso o inativo retorne à atividade, para completar o tempo de
serviço necessário à aposentadoria, na forma originalmente
concedida, não haveria valores a restituir, posto que os proventos
que teria percebido indevidamente passariam a constituir mera
antecipação daqueles que receberá, após a regularização de sua
aposentadoria. Embora seja certo que surgirão situações em que
fatos supervenientes ao retorno à atividade implicarão hipóteses
imprevisíveis, "a priori", entendemos que tais ocorrências deverão
merecer tratamento individual, quando e se vierem a se concretizar.
3.32. O mesmo não ocorre nas situações em que o tempo de
serviço computado por arredondamento deva ser expurgado, posto que,
nesses casos, a conversão das aposentadorias integrais em
proporcionais ou a redução da proporcionalidade, desde a concessão,
implicam redução dos proventos pagos até então e conseqüente
existência de importâncias indevidamente recebidas, as quais, a
nosso ver, devem merecer tratamento consentâneo com o princípio
insculpido na Súmula nº 105 desta Corte, no sentido de preservar
situações constituídas anteriormente a alterações na jurisprudência
do Tribunal."
Nessas aposentadorias posteriores à publicação do deferimento
da referida cautelar mas anteriores à publicação da Súmula nº 235
(D.O.U de 03/01/95), entende cabível o benefício da Súmula nº 106,
a teor da Decisão Plenária nº 046/96 no TC 002.202/94-8, (Ata nº
06/96) e do princípio da publicidade consagrado no "caput" do art.
37 da Constituição Federal, conforme ponderou o eminente Ministro
Paulo Affonso Martins de Oliveira no Voto que proferiu na
apreciação do TC 013.668/94-3 (Ata nº 38/96) pelo Plenário:
"16. Conquanto esteja em pleno acordo, no mérito, com o
posicionamento acima esposado, não posso, contudo, deixar de
registrar que, como a Decisão nº 444/94-TCU - Plenário
(Administrativa) somente saiu publicada no Boletim Interno deste
Tribunal, a eficácia pretendida do aludido decisum sobre as
unidades jurisdicionadas ao TCU só se opera no mundo jurídico após
sua respectiva publicação no DOU, o que tão-somente se verificou a
partir da publicação das Decisões nºs 254/94 e 255/94 no D.O.U. de
05/10/94 (Ata nº 33/94), e, de modo cristalino e efetivo, quando da
publicação da Súmula nº 235 da Jurisprudência predominante nesta
Corte (DOU de 03/01/95), que consagrou em definitivo a nova
orientação firmada mediante a Decisão nº 444/94-Plenário."
Admite, então, que poderá ser aplicável a Súmula 235 nas
aposentadorias posteriores a sua publicação, que tenham prosperado
mediante a redução dos proventos à devida proporcionalidade.
Por outro lado pugna pela aplicação da Súmula nº 106 nas
hipóteses em que motivos alheios à vontade do inativo (invalidez,
implemento da idade limite, falecimento) impossibilitem seu retorno
à atividade para completar o tempo de serviço faltante em
decorrência da impugnação, ainda que a concessão seja posterior à
Súmula nº 235, desde que as condições impeditivas do retorno
preexistissem a essa Súmula.
Finalmente, conclui a Drª Cláudia de Faria Castro:
"4.1. Por todo o exposto, a questão suscitada nestes autos, a
nosso ver, não permite solução que consista na simples aplicação ou
não dos preceitos sumulares aqui debatidos. Ao contrário, conforme
resumo apresentado no quadro anexo - que nos pareceu útil elaborar,
devido à complexidade da matéria - seu deslinde estará em que se
faça incidir, nas oportunidade devidas, os dispositivos adequados a
cada situação.
4.2. Em suma, consideramos incogitável a aplicação das Súmulas
nºs 074 e 106 do TCU às concessões anteriores a 08/04/92, data da
publicação da medida cautelar pela qual o Supremo Tribunal Federal
suspendeu os efeitos do parágrafo único do art. 101, da Lei nº
8.112/90 (ADIn nº 609-6), pois tais concessões, efetuadas nos
estritos termos da legislação vigente à data em que ocorreram, não
estarão sujeitas a questionamento, quanto a sua legalidade.
4.3. Em relação às concessões posteriores a 08/04/92, deve-se
ter presente que ocorreram enquanto vigorava a suspensão dos
efeitos do dispositivo legal acima referido, ou seja, quando o
permissivo legal para o arredondamento de tempo de serviço já não
possuía plena eficácia. Com a decisão de mérito proferida na ADIn
nº 609-6, publicada em 16/02/96, o Supremo Tribunal Federal
confirmou a inconstitucionalidade do aludido dispositivo, tornando
definitiva a vedação de se utilizar o arredondamento previsto no
parágrafo único do art. 101 da Lei nº 8.112/90 na contagem de tempo
de serviço, para fins de aposentadoria.
4.4. Diante disso, entendemos que o disposto na Súmula nº 074
do TCU não pode incidir nas concessões posteriores a 08/04/92, pois
tal incidência implicaria aceitação do procedimento previsto na lei
declarada inconstitucional. Entendemos, ainda, em que pesem as
inconveniências administrativas de tal procedimento, que poderá ser
dada, aos inativos que se encontrem nessa situação, oportunidade de
optar entre o retorno à atividade, para completar o tempo
impugnado, ou a exclusão do tempo arredondado, com as conseqüências
daí provenientes, que serão, conforme o caso, a conversão das
aposentadorias integrais em proporcionais ou a diminuição da
proporcionalidade.
4.5. Nada obstante, mesmo em relação às concessões posteriores
a 08/04/92, seria cabível a aplicação da Súmula nº 074 do TCU, a
nosso ver, naquelas deferidas com proporcionalidade mínima em que o
inativo não possa retornar ao serviço, por ter falecido, por ter
atingido a idade limite de 70 anos, por outros motivos alheios a
sua vontade ou em situações excepcionais, cuja ocorrência não se
pode prever.
4.6. Já a Súmula nº 106 desta Corte afigura-se aplicável às
concessões anteriores à publicação da Súmula nº 235 (03/01/95),
pela qual foi alterado o entendimento deste Tribunal, quanto ao
ressarcimento de vantagens indevidas, pagas aos servidores
públicos. Às concessões posteriores à alteração de jurisprudência
desta Corte entendemos aplicável a aludida Súmula nº 235,
ressalvados, somente, os casos em que, pelas razões enumeradas no
item 4.5. acima, haja impedimento de retorno à atividade, anterior
à referida alteração jurisprudencial.
4.7. Neste passo, pedimos vênia para trazer à apreciação do
Tribunal questão relativa à redação da Súmula nº 106, cujo texto é
restrito ao julgamento das concessões pela ilegalidade. A nosso
ver, a aplicação analógica da referida Súmula a situações onde a
concessão era julgada legal decorreu de alteração nos procedimentos
do próprio Tribunal, os quais, à época da aprovação da Súmula em
comento, não incluíam as diligências preliminares que, atualmente,
permitem que os atos irregulares sejam retificados, previamente a
seu julgamento que, dessa forma, pode não ser pela ilegalidade.
4.8. Uma vez cumprida a diligência saneadora do ato, com mais
razão tem cabimento a dispensa de reposição das importâncias
recebidas de boa-fé, até a data do conhecimento, pelo órgão
competente, da recomendação diligenciada preliminarmente pelo
Tribunal. Nesse sentido, embora não seja matéria restrita ao objeto
da presente Representação, consideramos oportuno sugerir a revisão
do texto da Súmula nº 106 desta Corte, de molde a adaptá-lo aos
procedimentos."
Para melhor compreensão da matéria ora examinada, fiz
distribuir o quadro demonstrativo a que se refere o subitem 4.1. da
instrução.
Pelo Ministério Público junto a este Tribunal, o Dr. Lucas da
Rocha Furtado, ao aquiescer as proposições da 2ª SECEX, excetua
aquelas constantes dos subitens 4.5. e 4.8. pelas seguintes razões
e considerações:
"O subitem 4.5. cuida da possibilidade de ser aplicada a
Súmula nº 074 do TCU apenas às aposentadorias concedidas com
proporcionalidade mínima após 08/04/92, data do deferimento da
Medida Cautelar requerida na ADIn nº 609-6, quando o inativo não
possa retornar ao serviço, por ter falecido, por ter atingido a
idade limite de 70 (setenta) anos ou outros motivos alheios à sua
vontade.
Entende o Ministério Público que essa possibilidade só
encontra respaldo jurídico se for admitida a contagem de período de
inatividade até a véspera do impedimento do retorno à atividade.
Nesse caso, não há necessidade de vincular o cômputo do tempo
de inatividade aos casos de aposentadoria proporcional mínima
(25/30 avos para mulher e 30/35 avos para homem), tendo em vista
que não encontra amparo legal a contagem de período de inatividade
após a data limite de 70 (setenta) anos, após a invalidez ou
falecimento.
Veja-se, por exemplo, o caso de servidor que foi aposentado
após 08/04/92, contando com 29 anos 6 meses e 3 dias e que atingiu
a compulsória um mês depois. Note-se que, mesmo computando-se o
tempo de inatividade até a véspera da compulsória, o interessado
continuará a ter seus proventos calculados proporcionalmente a
29/35 avos.
Verifica-se, portanto, que o inativo continuará a fazer jus à
aposentadoria, sendo necessário, apenas, modificar o fundamento
legal da concessão (no exemplo citado, do art. 186, inciso III,
alínea 'c', da Lei nº 8.112/90 para o art. 186, inciso II, da
referida norma).
Quanto à proposição constante do subitem 4.8, que sugere a
revisão do texto da Súmula nº 106/TCU deste Tribunal, dissente o
Ministério Público da 2ª SECEX por se tratar de matéria diversa ao
objeto da presente representação." É o Relatório.
Voto do Ministro Relator:
A Doutrina do Direito é especialmente rica em controvérsia sobre a
declaração de inconstitucionalidade e seus efeitos.
De inequívoca validade, nesse tema, é a doutrina de Almiro do
Couto e Silva, Professor de Direito Administrativo da Faculdade de
Direito da UFRGS, ao analisar o princípio da legalidade da
Administração Pública com a interseção do princípio da segurança
jurídica em monografia publicada na Revista do Direito
Administrativo nº 84 (págs. 47/63), que passo a expor em resumo.
Só relativamente há pouco tempo, observa o eminente jurista,
restou reconhecido que o princípio da legalidade da Administração
Pública, até então tido por incontrastável, encontrava limites na
sua aplicação, porquanto indispensável resguardar a confiança dos
indivíduos nos atos da Administração Pública outorgantes de
vantagens há muito incorporadas a seu patrimônio, praticados
regularmente com a observância de leis.
Salienta a necessidade, modernamente, de se corrigirem as
distorções do princípio da Legalidade da Administração Pública,
resul-tantes do esquecimento de que sua origem radica na proteção
dos indiví-duos contra o Estado, dentro das conquistas liberais
obtidas no final do século XVIII e início do século XIX, e
decorrem, igualmente, da ênfase excessiva no interesse do Estado em
manter o seu ordenamento jurídico.
Na Alemanha, esclarece, é absolutamente defesa a anulação
quando se tratar de ato administrativo que conceda prestação em
dinheiro, que se exaure de uma só vez ou que apresente caráter
duradouro, como são os atos de índole social: subvenções, pensões
ou proventos de aposenta-doria, salvo quando a vantagem tenha sido
obtida pelo destinatário por meios ilícitos, com culpa sua ou que
resulte de procedimento de sua responsabilidade. Nesse caso não
existe a confiança a ser protegida.
No Direito francês, considerando-se a segurança jurídica mais
importante que a própria legalidade, o Conselho do Estado fixou,
desde 1923, o entendimento de que o desfazimento dos atos
administrativos não cabe quando existam direitos deles provenientes
e, de outra parte, o de que os atos maculados de nulidade só
poderiam ter sua anulação decretada pela Administração Pública em
prazo igual ao dado aos particulares para que postulassem, em
recurso contencioso de anulação, a invalidade dos atos
administrativos (120 dias).
O ordenamento jurídico italiano não fixa limite de tempo para
a anulação de ofício dos atos administrativos inválidos. Contudo,
na aplicação do princípio da necessidade de certeza das situações
jurídicas, admite-se, quer na doutrina, quer na jurisprudência, não
serem mais anu-láveis os atos que, embora inválidos, hajam
irradiado incontestadamente seus efeitos por um período de tempo
relativamente longo; há de ser ponderado, por conseguinte, caso a
caso e em correlação com o interesse público.
Portugal igualmente reconhece o valor da segurança jurídica
sobrepondo-a ao princípio da legalidade da Administração Pública,
em caso de ato nulo e até mesmo de ato inexistente nas situações em
que o indivíduo, por longo tempo, tenha ocupado cargo público cuja
investidura resulta de ato juridicamente inexistente.
No Direito norte-americano, no campo específico do Direito
Constitucional, assinala que até mesmo o princípio da eficácia "ex
tunc" da declaração de inconstitucionalidade das leis -- tão
profundamente enraizado na vida dos povos que seguem a técnica do
judicial "review" do Direito norte-americano -- sofre hoje
atenuações ao confrontar-se com situações formadas e
consistentemente definidas sob a égide da lei que se considerou,
mais tarde, incompatível com a Constituição. Prevalece atualmente o
entendimento, nessas hipóteses excepcionais, de que se tais
situações produziram vantagens para particulares, prolongando-se no
tempo até assumir a feição de benefícios duradouramente
incorporados ao patrimônio jurídico dos indivíduos, seria iníquo
que a declaração de inconstitucionalidade as atingisse, tratando-as
como se nunca tivessem existido, conforme era a orientação
tradicional, ou seja, o ato seria inválido ou nulo desde a emissão,
e não apenas a partir da data na qual foi declarado
inconstitucional.
Segundo registra o repositório do Direito norte-americano, o
"Corpus Juris Secundum", em numerosas decisões mais recentes tem
sido sustentado que a regra geral tradicional não é universalmente
verdadeira ou nem sempre absolutamente verdadeira; comporta ela
muitas exceções; é afetada por muitas considerações; uma visão
realista tem erodido essa doutrina; tão amplo princípio deve ser
entendido como temperamentos, e mesmo uma lei inconstitucional é um
fato operativo, pelo menos antes da declaração de
inconstitucionalidade, que deve ter conseqüências as quais não
podem ser ignoradas.
Valho-me, ainda, no exame desta controvertida matéria, da
atualizada e esclarecedora preleção do Professor Carlos Roberto de
Siqueira Castro, Subprocurador-Geral da República -- aposentado,
doutor em Direito Público, Professor Titular de Direito
Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, segundo
monografia publicada na Revista Forense, volume 335 (págs. 18/44),
sob o título "Da declaração de inconstitucionalidade e
seus-efeitos", que exponho em síntese.
Acerca dos vários modelos hoje figurantes nas pautas do
Direito Constitucional Comparado, destaca, no pertinente ao
controle de constitucionalidade das leis, dois sistemas que
historicamente se afirmaram e extremaram nesse sítio da teoria
constitucional: de um lado tem-se o modelo norte-americano
irradiado da Constituição dos Estados Unidos da América de 1787,
designado sistema de controle difuso (cabe a qualquer juiz
pronunciar-se sobre a conformidade da lei com a Constituição); do
outro, o modelo austríaco emanado da Carta Política da Áustria, de
1º de outubro de 1920, denominado sistema de controle concentrado
(a competência para examinar a constitucionalidade das leis é
privativa de um determinado Tribunal).
No controle difuso a sentença que afirma a
inconstitucionalidade da lei é meramente declaratória de
preexistente nulidade absoluta, e seus efeitos, em princípio,
operam "ex tunc". No sistema austríaco, entretanto (controle
concentrado), a sentença tem força constitutiva, ou seja, mesmo em
dessintonia com a Constituição, existe e produz ela seus efeitos
até quando tal dessintonia ainda não for declarada. Os efeitos
operam, pois, "ex nunc" (pro futuro), não se admitindo qualquer
retroatividade.
Todavia observa, citando Cappelletti, que mesmo no controle
difuso é hoje admitido que sejam resguardadas situações onde a
noção de justiça sairia seriamente arranhada caso fosse o princípio
da eficácia "ex tunc" invariavelmente aplicado, sem se atentar para
as peculiaridades de cada caso.
Entre nós, no Brasil, esclarece, o sistema de controle da
constitucionalidade das leis foi, sob a influência norte-americana
e a inspiração de Rui Barbosa, implantado pela Constituição de
1891, em regime de difusão competencial atribuída aos Juízes e
Tribunais Federais e, em grau de recurso, ao Supremo Tribunal
Federal.
O eminente professor explica que "por estas razões históricas
que nortearam na origem a competência recursal do Supremo Tribunal
Federal no campo do controle dito difuso, foi natural que a
doutrina constitucionalista de nosso país estendesse ao mecanismo
de controle concentrado os mesmos consagrados atributos de nulidade
"ab initio" da lei inconstitucional e de retroatividade radical
quando introduzimos o mecanismo da 'representação contra a
inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal
ou estadual', de incumbência do Procurador-Geral da República e
incluída na competência originária da Suprema Corte pela Emenda
Constitucional nº 16, promulgada no ano de 1965, que alterou o
disposto no art. 101, I, alínea 'k', da Carta Política de 1946".
Mas acrescenta: "em que pese à prevalência histórica, até hoje
subsistente, do primitivo modelo norte-americano, de resto já não
mais vigorante na grande nação norte-americana de onde brotou,
inexiste qualquer norma ou princípio de ordem constitucional a
servir de empeço intransponível a que também acompanhemos a
tendência hoje generalizadas na Europa e nos Estados Unidos da
América".
Observa, com efeito, não existir, na Constituição Federal
brasileira de 1988, preceito ou princípio, explícito ou implícito
que cogite dos efeitos temporais emergentes da declaração de
inconstitucionalidade.
Ressalta que o Supremo Tribunal Federal tem dado mostra de
profícua abertura na compreensão temperada dos efeitos do aresto
declaratório de inconstitucionalidade, fazendo-se permeável à
adoção dos efeitos "ex nunc" em determinadas circunstâncias,
notadamente em respeito à coisa julgada, ao princípio da boa-fé e,
de um modo geral, nas situações consolidadas antes da declaração de
inconstitucionalidade, em respeito a estabilidade das relações
jurídicas.
Cita, nesse contexto, o acolhimento da ADIn nº 1.102-2-DF,
quando o Supremo Tribunal Federal conferiu ao respectivo acórdão
efeitos "ex nunc" (pro futuro), evitando-se, assim, inviabilizar o
sistema securitário nacional se os efeitos operassem "ex tunc" no
acolhimento da referida ação direta, que objetivara a
insubsistência, por razões de inconstitucionalidade, de uma das
fontes de custeio da Previdência Social.
Os lúcidos comentários do Professor Siqueira Castro estão
alicerçados, ainda, nas opiniões de Lúcio Bittencourt, Themístocles
Brandão Cavalcanti, Regina Maria Macedo Nery Ferrari, Maria Isabel
Gallotti, Erival da Silva Ramos, Gilmar Ferreira Mendes, entre
outros que cita.
De ser lembrado, finalmente, que esta Corte de Contas tem
observado orientações emanadas do Supremo Tribunal Federal sempre a
partir da data de sua publicação no Diário da Justiça.
De todo o exposto, concordo com os pareceres em que não há
cogitar-se da aplicação das súmulas nº 074 nem da de nº 106 nas
aposentadorias, com arredondamento, vigentes antes da publicação do
deferimento da medida cautelar pelo Supremo Tribunal Federal
(08/04/1992) na ADIn nº 609-6, eis que são atos válidos
considerados legais para efeito de registro neste Tribunal,
concedidas que foram com suporte no ordenamento jurídico
explicitado nas normas de direito positivo vigentes à época.
De igual modo aquiesço ao entendimento de que, após a
publicação do deferimento da referida cautelar (08/04/1992) que
suspendeu a eficácia do parágrafo único do artigo 101 da Lei nº
8.112/90, não mais incide a aplicação da Súmula nº 074 nas
aposentadorias, com arredondamento, consideradas ilegais, pois tal
procedimento, na oportuna observação do eminente Ministro Humberto
Souto, "poderá ser interpretado como forma de burlar a decisão do
Supremo, aceitando-se o arredondamento, apenas com outra
denominação".
Contudo no pertinente à questão da incidência da Súmula nº
074, em caráter excepcional, nas aposentadorias consideradas
ilegais por serem posteriores a 08/04/92 nos casos em que o
servidor, aposentado voluntariamente com o tempo de serviço mínimo
(25 ou 30 anos), esteja impossibilitado de retornar à atividade,
inclino-me pela opinião do Ministério Público. Com efeito a
incidência da Súmula nº 074 nessa hipótese carece de base legal,
além de não produzir efeitos práticos: as aposentadorias por
invalidez ou por implemento de idade independem desse requisito
temporal, podendo então prosperar mediante a alteração do
fundamento legal e o ajuste no cálculo dos proventos; e na hipótese
de falecimento, a pensão aos dependentes corresponderá à totalidade
dos vencimentos do instituidor. (Parágrafos 4º e 5º do art. 40 da
Constituição Federal e art. 215 da Lei nº 8.112/90).
Com respeito à aplicação da Súmula nº 106, há que se observar
seu enunciado, "verbis":
"Súmula nº 106:
O julgamento, pela ilegalidade, das concessões de reforma,
aposentadoria e pensão, não implica por si só a obrigatoriedade da
reposição das importâncias já recebidas de boa-fé, até a data do
conhecimento da decisão pelo órgão competente."
Em que pese ao aspecto social, penso não ser essa Súmula
aplicável nas aposentadorias posteriores a 08/04/1992, pois se
presume o conhecimento da ilegalidade do ato, pela autoridade
competente, independentemente de sua apreciação pelo TCU, em vista
da suspensão da eficácia do parágrafo único do art. 101 da Lei nº
8.112/90 pelo Supremo Tribunal Federal. Não poderia, assim, a
autoridade conceder qualquer aposentadoria com fundamento no citado
dispositivo, após aquela data. Inviável, também nesta hipótese,
presumir-se a boa fé.
Importa notar, nesse sentido, o v. acórdão da Col. 2ª Turma do
Supremo Tribunal Federal, em Recurso Extraordinário relatado pelo
eminente Ministro Francisco Rezek, cuja ementa enuncia:
"Recurso Extraordinário. Efeitos da declaração de
inconstitucionalidade em tese pelo Supremo Tribunal Federal.
Alegação de direito adquirido.
- Acórdão que prestigiou lei estadual à revelia da declaração
de inconstitucionalidade desta última pelo Supremo. Subsistência do
pagamento de gratificação mesmo após a decisão "erga omnes" da
Corte. Jurisprudência do STF no sentido de que a retribuição
declarada inconstitucional não é de ser devolvida no período de
validade inquestionada da lei de origem - mas tampouco paga após a
declaração de inconstitucionalidade."
Do exposto, acolho parcialmente os pareceres da 2ª SECEX e do
Ministério Público e VOTO por que seja adotada a Decisão que ora
submeto a este Plenário.
Decisão:
O Tribunal Pleno, diante das razões expostas pelo Relator DECIDE:
1. conhecer da presente representação para considerá-la
procedente, em parte, e firmar a seguinte orientação:
1.1. não se cogita da incidência das Súmulas TCU nºs 074 e 106
nas aposentadorias efetivadas com aplicação do arredondamento do
tempo de serviço, previsto no parágrafo único do art. 101 da Lei nº
8.112/90, vigentes anteriormente a 08/04/92, data da publicação da
decisão do Supremo Tribunal Federal proferida na medida cautelar
que suspendeu a eficácia do referido parágrafo (ADIn nº 609-6), eis
que tais concessões, efetuadas nos estritos termos da legislação
vigente até a referida data, são atos válidos e por isso
considerados legais para efeito de registro;
1.2. também não incide a Súmula nº 074 nem a nº 106 nas
aposentadorias com arredondamento do tempo de serviço deferidas
posteriormente a 08/04/92, porquanto inválidas dada a anterioridade
da suspensão da eficácia do referido parágrafo relativo ao
arredondamento, devendo, por isso, ser consideradas ilegais,
admitindo-se a possibilidade de o interessado optar entre retornar
à atividade ou manter-se aposentado com proventos proporcionais ao
tempo de serviço restante da exclusão do arredondamento impugnado,
e observado o requisito temporal mínimo previsto em lei;
2. não conhecer da proposição da 2ª SECEX, que objetiva
revisão da Súmula nº 106, por não ser matéria objeto desta
representação.
Indexação:
Súmula; Aposentadoria; Arredondamento de Tempo de Serviço; STF;
Medida Cautelar; Vigência; Inconstitucionalidade; Representação;