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Universidade Federal de Santa Catarina
UM ESTUDO VARIACIONISTA DAS FORMAS IMPERATIVAS NAS
CIDADES DE FLORIANÓPOLIS E LAGES: UMA QUESTÃO DE
ENCAIXAMENTO?
Bruno Cardoso
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12/2012
Universidade Federal de Santa Catarina
UM ESTUDO VARIACIONISTA DAS FORMAS VERBAIS IMPERATIVAS
NAS CIDADES DE FLORIANÓPOLIS E LAGES: UMA QUESTÃO DE
ENCAIXAMENTO?
Dissertação apresentada para o curso de pós-
graduação em Linguística da Universidade Federal
de Santa Catarina como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre.
Orientadora: Prof. ª Drª Izete Lehmkuhl Coelho
Bruno Cardoso
12/2012
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AGRADECIMENTOS
À professora Izete L. Coelho pela orientação sempre solícita e minuciosa, bem como
pela sua paciência quase inesgotável com meu ritmo de trabalho.
À professora Marta Scherre, pelos conselhos no corredor da Abralin de 2011,
indispensável para que a pesquisa ganhasse novos rumos, bem como pela análise
criteriosa na qualificação do projeto.
À professora Edair Gorski que, junto com a professora Izete, liderou as disciplinas de
Variação Estilística I, II e III, cruciais para que eu me atentasse à importância do
discurso reportado.
Ao amigo Mágat Nágelo Junges pelo sempre incessante conselho: ‘’termina logo essa
dissertação e pega esse título de uma vez p...’’.
À amiga Christiane Nunes pelos conselhos e estímulos no processo de escrita.
Àos colegas do projeto Varsul, pela convivência harmoniosa nesses últimos anos.
Ao amigo Marcos Daud Camargo, do curso de letras da UFRJ, pelas conversas sempre
motivadoras ao telefone.
À minha mãe e meu pai.
A Iahweh, pelo dom da vontade de aprender cada vez mais,
Agradeço.
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Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar
Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinhos.
Vai reduzir as ilusões a pó
Preste atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés
(O mundo é um moinho, Cartola)
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Para tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu.
Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou;
Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar;
Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar;
Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar;
Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora;
Tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar;
Tempo de amar, e tempo de odiar. Há tempos de guerra e tempo de paz.
(Salomão, Eclesiastes 3:1-8)
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RESUMO
Esta pesquisa, realizada nas cidades de Florianópolis e Lages, ambas situadas no estado de Santa
Catarina, procura traçar um padrão de uso das formas verbais imperativas nessas duas cidades,
considerando que o uso do imperativo do português brasileiro apresenta-se como um fenômeno suscetível
de variação, no caso as formas indicativas (faz, leva) e subjuntivas (faça/diga) podendo operar em
contextos da forma de tratamento ''você'', configurando-se como aquilo que Scherre e outros linguistas
chamam de imperativo gramatical brasileiro. Se tomamos como ancoragem de partida a modelação
histórica dessas duas cidades no que diz respeito ao seu processo de colonização, somos lançados à
realidade de que ambas as cidades sofreram influências distintas: enquanto Florianópolis foi erigida por
colonizadores açorianos, Lages, a cidade serrana, surgiu em meio à confluências de gaúchos e tropeiros
paulistas, fato este que nos lança, por sua vez, em uma outra indagação: até que ponto tais realidades
históricas distintas deixariam vestígios na padronagem de uso das formas verbais imperativas, se virmos
tal variável linguística à luz do problema empírico do encaixamento linguístico? Ou seja, essas realidades
históricas distintas dessas duas cidades respingariam no uso das formas pronominais e,
consequentemente, no uso das formas verbais imperativas, se assumirmos que esses dois fenômenos estão
intimamente associados? Essa pesquisa propõe uma resposta positiva a ambas as questões, direcionando a
discussão para o problema empírico do encaixamento linguístico, uma vez que os dados extraídos do
projeto Varsul apontarão para uma maior tendência de uso à forma verbal imperativa subjuntiva na cidade
serrana de Lages, onde, por sua vez, pesquisas linguísticas tem apontado uma maior favorecimento de uso
à forma de tratamento ''você''. Por outro lado, os dados linguísticos de Florianópolis seguem por uma
direção oposta ao assinalarem um maior favorecimento ao uso da forma verbal indicativa, em
consonância com um maior uso da forma de tratamento ''tu'', como pesquisas nesta cidade tem
demonstrado. Apesar dessas tendências de variação opostas, ambas as cidades apresentam um padrão
variável, o que nos leva a pensar se forças sociais tais como relações de poder e solidariedade, assumidas
pela teoria laboviana como de coloração estilística, estariam também atreladas à variação dessas formas
nessas duas cidades. Afunilando com mais precisão a pergunta, teríamos o seguinte: até que ponto
relações de poder e solidariedade estariam materializadas na padronagem das formas verbais imperativas?
Lages e Florianópolis tecem essa materialização em um mesmo caminho ou o fazem de forma
diferenciada? Os dados da pesquisa mostrarão que, ainda que se possa timidamente insinuar um lampejo
dessas relações de poder sobre o uso das variantes imperativas, o que está em jogo mesmo nessas duas
cidades é a articulação desse fenômeno com o uso das formas de tratamento, sendo este o contexto
favorecedor mais poderoso apontado pela aparelhagem estatística do Varbrul, o que sinaliza para um caso
de encaixamento linguístico e social.
Palavras-chave: variação; imperativo; encaixamento; Florianópolis; Lages.
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ABSTRACT
This survey, executed in the cities of Florianópolis and Lages, both located in the state of Santa Catarina,
seeks to trace a pattern of use of the imperative verb forms in these two cities, whereas the use of the
imperative of Brazilian Portuguese is presented as a phenomenon likely to variation, in case of indicative
forms (faz, leva) and of subjunctive (faça / diga) can operate in contexts of honorific pronoun “você'',
becoming the grammatical imperative Brazilian by Scherre and other linguists. If we take as a starting
anchor modeling of these two historic cities with regard to their colonization process, we are thrown to
the reality that both cities have suffered distinct influences: while Florianópolis was colonized by
Azorean settlers, Lages, a mountain town, arose with the confluence of gauchos and muleteers Paulista, a
fact that throws us on another question: to what extent such historical realities leave distinct traces in
patterning use of imperative verb forms, if we see such linguistic variable through the linguistic empirical
problem of embedding? That is, these historical realities of these two distinct cities would influence the
use of pronominal forms and hence, using the imperative verb forms, if we assume that these two
phenomena are closely associated? This research suggests a positive answer to both questions, directing
the discussion to the linguistic empirical problem of embedding, since the data extracted from the project
VARSUL point to a greater tendency to use the subjunctive imperative verb form in the mountain town of
Lages, where linguistic studies have shown a larger favoring the use honorific pronoun “você”. Moreover,
the linguistic data of Florianópolis follow the opposite direction by a greater favor by pointing to the use
of the indicative verb form, in line with increased use of the honorific pronoun “tu”, as researches have
shown. Despite these opposing trends of variation, both cities have a variable pattern, which leads us to
wonder if social forces such as power relations and solidarity, as assumed by the theory Labovian stylistic
coloring, would also be linked to the variation of these forms in these two cities. Funneling more
precisely the question we would have the following: the extent to which relations of power and solidarity
would be materialized in the patterning of the imperative verb forms? Lages and Florianópolis show this
materialization in the same way or do differently? The survey data show that, even though one might
tentatively suggest these power relations on the use of imperative variants, what we can observe in these
two cities is the articulation of this phenomenon with the use of the honorific pronouns, the most
powerful favoring context, appointed by the statistical software VARBRUL, which shows a case of
linguistic and social embedding.
Keywords: variation; imperative; embedding; Florianópolis; Lages.
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1:...........................................................................................................51
Tabela 2: ..........................................................................................................52
Tabela 3:...........................................................................................................55
Tabela 4:...........................................................................................................57
Tabela 5:...........................................................................................................60
Tabela 6............................................................................................................62
Tabela 7............................................................................................................99
Tabela 8............................................................................................................100
Tabela 9............................................................................................................103
Tabela 10..........................................................................................................104
Tabela 11..........................................................................................................105
Tabela 12...........................................................................................................107
Tabela 13..........................................................................................................109
Tabela 14..........................................................................................................110
Tabela 15.........................................................................................................113
Tabela 16.........................................................................................................116
Tabela 17.........................................................................................................121
Tabela 18.........................................................................................................123
Tabela 19.........................................................................................................129
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LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1:...................................................................................................96
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1:..................................................................................................28
Quadro 2:……………………………………………………………………107
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SUMÁRIO
1 DELIMITANDO O TEMA: POR QUE É IMPERATIVO ESTUDAR O
IMPERATIVO?
2 É IMPERATIVO DELIMITAR O IMPERATIVO.......................................12
2.1 O IMPERATIVO: MUITO ALÉM DA FORMA, UMA FUNÇÃO...................12
2.2 AS MARCAS DO IMPERATIVO EM FORMA VERBAL................................15
2.3 O IMPERATIVO SOB A JURISDIÇÃO COERCITIVA DA GRAMÁTICA
TRADICIONAL E DOS COMANDOS PARAGRAMATICAIS: A DISSONÂNCIA
ENTRE NORMA E USO.............................................................................................18
2.3.1 Napoleão e seu estupor gramatiqueiro...................................................................22
2.3.2 Pasquale Cipro Neto e sua ‘’Inculta e Bela’’........................................................24
2.3.3 ‘’Não erre mais’’ e o sarcasmo tenebroso de Sacconi...........................................27
2.3.4 Sérgio Nogueira: entre a simpatia e o simulacro....................................................29
2.3.5 Dilson Catarino e suas pegadinhas gramaticais......................................................31
2.3.6 Dad Squarisi prova do seu próprio veneno............................................................33
3 É IMPERATIVO INVESTIGAR A VARIAÇÃO NO
IMPERATIVO..............................................................................................................34
3.1 O IMPERATIVO NA DIMENSÃO HISTÓRICA: A ABORDAGEM DE
FARACO.........................................................................................................................36
3.2 O IMPERATIVO NA DIMENSÃO HISTÓRICA: O ESTUDO DE PAREDES ...41
3.3 AS DIMENSÕES INTERNA E EXTERNA DA VARIAÇÃO: OS TRABALHOS
DE SCHERRE ...............................................................................................................43
3.4 EM BUSCA DE UMA ISOGLOSSA PARA O IMPERATIVO NO PB: OS
TRABALHOS ORIENTADOS POR SCHERRE........................................................51
3.5 A DIMENSÃO ESTILÍSTICA ESCAVADA A FUNDO: O TRABALHO DE REIS
(2003)...............................................................................................................................56
3.6 EM SUMA................................................................................................................56
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4 É IMPERATIVO SOLIDIFICAR AS BASES........................................................57
4.1 QUANDO O CAOS ENCONTRA A ORDEM.......................................................57
4.2 A REGRA VARIÁVEL...........................................................................................61
4.3 A COMUNIDADE DE FALA: LIMIARES...........................................................62
4.4 OS CINCO PROBLEMAS DA TEORIA DA VARIAÇÃO E MUDANÇA........65
4.5 IMPASSES E TENSÕES EM TORNO DA NOÇÃO DE ESTILO........................68
4.6 TRAMA E URDIDURA...........................................................................................73
4.6.1 Objetivo Geral........................................................................................................73
4.6.2 Objetivos específicos..............................................................................................74
4.6.3 HIPÓTESES.......................................................................................................74
5 É IMPERATIVO OPERACIONALIZAR O IMPERATIVO.........................76
5.1 O PROJETO VARSUL............................................................................................76
5.2 A AMOSTRA UTILIZADA...................................................................................77
5.2 SUPORTE QUANTITATIVO.................................................................................78
5.4 ENVELOPE DE VARIAÇÃO...............................................................................78
5.4.1Variável dependente..............................................................................................79
5.3.1Variáveis independentes........................................................................................80
5.3.1.2 Fatores internos..................................................................................................80
5.3.1.3 Variáveis independentes sociais..........................................................................82
5.3.1.2Variáveis independentes estilísticas.....................................................................84
6 É IMPERATIVO ANALISAR OS RESULTADOS.............................................94
6.1DISTRIBUIÇÃO GERAL DOS RESULTADOS...................................................97
6.2GRUPO DE FATORES INTERNOS.....................................................................97
6.2.1POLARIDADE DA ESTRUTURA....................................................................97
6.2.2EXTENSÃO SILÁBICA.....................................................................................98
6.2.3Forma de realização do tratamento....................................................................101
6.2.4Item lexical........................................................................................................103
6.3 GRUPO DE FATORES EXTERNOS................................................................105
6.3.1Cidades.............................................................................................................105
6.3.2Idade.................................................................................................................108
6.4GRUPOS DE FATORES ESTILÍSTICOS...........................................................110
6.4.1 Formas de tratamento e as relações sociais........................................................113
6.4.2 As cidades e os estilos: uma questão de encaixamento.....................................119
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6.5 COMUNIDADES DE FALA: ESTABELECENDO OS LIMITES ENTRE
FLORIANÓPOLIS E LAGES..................................................................................124
6.6 EM SUMA..........................................................................................................129
É IMPERATIVO CONCLUIR.................................................................................130
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICO...........................................................................133
ANEXO.....................................................................................................................138
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1 INTRODUÇÃO
1.1 DELIMITANDO O TEMA: POR QUE É IMPERATIVO ESTUDAR O
IMPERATIVO
A pergunta com a qual iniciamos esta pesquisa é esta: por que é imperativo
estudar o imperativo?
No fluxo contínuo da língua viva, irrompem em profusão a cada instante
diversas modalidades de ordem e comando sem as quais não conseguiríamos agir sobre
o nosso interlocutor e, assim, levá-lo a cumprir determinado propósito. A função
imperativa é um fato linguístico real e atuante no sistema linguístico, quase como que
onipresente e, assim, em todas as línguas, das mais variadas famílias linguísticas, há
sempre estocados no repertório de matéria verbal componentes linguísticos destinados
especialmente para o cumprimento da ordem ou comando.
Essa realidade poderosa das sentenças imperativas tendeu a ficar renegada a
um segundo plano nas investigações linguísticas pioneiras as quais se detiveram quase
sempre sobre as sentenças afirmativas, de estrutura proposicional clássica. Esse apego
às sentenças declarativas resultou de um projeto filosófico de ciência que velava os
primeiros pensadores da linguagem. Esse projeto se resumia a uma busca de uma
verdade universal, absoluta e não relativizada. É Givón (1993) quem coloca esse debate
de forma muito interessante, visto que o linguista funcionalista articula esse projeto
filosófico dos filósofos gregos de busca de uma verdade universal com a rejeição dos
atos de fala não-declarativos. Platão e Aristóteles renegam tais sentenças, já que o
conhecimento verdadeiro não pode apontar para verdades-dependentes-do-contexto. A
verdade é sempre verdade independentemente de quem a proferiu, do momento em que
foi proferida e para quem foi proferida. E, sendo que atos de fala não declarativos de
comando sempre apontam para uma situação sociocomunicativa instaurada entre mais
de um interlocutor, não caberia a estes atos de fala o foco da investigação filosófica.
O debate sobre a pertinência da análise de sentenças não declarativas foi
colocado por Givón, já que este expande o leque dos tipos de sentença a serem
analisadas, saindo do viés clássico em que as sentenças declarativas, e tão somente elas,
obtinham a primazia da análise. Em seus trabalhos, sentenças não-declarativas recebem
uma atenção especial, principalmente na sua proposta sobre atos de fala manipulativos.
De certa forma, muito além de Givón, outros campos da Linguística têm expandido o
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seu material bruto de investigação, quer na Pragmática, Análise do Discurso ou
Sociolinguística, uma percepção mais acurada dos multifacetados fenômenos da
linguagem humana tem sido recorrente.
Um dos pioneiros a revalidar a importância das sentenças imperativas no
campo das instituições humanas foi o filósofo da linguagem judeu-alemão Eugen
Rosenstock-huessy (2002)1, que alça as sentenças imperativas a um patamar ainda mais
elevado. Embora seja prudente afirmar que o filósofo judeu-alemão encara a linguagem
humana e o mistério da sua origem em uma perspectiva filosófica, não há como não
deixar de ser interessante a maneira como ele focaliza as sentenças de propriedade
imperativa. De certa forma, trata-se de um filósofo que também se opõe a uma visão
lógica e formal da língua, como um instrumento de comunicação de um pensamento
verdadeiro. Para Eugen, a linguagem é movimento, age sobre o mundo e instaura
processos sociais. Processos sociais, por sua vez, se tecem no campo da cooperação
humana, onde os atos humanos se abrem e se fecham sob a batuta da ordem e do
cumprimento das ordens. É nesse movimento de idas e vindas de ordens e
cumprimentos, razão de ser de todo processo social, que Eugen atribuirá uma
importância descomunal às sentenças imperativas:
A forma imperativa do verbo preserva a camada mais antiga da
linguagem humana. Podemos chamá-la o vocativo do verbo, porque invoca a
situação original da linguagem formal: forma-se uma taça de tempo, fundem-
se temporariamente numa só vontade dois corpos humanos, inicia-se uma
divisão de trabalho e espera-se que se altere uma parte do mundo externo.
Duas pessoas começam a mover-se no sentido dessa alteração. E a simples
palavra ‘’fogo’!’’ dá início a todos esses processos, porque define: 1. Um ser
humano a quem se pede que obedeça, 2. Um ato mundano que é pedido, 3.
Um espaço de tempo que é reservado para a obediência e para o ato
(ROSENSTOCK-HUESSY, 2002, p. 53).
As consequências desses três pressupostos são as de que os imperativos
transformam as pessoas em participantes de um processo social, pois ‘’prover sessenta
1 Livro ‘’A origem da linguagem’’, publicado pela Editora Record em uma coleção que visa a divulgar
filósofos desconhecidos do grande público. Eugen Rosenstock-Huessy é um filósofo judeu alemão
nascido em 1888 e falecido em 1973 nos EUA. Uma das razões para o desconhecimento de sua obra está
na recusa que o autor possuía a qualquer apresentação academicamente sistemática de suas ideias.
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milhões de empregos após a guerra é apenas uma expressão velada para designar
sessenta milhões de imperativos de longo prazo a que as pessoas obedecerão em suas
funções sociais.’’ A segunda consequência é que ‘’qualquer imperativo demonstra que o
mundo não pode continuar como está [..] e que o imperativo ocupa posição mais
elevada que o indicativo quanto à relevância social e à perfeição lógica. Ele transforma
a vida conhecida em ações futuras doadoras de vida. O imperativo, a sentença mais
antiga,2 transubstancia o mundo. E a terceira e mais interessante consequência é que os
imperativos fazem os homens mover-se na história, tendo em vista que a vida histórica é
uma sucessão de imperativos. Reproduzimos a seguir este belo trecho dotado de uma
dose carregada de lirismo:
Não é o acúmulo de conhecimentos, a evolução da ciência, o
avanço da tecnologia, ou o aumento da velocidade o que marca o progresso
da humanidade. A infinita sequência de ordens dadas e obedecidas é que
ilumina os tempos da história. Tudo isso está presente em um só imperativo.
As coisas do mundo são dominadas, os tempos são decididos, as pessoas são
feitas por um imperativo. Luz, plano e determinação inundam o universo
mediante a decisão de dois ou mais homens de dar ordens e obedecer a elas.
A luz da razão não brilha com tanta força em nenhuma afirmação de fatos
como brilha na ordem certa dada e obedecida no momento certo.
(ROSENSTOCK-HUESSY, 2002, p. 54).
O fato é que todo apaixonado por sentenças imperativas pode olhar para a
obra de Rosenstock e encontrar inspiração e motivação potencializadas ao máximo.
Saindo de um enfoque filosófico e universalista das sentenças imperativas e
deslizando para um plano mais específico e local, podemos pensar ainda mais sobre a
relevância de estudar esse tema, o que nos ajudará a lançar as bases que sedimentarão o
caminho para o desenrolar desta pesquisa, bem como a razão de sua pertinência.
Esta pesquisa, enquadrada na área de Sociolinguística, que engloba a
variação, mudança e ensino como linha de pesquisa no Programa de Pós-Graduação em
Linguística na Universidade Federal de Santa Catarina, focaliza nas sentenças
imperativas do português brasileiro, ou mais precisamente, na sua realização variada
entre formas verbais indicativas e subjuntivas que podem estar a serviço de um
2 Percebe-se nesta declaração um afloramento da veia judaica de Eugen, ao colocar o imperativo como a
sentença mais antiga de todas. Trata-se de uma referência indireta ao fato de, no relato hebraico bíblico da
criação, a primeira sentença proferida por Deus ter sido um ato de comando.
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comando. Como alguns linguistas e gramáticos têm assinalado e veremos isso mais
detalhadamente adiante, o imperativo não é necessariamente uma modalidade verbal,
antes pode ser tomado como uma função pragmática que qualquer vocábulo,
dependendo de certas condições discursivas, pode exercer e marcar na língua. Assim,
palavras como ‘’Fogo!”’, ‘’Chuva!’’, ‘’Silêncio’’ ou certas sentenças como ‘’ a janela
está aberta’’ em um momento em que chove abundantemente pode também
desempenhar uma função pragmática de comando.
No entanto, as formas mais cristalizadas na língua para o pleno exercício
dos comandos encontram-se naqueles verbos homófonos às formas verbais indicativas e
subjuntivas, e aqui nos referimos à segunda pessoa do singular, que será o objeto de
investigação deste trabalho. Vejamos isso mais detalhadamente para que possamos
vislumbrar com perfeição o tamanho do problema que teremos pela frente e a demanda
de carga investigativa que ele cobrará de nós.
No português brasileiro3 encontramos à disposição do falante as formas
indicativa e subjuntiva para a consumação da ordem:
Faz o trabalho.
(imperativo canônico, sem sujeito expresso)
Ermenegildo, faça o trabalho.
(imperativo não canônico, sentença com sujeito expresso)
Filadélfio, me conta uma piada.
Filadélfio, me conte uma piada.
A tradição gramatical legisla uma relação unilateral entre os verbos no
imperativo e as formas de tratamento empregadas na cadeia do discurso. Se usamos um
pronome de segunda pessoa, no caso o tu, o verbo tem de ir para a forma indicativa, se
usamos um pronome de tratamento de terceira pessoa, no caso você, ou uma forma de
tratamento que seja, por exemplo o senhor, o verbo deverá assumir ‘’obrigatoriamente’’
a forma subjuntiva.
No entanto, na boca de milhões de falantes do português a cada dia, como as
pesquisas linguísticas não cansam de comprovar e sobre as quais falaremos mais
3 Daqui para frente PB.
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adiante, percebe-se uma mistura entre formas de tratamento e verbos que não são
convergentes com aquilo que é vindicado pela tradição gramatiqueira do
português.Estariamos assistindo a consolidação daquilo que se tem chamado de
imperativo gramatical brasileiro: a forma indicativa do imperativo ocorrendo em
contextos de forma de tratamento você.
É indubitável que na língua que se materializa no calor das massas essa
relação entre formas de tratamento e formas verbais é antes de tudo não inequívoca. A
hipótese que começa a ser delineada aqui é que a regra que estabelece a combinação
entre pronome de segunda pessoa e forma indicativa e pronome ou forma de tratamento
de terceira pessoa e verbo subjuntivo tem se enfraquecido na tessitura viva da língua, o
que nos aponta para um veemente processo de mudança linguística que já começou a
entrar em curso na língua e, consequentemente, nos aponta para um universo em que
duas formas linguísticas parecem estar disputando a supremacia pelo uso no português
falado.
Somos lançados, então, diante de duas formas que cumprem
milimetricamente à risca os dizeres labovianos acerca da regra variável: as formas
indicativas e subjuntivas usadas no imperativo são duas variantes de uma variável. Elas
constituem, desse modo, a regra variável que protagonizará este empreendimento de
pesquisa. Tal empreendimento se firmará na Teoria da Variação e Mudança Linguística
com usufruto de sua metodologia estatística a fim de nos oferecer os subsídios
necessários para a compreensão desse fenômeno linguístico em variação.
Desse modo, cientes de que, no atual momento do PB, há duas formas
verbais acionadas para cumprir a função diretiva da ordem e que tais formas encontram-
se em variação, compete-nos, por ora, tomá-las como a variável dependente a ser
esmiuçada nesta pesquisa. Inserindo-a no quadro teórico da sociolinguística quantitativa
preconizado por Labov, procuraremos atribuir a esta variável dependente suas
frequências de uso relacionadas aos fatores internos e externos que podem agir sobre
ela, tudo sob a égide da metodologia clássica da sociolinguística que prevê um
tratamento estatístico para as variáveis dependentes, ajudando a formar um painel
expansivo, lúcido e descritivo do comportamento da regra varíavel a ser estudada.
A hipótese central a ser destrinchada no presente trabalho vincula a variação
das formas imperativas do PB à variação das formas de tratamento de segunda e terceira
pessoas também no PB. Olharemos para a nossa variável dependente como um
fenômeno encaixado na matriz linguística das formas de tratamento e, por conta disso,
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espera-se haver na comunidade heterogênea de engloba as cidades de Florianópolis e
Lages usos variados dessas formas de tratamento que podem desencadear uma carga de
variação bastante regulada demais, somando a isso, olharemos para as formas
imperativas encaixadas na matriz social, procurando entrever uma gama de relações
sociais e ideológicas que poderão reger o uso das formas imperativas. Para isso nos
valeremos da teoria das relações de poder e solidariedade tramada por Brown e Gilman
(1960 [2003]), porque acreditamos que, sendo o imperativo uma função pragmática em
que um jogo de poder e obediência é sempre vindicado e atualizado, deverá haver nas
instâncias comunicativas de produção dessas formas verbais em variação certos
elementos que nos conduzam a vislumbrar relações ideológicas entremeadas ou
configuradas nelas.
Tudo agora é obscuro, opaco e de certa forma misterioso, porém, tomando o
banco de dados do projeto Varsul (Variação Linguística do Sul do Brasil) como acervo
de dados para a nossa pesquisa, mais especificamente as entrevistas que compreendem
as cidades de Florianópolis e Lages, traçar-se-á um panorama descritivo da regra
variável do imperativo nessas cidades barriga-verde, lançando algum rasgo de luz sobre
as hipóteses aqui redutoramente delineadas.
Diante dessa circunstância típica do gênero da entrevista sociolinguística
em que o relato sobre o mundo é o aspecto a ser priorizado, e não uma situação de
interlocução entre um ou mais enunciatários, necessário se faz traçarmos estratégias
metodológicas a fim de capturarmos no cenário interno da entrevista a manifestação
dessas formas imperativas. A solução buscada, então, foi centrarmos o foco de nossa
análise nos contextos de discurso reportado, onde o falante invoca um universo de vozes
outras, um universo de cenários discursivos outros, a fim de cumprir em seus relatos de
experiências determinados propósitos comunicacionais. É no discurso reportado, pois,
que centralizaremos o foco de nossa análise e toda a riqueza e valia desse fenômeno
(bem como sua pertinência para a nossa coleta de dados) amalgamado nas entranhas das
centenas de entrevistas disponibilizadas no banco Varsul será discutida mais
acuradamente no decorrer dessa pesquisa.
Assim, acreditando que este trabalho se reveste de importância no atual
cenário das pesquisas sociolinguísticas acerca da variação no uso do imperativo tendo
em vista haver certa carência de pesquisas com refinamento metodológico sob o prisma
da sociolinguística quantitativa em território sulista, nos rendemos à empreitada
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científica que se vislumbra diante de nós, qual seja, a de tentar encontrar a ordem onde
tudo a priori aparenta ser caótico no sistema de usos do imperativo no PB.
Cumpridas as preleções rotineiras a todo trabalho acadêmico, apresentamos
a configuração de nosso trabalho: na introdução, delimitamos a relevância do objeto a
ser estudado, justificando-o no universo totalizante de pesquisas até aqui consumadas na
academia. No segundo capítulo, contextualizamos o nosso objeto de estudo, em que
trazemos todo um arsenal de informações e pesquisas realizadas no campo da linguística
geral da variação no imperativo e da sua função pragmática, bem como algumas
abordagens das gramáticas tradicionais e comandos paragramaticais que apontam para
uma dissonância entre norma e uso lingüístico. No terceiro capítulo, apresentamos e
resenhamos alguns trabalhos científicos sob a ótica variacionista que nos oferecem um
ponto a partir do qual podemos ensaiar estratégias a serem arroladas para esta
dissertação. No quarto capítulo, solidificamos as bases teóricas deste presente trabalho,
delimitamos os conceitos que serão cruciais para o desenvolvimento de nossa pesquisa,
bem como faremos uma discussão mais requintada a respeito de noções que nos serão
bastante caras no cumprimento deste trabalho. No quinto capítulo, discutimos a
metodologia traçada para a captura do objeto em estudo, o modus operandi, as
comunidades em estudo, os procedimentos de recolta de dados, a constituição de nossa
massa de dados, a disposição de nossas variáveis independentes bem como as hipóteses
a serem investigadas. No sexto capítulo, analisamos e discutimos os resultados e, por
fim, estabelecemos as considerações finais.
21
2 É IMPERATIVO DELIMITAR O IMPERATIVO
Neste capítulo, delimitaremos e contextualizaremos o nosso objeto de
estudo, através de um levantamento bibliográfico de algumas fontes e abordagens até
então levadas a cabo em teorias linguísticas, manuais de gramática e, principalmente,
comandos paragramaticais. Dois movimentos serão buscados nesta seção: (i) entender o
grau de complexidade da função imperativa, que extravasa os limites da forma
linguística, e (ii) estabelecer a nossa variável dependente e sua provável condição
dissonante em relação à norma gramatical, bem como, a partir disso, entender o seu
comportamento na conjuntura atual da tensão existente entre norma padrão e norma
culta falada.
2.1 O IMPERATIVO: MUITO ALÉM DA FORMA, UMA FUNÇÃO
Conforme foi ensaiado superficialmente na introdução deste projeto, o
imperativo é um fenômeno pulsante no sistema linguístico e sua constituição é bastante
rica e variada, uma vez que se trata de um fenômeno de funções pragmáticas articuladas
com as informações de base linguística. Ou seja, qualquer sentença ou vocábulo pode
vir a assumir, por pressões discursivas ou de cunho pragmático, uma função imperativa.
Essa ideia pode ser depreendida de alguns linguistas que olharam para esse
tipo de sentença e teceram comentários ou desenvolveram teorias a respeito dela, bem
como de gramáticos tradicionais mais competentes e sagazes que sobre ela discorreram
estendendo os horizontes para além da mera jurisdição coercitiva da norma tradicional.
Todos eles, embora apresentem algumas divergências de nomenclatura e de projeto de
ciência, apresentam convergência na intuição quanto ao seu funcionamento.
Essa intuição pulsa, por exemplo, na teoria clássica dos Atos de Fala
elaborada por Austin (1965) e Searle (1969). Nessa teoria, toma-se a linguagem como
um jogo ou ação entre os interlocutores, sendo tal ação independente de uma forma
linguística. Tais ações seriam esquematizadas por Austin como: (i) ato locucionário; (ii)
ato ilocucionário e (iii) ato perlocucionário. O primeiro corresponde ao sentido ou
referência, o segundo diz respeito ao grau de força que o falante atribui a esse conteúdo
proposicional, qual seja, a realização de ordem, súplica, promessa, oferecimento num
dado contexto, e o terceiro se relaciona aos efeitos produzidos pelo falante sobre o
22
ouvinte em um dado enunciado. Desse modo, a distinção entre sentido e força é notável
na teoria dos atos de fala e talvez por isso as sentenças imperativas sejam tão caras para
essa teoria, já que a ordem está envolvida num dos atos de fala.
Searle (1969), por sua vez, lança mão desses pressupostos pragmáticos a
respeito dos atos de fala e direciona a discussão para aquilo que ele denomina de atos de
fala diretos e indiretos. Tal dicotomia estaria pautada na seguinte diferença: no ato de
fala diretivo, teríamos formas linguísticas especificadas como certos tempos ou modos
verbais, expressões estereotipadas e formas de entoação, por exemplo, expressões como
‘’por favor, ‘’por gentileza’’, para a execução de pedidos, solicitações e ordens. Já no
ato de fala indireto, o falante realiza um ato que pode concomitantemente significar
literalmente o conteúdo expresso na proposição e indicar muito mais do que aquilo que
realmente dizem, ou seja, indicando um conteúdo proposicional diferente, ligado a outra
força ilocutória. De qualquer forma, os atos de fala caracterizam-se por conter um
propósito e uma força expressiva, que pode ser suavizada ou não em decorrência do
objetivo do falante e do efeito que ele quer produzir sobre o outro
Cunha e Cintra (1985) deixam-se levar por essa intuição ao assinalar que as
formas variantes do imperativo gramatical são um dos recursos existentes no idioma a
fim de demarcar ordem, sugestão, pedido ou conselho. Outros recursos são colocados
pelo sistema linguístico à disposição da competência comunicativa do falante, esses
recursos seriam frases nominais (Silêncio), ou com gerúndio ou infinitivo (Andando!),
(Não matarás!) ou ainda frases interrogativas (Tu podes me servir um café?). De acordo
com Cunha e Cintra (1985), outros recursos linguísticos estariam em jogo no momento
do ato diretivo reforçando o pedido ou ordem, isso por meio de repetições, advérbios,
(Saia, saia daqui), (Fale rápido), ou atenuando o pedido ou, isso por meio de fórmulas
de polidez (A senhora me desculpe por favor).
Said Ali (1971, p. 323) também adere à intuição pragmática do modo imperativo
e atribui a ele a função precípua de ordem, convite, conselho, pedido, súplica, quer
dizer, manifestações de vontade ou desejo acompanhadas da esperança de seu
cumprimento da parte do indivíduo a quem se dirige. Entretanto, segundo o autor,
outras formas podem ocasionalmente preencher o mesmo fim, porém sempre com
função secundária.
Não é à toa que Macambira (1990) considera o imperativo assintático, pois a
função de interpretação, ordem, comando, pode ser expressa, segundo ele, por palavras
de outras classes gramaticais que não o verbo. Além do mais, o autor compara o
23
imperativo com o vocativo e assevera que ambos são semelhantes sob o aspecto tonal e
interpelativo, ambos sendo assintáticos e jamais subordinados. Para ele, o imperativo é
tonal e, por isso, é a entoação que o distingue do modo indicativo e subjuntivo em
Português.
Givón (1993), operando nesse nível pragmático, traz a noção de
manipulação. Para Givón, um ato de fala não declarativo, o que equivale à sentença
imperativa, é constituído de um certo grau de força manipulativa. O imperativo, no
geral, está à espera de uma resposta não-verbal do ouvinte, enquanto um outro ato de
fala não declarativo, como, por exemplo o interrogativo, e também um ato declarativo
de fala necessariamente não estão. Assim, esses atos de fala resguardam certas
propriedades manipulativas, pois são os únicos a conduzirem o ouvinte à realização de
uma ação. (1993, p. 264). Para Givón, uma combinação equilibrada de status, poder,
obrigação, (ou autorização) entre os dois participantes de um ato de fala não declarativo,
de natureza imperativa, determina a exata construção manipulativa a ser empregada.
Esse combo de fatores articula-se numa relação de interdependência nas interações
verbais. Tais interações se dão em associações condicionais de maior ou menor
status/poder do manipulador em relação ao manipulado:
a. Status/ poder mais alto do falante
I. Maior obrigação de o ouvinte obedecer
II. Menor necessidade de o falante deferir
b. Status/poder mais alto do ouvinte
I. Menor obrigação do ouvinte em obedecer
II. Maior necessidade de o falante deferir
De certa forma, esse esquema de associações proposto por Givón para os
domínios manipulativos de uma relação social em potencial não deixa de nos
impressionar pela simplicidade, lógica e eficácia aparentes e poderão nos ser úteis no
delineamento de variáveis estilísticas mais a frente quando discutirmos a teoria das
relações de poder e solidariedade. É importante trazer ainda para esse capítulo a noção
24
givoniana de dispositivos enfraquecedores ou fortalecedores de força manipulativa dos
atos não declarativos de comando.
Esses graus maiores ou menores de manipulação dependeriam
sumariamente de dois fatores, quais sejam, a forma como são constituídos
linguisticamente e a relação com fatores de natureza extralinguística, no caso o papel
social dos interlocutores, relação de intimidade/afetividade, situação de enunciação,
entre outros. Givón (1993, p. 265), no entanto, vale-se apenas de critérios linguísticos
para atribuir uma escala de maior manipulação entre um enunciado imperativo canônico
(Levante-se) e um outro enunciado de pedido a ser deferido (Você se incomodaria se eu
lhe pedisse para se levantar?). As metamorfoses linguísticas a que tais construções
dispostas abaixo são expostas dotam-se de força manipulativa em escala:
Força manipulativa mais alta
a) Levante-se!
b) Levante-se, acho que você poderia.
c) Você poderia se levantar, por favor?
d) Você se incomodaria em se levantar?
e) Você acha que daria para se levantar?
f) Você se incomodaria se eu se lhe pedisse para se levantar?
Força manipulativa mais baixa
Givón, baseado nessa disposição de sentenças que vão perdendo o grau de
força manipulativa em sentido escalar, elenca alguns dispositivos linguísticos que
contribuem, por sua vez, com essa retenção de força:
Dispositivos que enfraquecem a força manipulativa
a) Aumento da extensão do enunciado de comando.
b) Uso de elementos interrogativos.
c) Menção explícita do pronome ‘’você’’ designando o manipulado.
d) Uso da modalidade irrealis sobre o verbo.
e) Uso da forma negativa.
25
f) Disposição de uma oração manipulativa sob o escopo de uma
modalidade.
Reis (2003) acrescenta a esses dispositivos elencados as convenções de
polidez que, segundo ela, pautariam esses dispositivos enfraquecedores de força.
Sozinho ou em combinação com outros dispositivos, esse enfraquecimento, segundo
ela, tornaria os enunciados mais polidos, indiretos e deferentes.
Não há como negar que, em termos pragmáticos, Givon consegue um grau
de sofisticação para além da teoria dos atos de fala, conseguindo atribuir graus de força
a esse emaranhado de formas linguísticas das mais variadas constituições que podem
num contexto pragmático/discursivo assumir a função de comando. Mas nossa pesquisa
não lidará com esse emaranhado de formas que são pragmaticamente imperativas. Por
uma questão metodológica e principalmente de adequação à regra variável laboviana, é
necessário delimitar o nosso objeto de pesquisa e, portanto, o circunscreveremos apenas
àquilo que Givón chama de imperativo canônico ou que os linguistas estruturais e a
gramática normativa chamam de verbos imperativos.
Feita essa delimitação, sigamos para agora tratarmos apenas do modo
imperativo verbal.
2.2 AS MARCAS DO IMPERATIVO EM FORMA VERBAL
Monteiro (2002) aplica o método estruturalista para a descrição do sistema
mórfico do PB. Neste livro, o autor reserva uma seção para descrever em termos
estruturais o modo imperativo do PB, lançando algumas informações pertinentes que
passamos a relatar a seguir. Para Monteiro, o modo imperativo distingue-se do presente
do indicativo nas desinências número-pessoais: ø ~ [s] e [i] ~ [is]. O autor concorda
com a noção recorrente nas gramáticas de que o imperativo é formado do presente do
indicativo, sem o /s/ final:
Louvas louva
Louvais louvai
26
As desinências ø e [i] ocorrem, segundo ele, apenas no imperativo, sendo
alomorfes de [s] e de [is]. Outra constatação de Monteiro a respeito das sentenças
imperativas é a sua posição até certo ponto divergente de outros autores. Para ele, existe
sim um modo imperativo, no entanto este modo compreenderia apenas as formas de
segunda pessoa, singular e plural, uma vez que as ordens ou instrução são em geral
dadas diretamente a um ouvinte. Neste caso, o autor prefere suprimir do modo
imperativo as formas subjuntivas, além de preferir recusar a falar, em termos
morfológicos, de um imperativo negativo, visto que se trata, na sua opinião, ‘’de um
presente do subjuntivo aplicado estilisticamente para expressar uma ordem, o que
configura um caso de supleção, ou seja, as formas do subjuntivo são usadas para suprir
a falta das do imperativo’’ (2002, p. 119) O autor termina suas breves reflexões
defendendo que o modo imperativo é marcado pela entonação (indicada na escrita pela
pontuação), e pela ausência do pronome sujeito. Com isso, estão de acordo Cunha e
Cintra (1985, p. 465) ao afirmarem que o imperativo afirmativo possui formas próprias
só para as segundas pessoas, sendo que as demais pessoas e o imperativo negativo se
utilizam do presente do subjuntivo.
Câmara Jr. (1979), por sua vez, vê o imperativo como um subjuntivo sem o
elo da subordinação sintática. Por isso ‘’confunde-se formalmente com ele no verbo
negativo e mesmo no afirmativo, fora da segunda pessoa gramatical do singular e a
segunda pessoa do plural’’ (1979, p. 102). O pioneiro lingüista brasileiro chega a
ensaiar um traçado histórico para o assunto, ao constatar que o imperativo latino tinha
uma forma para o presente, empregada para ordens que deveriam ser cumpridas
imediatamente, e uma para o futuro, que caracterizava as ordens que deveriam ser
cumpridas mais tarde; com o desenrolar do tempo, a forma para o futuro desapareceu,
passando a existir apenas a do presente. O autor diz também que, já no latim, o
subjuntivo era usado para suprir as pessoas gramaticais que não eram contempladas pelo
imperativo morfológico. Ou seja, esse uso funcional do verbo subjuntivo com função
imperativa parece encontrar eco na história. Said Ali (1971, p. 323) não vai por
caminhos diferentes ao destacar que, quanto à formação, o imperativo português
apresenta somente para o sujeito tu forma própria e ‘’devido à deficiência nas frases
negativas para o dito sujeito, nas afirmativas ou negativas para os sujeitos você, o Sr.,
etc. e para a 1ª pessoa do plural, recorre-se a formas do presente do conjuntivo.’’ (1971,
p. 323)
27
Do ponto de vista descritivo estruturalista, parece haver uma tensão em
relação a serem as formas imperativas próprias ou derivadas. Essa tensão se dissipa em
uma belíssima análise histórica das sentenças imperativas empreendida por Faraco
(1982), mas nos focalizaremos nela, mais adiante, dada a sua originalidade e
pioneirismo. Sendo assim, na sequência introduzimos a abordagem do verbo imperativo
dentro do terreno da jurisdição coercitiva da gramática tradicional4 e dos comandos
paragramaticais.
2.3 O IMPERATIVO SOB A JURISDIÇÃO COERCITIVA DA GRAMÁTICA
TRADICIONAL E DOS COMANDOS PARAGRAMATICAIS: A DISSONÂNCIA
ENTRE NORMA E USO
Antes de trazermos nossa seleção de gramatiqueiros mordazes que já
discorreram sobre a nossa variável dependente e a respeito dela opinaram, cremos ser
necessária uma breve introdução quanto ao tema da norma padrão brasileira, tendo em
vista que o fenômeno em estudo está revestido de particularidades sociais que outras
variáveis linguísticas não apresentam.
Por exemplo, Scherre (2004), ao tratar da norma do imperativo, é enfática
ao asseverar, com base intuitiva e nas pesquisas até então desenvolvidas, que não existe
sentimento de erro no uso do imperativo no discurso do próprio falante e nem
julgamento de erro no discurso do outro, seja qual a forma for usada. É uma hipótese
bastante plausível, ainda mais se direcionarmos nossa variável dependente para o cerne
dessa discussão entre norma padrão e padrão de fala real.
Faraco (2004) almejando desenlaçar alguns nós constitutivos da norma
padrão brasileira nos delega reflexões bastante apuradas a respeito deste assunto. Para
ele a formação da norma é um terreno complexo, repleto de arestas ideológicas, em cujo
núcleo estaria uma relação de poder entre as classes dominantes e dominadas, uma vez
que a cultura escrita sempre encontrou a sua legitimação nas esferas mais elevadas de
poder social. Segundo Faraco (2004, p. 41), em se tratando de norma padrão, 4 O termo “jurisdição coercitiva da gramática tradicional” foi elegantemente cunhado por Maria Eugênia
Duarte em seu posfácio à tradução brasileira de ‘’Fundamentos empíricos para uma teoria da variação e
mudança’’.
28
‘‘encontramos um complexo entrecruzamento de elementos léxico-gramaticais e outros
tantos de natureza ideológica que, em seu conjunto, definem o fenômeno que
designamos tecnicamente de norma padrão.’’
A norma padrão estaria, assim, intimamente vinculada à cultura escrita que,
associada ao poder social, desencadeou também, ao longo da história, um processo
fortemente unificador que alcançou basicamente atividades verbais escritas. Para o
linguista curitibano, esse processo fortemente unificador visou a uma estabilização
linguística idealizada, buscando, assim, neutralizar a variação e controlar a mudança.
Ao resultado desse processo, a essa norma estabilizada, costuma-se atribuir o rótulo de
norma padrão ou língua-padrão.
Chama a atenção nesse texto de Faraco a sua proposta de estabelecer uma
sutil distinção entre norma culta e norma padrão. Embora ambas acabem tendo sua zona
de convergência no espaço mais abastado socialmente de uso linguístico, a segunda
difere da primeira por relacionar-se apenas a uma certa dimensão da cultura, no caso à
cultura escrita, enquanto a norma culta diz respeito, nas palavras de Faraco
à norma linguística praticada em determinadas situações, aquelas que
envolvem certo grau de formalidade, por aqueles grupos sociais mais
diretamente relacionados com a cultura escrita, em especial por aquela
legitimada historicamente pelos grupos que controlam o poder social
(FARACO, 2004, p. 42).
A despeito de a norma padrão não se imiscuir com a norma culta, está mais
próxima dela do que as demais normas, tendo em vista que seus codificadores, sectários
e guardiões pertencem aos extratos sociais usuários de norma culta. No entanto, essa
possível convergência vem acompanhada de outras tantas nuances de tensão
porque o inexorável movimento histórico da norma culta tende a criar um
fosso entre ela e o padrão, ficando este padrão cada vez mais artificial e
anacrônico, se não houver mecanismos socioculturais para realizar os
necessários ajustes (2004, p. 42).
Essa metáfora do fosso, em brilhante inspiração de Faraco, é altamente
apropriada, tendo em vista que qualquer estabilidade da norma padrão projeta um
29
descompasso inevitável entre ela e a fala culta, na medida em que os processos de
mudança desta última são mais céleres:
Gera-se, então, uma tensão contínua entre norma culta e norma-padrão,
considerando que ambas convivem na experiência dos mesmos falantes,
tensão que, inevitavelmente, redunda em movimento, isto é, em mudança [...]
como a distância entre a norma culta e o padrão artificialmente forjado era
muito grande desde o início, enraizou-se, na nossa cultura, uma atitude
purista e normativista que vê erros em toda parte e condena qualquer uso –
mesmo aqueles amplamente correntes na norma culta em textos de nossos
autores mais importantes – de qualquer fenômeno que fuja dos estipulados
pelos compêndios gramaticais mais conservadores (FARACO, 2004, p. 52).
Faraco finaliza defendendo que essa situação de descompasso tem nos
causado inúmeros males, seja no ensino, seja no uso de um desejável padrão. Este, que
deveria ser um elemento sociocultural positivo, se tornou, no caso brasileiro, um pesado
fator de discriminação e exclusão sociocultural.
Voltando agora para a nossa variável dependente: se, com base em Scherre
(2004) podemos afirmar que o uso do imperativo em variação não dispara sentimentos
de erro ou estigma social, este parece não ser o comportamento predominante nas arenas
monolíticas da norma padrão. O nosso fenômeno em estudo, o modo imperativo e suas
formas de segunda pessoa, tem sido alvo de uma constante legislação coercitiva que
busca justamente acorrentar o fluxo incessante da história e seu natural processo de
mudança. Ou seja, a variante imperativa é o exemplo perfeito para ilustrar essa tensão
entre norma culta e norma padrão.
A título de ilustração, podemos observar em algumas seletas gramáticas
normativas, como Cunha e Cintra (1985), um ideal de uso proposto para as formas
verbais do modo indicativo e que geralmente se mostra nas gramáticas em forma de
quadros representativos da associação dos verbos imperativos com os pronomes ou
formas de tratamento, uma maneira de sistematizar visualmente uma regulagem de uso
que, na prática, não se sustenta:
Modo indicativo Modo imperativo afirmativo Modo subjuntivo Modo imperativo negativo
Tu falas (-s) fala (tu) Fales Não fales
Você fala Fale (você) Fale Não fale
Quadro 1: ilustração da abordagem do modo imperativo nas gramáticas normativistas
30
Então, com base nesse quadro artificial, teríamos o seguinte padrão de uso:
a) fala, abre, faz, vem, diz, para o imperativo afirmativo singular no
contexto do pronome tu;
b) fale, abra, faça, venha, diga, para o imperativo afirmativo singular no
contexto do pronome você;
c)não fales, não abras, não faças, não venhas, não digas, para o
imperativo negativo no contexto do pronome tu;
d)não fale, não abra, não faça, não venha, não diga, para o imperativo
negativo no contexto do pronome você.
Embora alguns gramáticos assumam, ainda que em doses moderadas e tão
somente levemente insinuantes, uma diferença de uso na língua real em comparação
com o que é legislado, esse quadro artificial associativo das formas verbais imperativas
com os pronomes pessoais, sempre onipresente em cada gramática normativa, lá é posto
como um monumento da sacralidade de uma língua que talvez seja falada apenas em um
plano etéreo...
Esse monumento à sacralidade da língua padrão ganha contornos ainda mais
densos naquilo que Bagno (1999) chamou de comandos paragramaticais o que, segundo
ele, se trama a partir de todo o contingente de materiais midiáticos colocados à
disposição de consumo do grande público. Geralmente são programas de TV, colunas
de jornal, blogs na internet, manuais do falar e escrever corretamente que, não apenas se
contentando em reproduzir uma norma anacrônica e artificial, o fazem com um rigor
normativo ainda mais acentuado, em textos sempre carregados de sarcasmo, ironias e, o
mais grave, de preconceito social e linguístico. Em conformidade com nosso objeto de
31
estudo, vamos elencar alguns representantes desses comandos, a fim de tornar mais
evidente o abismo entre norma culta e norma padrão.
Tal tradição de comandos paragramaticais em língua portuguesa teve sua
origem, segundo Faraco (2004), com Cândido de Figueiredo que, no fim do século XIX,
e início do século XX, dispunha de um espaço em jornais de Lisboa e do Rio de Janeiro,
para tratar de questões linguísticas. Em sua coluna, dedicava-se ele, ‘’no melhor espírito
inquisitorial, a caçar erros de língua em toda parte, e a condenar furiosamente os
falantes por sua suposta ignorância linguística e seu descuido e descaso das questões
vernáculas’’ (FARACO, 2004, p. 52)
Napoleão Mendes de Almeida, já em meados do século XX no Brasil,
também pululou nas páginas dos grandes jornais brasileiros com sua coluna de questões
vernáculas, muitas das quais se transformariam mais adiante em um ‘’dicionário de
questões vernáculas’’. É sobre Napoleão, o grande mentor do paragramaticalismo em
terras tupiniquins na metade do século XX, expoente máximo do preconceito
linguístico, que trataremos a seguir.
2.3.1 Napoleão e seu estupor gramatiqueiro
Como já insinuado anteriormente, ‘’Dicionário de questões Vernáculas é
resultado de uma compilação de escritos que Napoleão Mendes de Almeida levou a
cabo a partir de sua coluna ‘’Curso de Português por correspondência’’ publicada desde
1938 no jornal ‘’O Estado de São Paulo’’. Napoleão, renomado filólogo e latinista, e de
sólida concepção purista acerca do idioma, não economiza nos adjetivos eruditos para
espezinhar aqueles que, em sua visão, aviltam o idioma. Logo na introdução de seu
dicionário, ele é categórico e emblemático ao afirmar que
32
Umas tantas outras considerações sobre essa escolha [o nome do dicionário]
e a seção aqui perdura com a benigna aceitação e colaboração dos leitores, já
antevendo o fim de uma jornada toda caminhada com muita persistência num
terreno de questões tanto mais numerosas e inesgotáveis quanto mais ao
sabor da ignorância e do desleixo, quanto mais à deriva dos invencioneiros de
modismos e dos derrotistas do belo literário, dos acomodáticos da incúria
oficial e do desmazelo didático, dos propagandistas de desordem linguística e
dos que não enfrentam a incapacidade de educação.( MENDES DE
ALMEIDA, 2003, INTRODUÇÃO)
Napoleão vai derramar ainda mais o seu dissabor contra a língua viva do
português brasileiro em alguns dos itens de seu dicionário, tais como no verbete
‘’Língua sem gramática’’, no qual ele potencializa ao máximo a sua aversão à
heterogeneidade da língua portuguesa:
Para justificar seu descaso à língua, ou acobertar a sua ignorância, que muitas
vezes é apenas pouca vontade de esforçar-se por sabê-la, os que são pouco
diligentes no escrever procuram acobertar-se com o falso argumento de
atribuir à língua vivacidade, não lembrados de que vivacidade de um idioma
não se manifesta com enxertidas bastardas, com estropiamentos de sua
sintaxe, com mutilação de seus verbos, com demonstração de seu patriotismo
doentio de dialetos, com emprego das armas de comunicação para
transformar o idioma em algaravia de bárbaros, em terreno destruído pela
ignorância de cultivo .(MENDES DE ALMEIRA, 2003, p. 314)
Napoleão é quase um mestre na exacerbação de adjetivos cujo fim é
denegrir as variantes não-padrão da língua bem como os defensores e usuários desta
33
variedade popular, quais sejam, todos os milhões de brasileiros que todos os dias fazem
uso das construções condenadas pelos normativistas. Chega quase a ser uma ‘’queima
de estoque’’ completa de adjetivos depreciadores, que a cada citação materializam a sua
concepção homogênea e radical de língua, língua esta que estaria, na visão do
gramático, sendo mutilada e estropiada por uma algaravia de bárbaros. Não é por mera
casualidade que Napoleão chegará ao ápice de seu estupor gramatiqueiro no verbete
‘‘Linguística’’ quando afirma que ‘’para fixar inúteis, pretensiosas e ridículas
bizantices, perde o estudante o tempo que deveria dedicar ao conhecimento efetivo da
língua’’. E termina de forma mortífera o verbete asseverando que ‘‘ é a linguística um
dos estorvos do aprendizado da língua portuguesa em escolas brasileiras’’. (2003, p.
316)
Assim, a linguística é um estorvo, os linguistas são propagandistas da
desordem linguística e os falantes do português são todos ignorantes e desleixados. Já o
Senhor Napoleão paira num plano abstrato, esotérico, quase platônico, onde só ele e
somente ele parece estar abraçado ao seu ideal de língua. É com esse ideal de língua que
Napoleão analisa as variantes do modo imperativo do português e o faz nas suas duas
principais obras: o ‘’Dicionário de Questões Vernáculas’’ e a ‘’Gramática Metódica da
Língua Portuguesa’’.
No verbete ‘‘Imperativo’’, Napoleão analisa uma sentença de um folheto de
missa dominical que dizia ‘’Vai e não peques mais’’. Essa sentença Napoleão considera
grave erro de redação, tendo em vista que segundo ele ‘’as formas imperativas, quer
positivas, quer negativas, devem concordar com o tratamento dado a quem nos
dirigimos’’ (2003, p. 257) Para o purista, se era intenção do redator do folheto tratar o
interlocutor por você ele deveria ter usado a construção ‘’vá e não peque mais’’, já que
o folheto da missa dominical estava redigido até então com a forma de tratamento você.
34
Napoleão ainda se equivoca ao atribuir à conjugação das formas imperativas negativas,
derivadas do subjuntivo, um status de facilidade em relação às formas do imperativo
afirmativo. Ou seja, além de perpetuar com um rigor acético o mito de uma língua
homogênea, perpetua também o mito de uma língua difícil, dotada de estruturas mais
fáceis e outras mais difíceis, como se o falante real não tivesse competência para
acionar de forma natural tais estruturas linguísticas.
2.3.2 Pasquale Cipro Neto e sua ‘’Inculta e Bela’’
É quase um clichê falar de comandos paragramaticais e falar de Pasquale
Cipro Neto, dado o êxito de sua carreira frente às mais variadas mídias em que ele se
inseriu. Seja no site UOL, na Folha de São Paulo, na TV Cultura, na Rádio Globo, com
seus boletins informativos diários de regras gramaticais, Pasquale se transformou numa
espécie de referência para as grandes mídias em se tratando de norma padrão e de
última palavra em se tratando de autoridade nas questões envolvendo o português culto,
tornando-se, por conta de seu renome construído, revisor de texto principal da redação
da Rede Globo.
No entanto, embora o paragramatiqueiro muitas vezes se volte para falar de
adequação de língua a contextos e tentar buscar explicações que extravasam o limite da
ortodoxia purista tão somente, Pasquale não deixa de resvalar em explicações vazias,
insustentáveis, descabidas, mas que cintilam como brilhantes para amadores que quase
nada sabem de metalinguagem. E foi numa das suas análises sobre o funcionamento de
sentenças imperativas no PB que Pasquale haveria de incorrer numa das suas inúmeras
incoerências de praxe.
35
Em 1999, escrevendo para sua coluna diária na Folha de São Paulo,
Pasquale apontou o seu gatilho purista para a publicidade, na época de grande êxito
popular, da empresa de telefonia Embratel e seu antológico slogan ‘’Faz um 21’’
protagonizado por Ana Paula Arósio. Para Pasquale Cipro Neto, a propaganda apresenta
uma inadequação gramatical, já que a atriz durante toda a duração do anúncio se valeu
do pronome de terceira pessoa você e encerra o comercial usando uma forma imperativa
de segunda pessoa, no caso ela deveria usar ‘’Faça um 21’’ para não incorrer na
transgressão da ‘’mistura de pessoas’’ e assim estabelecer a concordância sintática com
o pronome você. O paragramatiqueiro, de forma professoral, assume que
Em situações formais, persegue-se e deseja-se a chamada ‘uniformidade de
tratamento’. Não parece ser esse o caso da linguagem publicitária, muitas
vezes próxima da coloquial. O único problema é que, como vimos, a forma
escolhida não é unanimidade na língua oral dos brasileiros (ao se referir ao
que tinha dito anteriormente, que, para os baianos, em contextos informais de
fala, a forma mais utilizada é faça). É isso. (CIPRO NETO, Texto da semana,
22/07/99).
Cipro Neto, ainda não satisfeito com as incoerências até então aventadas,
faz referência à relativização do uso da língua em contextos enunciativos diferentes.
Para ele, ninguém escreveria numa sala pública algo como ‘Não fuma’. No entanto,
acrescenta, em muitas regiões do país, como em São Paulo, por exemplo, a forma
indicativa é a que costuma ser empregada no dia-a-dia, em situações informais. Assim,
o uso de ‘Não fuma’ como forma de um aviso público (mesmo em São Paulo) não seria
possível, porque, para esse paragramatiqueiro, não é nenhuma novidade o fato de
termos sempre que entender que o que se fala nem sempre se escreve. E finaliza sua
36
coluna afirmando que o bom professor seria aquele que consegue mostrar que o
imperativo abonado pela norma culta se impõe naturalmente em certas situações.
Entre apegos a noções gramaticais que cheiram à naftalina, como a tão
preconizada ‘’mistura de pessoas’’ e intuições equivocadas a respeito da noção de
formalidade/informalidade, parece que o professor não se cansa de destilar temeridades.
Equívocos como ‘’mistura de pessoas’’ têm sido aniquilados pelos estudos lingüísticos,
nos quais tem se comprovado que você e tu na verdade são formas intercambiáveis de
segunda pessoa e não constituem, de fato, pessoas gramaticais diferentes. Neste sentido,
o conceito de uniformidade de tratamento também não se sustenta dado este intercâmbio
entre as duas formas, bem como não se sustenta a ideia de se perseguir e desejar a tal
uniformidade de tratamento em ambientes formais, ainda mais quando se tem uma
variação destituída de estigma social, onde então um fator como formalidade, caso
possa agir sobre a escolha de uma forma imperativa, tenderá sempre a ser um fator com
força relativa e não absolutamente categórico (sobre isso, falaremos mais adiante
quando compusermos melhor as nossas hipóteses).
Por fim, ao dizer que uma forma imperativa negativa, tal como ‘’Não
fuma’’ não poderia ser empregada em um aviso de repartição pública por ser este um
ambiente formal, e tal ambiente instigaria o uso da forma ‘’Não Fume’’, Pasquale
demonstra mais uma vez o seu contingente limitado de conhecimento linguístico, pois,
como Scherre tem investigado em seus trabalhos variacionistas (1999), o texto escrito é
um forte ambiente de retenção das formas subjuntivas quando não se tem uma âncora
discursiva a fim de dar suporte para uma interpretação imperativa das sentenças. Sem tal
âncora, a leitura imperativa acaba por ser prejudicada e, no caso da frase proposta por
Pasquale, a ausência de âncora seria o fator inibidor crucial para o irromper da forma
37
subjuntiva e nada tem que ver com situação de formalidade ou informalidade, como
tenta apregoar descabidamente.
2.3.3 ‘’Não erre mais’’ e o sarcasmo tenebroso de Sacconi
Se o radicalismo de Napoleão provoca em qualquer leitor mais atento às
questões linguísticas um certo grau de aversão, Sacconi também não deixa de nos
provocar uma certa repulsa, tamanha é a sua carga de preconceito e violência simbólica5
empreendidas em seu manual de redação. Além do mais, desde o início o autor faz
questão de demonstrar o tom de galhofa que percorrerá todo o seu texto:
''as brincadeiras, ironias e às vezes até alguns sarcasmos
encontrados neste ou naquele caso ficam por conta de uma
índole espirituosa, quando não de uma caturrice sem conta.
Nada tem que ver com desprezo ou menosprezo aos ignorantes.
Afinal, todos têm o direito de ser felizes à sua própria moda''
(SACCONI, 2005, introdução).
Assim, deixando implícito que não saber norma padrão é coisa de ignorante,
Sacconi não deixa também de disparar a sua auto-intitulada caturrice na análise das
sentenças imperativas, sempre de forma categórica, incisiva, sem margens à
relativizações:
5 Violência simbólica é empregado aqui no sentido proposto pelo sociólogo Pierre Bordieu no seu livro
‘’O poder simbólico’’ publicado pela Editora Bertrand Brasil.
38
Não brinque, que isto é coisa séria: as formas do imperativo negativo são
idênticas às do presente do subjuntivo. Como brinca é forma do presente do
indicativo, não cabe aí; a forma a ser usada é a do presente do subjuntivo:
brinque. Portanto, sem brincadeira de mau-gosto ( SACCONI, 2003, p. 163).
Embora ele avente tal descuido à norma ser uma brincadeira de mau-gosto,
verdadeira brincadeira de mau-gosto é o que ele faz em sequência ao comentar o
comercial da Caixa Econômica Federal e seu conhecido slogan ‘’vem pra caixa você
também’’:
Vem pra caixa você também: Se algum dia o caro leitor receber um convite
dessa forma, recuse! Recuse, porque a incompetência é que o convida.
Vejamos por quê: vem é forma de segunda pessoa do imperativo afirmativo,
você é o pronome de terceira pessoa, ou seja, exige o verbo também nessa
pessoa. Assim, aquela frase não está perfeita, não está conforme aos
princípios do idioma. Se, porém, o convidarem de outra forma, pode aceitar o
convite, que nada lhe acontecerá de ruim. Assim, por exemplo:
Vem pra caixa tu também.
Venha pra caixa você também.
Não transija com os incompetentes, caro leitor! Isso pega! (SACCONI, 2003,
p. 163)
Resta saber se o paragramatiqueiro alguma vez deixou de abrir conta
bancária na Caixa Econômica Federal por conta da suposta incompetência deste
anúncio. No mais, consideramos que qualquer outro comentário que se possa tecer a
respeito das colocações preconceituosas de Sacconi seja, isso sim, transigência com os
incompetentes...
39
2.3.4 Sérgio Nogueira: entre a simpatia e o simulacro
Sérgi Nogueira, formado em Letras pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, com mestrado pela PUC do Rio de Janeiro, é professor titular da
Unicarioca e autor da coluna Aula Extra no jornal Extra. É atualmente consultor do
quadro Soletrando do Caldeirão do Huck onde ganhou projeção nacional, a exemplo do
professor Pasquale Cipro Neto.
O autor, embora não tanto radical quanto os outros paragramatiqueiros, em
seu manual ‘Português do dia-a-dia: como falar e escrever melhor’ logo na introdução
ensaia um flerte com uma suposta neutralidade, não se pretendendo tomar partido a
favor de nenhuma concepção de gramática, pretendendo apenas querer elaborar um
manual que auxilie na boa comunicação. No entanto, na folha de seu livro, está escrito
que
a língua portuguesa falada no Brasil é, no universo da lusofonia, aquela que
se transforma com maior velocidade e profundidade, distanciando-se nesta
dinâmica de uma forma tão sensível da matriz original que já seria lícito se
falar hoje em idioma brasileiro. Isso porque a incorporação de neologismos
de origem estrangeira ou regional se faz em forma acelerada, ao passo que a
cultura de massa, sobretudo a televisão e a indústria musical- subverte o falar
culto, distorcendo-o e contaminando-o de modo incessante (NOGUEIRA,
2004).
Assim, com seu jeito bonachão típico de ser, Nogueira se distancia da sua
formação de linguista para se assumir, na prática, como um paragramatiqueiro legítimo,
40
ao defender uma suposta contaminação incessante do falar culto. Além disso, o autor
trabalha ao longo de todo o seu manual com a noção de certo e errado, como se estas
essas ão proviessem de algum reino mítico em que as normas cultas tenham sido
forjadas. Imbuído deste espírito, o professor Nogueira é contundente ao comentar o
slogan da Caixa Econômica Federal, o mesmo em pauta no livro de Sacconi: ‘’vem pra
caixa você também.’’:
Vem ou venha pra Caixa você também?
O certo é venha. Embora frequente na linguagem falada brasileira, devemos
evitar a mistura de tratamentos. Ou usamos a terceira, ou usamos a segunda
(NOGUEIRA, 2004).
Sem delongas, o paragramatiqueiro de forma simplória tacha as construções
com um rótulo de certo ou errado, em uma explicação vazia, sem substância e pautada
no anacrônico conceito de mistura de tratamentos. Parece que tanto Nogueira, quanto
Sacconi, esqueceram-se de que no comercial da Caixa Econômica Federal o fator
estilístico imposto pela métrica ao jingle foi determinante para as variantes escolhidas, e
não questões relacionadas à incompetência, ignorância, ou seja lá o que for. E Nogueira
com sua pretensa neutralidade e ar bonachão não passa de um simulacro por trás do qual
se esconde um paragramatiqueiro autêntico.
2.3.5 Dilson Catarino e suas pegadinhas gramaticais
Todo vestibulando que vai em busca de sites que ofereçam dicas de
vestibular acabam aterrissando na página do site UOL destinada a este fim. Lá o
internauta mais atento poderá deparar com a coluna ‘’Pegadinhas gramaticais’’ do
41
professor de Língua Portuguesa Dilson Catarino. Dilson segue a velha receita
paragramatical de ficar caçando erros por toda a parte, sem conhecer limites ou
exceções. É de sua alçada, por exemplo, uma análise para os internautas vestibulandos
do famoso comercial de uma marca de cerveja que incitava os consumidores a
experimentarem o produto anunciado, isso por meio do slogan ‘’Experimenta,
Experimenta, Experimenta’’:
Uma propaganda de cerveja trazia um garçom conversando com o cantor
Zeca Pagodinho e a sugestão para que ele experimentasse a bebida. Ali, havia
um problema gramatical: o "experimenta". O garçom deveria ter dito
"experimente", uma vez que tratou Zeca Pagodinho pelo pronome "você".
Vamos à explicação: O problema reside na desuniformidade de tratamento,
que consiste em concordar os pronomes e o verbo com o tratamento
destinado aos interlocutores. Esclarecendo: se, ao conversarmos com uma
pessoa, a tratarmos por "você", todos os pronomes e o verbo deverão ficar na
terceira pessoa do singular, já que "você" é um pronome de tratamento, que é
de terceira pessoa. Caso haja mais de um interlocutor, a concordância se
efetiva na terceira pessoa do plural (vocês). Já, se tratarmos a pessoa por "tu",
todos os pronomes e o verbo deverão ficar na segunda pessoa do singular
(CATARINO, 2009, PEGADINHAS DA UOL).
Dilson Catarino ignora qualquer propósito comunicativo que possa haver na
preferência pela forma indicativa tal como a de buscar uma forma mais próxima do
português corriqueiro falado na maior parte do Brasil, ou uma relação de mais
intimidade que se queira buscar com o espectador, além do mais, sua atenção à figura
do garçom que se dirige ao Zeca Pagodinho usando você logo no começo da
propaganda, o que instauraria um contexto de uso para a forma subjuntiva, chega a soar
como algo extremamente neurótico. Além disso, o paragramatiqueiro não leva em conta
se tratar de um jingle, encaixado em uma estrutura melódica, o que nos remete a uma
opção estilística musical do compositor: ao optar por usar o verbo ‘’experimenta’’ no
jingle ao invés de ‘’experimente’’ há uma ênfase na última nota que não haveria caso a
forma empregada fosse a segunda, pois, se cantarmos ‘’experimente, experimente,
42
experimente’’ percebe-se um decréscimo de uma nota na escala musical, suficiente para
que o jingle perca bastante da sua força expressiva.
2.3.6 Dad Squarisi prova do seu próprio veneno
Outra paragramatiqueira que, alguns anos, despontou na mídia impressa
brasileira é Dad Squarisi.6 Colunista do jornal ‘’Correio Brasiliense’’ mas com texto
licenciado para publicação em dezenas de outros veículos espalhados pelo país, ela
ganhou projeção com seus textos de estilo sucinto, sintaxe fácil, geralmente mesclada a
gracejos e piadas de nível infantil que, muitas vezes, tentam mascarar um preconceito
linguístico e social do pior nível. Algum tempo atrás, Dad lançou suas colunas em blog
na internet e a esse veículo recorremos para tratar de um dos seus textos sobre a variante
imperativa do PB.
A coluna intitulada ‘’Os sete pedidos ao pai nosso’’ foi publicada em 10 de
março deste ano de 2011. Tomando a oração do pai nosso como ponto de partida para
sua análise, a paragramatiqueira afirma, com gracejo, que ‘’ A língua ajuda o Pai Nosso.
A prece ensina o que pedir. A língua, como pedir. O imperativo se presta à função.
Saber empregá-lo como manda a norma culta traz dupla vantagem. Uma: acertar o alvo.
A outra: receber a bênção de Deus e dos homens. São sete os passos.’’ Ou seja, para
Dad, se não usarmos o imperativo de acordo com a norma culta não conseguiremos
atingir os nossos alvos comunicacionais nem receber a plenitude das bênçãos divinas.
Continua a colunista, analisando outros três exemplos de sentença. Reproduzimos
abaixo:
Não misture
"Vem pra Caixa você também", diz o anúncio da Caixa Econômica Federal. Reparou?
Ele misturou alhos com bugalhos. O alho: o verbo se dirige à segunda pessoa (vem tu).
O bugalho: o pronome você conjuga o verbo na 3ª pessoa (você). Que tal desfazer a
6 Em ‘’Doa-se lindos filhotes de poodle’’ Scherre também analisa e resenha outras colunas dessa cidadã.
43
mistura? Há duas saídas. Uma: optar pelo tu (vem pra Caixa tu também). A outra:
assumir o você (venha pra Caixa você também).
Outra cara
"Se liga na revisão", ordena o Telecurso 2000. Ops! Olha a salada de pessoas. O se é
pronome de terceira pessoa. O liga, imperativo da segunda pessoa. Que indigestão!
Vamos tratar bem a língua e o organismo. Escolhamos uma ou outra. Sem misturas: Te
liga na revisão (tu). Se ligue na revisão (você).
Mais uma
"Diga-me com quem andas e te direi quem és", alardeia o povo sabido. O problema? A
mistura de pessoas. Melhor descer do muro. Assumamos uma pessoa ou outra: Diga-
me com quem anda e lhe direi quem é você. Dize-me com quem andas e lhe direi quem
és.
(SQUARISI, 2011, BLOG DA DAD)
Percebe-se, neste trecho recortado, nitidamente, a aptidão de Dad para
construir piadas de gosto duvidoso e repletas de comentários depreciativos, instigadores
do purismo insano e descabido. Para a paragramatiqueira, o slogan do Telecurso 2000
provoca indigestão por conta da ‘‘mistura de pessoas’’ e maltrata a língua e o
organismo, algo que não procede como já comentamos anteriormente. O mais pitoresco,
no entanto, nessa coluna, é que Dad, a justiceira do Lácio, provará do seu próprio
veneno mordaz no tópico subsequente ao se meter a corrigir o dito popular ‘‘diga-me
com quem andas e te direi quem és’’. Ao propor a correta ‘‘uniformidade de pessoas’’ a
nossa justiceira do Lácio acaba resvalando na norma que ela tanto apregoa:
‘‘Assumamos uma pessoa ou outra. Diga-me com quem anda e lhe direi quem é você.
Dize-me com quem andas e lhe direi quem és’’(grifo nosso).
Assim, a colunista acaba provando da mistura de pessoas tão condenada por
ela, a tal mistura que maltrata a língua e provoca indigestão. Esse vacilo, obviamente,
não passaria despercebido pelos seus leitores, puristas na sua grande maioria. Numa
outra coluna publicada alguns dias depois, Dad relata:
44
Sete vezes 77 leitores protestaram. Com razão. A coluna "Sete pedidos ao Pai
Nosso" cometeu um pecado mortal. Na nota "Mais uma", misturou pessoas.
"Dize-me com quem andas e lhe direi quem és", escreveu a descuidada. Nada
feito. Eis a forma abençoada por Deus e pelos homens: Dize-me com quem
andas e te direi quem és. (SQUARISI, 2011, BLOG DA DAD)
Se acessarmos hoje o blog de Dad, veremos a sentença corrigida, no entanto
basta um acesso em algum site de qualquer outro jornal em que a coluna tenha sido
publicada7 e se verá a prova inconteste do dia em que Dad se rendeu às forças naturais
do sistema linguístico e cometeu seu pecado mortal.
2.3.7 O fosso
Toda essa profusão de gramaticalismo em demasia dá indícios evidentes do
fosso que possa haver, neste momento, entre o padrão de uso da norma culta e aquele
estipulado pela norma padrão, como propôs Faraco. O próprio deslize de Dad Squarisi
não deixa de revelar esse impasse e tensão com a qual se deparam os
paragramatiqueiros na sua conflagração incessante com as normas linguísticas que
imperam no português falado. Em se tratando de nossa variável dependente, temos uma
particularidade interessante assinalada pelos estudos de Scherre a respeito de ser esta
uma variável desprovida de conotações sociais negativas. Isso, de certa forma, instala
ainda mais a vertigem neurótica nos comandos paragramaticais, uma vez que se torna
muito mais improdutivo qualquer tentativa de mordaça dos comandos sobre formas
linguísticas que não exalam a sensação de erro ou estigma.
Nesta pesquisa, sob um tratamento sociolinguístico quantitativo,
procuraremos trazer evidências do português falado nas cidades de Florianópolis e
Lages para essa possível dissonância existente entre norma e uso no que tange às formas
imperativas.No entanto, isso é assunto para mais adiante, pois, no próximo capítulo,
apresentamos as principais pesquisas levadas a cabo no país que, com muita
propriedade, tem colaborado com essa discussão e enriquecendo-a cada vez mais.
7 Pode-se acessar, por exemplo, a sua coluna no site do jornal Diário da Borborema:
http://www.diariodaborborema.com.br/2011/03/13/cotidiano2_0.php
45
CAPÍTULO 3: É IMPERATIVO INVESTIGAR A VARIAÇÃO NO
IMPERATIVO
Neste capítulo, percorreremos um rastro de produção científica focalizando
os principais trabalhos investigativos enquadrados numa perspectiva
variacionista/histórica em solo brasileiro que tratam da variável linguística imperativa
de segunda pessoa do singular.8 Todos eles o fazem em uma perspectiva científica,
focalizando a variável linguística em contextos reais de uso, além de apresentarem
considerável pertinência no grau de sistematicidade que conseguem atribuir à variação
das formas. Além disso, esses trabalhos nos delegam uma plataforma estável como
ponto de partida para novas investigações, e, ao mesmo tempo, nos mostram algumas
lacunas que carecem de mais empreendimentos investigativos que conduzam ao avanço
do conhecimento com relação ao modus operandi da regra variável em jogo no sistema
linguístico do PB.
3.1 O IMPERATIVO NA DIMENSÃO HISTÓRICA: A ABORDAGEM DE FARACO
Em 1982, Faraco apresenta à comunidade acadêmica um trabalho pioneiro e
altamente relevante para o progresso de uma descrição mais rigorosa do funcionamento
do verbo imperativo em PB, até então rarefeita e claudicante. Embora o autor naquele
momento não lançasse mão da metodologia quantitativa da sociolinguística, ele já
demonstrava uma sensibilidade bastante apurada à realidade sócio-histórica da língua
humana e a relação íntima entre essa realidade e os processos de mudança que possa
haver no interior de um sistema linguístico. Faraco, após uma rica e lúcida discussão
sobre as propriedades semânticas da sentença imperativa do português brasileiro, no que
tange às suas possibilidades de ser passível ou não de um enfoque formalista, passa a
ensaiar seus primeiros movimentos de aproximação com a abordagem histórica da
língua, aproximação esta que viria a torná-lo mais adiante num dos grandes expoentes
da linguística sócio-histórica levada a cabo no Brasil. No terceiro capítulo de sua tese de
doutorado (1982), ele confere, assim, especial ênfase às diferenças da estrutura
8 É bom relativizar isso. Pode haver outros trabalhos interessantes sobre o assunto, mas é o que temos
em mãos neste momento.
46
imperativa no velho e no moderno português. Por sua vez, ele trama uma intrincada rede
de relações entre as profundas modificações pelas quais o sistema de tratamento do
português sofreu em simbiose com as mudanças sociais particulares, que acabaram, em
última instância, acarretando uma cadeia de mutações estruturais na língua. Nessa trama
tecida pelo fluir da história, o verbo imperativo não passaria incólume por tamanhas
modificações sobrevindas à estrutura da língua portuguesa em sua totalidade. A
despeito de Faraco aventar sua defesa do reflexo das estruturas sociais sobre as
estruturas da língua, ele ainda se apequena diante da empreitada grandiosa e não menos
revestida de mistérios, qual seja, a de construir uma metodologia que abarque com um
mínimo poder preditivo possível a atuação das metamorfoses sociais sobre as bases
linguísticas:
We have no clear ideas off all the social factors that may determine a
linguistic change and how they work. As a consequence of this, we still have
enormous limitations in developing a sophisticated diachronic theory with a
minimum of predictive power .And to build such a theory has been one of the
main concerns in historical linguistics, and this apparently seems to be more
easily achieved if a theory is built under purely immanent assumptions
(FARACO, 1982, p.159).
Feitas tais colocações preliminares, Faraco vai esquadrinhar no arsenal de
fatos da língua latina pistas linguísticas a fim de deslindar a formação do modo
imperativo moderno da língua portuguesa, que se ostenta pelas suas formas indicativas e
subjuntivas. A forma afirmativa do imperativo não seria rigorosamente uma homofonia
do tempo presente do indicativo, mas sim uma similaridade acidental, ocorrida
basicamente como resultado de um evento diacrônico: a perda do –t final da terceira
pessoa do singular presente do indicativo latino, que gerou, por fim, tal homofonia entre
as formas:
The form of the first person plural and of the third persons are especial forms
which the grammarians, closing their eyes to the history of the language, or
deceived by the formal similarities, or just as a mnemonic trick – present as
derived from the correspondent forms of the present indicative, without the
final –s. We may note in passing that in general the grammarians of the
romance languages mention this ‘’derivation’’ with no further comment. If
this homophonic relation can be an interesting pedagogical trick in the
47
teaching of these languages to foreigners, it must not deceive us in regard to
the historical reality of the facts, since the similarity between the two forms is
accidental, basically a result of a diachronic event the two forms is
accidental, basically a result of a diachronic event (the loss of the final –t of
the third person singular of the Latin present indicative), which produced the
present homophony (FARACO, 1982, p. 163).
O fato é que Faraco considera a variante imperativa homófona ao verbo
indicativo do presente a verdadeira forma de expressão do modo imperativo em PB, ou
seja, do ponto de vista histórico é a forma legítima. A hipótese central na sua tese de
doutorado, então, é que um processo de especialização pragmática, meio através do qual
uma forma velha sobrevive a uma história de mudanças por desenvolver algumas
marcações num contexto de fala, teria levado esta forma mais arcaica do imperativo a
sobreviver a um complexo processo histórico de mudanças.
Sobre esse processo de especialização pragmática, Faraco arrazoa que as
formas homófonas à indicativa teriam reduzida probabilidade de ocorrência no PB atual
dado o amplo emprego de você no sistema de tratamento com o interlocutor. No
entanto, um aumento de força ilocucionária atrelada à variante homófona indicativa
teria preservado a forma mais antiga, apesar do colapso nervoso engendrado no sistema
de tratamento a partir da entrada do pronome você. Essa força ilocucional equivale a um
efeito de reforço na ordem quando o manipulador dispara um comando e o manipulado
não obedece. Então haveria uma troca de verbo na manifestação dos comandos: a forma
subjuntiva, mais branda e suave, para a forma homófona à indicativa, visando a esse
efeito de reforço ou aumento de força manipulativa na propagação do comando, o que
constituiria assim um processo de especialização pragmática.
Além dessa hipótese pragmática, Faraco vai atrelar a variação do uso do
imperativo no PB às alterações pela qual passou o sistema de tratamento em nossa
língua, esta por sua vez ocorrida em razão de uma gama de modificações profundas na
estrutura social ocorridas a partir do século XVII em Portugal e depois refletidas no
Brasil em meio ao processo de colonização. Os principais efeitos desse colapso nervoso
engendrado no sistema de tratamento com a entrada do você seriam as seguintes, de
acordo com o linguista curitibano:
a) The reformulation of the system of address of the second person of
discourse (especially archaization of vós; and development of você);
48
b) The rearrangements in the pronominal system, with old dative and
possessive forms developing new values in the language;
c) The rearrangements in the verbal conjugation (archaization of the verbal
forms of the second plural; new values for the third person forms; and
alterations in the composition of the imperative);
d) The rearrangements in the sentence structure with a strong tendency for
overt nominative pronouns to occur mandatorily (FARACO, 1983,
p.165).
Essa série de mudanças ocorridas numa espécie de efeito cascata no interior
do sistema linguístico do PB levou a uma simplificação do paradigma verbal
determinando, segundo Faraco, uma concentração de funções sobre a terceira pessoa
verbal. Esse processo geral de simplificação haveria de deixar marcas também na
composição do modo imperativo, cuja configuração, após entrada do você, se daria com
o uso da forma subjuntiva, antes reservada a formas de tratamento de estrutura VOSSA
+ N, em contexto de segunda pessoa do discurso (a se considerar você como uma forma
gramaticalizada de segunda pessoa).
Nesse emaranhado de veredas que se bifurcam, em outra via, teríamos a
forma mais arcaica do imperativo (a homófona à forma indicativa) sobrevivendo na
língua com fortes restrições pragmáticas, em contextos discursivos marcados de mais
força ilocucionária. Tal marcação ocorreu como consequência de outro processo de
especialização pragmática que já estava em curso na língua e que atingia a forma
negativa imperativa:
Não cantes => não canta
Segundo Faraco, na forma negativa do imperativo também deve ter ocorrido
um processo de especialização pragmática semelhante, em que a forma negativa não
canta irrompeu em estilos informais, paralela à forma básica não cante, porém
marcada com alguma restrição de uso, a mais provável seria forçar uma implicatura
conversacional não esperada.9 Esse processo de especialização pragmática nas formas
9 O mais interessante nessa cadeia complexa de mutações é que esse processo atinge alguns dialetos
portugueses que ainda fazem uso do pronome vós. De acordo com Faraco, no imperativo negativo
destinado a mais de um interlocutor, a forma ‘’não cantai’’ tem sido utilizada em detrimento da forma
49
negativas teria atingido, então, as formas afirmativas em meio à nevralgia da
reestruturação do sistema linguístico do PB impulsionado pela entrada do você:
The pragmatic features of the form não canta in the case of
Portuguese have, then, been extended to the positive form in
Brazilian Portuguese, an extension that was made possible by
the fact that the positive form had lost, in the case of this variant,
its status as a basic, unmarked form of the singular imperative as
a consequence of the large predominance of você over tu in
Brazil (FARACO, 1982).
Esse dispositivo de força ilocucionária encravado na forma linguística
imperativa homófona à indicativa reforçaria uma relação de poder existente entre os
interlocutores, reforçando uma ordem, deixando-a mais autoritária ou energética, ou ao
mesmo tempo, podendo reforçar uma relação de solidariedade, em que o falante se vale
desse dispositivo para quebrar uma situação de formalidade instaurada. Isso é um
detalhe importante no texto de Faraco, que tende a passar despercebido muitas vezes
pelos seus leitores: esse dispositivo de força pode marcar e reforçar tanto uma relação
de poder quanto de solidariedade.
De qualquer forma, em seu trabalho pioneiro, Faraco nos legou importantes
pistas se quisermos escavar mais acuradamente a variação estilística envolvida no uso
das formas verbais imperativas, por isso tais pistas elencadas por Faraco serão tomadas
em nossa pesquisa como um norte inicial para o desenvolvimento de questões e
hipóteses a serem, por nós, investigadas.
3.2 O IMPERATIVO NA DIMENSÃO HISTÓRICA: O ESTUDO DE PAREDES
Vera Lúcia Paredes, em seu artigo publicado na Revista Gragoatá no ano
2000, apresenta uma abordagem diacrônica do processo de variação e mudança para a
forma imperativa de segunda pessoa e sua relação com a forma de tratamento esboçada
padrão ‘’não canteis’’. A primeira, por conta também, de processos pragmáticos envolvendo reforço
manipulativo.
50
por meio da presença de um pronome sujeito. O estudo, que abarcou o período entre
1844 e 1992, teve como corpus um acervo de peças teatrais ambientadas no Rio de
Janeiro que pudessem retratar o mais próximo possível a fala cotidiana. A autora, já de
início, estabelece, a diretriz para sua pesquisa, a qual seria pautada pela busca de uma
relação íntima entre o ressurgimento do pronome tu na fala carioca e o uso abusivo da
variante imperativa indicativa mesmo em contextos em que o tratamento do ouvinte se
faz por você.
A autora, através da disposição dos dados em amostra, buscou depreender
três momentos na trajetória do sistema de tratamento na fala carioca: (i) um primeiro de
domínio inicial do pronome tu como tratamento de intimidade a par de o senhor para
tratamentos respeitosos, (ii) um segundo em que ele passa a ser substituído pelo
pronome você, ainda alternando-se com o senhor, (iii) e um terceiro momento em que o
pronome tu explícito sem marca de concordância dispara na fala carioca, com declínio
acentuado no uso de o senhor. Esses três momentos haveriam de ressoar no padrão de
uso do imperativo, tanto que em sua pesquisa, na medição diacrônica da variável
dependente imperativa, o programa Varbrul selecionou como variáveis independentes
de maior relevância a escolha do sujeito e a própria peça, como representativa da
tendência de uso em cada época.
Paredes alimenta a expectativa de que a escolha da forma de tratamento
possa atuar e influenciar na frequência do tipo de formas imperativas. O total de dados
obtidos foi de 353 distribuídos entre 7 peças e os resultados a que a autora chegou
foram os seguintes:
(i) Houve um total de 57% de dados para a forma indicativa do
imperativo se levar em conta a totalização da amostra sem maiores
refinamentos.
(ii) O pronome que mais influenciou na escolha pela forma indicativa
foi, naturalmente, o pronome tu: 91% das formas imperativas
indicativas apareceram em contexto discursivo marcado pelo
pronome tu.
(iii) A forma de tratamento o senhor foi a que mais desfavoreceu o uso
da forma imperativa indicativa: 19% dos dados. Já os contextos de
pronome você apontaram uma padronagem equilibrada de uso de
52% para as formas imperativas indicativas.
51
(iv) Em seu refinamento da análise, Paredes cruza a variável
independente presença do sujeito pronominal com a variável tempo
representada por cada peça. Tal análise nos mostra uma leve
tendência já no século XIX à mistura de forma imperativa indicativa
com o pronome você e um forte contexto de retenção para a variante
subjuntiva em situações de uso da forma de tratamento o senhor:
60% de imperativo indicativo para a forma você10
e 0% para a forma
o senhor, isso na peça ‘’O namorador’’, a mais antiga da amostra,
pertencente ao ano de 1844.
(v) A peça ‘’Onde canta o sabiá’’, emblemática do período modernista
de 1920, não apresenta uso de pronomes tu, apenas as formas senhor
e você e, respectivamente a distribuição de 67% e 65% de
imperativo indicativo. Ou seja, segundo a autora, já estava instituído
nessa época o abrasileiramento do imperativo. Essa tendência
chegará forte na década de 1970, período de escrita da peça ‘’Gota
D’água em que há um registro de 68% de imperativo no âmbito
discursivo de pronome você. Na peça da década de 1990, ‘’No
coração do Brasil’’, há uma explosão de uso da forma imperativa
indicativa associada ao pronome tu, que a essa altura já reaparece
com mais força, pois todas as vezes em que aparece o tu, aparece a
forma imperativa indicativa, totalizando 100%. Já a forma o senhor
demonstrou um uso equilibrado, 50%, e a forma você, 29% de
imperativo indicativo.
Por fim, a autora conclui que a entrada do pronome você no sistema de
tratamento carioca não afetou o modo imperativo da mesma forma que afetou os outros
modos da língua onde passou a predominar a forma verbal de terceira pessoa. Desse
modo, a forma indicativa, o imperativo legítimo, conseguiu se manter na língua mesmo
assim. Ademais, a autora termina lançando, ainda que comedidamente, a hipótese de
que a ‘’mistura de tratamento’’ no imperativo tenha aberto as portas para a retomada do
10
Houve 6 dados de imperativo indicativo para um total de 10 ocorrências em contexto de pronome você.
Os dados são poucos, a autora trabalha com um contingente de 50 dados para cada peça, além de não
operar com pesos relativos neste estudo. De qualquer forma, já dá para se ter um vislumbre microscópico
de uso da forma indicativa em contextos outros daqueles apregoados pela norma padrão já no século XIX.
52
pronome de 2ª pessoa tu no uso não padrão bastante difundido na fala carioca. Não
deixa de ser uma hipótese aliciadora, mas que carece ainda de investigações mais
apuradas.
3.3 AS DIMENSÕES INTERNA E EXTERNA DA VARIAÇÃO: OS TRABALHOS
DE SCHERRE
É impensável falar em uma abordagem variacionista para o uso do
imperativo em PB e não falar em Maria Marta Pereira Scherre, haja vista o pioneirismo
de sua abordagem quantitativa ao assunto em pauta, o qual ela vem alimentando e
acrescendo com dados desde o início da década de 1990. A seguir, comentaremos e
resgataremos alguns dos seus estudos publicados sobre o assunto, sempre com
resultados valiosos, que nos ajudam a depreender a sistematicidade onde reina
aparentemente o caos absoluto, a partir do controle de variáveis independentes internas
e externas. Começaremos pelo seu artigo publicado em 1998 ‘’Phonic parallelism:
evidence from the imperative in Brazilian Portuguese’’ no qual a autora busca estender
a noção de paralelismo para o nível fônico dentro da palavra. Com uma base de dados
apanhada a partir de (1) eventos informais de língua falada em circunstâncias naturais
tais como situações diárias de família, (2) eventos formais de língua falada em
circunstâncias como classes de leitura, classes de cursos técnicos, encontros formais de
trabalho, (3) diferentes eventos transmitidos por programas de TV, tais como diálogos
de novela, aulas de ginástica, aconselhamento médico, aconselhamento jurídico, receitas
e (4) textos de um livro em áudio. Com esse agrupamento de fatores, Scherre conseguiu
encontrar índices bastante expressivos, que apontam uma predileção especial pela forma
subjuntiva em contextos de maior formalidade:
Category Frequency Relative weight
Informal event of natural
speech
134/141 = 95% 0.76
Formal event of natural
speech
146/176 = 83% 0.16
Speech event of TV 283/322 = 88% 0.79
53
programs
Talking book 35/ 95 = 37% 0,04
Total 598/734 = 81%’’
Tabela 1: Resultados da frequência de forma indicativa de acordo com o tipo e
formalidade do evento de fala. Fonte: (Scherre, 1998).
Esse trabalho de Scherre acaba por começar a desenhar um perfil bastante
interessante para a nossa variável dependente: embora a variação no imperativo
apresente nuances estilísticas numa escala de formalidade/informalidade, essas nuances
estilísticas não vão descarrilar em carga de estigma social. Porém, neste estudo, Scherre
não se atém a questões estilísticas, e esmiúça o paralelismo linguístico como um fator
interno altamente relevante para quaisquer fenômenos variáveis. Assim, a autora analisa
a natureza da vogal precedente na forma verbal conjugada do paradigma da primeira
conjugação, conseguindo capturar uma forte associação entre o grau de abertura da
vogal anterior e sua relação com a forma imperativa empregada. Eis alguns dados:
Category/Example Frequency Relative weight
[more open]
fala 'speak’ 82/88=93% 0.67
olha ‘look' 124/135=92% 0.64
olha ‘look' 43/53= 81% 0.57
[more closed]
mande ‘send' 17/22=77% 0.41
conte ‘tell' 24/28=86% 0.46
tente ‘try' 50/61=82% 0.39
vire 'turn' 46/63=73% 0.33
use 'use' 43/64=67% 0.23
Total 429/514=83%
54
Tabela 2 - Results for rate of indicative form in imperative clauses in accord with the
nature of the immediately preceding vowel: phonic parallelism on the word level for
first conjugation regular verbs. (Fonte: Scherre, 1998)
Percebem-se, portanto, duas direções instauradas em se tratando de
paralelismo fônico: por um lado, há uma forte tendência ao uso da forma indicativa
quando a vogal anterior é de natureza mais aberta e, por outro lado, uma tendência à
diminuição da frequência da forma indicativa conforme a vogal anterior vai assumindo
natureza mais fechada. Diante de tamanha simetria envolvendo a hipótese do
paralelismo fônico, a autora acaba por se sentir mais à vontade em discutir a pertinência
da noção de paralelismo linguístico no seio da teoria da variação e mudança:
As far as we know, this effect in morphosyntactic phenomena
has been observed only within the phrase, within clauses, and
between clauses. But, our results on the variable use of the
imperative in Portuguese demonstrate that the notion of
linguistic parallelism must be extended to the phonic level
within the word. All the evidence that we know of shows that
the effect of this variable is very strong. In fact, on the basis of
the large body of research in which this constraint has been
analyzed, we can safely conclude that it affects variable
phenomena indiscriminately, occurring in all of linguistic
subsystems on the most diverse linguistic levels in natural
language. This unequivocally confers the status of a linguistic
universal to the parallelism effect (SCHERRE, 2008, pág. 6).
Vê-se, nesta citação, o nível de pertinência a que Scherre conduz as
hipóteses do paralelismo linguístico, que, segundo sua visão, seria uma força onipotente
na estrutura linguística, não somente no sistema linguístico do PB, conferindo a esse
efeito restritivo um caráter universal, que ainda está envolto em mistérios, e pouco tem
sido focalizado nas grandes correntes teóricas da linguística geral:
55
The fact that linguistic parallelism permeates phenomena of
diverse linguistic subsystems of different languages, and
diffuses through equally diverse linguistic levels, provides
strong support for the proposal of Scherre & Naro (1991)
regarding the universal nature of parallelism. It also raises an
even more insightful question: what is the real nature of this
variable? As far as we know, no formalist or functionalist
theoretical framework has yet dealt with all kind of parallelism
as a single central linguistic aspect or even tried to determine the
principle underlying it, which clearly extends beyond the limits
of linguistic behavior to the realm of general human behavior.
(SCHERRE, 2008, p. 9).
Embora gerativistas e funcionalistas não considerem o paralelismo
linguístico uma questão central, a sociolinguística quantitativa aponta para outra
direção, tornando o paralelismo linguístico uma variável independente de larga
relevância estatística. Scherre voltará a mencioná-lo em outros estudos, como, por
exemplo, na sua pesquisa ‘’Restrições sintáticas e fonológicas na expressão variável do
imperativo no português do Brasil’’ (2000).
Neste estudo, que se inicia com um rastreamento das produções científicas
desenvolvidas até então, a autora procura elencar as forças internas mais atuantes na
expressão variável do imperativo em PB. É importante afirmar que a base empírica com
a qual Scherre opera neste estudo é a mesma do estudo anterior já aqui resenhado, por
isso se percebe uma isonomia estatística no controle do efeito restritivo do paralelismo
linguístico. Por isso, vamos detalhar aqui a variável interna extensão do vocábulo, em
cuja medição Scherre conseguiu obter dados bastante relevantes:
Fatores Indicativo/total Porcentagem da
forma indicativa
Peso relativo dos
fatores
Monossílabos (dar, 85/93 91% 0,86
56
ver, por, ir, ler)
Dissílabos (falar,
virar, dizer, abrir)
355/433 82% 0,47
Trissílabos
(apagar,escrever,
repetir)
138/177 78% 0,45
Políssilabos
(apresentar,
aparecer,
preocupar)
19/43 44% 0,11
Total 597/746 80%
Tabela 3: Taxas de uso do imperativo na forma indicativa em função do número de
sílabas do verbo na forma infinitiva. (Fonte: Scherre, 2000)
Salta aos nossos olhos a diminuição do peso relativo à medida que o
vocábulo verbal vai adquirindo maior extensão, indicando uma tendência ao uso da
forma imperativa subjuntiva em consonância com esse aumento de extensão. Scherre,
ao comentar a natureza da extensão do vocábulo, e sua relação com outros componentes
da língua, ensaia um possível namoro com a perspectiva funcionalista no que diz
respeito ao conceito de ciclo funcional proposto por Givón, porém acaba por deixar isso
como um devir.
Outro fator de destaque neste trabalho de Scherre é a presença ou ausência
e tipo de clítico e sua relação com a frequência indicativa. Os dados obtidos apontam
para uma expansão do uso da forma indicativa se houver ausência de pronome (80%,
0.51) e um efeito categórico de uso da forma subjuntiva em caso de pronome reflexivo
se pós-verbo (retire-se), ainda que em poucas ocorrências (7 no total). Esse efeito
categórico será atribuído a uma propensão à perda da interpretação imperativa caso
houvesse o uso da forma indicativa, visto que se teria a possibilidade de haver
preenchimento da posição de sujeito e, consequentemente, uma interpretação de
estrutura reflexiva.
Esses fatores internos continuarão a inculcar Scherre, que, por meio de um
ataque a outras massas empíricas, tentará referendá-los como fatores, de fato,
pertinentes e relevantes na regra variável do imperativo no PB. Cita-se, por exemplo,
57
seu famoso estudo (2006) com as revistas de quadrinho da Turma da Mônica onde a
autora tenta apreender um reflexo do processo de mudança em curso materializado na
escrita dessas histórias infantis. A amostra empregada é constituída por revistas da
década de 1970 e 1990, sinalizando um intervalo de 30 anos – uma geração e meia – o
que permite, nos dizeres labovianos, capturar uma mudança em progresso na língua
falada. Neste intervalo de 30 anos, Scherre conseguiu entrever um percurso interessante
de distanciamento entre norma e uso por parte do autor Mauricio de Souza, tal
distanciamento é revelado na diversidade estatística obtida, que se apresenta com 11
casos de indicativo em um total de 162 estruturas na década de 1970, equivalendo a uma
porcentagem de 7%, já na década de 1990 num contingente de 658 estruturas aparecem
363 casos de imperativo associado à forma indicativa, o que equivale a 55% de uso da
forma indicativa.
Cumpre informar que todas as formas aparecem em associação direta com o
pronome você, o que impediu a autora de controlar a associação direta com as formas de
tratamento. Mesmo assim, podem-se constatar interessantes resultados para outras
variáveis internas e, principalmente, no cruzamento dessas variáveis internas com o
fator tempo, em que se pode constatar a diferença no poder de restrição que essas
variáveis apresentam, ontem e hoje. Por exemplo, em se tratando de polaridade da
estrutura, os dados colhidos mostram que na década de 1970 houve efeito categórico
para a forma subjuntiva envolvido em polaridade negativa, já na década de 1990
observa-se 26% de forma indicativa nesse tipo de estrutura. Embora, a polaridade seja
ainda um contexto retentor, percebe-se um aumento de variação também nesse contexto
sintático.
Quanto à variável número de sílabas, que, neste estudo, Scherre voltará a
perseguir, há o mesmo padrão de uso configurado no estudo resenhado anteriormente,
ou seja, uma diminuição no uso da forma associada ao indicativo, conforme o verbo se
expande. O diferencial, como já mencionado, é o cruzamento do fator interno com o
fator tempo, o que demonstrou as seguintes conclusões:
Início da década de 70 Final da década de 90
Fatores Frequência do imperativo
associada à forma
indicativa
Frequência do imperativo
associada à forma
indicativa
58
Monossílabos 2/22=9% 64/92=70%
Dissílabos 8/76=11% 229/358= 64%
Trissílabos 1/28=4% 61/155=39%
Mais de três sílabas 0/3=0% 9/32=28%
Total 11/129=9% 363/637=57%
Tabela 4: Efeito da extensão silábica no uso do imperativo associado ao indicativo.
Contexto discursivo do pronome você. Fonte: Scherre, 2006.
O que se vê nos dados colhidos por Scherre é uma ampliação dos efeitos
estruturais, que já se insinuavam na década de 1970. A mesma insinuação se obtém no
cruzamento da variável tempo com o paralelismo fônico, que também passa a agir com
mais força na década de 1990, 57% contra 9% na década de 1970 e também no mesmo
cruzamento envolvendo o fator presença do vocativo, que se mostrou reduto atrator de
imperativo associado ao indicativo em ambas as décadas, mas com peso relativo mais
proeminente na década de 1970 (0.79 contra 0.58 na década de 1990) constituindo-se no
fato curioso nessa pesquisa. Scherre termina o artigo esboçando sua descrença com uma
possível relação entre o traço (+ ou - proximidade) e a distinção entre as formas
imperativas, relação esta que no português europeu parece ser bastante cristalina, porém
opaca em território brasileiro, uma vez que a linguista desconfia que contextos de uso
de pronome você e tu, indicadores do traço [+ proximidade,], controlem de forma clara
o uso da forma indicativa ou subjuntiva.
De alguma forma, essa insinuação incrédula por parte de Scherre é
sinalizada também no seu artigo de 2004 onde ela discute, de forma muito transparente
e com mais poder interpretativo ainda, as suas disposições estatísticas obtidas a partir do
seu contingente de dados das revistas em quadrinhos. Segundo a pesquisadora,
A leitura de Cunha, Cintra, Faraco, Gonçalves e Sampaio permite inferir que
o sistema do português europeu atual exibe distribuição complementar na
alternância das formas imperativas associadas aos modos indicativo e
subjuntivos em função de maior ou menor intimidade, de maior ou menor
solidariedade, ou de maior ou menor formalidade entre os interlocutores. Em
59
contexto mais íntimo, mais solidário, ou menos formal, usa-se a forma
associada ao modo indicativo, em contexto menos íntimo, mais formal,
menos solidário, usa-se a forma associada ao modo subjuntivo. Neste
processo, entram em jogo, portanto, os traços [+ distanciamento] entre os
interlocutores (2004, pág. 5).
Essa distribuição complementar envolvendo o uso do imperativo e os traços
de distanciamento, bastante enrijecida no português europeu, parece não se observar
mais em solo brasileiro, no entanto Scherre abre uma fenda para um possível
estabelecimento de alguma relação no uso das formas imperativas associadas ao
subjuntivo a um contexto de [+ distanciamento] especialmente nas regiões em que há
predominância do imperativo na forma associada ao indicativo. Por isso, Scherre
insinua que uma pesquisa no sul do Brasil ajudará a vislumbrar se a relação direta
historicamente registrada entre forma de tratamento e verbo imperativo continua ainda a
existir no Brasil, a exemplo do português europeu. De todo modo, até que a convençam
do contrário, Scherre acredita que o reforço ou atenuação dos atos de fala se marca por
outros recursos linguísticos, relacionados à presença ou ausência de modalizadores, ou
então, até mesmo pela entonação e não por uma forma verbal específica. Nós
voltaremos a essa discussão mais adiante quando elencarmos nossas hipóteses, porque
há um contraponto evidente entre Scherre e Faraco, que nos coloca numa encruzilhada,
em meio à qual seremos compelidos a fazer alguma escolha, a fim de podermos atacar
os dados e tocarmos a pesquisa.
3.4 EM BUSCA DE UMA ISOGLOSSA PARA O IMPERATIVO NO PB: OS
TRABALHOS ORIENTADOS POR SCHERRE
As primeiras observações empíricas de Scherre (2004) em suas andanças
pelo país já apontavam para uma tendência predominante de uso do imperativo
indicativo em três regiões-brasileiras: sul, sudeste e centro-oeste, já o nordeste, por sua
vez, apresentando uma configuração diferenciada e o norte ainda parecendo ser um
território envolvo em mistérios. Trabalhos subsequentes orientados pela sociolinguista
ajudaram a pesquisa variacionista no Brasil a forjar um corte geográfico bastante claro
60
e, desse modo, começar a delinear os contornos de uma isoglossa para o uso das
variantes imperativas disseminadas pelo território brasileiro.
Lima (2005), por exemplo, destrincha o funcionamento da regra variável do
imperativo na cidade de Campo Grande (MGS). A particularidade do seu trabalho
reside na coleta de dados, não constituída por dados de entrevistas sociolinguísticas,
mas a partir de gravações dispersas em diferentes contextos de enunciação: diálogos em
conversas espontâneas, dados da mídia eletrônica (programas e propagandas de rádio e
de televisão), aulas e cultos religiosos, o que gerou 464 dados para análise. Neste
universo de 464 dados, foram apanhados 287 dados de forma indicativa, equivalentes a
62%, o que aponta para um predomínio da forma inovadora, sem, contudo, aquele
domínio estarrecedor visto em outras comunidades de fala.
Essa miscelânea de contextos dos quais a autora ajunta seus dados lhe
possibilitou uma abordagem interessante à variável imperativa que, de certa forma, se
enquadra em uma dimensão estilística da variação linguística. Lima transforma esses
contextos enunciativos a partir dos quais efetuou a sua coleta no grupo de fatores
modalidade/formalidade do evento de fala, prevendo um uso mais amplo de formas
subjuntivas para contextos de maior formalidade. Entretanto, sua hipótese acabou sendo
redirecionada diante dos resultados obtidos:
Fatores Frequência da
forma indicativa
Peso relativo
Conversa informal 87/ 97 = 90% 0,86
Aula de ensino fundamental 14/28 = 50% 0,34
Aula de ensino médio 10/11 = 91% 0,85
Aula de ensino superior 12/14 = 86% 0,73
Aulas não institucionais 44/46 = 96% 0,90
Cultos religiosos 5/38 = 13% 0,16
Programa de rádio 8/24 = 33% 0,17
Programa de TV comunitário 14/34 = 41% 0,45
Programa de TV entrevista 20/26 = 77% 0,68
Programa de TV jornalístico
Propaganda de TV
Propaganda de rádio
11/83 – 18%
0,08
Total 225/401 – 56%
61
Tabela 5: Uso do imperativo na forma indicativa em função da modalidade /
formalidade do evento na fala de Campo Grande, MS – (fatores amalgamados) Fonte:
(Lima, 2005)
A chave interpretativa para esses resultados, aparentemente aleatórios num
primeiro momento, foi estabelecer uma natureza dialógica a cada um desses fatores, de
maneira que quanto mais dialógico fosse o fator a ser medido, mais iminência haveria
de insurgir a forma indicativa. Em contextos com menor dialogia, se instauraria uma
tendência à profusão maior de formas subjuntivas. Para solucionar o impasse curioso
em torno do índice apontado pelo fator aula de ensino fundamental, Lima apelou para o
caráter mais expositivo dessas aulas ministradas, ao invés de um caráter mais dialogal,
como ela observou no ensino médio e ensino superior. De qualquer maneira, trabalhar
com influência de ambientes sobre a regra variável é sempre uma opção instigante e
sedutora, que pode revelar nuances estilísticas várias. Em nossa pesquisa,
remodelaremos o fator ambiente e o trataremos como pista cênica, tendo em vista
operarmos com dados de discurso reportado, em que um contexto discursivo está sendo
simulado e filtrado pela voz do narrador (falaremos disso mais adiante).
Ainda na região centro-oeste, Cardoso (2004) investiga o uso do imperativo
em textos do escritor goiano José J. Veiga, codificando ao todo 790 dados, dos quais
186 apresentaram o uso da forma indicativa e 604 o uso da forma subjuntiva, o que
equivale a uma porcentagem de 76% para a forma subjuntiva em registro de uso total do
pronome você. Embora a obra literária apresente essa inclinação maior para um uso
mais aproximado da norma codificada e um distanciamento do padrão de uso da região
centro-oeste, a autora considera significativa essa variação uma vez que se trata de um
escritor de formação tradicional, erudita e que exerceu o ofício de tradutor e que
mantinha o hábito de revisar incessantemente as suas obras. Por isso, Cardoso trata
esses índices menores de uso da forma indicativa como indícios na escrita de um
processo de mudança que está em curso na língua falada.
Será na sua tese de doutorado (2009) que Cardoso esquadrinhará as
variantes imperativas no contexto de fala no Centro-Oeste, mais especificamente no
Distrito Federal em um corpus constituído por homens e mulheres nativos de Fortaleza,
mas residentes em Brasília. Desse trabalho, ressaltamos a maciça atuação das variáveis
“gênero” e “identidade dos falantes” no processo de variação e mudança na fala de
pessoas que saem de Fortaleza – região onde predominam formas como leve, pegue,
62
venha – para uma região onde predominam formas como leva, pega, vem. A amostra
investigada revelou diferenças significativas entre homens e mulheres no uso do
imperativo. O tratamento estatístico empreendido por Cardoso constatou que a
frequência média de uso do imperativo na forma indicativa pelas mulheres é de 74%,
enquanto a frequência de uso dessas formas no grupo dos homens é 31%. O grande
mérito desta pesquisa foi que Cardoso buscou compreender esses resultados atrelados à
variável gênero numa investigação dos traços identitários dos falantes, interseccionando
o fator gênero com construção de identidades.
Nesse viés, a pesquisadora considera que as mulheres vindas do nordeste
aderem mais facilmente à nova norma imperativa por conta de questões externas, como
maior adaptabilidade e pressão do mercado de trabalho. No entanto, ao afunilar as
categorias, considerando os laços familiares e as redes de interação entre mulheres e
homens, Cardoso consegue capturar um movimento de conformidade com a norma
subjuntiva típica do nordeste nas famílias onde os laços com familiares de Fortaleza são
mais intensos, ainda que estejam há algum tempo considerável morando na cidade de
Brasília. Em suma, homens e mulheres nordestinos de Brasília, no geral, caminham
numa direção de avanço à forma indicativa, mas as mulheres nordestinas de Brasília
seguem um ritmo mais vertiginoso, por pressões adaptativas e de ascensão social, mas,
em redes de interação com mais inerência a marcas de identidade nordestina, as
mulheres tendem a reduzir a mudança.
Ainda nessa esfera nordestina, Jesus (2006) investiga o uso do imperativo
relacionado à identidade linguística do Nordeste representado na mídia televisiva, mais
precisamente na telenovela ‘’Senhora do Destino’’. Em seu trabalho de mestrado, pode-
se depreender a dimensão estereotipada com a qual na maioria das vezes a dramaturgia
tende a exacerbar as marcas linguísticas do nordestino, uma vez que a investigação
levada a cabo pelo pesquisador aponta apenas para um reflexo parcial do sistema
linguístico real de Recife por parte do falar típico da personagem Maria do Carmo. Ou
seja, embora os efeitos restritivos sejam os mesmos a operar tanto na fala da
personagem nordestina Maria do Carmo quanto na fala dos pernambucanos, na boca da
personagem haverá sempre uma intensidade maior.
É no controle da variável personagens que Jesus capta o uso discriminado
das variantes imperativas distribuído entre o núcleo carioca e o núcleo nordestino, cujo
personagem principal é Maria do Carmo:
63
Fatores Frequência da forma
indicativa
Peso relativo dos
fatores
Personagens
pernambucanos
Maria do Carmo 31/168 18% 0,08
Sebastião 4/10 40% 0,32
Josivaldo 15/17 88% 0,74
Personagens cariocas
exceto Geovanni
410/470 87% 0,73
Geovanni 22/58 38% 0,25
Total 482/723 67%
Tabela 6: Efeito da variável Personagens no uso do imperativo associado à forma
Indicativa. Fonte: (Jesus, 2006)
A forte sobreposição no uso da variante imperativa subjuntiva sobre os
demais personagens nordestinos aponta para uma tentativa de construção estereotipada
dessa personagem Maria do Carmo, a protagonista da história, como a representante
típica do povo do nordeste. Essa exacerbação, segundo Jesus, se faz mais notória
quando se contrapõe aos dados de fala de Recife11
, que segundo ele apontam para um
uso mais equilibrado entre as variantes, com 51% de frequência para a forma indicativa.
No entanto, na estratificação social entre os informantes entrevistados de Pernambuco,
Jesus encontrará um índice maior de forma subjuntiva para falantes de baixa
escolaridade (18% e peso relativo de 0,20 para a forma indicativa), fato que leva o autor
a concluir que a fala da personagem Maria do Carmo reproduz apenas uma variante
típica do pernambucano não-escolarizado, ao passo que, se a fala de Maria do Carmo
for tomada como um emblema identitário do falar pernambucano, acabará por se
assumir como um estereótipo, visto que esse estereótipo refrata a complexidade
existente na fala dos pernambucanos, como, por exemplo, a estratificação por
escolaridade, que aponta para um uso maior de formas indicativas em falantes de ensino
superior completo na cidade de Recife.
11
Jesus lançou mão do banco de dados do projeto Núcleo de Estudos Linguísticos da Fala e da Escrita
(NELFE) e Norma Urbana Culta de Recife ( NURC.)
64
Jesus controla também os contextos de discurso reportado, mas somente no
banco de dados de Recife, embora não apresente resultados estatísticos relevantes, eles
não deixam de ser sugestivos e apontam para uma tendência de uso da forma subjuntiva
quando o falante reporta o discurso de outra pessoa. Nesse contexto houve 37% de
ocorrência da forma indicativa, contra 26% da fala reportada do próprio falante, e 55%
da fala do próprio falante, o que indica que nesse contexto de discurso reportado o
falante parece lidar com uma sutil projeção de imagens construídas acerca do outro,
acerca do que ele espera como traço linguístico do falar pernambucano. De todo modo,
essa iniciativa de controle por parte de Jesus nos é um estímulo para acreditarmos que,
nas entrevistas sociolinguísticas em Santa Catarina, possamos também encontrar
nuances estilísticas subjacentes a esse entrevero de vozes e, por isso, tentaremos
explorar com mais requinte essas ocorrências de discurso reportado em nossa pesquisa.
Ainda no bojo das pesquisas variacionistas, Evangelista (2010) analisa a
variação do imperativo na cidade de Vitória (ES) em contextos exclusivos de pronome
você. A autora promove um ataque à variável linguística em quatro dimensões:
(i) entrevistas do projeto “Português Falado na Cidade de Vitória -
PortVIX”, da Universidade Federal do Espírito Santo – entrevistas
labovianas;
(ii) propagandas e títulos de colunas em dois jornais impressos locais, A
Tribuna e A Gazeta – escrita sem formato de diálogo;
(iii) tirinhas de Marly, a solteirona, personagem capixaba criada pelo
cartunista e escritor Milson Herinques há mais de 30 anos – escrita com
formato de diálogo; e
(iv) fala da mídia televisiva em dois programas locais, Balanço Geral e
Tribuna Notícias.
Com isso, a autora tem diante de si uma rica gama de contextos discursivos
que a impeliram a encontrar resultados bastante produtivos para uma descrição desse
traço linguístico do falar capixaba. Na dimensão das entrevistas sociolinguísticas, a que
mais nos interessa neste momento, a pesquisadora coletou 97% de formas indicativas
em contexto de pronome você, o que aponta para um uso quase categórico de forma
indicativa, revelando-se como um processo de mudança em curso bastante adiantado.
Isso é ainda mais crucial quando Evangelista promove a medição de seus fatores
65
externos e internos e acaba por se deparar com uma quase alastrada invariância
estatística. Para uma capital que fica num estado mais próximo à cidade de Salvador,
com amplo uso de forma subjuntiva, chega a ser curiosa e instigante essa tendência a
uso quase categórico de formas indicativas. Não é a toa que a autora sugere uma
investigação futura em cidades capixabas limítrofes com o estado da Bahia para
averiguar o estágio atual de transição da mudança nessas comunidades de fala.
3.5 A DIMENSÃO ESTILÍSTICA ESCAVADA A FUNDO: O TRABALHO DE REIS
(2003)
Um mergulho profundo na variação estilística do imperativo na proporção
da escalaridade do seu tratamento, assim podemos resumir esta tese de doutorado de
Reis. A despeito de não operar com dados reais da fala do sul do Brasil e sim com a
tradução sul - regionalista para o português do romance americano ‘’Vinhas da Ira’’, a
pesquisadora catarinense consegue compor um dispositivo operacional contundente para
a apreensão sistemática da variação e mudança nas formas imperativas. Toda a
contundência e plenitude desse dispositivo, principalmente quando da sua abordagem
escalar aos graus de força manipulativa, não cabe aqui ser abarcada.
Importa, todavia, elencar as hipóteses armadas pela autora, porque elas
seguramente poderão nos ser valiosas mais adiante no enfrentamento com os nossos
dados. A hipótese maior que norteia o trabalho de Reis é a de que existe correlação
entre graus de força manipulativa e uso das variantes do imperativo. A autora, dessa
maneira, acredita que (i) o fenômeno se comporta de maneira escalar, (ii) quanto maior
o grau de manipulação maior o uso da variante indicativa; (iii) quanto menor o grau de
manipulação maior o uso da variante subjuntiva. Subjacente a isso, Reis crê que a
natureza da simetria/assimetria das relações sociopessoais entre personagens
manipuladores e manipulados, âncora da dimensão estilística da variação, seja uma
variável altamente condicionante da escolha das variantes em questão.
Os dados coletados por Reis apontam para uma encantadora correlação
entre as disposições sociopessoais dos personagens envolvidos nas situações
interlocutivas e as variantes imperativas. Nesse sentido, é emblemática e altamente
regular a proporção de uso das variantes imperativas e seu atrelamento aos tipos de
relações instauradas, que, tomadas com base em Brown e Gilman, se consubstanciam
66
em relações assimétricas de superior para inferior, relações simétricas entre iguais e
relações assimétricas de inferior para superior.
Para exemplificar essa correlação com dados extraídos da tese de Reis,
retomamos alguns dados obtidos no controle dos atos de comando proferidos pelo
personagem Tom. Este personagem apresenta uma padronagem de uso nas suas
variantes imperativas em correlação sistemática com o tipo de disposição social
envolvido. Desse modo, nos comandos em que Tom se encontra numa relação
assimétrica de superior (Tom) para inferior, há a ocorrência de 93% de forma indicativa,
numa relação em que Tom esteja numa mesma simetria, há um equilíbrio entre as
variantes indicativa e subjuntiva (48% e 52%, respectivamente), e numa relação
assimétrica de inferior (Tom) para superior, há o predomínio da variante subjuntiva
(85%). Essas variantes subjuntivas carregariam, na visão funcionalista de Reis, um grau
de força manipulativa mais reduzido, já as formas indicativas, um grau de força
manipulativa mais elevado.
Esse comportamento se difunde por todos os personagens do romance que
modularão o emprego das formas imperativas em consonância com as relações
sociopessoais instauradas e reconfiguradas a cada situação discursiva e, por isso, a
autora tem seus méritos na ereção de um dispositivo operacional que capta esses graus
de força em forma escalar em harmonia com as demandas sociopessoais. Em nossa
pesquisa, não iremos nos deter no tratamento funcionalista escalar dos graus de força
manipulativa, pois nosso trabalho não é funcionalista, mas sim no papel que as relações
sociopessoais podem exercer sobre as variantes imperativas nas entrevistas
sociolinguistícas de Santa Catarina. Vale dizer que o caminho trilhado por Reis vai de
encontro ao caminho proposto intuitivamente por Scherre, que ainda demonstra
incerteza sobre as formas imperativas materializarem ou não relações de poder. De toda
forma, a vereda ainda é obscura e pedregosa, pois, se do lado de Reis existe o fato de
seus dados terem sido recolhidos de um texto literário e não de uso real e efetivo da
língua, de outro lado tem Scherre ávida de curiosidade por mais dados empíricos que
possam lançar luz sobre a sua intuição, intuição esta que aponta para uma neutralidade
em qualquer forma imperativa que se use.
3.6 EM SUMA
67
Concluímos, então, este capítulo no qual percorremos algumas das
produções científicas desenvolvidas no país e que contribuíram para o entendimento das
questões relacionadas à variação e mudança no uso do imperativo em PB. Algumas
dessas pesquisas serão retomadas mais adiante, na formulação de nossos problemas e
hipóteses. O fato é que existe carência de dados relacionados ao uso do imperativo em
corpus oral no Sul do Brasil, e, procuraremos, de toda forma, auxiliar nessa cadeia de
produções investigativas oferecendo base e sustentação empírica para o entendimento
do processo de mudança em território catarinense.
4 É IMPERATIVO SOLIDIFICAR AS BASES
Neste capítulo, trataremos do eixo teórico ao redor do qual girará a nossa
pesquisa, bem como os conceitos-chave com os quais iremos operar, em sua maioria,
advindos da sociolinguística quantitativa. É hora, pois, de solidificarmos as bases
teóricas que nos oferecem a possibilidade de olharmos para o nosso objeto de estudo a
partir de um determinado prisma, no caso, como temos delineado até aqui, o da teoria da
variação e mudança.
4.1 QUANDO O CAOS ENCONTRA A ORDEM
No seio da teoria linguística, a posição ocupada por Willian Labov é fulcral.
Seus estudos, em um sentido amplo, revolucionaram a metodologia linguística, bem
como a concepção teórica que se tinha arraigado até o avanço da sociolinguística
quantitativa em meados da década de 1960. É Labov, juntamente com Weinreich e
Herzog, aquele que estabelece um ponto de ruptura com a concepção homogênea de
língua predominante na academia. Esse pensamento homogêneo encontrava na
pululante variação linguística presente em todas as línguas o seu ‘calcanhar de Aquiles’
na medida em que, para os estruturalistas, falar de sistema linguístico era falar de uma
estrutura homogênea, sem espaço para questões variacionistas ou sem espaço para
68
mudança linguística. Deparar-se, então, com complexidades dessa natureza significava
instaurar uma relação de tensão com um pensamento até então bastante vigente e
solidificado.
Labov, num momento de inspiração científica rara, inquieto com essa
concepção homogênea de língua, que não conseguia depreender a variação no interior
da estrutura linguística, e alicerçado sobre princípios empíricos bastante contundentes,
começa a proclamar uma nova visão sobre a língua e a realidade da estrutura linguística
mais precisamente. Labov passa a ser, portanto, o expoente de um ponto de ruptura
crucial com os conceitos clássicos do estruturalismo linguístico.
Essa dificuldade clássica em ver a heterogeneidade na língua será
sobrepujada na teoria da variação e mudança por um perspicaz esforço em apreender a
sistematicidade na variação, ou seja, onde havia apenas aparente variação-livre, emerge
uma não rara série de elementos e fatores instaladores de coesão e ordem. Assim, a
tarefa de encontrar a sistematicidade da variação conduzirá Labov a uma necessidade de
considerar os chamados fatores externos na análise linguística, uma vez que, o que era,
no plano estritamente lingüístico da visão estruturalista, aleatório, torna-se sistemático
quando correlacionado com fatores sociais e estilísticos na análise linguística. Por isso,
a sociolinguística quantitativa fundada por Labov, Weinreich e Herzog no texto
monumental de 1968 (Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística)
alça a língua humana a um novo patamar, patamar este impregnado de historicidade da
qual até então estivera desvinculada.
Com tudo isso, o objeto de estudo da linguística deixa de se constituir num
sistema autônomo e sem história, para se tornar um produto do processo histórico de
constituição da língua, o que deu impulso à necessidade de integrar o
conjunto das relações sociais, culturais e ideológicas nas quais a língua se
atualiza. E, para dar conta da heterogeneidade e pluralidade dessa realidade
sociocultural, a língua devia ser formalizada, não como um sistema
homogêneo e unitário, mas como um sistema heterogêneo e plural. A própria
funcionalidade desse sistema devia ser concebida em função da
heterogeneidade e pluralidade social e cultural da comunidade que dele se
utilize (LUCHESI, p. 171, 2004).
Neste universo em que a ausência de heterogeneidade estruturada é que
seria disfuncional, a heterogeneidade ordenada torna-se um conceito valioso à
69
sociolinguística na medida em que nela está encerrada toda a possibilidade de se poder
atribuir a ordenação e a sistematicidade àquilo que aparentemente é caos ou variação
livre. Este conceito poderoso carrega consigo a correlação sempre incessante com
fatores internos ou estruturais da língua ou com fatores externos ao falante. Essa
correlação sempre indelével entre os fatores externos/internos e a regra variável se torna
o ‘’objeto de consumo’’ almejado por Labov e por todos aqueles que praticam a
sociolinguística quantitativa.
Nessa epopeia científica, Labov defende técnicas de descrição linguística
que sejam adequadas ao caráter heterogêneo desse objeto, de modo que toda a
metodologia desenvolvida seja destinada à descrição rigorosa da variação linguística.
Descrever rigorosamente baseado em dados reais, que se transformam em grandeza
numérica de um aparelho estatístico preciso, eis a chave para entender o modo como
Labov captura o fenômeno variacionista. E, nisso, irrompe uma demanda de massa cada
vez maior de dados a fim de corroborar empiricamente essa intrínseca relação entre a
variabilidade estrutural da língua e os padrões socioculturais e ideológicos, o que só
seria possível captar, segundo Luchesi, a partir da propagação da mudança na
comunidade de fala e não do surgimento da mudança. Ou seja, a sociolinguística opera
com a mudança em propagação, não com a mudança em sua origem, pois assim lhe é
permitido pela abordagem quantitativa (2004, p.187). Não é em vão que Pagotto afirma
que a sociolinguística laboviana é ‘‘ realista, especialmente no sentido mundano do
termo e positivista’’ (2004, p. 54), o que poderia até mesmo nos conduzir a ver a
sociolinguística como um ‘‘dispositivo heurístico para checagem de hipóteses’’. Para
Pagotto, portanto, tal realismo extremo guiaria o programa de investigação.
Essa preocupação com a empiria é um fator visceral a ser considerado
quando se aponta o gatilho para Labov a fim de criticar quaisquer aspectos da teoria da
variação e mudança. Assim, deve-se levar em conta que, por trás do trabalho
auspiciosamente descritivo e objetivista de Labov, existe uma filosofia de natureza
realista a permear todo o seu projeto científico e o cientista tende em alguns momentos
a abrir mão de alguns fatores por conta da impossibilidade de medi-los estatisticamente.
4.2 A REGRA VARIÁVEL
70
A regra variável é o conceito onde se poderá pensar a correlação entre as
forças socias e as formas linguísticas, pode-se dizer que é o locus onde ambas
convergem. Para Labov (2009 [1968]), a variável linguística é o elemento variável
dentro do sistema controlado por uma única regra, e, como tal, deve ser definida sob
condições estritas para que seja parte da estrutura linguística, ‘’de outro modo se estará
simplesmente escancarando a porta para regras em que ‘frequentemente’,
‘ocasionalmente’ ou ‘às vezes’ se aplicam’’ (Labov, 2009 [1968]). Para admitir tal
unidade estrutural, é preciso, segundo o mestre, haver uma evidência quantitativa sólida
para a co-variação entre a variável em questão e algum outro elemento linguístico ou
extralinguístico. O fato é que a regra variável é o lugar onde duas formas da língua se
igualam, chamadas de variantes, ou duas maneiras de dizer a mesma coisa.
Esse conceito tão indispensável à teoria da variação e mudança desencadeou
um debate histórico entre Labov e Lavandera (1978). A tentativa de Labov de aplicar a
notação da regra variável em um ambiente linguístico que extrapola o campo da
fonologia foi o estopim para Lavandera disparar suas críticas. Esse estopim se deu mais
precisamente com o estudo de Labov e Weiner (1977) em que estes tomam como
variável dependente as passivas sem agente e as construções ativas com pronome sujeito
genérico. Os autores viram essas estruturas como possuidoras de um mesmo significado
referencial, por possuírem o mesmo estado de coisas ou o mesmo valor de verdade.
Além disso, nesse estudo os fatores sociais mostraram-se estatisticamente inofensivos,
pois o fator potencializador maior da escolha de uma variante ou outra eram os de
natureza interna.
Lavandera (1978) entra em conflagração com Labov por não concordar com
essa aplicação da regra variável a níveis linguísticos além do fonológico, tendo em vista
que para Lavandera unidades de níveis além do fonológico, como um morfema, um
item lexical, ou uma construção sintática, tem cada uma por definição um significado.
Somado a isso, a autora questiona a natureza sociolinguística do trabalho de Labov com
as formas sintáticas, haja vista não manifestarem elas estratificação social. Esse ataque
duplo incitou uma resposta incisiva de Labov, que rebateu à Lavandera com o
argumento de que os estudos sociolinguisticos não se limitam a apenas fatores externos,
o que propicia ao linguista trafegar por outros fatores que não sejam sociais e ainda
assim empreender uma análise variacionista.
O que importa, em meio a esse duelo de titãs, para a nossa pesquisa, é que o
nosso objeto de estudo (as variantes imperativas indicativa e subjuntiva) pode sim ser
71
tomado como uma variável linguística, uma vez que ambas as formas imperativas
ostentam o mesmo valor de verdade e apontam para um mesmo estado de coisas.
4.3 A COMUNIDADE DE FALA: LIMIARES
A definição de comunidade de fala é bastante cara para Labov, para ele uma
comunidade se define como um conjunto de normas e atitudes compartilhadas pelos
falantes a respeito de uma dada forma linguística (Labov, 2009 [1968]). A função da
sociolinguística seria, segundo o autor, investigar a variação e mudança linguísticas no
interior do sistema de uma comunidade de fala, que é o lugar onde a variação se
propaga. Mais adiante, apresentamos uma discussão mais robusta sobre esse tópico,
bastante importante para nossa pesquisa, afinal constituiriam Florianópolis e Lages duas
comunidades de fala distintas? (cf. 6.5)
4.4 OS CINCO PROBLEMAS DA TEORIA DA VARIAÇÃO E MUDANÇA
Qualquer trabalho de sociolinguística que se entregue à missão de
compreender um determinado processo de mudança, deve responder a algumas questões
primordiais que estão envolvidas na instalação de uma nova variante: Em meio à densa
rivalidade entre uma forma velha e uma forma nova num dado momento temporal, a
teoria da variação e mudança encontra seu eixo de problematização no quinteto
formulado por Labov, Herzog e Weinreich. (2006 [1968]), que abrange os cinco
problemas relacionados a um processo de mudança linguística a que toda teoria deve, ao
menos, esboçar responder: (i) o problema dos fatores condicionantes, (ii) o problema da
transição, (iii) o problema do encaixamento, (iv) o problema da avaliação e (v) o
problema da implementação:
a) O problema dos fatores condicionantes: para equacionar esse
problema, Labov preconiza a necessidade de se detalhar
minuciosamente mudanças em progresso, procurando estabelecer o
conjunto de mudanças possíveis e as condições possíveis para a
mudança. Para medir essas condições, faz-se necessário catalogar uma
72
gama de fatores condicionais, de cunho estrutural, social ou estilístico, a
fim de captar a intensidade das forças propulsoras ou retentoras do
processo de mudança em curso. No caso das formas imperativas,
acreditamos que, nas cidades de Florianópolis e Lages, fatores de ordem
social, estilística e interna estejam comandando a marcha desse
processo.
b) o problema da transição: Percorrer o rastro da mudança é a chave para
resolver esse impasse em torno do problema da transição. Assim, busca-
se encontrar um estágio interveniente entre uma estrutura A e uma
estrutura B, tal estágio se revela comumente durante o tempo em que
duas formas competidoras existem em contato no interior da
competência linguística do falante, além disso, Labov insinua que a
transferência tende a ocorrer entre grupos de pares de faixas etárias
levemente diferentes. Em nossa pesquisa, a fim de tentarmos responder
ao problema da transição, olharemos para a nossa regra variável em uma
perspectiva inter-individual, procurando nos atentar se o componente
geracional aponta padrões distintos de uso em ambas as cidades.
c) O problema do encaixamento: O arrazoado laboviano considera que
qualquer mudança linguística sob investigação deve ser vista como
encaixada no sistema linguístico como um todo, e o que se torna
necessário, então, é alumiar a natureza desse encaixamento na estrutura
linguística. Tem que se considerar ainda que esse problema do
encaixamento extravasa também para um contexto mais amplo, em que
variações sociais e geográficas acabam se tornando intrínsecas à
estrutura da língua, o que Labov chama de encaixamento na estrutura
social. No desenvolvimento da mudança linguística, pode-se averiguar
que certas estruturas lingüísticas se encaixam desigualmente na
estrutura social, sendo que, segundo Labov, nos estágios iniciais e finais
de uma mudança, pode haver muito pouca correlação com fatores
sociais. Em nosso trabalho, para pensarmos o problema do
encaixamento linguístico, partiremos das reflexões iniciadas por Faraco,
que contemplou a inovação no uso do imperativo no PB imbricada no
campo minado de tensões que a entrada do pronome você provocou no
sistema linguístico do PB. Além disso, partindo das pesquisas até então
73
conduzidas no Brasil, que demonstram ser o fator geográfico aquele
mais saliente agindo sobre a variável imperativa, procuraremos em
nossa pesquisar estabelecer esse grau de correlação entre a distribuição
geográfica e a estrutura linguística.
d) O problema da avaliação: Esse problema traça uma relação entre
correlatos subjetivos e variáveis linguísticas, ou mais precisamente, o
nível de consciência social envolvido no processo de mudança em
curso. Scherre tem defendido que as formas imperativas não conhecem
estigma social, o que acaba tornando convidativo pensar sobre o ritmo
do processo de mudança no imperativo em PB: estariam as formas
imperativas em variação estável ou caminhando mais vertiginosamente
para um estágio final de mudança na língua oral, uma vez que a
destituição de carga social negativa imposta sobre essas formas poderia
provocar um aceleramento no processo em jogo. Em nossa pesquisa,
não iremos operar com testes de atitudes, mas acreditamos que o
controle de certas variáveis sociais possa nos oferecer algumas pistas
para responder ao problema da avaliação.
e) O problema da implementação: Esse é talvez o mais enigmático e
obscuro problema entre os cinco: por que uma mudança ocorre numa
dada língua, numa dada época e não em outra língua e em outra época?
É quase insano formular hipóteses preditivas categóricas para tais
questões, tendo em vista que todo processo de mudança está imbricado
numa rede complexa de estímulos e restrições que não conhecem limites
e nem tampouco repetições cíclicas, dada a singularidade histórica e
cultural que circunda cada processo de mudança em curso. O que
podemos apontar no momento são indícios, ainda que ingênuos, através
do controle de variáveis linguísticas e sociais, para uma possível
insinuação a respeito de por que dada mudança linguística ter vindo a
insurgir. Por isso, Labov considera que uma explicação definitiva e
cabal para esse problema tem que ser formulada após a completude do
processo de mudança linguística.
74
Com os cinco problemas da teoria da variação e mudança devidamente
articulados com o nosso objeto de estudo, resta-nos dizer que, se ao fim e ao cabo desta
pesquisa, conseguirmos lançar luzes, ainda que trôpegas e bruxuleantes sobre tais
questões, já estaremos por demais satisfeitos.
4.5 IMPASSES E TENSÕES EM TORNO DA NOÇÃO DE ESTILO
Discutidos e apresentados os cinco problemas, procuraremos descrever e
interpretar as abordagens de Labov quanto ao fenômeno da variação estilística à luz do
seu projeto realista/positivista de ciência, de maneira que o desenvolvimento da
abordagem desse fenômeno se imbrica numa filosofia de ciência da qual toda a sua obra
não se deixa prescindir. Imbuídos desse pressuposto, analisaremos algumas críticas à
abordagem laboviana de estilo, visando a pensar sobre o grau de pertinência delas, ao
mesmo tempo em que discutiremos o refinamento metodológico de Labov movido pela
sua filosofia científica e pela sua inquietude diante do dado real da língua que nunca
deixa de clamar por uma interpretação do cientista.
O livro ‘’Padrões sociolinguísticos’’ ( 2008 [1972]) é sempre o ponto de
partida dos críticos quando apontam o gatilho para as limitações do conceito de estilo
proposto pelo sociolinguista norte-americano. Neste livro, no capítulo ‘’O isolamento
de estilos contextuais’’ Labov lança mão dos condicionantes estilísticos na abordagem
de cinco variáveis lingüísticas das quais destacamos: a presença ou ausência de
constrição consonantal no /r/ pós-vocálico, final de palavras e pré-consonântico e as
consoantes (th) e (dh) que podem se realizar como fricativa ou oclusiva, todos os casos
estudados na cidade de Nova York, com 70 informantes localizados no Lower East
Side. No primeiro caso, a pronúncia do /r/ é a forma mais prestigiada e no segundo caso
a forma de prestígio é a fricativa.
Labov, logo no início do capítulo, apresenta a variável estilística como um
‘’gigante’’ que os golias da linguística geralmente temem enfrentar. E ele mesmo
reconhece essa dificuldade:
75
Precisamos, de algum modo, capturar a fala cotidiana que o informante usará
tão logo a porta se feche atrás de nós:o estilo que ele usa para discutir com a
mulher, repreender os filhos ou conversar com os amigos. A dificuldade do
problema é considerável: no entanto as recompensas em solucioná-lo são
grandes, tanto para alcançar nosso objetivo presente quanto para a teoria
geral da variação estilística (LABOV, 2008 [1968]).
Para enfrentar esse gigante, Labov vai logo à raiz do problema, problema
este que se resume em encontrar a técnica mais acurada o bastante para medir a
extensão preponderante da regularidade existente. Ou seja, a metodologia que prover o
maior número de dados e regularidades é a ‘’funda’’ que dará conta de abater o gigante
da variável estilística, o que demonstra mais uma vez a maneira coerentemente
empirista como Labov escolhe para resolver seus problemas. É com isso em mente, com
esse ideal positivista de ciência, que ele vai propor a sua metodologia para descrever a
variação estilística na fala dos nova-iorquinos, controlando os contextos de mais e
menos formalidade e procurando definir os estilos de fala que ocorrem dentro de cada
contexto, de modo que se possa testar e controlar essa variação regular, embora ele
reconheça estar limitado pela situação de entrevista, que é sempre estruturada, formal, e
em si mesma definiria um estilo de fala monitorada. A esse estilo da entrevista formal,
que Labov chama de estilo B, ele vai opor toda a produção discursiva que ocorre em
outras circunstâncias e que pode ser bastante diferente:
Ele [o falante] pode usar a fala monitorada em diversos outros contextos,
mas na maioria das ocasiões estará prestando menos atenção à própria fala e
empregará um estilo menos monitorado que poderemos chamar de fala
casual. Podemos ouvir essa fala casual nas ruas de Nova Yorque, em bares,
no metrô, na praia, ou sempre que visitamos amigos na cidade (LABOV,
[2008, 1962]).
Essas situações que escapam das restrições sociais da situação de
entrevista são designadas de contexto A. Labov tomará o contexto B, a própria situação
de entrevista, como o estilo mais simples de definir e que ele chama de fala monitorada,
a qual ocorre quando o falante responde a perguntas formalmente reconhecidas como
parte da entrevista. O terceiro contexto proposto é o contexto C ou estilo de leitura.
76
Nele, redige-se um texto num estilo coloquial ‘‘para se obter uma fala o mais fluente
possível e para envolver o leitor ao máximo na trama da história’’. O quarto contexto é
o contexto D ou lista de palavras, em que se pede ao informante que leia cada par de
palavras em voz alta e, em seguida, diga se elas soam de modo idêntico ou diferente de
como ela as pronuncia e por fim o contexto D, ou pares mínimos, onde o fonema, por
ser um elemento diferenciador dentro do sistema linguístico, recebe o máximo de
atenção. Além disso, Labov propõe que se construam situações de entrevista em que a
fala casual apareça e assim torne possível um método formal para definir a ocorrência
desses estilos. A partir das pistas no canal, tais como risos ou modulações de voz, seria
possível apontar a presença de uma fala menos monitorada dentro da entrevista
sociolinguística. Fato é que o fator cognitivo perpassa todo esse primeiro aparato
metodológico desenvolvido por Labov, de modo que todos os estilos de fala
considerados se organizam nessa única dimensão do grau de atenção prestado à fala.
Essa dimensão do grau de atenção prestado a fala segundo a qual, quanto mais próximo
do vernáculo o falante estiver menos consciente da sua fala ele estará, formaria um
continuum tendo a fala casual num extremo e a lista de palavras noutra extremidade.
Esse é o primeiro aparato metodológico engendrado por Labov para dar
conta do fenômeno do estilo e, como tal, não deixou de ser passível de críticas.
Elaborado na década de 70, tal abordagem, aparentemente simplista e redutora,
conseguiu apanhar importantes e significativas regularidades linguísticas que podem ser
conferidas no livro ‘’Padrões Sociolinguísticos’’. Assim, o seu aparato funciona, na
medida em que, além de ser um recorte da imensa complexidade de dimensões que a
variação estilística pode abarcar, é também absolutamente coerente com sua visão
realista de ciência. Apesar do corte movido pela circunstância de empiria possível,
Labov não renega a possibilidade de o conceito de estilo se disseminar em várias
direções e isso parece não ser levado em conta pelos críticos quando estes acusam a
noção de estilo proposta por ele na década de 1970 de ser limitada e unidimensional.
Labov (2001)12
deixa transparecer que a organização de estilos contextuais ao longo de
um eixo de atenção conferido à fala não foi empreendido como uma descrição da
variação estilística produzida e organizada na fala cotidiana, antes foi sim uma maneira
12
Nesse texto ‘’The anatomy of style-shifting’’, além de rebater críticas, Labov busca um refinamento
do instrumental metológico para a análise de entrevistas sociolingüísticas,erigindo um dispositivo que ele
chamou de ‘’árvore de decisão’’. No nosso trabalho, não iremos operar com esse conceito.
77
de organizar e utilizar a variação intra-falante ocorrida no interior da entrevista
sociolinguística.
Schilling-estes (2004), apesar de reconhecer as virtudes do trabalho
pioneiro de Labov, principalmente no que diz respeito à intersecção que ele conseguiu
tramar entre variação estilística e estratificação social, tenta apontar algumas limitações
da noção laboviana de estilo13
: as pistas do canal são inconsistentes e oferecem
dificuldades para quantificar a atenção que se confere à fala. Além disso, para a autora
essa concepção de estilo tem oferecido poucos resultados interessantes, na maioria das
vezes contraditórios, além de ser também de natureza extremamente unidimensional,
uma vez que falantes apresentariam diferentes níveis ou marcas ou diferentes estilos
casual e formal. Porém, Labov não está alheio às inúmeras potencialidades que a noção
de estilo pode abranger. No texto ‘’Some sociolinguistic principles’’, (2003 [1966])
apresentado por Labov em uma conferência nacional de professores de inglês, o
linguista demonstra plena consciência de que falar de estilo é deflagrar a
potencialização de inúmeras dimensões:
One of the fundamental principles of sociolinguistic investigation might
simply be stated as There are no single-style speakers. By this we mean that
every speaker will show some variation in phonological and syntactic rules
according to the immediate context in which he is speaking. We can
demonstrate that such stylistic shifts are determined by (a) the relations of the
speaker, addressee, and audience, and particularly the relations of power or
solidarity among them; (b) the wider social context or domain: school, job,
home, neighborhood, church, (c) the topic. (LABOV, 2003 [1966] p. 234).
Percebe-se neste trecho um Labov com total consciência das inúmeras
dimensões e abrangências que o conceito de estilo possa apreender, embora o fator
cognitivo esteja sempre subjacente a cada uma delas. Desse modo, Labov não ignora na
13
Essas limitações apontadas tem partido geralmente de sociolinguistas que defendem uma agentividade
maior do sujeito, no sentido de não ser ele apenas um reflexo diante de uma dada situação
sociocomunicativa., mas sim um sujeito criativo e revestido de poder de reconfigurar e remodelar essas
situações, bem como construir imagens e reconstruir imagens que o falante projeta de si mesmo. Ver
Eckert (2000), e Coupland (2007)
78
década de 1960 uma compreensão mais ampla de estilo, no que concerne a sua relação
direta com a materialização de uma cena enunciativa e todas as consequências infinitas
imbricadas nisso, mas sim, num gesto relativamente arbitrário de cientista positivista,
descarta, naquele momento, operar com certos fatores sócio-estilísticos tendo em vista a
impossibilidade de medi-los estatisticamente. Em nossa pesquisa, operaremos com o
eixo intra-individual da variação estilística no interior da entrevista sociolinguística,
mas por um caminho diferente das pistas contextuais propostas por Labov (1968), até
porque a natureza dialógica do nosso fenômeno em estudo recusa uma análise desse
tipo, que pode ser mais produtiva para fatores de natureza fonológica.
Apesar de Labov reconhecer a abrangência do conceito de estilo, parece que
ele não consegue vislumbrar a possibilidade de contextos sociais mais amplos estarem
infiltrados no seio da entrevista sociolinguística, ou seja, um possível reflexo, por
exemplo, de dimensões de poder e solidariedade poderem se materializar no relato do
entrevistado por intermédio do reporte de outras vozes que não são a do narrador, ou até
mesmo o reporte da sua própria voz em situação interlocutiva com outro falante de
relação sociopessonal igual ou distinta. Em nossa pesquisa, vamos perseguir a
infiltração das dimensões de poder e solidariedade, no sentido proposto por Brown e
Gilman (2003 [1960]), na entrevista sociolinguística pela aresta do discurso
reportado.Em contextos de discurso não reportado, essas dimensões, porém, não serão
controladas.
Para tanto, nos embasamos em Faraco e Ziles (2002) que defendem que, na
composição do dizer dos informantes, pode estar explicitamente presente a voz de
outros (o chamado discurso reportado ou citado) e que isso pode motivar o uso
diferenciado de variantes. Os autores vão pensar, então, o discurso reportado como um
espaço enunciativo diferenciado, que provoca a exigência de um tratamento analítico
específico, na medida em que ele pode introduzir heterogeneidade no dizer do
informante. Para Faraco, essa citação da voz do outro não significa necessariamente
uma reprodução literal, tendo em vista que ‘’reportar não é fundamentalmente
reproduzir, repetir; é principalmente estabelecer uma relação ativa entre o discurso que
reporta e o discurso reportado’’ .(Faraco e Ziles, pág.28)
Esse caráter ativo que circunscreve o discurso reportado instaura uma tensão
evidente nesse emaranhado de vozes: até que ponto a voz do outro é transfigurada, ou
refratada, pela subjetividade do narrador que reporta? Todos os casos de discurso
reportado apresentariam esse caráter ativo, como apregoam Faraco e Ziles? Em que
79
contextos o narrador poderia se render a uma rendição à reprodução ipsis literis da voz
do outro reportado? Ainda não temos respostas seguras e concretas para essas questões,
mas os autores consideram sumariamente importante estar atento a quem o discurso
reportado foi (ou teria sido) dirigido, quem eram os interlocutores da interação recriada
ou dramaticamente representada e assim averiguar em que medida a fala reportada está
impregnada dos traços da fala dirigida ao outro.14
De toda forma, estamos crentes em que esse espaço plurivocal que é a
entrevista sociolinguística possa proporcionar um manancial de variação estilística
inimaginável. Medir separadamente os dados do próprio falante em contraponto aos
dados das vozes que são reportadas poderá nos fornecer pistas para dirimir algumas
dessas questões, bem como investigarmos a apreensão das relações de poder e
solidariedade filtradas por esse dispositivo de caráter cênico, nas palavras de Bakhtin,15
que é o discurso reportado.
Solidificadas as bases, é hora de traçarmos os objetivos e hipóteses para a
nossa pesquisa e, em seguida, a descrição da metodologia a ser empregada.
4.6 AMARRAÇÕES
Levando em conta tudo o que foi trazido à discussão até agora nesse
primeiro momento da pesquisa, faz-se necessário estabelecer as amarras e delinear as
nossas metas e questões a serem galgadas.
4.6.1JUSTIFICATIVA
14
Joana Arduin consegue resultados bastante oportunos em sua dissertação de mestrado ‘’A variação dos
pronomes possessivos de segunda pessoa do sungular teu/seu na região sul do Brasil’’ (2005). Operando
com contextos de discurso reportado, a autora conseguiu apanhar maior ocorrência do pronome
possessivo seu quando as vozes reportadas eram de pessoas não íntimas, o que assinala, de certa forma,
uma tendência à manutenção das relações de poder e solidariedade ao serem transfiguradas no ambiente
reportado.
15 Em ‘’Marxismo e filosofia da linguagem’’ Bakhtin atribui um caráter cênico ao fenômeno do discurso
reportado, como se fosse um palco de vozes a serem encenadas.
80
Esta pesquisa se justifica, principalmente, pela necessidade de investigação
em corpus de fala da variação das formas verbais imperativas em cidades do sul do
Brasil. Justifica-se também pela necessidade em contribuir com as investigações
linguísticas acerca das particularidades linguísticas envolvendo as cidades de
Florianópolis e Lages.
4.6.1 Objetivo Geral
O objetivo geral deste trabalho é contribuir com a constituição de uma
isoglossa para o uso do imperativo no Brasil através de uma massa de dados da língua
viva falada na região catarinense nas cidades abarcadas pelo projeto Varsul.
4.6.2 Objetivos específicos
(i) Contribuir com os pressupostos da teoria da variação e mudança a partir
da análise de nossa variável linguística em estudo, oferecendo subsídios empíricos que
possam oferecer respostas a alguns dos problemas elencados por Labov; principalmente
o problema do encaixamento linguístico e social, mais observável num plano
sincrônico;
(ii) Destrinchar o funcionamento da variação do imperativo no português
falado na região catarinense procurando identificar qual variante apresenta maior
proporção de uso;
(iii) Observar a relação da variável linguística imperativa com os fatores
internos, procurando revelar uma logicidade estrutural em meio ao aparente caos da
heterogeneidade do sistema linguístico;
(iv) Apontar quais fatores sociais estão agindo sobre a nossa variável
linguística em estudo, através de uma análise empírica das variáveis independentes
externas;
(v) Procurar delinear uma relação entre o uso do imperativo e as dimensões
de poder e solidariedade que poderiam encher de nuances estilísticas (formalidade/
informalidade) a variação entre as formas indicativa e subjuntiva e
81
(vi) Ratificar a importância do discurso reportado como atalho para
captação de formas linguísticas no seio da entrevista sociolinguística, formas estas que
só poderiam aparecer em situação interlocutiva de uso.
4.6.3 HIPÓTESES
(i) Se assumirmos que a variação no imperativo é um fenômeno encaixado
no sistema de tratamento do PB, espera-se que, nas cidades em estudo, as
formas imperativas em variação possam apresentar um comportamento
diferenciado entre cidades que são conhecidas pelo seu uso distinto nas
formas de tratamento, como Florianópolis e Lages, por exemplo;
(ii) Espera-se que fatores linguísticos internos como polaridade da estrutura,
extensão do verbo, formas de tratamento e paralelismo fônico sejam
cruciais como reduto de restrição de uso mais inovador;
(iii)Espera-se que, por não ser uma variável linguistica avaliada com índice
social negativo, não haja uma maciça estratificação por escolaridade na
sua frequência de uso em ambas as cidades;
(iv) Pode-se esperar um comportamento linguístico que aponte para uma
mudança em tempo aparente, em que falantes mais jovens venham a usar
forma imperativa indicativa indiscriminadamente e
(v) Almeja-se encontrar uma forte correlação entre as relações sociopessoais
tramadas no discurso reportado no interior da entrevista sociolinguística
e a frequência de uso das nossas variantes em estudo, o que demonstraria
o aspecto estilístico englobado no uso cambiante das formas imperativas.
82
5 É IMPERATIVO OPERACIONALIZAR O IMPERATIVO
Neste capítulo, apresentamos o aparelho metodológico de nosso trabalho,
que segue as etapas clássicas de todo trabalho variacionista: seleção de informantes,
coleta de dados reais de fala, transcrição de dados, delimitação das variáveis linguísticas
e sociais envolvidas na variação de determinado fenômeno. Cumpridas essas etapas de
prelúdio, parte-se para a localização, codificação, digitação e quantificação dos dados
das entrevistas. Após a codificação dos dados, estes são submetidos a rodada
computacional do programa Goldvarb, que, por intermédio de análises univariadas e
multivariadas nos oferece os índices de frequência e efeito probabilístico das variáveis
independentes agindo sobre a variável linguística. Uma rodada de cruzamentos entre
grupos de fatores também se faz importante na análise linguística, a fim de evidenciar
com mais minúcias aspectos não obtidos em uma análise geral.
5.1 O PROJETO VARSUL
Nossa pesquisa lança mão do banco de dados do projeto VARSUL
(Variação linguística da região Sul do Brasil). Este projeto se iniciou oficialmente em
1991 e primeiramente era composto por três universidades federais do Sul do Brasil,
UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), UFPR (Universidade Federal do
Paraná) e UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Em 1993, a PUC-RS
(Pontificia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) passou a integrar o projeto.
O VARSUL segue à risca os moldes da sociolinguística variacionista
(LABOV, 1972), tendo como objetivo central ‘‘armazenar e colocar à disposição dos
pesquisadores interessados amostras de realizações da fala de habitantes enraizados em
áreas urbanas socioculturamente representativas de cada um dos três estados da região
Sul do Brasil’’ (KNIES e COSTA, 1995, p. 01). Dessa maneira, o Varsul acaba por ser
um celeiro inesgotável de relíquias empíricas para estudos de variação linguística na
região sulista do país.
De acordo com essas autoras, na etapa de seleção dos informantes,
consideraram-se os seguintes critérios étnicos: (i) ter nascido na localidade analisada,
83
(ii) ter morado na cidade a maior parte de sua vida (pelo menos 2/3), (iii) não ter
morado fora da região por mais de um ano no período de aquisição da língua (2 a 12
anos), (iv) ser uma pessoa representativa da comunidade e que não provoque sensação
de estranhamento em outros moradores da região.
Valendo-se desses critérios, o banco de dados armazena amostras de quatro
cidades representativas de cada estado da região Sul, são elas:
Santa Catarina: Florianópolis, Blumenau, Chapecó e Lages.
Paraná: Curitiba, Irati, Londrina e Pato Branco.
Rio Grande do Sul: Porto Alegre, Flores da Cunha, Panambi e São Borja.
A amostra de cada cidade abraça um total de 24 informantes estratificados
de acordo com a faixa etária, sexo, escolaridade e etnia, totalizando 96 entrevistas por
estado e 288 incluindo toda a região Sul. O principal método empregado pelo projeto
Varsul na recolta de dados foi a entrevista sociolinguística, método este que, segundo
Labov (1972), pode levar o informante a aproximar-se do seu vernáculo, à medida que
ele se envolve com a narração de sua história, de suas experiências vividas e de relatos
de perigo de morte, fazendo com que o informante se atenha mais ao conteúdo narrado,
do que à norma codificada. Seria este, na visão do professor Labov, o principal
estratagema para anular o paradoxo do observador.
5.2A AMOSTRA UTILIZADA
Nossa amostra, é constituída por um total de 48 entrevistas sociolinguísticas
efetuadas nas cidades catarinenses de Florianópolis e Lages, estratificadas de acordo
com as variáveis sociais: sexo (feminino e masculino), idade (25-49 anos e + de 50
anos), tempo de escolarização (até quatro anos, até oito anos e até doze anos) e etnia.
Cada uma dessas cidades apresenta particularidades históricas que podem influenciar
significativamente a manifestação da nossa variável em estudo.
5.3 O LÓCUS DA PESQUISA
84
Florianópolis e Lages são o foco em nosso trabalho, pois, de ambas, procederão
os dados que subsidiarão a nossa pesquisa, dados estes, por sua vez, advindos de
entrevistas sociolinguísticas estocadas no projeto Varsul. Tanto Florianópolis e Lages
revelam facetas distintas de um estado tão múltiplo, plural e diversificado
linguisticamente e culturalmente como Santa Catarina. Essas cidades surgiram em
pontos geográficos extremamente opostos e desenvolveram-se sob a influência de
colonizações também distintas.
A primeira, Florianópolis, é uma cidade ilhada. Cidade litorânea, capital do
estado, cidade dos lusitanos açorianos que a ela chegaram enviados pela Coroa
Portuguesa com o intuito de ocupar o território do império (SANTOS, 2004). No
passado, uma província de Laguna. Depois, desmembrada, tomou seu próprio caminho,
tornou-se capital da província, mas ainda assim uma rústica vila de pescadores, de
costumes lusitano-açorianos, de hábitos rudimentares, ainda assim também a ilha das
bruxas, da mata atlântica e colinas verdejantes, das praias infindas e do Desterro sem
fim. Mais tarde Desterro transformou-se em Florianópolis. E com o nome Florianópolis
lhe veio a transformação derradeira. A provinciana e antiga Desterro, na década de 60,
começaria a virar metrópole e, na condição de metrópole aquecida pelo turismo, viu-se
cunhada carinhosamente de Floripa.
Nesta Floripa-ilha aportam por ano 10 mil novos moradores, moradores que vem
de várias partes do país nela tentar alguma ascensão social. A provinciana Desterro
tornou-se uma ilha metrópole, aberta a todas as tribos, credos, classes sociais, uma ilha
plural, formada por uma miscelânea de sotaques ouvidos em fragmentos dispersos a
cada vez que saímos pelas ruas. Uma nova Florianópolis que desponta cada vez mais
para o Brasil como a cidade do futuro, talvez a capital do momento que mais desperte a
atenção e curiosidade dos brasileiros.
Em meio a esse processo de desenvolvimento com consequências tão
significativas para sua constituição como cidade, seria conveniente traçarmos uma
pergunta, que tantos debates provoca na academia: qual o lugar o que o ilhéu,
descendente dos açorianos primitivos, ocupa hoje na Ilha de Santa Catarina? Qual o seu
espaço, o seu valor, a sua identidade? Tem o seu dialeto se mantido incólume a uma
transformação tão voraz como a que tem passado? Essas perguntas não serão
respondidas nesta pesquisa, já que não constituem o nosso interesse. Convém dizer,
porém, que o projeto Varsul buscou em suas entrevistas um retrato linguístico da
Florianópolis de outrora, do seu dialeto mais nativo, mais desprovido de influências
85
externas tão avassaladoras a partir da década de 60. É esta Florianópolis lusitano-
açoriana que perseguiremos em nossa pesquisa, é esta Florianópolis lusitano-açoriana
que será posta em contraponto com a segunda cidade já mencionada: Lages.
Mais ao alto na região serrana está localizada Lages. Enquanto Florianópolis se
ocupara com os açorianos que nela aportaram, Lages era a rota dos tropeiros caipiras,
advindos do interior de São Paulo, cujo objetivo era buscar e transportar charque do Rio
Grande do Sul para o sudeste brasileiro (SANTOS, 2004). Em uma vida marcada pelo
movimento incessante, pelo ir-e-vir incansável em condições na maioria das vezes
inóspitas, esses bravos tropeiros deixaram seus vestígios linguísticos no falar lageano. A
origem de Lages confunde-se com a passagem desses tropeiros: são dois movimentos
simultâneos. Depois vieram os gaúchos, os gaudérios, povoando-a e sobrepondo seus
costumes e sotaques às formas linguísticas já antes deixadas pelos tropeiros do interior
de São Paulo. Lages surge, assim, nessa confluência de gaúchos e paulistanos,
consolidando-se como uma cidade de hábitos rurais, de costumes serranos, cidade dos
bailes de fandango, das rodas de chimarrão, das bombachas, alparcatas e palas exibidas
nas alvoradas geladas do inverno rigoroso.
Tanto Lages quanto Florianópolis são singulares. Podem revelar surpresas
linguísticas ainda não exploradas, novas luzes sobre o fenômeno do encaixamento
linguístico, podem se revelar como duas comunidades de fala amplamente
diversificadas. E, por fim, podem revelar padrões distintos de uso das formas verbais
imperativas desencadeados por dois processos linguísticos que se deram como
consequência de colonização diferente: enquanto Florianópolis submeteu-se a um
processo de tuteamento em decorrência de sua colonização lusitano-açoriana
(FURLAN, 1989), Lages, em outra via, foi alçada a um processo de voceamento,
decorrente de sua colonização paulistana. Esse uso maciço de tu em Florianópolis e
você em Lages e sua provável relação com o uso das formas verbais imperativas serão
abordadas em detalhes mais adiante em nosso trabalho.
5.4 SUPORTE QUANTITATIVO
Após a devida coleta e codificação dos dados recolhidos nas entrevistas do
Varsul, passaremos à etapa de quantificação dos dados, para a qual nos valeremos do
86
Programa de Regras Variáveis (Varbrul) – programa computacional que implementa
modelos probabilísticos matemáticos em pesquisa variacionista. (PINTZUK, 1988). No
entanto, como salienta Guy (2007), a despeito de ferramentas estatísticas serem sempre
valiosas e seguras, a incumbência de apurar os fatores relevantes, levantar e codificar
corretamente os dados empíricos, e a interpretação dos dados a partir de uma
perspectiva teórica da língua é sempre do pesquisador.
Desse modo, através do programa estatístico computacional, vamos em
busca, num primeiro momento, de tendências quantitativas e fatores relevantes para a
variação do uso do imperativo em Santa Catarina. Num segundo momento, prevemos
um refinamento da análise, por meio de diversos cruzamentos (crosstab) entre as
variáveis. Esses cruzamentos nos ajudarão a vislumbrar a intersecção dos fatores
estilísticos ( relações de poder e solidariedade) no interior de cada uma das cidades em
estudo bem como o efeito contextual de variáveis linguísticas sobre cada uma dessas
cidades, o que está de acordo com a proposta de Guy para comunidade de fala.
5.5 ENVELOPE DE VARIAÇÃO
Feitos os apontamentos de praxe, é hora de apresentarmos as nossas
variáveis independentes, bem como a nossa expectativa em relação ao efeito de cada
uma delas sobre as formas imperativas (variável dependente).
5.5.1Variável dependente
A nossa variável dependente é a alternância entre a forma indicativa e
subjetiva do imperativo no contexto de segunda pessoa do singular, como
exemplificamos abaixo. Analisaremos a nossa variável em dois contextos sintáticos: o
contexto sintático canônico ao modo imperativo, aquele em que o sujeito nunca é
expresso, e o contexto em que o sujeito se faz expresso, mas o contexto discursivo,
auferido pela escuta da entrevista, indica tratar-se de uma sentença com função
imperativa.
87
(1) Vai pro exército, vai ser um soldado do exército, rapaz.
(SCFLPMPRIM06L740).
(2) Eram cem reais, ela disse: ‘’sai cem reais, e o senhor faz um cheque, faz um
cheque, eu levo’’. Daí eu disse: ‘’não, então abra você.’’ (SCFLPLAGL880)
5.5.2Variáveis independentes
O controle de variáveis independentes nos aponta quais fatores estão
restringindo ou catalisando o uso de determinada variante. Em nosso estudo, vamos
operar com grupos de fatores internos, sociais e estilísticos.
5.5.2.1 Fatores internos
(1) Polaridade da estrutura
a) Imperativo afirmativo:
Vai pra Floripa, Floripa é melhor. (SCFLP08)
b) Imperativo negativo
Mãe, não veste isso em mim. (SCFLP09)
Você não faça assim. (SCLG02)
Nesse grupo de fatores, a expectativa, com base nos estudos de Scherre
(2006) e Reis (2003), é a de que, em contextos em que o imperativo acontece num
ambiente linguístico de negação, ou proibição, haja uma preferência pela forma
subjuntiva.
88
2) Extensão do item lexical verbal
a) Verbos monossílabos
Ah, sai pra lá. (SCFLP01)
b) Verbos dissílabos
Deixa ela ir, Sinhá Rosa. (SCFLP08)
c) Verbos trissílabos
Me informa se o fulano está aí? (SCLG4)
d) Mais de três sílabas
Imagine que eu esteja neste situação. ( SCLG9)
Aproveite bastante. (SCLG24)
Com base em Scherre (2006) e (2000), esperamos que o aumento da massa
fônica do verbo imperativo conduza a um aumento proporcional da forma subjuntiva.
Reis (2003) interpreta esse aumento da massa fônica como o fator ‘complexidade da
forma verbal imperativa’ dentro da perspectiva funcionalista de Givón, segundo a qual
quanto maior a extensão do imperativo, menor é sua força manipulativa. (faça isso ou
você pode fazer isso pra mim?)
4) Paralelismo Fônico
a) + aberta
Olha, olha, isso de uma vez. (SCFLP10)
b) – aberta
Lembra sempre de guardar as coisas. (SCFLP10)
89
Baseados em Scherre (1998), (200) e (2006), esperamos que a natureza [+-
aberta] da vogal imediatamente precedente na forma verbal conjugada, nos verbos
regulares da primeira conjugação, pode ser um ambiente de forte retenção à forma
subjuntiva, à medida que a vogal precedente assuma pronúncia mais fechada.
5) Presença ou ausência de clítico
a) presença de clítico
Não me faça isso. (SCFLP2)
Te manda! (SCFLP07)
b) ausência de clítico
Então deixa lá. (SCFLP06)
De acordo com Scherre (2000, 2006) estruturas com o clítico se depois do
verbo (tipo Retire-se tendem a favorecer categoricamente o uso da forma subjuntiva,
por razões estruturais: em caso de uso da estrutura Retira-se, haveria a possibilidade de
preenchimento da posição de sujeito, com interpretação de uma estrutura reflexiva, em
vez de estrutura imperativa. O uso da forma subjuntiva, por sua vez, assegura a leitura
imperativa. Acreditamos, com base nas evidências colhidas por Scherre, que a ausência
de qualquer clítico favorece, relativamente, a forma indicativa, tendo em vista que a
leitura imperativa, nestes casos, é sempre assegurada.
6) Natureza da forma pronominal usada pelo entrevistado
a) Tu
Airton, tu lê esse livro, depois tu vem conversar com a dona Teresa.(SCFLP16)
b) Você
90
Não, você apita. (SCFLP10)
c) O (a) senhor
O senhor não faça isso, seu delegado. (SCFLP13)
d) Forma nominal
Vira pra cá, mulher. (SCFLP10)
Professora, não me deixa ir embora não. (SCFLP22)
e) Ausência de forma de tratamento
Abre o olho com o teu filho, que o teu está pegando o vício do fumo. (SCFLP16)
Esperamos com base em Cardoso (2004), Paredes (2000), Jesus (2006) e
Reis (2003) uma associação evidente entre as formas de tratamento usadas pelo
entrevistado em relação ao interlocutor e as formas imperativas variantes. A expectativa
também é de que a forma você e a ausência de marca pronominal apresentem uma
distribuição equilibrada entre as formas variantes, de acordo com a tendência do que se
tem chamado de imperativo gramatical brasileiro, o fato inovador em PB, também
esperamos que a forma o senhor sugira uma predileção pela forma subjuntiva. Numa
segunda etapa, vamos cruzar essa variável linguística com a variável externa
cidade/etnia para travarmos uma discussão mais apurada sobre comunidade de fala e
encaixamento linguístico e social.
7) Menção de formas de polidez
a) Ausência de formas de polidez
Não vá namorar escondida. (SCLG4)
b) Presença de marca de polidez
O senhor nem me diga, doutor, isso aí. (SCLG5)
91
Com base em Reis (2003) esperamos que a forma indicativa seja mais
recorrente em contextos marcados pela ausência de formas de polidez. Segundo a
autora, essas formas de polidez seriam dispositivos enfraquecedores de força
manipulativa e sua ausência, combinada com o uso da forma indicativa, apontaria para
um fortalecimento da força manipulativa do comando.
8) Item lexical
a)verbo pleno
Deixa a lua sossegada e olhe mim. (SCLG6)
b)marcador discursivo
Olhe, não fui eu que falei foi você. (SCLG4)
Eu tinha uma comadre que dizia ‘’olha, comadre, teus filhos vão ser tudo chofer’’
Nessa categoria, controlamos se os verbos são plenos ou funcionam como
marcadores discursivos. Acreditamos que, quando os verbos funcionarem como
marcadores discursivos, apresentem um comportamento mais cristalizado nas formas
indicativas imperativas, demonstrando, dessa forma, menos variação.
5.5.2.2 Variáveis independentes sociais
Em nossa pesquisa, atacaremos quatro grupos de fatores sociais:
1) Cidade/etnia
a) Florianópolis
b) Lages
Esperamos encontrar um comportamento diferenciado quanto à forma
imperativa na cidade de Lages, em que estudos sociolinguísticos tem apontado um
predomínio da forma de tratamento você. (LOREGIAN, 2004) Acreditamos que
92
Florianópolis siga a tendência da forma indicativa imperativa, em consonância com a
força do tuteamento presente nesta cidade.
2) Idade
a) 25 a 49 anos
b) + de 49 anos
Esperamos um predomínio da forma imperativa indicativa entre falantes
mais jovens.
3) Sexo
a) Masculino
b) Feminino
O estudo de Cardoso (2009) apontou uma liderança por parte das mulheres
nordestinas de Brasília no uso da forma imperativa indicativa, uma vez que, em se
tratando de processos de mudança sem percepção social, as mulheres tendem a
sobressair na frequência de uso da forma inovadora. Além do mais, não acreditamos que
possa haver em Santa Catarina uma relação entre gênero e identidade como apontou o
estudo de Cardoso (2009).
4) Escolaridade
a) Ginásio
b) Primário
c) Colegial
Esperamos que a forma subjuntiva seja mais recorrente em falantes com
maior escolaridade.
5.5.2.3Variáveis independentes estilísticas
93
Em se tratando de variáveis estilísticas, o eixo norteador serão as relações de
poder e solidariedade travadas na confluência de vozes do discurso reportado. A
princípio, tentaríamos vislumbrar também uma possível relação entre as pistas cênicas
deixadas pelo falante no ato de reportar a voz do outro, essas pistas seriam um
indicativo do ambiente em que o diálogo original teria se dado de fato, no entanto a
dificuldade de operacionalizar o fator ambiente no interior do discurso reportado foi
notória, dado o caráter de baixa referenciação presente muitas vezes nesses tipos de
discurso, o que nos fez desistir de controlá-lo.
1) Tipo de discurso
a) Discurso não reportado
Deixa a gente terminar. (para interveniente) (SCLG8)
Não abre a porta aqui, tá gravando. (para interveniente) (SCLG9)
b) Discurso reportado
Tu faz o seguinte, tu sai daqui qualquer sábado, pegue um sábado e vá, e volte sem dançar
um baile gaúcho em Lages, mas procure, é impossível você não achar um baile
gaúcho.(discurso reportado do entrevistado para uma moça na rua) (SCLG20)
Nesse grupo de fatores, esperamos encontrar uma maior gama de
imperativos subjuntivos em contextos de discurso reportado, onde vozes e relações são
simuladas e reportadas. No fator ‘discurso não reportado’, inserimos todas as
ocorrências de imperativo que se deram fora do ambiente de reportação: conversa com
o interveniente, comandos direcionados ao entrevistador etc.
2) Tipo de discurso reportado
a) Discurso reportado do próprio falante
Você não faça isso. (da entrevistada para um amiga) ( SCLG1)
94
b) Discurso reportado de outra pessoa
Fique em casa que eu vou pousar lá na madrinha. ( da mãe para a entrevistada) (SCLG5)
Essa variável possibilitará indicar possíveis padrões diferenciados de uso,
dada a polifonia marcante do discurso reportado, ajudando-nos a destrinchar como se
comporta estatisticamente o processo de assimilação da voz reportada de outra pessoa.
Esperamos encontrar maior índice de imperativos subjuntivos quando a voz reportada
for de outra pessoa.
3) Relação simétrica/assimétrica entre o falante e a pessoa reportada
Nesta variável, nos baseamos no estudo de Reis (2003) que, por sua vez,
lançou mão da teoria de Brown e Gilman (2003 [1960] quanto às dimensões de poder e
solidariedade existentes na estrutura social. Embora esses autores tenham se voltado
para o uso dos pronomes de tratamento, em suas formas cerimoniosas e mais íntimas, e
a relação destes pronomes com uma semântica de poder e solidariedade, é interessante
tentarmos ver o uso das formas imperativas dentro dessas dimensões apontadas por
Brown e Gilman. Para a nossa pesquisa, procuramos nos valer de alguns indícios sociais
já cristalizados para categorizarmos essas relações, como, por exemplo, relação entre
pai e filho, relação entre idosos e jovens, relação entre pessoa íntima e não íntima,
relação entre patrão e empregado, relação entre colegas de aula, todas elas são marcadas
por uma dimensão seja de poder ou de solidariedade.
a) Relação assimétrica de superior para inferior entre o falante e a pessoa
reportada:
‘’Vai pro exército. Vai ser um sargento do exército, rapaz.’’ (SCFLP06L741) (pai para filho)
b) Relação simétrica entre o falante e a pessoa reportada:
Que eu não aguentava mais ver nada quebrado dentro de casa. Não dava. Aí eu cheguei e disse
pra ele: ‘’Essa foi a última vez que tu me deste esse póntapé.’’ Aí começamos a discutir, eu
95
disse: ‘’Tu pega tu o que é teu e tu vai sair daqui agora’’. Porque se tu não saíres por bem, tu
vais sair por mal. ( SCFLP03L695) (relação entre marido e esposa)
Eu mesma coisa com cegonhas, sempre acreditei até que um dia uma amiga disse: "Mas deixa
de ser boba! Isso aí não é a cegonha que vem. Imagina, a mulher está gorda como é que é a
cegonha?" (SCBLU07L410) (relação entre amigas)
c) Relação assimétrica de inferior para superior entre o falante e a pessoa
reportada:
Digo: ‘’Não senhor, pra isso eu estou perguntando, porque eu tenho obrigação de saber.’’ Aí o
médico disse: ‘’Pois olha, o seu marido não sara porque ele está com câncer no pulmão.’’ Ah!
Eu botei as mãos na cabeça e digo: O senhor nem me diga doutor disso aí. (SCLGS05L360)
(relação não íntima entre paciente e médico)
Baseando-nos no estudo de Reis (2003), esperamos que o uso da forma
indicativa se distribua de forma equilibrada junto com a subjuntiva em relações
sociocomunicativas marcadas pela simetria entre os interlocutores. Nas relações
assimétricas de superior para inferior entre o falante e a pessoa reportada, a hipótese,
baseada em Reis (2003), é a de que a variante indicativa predomine nesse contexto. Nas
relações assimétricas de inferior para superior entre o falante e a pessoa reportada, a
hipótese, também baseada em Reis (2003) é de que, nesse contexto, haja uma predileção
pela forma subjuntiva.
96
6 É IMPERATIVO DISCUTIR E ANALISAR OS RESULTADOS
É hora de apresentarmos os resultados de nossa pesquisa obtidos na recolha
de dados nas entrevistas do acervo do projeto Varsul. Os resultados ão apresentados
numa disposição que parte do âmbito mais geral, para, em seguida, serem afunilados
estatisticamente através de análises multivariadas e cruzamentos entre grupos de fatores.
Momento de conferirmos, portanto, se as hipóteses assumidas em nossa pesquisa hão de
se confirmar ou haverão de ser ressignificadas pela insurgência de resultados
conflitantes em relação ao que assumimos como hipótese anteriormente. Momento,
também, de conseguirmos extrair das rodadas estatísticas padrões regulares de uso, de
forma que possamos embasar empiricamente a sistematicidade na variação das formas
imperativas no PB.
6.1 DISTRIBUIÇÃO GERAL DOS RESULTADOS
Iniciamos a análise com um gráfico de distribuição geral dos dados, que
abrange a frequência de uso das formas verbais imperativas em todo o nosso córpus,
sem discretizar as cidades de Florianópolis e Lages. O resultado geral a que chegamos
pode ser visualizado abaixo:
Gráfico 1: Frequência de uso das formas verbais imperativas incluindo córpus das
cidades de Florianópolis e Lages.
75%
25%
Total de formas verbais imperativas
Indicativo
Subjuntivo
97
Os resultados nos põem diante de um padrão de uso maciço das formas
verbais imperativas indicativas. Embora não seja o momento ideal de aferirmos
generalizações, esses resultados nos são importantes para entendermos o
comportamento geral das formas variantes estudadas. As pesquisas sociolinguísticas
relacionadas ao tema em estudo têm oferecido cada vez mais subsídios empíricos em
favor da difusão da forma verbal imperativa em contexto de forma de tratamento você
em território brasileiro.
Nessa distribuição de formas imperativas pelo Brasil afora, o nordeste tem
se assumido nas pesquisas como uma zona de mais retenção das formas subjuntivas,
enquanto outras regiões do Brasil estariam avançando no estágio de propagação do que
chamamos de imperativo gramatical brasileiro. O que vemos em nosso corpus é essa
abrangência capital de formas indicativas, porém necessário se faz especificar ou
afunilar a análise e entender o que está realmente em jogo no processo variacionista nas
cidades de Florianópolis e Lages. É necessário compreender também se, nesse maciço
índice de 75% de formas indicativas em nosso corpus, vemos uma manifestação do
imperativo do que se tem chamado de imperativo gramatical brasileiro, ou se esse uso
de imperativos indicativos estaria relacionado à maior frequência de uso da forma de
tratamento tu, principalmente em Florianópolis, a cidade marcada pelo processo de
tuteamento, ou se seria uma ação simultânea de tuteamento/voceamento agindo sobre a
variável dependente nessas duas cidades catarinenses.
Quanto aos 25% de formas verbais imperativas subjuntivas detectadas em
nossa amostra total, sentimos a necessidade de compreender esse índice menor à guisa
de questões relacionadas à diferença de sistemas linguísticos nas duas cidades
investigadas e a relações de poder ou de polidez nelas materializadas. Embora, numa
amostra geral, os resultados de imperativo subjuntivo demonstram uma frequência mais
reduzida, acreditamos que, numa especificação da análise, essas formas subjuntivas
possam assumir contornos mais amplos, assumindo diferenças mais emblemáticas e
reveladoras do processo de ordenamento da variável linguística.
Com o intuito de buscarmos essa especificação de análise, submetemos os
dados categorizados ao crivo do software Gold Varb a fim de que este selecionasse as
variáveis linguísticas significativas ao uso das formas verbais imperativas. Operada a
98
análise, os grupos de variáveis independentes selecionadas16
das 15 que propomos
inicialmente foram estas:
a) Polaridade da estrutura
b) Extensão silábica
c) Forma de tratamento empregada pelo entrevistado
d) Cidade
e) Idade
f) Tipo de discurso reportado
g) Item lexical
Vemos, portanto, uma predominância dos grupos de fatores internos
selecionados como relevantes ao fenômeno linguístico em estudo. Outros dois grupos
considerados por Labov como externos foram selecionados: ‘idade’ e ‘cidade’. Já a
variável ‘tipo de discurso reportado’ revelaria alguma dimensão de estilo da variável
linguística. Vejamos como ocorreu a distribuição dos grupos de fatores selecionados
bem como seu efeito probabilístico, iniciando pelos grupos de fatores internos .
6.2 GRUPOS DE FATORES INTERNOS
Na sequência, apresentamos os grupos de fatores internos relevantes para a
nossa pesquisa.
6.2.1 Polaridade da estrutura
Os trabalhos sociolinguísticos sobre imperativo apresentam uma
impressionante harmonia estatística ao quantificarem o grupo ‘polaridade da estrutura’.
Quer seja em trabalhos de corpus escrito, ou falado, os resultados seguem o mesmo
rastro da incidência de formas imperativas subjuntivas em contextos de negação. Ou
16
Na rodada estatística apenas com Florianópolis, os grupos de fatores selecionadas como relevantes
foram: (i) polaridade da estrutura e (ii) escolaridade. Já na rodada estatística apenas com Lages os grupos
de fatores selecionados como relevantes foram: (i) polaridade da estrutura, (ii) formas de tratamento
usadas pelo entrevistado, (iii) idade e (iv) item lexical.
99
seja, esse contexto sintático é um forte ambiente retentor de imperativos manifestos na
forma subjuntiva, mesmo em comunidades de fala em que o amplo uso difundido é da
forma verbal indicativa. Os dados coletados em nossa amostra seguem a mesma
tendência estatística:
Polaridade Aplicativo/total Frequência Peso relativo
Afirmativa 333/411 81% 0.55
Negativa 18/53 19% 0.17
Total 351/464 75%
Tabela 7: Efeito da variável ‘polaridade da estrutura’ sobre a realização da forma verbal
imperativa indicativa.
Na visualização da tabela, podemos conferir uma predileção por formas
verbais indicativas em contextos sintáticos de afirmação. A frequência de 81% assegura
claramente tal tendência, que se põe em contraponto com a baixa frequência de 19%
para as formas verbais subjuntivas. O antagonismo nas duas tendências é ainda maior se
nos detivermos no peso relativo, que confere a probabilidade quase ínfima de 0.17 à
manifestação das formas verbais imperativas indicativas em estruturas sintáticas de
polaridade negativa. Dessa forma, os números atestam os resultados obtidos em
pesquisas anteriores (SAMPAIO 2001; SCHERRE2002, 2003; CARDOSO 2004;
LIMA 2005) bem como a nossa hipótese inicial.
Voltaremos mais adiante, no final deste capítulo, à polaridade da estrutura
para aprofundarmos algumas questões relacionadas ao conceito de comunidade de fala
quando mostraremos o resultado do cruzamento desse grupo de fatores com a variável
independente ‘cidade’, numa tentativa metodológica de definirmos Florianópolis e
Lages como duas comunidades de fala distintas, seguindo a proposta de Guy.
6.2.2 Extensão silábica
Assumimos como hipótese de trabalho que o tamanho da sílaba poderia ser
um grupo de fatores significativo na análise na medida em que o prolongamento da sua
extensão levaria a um maior desfavorecimento da forma imperativa indicativa. Os
trabalhos de Scherre (2000; 2006) vem atestando positivamente essa tendência
100
estrutural. Em nosso corpus a variável foi considerada relevante e, na distribuição
quantitativa dos dados, podemos visualizar a seguinte tendência:
Tamanho da sílaba Aplic./total Frequência Peso relativo
Monossílaba 74/86 86% 0.71
Dissílaba 241/321 75% 0.46
Trissílaba 15/20 75% 0.44
Polissílaba 21/37 56% 0.33
Total 351/464 75%
Tabela 8: Efeito do grupo de fatores ‘extensão silábica’ sobre a realização da forma
verbal imperativa indicativa.
Nota-se na tabela uma perfeita sincronia entre a extensão silábica e o
decréscimo da variante imperativa indicativa. Os resultados iniciam-se com índices
mais altos de indicativos atribuídos ao fator ‘monossílabo’, que ostenta 86% de
frequência e um elevado peso relativo 0.71 favorável à manifestação do verbo
imperativo em sua forma indicativa. Porém, à medida que os verbos extendem-se
silabicamente, adquirindo maior massa fônica, a frequência de uso nas formas
indicativas vai diminuindo: 75% de frequência para verbos imperativos dissílabos e
trissílabos, porém com uma leve diferença no peso relativo de ambos, 0.46 para verbos
dissílabos e 0.44 para verbos trissílabos. O ápice dessa sincronia entre extensão silábica
e forma de realização dos verbos se dá no fator ‘polissílabo’’ quando o índice de
imperativos indicativos decai à frequência de 56% e uma probabilidade de ocorrência
ainda menor, no caso de 0.33.
Embora essa variável independente tenha sido amplamente selecionada no
pacote estatístico na maioria das pesquisas empreendidas, uma interpretação para este
fenômeno, até o momento, tem pairado em um terreno obscuro. É inegável, no entanto,
o seu caráter sistêmico dentro da estrutura da língua, o que bem demonstra a
replicabilidade dessa tendência em várias pesquisas sobre o assunto.
Em nossa seção das hipóteses, propomos uma aplicação do princípio
funcional que Givón formulou para a extensão das sentenças imperativas na língua
inglesa à extensão silábica dos verbos imperativos no PB. Como vimos, Givón confere
101
um decréscimo de força manipulativa nos atos de comando manifestos por sentenças
enquanto estas vão adquirindo maior massa fônica ou extensão. Segundo o linguista,
quanto maior a extensão da sentença, menor seria a força manipulativa empregada pelo
manipulador no ato de comando. Relembremos o esquema por ele proposto:
Força manipulativa mais alta
g) Levante-se!
h) Levante-se, acho que você poderia.
i) Você poderia se levantar, por favor?
j) Você se incomodaria em se levantar?
k) Você acha que daria para se levantar?
l) Você se incomodaria se eu se lhe pedisse para se levantar?
Força manipulativa mais baixa
Visualizamos, pelo esquema de Givón, essa proposta de uma diminuição na
força manipulativa à medida que as sentenças com função imperativa aumentam de
tamanho. Considerando, então, que verbos subjuntivos apresentariam uma menor força
manipulativa (um imperativo mais brando) e considerando também que tais verbos
subjuntivos se manifestam em frequência maior à medida que ostentam maior massa
fônica, propomos então o seguinte esquema:
Força manipulativa mais alta
Verbos imperativos monossílabos
↨ Verbos imperativos dissílabos ↨
Verbos imperativos trissílabos
Verbos imperativos polissílabos
102
Força manipulativa mais baixa
Tudo isso, entretanto, é apenas uma tentativa, ainda carecedora de maior
fundamentação, de interpretarmos essa tendência sempre constante de usos de
imperativos subjuntivos apresentarem maior frequência quando o grupo de fatores
‘extensão silábica’ é acionado.
6.2.3 Forma de realização do tratamento
Esta variável, ao ser considerada pelo programa estatístico como relevante
para a análise, atestou nossa expectativa inicial de que a realização das formas verbais
imperativas em PB são fortemente influenciadas pela forma de tratamento que
utilizamos para atingirmos o nosso interlocutor. Embora reconheçamos, com base em
ampla literatura, uma unificação dos paradigmas de segunda e terceira pessoa em PB,
ainda há de se pensar numa tendência de que formas de tratamento ‘tu’ levem a um
maior uso de imperativos indicativos e as formas ‘senhor’ e ‘você’ levem a uma
frequência mais ampla de formas subjuntivas. Essa correlação forte entre formas de
tratamento e frequência de imperativos também poderia abrir margem a hipótese de que
traços semânticos de polidez, de distanciamento, de solidariedade ou de poder sejam
materializados nesses usos simultâneos de imperativos e formas de tratamento.
O fato é que, num primeiro momento, numa análise geral, levando em conta
todo o corpus, o programa estatístico captou o seguinte comportamento para a
frequência de indicativos associada ao grupo de fatores ‘forma de realização do
tratamento’:
Forma de
tratamento
Aplicativo/total Frequência Peso relativo
Tu 36/41 87% 0.60
Forma nominal (guri,
tio, rapaz etc.)
34/44 77% 0.57
Forma de
tratamento não
241/293 82% 0.56
103
explícita
Senhor/senhora 11/16 68% 0.24
Você 29/70 41% 0.21
Total 351/464 75%
Tabela 9: Efeito da variável ‘forma de tratamento’ sobre a realização da forma verbal
imperativa indicativa.
O que vemos no comportamento captado pelo programa é a forma de
tratamento ‘tu’ e a forma ‘você’ ocupando os dois extremos da tabela, de modo que
salta aos nossos olhos essa liderança na predileção pelas formas imperativas associadas
ao indicativo em contexto de ‘tu’. O peso relativo de 0.60 e a frequência maciça de 87%
avalizam tal predileção. Por outro lado, as formas ‘senhor’ e ‘você’ conduzem a
frequência de formas verbais imperativas a um decréscimo significativo na tabela: peso
relativo de 0.24 e 0.21 respectivamente, embora notemos uma frequência razoavelmente
alta de 68% de indicativos em contextos de ‘senhor’ e ‘senhora’.
Os outros dois fatores do grupo, ‘forma nominal de tratamento’ e ‘forma
não explícita’ apresentam uma distribuição bastante equilibrada dos resultados e isso é
atestado pelo peso relativo conferido a eles pelo programa, qual seja, um peso de 0.57
para o primeiro e 0.56 para o segundo. No entanto, embora ambos os fatores mostrem
um peso relativo em respectiva queda, a frequência de ambos, por sua vez, segue um
caminho levemente oposto, nesse caso vemos uma frequência de 77% para o fator
‘forma nominal’ e 82% para o fator ‘forma não explícita’.
É difícil explicar essa não coerência entre pesos relativos e frequência, mas,
como se trata de uma disparidade bastante diminuta, creditamos isso a um eventual
enviesamento na análise. Acreditamos que um refinamento na categoria ‘forma nominal
de tratamento’ possa ser bastante válido e, por isso, revelar, quem sabe, algumas
nuances na semântica de poder e solidariedade não captadas sob essa ‘etiqueta’. Outra
opção de análise seria incluir os dados catalogados em ‘forma de tratamento não
explícita’ nas categorias ‘tu’ e ‘você’ a depender de um contexto discursivo maior e
não apenas do domínio sintático circunscrito ao verbo imperativo.
Por outro lado, é inegável, nesse momento mais geral da análise, a
comprovação empírica de que as formas imperativas parecem operar em consonância
com o sistema de tratamento existente nas cidades de Florianópolis e Lages. Essa
constatação adquire importância capital a partir do momento em que constatamos que a
104
variável ‘relações de poder e solidariedade’ não foi selecionada como relevante pelo
programa - o que nos conduz à impressão de que são as formas de tratamento que
realmente colorem as formas verbais imperativas com as nuances do distanciamento e
da polidez - e assumirá importância ainda mais crucial para a análise quando operarmos
o cruzamento com o grupo de fatores ‘cidade’, onde veremos essa distribuição de
formas de tratamento e imperativos de maneira mais detalhada, revelando padrões
particulares e distintos de uso nas cidades de Lages e Florianópolis. Voltaremos à
abordagem das formas de tratamento e da sua relação com os verbos imperativos de
maneira mais detalhada logo adiante quando descrevermos o cruzamento dos grupos de
fatores e tocarmos, dessa forma, na questão do encaixamento linguístico e social.
6.2.4 Grupo ‘item lexical’
Esse grupo mostrou-se relevante em nossa análise, sendo selecionado pelo
programa estatístico. Nossa hipótese era a de que encontraríamos maior gama de
variação nas formas verbais plenas, enquanto os marcadores discursivos tenderiam a um
comportamento mais uniforme, padronizado, cristalizado nas formas indicativas. A
tabela a seguir aponta a seguinte distribuição quanto a esse grupo de fatores:
.
Tipo de verbo Aplicativo/total Frequência Peso relativo
Verbo pleno 193/289 66% 0.36
Marcador discursivo
158/175 90% 0.71
Total 351/464 75%
Tabela 10: Efeito da variável ‘item lexical’ sobre a forma verbal imperativa indicativa.
O peso relativo de 0.36 atesta-nos que é na categoria dos verbos plenos que
temos um campo mais suscetível à variação linguística ou à insurgência de formas
verbais subjuntivas. Na categoria ‘marcador discursivo’, temos uma estabilidade
bastante acentuada no uso das formas verbais indicativas, o peso relativo, neste caso, é
de 0.71 e uma frequência elevada de 90%.
Embora aparentemente seja um disparate metodológico jogar marcadores e
verbos plenos juntos na análise, partimos do princípio de que os marcadores discursivos
possuem uma forma base imperativa ou uma significação básica imperativa
105
(SNICHELOTTO, 2009). Os marcadores discursivos ainda carregam a significação
original de comando mesmo que operem esse comando no próprio interior do discurso,
numa espécie de atividade epilinguística, de comando voltado para a própria atividade
discursiva. Foi interessante fazermos essa rodada para mostrarmos que os marcadores
realmente revelam uma estabilidade mais acentuada e os verbos plenos disparam uma
probabilidade de variação muito maior.
A fim de confirmarmos essa tendência, realizamos um cruzamento entre o
fator ‘cidade’ e o grupo ‘item lexical’, de maneira que pudéssemos entrever
determinadas particularidades de uso envolvendo esses dois itens lexicais. Os resultados
a que chegamos foram estes:
Cidade Verbo pleno Marcadores
discursivos
Total
Florianópolis 84%
122/145
93%
62/67
193/289
Lages 49%
71/73
89%
96/108
158/175
Total 184/212 158/175 351/464
Tabela 11: Cruzamento do fator ‘cidade com o fator ‘item lexical’ sobre a realização da
forma verbal imperativa indicativa.
Vemos, na tabela, a manutenção quase cristalizada das formas indicativas na
categoria dos marcadores discursivos, manutenção esta que se mantém praticamente
incólume à distribuição do grupo de fatores ‘cidade’. Por exemplo, os resultados
assinalam uma frequência de 93% de forma indicativa para os marcadores discursivos
realizados em Florianópolis e 89% de indicativo para os marcadores proferidos em
Lages. Porém, essa quase imunidade não se mantém na categoria dos verbos plenos,
cujo raio de incidência se distribui de forma bastante díspar no cruzamento com o grupo
de fatores ‘cidade’, neste caso, o índice de formas indicativas em Lages diminuiu
consideravelmente para 49%, o que nos indicia ainda mais a comprovar uma maior
flutuação estatística nessa categoria dos verbos plenos e nos indicia também a afirmar
que manter os marcadores discursivos na análise não lhe traz uma carga de prejuízo no
106
sentido de um provável enviesamento de resultados, visto que a distribuição social das
formas variantes se mantém praticamente intacta. Além do mais, tal manutenção
enriquece ainda mais a análise do ponto de vista de volume de dados, visto que,
segundo Guy e Zilles (2007), em tratamento estatístico deve-se obter tantos dados
quanto possível, pois ‘em estudos quantitativos mais é quase sempre melhor’.
Por fim, importa dizer que essa particularidade de usos dos verbos
imperativos especificamente nas cidades de Lages e Florianópolis, como aqui insinuada,
se demonstrará mais acuradamente na próxima seção.
6.3 GRUPOS DE FATORES EXTERNOS
Os grupos de fatores externos selecionados ‘cidade’ e ‘idade’ são descritos a
seguir no prosseguimento do capítulo de análise e discussão dos resultados.
6.3.1 Grupo de fatores ‘cidade’
Uma das expectativas norteadores desta pesquisa era a de que pudéssemos
encontrar um comportamento distinto no padrão de uso das formas verbais imperativas
nas cidades de Florianópolis e Lages e tal expectativa era movida por dois fatores
incontestáveis: (i) Florianópolis e Lages apresentam colonizações bastante
diversificadas e (ii) esses distintos processos de colonização resultaram em um padrão
diversificado nas formas de tratamento, padrão que se revela em Florianópolis através
de um processo de tuteamento por conta da colonização açoriana e em Lages por um
processo de voceamento, influenciado pela rota dos tropeiros paulistas.
Considerando o imperativo, um fenômeno possivelmente encaixado na
estrutura linguística e social, assumimos, previamente, a hipótese de que Lages pudesse
ser um reduto de maior disseminação de formas imperativas subjuntivas, reflexo
inevitável desse processo de voceamento, enquanto Florianópolis se confirmaria como
um reduto de formas imperativas indicativas, reflexo inevitável, por sua vez, desse
processo de tuteamento, não descartando obviamente em ambas as cidades uma margem
de variação por conta da mistura do paradigma de segunda e terceira pessoas que se
consolida no PB. Os resultados a que chegamos são visualizados abaixo:
107
Cidade Aplicativo/total Frequência Peso relativo
Florianópolis 184/212 86% 0.70
Lages 167/252 66% 0.30
Total 351/464 75%
Tabela 12: Efeito da variável ‘cidade’ sobre a realização da forma verbal imperativa
indicativa.
Salta aos olhos a disparidade nos pesos relativos que o grupo de fatores
‘cidades’ nos proporciona, visto que temos a exata comprovação estatística daquilo que
intuitivamente já suspeitávamos ou prevíamos inicialmente, o fato de que Lages e
Florianópolis pudessem apresentar divergências numéricas em termos de frequência do
uso das formas verbais imperativas.
Os resultados para Florianópolis e Lages fluem em direções diametralmente
opostas: enquanto Florianópolis se comporta em nosso corpus como uma cidade de
elevada produção de formas imperativas indicativas – com um peso relativo de 0.70 e
86% de frequência – Lages, em contrapartida, assume-se em nosso corpus como uma
localidade mais retentora de formas imperativas subjuntivas – os resultados assinalam
um peso relativo de 0.30 e uma frequência de 66%.
A fim de tornarmos isso visualmente mais claro para o leitor, optamos por
produzir um quadro distributivo de usos por informante nas duas cidades, uma vez que
um recurso visual como esse ajuda-nos a perceber, com outras sutilezas, padrões
distintos de uso na regra variável imperativa nas cidades de Florianópolis e Lages.
Vejamos o quadro distributivo abaixo:
Cidades Somente a forma
indicativa
Somente a forma
subjuntiva
Indicativo e
subjuntivo
Florianópolis 15 - 9
Lages 4 - 20
Total 19 0 29
Quadro 2: Distribuição do número de informantes segundo as formas verbais
imperativas indicativas e subjuntivas nas cidades de Florianópolis e Lages.
108
A primeira particularidade extraída do quadro distributivo está no uso não
categórico da forma imperativa subjuntiva por nenhum dos informantes, nem menos em
Lages onde se tem concentrado um índice de produção mais abastado dessas formas. Se
os falantes não produzem mais apenas a forma subjuntiva nas entrevistas, se as formas
imperativas sempre concorrem e co-ocorrem até mesmo na comunidade de produção
maior de uma determinada variante, pudemos ver nisso uma evidência emblemática de
que estamos lidando com duas formas linguísticas que altamente estão duelando por
uma supremacia de espaço no sistema linguístico, sendo, ao que tudo indica, a forma
imperativa subjuntiva a menos corriqueira e mais conservadora, conservadora em
relação ao que se tem chamado de imperativo gramatical brasileiro, já que ela nunca se
apresenta de forma categórica no discurso de nenhum dos entrevistados.
Embora não haja usos categóricos, podemos constatar e deduzir fortes
tendências em termos de produção das formas verbais imperativas. Novamente, neste
quadro, Florianópolis se apresenta como a cidade em que os entrevistados apresentam
uma predileção pelas formas indicativas, no total de 24 entrevistados do projeto Varsul
15 produziram em seu discurso apenas a forma verbal indicativa, enquanto nove
entrevistados em algum momento alternaram as formas indicativas com as formas
subjuntivas. Essa distribuição se configura de forma bastante divergente entre os
entrevistados da cidade de Lages, onde apenas quatro informantes lançaram mão da
forma verbal imperativa indicativa e outros 20 oscilaram entre as formas indicativas e
subjuntivas.
Constatamos, dessa forma, por intermédio do quadro distributivo somado à
tabela de frequência e probabilidade, dois fatos bastante contundentes no
comportamento linguístico dos entrevistados do nosso corpus: (i) Lages é realmente a
cidade em que a possibilidade de uso alternado entre as duas variantes é mais dilatado,
embora com probabilidade maior de uso para a forma subjuntiva e (ii) os entrevistados
de Florianópolis apresentam esse comportamento alternado só que de forma mais
dispersa aliada a uma predileção mais robusta pelas formas verbais imperativas
indicativas.
Veremos ainda, no decorrer de nossa análise, como essas duas cidades
apresentam comportamentos bastante singulares na distribuição de uso das formas
verbais imperativas, que estaria associada, por sua vez, a um padrão de uso distinto nas
formas de tratamento, impulsionado respectivamente por processos de colonizações
109
diferentes. Trata-se Lages e Florianópolis, então, de duas comunidades de fala
distintas? Voltaremos a essa questão mais adiante no final deste capítulo.
6.3.2 O grupo de fatores ‘idade’
Um fator extralinguístico importante para a teoria laboviana é o fator idade.
Através do controle da faixa etária, podemos inferir padrões linguísticos entre gerações
diferentes, o que nos daria indícios da dinâmica do processo de variação estável ou de
mudança em tempo aparente no sistema linguístico de uma determinada comunidade de
fala. Em nossa pesquisa fizemos o controle estatístico dessa variável e os resultados
foram considerados relevantes pelo programa. Numa primeira análise de caráter mais
geral, a frequência bem como a probabilidade para o grupo de fatores ‘idade’ foram
estas:
Idade Aplicativo/total Frequência Peso relativo
Mais jovens (até 45
anos)
184/255 79% 0.61
Mais velhos ( mais
de 50 anos)
167/209 72% 0.40
Total 351 75%
Tabela 13: Efeito da variável ‘idade’ sobre a realização da forma verbal imperativa
indicativa.
Nossa hipótese previa que a forma imperativa indicativa ocorresse com mais
frequência justamente entre os mais jovens, enquanto os falantes mais velhos, acima dos
50 anos, optassem por um uso mais ostensivo de formas imperativas subjuntivas, visto
ser esta a variante mais conservadora. Os resultados visualizados na tabela mostram
justamente essa tendência atestando a nossa hipótese. Na tabela, embora observemos
uma frequência quase parelha na distribuição de formas imperativas indicativas, – 79%
para os mais jovens e 72% para os mais velhos – o peso relativo para ambos caminha
em direções mais extremas, o que revela efeitos probabilísticos antagônicos e, por isso,
mais pertinentes a nossa análise. Veja o leitor que, a despeito da frequência quase
justaposta entre ambos os fatores, o peso relativo para os mais jovens é de 0.61
enquanto para os falantes mais velhos o peso relativo confere o valor de 0.40.
110
Indubitavelmente, a tendência de aplicação da regra variável para a forma verbal
subjuntiva é mais produtiva entre os falantes que já ultrapassaram a fronteira dos 50
anos.
A fim de investigarmos especificamente como em Florianópolis e em Lages
essas duas gerações diferentes operam com a regra variável imperativa, efetivamos um
cruzamento estatístico entre o grupo de fatores ‘idade’ e o grupo de fatores ‘cidades’. Já
vimos que Florianópolis é um celeiro produtivo de formas imperativas relacionadas ao
padrão de segunda pessoa ‘tu’, mas, mesmo assim, esperamos que os falantes mais
velhos de Florianópolis revelem um índice mais elevado de formas imperativas
subjuntivas. Quanto à cidade de Lages, prevíamos que a tendência de mais formas
imperativas subjuntivas se manteria, mas com índice mais elevado entre os falantes
mais velhos. Os resultados em termos de frequência obtidos pelo programa são
relacionados abaixo:
Cidade Idade (mais jovens) Idade (mais velhos) Total
Florianópolis 88%
80/91
86%
104/121
184/212
Lages 74%
87/118
60%
80/134
167/252
Total 167/209 184/255 351/464
Tabela 14: Cruzamento do fator ‘cidade’ com o fator ‘idade’ sobre a realização da
forma verbal imperativa indicativa.
Florianópolis, pelo que os resultados obtidos nos revelam, apresenta um
comportamento bastante uniforme entre as gerações, de forma que tanto falantes de 25
até 50 anos, quanto aqueles de 50 anos em diante, apontam um comportamento
linguístico bastante semelhante em termos de tendência estatística. A frequência de 88%
para falantes mais jovens e de 86% para falantes mais velhos assinalam, ao que parece,
uma tendência de comportamento linguístico bastante estabilizado no sistema dessa
comunidade. Por sua vez, Lages apresenta uma perceptível diferença na frequência de
uso das formas imperativas entre as gerações: um índice de 74% de indicativo entre os
mais jovens, levemente menor se comparado ao padrão florianopolitano nesta geração, e
um índice de 60% de indicativo entre os falantes mais velhos de Lages.
111
Vê-se, dessa forma, o número de formas imperativas subjuntivas aumentar
consideravelmente entre a geração acima de 50 anos na cidade de Lages, enquanto, em
Florianópolis, a regra variável apresenta uma maior estabilização no interior do sistema
linguístico da comunidade, sendo indiferente à influência do fator geracional. Isso
mostra o quanto o cruzamento estatístico pode nos revelar nuances e detalhes não
apreendidos num primeiro momento da análise.
6.4 AS VARIÁVEIS ESTILÍSTICAS
Nossa expectativa inicial era a de que o fenômeno em estudo revelasse certa
sensibilidade à captação de influências que Labov inclui sob a etiqueta da categoria
estilística. Partimos com a expectativa de que as formas imperativas materializassem
relações de poder e de solidariedade, seguindo a semântica proposta por Brown e
Gilman (2003 [1960]). Embora Reis (2003) tenha conseguido dados em seu corpus que
mostraram a relevância do fator ‘tipo de relações’; em nosso acervo de dados, esse
grupo de fatores não foi selecionado como relevante pelo programa computacional. Das
nossas variáveis estilísticas propostas, apenas o grupo de fatores ‘tipo de discurso’ foi
selecionado como relevante.
A hipótese desenvolvida para esse grupo de fatores era a de que,
primeiramente, o discurso reportado revelasse nuances estilísticas notórias, de maneira
que encontrássemos no interior da entrevista sociolinguística uma confluência de vozes
muito bem orquestrada pelo falante, que, ao reportar essas vozes, o faria acentuando o
seu discurso com propriedades do discurso do outro. Desde o começo, com base em
Faraco e Zilles (2002), temos arguido sobre a importância do discurso reportado para a
nossa pesquisa, sobre como esse espaço da entrevista sociolinguística pode ser
extremamente valoroso para a captação de fenômenos que demandem uma situação
interlocutiva de uso linguístico a fim de serem analisados, o que muitas vezes afasta o
pesquisador do corpus de língua falada constituído por entrevistas sociolinguísticas, por
conta dessa aparente impossibilidade de haver nas entrevistas uma situação interlocutiva
que instaure estruturas linguísticas de caráter dialógico como pronomes possessivos,
formas de tratamento e, no nosso caso, formas verbais imperativas.
Estando o sujeito da entrevista sociolinguística orquestrando essa sinfonia
de vozes, tínhamos como hipótese inicial a não-isonomia das particularidades
linguísticas da sua voz e da voz deste outro que fala através dele. Ou seja,
112
acreditávamos que essa confluência de vozes pudesse ser captada estatisticamente e que
tal polifonia constitutiva da entrevista sociolinguística deixasse vestígios altamente
relevantes na distribuição de uso das formas imperativas.
Por conta de um plurivocalismo intrínseco, como pressuposto hipotético,
esperávamos que houvesse nesse grupo de fatores uma distribuição diferenciada de
formas imperativas no discurso reportado do próprio falante e no discurso reportado de
outra pessoa. Aventamos a hipótese de que, ao reportar a sua própria voz, o falante se
apropriaria das formas verbais imperativas indicativas e, ao reportar a voz do outro, o
falante tenderia a modificar o seu padrão de uso, adotando uma maior tendência às
formas subjuntivas. Tudo isso porque acreditávamos que, mesmo no contexto de
reportação de vozes, ainda haveria reflexos da estrutura social mais ampla - no que diz
respeito a sua configuração em torno do campo do poder e da solidariedade - na
materialidade linguística produzida pelo sujeito entrevistado ao reger um mundo
enunciativo complexo de relações, tramas, ambientes, ideologias, conflitos etc.
Antes de descrevermos os resultados dessa tabela, é interessante
relembrarmos que havíamos proposto outro grupo de fatores envolvendo o discurso
reportado. Era o grupo ‘tipo de discurso’ que englobava os fatores ‘discurso não
reportado’ e ‘discurso reportado’. Com esse grupo, esperávamos ver uma distribuição
diferenciada das formas imperativas, no caso um índice maior de formas imperativas
indicativas em contextos de discurso não reportado e um uso mais vantajoso de formas
subjuntivas em ambientes de reportação, de maneira que pudéssemos destrinchar ainda
mais em índices estatísticos essa polifonia materializada na entrevista sociolinguística,
uma vez que, como já vimos, Faraco e Zilles (2002) pensam o discurso reportado como
um espaço enunciativo diferenciado, que provoca a exigência de um tratamento
analítico específico, na medida em que ele pode introduzir heterogeneidade no dizer do
informante.
Infelizmente, esse grupo de fatores ‘tipo de discurso’ que antecedia o grupo
‘tipo de discurso reportado’ não foi selecionado pelo programa, o que nos deixa um
tanto desapontados, tendo em vista uma relação de quase contiguidade entre esses dois
grupos. Embora não tenha sido selecionado, a título de curiosidade, informamos que,
no grupo de fatores ‘tipo de discurso’, a frequência de indicativos foi menor em
ambientes de reportação de vozes, 68%, contra 85% de verbos imperativos indicativos
em contextos de não reportação.
113
Esse grupo de fatores, portanto, embora não considerado relevante na
análise, nos oferece alguma pista de uma possível sensibilidade estilística por parte do
falante no momento em que distribui vozes, atribui vozes e assume vozes do outro na
tessitura do discurso que enuncia. Essas pistas tornam-se um tanto menos obscuras a
partir do momento em que um grupo de fatores relacionado à reportação de vozes é
selecionado pelo programa, no caso o grupo de fatores ‘tipo de discurso reportado’. Os
resultados, no entanto, geram-nos ainda algum grau de dificuldade, e embora seja
possível assumir que as ocorrências de verbos imperativos na entrevista sociolinguística
sejam afetadas significativamente pela insurgência de discursos reportados, muitos
elementos cruciais para a compreensão de como se dá essa operação discursiva ainda
pairam sob um véu um tanto diáfano.
Os resultados apontados estatisticamente pelo programa quanto a essa
variável seguem dispostos abaixo:
Tipo de discurso
reportado
Aplicativo/total Frequência Peso relativo
Discurso reportado
do próprio falante
95/138 69% 0.38
Discurso reportado
de outra pessoa
97/141 68% 0.61
Total 192/279 75%
Tabela 15: Efeito da variável ‘tipo de discurso reportado’ sobre a realização da forma
verbal imperativa indicativa.
Embora a frequência estatística entre os dois fatores constitutivos do grupo
se equipare numericamente, 68% e 69%, o efeito de probabilidade de ambos assume
tendências bastante contrastantes e não menos conflituosas. Para o fator ‘discurso
reportado do próprio falante’, embora tenha havido 1% a mais de formas indicativas, o
seu peso relativo assumiu um valor bastante baixo, 0.38, por outro lado, no fator
‘discurso reportado de outra pessoa’, embora com 1% a menos na frequência, o peso
relativo para a forma indicativa foi muito maior, no caso, o valor de 0.62.
Acreditamos que o peso relativo de 0.62 para o fator ‘discurso reportado de
outra pessoa’ deve ter sido resultado de alguma sobreposição entre a variável
selecionada e o grupo de fatores ‘tipo de discurso’. Por isso, afirmamos que
114
continuamos num terreno um tanto obscuro, onde as relações entre discurso reportado e
a produção de verbos imperativos se mostram de forma contraditória e um tanto
incoerente no resultado final estatístico. É inegável, contudo, pensarmos que algum
enviesamento dos resultados possa ter ocorrido no fluir das rodadas, e tal dificuldade
nos motiva a continuar a investigar esses grupos de fatores. Muita coisa pode estar em
jogo no discurso reportado se sobrepondo a outros elementos de difícil controle, como o
caráter ativo do falante-entrevistado que transfigura a voz do outro-reportado em sua
própria subjetividade (FARACO E ZILLES, 2002). Também não conseguimos afirmar
em que contextos, precisamente, o narrador entrevistado reproduziria ipsis literis a voz
do outro, talvez essa reprodução mais fidedigna ocorresse em momentos em que se
queira reproduzir certa rigidez nas relações sociais.
Por fim, é inegável também que, dada a seleção do grupo de fatores ‘tipo de
discurso reportado’ como relevante, o discurso reportado assume, sem dúvida, alguma
relação de influência enquanto direcionadora de tendência na produção dos verbos
imperativos, mas, infelizmente, não conseguimos tornar mais clara, estatisticamente
falando, essa relação até o presente momento desta pesquisa.
6.4.1 Formas imperativas e os tipos de relações sociais
Um dos objetivos desse trabalho era tentar entrever em que medida as
formas imperativas materializam as prováveis relações de poder e de solidariedade, ou
de mais ou menos distanciamento social, valendo-nos aqui do termo cunhado por
Brown e Gilman (2003 [1960]), rediscutido por Wardhaugh (2003) e Cook (1997). Essa
semântica do poder e da solidariedade tem sido bastante profícua no terreno das formas
linguísticas de tratamento, basta pensarmos que os autores desenvolveram sua reflexão
linguística valendo-se de um levantamento exaustivo de formas de tratamento em
diversas línguas do mundo afora.
Embora originalmente essa semântica do poder tenha sido pensada para as
formas de tratamento, tem havido uma tentativa de estender essa configuração das
relações de poder para outros elementos da estrutura linguística, tais como o uso dos
pronomes possessivos e também, no nosso caso, dos verbos imperativos. Se, em se
tratando das formas de tratamento, essas relações sociopessoais se mostram mais
facilmente materializadas, como, por exemplo, apontou tão detalhadamente a análise
diacrônica de Nunes de Souza (2011) sobre o uso das formas de tratamento em
115
Florianópolis, ainda, no terreno das formas imperativas em PB, faltam indícios em
língua oral, se a codificação do traço + ou – distanciamento se dá pelo binômio
indicativo/subjuntivo.
Essa codificação do traço + ou - distanciamento na variação do imperativo,
como vimos, apresenta duas linhas de argumentação: por um lado, Faraco que, em sua
tese pioneira, aventou uma função pragmática diferenciada para as formas imperativas
indicativas, que, segundo ele, materializam aspereza, ordem rude, comando externado a
alguém em condição inferior, enquanto nas outras condições a forma subjuntiva seria a
esperada e mais comum na língua portuguesa. Reis (2003) encontra indícios em texto
escrito de que as formas imperativas seriam passíveis de um tratamento de força escalar
sob a influência das relações sociopessoais, de maneira que as formas subjuntivas
seriam usadas em situações de mais polidez ou mais assimetria de inferior para superior.
Por outra direção segue Scherre (2008), que tem argumentado
insistentemente na não codificação desses traços nas formas imperativas em PB. Em sua
opinião, essa codificação do traço + ou – distanciamento ocorre de forma exata no PE,
mas não se materializa tão claramente nas formas indicativas e subjuntivas do
imperativo do PB. Para Scherre, essa codificação se dá através de uma soma de
elementos linguísticos que operariam em conjunto construindo, dessa forma, a
coloração pragmático-semântica de distanciamento ou de aproximação.
Em nossa pesquisa, tomamos como hipótese que o uso das formas
imperativas refletiriam os tipos de relações sociais existentes: relações simétricas,
assimétricas de superior para inferior e assimétrica de inferior para superior e o fizemos
com base nos resultados obtidos por Reis, que, conseguiu evidenciar em dados extraídos
do romance Vinhas da Ira, uma sistematicidade na codificação dos traços semânticos de
poder, de solidariedade, ou de distanciamento e aproximação. Na nossa busca nos dados
imperativos de fala por essa sistematicidade na codificação das relações de poder, nos
valemos da estratégia do discurso reportado como um ambiente possível no interior da
entrevista sociolinguística em que essas relações de interação e, consequentemente
instauradoras de algum tipo de poder, possam ocorrer. E é inegável o quanto o discurso
reportado oferece possibilidades de análise linguística, a despeito de Labov ainda não o
ter levado em conta em sua teorização a respeito da variação estilística.
Na análise multivariada que empreendemos, entretanto, o grupo de fatores
‘tipos de relação’ não foi selecionado como relevante pelo programa estatístico. Isso por
si só direcionaria a nossa hipótese para o que tem postulado Scherre: as formas
116
indicativas e imperativas não codificam os traços semânticos de distanciamento e de
aproximação. No entanto, em uma análise não binomial, numa rodada de cruzamentos,
por exemplo, conseguimos ver algumas particularidades em termos de frequência que
parecem sinalizar que as relações sociais podem ter algum tipo de incidência sobre o
uso variante das formas imperativas, só que esse raio de incidência em termos de
frequência estatística só se deixa sinalizar quando as relações são cruzadas com outros
grupos de fatores. Fora dessa acepção, ou seja, apenas calculando o grupo de fatores
‘tipo de relações sociais’, os resultados mostram insignificância em todos os níveis da
análise estatística.
Um dos cruzamentos que operamos e consideramos altamente pertinente
para a nossa análise foi o cruzamento desse grupo com o grupo ‘forma de realização de
tratamento’. O cruzamento nos permite ver o uso dos imperativos operando com formas
que, sabidamente, carregam, em sua materialidade de significante, a marca ideológica
dos tipos de relações, tal como formulado por Brown e Gilman (2003[1960]). Vejamos
os resultados abaixo:
Relações de poder
Nulo Forma Nominal
Tu Você Senhor Total
Relações simétricas
76% 57/75
100% 15/0
78% 14/18
74% 14/19
---- 79% 100/127
Relações Assimétricas de S para I
76% 31/41
75% 12/16
100% 10/0
19% 6/25
---- 60% 59/98
Relações Assimétricas de I para S
53% 10/19
54% 7/13
----- 62% 5/8
79% 11/14
61% 33/54
Tabela 16: Cruzamento do grupo de fatores ‘forma de realização do tratamento’ com o
grupo de fatores ‘tipo de relações sociais’ sobre a realização da forma verbal imperativa
indicativa.
No cruzamento desses dois grupos de fatores somos levados para direções
semelhantes às que trabalhos sobre formas de tratamento já antes nos haviam
conduzido, tais como os de Gorski e Coelho (2010) e Nunes de Souza (2011), ambos
explorando as formas de tratamento em Santa Catarina e sua manifestação atrelada aos
tipos de relações sociais. O que podemos diagnosticar na tabela é uma tendência
conjunta das formas de tratamento em operação com as formas imperativas refletindo e
117
atualizando os tipos de relações sociais ou muitas vezes as formas de tratamento
sobressaindo na atualização dessas relações, refletindo per si as nuances ideológicas das
relações em jogo e estendendo-as aos verbos imperativos que as acompanham, podendo
estes se alternar entre formas indicativas ou subjuntivas sem necessariamente
codificarem de forma estrita e inequívoca esses traços estilísticos de intimidade e de
polidez.
Observamos, por exemplo, a emergência da forma tu e você em grande
propagação nas relações consideradas simétricas. Os números são da ordem de 78% e
74% de imperativo indicativo nesses dois contextos linguísticos. Formas nulas de
tratamento obtiveram uma frequência também elevada de 76% de indicativos, já as
formas nominais de tratamento, quando usadas nessas relações, desencadearam
categoricamente o uso das formas imperativas indicativas. Por sua vez, a forma
senhor/senhora não foi empregada nesse contexto discursivo de simetria. O que
podemos aventar, então, é que não apenas as formas imperativas indicativas
predominam nesse contexto discursivo em que as relações sociais se estabelecem
balizadas pelo valor simétrico, mas sim que ocorrem em consonância com a predileção
por formas de tratamento já comprovadas pelas pesquisas como carregadoras dessa
valoração social simétrica de intimidade ou proximidade, quais sejam, as formas tu e
você.
Sobre as formas nominais, é necessário refinarmos até mesmo
qualitativamente essa categoria a fim de ponderarmos mais sobre a sua função
discursiva em meio a esse jogo de relações. O que acreditamos é que, no interior dessa
categoria das formas nominais, aquelas formas de valoração explicitamente mais
respeitosas (pai, mãe, avô, professor, padre) são empregadas em outro nível hierárquico
das relações, o que justificaria a queda acentuada de uso das formas verbais indicativas
da ordem de 100% em contexto simétrico para 56% em ambiente de relações
assimétricas de inferior para superior.
Já no ambiente discursivo em que as relações são instituídas
assimetricamente, só que de superior para inferior, o índice total de formas indicativas
tem uma queda de 79% para 60%, um índice pouco expressivo se nos detivermos
apenas nele. Mas, olhando para sua distribuição através do eixo das categorias de
tratamento, conseguimos entrever que as formas imperativas não ocorrem nunca nesse
contexto com a forma de tratamento senhor, simplesmente porque senhor não desponta
nessa situação interlocutiva.
118
Por outro lado, o imperativo em contextos assimétricos de tu se realiza
numa frequência potente de 100%. Já no contexto sintático de você, nessa mesma
configuração assimétrica de superior para inferior, a frequência de imperativos
indicativos despenca emblematicamente para 19%, o que nos levaria a pensar que, na
totalidade do nosso corpus, são as formas imperativas subjuntivas que se comportariam
como a exercerem uma força manipulativa mais forte, já que estamos lidando nesse
fator com relações assimétricas de superior para inferior, relação assimétrica em que as
formas polidas tendem a ser mais evitadas.
Isso contrariaria os resultados de Reis (2003) que propõe uma menor força
manipulativa nas formas imperativas de subjuntivo, ou seja, seria este um imperativo
mais brando, e que tomamos como hipótese para a nossa pesquisa. Entretanto
precisamos considerar o contexto sintático de presença da forma de tratamento você, o
que pode estar pesando para um índice tão elevado de subjuntivos. Os outros fatores,
nessa mesma categoria de assimetria, por sua vez, revelam ainda uma retenção bastante
alta de formas imperativas indicativas: forma nula de tratamento (76%) e forma nominal
(75%). Ou seja, nessa configuração assimétrica de superior para inferior, a forma
subjuntiva em conjunto com a forma você é a mais ativada pelos falantes do nosso
corpus, enquanto a forma tu, quando ativada nesse contexto assimétrico, apresenta
comportamento categórico no uso da forma imperativa indicativa. Dessa forma, essa
categoria assimétrica de superior para inferior parece abarcar os dois extremos
possíveis, tanto de indicativos quanto de imperativos subjuntivos, o que nos faz pensar,
talvez, que, nesse ambiente discursivo em que se demandaria uma força maior no
comando, não seja tanto as formas verbais imperativas a pesarem mais, bem como as
formas de tratamento, mas sim os recursos expressivos conferidos pela prosódia. Isso
ajudaria a justificar esses dois extremos possíveis de ocorrência neste ambiente de
assimetrias. Porém, deixaremos essa interface com a prosódia para pesquisas futuras.
Continuando a análise da tabela de cruzamentos, chegamos ao ambiente
discursivo das relações assimétricas de inferior para superior, ambiente onde a forma de
tratamento senhor aparece com mais força, o que já era previsto pela ampla literatura
acerca do funcionamento dessas formas. Só que, ao contrário do que assumíamos como
hipótese, as formas verbais mais empregadas pelos falantes nesse contexto discursivo de
senhor, foram as formas imperativas indicativas: 79% de indicativo em contexto de
senhor em ambientes discursivos assimétricos de inferior para superior. As formas de
tratamento tu são bloqueadas nesse contexto assimétrico e, consequentemente, as
119
formas imperativas não registram ocorrência. Já nos outros ambientes analisados, forma
nula e forma nominal, encontramos um movimento de queda nas formas verbais
indicativas para índices de 53% e 54% respectivamente. Foram nesses dois fatores da
categoria assimétrica de inferior para superior que podemos constatar um aumento de
produção dos imperativos subjuntivos, mas nada que nos permita traçar generalizações
de caráter contundente.
Diante disso, estabelecemos a seguinte indagação: se as formas nominais e
as formas nulas demonstraram uma menor presença de imperativos indicativos e a
forma senhor uma presença muito mais vultosa, seria por que a própria expressão da
forma senhor, expressão máxima da polidez, já oferece o propósito comunicativo de
assimetria e consequentemente de menos distanciamento, e tal carga de polidez seria
transferida da forma senhor para a forma imperativa, não importando, em decorrência
dessa transferência, que forma variante de imperativo seja empregada? E se as formas
nulas e nominais de tratamento manifestam mais imperativos subjuntivos do que a
própria forma senhor seria isso uma estratégia do falante para compensar, então, essa
não presença dessa expressão máxima da polidez, que é a forma senhor?
São formulações sedutoras, tentadoras, que vão surgindo no curso da nossa
análise. Diante dos resultados auferidos via-cruzamentos na tabela, podemos aventar
que a hipótese de Scherre seja a mais plausível, hipótese de que as relações sociais não
são codificadas apenas pelas formas imperativas, mas sim tecidas em conjunto com
outros recursos linguísticos, e talvez tenha sido essa a leitura que o programa
computacional extraiu ao não eleger o grupo ‘tipo de relações’ como relevante para a
análise. Todavia, é importante ressaltar que o índice de formas imperativas indicativas,
no valor total, sofreu um decréscimo de 79% em contextos de simetria para a casa dos
60% em ambos os contextos de assimetria, ou seja, algo diferente parece ocorrer quando
as relações mudam de um contexto simétrico para um contexto assimétrico, o que nos
leva a não descartar, por inteiro, a hipótese de Reis segundo a qual os verbos
imperativos codificam essas relações de poder e de solidariedade. O que não nos parece
muito claro, porém, é se, nesse caso, as formas imperativas subjuntivas exerceriam um
comando mais brando ou mais forte. A pesquisa ainda precisa ser refinada, estreitada,
expandida, principalmente para uma interface com o campo da prosódia, o que lançaria
luz sobre muitas questões que ainda permanecem em aberto.
Por enquanto, talvez a melhor opção seja ficarmos no entre-lugar de ambas
as propostas.
120
6.4.2 As cidades e os estilos: uma questão de encaixamento?
Até aqui temos nos encontrado cindidos entre dois caminhos interpretativos
possíveis para a manifestação das formas verbais imperativas em contextos estilísticos:
(i) as formas imperativas não codificam per si os tipos de relações sociais abarcados no
discurso e operam em conjunto com outros recursos linguísticos e (ii) as formas
imperativas são diretamente influenciadas pelas relações sociais e a frequência de
formas indicativas ou subjuntivas reflete diretamente essas relações. A primeira
hipótese é hipotecada por Scherre e a segunda foi urdida inicialmente por Faraco a partir
de um estudo histórico sobre a mudança nas formas de tratamento do PB e também por
Reis em estudo de forte viés funcionalista.
A diferença entre a abordagem de Faraco e de Reis, contudo, é que o
primeiro não tocava necessariamente nos tipos de relações sociais e apenas descrevia
qualitativamente a função pragmática dos dois tipos de verbos imperativos e a segunda,
Reis, opera com essas relações sociais bem como as mensura estatisticamente. Outra
diferença reside no papel que o verbo subjuntivo assume pragmaticamente. Enquanto
para Faraco, a forma subjuntiva é a mais comum na língua por conta da entrada da
forma você no sistema linguístico do PB, tendo a forma indicativa do imperativo
sobrevivido por especialização pragmática, marcando atos com maior força ilocucional
ou reforço, para Reis, é a forma indicativa a mais frequente no sistema linguístico, mas
também cumpridora de uma força manipulativa maior e, por isso, aparecendo com mais
frequência em contextos assimétricos de superiores para inferiores. Já a forma
subjuntiva, ao mesmo tempo em que poderia se alternar equilibradamente com a
indicativa em contextos de simetria, assumiria uma maior frequência de uso em
contextos assimétricos de inferior para superior, por ser, segundo Reis, um imperativo
mais brando, dotado de menor potência manipulativa.
Embora tenhamos partido das conclusões de Reis, os resultados parecem
nos direcionar para outros caminhos. A não seleção dos fatores estilísticos dos ‘tipos de
relações sociais’ como relevantes para o programa estatístico nos arremessa numa forte
possibilidade de a hipótese de Scherre ser a mais plausível e aplicada à descrição da
massa de dados de que dispomos. Vamos continuar analisando os resultados estatísticos
e os cruzamentos que armamos a fim de buscarmos pistas mais cristalinas para tais
questões.
121
A seguir, visualizamos a tabela de cruzamento do grupo de fatores ‘tipo de
relações’ com o grupo de fatores ‘cidades’, e vejamos se, em Florianópolis ou em
Lages, obtemos um comportamento linguístico diferenciado no que tange à
materialização dessas relações de poder e de solidariedade:
Cidade Relação
simétrica
Relação Ass. De
superior para
inferior
Relação Ass. De
inferior para
superior
Total
Florianópolis 86%
62/72
83%
25/30
80%
24/30
84%
111/131
Lages 69%
38/55
50%
34/68
38%
9/15
55%
81/147
Total 100/127 33/54 59/98
Tabela 17: Cruzamento do grupo de fatores ‘tipo de relações’ com o grupo de fatores
‘cidade’ sobre a realização da forma verbal imperativa indicativa.
Evidentemente, os resultados estatísticos de Florianópolis e Lages mostram
uma distribuição de frequência bastante contraposta no que diz respeito ao cruzamento
entre os grupos ‘cidade’ e ‘tipos de relação’. Observamos o quanto Florianópolis
apresenta um sistema linguístico bastante diferente do sistema de Lages, de maneira
que, na capital de Santa Catarina, os índices de indicativo se mantém estagnados numa
faixa de 86% a 80%, enquanto em Lages a distribuição das formas imperativas parece
balançar no ritmo das relações sociais ditadas: a frequência de formas indicativas
estabelecida num patamar de 69% em ambiente de relações simétricas, índice ainda um
pouco menor do que o de Florianópolis nesse mesmo contexto, vai decaindo à medida
que as relações sociais vão se tornando mais assimétricas: 50% de indicativo em
contexto assimétrico de superior para inferior e, por fim, apenas 38% de indicativos em
contextos assimétricos de inferior para superior.
Parece inegável que as estruturas sociais de Florianópolis e Lages são
distintas - a primeira, de relações menos rígidas e cada vez mais modernas, a segunda,
de relações mais estreitas, rígidas e provincianas - e essa distinção parece se revelar na
distribuição das formas imperativas. Porém, como se dá esse reflexo é o que está em
pauta nesta seção e nos tem possibilitado caminhos interpretativos distintos. O fato de
122
vermos as relações sociais se encaixando nas formas imperativas de forma tão distinta
nas duas cidades nos conduz a nos inclinar novamente pela hipótese total de que os
verbos imperativos codificam per si os traços semânticos de distanciamento ou de
poder.
No entanto, temos que estar cientes de que as variáveis escolhidas como
relevantes pelo programa foram as variáveis ‘cidades’ e ‘formas de tratamento’ e a
variável estilística ‘tipos de relação’ foi descartada como significativa estatisticamente.
Um cruzamento entre essas duas variáveis, descartando a variável estilística ‘tipos de
relação’, nos ajuda a compreender mais acuradamente o peso que as relações sociais
realmente estão exercendo em nossa análise:
Forma de
tratamento
Florianópolis Lages Total
Tu 91%
30/33
75%
6/8
88%
36/41
Nulo 89%
111/125
77%
130/168
82%
241/293
Forma nominal 88%
23/26
61%
11/18
77%
34/44
Senhor, senhora 67%
6/9
71%
5/7
69%
11/16
Você 74%
11/19
29%
15/51
41%
29/70
Total 184/212
86%
167/252
66%
76%
351/464
Tabela 18: Cruzamento do grupo de fatores ‘cidade’ com o grupo de fatores ‘forma de
tratamento’ sobre a realização da forma verbal imperativa indicativa.
Na tabela acima, vemos a distribuição dos resultados no entrecruzar das
variáveis ‘cidade’ e ‘formas de tratamento’, ambas já discutidas nesta seção
isoladamente. Como já mencionado nesta pesquisa, a expectativa sempre alimentada por
nós era a de que a variação nas formas imperativas refletisse as particularidades
estruturais do sistema linguístico e social dessas duas comunidades, que, ao que tudo
123
indica, são duas comunidades de fala bastante distintas e sobre isso falaremos ao fim do
capítulo.
Coelho e Gorski (2010) e Loregian (2004)trataram, entre outras questões, da
relação das formas de tratamento com o processo de colonização que essas duas cidades
tiveram: os resultados trazidos pelas autoras oferecem evidências de que Florianópolis
foi submetida a um processo de tuteamento por conta da sua colonização açoriana,
enquanto o você entrou no sistema linguístico da comunidade de Lages sob a influência
da rota dos tropeiros advindos do interior de São Paulo. É muito provável, como já
salientamos no início da análise, que processos linguísticos tão díspares como
tuteamento e voceamento, aliados a configurações sociais distintas que ambas as cidades
sofreram por conta de influências colonizadoras diferentes, deixem vestígios sobre as
formas linguísticas imperativas acionadas em ambas as cidades.
Os resultados atestam a tendência esperada por nós e podem lançar luz à
questão estilística também. Vemos que, em Florianópolis, a regra imperativa nunca é
categórica, de modo que encontramos sempre alguma margem de alternância entre as
formas indicativa e subjuntiva, porém a predileção pela forma indicativa do imperativo
alcança o elevado índice de 86% que se distribuem entre as formas de tratamento
sempre com frequências bastante altas. No fator tu, os florianopolitanos do nosso
corpus realizaram o mais alto índice entre todos os fatores – 91% de forma indicativa.
Seu índice menor de indicativo se manifesta no fator senhor/senhora, no qual os
florianopolitanos realizaram 67% de forma imperativa indicativa, índice ainda
razoavelmente elevado se compararmos ao índice menor de indicativos assinalado para
Lages.
Lages, por sua vez, segue por outros caminhos. Assim como seu processo
colonizador se deu por outras veredas, a configuração de seu sistema linguístico no que
tange às formas imperativas e de tratamento também se revela como rastreadora de
outro percurso que não o mesmo de Florianópolis. Em Lages, o índice maior de
imperativos indicativos é encontrado na categoria das formas nulas, para este fator a
frequência obtida é de 77%. Porém, em Lages a frequência menor de indicativos ocorre
não com a forma de tratamento ‘senhor/senhor’ mas sim com a forma de tratamento
você. Na cidade serrana, é a forma você quem mais aciona a forma verbal imperativa
subjuntiva constituindo-se como um contexto altamente retentor desta forma verbal: o
índice chega a apenas 29% de indicativos neste contexto.
124
Portanto, estamos diante de um detalhe estatístico que assume importância
itálica para a nossa pesquisa: enquanto, em Florianópolis, é na forma de tratamento tu
que assistimos à maior ostentação das formas imperativas, em Lages é na forma de
tratamento você que assistimos a um decréscimo vertiginoso desse índice. Por sua vez, o
maior uso de tu em Florianópolis e de você em Lages se deu pelos processos de
tuteamento e voceamento havidos, nessas duas comunidades, como consequência
natural do processo de colonização empreendido em seus territórios.
Ao que tudo indica então, ao falarmos de variação nas formas imperativas
em Lages e Florianópolis, estamos diante de um caso bastante emblemático de
encaixamento na estrutura linguística e na estrutura social, conforme nos assegura o
postulado laboviano. Esse último cruzamento nos embasa, nos instiga, nos assegura
quanto a isso. Quanto à variável independente estilística ‘tipos de relação’, que
deixamos em suspenso, parece que realmente seu vetor de influência, se houve algum,
não foi capturado pelo programa estatístico e o motivo disso nos parece agora revelado:
o fator ‘forma de tratamento’ mais o fator ‘cidade’ é o que aparenta estar controlando
com mais intensidade a manifestação da regra variável imperativa.
Dessa forma, a tabela 17 que, a princípio, insinuara algum reflexo imediato
das formas imperativas em relação às relações sociopessoais, passa a ser interpretada à
luz da tabela 18 onde cruzamos o grupo de fatores ‘cidade’ com o grupo de fatores
‘forma de tratamento’. Desse modo, se alguma relação sociopessoal há, e certamente há,
ela já se encontra assegurada nos contextos em que as formas de tratamento são
acionadas, de forma que o imperativo pode acompanhar ou não essas tendências
impostas pelas relações de poder manifestas sobre as formas de tratamento.
Em Florianópolis, por exemplo, o uso assimétrico e polido da forma
senhor/senhora não conduz a um uso ostensivo da forma subjuntiva, não havendo,
portanto, codificação direta da relação de assimetria de inferior para superior com a
forma verbal subjuntiva. O traço semântico de poder ou solidariedade, aparentemente, é
construído pelo conjunto de recursos linguísticos e esse traço pode se espraiar para a
forma verbal imperativa, que, regulada pelo fator cidade, sob á égide de um
encaixamento da estrutura linguística na estrutura social, possibilita o uso cambiante
com tendências de uso diferentes para ambas as formas imperativas.
Assim, os resultados obtidos com o cruzamento de dois grupos considerados
relevantes para o programa mais toda a aparelhagem estatística acionada até o
momento nos oferecem subsídios empíricos sólidos para aferirmos algumas conclusões:
125
(i) a variação das formas imperativas nas cidades de Florianópolis e Lages ocorrem
encaixadas na estrutura linguística e social, o que bem demonstra a relação sempre não
categórica entre a tendência maior de uso de formas imperativas indicativas e a forma
de tratamento tu em Florianópolis e a tendência maior de uso entre a forma imperativa
subjuntiva e a forma de tratamento você em Lages, o que refletiria, por conseguinte,
processos de colonização mais primitivos, (ii) a variação das formas imperativas não
ocorre regulada diretamente por fatores estilísticos de relações de poder e
solidariedade, antes essas relações de poder e solidariedade são codificadas
primordialmente nas formas de tratamento, ou quiçá através de outros recursos
linguísticos também como os prosódicos (a serem investigados ainda), e não
precisamente nas formas verbais imperativas, de maneira que, no meio do caminho
entre as formas imperativas e as relações de poder e solidariedade, encontram-se as
formas de tratamento que espraiam os seus traços semânticos de polidez ou
intimidade para as formas verbais imperativas, que, por sua vez, podem cambiar-se
entre formas indicativas e subjuntivas ou não.
E, por fim, a última pergunta: constituem Florianópolis e Lages duas
comunidades de fala realmente distintas?
6.5 COMUNIDADES DE FALA: ESTABELECENDO OS LIMITES ENTRE
FLORIANÓPOLIS E LAGES
Se há um conceito na teoria da variação e mudança que pode enfrentar
alguma recusa operacional por parte dos estudiosos em sociolinguística é o conceito de
comunidade de fala. Labov lança mão de critérios subjetivos para delimitar
comunidade de fala: a propriedade distintiva de uma comunidade de fala é o conjunto de
atitudes compartilhado pelos falantes com relação à determinada regra variável. Em seu
balancete de 1982, Labov aponta a gramática da comunidade de fala como o objeto de
estudo da linguística a ser estudado e o próprio reafirma que a homogeneidade na
interpretação das variantes é o que confere o traçado de cada comunidade.
Essa uniformidade de atitudes manifesta em relação às variáveis linguísticas
se depreenderia também, nos dizeres labovianos, de uma direção comum de variação
estilística, de uma direção comum de autocorreção, e de uma direção comum de
mudança. O curioso, nesse construto teórico laboviano, é que o linguista, defensor da
noção de heterogeneidade, acaba se valendo de um agrupamento homogêneo para
126
conceitualizar comunidade de fala; dessa maneira, embora esta última seja o templo da
heterogeneidade linguística, ela se constrói a partir de uma uniformidade manifesta no
seu correlato subjetivo.
Scherre (2006), contudo, rebate as leituras que se fazem de Labov a respeito
do conceito de comunidade de fala. Segundo a autora, Labov não define comunidade
apenas a partir de um correlato subjetivo como se possa parecer, mas sim também a
partir da uniformidade de padrões abstratos constitutivos do processo de variação.
Dessa forma, para a autora, Labov operacionaliza o conceito de comunidade de fala na
conjugação de um elemento mais visível, constitutivo da variação - que estaria atrelado
à avaliação das formas, ao correlato subjetivo - e de outro elemento, menos visível,
situado num plano subjacente às estruturas variáveis, ou seja, os padrões abstratos.
A aparente fluidez do conceito aliada a certa rarefação do que vem a ser, de
fato, comunidade de fala tem induzido muitos sociolinguistas a optarem por operar com
outros conceitos como comunidade de prática17
ou redes sociais18
, conceitos estes que
têm se colocado como uma alternativa à aparente falta de precisão do construto
laboviano, cada vez mais tratado, indelicadamente, em alguns congressos acadêmicos
como um espectro assombroso. Guy, em contrapartida, em seu artigo ‘’Comunidade de
fala: fronteiras externas e internas’’ (mimeo) não descarta de todo uma
operacionalização baseada no conceito de comunidade, antes por sua vez busca refiná-
lo através de outros critérios definidores que se somam aos critérios subjetivos e
abstratos propostos por Labov. Desse modo, o linguista americano define comunidade
de fala como um grupo de falantes que (i) compartilham traços linguísticos que
distinguem este grupo de outros; (ii) se comunicam relativamente mais entre eles do que
com outros; (iii) compartilham normas e atitudes frente o uso da linguagem.
Percebe-se, logo, que Guy não passa a faca na noção laboviana de
comunidade de fala, antes tece uma proposta cumulativa, que vai além da noção clássica
de compartilhamento de normas e atitudes, todavia sem ignorar esta última. Além desse
esquema tripartite para a definição do conceito, Guy salienta que as definições
permitem a possibilidade de comunidades encaixadas e de um falante participar ao
mesmo tempo de mais de uma comunidade. No Brasil, por exemplo, teríamos uma
única comunidade de fala, a constituída por todos os brasileiros, uma vez que todos nós
17
Ver, por exemplo: Penelope Eckert. Linguistica variation: as social practice. Blackwell publishing:
Oxford, 2000. 18
Para mais aprofundamento na questão das redes sociais: Lesley Milroy and Mathew Gordon:
Sociolinguistics: method and interpretation. Balckweel Publishing: Oxford, 2003.
127
apresentamos traços linguísticos e atitudes compartilhadas em comum, além de maior
comunicação dentro do país do que com estrangeiros. Isso não impede, todavia, de
termos dentro do território brasileiro a disseminação de outras centenas de comunidades
de fala. Intuitivamente, se formos expostos ao dialeto mineiro e ao dialeto carioca,
perceberemos que estamos transitando por comunidades de fala diferentes, possuidoras
de sistemas linguísticos distintos. Essa grande comunidade de fala brasileira faria parte,
segundo Guy, de outra comunidade, de maior alcance ainda, a comunidade que
compreende todos os falantes de língua portuguesa no mundo inteiro.
Vê-se, desse modo, uma sedimentação em blocos da noção de comunidade
de fala levada a cabo por Guy. Nessa sedimentação em blocos proposta pelo
pesquisador, a diferenciação linguística recebe um tratamento especial, em uma via de
mão dupla assim formulada: a diferenciação linguística é percebida pelas comunidades
quando (i) há uma diferença de natureza categórica – uma comunidade tem determinada
estrutura e regra e outra não – e (ii) comunidades de fala apresentam diferença no grau
de aplicação de determinado efeito contextual, de sorte que falantes que compartilham
as mesmas condições de contexto em um processo variável, mas são diferenciados pelo
uso geral do processo, podem ser considerados usando a mesma gramática, mas falantes
que mostram efeitos de contexto significativamente diferentes estão usando gramáticas
diferentes.
A noção de compartilhamento de efeitos de contexto é basilar na
argumentação de Guy, além de ser bastante atraente do ponto de vista metodológico.
Contudo, tanto em Labov quanto em Guy, fica-nos indeterminado, impreciso e vago o
número de variáveis linguísticas suficientes para definir uma comunidade de fala.
Afinal, uma comunidade linguística se define por um compartilhamento de uma única
variável linguística em comum ou por um agrupamento de variáveis linguísticas?19
Vamos problematizar isso na seguinte equação abaixo:
Se uma comunidade de fala X apresenta uma variável linguística A, e uma
comunidade de fala Y apresenta tal variável linguística A, e tal comunidade de fala Y
apresenta uma variável linguística B, e tal comunidade de fala X não apresenta tal
variável linguística B, ainda assim constituem ambas uma mesma comunidade de fala?
19
Ronald Wardaugh (2001) considera que qualquer conceitualização de comunidade de fala que parta
tão somente de usos linguísticos é limitada, uma vez que a língua é um instrumento com o qual falante
opera muitas outras realizações na comunidade.
128
O que parece estar em voga tanto nos trabalhos de Labov quanto nos de Guy
é que existe sempre uma tendência a definir comunidade a partir do uso de uma regra
variável apenas, o que nos leva a pensar comunidade de fala como um conceito teórico
construído numa relação íntima com a regra variável escolhida a ser posta em jogo por
qualquer pesquisador. Em nossa pesquisa, pensamos comunidade de fala a partir da
frequência de uso da regra variável do imperativo, mas o desenrolar dos resultados foi
nos permitindo ver que às vezes, senão quase sempre, um processo de variação pode
estar concatenado com outros e tais processos se constituírem diferentemente nas
variadas comunidades. Dito isso, lançaremos mão do critério, proposto por Guy, de
cruzar um conjunto de fatores de efeito restritivo contextual com as duas cidades
catarinenses por nós investigadas, para traçarmos uma possível delimitação entre
comunidades de fala lageana e florianopolitana através da noção de compartilhamento
de efeitos de contexto.
Vimos na tabela 14, por exemplo, uma diferença emblemática na maneira
como a restrição de um contexto linguístico se distribuiu ostentando padrões nada
semelhantes nas cidades de Florianópolis e Lages. Nesse caso, se tomamos ‘as formas
de tratamento’ como um contexto interno e seu raio de incidência bastante distinto em
Florianópolis e Lages, já teríamos, nesse caso, um achado empírico que evidencia a
proposta de Guy para comunidades de fala, uma vez que restrições quanto às formas de
tratamento se vinculam às formas imperativas de forma distinta no sistema linguístico
de Florianópolis e Lages.
Tentando perseguir, com mais afinco, evidências empíricas que subsidiem a
proposta teórica de Guy e, ao mesmo tempo, que nos ofereçam uma base de sustentação
para conceituarmos Florianópolis e Lages como duas comunidades de fala realmente
diferentes, únicas, cada qual com suas características, decidimos efetuar uma nova
rodada de cruzamentos, só que agora entre um fator linguístico interno altamente
relevante para a nossa análise – a polaridade da estrutura - e o grupo de fatores ‘cidade’.
Nosso objetivo é destrinchar se a operação desse efeito de contexto se distribui de forma
desigual entre as duas cidades, o que, segundo Guy, revelaria indícios cabais de que
estamos tratando com duas comunidades de fala díspares. Os resultados obtidos no
cruzamento estatístico seguem visualizados abaixo:
129
Cidade Polaridade
afirmativa
Polaridade negativa Total
Florianópolis 90% 59% 171/190
Lages 73% 16% 221/252
Total 333/351
81%
18/53
34%
411/464
Tabela 19: Cruzamento do grupo de fatores ‘cidade’ com o grupo de fatores ‘polaridade
da estrutura’ sobre a realização da forma verbal imperativa indicativa.
A tabela demonstra perceptivelmente a aplicação do efeito contextual
‘polaridade da estrutura’ incidindo-se em frequências significativamente distintas sobre
as variantes imperativas nas cidades de Florianópolis e Lages. O cruzamento estatístico
desses dois grupos de fatores revela-nos que, de fato, a aplicação desse efeito de contexto
opera em proporções diferentes em ambas as cidades, por exemplo, podemos constatar
que, em Florianópolis, a variante subjuntiva atinge um patamar mais alto de uso em
contextos internos de polaridade de negação: o índice para Florianópolis é de 59% neste
contexto, enquanto que, nas estruturas de polaridade afirmativa, este índice eleva-se ao
patamar de 90%. Por sua vez, em Lages, podemos constatar uma aplicação mais
disseminada, poderosa e emblemática desse efeito de contexto. Observamos na cidade
serrana que o índice de formas imperativas indicativas reveladas na polaridade afirmativa
é ainda menor do que nas entrevistas da capital catarinense, 73%, no entanto é na
polaridade negativa que a diferença de aplicação do efeito de contexto entre as duas
cidades é bastante gritante. Em Lages, em contextos de polaridade negativa, os falantes
capitalizaram o ínfimo índice de apenas 16% de formas imperativas indicativas. Uma
tendência de uso à subjuntivização20
se revela mais plenamente na comunidade lageana
ao contrário de Florianópolis, e tal efeito de restrição de contexto se atualiza
estatisticamente nas duas cidades de forma bastante sui generis.
Sendo assim, os seguintes argumentos e evidências colhidos até aqui nos
asseguram a tratarmos Florianópolis e Lages efetivamente como duas comunidades de 20
Essa tendência à subjuntivização em Lages se revelou também na tese de doutorado de Pimpão (2012):
Uso variável do presente do modo subjuntivo: uma análise de amostras de fala e escrita das cidades de
Florianópolis e Lages nos séculos XIX e XX.
130
fala distintas: (i) a capital catarinense e a cidade serrana apresentam um padrão estatístico
quanto ao uso das formas imperativas significativamente diferenciado; (ii) Florianópolis e
Lages apresentam um padrão distributivo diferenciado na aplicação de efeitos contextuais
agindo sobre as formas imperativas (iii) a associação do padrão de uso das formas
imperativas com as formas de tratamento, também reveladores de padrões distintos, nos
possibilita deduzir que Florianópolis e Lages não sejam delimitadas como comunidades
distintas a partir de um único fenômeno, o que evidencia, que, quando possível, uma
gama de variáveis linguísticas seja necessária a fim de uma conceitualização mais
rigorosa de comunidade de fala, e isso responde, por sua vez, de forma negativa ao
problema que formulamos na equação acima.
6.6 EM SUMA
A variação no imperativo nas duas cidades catarinenses revelou, como
podemos constatar nesta análise dos resultados, uma influência conjunta de fatores
linguísticos e extralinguísticos. A polaridade da estrutura, a extensão silábica, o tipo
de item lexical e as formas de tratamento se comportaram, em nosso corpus, como
estatisticamente relevantes. Fatores extralinguísticos como idade e cidade, por sua
vez, também revelaram um papel significativo sobre a regra variável imperativa. As
variáveis estilísticas quanto aos tipos de relações sociopessoais não foram
selecionadas pelo Gold Varb, contudo, a rodada de cruzamentos evidenciou que
essas relações sociopessoais, bem como os traços semânticos de distanciamento ou
proximidade, podem estar indexados nas formas de tratamento, que espraiariam tais
traços para as formas imperativas. Dessa forma, os cruzamentos estatísticos nos
revelaram comportamentos linguísticos bastante diferenciados nas cidades de
Florianópolis e Lages, que parecem apontar para processos distintos de
encaixamento na estrutura linguística e social. São tão distintos os processos que
podemos taxar ambas as cidades de comunidades de fala distintas.
131
É IMPERATIVO CONCLUIR
Nos derradeiro momento deste trabalho, convém fazer um balanço do nosso
percurso até aqui. No primeiro capítulo, tentamos justificar a importância de estudarmos
as formas imperativas, sua presença constante revelada no uso diário da linguagem, as
implicações filosóficas que o ato de proferimento de um comando podem apresentar.
Apresentamos a necessidade de estudarmos esse assunto sob um enfoque variacionista
que consiga captar as particularidades de uso dessas formas em duas comunidades de fala
distintas de Santa Catarina.
No segundo capítulo, delimitamos o nosso objeto de estudo. Vimos o quanto
o imperativo vai além da sua materialidade formal, definindo-se muito mais pelo seu
aspecto funcional. Através de um percurso por outras abordagens linguísticas quanto ao
assunto, constatamos o quanto essa função se revela em várias formas, não
necessariamente apenas com a expressão indicativa/subjuntiva do modo imperativo. Dada
a vastidão do tema e as suas infindas possibilidades de recorte, delimitamos como análise
os verbos imperativos na sua forma indicativa/subjuntiva, mais precisamente aquilo que
se tem chamado de imperativo gramatical brasileiro: a manifestação da forma indicativa
em contextos de você. Evidenciamos também, neste capítulo, o quanto o imperativo
gramatical brasileiro ainda é abominado pelos comandos paragramaticais que se
demonstram cada vez mais afiados em amordaçar as variantes linguistas e coibi-las de
seguir o seu curso natural de mudança.
No terceiro capítulo, apresentamos um panorama nas pesquisas linguísticas
de base historicista e variacionista sobre o assunto, que nos ofereceram uma plataforma
de partida para as nossas hipóteses e expectativas sobre as particularidades que
pudéssemos encontrar em Florianópolis e Lages quanto ao uso cambiante das formas
imperativas. Algumas dessas expectativas, delineadas no capítulo quatro de metodologia,
se cumpriram, outras, contudo, não se efetivaram no curso da nossa análise e tiveram que
ser redesenhadas.
Essa operação de monta/desmonta de hipótese foi uma necessidade advinda
dos resultados com os quais fomos nos deparando no capítulo 5. Fatores internos como
polaridade da estrutura, extensão silábica, item lexical e formas de tratamento revelaram
relevância estatística, seguindo uma tendência que outros trabalhos sociolinguísticos
realizados no Brasil, principalmente os liderados por Marta Scherre, já haviam
conseguido constatar. Fatores externos como idade e cidade também se revelaram
132
significativos, de forma que os mais jovens parecem liderar o processo de mudança em
direção a uma maior predileção por formas indicativas, no entanto esse processo se revela
mais retraído em Lages, visto que em Florianópolis, tanto jovens como falantes mais
velhos atualizam o modo imperativo com ampla preferência pelas formas indicativas. O
fator cidade foi emblemático em nossa pesquisa. Com ele, conseguimos revelar
singularidades no comportamento da nossa variável linguística, que se distribuiu em
termos de frequência, em tendências diametralmente opostas em Florianópolis e Lages. O
cruzamento do fator ‘cidade’ com o fator ‘formas de tratamento’ tornou-se indispensável
para que pudéssemos constatar encaixamento linguístico e social subjacente ao fenômeno
variacionista das formas imperativas, na medida em que Florianópolis e Lages se
submeteram a um processo de tuteamento e voceamento em decorrência da colonização
que tiveram. E foram os dois fatores cruzados, cidade e formas de tratamento, que
parecem estar balizando ou regulando o uso cambiante das formas imperativas, muito
mais do que os tipos de relações sociais, que, na análise, não se mostraram relevantes
estatisticamente. Por fim, o cruzamento do fator ‘cidade’ com o fator ‘polaridade da
estrutura’ evidenciou o quanto esse efeito de contexto se distribuiu de forma desigual nas
cidades de Florianópolis e Lages. A proposta de Guy para delimitação de comunidade de
fala foi tremendamente aplicável aos nossos resultados nos dando embasamento
empírico para que delimitássemos as duas cidades em estudo como duas comunidades de
fala distintas de fato.
Em relação à montagem/desmontagem das hipóteses, alimentávamos uma
forte expectativa quanto à importância que o fator ‘tipos de relações sociais’ pudesse
desenvolver na análise. Iniciamos com a hipótese de que realmente nas formas
imperativas estão indexados os valores de mais + ou – distanciamento, o que se
relaciona, por sua vez, às dimensões de poder e solidariedade. Acreditávamos, com base
em Reis, que a frequência das formas imperativas se modificasse conforme as relações
sociais fossem adquirindo configurações diferentes. Mas isso não se revelou em nosso
corpus e os resultados nos conduziram por outros caminhos. No cerne do problema
estilístico, o que parece estar pesando mesmo é o fator cidade e as formas de tratamento,
não que as formas imperativas estão alheias às relações sociais, mas sim que as formas de
tratamento parecem codificar esses traços semânticos de polidez e intimidade e espraiam
tais traços para as formas imperativas. É como se no meio do caminho entre o imperativo
e as relações sociais estivem as formas de tratamento. É como se os elementos
linguísticos operassem em conjunto a fim de refletir tais relações sociais.Dessa forma,
133
terminanos a nossa pesquisa tendendo a acreditar, tal como Scherre, de que as formas
imperativas, ao contrário do português europeu, por si só não materializam os traços
semânticos associados a poder e solidariedade, e que tal efeito é conseguido por uma
sobreposição de elementos da estrutura linguística. Nisso, pesquisas em interface com a
prosódia podem ainda lançar mais luz.
Ainda há muito o que pesquisar sobre esse assunto. Os imperativos estão por
aí, clamando por serem investigados e interpretados à luz da empiria. No que
propúnhamos investigar, cremos que o objetivo foi alcançado e cremos que oferecemos
ainda mais evidências para compreendermos esses dois sistemas linguísticos tão
singulares e distintos como os de Florianópolis e Lages.
É como se as primitivas rotas seguidas pelos tropeiros paulistas e pelos
imigrantes açorianos ainda hoje nos fizessem fluir por percursos outros, rotas distintas,
que deixaram vestígios na língua, e que jamais se cruzam.
Por ora, é imperativo concluir.
134
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139
ANEXO
RESULTADO PERCENTUAL INCLUINDO OS GRUPOS RELEVANTES E NÃO RELEVANTES
PARA A ANÁLISE
Number of cells: 296
Application value(s): IS
Total no. of factors: 35
Group I S Total %
---------------------------------
1 (2)
A N 333 78 411 88
% 81 18
N N 18 35 53 11
% 33 66
Total N 351 113 464
% 75 24
---------------------------------
2 (3)
M N 74 12 86 18
% 86 13
D N 241 80 321 69
% 75 24
P N 15 5 20 4
% 75 25
140
B N 21 16 37 7
% 56 43
Total N 351 113 464
% 75 24
---------------------------------
3 (4)
+ N 205 43 248 71
% 82 17
- N 69 32 101 28
% 68 31
Total N 274 75 349
% 78 21
---------------------------------
4 (5)
c N 337 98 435 93
% 77 22
d N 14 15 29 6
% 48 51
Total N 351 113 464
% 75 24
---------------------------------
5 (6)
N N 241 52 293 63
% 82 17
141
F N 34 10 44 9
% 77 22
T N 36 5 41 8
% 87 12
V N 29 41 70 15
% 41 58
S N 11 5 16 3
% 68 31
Total N 351 113 464
% 75 24
---------------------------------
6 (7)
A N 330 105 435 93
% 75 24
P N 21 8 29 6
% 72 27
Total N 351 113 464
% 75 24
---------------------------------
7 (8)
F N 184 28 212 45
% 86 13
142
L N 167 85 252 54
% 66 33
Total N 351 113 464
% 75 24
---------------------------------
8 (9)
b N 184 71 255 54
% 72 27
a N 167 42 209 45
% 79 20
Total N 351 113 464
% 75 24
---------------------------------
9 (10)
F N 202 59 261 56
% 77 22
M N 149 54 203 43
% 73 26
Total N 351 113 464
% 75 24
---------------------------------
10 (11)
p N 138 36 174 37
% 79 20
143
g N 118 41 159 34
% 74 25
c N 95 36 131 28
% 72 27
Total N 351 113 464
% 75 24
---------------------------------
11 (12)
R N 192 87 279 60
% 68 31
N N 159 26 185 39
% 85 14
Total N 351 113 464
% 75 24
---------------------------------
12 (13)
d N 97 44 141 50
% 68 31
D N 95 43 138 49
% 68 31
Total N 192 87 279
% 68 31
---------------------------------
13 (14)