UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
O SAMBA NA MÍDIA EM NOVE DÉCADAS
Por: Tania Maria Oliveira Malheiros
Orientadora
Prof. Dra. Mary Sue
Rio de Janeiro
2007
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
O SAMBA NA MÍDIA EM NOVE DÉCADAS
Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes
como requisito parcial para obtenção do grau de especialista
em Comunicação Empresarial.
Por: Tania Maria Oliveira Malheiros.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos os jornalistas e
artistas que participaram deste
trabalho:
Sérgio Cabral
Zilmar Basílio
Jorge Roberto Martins
J. Paulo da Silva
Eliane Faria
Simone Lial
Xangô da Mangueira
Fernando Paulino
Marceu Vieira
André Diniz
Hiran Araújo
Paulo César Figueiredo
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DEDICATÓRIA
Dedico esta monografia aos meus pais
Mucio de Sá Malheiros (em memória) e
Aracy de Oliveira Malheiros; e a meu
marido Anselmo Ferraz Barbosa.
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RESUMO
O ano de 2007 marcou o aniversário de 90 anos do lançamento de “Pelo
Telefone”, primeiro samba registrado no Brasil, de Ernesto Joaquim Maria dos
Santos, o Donga, e Mauro de Almeida. Donga foi integrante do núcleo
embrionário que daria origem ao samba como conhecemos hoje; nasceu no
Rio de Janeiro e sempre freqüentou rodas de samba e candomblé nos terreiros
das “tias” baianas que promoviam a música africana no Rio no início do século.
O aniversário dos 90 anos do samba, a partir desse registro, merece uma
ampla abordagem sobre o espaço que essa manifestação cultural vem
ocupando na mídia, principalmente a mídia impressa.
O samba pode ter enfrentado preconceito por reunir no início do século
pessoas mais humildes, desarticuladas com o poder. Novos artistas surgem no
cenário nacional dispostos a cantar samba, dispostos a manter a tradição. O
samba resistiu ao tempo, muitas vezes mistura-se a outros ritmos como o hip-
hop e o fank, e provocando polêmicas.
Fatos históricos como o lançamento de trabalhos como de Zé Kéti, Guilherme
de Brito, Cartola, entre outros, servem para ilustrar que o tema samba tem
mercado. Em 2006, por exemplo, Zé Kéti, foi homenageado pelo Prêmio Tim
de Música. À parte interesses de gravadores, do mercado, e influências no
meio artístico, grupos de samba como Casuarina, Galocatô, Batuque na
Cozinha, e cantoras como Tereza Cristina, Mariana Baltar, Juliana Diniz e Ana
Costa têm mostrado que o samba chegou ao Século XXI sem perder a sua
essência.
Diferentes pontos de vista sobre a validade ou não dessa essência, histórias de
preconceitos e importantes reportagens sobre o samba, nesses 90 anos, estão
aqui apresentados. A partir do aniversário do samba considerado como o
marco zero dessa história: Pelo Telefone, vê-se que em 2007 a mídia soube
registrar o fato em diversas situações. Entrevistas e livros mostram também
que o samba continua sendo classificado pela mídia como o gênero mais
popular.
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METODOLOGIA
Os métodos que me levaram ao problema proposto foram: leitura dos
livros mencionados na Bibliografia Consultada, jornais, revistas, pesquisas na
Internet, entrevistas feitas pela Internet e pessoalmente, sendo que algumas,
gravadas.
Durante diversos dias do mês de janeiro de 2007 realizei pesquisas na
Biblioteca Nacional, na Avenida Rio Branco, no Centro, em diversas edições do
Jornal do Brasil do ano de 1917, quando Pelo Telefone fez sucesso durante o
carnaval. Também visitei a exposição sobre o carnaval na Biblioteca Nacional,
em janeiro de 2007, a fim de coletar informação para este trabalho.
Fiz vários contatos com a Prefeitura de Petrolina para tentar conseguir
um exemplar do Livro “A Pré-História do Samba”, de Bernardo Alves, que
questiona a origem do samba. Mas o assessor de Imprensa da Prefeitura,
Carlos Brito, informou que o livro está esgotado. Localizei um exemplar do livro
no Palácio Gustavo Capanema, no Centro, que pertence ao Ministério da
Cultura, onde a pesquisa foi realizada.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ---------------------------------------------------08
O Samba Pelo Telefone faz 90 anos
CAPÍTULO I –-----------------------------------------------------17
O espaço do samba na mídia impressa
CAPÍTULO II- ------------------------------------------------------27
Fatos históricos.
CAPÍTULO III – ------------------------------------------------------55
O samba, a modernidade e a mídia.
CONCLUSÃO –--------------------- --------------------------------63
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ------------------------------- 67
BIBLIOGRAFIA CITADA – ----------------------------------------68 ANEXOS – ----------------------------------------------------------- 69 ÍNDICE – -------------------------------------------------------------- 94
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INTRODUÇÃO
No ano de 2007 completou 90 anos do lançamento oficial do primeiro
samba gravado no Brasil: “Pelo Telefone”, de Ernesto Joaquim Maria dos
Santos, o Donga e Mauro de Almeida. Integrante do núcleo embrionário que
daria origem ao samba como o conhecemos hoje, Donga nasceu no Rio de
Janeiro e sempre freqüentou rodas de samba e candomblé nos terreiros das
"tias" baianas que promoviam a música africana no Rio do início do século.
Pelo Telefone foi sucesso do carnaval de 1917, embora tenha sido registrado
na Biblioteca Nacional em 1916.
Pretende-se, então, iniciar o trabalho situando o leitor no contexto
histórico do samba, apresentando informações sobre o tema como: o que é o
samba, como surgiu no Brasil, influências, evolução, transformações,
obstáculos enfrentados e sua importância para a cultura.
A palavra samba não aparece na 3ª edição do Dicionário Latino
Português de Francisco Torrinha, das edições Maranus, de 1945, que faz parte
do acervo da Biblioteca Nacional. Mas as pesquisas sobre o samba
compravam a sua existência havia muito mais tempo do que se possa
imaginar.
No clássico “Na Roda do Samba”, do cronista Francisco Guimarães, o
Vagalume, de 1931, o vocábulo samba teria nascido de dois verbos da língua
dos nagôs, o ioruba: san, pagar, e gbá, receber, escreveu o cantor, compositor
e escritor Nei Lopes, na página 14 de seu livro Sambeabá.
Contudo, tudo indica que o samba nasceu muito antes, e a sua história
pode remontar séculos. Em seu livro “A Pré-História do Samba”, o pesquisador
Bernardo Alves defende dois pontos principais: 1º) O Samba não é de origem
negra, mas brasilíndia; 2º) O Samba não é carioca, mas nordestino. Sobre o
livro, lê-se no Jornal do Brasil de 13/01/1981: ''Trata-se de um trabalho
científico tão sério, que um dos mais respeitados nomes do campo da pesquisa
musical no Brasil, Padre Jaime Diniz, ex-professor do maestro Marlos Nobre e
membro da Academia Brasileira de Música, depois do primeiro impacto,
entusiasmado, abriu para Bernardo Alves seu valioso arquivo”.
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Já no Jornal do Commercio (Recife) lê-se o seguinte: ''O livro prova que
tudo que se disse até hoje sobre o Samba é mentira; traz provas contundentes
e fatais de que o maior gênero musical brasileiro não vem dos negros, mas dos
índios, não é carioca, mas nordestino, isto segundo fartura de documentos. Os
medalhões da musicologia ao ouvirem falar da tese se levantarão contra ela,
mas ao lerem o livro ficarão quietinhos. A Pré-História do Samba é um livro que
vai mexer com as estruturas da música do Brasil”.
Segundo A Pré-História do Samba, “a história da nossa música
brasileira foi escrita por africanistas como Arthur Ramos, Manuel Quirino,
Edson Carneiro, Renato Almeida, Renê Ribeiro, Manoel Diegues Jr., Abelardo
Duarte, Rossini Tavares Lima, Mariza Lira, Vicente Salles, entre outros. Eles
esqueceram da nossa pluralidade racial e conseqüentemente cultural, só tendo
olhos para os aspectos negros”. A pesquisa começou em 1977; em 1981 o
Jornal do Brasil lhe dedicou toda uma página. O livro foi lançado em
25/01/2002, com patrocínio da Prefeitura de Petrolina, no Estado do
Pernambuco. (A autora desta monografia contatou a Prefeitura de
Petrolina, através de seu assessor de imprensa Carlos Brito, a fim de
obter um exemplar da obra em questão, mas o jornalista informou que o
livro está esgotado. A obra está registrada/catalogada na Biblioteca
Nacional, na Avenida Rio Branco, Rio de Janeiro. Há um exemplar no
Palácio Gustavo Capanema, do Ministério da Educação e Cultura, sob o
número: 782.421.640.981).
Consulta realizada no Palácio Gustavo Capanema, da Biblioteca
Nacional, constatou que a palavra samba aparece várias vezes no Jornal do
Recife de 1876 e de 1898, conforme matérias e notas reproduzidas por
Bernardo Alves em seu livro nas páginas 268 e 269 e 274, por exemplo.
“Em busca da origem Kiriri do samba” é um dos títulos do site
Brasileirinho com a seguinte informação: “Em reunião realizada no sábado, 10,
no Teatro Apolo, durante a Feira Música Brasil 2007, em Recife, o Ministro da
Cultura, Gilberto Gil, convidou o jornalista Fabio Gomes, editor do Brasileirinho,
para coordenar a pesquisa que deverá estabelecer cientificamente a origem do
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samba. A pesquisa pretende aprofundar o trabalho iniciado pelo pesquisador
pernambucano Bernardo Alves em seu livro A Pré-História do Samba. Na obra,
Bernardo apresentou provas documentais de que o samba que hoje
conhecemos surgiu nas festas dos índios Kiriri do Nordeste brasileiro, ao que
tudo indica antes mesmo da chegada dos portugueses.
Não é o que pensa o cantor, compositor e escritor Nei Lopes, um dos
mais respeitados pesquisadores do samba enquanto manifestação cultural. Na
página 15 do livro Sambeabá, ele certifica: “Foram africanos do grupo
etnolingüístico Banto que legaram à música brasileira as bases do samba e o
amplo leque de manifestações que lhe são afins”. Nei Lopes não deixa escapar
seus pontos de vista na página 11, lembrando que o samba foi discriminado
“pela chamada música universitária – a qual, assim rotulada com objetivos
claramente discriminatórios, acabou por fazer nascer a sigla MPB”. O samba a
que Nei Lopes se refere, e que o motivou a escrever de Sambeabá, diz o autor,
ainda hoje corre “subterrâneo, mas caudaloso – nos catálogos dos
independentes e fora da grande mídia”, tendo apenas como palco “os
botequins, os fundos de quintal e os redutos alternativos”.
Na página 23, Nei Lopes registrou que, em texto extraído de Maria
Bonita, de Afrânio Peixoto, de 1914, consta: “Fervia o samba numa casa de
palha, de chão batido, à luz fumarenta de um candeeiro de lata, pendurado na
parede de taipa”.
O fato é que a expressão samba foi mesmo cunhada muitos anos antes,
segundo as pesquisas do renomado jornalista e escritor Sérgio Cabral. Na
página 19 de seu livro “As Escolas de Samba do Rio de Janeiro” consta:
“Coube ao folclorista Édison Carneiro garimpar na revista pernambucana
Carapuceiro, de 12 de novembro de 1842, uma quadrinha que pode não ter
grande valor literário, mas que, sem dúvida, é de grande importância histórica.
Escrita pelo frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, a quadrinha só não
registrou pela primeira vez a palavra samba porque, no dia 3 de fevereiro de
1838, o mesmo frei escrevera na mesma revista contra o que chamou de
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“samba d’almocreve”. Eis a quadrinha: Aqui pelo nosso mato/Qu’estava então
mui tatamba/Não se sabia outra coisa/Senão a dança do samba”.
Na época do Carapuceiro, de acordo com Sérgio Cabral, “a palavra
samba definia como se fosse uma coisa só vários tipos de música e de dança
introduzidos pelos negros escravos no Brasil e que levaram o mesmo Édison
Carneio a considerar área nacional do samba a região que vai do Maranhão a
São Paulo”. No mesmo livro Sérgio Cabral vai mais fundo registrando que em
1906, o escritor João do Rio, “personagem que somava o mais requintado
dandismo a uma sensibilidade extraordinária para registrar na imprensa e nos
livros as manifestações populares de sua época, (...)”, escreveu que “só a
população desta terra de sol encara sem pavor a morte nos sambas macabros
do carnaval”. Em 1906, portanto, enfatiza Sérgio Cabral, João do Rio utilizava a
palavra samba para “designar as músicas cantadas no carnaval”.
Tanto que no final do século XIX surgia o primeiro rancho no Rio de
Janeiro, “o que era mais uma forma de brincar o carnaval em grupo”, explica
Cabral em seu livro. Tal como Nei Lopes, Cabral também recorreu ao cronista
carnavalesco Francisco Guimarães, o Vagalume, para alicerçar seu livro sobre
o samba. Ao conceder entrevista a Vagalume, do Diário Carioca, em fevereiro
de 1931, o tenente da Guarda Nacional Hilário Jovino Ferreira, “veterano
militante das manifestações de cultura negra no Rio, desfez todas as dúvidas”,
em relação a história da fundação dos ranchos. Tudo a ver com o carnaval
que, consequentemente, leva ao samba.
“O próprio tenente Hilário fundou, no dia 6 de janeiro de 1893, o rancho
Rei de Ouros, mas, na entrevista, reconheceu que, naquela data, já havia o
Dois de Ouros, por sinal, da mesma região em que morava, o bairro da Saúde”,
destacou Cabral.
Polêmicas a parte, 2007 marca os 90 anos do sucesso de Pelo Telefone,
o primeiro samba registrado no Brasil. Há uma designação específica para
“Pelo Telefone” na página 616 da Enciclopédia da Música Brasileira
(Publifolha/Art Editora, 3ª edição, 2003). Eis a íntegra: “A 6 de novembro de
1916, Donga (Ernesto dos Santos) entrega uma petição de registro no
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Departamento de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional do rio de janeiro para
o samba carnavalesco Pelo telefone. A partitura manuscrita para piano feita por
Pixinguinha, estava dedicada aos carnavalescos Peru (o repórter Mauro de
Almeida) e Morcego (Norberto Amaral), dois foliões destacados. Em 16 de
novembro de 1916, Donga anexou a petição atestado que afirmava ter sido o
samba carnavalesco Pelo Telefone executado em público pela primeira vez em
25 de outubro de 1916, no Cine-Teatro Velho. O registro foi finalmente
efetuado em 27 de novembro, com o nº 3.295. A partitura para piano apareceu
em 16 de dezembro do mesmo ano, impressa no Instituto de Artes Gráficas do
rio de Janeiro. Tinha quatro páginas: a primeira era a capa, a segunda e
terceira traziam a música escrita, e a parta página foi usada para anunciar
novos lançamentos da casa Edison, para o Suplemento de janeiro de 1917.
Nessa época se anunciavam as duas primeiras gravações do samba. Até essa
data não se tinha notícia dos versos do samba, que só seriam conhecidos
quando do lançamento da gravação do cantor Baiano. A gravação da banda
Odeon é anterior à efetuada por Baiano e coro. Na primeira, consta como autor
Donga; na segunda, Donga e Mauro de Almeida. O samba fez grande sucesso
no carnaval de 1917, dando origem a inúmeras paródias e comentários,
estampados na imprensa carioca, que designava o gênero da música como
tango, modinha, samba, samba carnavalesco, etc. É tido como o primeiro
samba gravado, considerando-se a introdução deliberada do autor de atribuir
esse gênero e não outro, à sua música, quando do registro da composição na
Biblioteca Nacional”.
Curiosamente a data de aniversário, ou seja, os 90 anos, do registro
de “Pelo Telefone” na Biblioteca Nacional (novembro de 1916) passou
despercebido da imprensa em geral. Durante todo o ano de 2006 não
houve sequer um comentário na grande mídia sobre o fato.
Curiosa também a Exposição “O carnaval carioca do início do século XX
até a cidade do samba - 1900 a 2007”, realizada pela Biblioteca Nacional em
janeiro de 2007. A autora da monografia percorreu a exposição diversas vezes
e constatou que nada foi mencionado sobre “Pelo Telefone”, nem sobre o
carnaval de 1917. A exposição mostra o corso pelos idos de 1907. Mostra,
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entre outras coisas que, “pela primeira vez, 50 mil lâmpadas iluminavam a
Avenida Central” com a multidão freqüentando o local durante os quatro dias
de carnaval, com base na revista Careta de 4/03/1911. Mas nenhuma citação
ao carnaval de 1917.
O fato é que em geral, ao falar do surgimento do samba, fala-se de “Pelo
Telefone” e Donga.
Ao tecer comentários sobre a importância do violão na cultura, no livro
“Sobre Cultura e Mídia”, o jornalista e escritor Roberto Moura, também faz
menção ao samba e seu autor (um de seus autores). Na página 12, Moura
lembra que a partir de 1914, Pixinguinha andou tocando com ele (violão) ao
lado de “um certo” Ernesto Joaquim Maria dos Santos que a “história registra
como autor do primeiro samba gravado, Pelo Telefone, e que o país inteiro
reverenciou com o nome de Donga”. Moura não cita Mauro de Almeida,
parceiro no samba.
Já a revista VEJA, de 22/08/2007 dedica três páginas ao tema samba. A
reportagem de Sérgio Martins apresenta alguns equívocos ou mostra que foi
elaborada sem pesquisa histórica. No boxe “A evolução do samba”, o jornalista
registra que 1917 foi o “Marco zero” e atesta: “O compositor Donga (1890-
1974) lança Pelo Telefone, canção que seria classificada como o primeiro
samba da história”. E completa: “A música era na verdade um maxixe, um dos
gêneros que ajudaram a criar o samba”.
Mas como vê-se inicialmente, o samba nasceu há mais tempo. E no
caso de “Pelo Telefone”, o registro foi feito na Biblioteca nacional em 1916, um
ano antes de o samba ser sucesso no carnaval há 90 anos. Na “A Evolução do
samba”, Sérgio Martins destaca que 1930 foi a década que formou a tradição,
com o surgimento de Noel Rosa, Ismael Silva e Geraldo pereira. Já em 1958,
surgiu a Bossa Nova. “João Gilberto lança Chega de Saudade, que inaugurou
uma nova maneira de cantar samba. Ele mudou a batida do violão e abriu-se à
influência do jazz. A princípio, a bossa nova foi bastante criticada pelos
sambistas tradicionais”, comenta o jornalista na VEJA.
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(E por falar em Bossa Nova, vale registrar o comentário do cantor e
compositor Tom Zé, registrado no livro “Sobre Cultura e Mídia” do jornalista
Roberto Moura. Nas páginas 29 e 30, consta que para Tom Zé, figura
emblemática do tropicalismo, a Bossa Nova “construiu uma melodia
característica, estruturou seqüências de acordes, instituiu combinação de
dissonâncias numa sintaxe própria, revolveu o samba em suas entranhas,
destruiu e refez a forma erigida por Noel (Rosa) e seus pares”).
Voltado à reportagem de VEJA, em 1963 nasce o “Samba-Rock”, com
Jorge Benjor mudando mais uma vez a batida do violão. “Sua levada é rápida,
como se fosse um rock. O estilo – que recebia o nome de samba-rock – ainda
faz sucesso em bailes de música black”, diz Sérgio Martins. E completa
analisando 1080, com o surgimento do pagode: “O Fundo de Quintal inova ao
usar instrumentos como banjo e repique de mão. As músicas ganham um
andamento mais festivo. É o momento de ascensão de Jorge Aragão, Arlindo
Cruz e Zeca Pagodinho”.
Pesquisa mostra, contudo, que a discussão sobre a origem do samba
envolve até mesmo o nome do compositor Jean-Philippe Rameau, que nasceu
em Dijon (1682) e faleceu em Paris (1764), autor de um dos mais importantes
tratados sobre Harmonia.
No livro “Sobre Cultura e Mídia”, Roberto Moura conta ter sido lembrado
pelo compositor erudito Celso Mojola que no “Diário da Corte”, famoso livro de
Paulo Francis, o polêmico correspondente da TV Globo já falecido, também
escreveu sobre “o problema da música popular e da música erudita, e essa
coisa do samba ter origem européia e africana, disse que o samba tem
melodia, portanto, harmonia, e isso vem tudo de Rameau”. E no mesmo artigo,
Celso prossegue, Francis sugeriu até que o assunto fosse enrede de escoa de
samba: “Tem Rameau no Samba!
Vê-se que o samba é tema para muitos trabalhos pela riqueza e
diversidade de sua História.
A reportagem “O século musical brasileiro”, de Moacyr Andrade,
publicada no JB de 23/06/2000, por exemplo, também resgata nomes de
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grandes cantores e compositores, marcas registradas do mundo do samba
como Cartola, Carlos Cachaça, Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito,
Geraldo Pereira, entre outros.
Na reportagem, com título muito apropriado, anunciava-se o lançamento
de “valiosa pequena história” que seria reproduzida generosamente em 25 CDs
e dois livros de um “monumental painel musical e cultural” denominado “A
Música brasileira deste século por seus autores e intérpretes”, um formato de
programa idealizado então por Fernando Faro para a TV, primeiro para a
extinta Tupi, na década de 60, em naquele momento para a Cultura. O
lançamento foi uma realização do Sesc em parceria com a Fundação Padre
Anchieta. Curiosamente, a matéria não cita o autor mais famoso de “Pelo
Telefone”: Donga. Mas como falar em um século de musica brasileira sem
lembrar de alguns personagens que compuseram o histórico movimento inicial
de rodas de samba no Rio de Janeiro?
Desta forma, segundo a reportagem, um dos documentos mais ricos
apresentados no trabalho em questão é o Cd de Bucy Moreira, neto da figura
histórica de Tia Ciata, a principal mãe do samba. E embora a reportagem não
mencione, “Pelo Telefone” teria surgido nas rodas de samba promovidas na
casa da mãe do samba.
Pode-se também constatar o quanto o tema samba está intrinsecamente
ligado a muitas outras informações ainda desconhecidas do público, que se
entrelaçam à história de seu surgimento e construção nesses 90 anos de “Pelo
Telefone”. A reportagem “Parceiros sumidos e falta de interesse”, de Antônio
Carlos Miguel, em O globo de 25/03/2007, é um outro exemplo disso. Segundo
o jornalista, um outro nome, praticamente ignorado, também esteve envolvido
com o samba, no início do século passado. Trata-se de José Luiz de Morais, o
Caninha, que nasceu em Jacarepaguá, em 6 de setembro de 1883. “Na Cidade
Nova, ficou amigo de outros futuros inventores do samba, como Sinhô, João da
Baiana, Donga e Pixinguinha. Lançou em 1918 seu primeiro sucesso, Gripe
Espanhola morreu em 1961 e deixando 49 músicas gravadas”.
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A pesquisa sobre os 90 anos de “Pelo Telefone” permite, assim, a
descoberta de muitos outros nomes e personagens do samba e a sua relação
com a mídia. E consequentemente sobre o samba, que teria surgido há mais
de 100 anos. No Rio de Janeiro ou no Nordeste, com os negros africanos ou
com os indos.
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CAPÍTULO I
O ESPAÇO DO SAMBA NA MÍDIA IMPRESSA
O capítulo busca fazer uma análise do espaço ocupado pelo samba na
mídia impressa, uma década antes do centenário de “Pelo Telefone”, o primeiro
a ser registrado no Brasil.
O Jornal do Brasil iniciou a sua coluna, ou melhor, “secção
carnavalesca”, no dia 1º de janeiro de 1917 com a seguinte informação no alto
da página: “Os embaixadores de momo iniciaram hontem os seus pomposos e
retumbantes preparativos para o carnaval de 1917”. A edição do JB informa
que essa é a fase em que “o povo carioca inicia uma era de risos e flores,
alegria e prazer, e que a verdadeira trégua a tristeza e o povo se entrega à
loucuras do carnaval, esquecendo por completo as agruras da vida”. Entre os
anúncios, há promoção de “enxovais para noivas a preços módicos”. No
futebol, os Uruguaios vencem o botafogo por 5x1.
A Europa estava em guerra. E a edição do JB de 2/01/1917 informa que os
franceses fizeram 78.500 prisioneiros na região de Verdun. No Palácio do
Catete “recepção do Presidente da República (Wenceslau Brás.) ao Corpo
diplomático”. Ao fazer um balanço da guerra, informava que os alemães
haviam perdido mais de 1.200.000 homens.
Já na época, o Jornal do Brasil apostava todas as suas fichas na festa
que se tornaria a mais popular do mundo ao longo dos próximos 90 anos: o
carnaval. E a história conta que não há carnaval sem samba. Em 3/01/1017, o
jornal anuncia as “batalhas de confetes”, continuava noticiando a guerra, o
estrangulamento de uma octogenária (“crime bárbaro e mysterioso na Rua
Goyas, no Encantado”), anunciando xaropes para tosse e bebidas alcoólicas:
“A companhia Cervejaria Brahma avisa aos seus amigos e freqüentadores que
a sua apreciada marca teutonia será vendida de hoje em diante somente em
garrafas com arrolhamento coroa”.
Para o Jornal do Brasil, era época de festa, carnaval e, sem dúvida, de
“Pelo Telefone”. Era o “samba da vez” como se poderia até dizer sem sombra
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de dúvida. Na edição de 6/01/1917, destaque para marchinha entoada no
Boulevard 28 de Setembro, em Vila Isabel:
“Olha os passarinhos/ como estão bonitinhos/vão beijando as flores/ ainda tão
pequeninos/ quando saem dos ninhos/já cantam amores”.
E no dia 8 de janeiro de 1917, a coluna carnaval do Jornal do Brasil apresenta
o entre título “Pelo Telefone (em negrito) com a seguinte informação:
“Descíamos a rua do Ouvidor em demanda da Avenida Rio Branco quando
encontramo-nos com o compadre Mauro de Almeida, o conhecido
carnavalesco Peru dos Pés frios, companheiro inseparável de Morcego. O
compadre Mauro é como os bondes da Light, anda sempre apressado, a
distribuir pilherias, a contar casos do Brasil e da Argentina, enfim, é hoje um
dos mais finos e mais espirituosos dos nossos carnavalescos de linha. Entende
bem de (rosadas) porque é um excelente e competente chronista carnavalesco
e escriptor theatral. O compadre Mauro vinha de braço com o Sr. Ernesto
Santos, o Donga, e nos apresentando disse: - Aqui tem o Donga, é nosso
irmão, é do cordão, é igual. Tem direito a continência com marcha batida.
_Que deseja o Sr. Donga?
Apenas uma notícia de que acaba de compor um tango-samba carnavalesco
denominado “Pelo telefone...”, com letra de Mauro. Pelo Telefone vai ser o
sucesso carnavalesco desde anno, pois já foi distribuído a bandas militares”.
Estava, assim, sentenciado o sucesso de Pelo Telefone no carnaval de 90
anos atrás, com o apoio de dois cronistas do Jornal do Brasil, bandas militares
e tudo mais, como veremos mais adiante. Era, sem dúvida, a vitória também do
que se chamaria definitivamente de samba!
No dia 9/01/1917, o JB tratava do noticiário da chuva como se fosse
hoje: “As conseqüências da chuva – o temporal de hontem inunda vários
bairros. Os rios transbordam e o tráfego fica paralysado”. As páginas do JB
continuavam informando que não havia novidades sobre o crime de
estrangulamento a octagenária, informava sobre um caso de traição de uma
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“senhora”, mas sem perder de vista o carnaval que se aproximava e,
consequentemente, o samba.
Mas nem tudo eram flores no carnaval singelo e inocente de 90 anos
atrás. O JB de 11/1/1917 apresentava o seguinte título na coluna carnaval; “Os
pseudo-clubs carnavalescos e a polícia de São Paulo e a do Rio”. E em
seguida, a notícia mais completa: “Parece que agindo de acordo com a polícia
carioca, a polícia de São Paulo no dia 1º do corrente, fez fechar todos os clubs
que, com o rótulo de carnavalescos, exploravam unicamente a jogatina”. E
avisava: “Os clubs que nunca deram festas, nem fizeram carnaval externo não
terão licença para funcionar em 1917”.
Três dias depois as notícias da coluna carnaval mantinham em evidência
as batalhas de confetes, blocos carnavalescos, concursos de fantasias, mas
também divulgava letras de marchas como esta de Lord Bengalinha: “Somos
do Bloco dos Cavadores, rimos, brincamos, como amores/Pedimos sempre as
senhoritas/ que bem alegres/Não façam fitas”.
Vale registrar a utilização da expressão não fazer “fita” já no carnaval de
1917.
A relação carnaval, samba, polícia e governo é antiga. No JB, um pouco
dessa relação aparece com destaque na edição de 17/01/1917 com o titulo “O
governo auxilia os clubs carnavalescos”. Poucos dias depois de o JB contar
como Mauro de Almeida e Morcego encontraram Donga na Rua do Ouvidor
com a Av. Rio Branco, “Pelo Telefone” é outra vez notícia na edição de
18/01/1917. Eis a transcrição da notícia:
“Nos folguedos carnavalescos de 1917 marcará indubitavelmente a nota
de um grande sucesso musical, o samba carnavalesco Pelo telefone, original
do conhecido musicista Sr. Ernesto dos Santos (Donga) pelo autor dedicado as
figuras popularíssimas de Morcego e Peru, carnavalescos da gemma, alistados
nas noites democráticas. E tão legítimo será esse sucesso que as nossas
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principais bandas militares já o estão ensaiando, como aconteceu como o do
regimento de cavalaria da Brigada Policial, que sob a regência do maestro Sr.
Sobrinho, deu-o hontem por prompto; com a do Corpo de Bombeiros, que soa
a regência do maestro sr. Albertino Pimentel, o executará na primeira de suas
retretas; com a do 3º regimento de infantaria do exército, que dirigido pelo
sargento Sr. Carlos de Almeida fez antehontem o seu primeiro ensaio geral.
(...) Pelo Telephone, tudo faz crer e será com a lettra que o Peru para ele
escreveu e que dentro de poucos dias estará à venda, o estribilho festivo dos
populares folguedos do momo no corrente ano".
Curiosamente o jornal informava que a letra de Pelo Telephone era de Peru.
É indiscutível a força do Jornal do Brasil ao samba Pelo Telefone. Na
edição de 21/01/1917 informações sobre a composição têm mais um destaque.
Lá estava na coluna carnaval com o título "Pelo Telephone samba
carnavalesco" e o seguinte texto: "Um grande successo carnavalesco deste
ano é indubitavelmente o bello samba Pelo Telephone, um feliz arranjo musical
do artista patrício Sr. Ernesto Santos, o popularíssimo Donga, samba que elle
dedicou aos foliões Norberto Amaral (Morcego) e Mauro de Almeida (Peru dos
Pés Frios). O Mauro escreveu então a lettra para o samba. Essa lettra tem sido
muito conquistada, pois toda a gente faz questão de uma cópia".
E mais: "O Sr. Carlos Bittencourt já disse que vai incluí-la na revista
escrevendo para o Sr. José em collaboração com o Sr. Luiz Peixoto. Também
o Sr. Bejnamin de Oliveira vae incluí-la na revista carnavalesca que está
escrevendo para o circo Spinelli de collaboração com o Vagalume (o cronista
citado nos livros de Nei Lopes e Sergio Cabral!). Essa lettra tão disputada, o
Jornal do Brasil offerece hoje aos seus leitores a guisa de furo".
E assim, o JB publicava neste dia a provável primeira letra do samba. Eis
aqui o "furo", ou seja, a transcrição literal da letra de Pelo Telefone publicada
no jornal naquele dia, conforme consta na Biblioteca Nacional:
21
1ª Parte
O chefe da folia/Pelo Telephone/Manda me avisar
Que com alegria/Não se questione/Para se brincar!
(Espera os compassos da introdução e repete)
2ª Parte
Ai! Ai! Ai!/E deixar mágoas pra traz
O! rapaz!/Ai! Ai! Ai!/ Fica triste se és capaz/E verás.
3ª Parte
Tomara que tu apanhes/Pra não tornar fazer isso:
Tirar amores dos outros/E depois fazer teu feitiço...
4ª Parte
A! Si a rolinha/Sinhô, sinhô
Se embaraçou/Sinhô, Sinhô
E que a avezinha/Sinhô, Sinhô/Nunca sambou
Porque esse samba/Sinhô, sinhô
De arrepiar/Sinhô, sinhô
Põe perna bamba/Sinhô, Sinhô
Mas faz gozar/Sinhô, sinhô
O Peru me disse/Si, o Morcego visse
Não fazem tolice/Que eu então sabisse
Dessa esquisitice/De disse e não disse
(Espera os compassos de introdução e espera)
2ª Parte
Ai! Ai! Ai!//Ah! Está o canto ideal
22
Triumphal/Ai! Ai! Ai!
Viva o nosso carnaval/ Sem rival
3ª Parte
Se quem tira amor dos outros/Por Deus fosse castigado
O mundo estava vazio/E o inferno só habitado
4ª Parte
Queres ou não/Sinhô, Sinhô
Vir pra o cordão/Sinhô, Sinhô
E ser folião/Sinhô, Sinhô
De coração.../Sinhô, Sinhô
Porque este samba, etc".
(Na versão atual a letra tem mudanças e não há a citação de Peru)
O chefe da polícia
Pelo telefone
Mandou me avisar
Que na Carioca
Tinha uma roleta
Para se jogar
Ai1 Ai! Ai!
Deixa as máguas para trás, oh, rapaz
Ai, Ai, Ai,
Fica triste se és capaz e verás!
Tomara que você apanhe
23
Pra nunca mais fazer isso
Tomar o amor dos outros
E depois fazer feitiço
Olha a rolinha (sinhô, sinhô)
Se embaraçou (sinhô, sinhô)
Caiu no laço (sinhô, sinhô)
Do nosso amor (sinhô, sinhô)
Porque este samba (sinhô, sinhô)
É de arrepiar (sinhô, sinhô)
Põe pernas bambas (sinhô, sinhô)
Mas faz samba
(Esta é a letra de Pelo Telefone conforme gravação de Vó Maria, viúva de
Donga, no CD “Maxixe não é samba”, em 2003)
Já a edição do JB de 15/02/1917 traz outra notícia curiosa sobre
carnaval e o samba. Eis a informação: "Tango carnavalesco. Ai tia rolinha,
sinhô, sinhô, é o título de um esplendido tango carnavalesco da lavra do sr. J.
Moura, destinado decerto a fazer furor pelo carnaval. Esse tato é para ser
cantado com a modinha Pelo Telephone (...)".
Nota-se na informação que a letra do mencionado "tango" se parece muito
com a letra divulgada anteriormente a título de "furo". E o JB também classifica
Pelo Telefone de "modinha" e não de samba, como Donga fez questão de
registrar na Biblioteca Nacional em novembro de 1916. A notícia mostra
claramente a relação da mídia, da comunicação, com o marketing de empresas
já naquela época.
Há exatos 90 anos (17/02/1917), o JB anunciava que "a grande folia"
começaria no dia seguinte, com o título "Tangos e ventarolas" e mais uma vez
enaltecendo o samba de Donga, abençoado por empresas importantes como a
24
General Elétric. Eis o texto: "O Sr. Ernesto Santos (Donga) escreveu, como já
noticiamos publicando a lettra, um samba carnavalesco Pelo Telephone, que
dedicou aos carnavalescos Peru e Morcego, enviando agora ao Jornal do
Brasil um exemplar da música. A General Electric do Brasil, no intuito de fazer
reclame das lâmpadas elétricas, ventiladores e outros artigos de seu
commercio, distribue lindas ventarolas de que enviou alguns exemplares ao
Jornal do Brasil(...)".
E mais: "A Casa Viúva Guerreiro, a conhecida editora de músicas,
remeteu ao Jornal do Brasil um exemplar do samba carnavalesco Pelo
Telephone dedicado ao Club dos Fenianos pelo seu autor o Sr. Miguel Neves,
que escreveu para os mesmos versos apropriados".
Na mesma edição do JB aparece informações sobre a opressão policial à
festa a parir de denúncias da religião católica. Sob o título "O carnaval e a
Polícia" o jornal informava que a "União Catholica oficiava o seguinte à polícia.
"São tomadas várias providências sobre o policiamento". O chefe de polícia era
o severo Aurelino Leal e o chefe da União Católica era Dr. Joaquim Moreira da
Fonseca, que reclamava a Aurelino Leal, "contra um indigno e irritante abuso
que habitualmente se tem dado nos carnavais passados, de indivíduos
desclassificados que se aproveitam desse período de uma espécie de
anonymato para offender e ultrajar a Religião Cathólica cobrindo-se com as
vestes sacerdothes e villependiando acto ou objecto do culto cathólico".
O carnaval chegou no dia 18 de fevereiro de 1917 e a quarta-feira de
cinzas levou as notícias da festa e, conseqüentemente, a coluna com o mesmo
nome que diversas vezes propagou informações sobre Pelo Telefone. Embora
trechos de marchinhas e versinhos de modinhas também tenham sido
divulgados pelo Jornal do Brasil, nada se compara a divulgação de Pelo
Telefone, talvez por ser Peru e Morcego os cronistas mais populares da época,
parceiros e amigos de Donga. É inegável, contudo, a força da música que
resistiu aos modismos se mantendo viva nas rodas de samba 90
anos depois.
25
Na carona de “Pelo Telefone”, 90 anos depois (2 de dezembro de 2007,
Dia Nacional do Samba), a OI Futuro, empresa de telefonia, realizou o evento
“Bonde do Samba”, apostando obter espaço na mídia para a sua marca.
Na coluna Gente Boa, de O Globo, de 10/11/2007, teve destaque a
seguinte informação: “Um bonde cenográfico cheio de músicos percorrerá o
Catete fazendo o trajeto da primeira linha de bondes eletrificados do país. A
festa é em 2 de dezembro, Dia Nacional do Samba. A saída será no espaço Oi
futuro”. A idéia era comemorar os 70 anos do IPHAN, os 90 anos de Pelo
Telefone, o reconhecimento do Samba do Rio como Patrimônio do Brasil. No
mesmo jornal, no Dia Nacional do Samba, a coluna de Ancelmo Góis informa
no Zona Franca: “Nilcemar Nogueira, neta de Cartola, e Lígia Santos, filha de
Donga, sairão hoje no Bonde do samba do Oi Futuro”.
Não se muito mais que isso na mídia sobre esse Bonde do Samba. O
espaço maior foi dedicado ao projeto “Trem do Samba”, evento anual
organizado pelo cantor e compositor Marquinhos de Oswaldo Cruz, com
patrocínio da Petrobrás. O evento, como ocorre todos os anos, foi noticiado
pela TV Globo e quase todos os grandes jornais.
Mas são completamente diferentes as opiniões de importantes figuras
públicas sobre o espaço que o que o samba ocupa na mídia. O jornalista
Sérgio Cabral (pai), acha que a mídia só dará mais espaço ao samba “quando
ela for convencida de que vai ter lucro, de que vai vender mais por causa
disso”.
Já o escritor André Diniz, secretário de Cultura do município de Niterói,
tem outro ponto de vista. Em sua opinião esse espaço tem sido dado, até
porque “o samba foi matéria-prima da incipiente indústria do entretenimento
nos primórdios do século XX”. Ele lembrou que depois da gravação de Pelo
Telefone, em 1917, o gênero passou a ser rótulo de sucesso. “Muitas músicas
foram registradas como samba e eram outra coisa. Foi ele o alimento também
da Era do Rádio”, lembrou André Diniz. Segundo ele, todos os grandes
cantores e cantoras da Era do Rádio se destacaram através do gênero samba.
E mais: “Para seguir na mesma linha, a bossa nova - que é muito samba -
26
ganhou mercado internacional; na década de 70 compositores como Martinho,
Paulinho, e cantoras como Beth e Clara, venderam discos como poucos. Dos
últimos anos pra cá, o mercado registra fenômenos como Zeca, Jorge Aragão.
Isso sem contar os pagodes paulistas e baianos, que pra mim é muito samba
também no sentido simbólico e geral para a sociedade”
Por tudo isso, André Diniz acredita que o samba tem mídia e não aceita
lamúrias sobre falta de espaço na mídia. E dá uma aula de História:
“O discurso de pobre coitado do "Agoniza mas não morre" (samba de Nelson
Sargento) é muito mais um discurso político, de manter e abrir espaço, de
defender uma possível cidadania negra-cultural, do uma realidade. Desde Tia
Ciata, o samba tinha ligação direta como o poder. A negra mesmo Ciata
colocou o marido trabalhando na policia da freguesia do Santana e teve alguns
encontros com presidentes da Republica. João da Baiana era adorado pelo
Senador mais poderoso do inicio da Republica, Pinheiro Machado. Então, o
que existe mesmo é que no aspecto cultural, a nossa sociedade bate e
assopra, permite e reprimi”.
Ele pode ter razão. Tanto que a Revista de O Globo, de 20/08/2006,
estampa em sua capa fotos a cores de Dona Ivone Lara, Paulinho da Viola,
Marisa Monte e Monarco, com o título: “Rio Antigo dá Samba”. E também na
capa avisa: eles “recuperam as músicas que deram origem ao ritmo mais
popular do Brasil”.
27
CAPÍTULO II
FATOS HISTÓRICOS
Alguns fatos históricos pesquisados podem mostrar como a mídia
impressa tem se relacionado com o samba. A importância da manifestação
cultural chamada samba pode ser estudada a partir dessa ótica.
No livro História do Carnaval Carioca, de Eneida de Moraes, de 1958, a
autora escreveu que o primeiro amigo do carnaval é a imprensa. E se carnaval
também é samba, isso pode levar a pensar que a imprensa é amiga do samba.
Na página 195, Eneida escreveu: "O carnaval carioca sempre teve amigos e
inimigos, defensores e acusadores, uns sempre prontos a colaborar com ele
para sua maior grandeza, outros sempre dispostos a esmagá-lo, usando todas
as armas para diminuir a alegria de nossos folguedos. Se o povo carioca é o
grande, o eterno carnavalesco, além das grandes sociedades, dos grandes
amigos encontrou momo no início de sua festa: a imprensa e o comércio.
Foram eles o esteio, a força impulsionadora, os melhores e mais seguros
colaboradores do povo para a implantação de nosso carnaval, para a sua
evolução até às conquistas do título que hoje ostenta: O mais belo carnaval do
mundo".
A palavra samba aparece pela primeira vez na página 203 de Histórias
do Carnaval Carioca. Nesse capítulo, segundo a autora, em 1908, nos
primeiros dias de janeiro, a Gazeta de Notícias visitava a sede dos cordões.
"Foi ela a impulsionadora dos pequenos clubes carnavalescos, aqueles que,
tendo nascido com os cacumbis, iriam dar as belíssimas escolas de samba dos
nossos dias".
O mesmo livro revela o envolvimento carnaval, samba e jornalistas na
página 209. Segundo a autora, em 1925, outro jornal "colaborou eficientemente
nos folguedos do carnaval: o Rio Jornal; e A Folha promoviam uma batalha de
confete na Praça Onze; realizava-se o primeiro concurso de sambas e marchas
no Teatro S. Pedro promovido por um grupo de jornalistas", à frente dos quais
28
se encontrava o repórter apelidado de Miúdo, "o sempre querido cronista do
Jornal do Brasil".
A mídia se relaciona com os fatos das mais variadas formas, ou melhor,
ofertando-lhes pequenos ou grandes espaços de acordo com o momento, com
o editor, com o mercado, por exemplo. Em relação ao samba, alguns fatos
servem para ilustrar essa performance da mídia.
No dia 18 de fevereiro de 1986, o Jornal do Brasil deu chamada de
primeira página para a morte de Nelson cavaquinho, um dos mais importantes
compositores, parceiro de Guilherme de brito em verdadeiras obras-primas
como Folhas Secas. “Samba chora a morte de Nelson cavaquinho. Os surdos
da escola de samba de Mangueira, menos de uma semana depois de
comemorar a vitória no carnaval, bateram ontem de tristeza no Cemitério de
Irajá, para sepultar Nelson Cavaquinho, 74 anos, um dos nomes mais famosos
do samba”.
No ano passado, contudo, quando a morte completou 20 anos, Nelson
Cavaquinho não foi lembrado pela grande mídia. Talvez porque não haja uma
instituição, uma fundação ou empresa para lembrar o marco do falecimento do
genial artista brasileiro.
Não é o caso do igualmente genial Cartola. A morte deste inesquecível
compositor também mereceu página inteira do Caderno B do Jornal do Brasil,
de 1º de dezembro de 1980. “Cartola: “Tudo é belo por onde eu passei”, foi o
título da reportagem mostrado a última foto, quando o mestre era transferido da
Clínica São Carlos para o Hospital da Lagoa. A vida e a obra de Cartola foram
lembradas nas páginas 2, 4 e 5 da mesma edição. Com um filme sobre a sua
vida patrocinado por um grande banco e o Centro Cultural Cartola, fundado
pela neta, Nilcemar Nogueira, o magistral poeta, autor de “As rosas não falam”,
felizmente costuma ser mais lembrado pela imprensa.
Os dois exemplos servem para mostrar que, em alguns casos, sem o
afinco familiar e o apoio do governo e/ ou da iniciativa privada em projetos,
corre-se o risco de datas importantes para a cultura passarem despercebidas
29
pela mídia. Mas se o jornalista trabalha com o fato, ele precisa disso para
colocar em prática o seu ofício.
Popularmente costuma-se dizer que alguém é lembrado quando morre
ou quando fica doente. E no samba, não seria diferente. Foi o caso de Neuma
Gonçalves, a Dona Neuma da Mangueira, quando de sua morte aos 78 anos,
em 17/07/2000. Ícone da verde-rosa e do samba, Dona Neuma foi saudada na
primeira página do caderno B do Jornal do Brasil do dia seguinte com o título
“A mãe do morro”; em reportagem que também teve destaque na página 2 do
mesmo caderno do JB.
Além de sua importância no samba, Dona Neuma sempre será lembrada
por ter criado um método novo de ensinar ler e escrever os meninos e meninas
pobres do Morro da Mangueira. “Os moleques do morro não conseguiam
aprender a ler, coitados, não passavam nem para a primeira série. Mas eram
todos uns bocas-sujas. Aí, peguei um pedaço de papel e escrevi um palavrão
de quatro letras, começando por p. Ensinei os garotos a ler e a escrever o
palavrão, depois outro e outro. Sabendo escrever palavrão, eles aprenderam a
ler e a escrever tudo o mais. Foi assim que alfabetizei os danados dos
moleques”, contava Neuma, sempre entusiasmada com a eficácia do metido,
segundo registrou a jornalista Lena Frias, também falecida há cerca de três
anos.
Também quando morreu, em 6/06/2000, “depois de uma longa vida de
ginga e malandragem”, Antônio Moreira da Silva, o Kid Morengueira, mereceu
destaque nas duas primeiras páginas do Caderno B do JB do dia seguinte.
“Tinha 98 anos, tijucano, inventor do samba de breque, legítimo representante
de uma linhagem de malandros de verdade”, escreveu Renato Lemos. Na
reportagem, Renato Lemos lembra que Moreira da Silva deixou gravado em
mais de 100 discos “um manual de sobrevivência para cariocas, principalmente
para os que se julgam espertos”, como o ditado “malandro demais de
atrapalha”.
30
Apesar de ter sido o criado um estilo próprio e te der gravado tantos
discos, ao morrer Kid Morengueira deixou uma dívida de R$ 50,00 mil com
hospitais onde esteve internado. “Ícone de uma geração que fez sucesso no
rádio, com uma coleção de sucessos com qualidade de fazer corar muito grupo
de pagode – o que em qualquer lugar do mundo lhe valeria uma aposentadoria
mais do que sossegada (...), Moreira da Silva morreu quase duro. Seus últimos
dias foram passados num apartamento pequeno no Catumbi, depois de passar
quase toda a vida numa casa simples na Salvador de Sá, em pleno Estádio,
caroço do Rio de Janeiro”, bem lembrou Renato Lemos.
No samba “Quando eu me chamar saudade”, uma de suas obras-
primas, Nelson Cavaquinho (em parceria com Guilherme de Brito) também
lembrou muito bem:
Sei que amanhã quando eu morrer
Os meus amigos vão dizer
Que eu tinha um bom coração
Alguns até hão de chorar
E querer me homenagear
Fazendo de ouro, um violão
Mas depois que o tempo passar
Sei que ninguém vai se lembrar
Que eu fui embora
Por isso é que eu penso assim,
Se alguém quiser fazer por mim,
Que faça, agora.
31
Me dê as flores em vida
O carinho a mão amiga
Para aliviar meus ais
Depois que eu me chamar saudade
Não preciso de vaidade
Quero preces e nada mais....
A letra do samba também mostra a preocupação de Nelson Cavaquinho
e Guilherme de Brito com o fato de o sambista ser lembrado quando morre ou
quando está muito doente. Mas toda regra tem pelo menos uma exceção. O
compositor Guilherme de Brito, falecido em 26/04/2006, pobre, apesar da
riqueza de sua obra, ganhou destaque nas duas primeiras páginas do caderno
B do JB de 25/08/2000, em matéria de Renato Lemos, anunciando a gravação
de um CD com raridades do parceiro de Nelson Cavaquinho.
Com o título “Samba Guardado”, a reportagem lembra que tratava-se do
“primeiro disco desde Folhas Secas, patrocinado pela Rio Arte e lançado
apenas no Japão em 1990”. O disco de Guilherme de Brito marcaria a estréia
da gravadora paulista Lua Discos, do publicitário e músico Thomas Roth, entre
os grandes do samba carioca.
Também pobre e doente, o cantor Nadinho da Ilha ganhou a primeira
página do Segundo Caderno de O Globo de 10/01/2005. “Ao mestre com
cadência” é o título da matéria de João Pimentel, anunciando que Nadinho faria
uma série de shows em homenagem a Geraldo Pereira, um dos maiores
compositores do samba, numa casa da Lapa. “Nadinho da Ilha é uma das
figuras mais queridas do mundo do samba. Seu sorriso é uma marca registrada
que nem problemas de saúde recentes – ele teve parte de seu pé amputado
por causa da diabete que nem desconfiava ter – conseguiram esconder”,
comenta João Pimentel.
32
Já Zé Kéti, outro mestre do samba, ganhou matéria de primeira página
do segundo caderno de O globo de 02/05/2007: “Ele era o samba e a voz do
morro”, informa o jornalista João Pimentel. Na matéria, ele informa que Zé Kéti,
autor de clássicos como “Opinião” e “Diz que fui por aí” é lembrado em DVD e
homenageado no Prêmio Tim de Música. “Zé Kéti, além de um grande criador
de clássicos do samba, foi o porta-voz de sua geração por sua forte
personalidade”, atestou Pimentel.
Outro ícone do samba, Walter Alfaiate, ocupou a página 4 do Caderno B
do JB de 7/06/2000, com o título “magnata supremo da elegância”, em matéria
de Mauro Trindade. Era aniversário do sambista. Alfaiate estava completando
70 anos, “cercado de elogios”, fazendo shows e anunciava o lançamento de
CD. “Ele tem muita ginga. É genial. E tornou-se uma lenda devido a sua
têmpera, a seu talento e a sua extrema simpatia, que a gente sabe, é quase
amor”, escreveu o jornalista. Compositor parceiro de Mauro Duarte, do bairro
de Botafogo, Alfaiate também foi descoberto tardiamente, como ocorreu com
Cartola, Nelson Cavaquinho, Jair do Cavaquinho e Nelson Sargento, por
exemplo, como bem lembrou Moacyr Luz outro compositor de samba.
O compositor Jair da Costa, o Jair do Cavaquinho, ícone do samba, foi
resgatado pelas cantoras Marisa Monte e Tereza Cristina, principalmente. Em
abril de 2000, aos 80 anos, um dos maiores representantes da Portela,
participou do espetáculo “Jair do Cavaquinho 80 anos”, no Teatro Rival,
quando teve meia página do caderno B, do BJ, com o título “O Samba novo de
Seu Jair”.
Já na reportagem “Parceiros sumidos e falta de interesse” de O Globo
de 25/03/07, o repórter Antônio Carlos Miguel trata das dificuldades que o
mercado também enfrenta quando quer lançar o trabalho de cantores e
compositores desconhecidos do grande púbico. “Alguém tem notícia dos
compositores Caninha, Gadé e Daniel Caetano ou de seus herdeiros?
Informações sobre eles poderão ser úteis para a gravadora Universal e
admiradores de dois gênios da MPB, Pixinguinha e Carlos Lyra”, informava o
jornalista. Segundo ele, havia quatro anos, duas caixas com discos de ambos
33
que estão inéditos no Brasil aguardam a resolução de detalhes jurídicos, em
função de dificuldades de identificação de autores e/ou herdeiros dos músicos
em questão.Vê-se assim, que em alguns casos, até mesmo o mercado se
depara com obstáculos quando, finalmente, quer resgatar nomes importes do
cenário do samba, como é o caso de Caninha (José Luiz de Morais).
Segundo o jornalista e pesquisador musical Ilmar Carvalho, Caninha foi
um dos primeiros a lançar o samba de batucada, era contemporâneo de Sinhô
(José Barbosa da Silva). “Assim como Gadé, Caninha foi também pianista,
parceiro de Valfrido Silva e gravado até por Carmem Miranda”. O repórter
Antônio Carlos Miguel, autor da reportagem, admite ter ido ao Google, onde
encontrou fichas completas dos até então misteriosos autores (Caninha por
exemplo) em diferentes sites. E observou que o obstáculo do mercado poderia
ser reduzido ou amenizado, pois há ainda o recurso de a gravadora colocar na
ficha técnica, ao lado do nome dos autores não encontrados, a informação
“direitos reservados”. O fato, avaliou o jornalista, muito comum de ocorrer nos
mercados americano, europeu e japonês. Mas no Brasil é diferente.
Em 2008, a mídia e, conseqüentemente o mercado, poderão lembrar os
100 anos do samba “Gripe espanhola”, de Caninha, seu primeiro sucesso em
1918. (Mas “o mercado não tem caráter”, como lembrou o escritor Sérgio
Cabral). O fato será o aniversário de 100 anos. E se a mídia trabalha com o
fato, está no aniversário um bom mote para que se lembre um pouco de
Caninha, “um dos primeiros a lançar o samba de batucada”, como registrou
Ilmar Carvalho.
Em geral a mídia também se relaciona com o samba ( e com a música
em geral) a partir de algum acontecimento. Além da morte, doença, aniversário,
a realização de shows, por exemplo, o lançamento de um disco, quando ele
vem atrelado a um artista (produto) bem vendido pela gravadora, com ampla
campanha de marketing, o espaço na mídia é certo. Muitos artistas, como o
consagrado e genial Paulinho da Viola, dispõe de todos esses elementos. E
mais: é respeitado e bem aceito pela mídia.
34
Paulinho é um caso raro, pois reúne tudo isso. Daí, ao sair em turnê com
o primeiro DVD de sua longa carreira, ganhou espaço em toda a mídia. Foi
capa da revista Canal Extra, do jornal extra, de 09/12/07, e teve o fato
respaldado em anúncios. “Viola Chique – Paulinho da Viola esbanja estilo e
simpatia num delicioso bate-papo”, estampou a revista na primeira página.
Paulinho, Zeca Pagodinho e Martinho da Vila são unanimidades quando se
trata de mídia. Cada um com um estilo, mas todos experientes,
compromissados com o samba, carreira construída tijolo a tijolo, público certo
contam com a força de gravadoras. Pesquisas em jornais recentes mostram
esse dado. E nas entrevistas realizadas para este trabalho, eles são sempre
mencionados.
Parceiro da compositora Dona Ivone Lara em clássicos do samba como
“Acreditar” e “Sonho Mu”, Delcio Carvalho nem sempre é lembrado pela mídia.
É comum lê-se em jornais e revistas que um outro samba é apenas de autoria
de Ivone Lara, com mais de 80 anos, considerada a diva do samba. Também
quando lançou seu mais recente CD, pelo Selo Rádio MEC, Delcio Carvalho
teve espaço discreto na mídia impressa. A consagrada Elza soares ganhou um
terço de página, com foto, em O Globo de26/09/07, ao lançar o CD e DVD
“Beba-me” no Canecão.
Tudo parece relativo quando se analisa o espaço dado a um artista do
samba pela mídia impressa. Por exemplo, “A contrapartida do Candongueiro” é
a manchete de alto de página de O Globo do de 16/10/2005, em matéria de
João Pimentel, anunciando que a casa de samba de Niterói estava lançando
discos de Jurandir da Mangueira, Zé Luis do império e Luiz Grande,
compositores consagrados por quem freqüenta rodas de samba da cidade.
Fato quase inédito, o trio desconhecido do grande público, que também não
freqüenta o programa do Faustão, ganhou matéria quase de página inteira,
com foto. Com o respaldo do Candongueiro.
E mais: no dia 28/05/2007, uma foto colorida da Velha Guarda do
Império Serrano – quem diria! – ocupou a parte central da coluna Gente Boa,
do jornalista Joaquim Ferreira dos Santos, de O Globo. Também estavam na
35
foto Zé Luis do império e Wilson das Neves, outro imperiano consagrado,
compositor e baterista de Chico Buarque de Holanda.
Há de se analisar assim a importância de uma escoa de samba do grupo
especial para projetar nomes de artistas na mídia. No carnaval de 2007 a
cantora Beth carvalho conseguiu espaço em todos os meios de comunicação
ao tentar desfilar com acerto prévio num carro da Mangueira. O ato polêmico,
aplaudido por uns e criticado por outros, deu a Beth Carvalho mídia gratuita
durante todo o carnaval, e depois também.
Diogo Nogueira, filho de João Nogueira, também conseguiu mais
projeção na mídia ao vencer a disputa de samba-enredo de 2007 da Portela.
Vê-se assim que a repercussão e o sucesso do desfile e dos eventos que
antecedem o desfile, podem muitas vezes beneficiar a projeção de artistas que
já estavam com o pé na estrada. Afinal, o desfile das escolas também pode
ser considerado um fato histórico no mundo do samba, na agenda de festas da
cidade, do país.
36
2.1. O preconceito no início do século: fatos e entrevistas.
No Dicionário Aurélio a palavra “preconceito” tem origem no Latim:
praeconceptu. Preconceito, segundo o autor, é “conceito ou opinião formados
antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos; idéia
preconcebida; julgamento ou opinião formada sem se levar em conta o fato que
os conteste; prejuízo; superstição, crendice”. E mais: “suspeita, intolerância,
ódio irracional ou aversão a outras raças, credos, religiões, etc”. E muito mais,
segundo Aurélio, “o preconceito racial é indigno do ser humano”.
Apenas a título de ilustração, pode-se observar que próprio mundo do
samba também se estabelece, segundo algumas personalidades do ramo, com
base em preconceitos. A consagrada cantora Alcione, a Marrom, por exemplo,
observa o problema e na primeira página de do Segundo Caderno de O Globo
de 18/07/2004, comenta: “O samba sempre foi um meio machista e se engana
quem acha que isso mudou. As gravadoras continuam acreditando pouco nas
cantoras e nas instrumentistas do samba. Hoje, tem mulher mandando ver em
baterias de escolas de samba, percursionistas de primeiro time. Mas só
começaram a me aceitar quando apareci tocando trompete. Era exótico”,
De volta ao mote deste capítulo que é o preconceito em relação ao
samba. Embora provoque a sensação de alegria, felicidade, contentamento,
descontração e seja capaz de gerar a reunião de pessoas, muitas vezes é
olhado com desdém.
Ao prefaciar o Almanaque do Samba de André Diniz, o jornalista Tárik
de Souza lembrou que no início do século XX, o compositor João da Baiana foi
preso em flagrante nas ruas do Rio de Janeiro, sob a acusação de portar um
pandeiro.
Portar um violão também era motivo até de prisão, como disse o
compositor Donga, em 1963, em depoimento a Hermínio Belo de Carvalho: “O
fulano da polícia pegava o outro tocando violão, este sujeito estava perdido.
Perdido! Pior que comunista, muito pior. Isso que estou lhe contando é
verdade. Não era brincadeira, não. O castigo era seríssimo. O delegado te
botava lá umas 24 horas”.
37
O depoimento de Alfredo da Rocha Vianna Filho, o genial Pixinguinha
(1897-1973) ao Museu da Imagem e do Som, talvez explique o motivo de tanto
preconceito em torno do samba desde o início do século passado: "O choro
tinha mais prestígio naquele tempo. O samba era mais cantado nos terreiros,
pelas pessoas muito humildes. Se havia uma festa, o choro era tocado na sala
de visitas, e o samba, só no quintal, para os empregados".
Ao analisar a questão do preconceito, o cantor, compositor e escritor Nei
Lopes não tem dúvidas de que “um artista do samba, até mesmo quando
consegue prestígio junto às classes mais altas, colocado na balança com os
outros, sempre vai pesar menos”. E mais: “O samba é rechaçado,
principalmente pela intelligentzia colonizada, que só se ocupa dele quando,
sem ousar dizer seu nome, leva alguma assinatura identificada, de uma forma
ou de outra, com a elite dominante”. Essa é a opinião de Nei Lopes, segundo
consta na página 52 de seu livro Sambeabá.
O samba a que se refere é aquele que nos anos 70, “depois de ter
gerado a bossa nova, que o renegou, e de ter pautado a vertente menos
internacionalizada desse estilo, foi discriminado pela chamada música
universitária – a qual, assim rotulada com objetivos claramente discriminatórios,
acabou por fazer nascer a sigla MPB”.
Nei Lopes foi ainda mais explícito, ao afirmar que estava se referindo ao
- samba que corre no “subterrâneo, mas caudaloso nos catálogos dos
independentes e fora da grande mídia; que só tem como palco os botequins, os
fundos de quintal e os redutos alternativos”.
Na avaliação de Nei Lopes, no final dos anos 70, as quadras das
escolas de samba passaram a ser “erroneamente vistas pela generalização
como verdadeiros clubes noturnos de diversão franca e costumes liberais.”
Tanto que a edição de janeiro de 1980 da revista masculina Playboy (nº 54)
publicava reportagem sob o título “Sexo no Brasil”, um verdadeiro primor de
preconceito, racismo e mau gosto. Eis o texto: “Já nas escolas de samba o
sexo é muito mais livre, descompromissado e sem disfarces do que a prática
da classe média e alta. Mas como a sambista tem sua imagem vendida pelos
38
meios de comunicação como a de excelente e exótica parceira sexual, ela tira
proveito disso, praticando um sexo semi-amador, isto é, vai para a cama por
gosto, mas acaba tirando algum dinheiro do freguês, Cr$ 1.000, é mais uma
vez o preço-base”.
O jornalista e compositor Marceu Vieira, que integra a coluna de Ancelmo
Góis, de O Globo, não credita esse preconceito ou a dificuldade de o samba
penetrar na mídia ao fato de tratar-se de manifestação popular, com raízes
africanas (ou indígena). “Não creio que seja por aí”, disse. Mesmo assim, faz
uma ressalva em relação ao fato de o sambista ser pessoa de classe social
menos favorecida: “A barreira cultural, pela origem humilde, talvez seja maior
que a do preconceito em relação ao gênero musical propriamente dito”,
observou Marceu.
Ao falar sobre o assunto, Marceu lembrou um caso clássico recente que
ganhou destaque em toda a imprensa: Foi naquele réveillon que Paulinho da
Viola recebeu menor cachê que o pago a artistas como Gal Costa, Caetano
Veloso e Chico Buarque. “A chamada indústria cultural perpetua isso ao manter
o samba numa segunda categoria de valor de mercado. Isso é ruim. Mas,
pessoalmente, acho que o sambista deve parar de sentir pena de si mesmo e
mostrar seu valor, que é imenso”. Além disso, segundo ele, a falta de apetite
para descobrir coisas novas na música brasileira é um ponto negativo da
grande mídia. “Há casos de falta de novidade até mesmo quando a grande
mídia acha que descobriu alguma coisa”, ironizou.
O polêmico caso do réveillon também foi lembrado em artigo do
jornalista Leonardo Drummond, publicado na página de Opinião de O globo de
12/01/20007: “Sambista não tem valor nessa terra de doutor”, parafraseou o
jornalista, fazendo coro com Martinho da Vila e Nei Lopes. Em artigos, os dois
compositores questionaram se a música popular brasileira, a sigla MPB, faz jus
ao “popular” do nome. “(...) acredito que a crítica desses grandes sambistas
tem raízes profundas e antigas, e provo ao lembrar os fatos desagradáveis
ocorridos no reveillon de 1995, quando ficou clara a distância entre MPB e o
popular e brasileiro samba”, escreveu o Leonardo Drummond. Ao lembrar que
39
a festa de final de ano era para ser um homenagem ao maestro Tom Jobim,
um dos mais importantes músicos criadores da Bossa Nova, o jornalista
acrescentou:
“Analisando o passado à luz do presente, entende-se que assim como
Tom Jobim é a bossa-nova, Paulinho da Viola é o samba, e o samba é que foi
desvalorizado, e, portando, ofendido justamente no festejo de um gênero
musical que bebeu avidamente da sua fonte. Não poderia haver ingratidão
maior”, afirmou Drummond em seu artigo.
A jornalista Zilmar Basílio também acha que o samba sofre muito
preconceito, principalmente por parte dos pseudos intelectuais, dos que
preferem o povo sem cultura. “A música de má qualidade é descartável , a de
boa se perpetua, esclarece a sociedade. Portanto, não há interesse das
gravadoras em preservar a música de boa qualidade”. Dentre as dificuldades
enfrentadas pelos sambistas ela enumera: “Começam no discurso, na
comunicação. Depois vem as Sociedades de Autores que privilegiam os
ricos. Ainda há uma parcela da imprensa que é venal, não por culpa do
profissional do jornalismo, mas dos donos das empresas. Outro obstáculo é
pagamento do direito autoral. A maioria dos sambistas morre quase na miséria,
ou mesmo tendo que receber ajuda dos companheiros, ou ainda, Shows
beneficentes para custear o tratamento médico ou pagar o enterro”.
Alguns fatos narrados por sambistas e jornalistas são capazes de
comprovar o preconceito em relação ao samba ou o sentimento de
superioridade da chamada sociedade do asfalto sobre os nascidos nas
comunidades menos favorecidas, como é o caso do morro.
O jornalista Sérgio Cabral lembra que o sucesso do desfile de escolas
de samba de 1932 foi tão grande que o jornal O Globo acabou assumindo a
promoção do carnaval seguinte, até então bancada pelo jornal Mundo Sportivo,
que chegara ao fim naquela época. Para fazer a cobertura do carnaval de 1932
O Globo designou os mesmos jornalistas que haviam trabalhado no ano
anterior: Jofre Rodrigues, irmão de Mário Filho, Armando Reis e Carlos
40
Pimentel, que em dezembro partiram para o Morro da Mangueira em
companhia do radialista, cantor e compositor, Almirante.
Sérgio Cabral registra em seu livro “As Escolas de Samba do Rio de
Janeiro” que a matéria escrita pelo trio de jornalistas “começa em tom poético,
mas assinalando um grave pecado cometido pela sociedade e pelo
desenvolvimento urbano do rio de janeiro durante tanto tempo que, nos anos
90 inspirou o livro Cidade Partida, de Zuenir Ventura: o isolamento a que têm
sido condenados os moradores das favelas. A reportagem, provavelmente
escrita pro Jofre Rodrigues, segundo Sérgio Cabral, tinha o seguinte texto:
“Mangueira, Buraco Quente... A cidade sabe que o Morro de Mangueira existe
porque já o viu de longe. Verde ingênuo igual aos outros morros verdes. Mas a
cidade nunca subiu o morro (...). Ela percebe que aquilo faz parte do seu
território e se espanta de não conhecer a si própria. (...) Mangueira... Buraco
Quente, cheiro forte de cachaça. Cabrochas lânguidas. Malandros de pele
preta e sorriso branco. Casas de zinco. Samba”.
E ao chegar ao topo do Morro da Mangueira, em 1932, Almirante teria
ficado atordoado, conforme foi registrado por Sérgio Cabral: “Todos cantavam
com a sua voz maia forte e eram perto de uns 80, entre mulheres, homens e
crianças. A bateria trabalhava também com a maior intensidade possível. Na
sombra, os corpos de contorciam como se tivessem labaredas no interior (...)
Uma mulher entrou para o centro e dançou a dança mais sensacional que se
possa calcular. Entrou para o centro também um homem alto e forte. Os dois,
um perto do outro, com o hábito quase se tocando, dançavam. Mangueira não
fica na África, mas na cidade do Rio de Janeiro”.
Em entrevista concedida à autora em 2206, Sérgio Cabral disse que que
o fato de o sambista ser de origem pobre, negro, contribui para dificultar seu
acesso à mídia: “Tanto que se dizia que o samba era a música do malandro.
No bom ou no mal sentido, mas era a música do malandro”
E mais: “Veja a música da década de 30. Está lá o malandro. Está dito
com todas as letras. Quando eu comecei a escrever sobre escola de samba as
pessoas me perguntavam se não tinha perigo. Eu comecei a escrever sobre
41
samba no Jornal do Brasil, classe A, metido a besta em 1959/1960... e eu
botava a cara dos crioulos... eu tive um chefe que até me advertiu: Sergio, fala
mais dos bailes do Copa. Nosso leitor quer saber o que está acontecendo nos
bailes mais elegantes, nos clubes. Você fica com esse negócio de samba....”.
Apesar dos contras, Sérgio Cabral contou que resistiu, pois sabia muito
bem medir a aceitação do gênero popular. Segundo ele, as cartas e os
telefonemas do público constituíram o melhor termômetro para medir essa
aceitação do samba já naquela época. “E na repercussão que havia dentro da
própria comunidade jornalística, porque havia festas e eu fazia questão de
levar os sambistas, ou quando eu era chamado para falar em universidades
sobre o samba e levava Zé Ketti, Cartola, Nelson Cavaquinho e Ismael Silva,
que era muito vaidoso. Daí, levei Elton Medeiros o mais novo; dividia 40 pratas
para cada e Ismael me chamou a atenção e disse: você não pode fazer isso..”.
As históricas de Sérgio Cabral sobre o samba enriquecem sempre qualquer
trabalho.
O jornalista e escritor Jorge Roberto Martins, filho do compositor Roberto
Martins (um dos autores do clássico Beija-me), lembra que o compositor Sinhô,
o Rei do Samba, figura histórica do início do século passado, sofreu
preconceito duplo e marginalização. “Primeiro porque tocava samba e segundo
porque era negro. Sinhô era aquele que dizia que a música é igual passarinho,
está no ar e é possível pegá-la”.
Segundo Jorge Roberto Martins, há um caso histórico em relação a
Sinhô. “Contam que ele estava numa casa quando a madame ficou indignada
ao ver aquele negro freqüentar a aristocracia e tocando piano. Ele tinha que
tocar tamborim e ela pegou uma partitura de música clássica e lhe entregou.
Sinhô olhou e disse: eu não toco música de pessoas com as quais eu não me
dou. Ele só tirava de ouvido. Não se sabe até onde isso é verdade ou lenda.
Mas é um retrato da marginalização da cultura popular”, contou o jornalista.
Em relação à discriminação, na avaliação de Jorge Roberto, talvez o
sambista tenha alguma responsabilidade, por ser um pouco descuidado. “Se o
samba não era uma coisa oficial e sempre foi tratado extra-oficialmente, então,
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não havia compromisso e o sambista até um determinado tempo foi tido como
um irresponsável”. E completou com a curiosa observação: “Veja que até na
ficha técnica de um disco, primeiramente vem o trombone e por último os
instrumentos rítmicos. Ora bola! O Brasil é acima de tudo rítmico!”.
Se por um lado ele acha que o mercado é “muito cruel com o sambista”,
por outro, ele admite que o sambista tem a sua parcela de responsabilidade
nisso. “Ninguém toca piano num boteco da esquina comendo churrasco. Mas lá
está o sambista. Chama o cara, dá 10 reais e ele pega o violão. Há o sambista
que se sujeita a isso, porque ele precisa e o patrão sabe disso. O samba é a
face de nosso país. Ele sabe de seu valor, mas excede na humildade que,
excessiva vira subserviência. Eu quero que o samba possa se integrar. Vamos
lembrar aquela frase do Beethoven: a música é a mais alta revelação da
pessoa humana, mais alta até do que a filosofia”.
De “Pelo Telefone” até hoje, o certo o certo é que o samba tem
conquistado mercado e figuras celebradas pela mídia, independente do gênero
musical que cantem. É o caso de Maria Rita, filha de Elis Regina, que acaba de
lançar um disco com sambas, inclusive do cantor e compositor Arlindinho Cruz,
parceiro de Zeca Pagodinho. O que teria feito Maria Rita fazer essa opção em
novo disco? E o que teria feito outra cantora, a Paula Lima, fazer o mesmo,
gravando até com a sambista Leci Brandão? Respaldadas por grandes
gravadoras, elas apostaram no que hoje está sendo muito aceito pelo mercado;
o samba. São alguns exemplos capazes de provar que nos últimos 90 anos o
gênero vem driblando preconceitos e conquistando um número cada vez maior
de intérpretes, nem sempre 100% sambistas.
Ao lançar o Cd “Sinceramente”, Paula Lima, conhecida cantora de jazz,
hip-hop, sul e funk, é um exemplo disso. À revista Conexões Urbanas, do grupo
AfroReggae de setembro de 2007, ela disse que encontrou no samba a sua
música, mas avisa que não é sambista: “O samba urbano, meu estilo, é
misturado com jazz e rock, tem pitadas de soul e swing. Mais moderno
impossível”, garante.
Sinal de que o samba também tende a mudar nos próximos anos?
43
Sim, para o secretário de Cultura do município de Niterói, o historiador e
escritor André Diniz. Ele não condena o Hip-hop, o mangue beat, o funk, em
outras épocas os tropicalistas, etc, etc. Pelo contrário. Para André Diniz, essa
troca de linguagem é extremamente importante para a riqueza da linguagem
musical, assim como o é para a humanidade.
“O samba se formou misturando, interagindo, como produto da polca
européia, dos batuques africanos e de ritmos latino-americanos. Ele faz hoje o
que sempre fez: se reciclou, modernizou, olhou para o passado, olhou só para
frente, enfim, ele ficou como referencia máxima, diferente do tango argentino
que a grande massa da população portenha é coisa do passado. Aqui não: o
samba está em D2, em Otto do Mangue Beat, no tchan!, e as novas gerações
se alimentam da tradição”, comentou André Diniz.
Ele acha que se poderia perguntar também assim: desde quando o
samba não se misturou? E ele mesmo responde: “A mistura do samba, e da
nossa musicalidade, sempre nos fez ter uma musica popular moderna, onde os
espaços dela são importantes para entender movimentos estéticos, a política,
vida social, a historia do país. Poucos países têm isso em sua musica. Nos
sempre fomos e somos modernos. A academia e a rua andam de mãos dadas
em nossa música popular”.
O jornalista Fernando Paulino, que mantém o site
www.sambaderoda.com.br, também acha que o tempo de perseguição ao
samba e ao sambista já passou.
“O samba está na moda hoje. A garotada da zona sul mais cabeça o
adora. Nelson Sargento, o compositor mangueirense que durante décadas
ganhou a vida como pintor de paredes hoje é personagem rotineiro das colunas
sociais. Os grandes sambistas mais antigos estão agora gravando CDs, dando
entrevistas e depoimentos. Não há dúvida que o samba não sofre
mais preconceito. No tempo do politicamente correto, da igualdade racial, é
bem gostar de samba e idolatrar estes sambistas. Se isso vai durar para
sempre é difícil saber. Mas certamente os tempos idos do preconceito, da
44
polícia reprimindo o samba, perseguindo os sambistas é parte do passado”,
comentou Fernando Paulino. E pode mesmo ser.
45
2.2. Renovação e novos talentos
A uma década do registro de Pelo Telefone quais são os novos nomes do
samba? Houve renovação? Como a mídia impressa mostra novos talentos? A
análise está neste capítulo.
Tinha eu 14 anos de idade quando meu pai me chamou.
Perguntou-me se eu queria estudar filosofia, medicina ou engenharia,
Tinha eu que ser doutor.
Mas a minha aspiração era ter um violão para me tornar sambista
Ele então me respondeu: sambista não tem valor,
Nessa terra de doutor e, seu doutor, o meu pai tinha razão.
(Paulinho da Viola)
Casuarina, Batuque na Cozinha, Galocantô e Cozinha Brasileira são
alguns grupos formados por jovens que optaram tentar levar a vida abraçando
a profissão de sambista. E são esses alguns dos grupos de samba de raiz que
têm espaço na mídia. Mas no que se refere à ocupação desse espaço, nada se
compara ao Casuarina, formado por Gabriel Azevedo (voz e pandeiro), Daniel
Montes (violão de 7 cordas), João Fernando (bandolim e vocais), João
Cavalcanti (voz e tan-tan) e Rafael Freire (cavaquinho e vocais). Um deles,
filho do cantor, compositor, arranjador e produtor musical Oswaldo Lenine
Macedo Pimentel, o Lenine.
O Casuarina lançou recentemente um Cd pela gravadora Biscoito Fino,
cantou na entrega do Prêmio Imprensa Embratel em dezembro de 2007 e tem
participado de importantes eventos na cidade, como de shows no Morro da
Urca, Circo Voador e Fundição Progresso.
Em 10/12/07 O Globo dedicou meia página com foto a cores sobre o
grupo com o título “Certidão, documento vivo do samba de hoje”, e subtítulo “o
46
grupo Casuarina, que abre temporada na Fundição, captura um retrato do atual
momento da geração lapa”. A reportagem de Leonardo Lichote já começa com
os maiores elogios ao grupo: “Talvez seja exagero afirmar que a síntese exata
da Lapa contemporânea pode ser encontrada na roda de samba que o
casuarina abrirás amanhã na Fundição Progresso (....)”. É. Pode ser.
Tem também as cantoras Juliana Diniz, filha de Mauro Diniz, neta de
Monarco, e afilhada de Zeca Pagodinho; Ana Costa e Mariana Baltar
despontam agora com ênfase na mídia. Juliana participou de novelas da TV
Globo, lançou CD pela gravadora Universal, a mesma de Zeca Pagodinho; Ana
Costa cantou a música tema dos Jogos Pan-Americanos, além de lançar sue
primeiro CD; e Mariana Baltar, filha de jornalistas, ex-sócia do Centro Cultural
Carioca (CCC), cantou em um programa da TV Globo, em homenagem a
Milton Nascimento, além de lançar também seu primeiro CD.
“Ao contrário das lutas de poder, da influência do sangue e dos fatores
genéticos, a histórica da nossa música popular se assenta exclusivamente no
parentesco do talento”, registrou o jornalista Roberto Moura, na página 9 de
seu livro “Sobre Cultura de Mídia”.
Prova disso, talvez, seja o cantor e compositor Diogo Nogueira, filho do
saudoso João Nogueira, fundador do Clube do Samba, um marco na década
de 70. “Jovem Guarda pede passagem” é o título da capa da revista Megazine,
de O Globo, de 06/02/2007. E logo abaixo a revista informa: “Compositores
novatos emplacam sambas-enredo nas tradicionais Portela e Salgueiro no
carnaval de 2007”. Na foto de capa, Diogo Nogueira e Ciraninho no barracão
da Portela. Eles ocuparam as duas páginas centrais da revista, com fotos, e
matéria com a chamada “Calouros entre os bambas”.
O editorial da revista garante: “O carnaval de pouca gente será tão
emocionante quanto o dos amigos Diogo Nogueira e Ciraninho, personagens
da nossa reportagem de capa. Um samba deles será cantado por milhares de
pessoas quando a Portela desfilar”. A reportagem destaca: “Também
integrantes do grupo de compositores do samba deste ano do Simpatia é
47
Quase Amor, Diogo Nogueira, de 25 anos, e Ciraninho, de 26, estão entre os
encarregados dessa renovação”.
Voltada para o público jovem, o suplemento de O Globo destacou na
página 4 da mesma edição: “A Megazine dá samba”, pedindo aos leitores para
acessar o site www.oglobo.com.br a fim de ver o que poderia dar samba para
a Megazine. Apostando no tema samba, a revista constituiu um conselho
editorial para fazer a seleção junto a seu público jovem.
Mas nada se compara ao Grupo Semente, que tem à frente a cantora
Tereza Cristina e aos jovens Moyses Marques.
Uma breve pesquisa no noticiário impresso mais recente mostra
claramente que no âmbito feminino o espaço conquistado por Tereza Cristina
na mídia supera as demais cantoras. Ela é citada em quase todas as matérias
mais recentes publicadas pelo O Globo, quando o assunto é samba e,
principalmente se o tema for samba na Lapa carioca.
“Dona Tereza, estrela e escrava da Lapa” é o título de reportagem de
João Pimentel no alto da página 2 do Segundo Caderno de 24/09/2007. A
matéria de João Pimentel informa que Tereza Cristina acabara de fechar
contrato com uma grande gravadora, a EMI, que na verdade estava comprando
a Deckdisc, antiga gravadora da cantora. A EMI, portanto, estava lançando o
novo disco de Tereza, projeto inicial da Deckdisc.
“Já se passaram dez anos desde que Tereza Cristina aportou na Lapa
com um grupo de músicos, no bar Semente, para fazer um show em
homenagem ao mestre portelense Candeia. A menina tímida da Vila da Penha,
que cantava olhando para o chão, transformou-se na grande estrela da turma
surgida no bairro (....) e agora é a primeira de sua geração a fechar contrato
com uma grande gravadora, a EMI”, diz João Pimentel.
Doze dias antes (12/09/07), o mesmo jornalista, no mesmo jornal,
publica na primeira página do Segundo Caderno a matéria “Mandamentos de
Moyses”, sobre Moyses Marques, 28 anos, como Tereza, da Vila da Penha, e
como Tereza, lançando seu primeiro disco pela Deckdisc. A matéria mostra
uma foto do cantor ocupando quase toda a margem esquerda da página e
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destaca que a Deckdisc “lançou Tereza Cristina, e é uma das atrações
principais do carioca da Gema, a mais badalada casa de samba da Lapa”.
Na reportagem, João Pimentel atesta: “Cantor de timbre diferenciado, de
voz rasgada e divisão perfeita, Moyses Marques se diferencia dos seus pares
por se parecer mais com a velha Lapa de malandros como Madame Satã e
sambistas como Geraldo Pereira do que com o bairro boêmio um tanto quanto
comportado demais dos dias de hoje”. O jornalista finaliza a matéria sobre
Moyses Marques com o aval do cantor e compositor Luiz Carlos da Vila:
“Assistir ao Moyses cantar é uma experiência única. A forma como ele conduz
o palco é coisa de gente grande”, comenta da Vila.
Foi encenando um beijo na boca da atriz Sonia Braga que outro cantor,
novo no mercado, apareceu na coluna “Gente Boa”, de Joaquim Ferreira dos
Santos, no Globo de 26/01/2007. A atriz foi prestigiar Sacramento no show do
cantor no Teatro Rival. Partindo do princípio básico que jornalista trabalha com
o fato, foi garantia de mídia para os dois.
“Sônia era a única celebridade na platéia do cantor. Marcos gravou
recentemente a música Antes, escrita pela atriz em parceria com o americano
Mark Lambert”, informava a coluna. E mais: “Agora também sou letrista”,
contava Sônia (....).
Como Mariana Baltar, Sacramento também participou de outro programa
global, desta vez sobre Noel Rosa. E como não é novidade, a Globo é um dos
maiores motores capazes de alavancar a carreira de artistas.
Outros jovens artistas ligados ao samba também têm espaço na mídia. É
o caso, por exemplo, de Pedro Paulo Malta, ex-diretor da área musical da
Funarte (Fundação Nacional de Arte) do Ministério da Cultura, na gestão de
Ana de Holanda, cantora e irmã de Chico Buarque de Holanda. Pedro Miranda,
cantor, compositor, do Grupo Semente que acompanha Tereza Cristina; e
Alfredo Del-Penho, que tem uma música gravada pela cantora em seu último
CD, “Delicada”.
A dupla Pedro Paulo e Alfredo lançou igualmente pela Deckdisc o show
“Cachaça dá samba” com uma seleção de músicas falando do produto e teve
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destaque em vários veículos impressos. O Globo de 06/02/2007, por exemplo,
destacou na página 2 do Segundo Caderno: “Música brasileira para ouvir numa
talagada só”. A dupla estava acompanhada de nomes consagrados no mundo
do samba como Henrique Cazes, cavaquinista, arranjador e produtor cultural
do Rio Scenarium, uma das casas mais conhecidas da Lapa; e igualmente
violonista, arranjador e produtor Luiz Filipe de Lima.
O alto da mesma página trata de “Grife da percussão brasileira” matéria
informando sobre lançamento de CD “Sem compromisso” de Marçalzinho, filho
de mestre Marçal, que durante mais de 20 anos comandou a bateria da
Portela; em parceria com o consagrado Moacyr Luz, fundador do famoso
“Samba do Trabalhador” que nas tardes de segunda-feira lota o Clube
Renascença e já teve todas as coberturas possíveis da mídia impressa e
eletrônica, inclusive da TV Globo.
Responsável pela produção cultural do Carioca da Gema, celeiro do
sambam na Lapa, o também jornalista Paulo Figueiredo acredita na renovação
do samba. “Essa renovação sempre haverá; precisamos é de mecanismos que
estimule o aparecimento dos artistas de hoje, a qualidade permanece é só
procurar”, comentou, sem mencionar nomes.
O jornalista e escritor Alexandre Medeiros, que já foi jurado de escolas
de samba no carnaval, também acredita nessa renovação. “Há g gente séria
que faz pesquisa, como a Cristina Buarque, Marquinhos de Oswaldo Cruz; e
gente que mantém as rodas em torno do astral dos bambas, como o Moacyr
Luz, o Zé Luís do Império. Há bons novos cantores e cantoras como Pedro
Paulo Malta, Ana Costa; e grupos como o Galocantô, Batuque na Cozinha e
Casuarina”. Essa galera tem o maior respeito pelos ancestrais e vai longe”,
apostou, mas deve-se lembrar que os primeiros citados não são novatos.
(Alexandre Medeiros é autor do livro “Batuque na Cozinha”, sobre a vida
e a obra “gastronômica” de quatro "tias" da Portela: Doca, Surica, Eunice e
Neném. As três primeiras cantam na Velha Guarda da Portela, enquanto a
última é viúva de Manacéa, um dos maiores compositores e líderes da escola).
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A questão da renovação está intrinsecamente ligada a discussão sobre o
futuro do samba. E para Alexandre Medeiros esse futuro: “Eu acho que esse
futuro está desenhado com a entrada do samba na classe média e até na
granfinagem, sabia? Antes, como diz a Tia Doca, era coisa de subúrbio, de
gente humilde. Até acho que é onde ele é ainda mais bonito e natural. Mas hoje
o samba está em clubes e casas de show da Zona Sul, em rodas por toda a
cidade, freqüentadas pela turma da PUC. As escolas, as mais autênticas ou
espertas, de olho nesse filão, estão povoando suas quadras de feijoadas,
macarronadas etc., reavivando os sambas de quadra. Essa troca, esse
intercâmbio, é legal. Tem garotada estudando música pra tocar cavaquinho,
fazer samba de bloco, de escola, querendo conhecer as obras de um Zé Keti,
um Cartola, um Aniceto. Isso é muito bom”, na avaliação de Alexandre
Medeiros.
Outro jornalista, Fernando Paulino, que mantém o site “sambaderoda”,
também analisa a renovação e o futuro do samba. Ele lembra que a Portela já
cantou de “Paulo a Paulinho” para homenagear a grande linhagem de
sambistas inaugurada com Paulo da Portela e retomada pelo então jovem
Paulinho da Viola, hoje já sessentão. Lembra também que da geração do
início da carreira de Paulinho - de onde despontaram Elton Medeiros, Nelson
Sargento, Jair do Cavaco, Dona Ivone Lara entre outros - já surgiu outra, de
grandes sambistas de quadra. “A relação do samba de quadra com o samba de
enredo e suas implicações na modernidade do desfile mereceriam uma análise
em separado”, o que daria um mote para outra monografia.
De volta ao tema renovação, Paulino destaca que das gerações mais
recentes do samba surgiram nomes procedentes até da classe média carioca,
como Moacyr Luz e Aldir Blanc. E finaliza citando outros nomes como Tantinho
da Mangueira, Wanderley Monteiro, Teresa Cristina, Arlindo Cruz e Sombrinha,
Ratinho, por exemplo. Para Paulino, a renovação permanece e lembra um
verso de Cartola: “No fim desse labor/surge outro compositor/com o mesmo
sangue nas veias".
51
Para Fernando Paulino, o futuro do samba está samba está no seu
passado. “Mesmo modificado, enfrentando as metamorfoses naturais do
tempo, passando pelo partido alto, pelo samba de quadra, o samba-canção,
todos os tipos de samba mostram a força deste ritmo e, mais, desta cultura do
povo brasileiro. O futuro do samba está garantido. E é de sucesso. Mesmo que
um dia a moda que hoje assola o Rio de Janeiro e faz o samba ser ouvido por
todo lado -com maior ou menos qualidade - deixe de existir e um novo ritmo
qualquer faça a cabeça da juventude, apenas este tempo em que o samba
deixou seu gueto e entrou em evidência já é suficiente para trazer tantos novos
adeptos que garantem sua sobrevida. Aí, vale citar Nelson Sargento e seus
verso mais famoso Agoniza, mas não morre/Alguém sempre lhe socorre, antes
do suspiro derradeiro, versos inspirados no início da carreira de Martinho da
Vila a quem coube naquele momento socorrer o samba. Hoje ele está forte,
com mídia, prestigiado. E leva uma grande vantagem em relação aos ritmos de
momento criados para o sucesso fácil e descartável. O samba de história,
tradição, é parte integrante da Cultura Brasileira e, assim, terá vida e
renovação eternas”.
O jornalista J. Paulo da Silva, ex-chefe de reportagem da sucursal do Rio do
Jornal O Estado de S. Paulo, também acredita na renovação no samba, mas
não cita nomes. ”Há renovações de compositores de sambas. O que acho legal
é que os chamados bambas são respeitados pelos novos, são fontes de
inspiração”, disse ele. Já o futuro do samba, preocupa o jornalista, no que se
refere às escolas de samba, de onde, diante de seu olhar, surgem os legítimos
sambistas: “Temo o que já vem acontecendo nas escolas: a descaracterização.
Tem gente que desfila e sequer sabe sambar. Isso é ruim. O oba oba prejudica
as escolas. É preciso colocar mais gente da comunidade. Mais: é triste ver no
sambódromo o pessoal da comunidade do lado de fora,vendo o desfile
apertado etc. A participação desse povo é fundamental para melhor o
desenvolvimento do samba. Afinal, eles são os verdadeiros sambistas”.
Freqüentador de escolas de samba, principalmente da Portela (onde sua
mulher Adriana Bombom é madrinha de bateria), e do bloco Cacique de
Ramos, o cantor e compositor Dudu Nobre bebeu na fonte de Zeca Pagodinho,
52
tentou carreira solo, e pode-se dizer que é mais um entre outros jovens no
mundo do samba, em relação a espaço na mídia. Em pleno carnaval, a Revista
Diversão do Jornal Extra de 24/02/2006, publicou uma foto pequena de Dudu,
na primeira página, com o título “Dudu Nobre canta amanhã no Terreirão”.
Logo acima, a mesma revista informa apenas e sem foto, que o cantor e
compositor Monarco (da Velha Guarda da Portela, símbolo do samba), “se
apresenta no Rio Folia”, e a foto e matéria central da revista fica por conta do
Bloco Cordão do Boitatá, também formado por jovens. “A Hora é essa! Os
blocos, os bailes, as festas e os shows que vão animar o carnaval”, é a
reportagem de capa.
É notório que no período pré-carnavalesco as assessorias de imprensa
da Riotur, das escolas de samba e dos blocos mandam pilhas de informações
para as redações de jornais, emissoras de televisão, rádios e demais veículos
de comunicação, entre eles, os On Line. Mas também é notório que os editores
e reportes fazem as reuniões de pauta para decidir o que vai ou não entrar nas
edições do carnaval, nas quais o assunto samba é obrigatório.
Mas em 2007, com o respaldo da comemoração dos 90 anos do
sucesso de “Pelo telefone”, mesmo depois do carnaval, o tema samba foi mote
de diversas reportagens na mídia impressa e eletrônica. E em algumas vezes a
pauta foi exatamente a questão da renovação do samba, capítulo 2.2 de
trabalho de monografia.
O nº 33 da Revista Veja de 22/08/2007 é um bom exemplo disso. A
partir da página 122, a revista dedicou três páginas para o assunto música. E
apresentou o seguinte título para a matéria: “O Samba voltou. Dada de novo no
samba”, e o subtítulo: “O gênero cativa os jovens e as gravadoras, volta a ser
dominante na música brasileira. Mas os artistas pecam pelo tradicionalismo”,
afirma o jornalista Sérgio Martins na reportagem.
Com foto colorida ocupando quase página inteira, da jovem cantora
Mariana Ayder se apresentando ao lado da veterana e Leci Brandão, o
jornalista afirma: “Os novos buscam o apadrinhamento dos veteranos”. E
começa logo lembrando: “Perto de completar 100 anos, o samba ressurge
53
como um gênero dominante na música brasileira. O movimento começou há
cerca de uma década, quando o bairro da lapa, reduto tradicional da boemia
carioca, passou a atrair, com seus bares de música ao vivo, um público jovem
de classe média”. A mesma reportagem enfatiza que “o perigo bastante real
que ronda os jovens artistas do samba é eles se tornarem meros repetidores
de canções de cinqüenta anos atrás”.
Ao questionar esse perigo, o repórter de Veja, observa logo em seguida
que “alguns se dão cota dessa ameaça e destaca comentário do cantor e
compositor Edu Krieger, de 33 anos, filho do maestro Edino Krieger, ex-
presidente do Museu da Imagem e do Som (MIS). “Muita gente está pecando
pela reverência exagerada e pela preocupação com o que o pessoal da Velha-
Guarda vai achar do seu trabalho”, diz Edu Krieger. Na mesma matéria, o
cantor r compositor Marcos Sacramento, diz também que teme essa repetição.
“NO samba, temos de ser hereges”, diz Sacramento, que segundo Veja está se
esforçando para dar roupagem nova diferente a músicas de Baden Powell,
cartola e Chico Buarque.
A questão da renovação e do apadrinhamento no samba não pode
deixar de passar pela cantora Beth Carvalho. Segundo a reportagem, “o lado
anedótico desse apadrinhamento”, fica por conta dela. “Uma das sambistas de
maior sucesso comercial da história, Beth Carvalho se especializou em abraçar
novos talentos. Se afã é tão grande que alguns se sentem incomodados com
as investidas da madrinha. Há quem evite esbarrar com Beth – para não ser
transformado compulsoriamente em pupilo”.
A reportagem finaliza com o atestado de Veja, sob a assinatura de
Sérgio Martins, sobre o momento atual do samba, no que se refere a sua
renovação: “Por uma via lateral, Marcelo D2 se aventura na mistura de samba
e hip hop, mas ainda não produziu algo sólido. O samba voltou. Mas não há
nada de novo no samba”.
A matéria poderia apresentar também a seguinte pergunta: Por que
novos cantores de samba usam esse recurso de apadrinhamento, têm a
necessidade de buscar o aval de nomes consagrados e ícones? Sem entrar no
54
mérito da importância da profissão de manicure, a própria Tereza Cristina, em
suas primeiras aparições na mídia imprensa, chegou a ponto de aparecer
fazendo as unhas da cantora e pesquisadora Cristina Buarque de Holanda,
conforme reportagem de João Pimentel de O Globo.
Apesar da polêmica, para a jovem cantora Simone Lial, que também se
apresenta frequentemente na Lapa, o futuro do samba pode ser muito bom,
mas com ressalvas: “Espero que esse futuro seja o melhor que puder ser. E
que possamos manter viva a chama de sua tradição, sem fechar para
oportunidades que venham somar e não destruir”, completou a cantora que
também é jornalista.
Às vésperas de completar 85 anos, o mestre Xangô da mangueira, um
dos criadores do samba de partido alto, também fala a respeito do samba, da
renovação e da questão do apadrinhamento. Para ele, realmente, consegue
mais espaço na mídia “aqueles que são apadrinhados, meninas bonitinhas,
salvo algumas exceções”.
Com a experiência de quase 70 anos de samba, ao falar sobre
renovação e futuro, Xangô não deixa de lembrar passado, quando ele e outros
sambistas eram taxados de malandros e tinham de fugir na polícia. “Furavam
até os nossos instrumentos de aço porque achavam que eram armas que
podiam matar, ferir alguém como (pandeiro, cuíca, surdo, tamborim)”, mas
hoje, atualmente, o samba é totalmente diferente: “O samba virou
cultura e muita fonte de dinheiro para aqueles que se aproveitam de
pessoas talentosas”.
E por que esse apadrinhamento de novos noves tem sido tão
necessário? Talvez porque a mídia trabalhe com fatos e sem dúvida, um
apadrinhamento de peso já seja suficiente para alguns jornalistas começarem a
escrever o lead. A própria matéria de Veja mostra que o jornalista não procurou
novos talentos, optando pela foto da nova cantora Mariana com a veterana Leci
Brandão. Procurar novos nomes talvez seja produzir uma matéria mostrando
quem tem talento e está fora da mídia. Mas isso requer trabalho, garimpo na
noite, nos bares, nas quadras das escolas... Ou não?
55
CAPÍTULO III
O SAMBA, A MODERNIDADE E A MÍDIA.
De acordo com a Wikipédia, a enciclopédia livre:
“O Funk é um estilo bem característico da música negra norte-
americana, desenvolvido por artistas como James Brown e por seus músicos,
especialmente Maceo Parker e Melvin Parker.
O funk pode ser melhor reconhecido por seu ritmo sincopado, pelos
vocais de alguns de seus cantores e grupos (como Cameo, ou os Bar-Kays). E
ainda pela forte e rítmica seção de metais, pela percussão marcante e ritmo
dançante, e a forte influência do jazz (como exemplos, as músicas de Herbie
Hancock, George Duke, Eddie Harris e outros).
Já o Hip Hop é um movimento cultural iniciado no final da década de
1960 nos Estados Unidos como forma de reação aos conflitos sociais e à
violência sofrida pelas classes menos favorecidas da sociedade urbana. É uma
espécie de cultura das ruas, um movimento de reinvidicação de espaço e voz
das periferias, traduzido nas letras questionadoras e agressivas, no ritmo forte
e intenso e nas imagens grafitadas pelos muros das cidades.
O hip hop como movimento cultural é composto por quatro
manifestações artísticas principais: o canto do rap (sigla para rythm-and-
poetry), a instrumentação dos DJs, a dança do break dance e a pintura do
grafite. O termo música hip hop refere-se aos elementos rap e DJ, sendo hip
hop também usado como sinônimo de rap.
No Brasil, o movimento hip-hop foi adotado, sobretudo, pelos jovens
negros e pobres de cidades grandes, como Rio de Janeiro, Brasília, Porto
Alegre e São Paulo, como forma de discussão e protesto contra o preconceito
racial, a miséria e a exclusão. Como movimento cultural, o hip-hop tem servido
como ferramenta de integração social e mesmo de ressocialização de jovens
das periferias no sentido de romper com essa realidade”.
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O fato é que há muito que se fala em mudanças e transformações do
samba. E há quem resista à tentativa de juntar o samba a outras manifestações
populares importadas como o Rock, Fank e o Hip-Hop, por exemplo. É o caso
do jornalista Sérgio Cabral que nem de longe aceita essa junção. Avesso a
esse tipo de modernidade, Sérgio Cabral chegou a rejeitar um convite do
cantor Marcelo D2, o mais popular do Hip-Hop nacional:
“Marcelo D2, por sua iniciativa, me procurou para eu fazer o release do
disco dele. Eu não agüentei e só ouvi a terceira faixa. Eu não vou embarcar
nessa... Eu tenho um nome. Há também o pagode paulista. Eles fazem mímica
do samba. Tocam cavaquinho como se fosse samba; gesticulam como se
fosse samba; só que não é samba, como diz Elton Medeiros”.
Já o jornalista Jorge Roberto Martins, filho do compositor Roberto
Martins, autor e vários clássicos como Beija-me (em parceria com Mário Rossi),
parece mais flexível. Ele acha que a tentativa de Marcelo D2 misturar seu Hip-
Hop ao samba é “inevitável” e vai mais longe:
“O samba não poderia ficar numa redoma não suscetível a mudanças.
Essas mudanças acontecem e isso é bom. Quero dizer que acho possível essa
convivência harmônica, como ocorre com a arquitetura milenar e a moderna. O
Marcelo D2 pode misturar samba com rock. Só não aceito que deformem o
pensamento das pessoas. Sou a favor de todos os ritmos e músicas. O que eu
acho chato é a exclusão do samba na mídia. Isso é que é lamentável”.
Quem aprova com louvor a união do samba com o Hip-Hop é o
jornalista, escritor, compositor e produtor Nelson Motta. Na edição de julho de
2005 da Revista MONET, da NET (nº 28) ele diz que o disco À Procura da
Batida Perfeita de D2 é “histórico”. Para Nelson Motta, o disco teve
“entusiástica recepção internacional por sua perfeita integração entre o samba
e o Hip-Hop”, que na opinião dele “nasceram um para o outro”.
Até mesmo Maria das Dores Santos, a Vó Maria, viúva de Donga,
mostra-se favorável à modernidade. Do alto de seus 96 anos, como registrou a
revista Isto é (nº 1969), de 25/07/2007, ela comentou: “Meu filho, a gente tem
de se atualizar”, ao prestigiar um baile Fank, no Rio.
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As opiniões também são diversas quanto se analisa as possibilidades
de benefícios para o samba a partir do uso da Internet, a última maior
modernidade da comunicação. A jornalista Zilmar Borges Basílio, pesquisadora
da MPB, analisa sem otimismo a possibilidade de o samba se beneficiar com
outra modernidade, ou seja, a Internet: “O samba chega até uma classe
privilegiada, que tem computador. Mas o número de pessoas que consegue
chegar a este meio de comunicação ainda é pequeno se colocado em
comparação aos outros meios.
O jornalista e compositor Marceu Vieira tem outra opinião. Ele acha que
a mídia, a partir da criação da Internet, consegue popularizar mais o samba.
Marceu lembra, inclusive, a criação de sites destinados à divulgação do samba
como é o caso da bem sucedida Agenda do Samba e Choro. Duas vezes por
semana a Agenda Samba e Choro divulga os principais eventos do samba do
Rio de Janeiro e outros estados. Sem dúvida, é um importante veículo de
comunicação On Line para o samba, que inspirou o nascimento de outros sites
do gênero. Foi um ponto positivo para o samba.
A jornalista e cantora Simone Lial não desaprova a juntão do samba com
outras manifestações culturais como o Hip-Hop: “Aprovo tudo o que é feito com
bom gosto. O mercado existe e experimentar novas linguagens pode ser muito
interessante. Um samba misturado com Hip-Hop pode fazer com que pessoas
que não tinham interresse em conhecer nossa cultura passem a ter este
interesse. Depende de como realizar”, comentou. Na aviação de Simione Lial
não existe mais preconceito em relação ao samba. Pelo contrário! Ela acha que
hoje em dia o samba é bem aceito e prevê o seu futuro: “Espero que possamos
manter viva a chama de sua tradição sem fechar as portas para oportunidades
que venham somar e não destruir”.
Para o secretário de Cultura de Niterói, também escritor e pesquisador
da música, o samba pode se misturar ao Hip Hop, porque ele tem a sua própria
identidade e também vem se mesclando ao longo dos anos. “O samba é nosso
gênero identidario. Foi como ele, já mestiço, já de branco, negros, migrantes,
que discutimos nossa identidade, nossas preferências, nossas singularidades”.
58
Autor do livro Almanaque do Samba, André Diniz também observa que
na História do Brasil o samba “se consolidou em um momento em que o Estado
getulista cria uma referencia de nação”. E utilizando vários argumentos para
justificar seu ponto de vista, ele completa:
“Assim sendo, o samba pelo seu poder simbólico é um grande
camaleão. Ele se adaptou a todas as realidades, mesmo quando os
movimentos queriam rotulá-lo de arcaico, de passado. E referência absoluta. O
Hip-hop, o mangue beat, o funk, em outras os tropicalistas, etc, etc. Essa troca
de linguagem é extremamente importante para a riqueza da linguagem musical,
assim como o é para a humanidade. O samba se formou misturando,
interagindo, como produto da polca européia, dos "batuques" africanos e de
ritmos latino-americanos. Ele faz hoje o que sempre fez: se reciclou,
modernizou, olhou para o passado, olhou só para frente, enfim, ele ficou como
referencia máxima, diferente do tango argentino que a grande massa da
população portenha é coisa do passado. Aqui não: o samba está em D2, em
Otto do Mangue Beat, no tchan!, e as novas gerações se alimentam da
tradição. Acho que essa pergunta poderia ser feita também assim: desde
quando o samba não se misturou? A mistura do samba, e da nossa
musicalidade, sempre nos fez ter uma musica popular moderna, onde os
espaços dela são importantes para entender movimentos estéticos, a política,
vida social, a historia do país. Poucos países têm isso em sua musica. Nos
sempre fomos e somos modernos. A academia e a rua andam de mãos dadas
em nossa musica popular”.
O produtor cultural Paulo César Figueiredo também aprova a junção de
samba com outros ritmos importadores da cultura norte-americana. Ele não
aposta que isso seja modernidade, mas acha que “é inegável a força popular
do Hip Hop, que faz parte da globalização”. Para ele, esse processo não faz
mal ao samba, porque “nada faz mal ao samba”. Ele acha inclusive que “se
cada um ficar na sua característica sem invadir ou forçar a barra apara ser o
que não é, podem até improvisar juntos, cada um com a sua linguagem”.
59
Diretor de Harmonia da Mangueira há 60 anos, o cantor e compositor
Xangô da Mangueira, 84 anos, e o jornalista Alexandre Medeiros não
concordam. Para Xangô, essa mistura “não faz bem ao samba”. Ele não acha
que isso seja modernidade e sem entrar detalhes apenas conclui afirmando
que não aprova essa mistura de ritmo porque “uma coisa nada tem a ver com a
outra”.
Já Alexandre Medeiros não aprova a mistura, nem considera o fato
modernidade. Mais enfático ele opinou: “Eu sou um purista desses que nunca
foi e não irá a um desfile do Monobloco (pode me cobrar isso até a morte) só
porque lá a rapaziada mistura samba com hip-hop, funk etc. Cada um na sua,
tem quem goste, mas essa não é a minha. Se eu quiser ouvir hip-hop eu vou a
um show do Marcelo D2, numa boa. Mas se eu quiser saber de samba, vou
numa boa roda onde o gênero, graças a Deus, ainda é preservado. Algumas
experiências de fusão podem até ficar divertidas, mas vai ser só isso. Quem
quiser fazer, que faça. Mas não conte com meus ouvidos”.
A diversidade de opiniões é muito interessante, como mostra esse
trabalho. A cantora Eliane faria, filha de Paulinho da Viola, considerado um dos
mais importantes criadores do samba puro, de raiz, não desaprova essa
mistura de ritmos. “Desde que o samba existe há modificações e influências.
Sempre tem alguém querendo inventar. O hip hop brasileiro tem influência
norte americana, mas fala de uma realidade da sua própria comunidade, como
o samba fala também. Não vejo mal algum nisso e acho até interessante. Com
isso, muitas pessoas jovens passaram a se aproximar e conhecer melhor
alguns sambas, sambistas e compositores. Quando fazemos shows em
comunidades mais carentes os jovens cantando sambas antigos. Acabamos
notando a fusão de outros estilos aproximam pessoas pra música, como o
samba que em outros momentos teriam preconceito. Só não vejo essa união
como um novo estilo de samba”, diz a cantora.
Reconhecida e aplaudida cantora de samba, Alcione, a “Marrom”, uma
das figuras mais representativas da Mangueira, deixa bem claro que aposta em
todos os gêneros, em reportagem de João Pimentel, publicada na primeira
60
página do segundo caderno de O Globo, de 18/07/2004, sob o título “A dama
da parada de sucessos”. Sempre no topo das paradas de sucesso, desde
1975, quando lançou o clássico “Não deixe o samba morrer”, Alcione acredita,
inclusive, que sua permanência no cenário da música deve-se ao fato de ela
nunca ter dado bola a conselhos de amigos de ocasião. “Não compro grilo de
ninguém. Não sou linear, sou brasileira. E o Brasil tem samba de roda,
maracatu, forró, samba de quadra, reisado. Como posso cantar uma coisa
só?”, questiona a intérprete.
O mesmo jornal e caderno, do dia 06/06/2007 publica matéria de
Leonardo Lichote, de página inteira, sobre o “recesso por tempo indeterminado”
do grupo Los Hermanos, composto por quatro jovens, entre eles, o compositor
Marcelo Camelo, granado por Maria Rita, por exemplo. A matéria anuncia
shows de “despedida” temporária do grupo. Na segunda página, matéria de
João Pimentel trata do lançamento do disco “Martinho da Vila, do Brasil e do
Mundo”, segundo Pimentel, “uma grande viagem com o sambista de sempre e
alguns amigos que ele conheceu pela estrada”.
A diversidade de opiniões engrandece qualquer pesquisa. E de fato,
pode-se constatar o fato mais uma vez. Na reportagem, Martinho da Vila,
símbolo de samba, também demonstra estar aberto a outros gêneros, pelo
menos em relação à participação em seu trabalho de estrada, de divulgação de
seu novo CD. “Pensei em convidar alguns amigos, como o Gabriel Pensador e
o D2 (Marcelo D2), com quem já tenho ligações artísticas. Um dia, em casa,
meu filho de 12 anos estava com o meu afilhado quando Negra Li (diva do hip-
hop) apareceu na televisão. Perguntei quem era, comprei um disco e gostei.
Quando liguei, ela demorou para acreditar. No disco ela simboliza São Paulo”.
Na matéria, o jornalista lembra que o “curioso” é que o Brasil ganha um
reggae, “Nossos contrastes”, composto por lendas do samba, Martinho e
Nelson Sargento (86 anos, ícone do samba). E o jornalista indaga a Martinho
da Vila o que eles fazem na praia que é de Bob Marley. Martinho da Vila
explica, contudo, deixa claro que a sua intenção não era exatamente compor
outro gênero de música: “O Cidade Negra há muito tempo flertava comigo, mas
61
eu é que acabei trazendo-os para perto. Chamei o Sargento para fazermos
alguma coisa ligada à tradição. Ele mandou uma melodia dolente, e fiz uma
letra falando das coisas do Brasil. Quando Toni Garrido (do Cidade Negra)
ouviu, disse, isso dá reggae”, contou o artista, referência nacional em toda e
qualquer pesquisa ou entrevista sobre a História do samba.
Pode-se perceber neste trabalho que alguns artistas e jornalistas não
aceitam a mistura de samba com outros ritmos, mas outros, aceitam
perfeitamente. Mesmo os que não fazem essa mistura, côo é o caso de
Martinho, quando do lançamento de um CD, matem-se mais flexíveis às
novidades ou aos modismos do mercado.
“Vá procurar sua turma na lapa” é a manchete da reportagem do
Diversão do Extra, de 18/11/2005. A reportagem informa sobre festival com
apresentações de rock, funk e samba, com artistas como Dudu Nobre, Arlindo
Cruz e Alceu Valença. Na foto maior, ocupando quase uma página inteira está
Dudu Nobre, próximo aos arcos da Lapa. A misturar de vários estilos acontece
também nos palcos oficiais da Riotur, na Lapa, durante o carnaval onde a
Prefeitura do Rio - através da Riotur - realiza uma parte do programa Rio Folia,
misturando shows de samba, rock, funk e outros ritmos, sem transmissão pelas
televisões.. Quem não vai à Lapa, nesses dias, deixa de assistir de graça,
shows de grandes sambistas como Xangô da Mangueira, Monarco, Noca da
Portela, entre outros. Também não assiste apresentações de rock e fank...Daí,
nada contra o samba. É que a imprensa, nesses dias, não vai à Lapa. No
carnaval, o samba fica restrito ao sambódromo, “porque dá mídia, imagem”,
observou Sérgio Cabral.
Mas a cultura negra, mestiça, brasileira, da Zona Norte e Zona Sul, dos
morros, do asfalto, que credita ao samba o faixa de gênero genuinamente do
povo, manter-se-á viva. Independe de mídia. Ao resistir durante 90 anos,
misturando-se ou não a outros ritmos, em alta ou em baixa, criticado,
perseguido, idolatrado, o samba resiste.
“A cada dia mais pessoas conhecem e reconhecem o samba. Hoje,
mesmo quem não gosta respeita. E como diz Paulinho da Viola: Há muito
62
tempo eu escuto esse papo furado dizendo que o samba acabou, só se foi
quando o dia clareou”, concluiu a filha do sambista.
Na opinião de Sérgio Cabral, uma das maiores autoridades na pesquisa
sobre o tema, o samba é tão importante culturalmente que mesmo quando
aparece na mídia é tão pouco que vira “esmola”. Por essas e outras ele
considera Zeca Pagodinho o “herói da resistência”. Cabral não faz por menos e
ataca: “Os EUA querem fazer do Brasil um grande Porto Rico. Nas Rádios FM,
a música é americana e às vezes até o locutor fala Inglês!”. Por isso, ele acha
que a saída é resistir. “Mesmo que sejamos chamados de chatos”.
63
CONCLUSÃO
Com base nas questões abordadas pode-se promover um balanço final
na relação mídia e samba nos 90 anos de lançamento de Pelo Telefone.
Em fevereiro de 2007, dias antes do carnaval, o Samba ganhou duas
edições do programa dominical Fantástico da TV Globo, líder de audiência no
dia e horário. Na mesma época, a Globo contou como o samba “nasceu” sob
forte perseguição policial na casa da Tia Ciata (Hilária Batista de Almeida), na
Praça XI, Centro da cidade. A atriz Denise Fraga pintada de negra apareceu na
pele da Tia Ciata, um dos maiores ícones de toda a história do samba no Rio
de Janeiro, no início do século.
Tia Ciata e, consequentemente, o samba, nunca tiveram tão em
evidência na mídia, ocupando espaços antes nunca imaginados. Para se ter
idéia disso, o título “O mistério de Tia Ciata” foi a capa do Caderno Ela de O
Globo de sábado (10/02/2007). A reportagem de Marcelo de Mello anuncia que
ali está sendo contada “a história da mãe-de-santo que ajudou a criar o samba
carioca e a popularizar as roupas de baiana estilizadas, antes mesmo de
Carmem Miranda”.
A matéria de duas páginas fez “homenagem à mãe do samba”
enfatizando que enredos das Escolas de Samba Salgueiro e da Beija-Flor
consagrariam a baiana que abriu sua casa no Rio para a música e o sabor”.
Informava também que a “a mãe do samba”, nasceu em Salvador em 23 de
abril de 1854 e morreu em 11 de abril de 1924.
O fato é que depois das reportagens sobre a Tia Ciata no Fantástico, a
TV Globo produziu grandes matérias em seus principais noticiários sobre os 90
anos de “Pelo Telefone”. Afinal, há quem diga - como o cantor e compositor
Martinho da Vila - que o primeiro samba registrado nasceu em rodas de samba
realizadas na casa da Tia Ciata. E sobre o aniversário de “Pelo Telefone”
foram ao ar matérias no RJ 1, RJ 2, Jornal Nacional e Jornal da Globo. “Pelo
Telefone”, conseguiu, finalmente, destaque em todos os horários nobres
globais. Bom para o samba, bom para quem gosta de conhecer um pouco de
sua história.
64
E não parou por aí. O pesquisador Ricardo Cravo Albin também
escreveu artigo publicado em O DIA, de 19/03/07, com o título ”Tombamento
do samba”. No artigo, informa que em documentos o tombamento seria
solicitado ao Governador Sérgio Cabral, ao ministro Gilberto Gil e até mesmo à
Unesco. “Quem for contra, que discorde. Du-vi-de-o-dó que alguém ouse ser
contrário a uma das mais radiosas manifestações do melhor espírito carioca”,
garantia.
Em 2007 “Pelo Telefone” ficou tão em evidência que ganhou até nota de
destaque na coluna do jornalista Ancelmo Góis, no dia 27 de março. “A
Biblioteca Nacional encontrou o manuscrito original de Pelo Telefone, de
Donga, o primeiro samba gravado no Brasil”. A nota lança mais doses de
curiosidades sobre a autoria da obra: “Quem escreveu a letra foi Pixinguinha,
em 1916”, informa, ao passo que até hoje é reconhecida a parceria de Donga
com Mauro de Almeida.
Curiosamente, a própria Biblioteca Nacional esqueceu de citar Pelo
Telefone em sua exposição sobre o carnaval do início do século, aberta
ao público em janeiro de 2007.
Polêmicas à parte, nunca o samba gozou de tanto prestígio junto à
imprensa como neste ano, quando se comemora os seus 90 anos. Pelo menos,
no que diz respeito a seu registro oficial na Biblioteca Nacional. Noventa e um
anos é o mais certo, já que o feito ocorreu em 1916. O fato é que o aniversário
do registro passou praticamente esquecido pela mídia. Somente neste ano de
2007, por conta do sucesso do samba no carnaval de 90 anos atrás, é que ele
foi felizmente lembrado e saudado.
É possível que esse aniversário tenha impulsionado outros
acontecimentos benéficos para o samba. No dia 10 de outubro de 2007 toda a
imprensa escrita e eletrônica, inclusive o Diário Oficial do estado, registrou fato
histórico para o samba. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan) havia aprovado na véspera, em votação de seu conselho consultivo, o
samba carioca como patrimônio cultural imaterial do Brasil, registrando as três
65
principais formas de expressão do maior gênero musical do país: o partido alto,
o samba de terreiro e o samba-enredo.
O feito ocorreu a partir de solicitação de Nilcemar Nogueira, presidente
do Centro Cultural Cartola. Neta de Cartola, Nilcemar disse que a medida trará
“salvaguardas” para o samba. A cerimônia ocorreu no salão do prédio do
Ministério da Educação, no Centro do Rio de Janeiro. Na festa, marcada por
batucada de sambistas mirins da Mangueira, Nelson Sargento lembrou da
época em que o samba era marginalizado. “João da baiana teve o pandeiro
várias vezes apreendido pela polícia até conseguir que o senador Pinheiro
Machado assinasse o nome no couro do instrumento, para que a polícia o
deixasse em paz”.
Esse tempo de opressão já passou e o samba agora, vira e mexe, com
ou sem “interesses de mercado”, como diria Sergio Cabral, tem destaque nas
mais variadas colunas sociais. No dia em que o Isphan considerou o samba
patrimônio nacional, a cantora e compositora Dona Ivone Lara, uma das mais
antigas representantes do samba em plena atividade, teve destaque na coluna
do Ancelmo Góis, de O Globo. No dia 11, Moyses Marques, uma das
revelações do samba na Lapa, teve destaque na coluna Gente Boa, de
Joaquim Ferreira dos Santos, do mesmo jornal. Moyses está lançando seu
primeiro CD pela mesma gravadora que lançou Tereza Cristina, que já
conquistou a mídia.
O fato é que em 90 anos de registro, ou 91, mais precisamente, “Pelo
Telefone” conseguiu ocupar importantes espaços da imprensa. O Globo, de
10/11/2007, na coluna Gente Boa, noticia a junção de interesses da Oi Futuro
com o IPHAN. A partir do samba de Donga, a Oi Futuro e o Instituto do
Patrimônio Histórico patrocinariam um “Bonde do Samba” cenográfico cheio de
músicos percorrendo o Catete, no dia 2 de dezembro (Dia Nacional do Samba).
E assim, “Pelo Telefone” permanece vivo na mídia, 90 anos depois do carnaval
de 1917.
No domingo, dia 2 de dezembro de 2007, Dia Nacional do Samba, a
coluna de Ancelmo Góis, de O Globo, noticiava: “Nilcemar Nogueira, neta de
66
Cartola, e Lígia Santos, filha de Donga, sairão hoje no Bonde do Samba, do Oi
Futuro”.
E foi assim, em dezembro de 2007, que Pelo Telefone encerrou as
comemorações pelos 90 anos de sua primeira gravação.
67
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
ALVES, Bernardo. A Pré-História do Samba – Petrolina – PE
CABRAL, Sérgio. Almirante – Uma História do Rádio e da MPB
Lumiar – 2005
CABRAL, Sérgio. As Escolas de Samba do Rio e Janeiro – Lumiar – 1996
DINIZ, André. Almanaque do Samba –
Jorge Zaar Edior – 2006
LOPES, Nei – Sambeabá – O Samba que não se aprende na escola –
Casa da palavra/Folha Seca – 2003
MOURA, Roberto M. Sobre Cultura e Mídia – 70 anos de Música –
Irmãos Vitale – 2002.
68
BIBLIOGRAFIA CITADA
MORAES, Eneida de. Histórias do Carnaval carioca – 1958
INTERNET
O globo e Jornal do Brasil
Dicionário Aurélio
69
ANEXO – ENTREVISTAS
SÉRGIO CABRAL – (Pai) Jornalista, escritor, autor de vários livros.
1 - Você aprova a junção de Hip Hop com o samba?
Marcelo D2 por sua iniciativa me procurou para eu fazer o release do disco
dele. Eu não agüentei e só ouvi a terceira faixa. Eu não vou embarcar nessa...
Eu tenho um nome. Há também o pagode paulista. Eles fazem a mímica do
samba. Tocam cavaquinho como se fosse samba; gesticulam como se fosse
samba; só que não é samba, como diz Helton Medeiros.
2 - O samba tem ocupado lugar de destaque na mídia?
Um grande momento que eu considero da histórica música popular brasileira é
a passagem dos anos 20 para os anos 30, porque foi nessa época nessa fase
que as grandes gravadoras passaram a gravar pelo sistema elétrico mecânico,
que os cantores tinham que ter uma voz muito forte para aparecer no disco. O
sistema elétrico trouxe o microfone que é uma coisa fantástica. A indústria do
disco ficou equipadíssima com a fabricação de aparelhos e começou aí nessa
época o toca disco elétrico. Foi uma época em que o rádio finalmente se
transformou em veículo de comunicação de música, porque até então as
emissoras de rádio eram muito precárias e tinham um som muito ruim e no
máximo transmitiam óperas e umas coisas intermináveis.
As rádios eram pobres e não podiam fazer publicidade. Elas viviam de
colaboração dos sócios. Tanto que a primeira rádio se chamava Rádio
Sociedade e a segunda, Rádio Clube.
E quando houve esse casamento, permitiu o surgimento de uma geração de
compositores fantásticos, de Noel Rosa, João de Barro, Lamartine, Almirante,
Ismael Silva, Escolas de Samba, etc. A primeira escola de samba, a Deixa falar
(que nunca foi escola de samba) é de 1928. Era um bloco carnavalesco.
E a partir daí a música brasileira fez uma bela parceria com o rádio e com os
jornais. O desfile das escolas que foi inventado pelo Jornal Mundo esportivo e
pelo diretor desse jornal que era o Mario Filho que inventou uma competição
entre as escolas em 1932.
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Os jornais davam páginas sobre as escolas de samba. A coisa começou a
mudar na década de 40. Aí o samba começou a sofrer influências, o samba-
bolero, o samba-blue, o samba foi se modificando atendendo a um tipo de
rádio. A linha do rádio era para dar preferência a uma determinada música, a
um tipo de samba, a uma coisa classe A. Se há uma explicação comercial é
que o samba nunca vendeu disco, a não ser na época de Carmem Miranda,
nunca houve um sambista grande vendedor de disco. O primeiro foi o Martinho
da Vila, já no final dos anos 60.
Porque era raro. Eu me lembro bem na minha infância quando eu ouvia rádio,
em primeiro lugar na parada de sucesso estava “Pois é” de Ataulfo Alves. Isso
me deu uma alegria muito grande, porque era uma coisa muito rara. Na época,
o que vendia disco eram as versões de músicas estrangeiras.
3 - Credita isso a quê?
A medida que foi aumentando a comercialização do rádio, da mídia, entra uma
coisa chamada mercado e o mercado não tem nenhum caráter, nenhum
compromisso com nada, com qualidade, com o País, com a Pátria, com nada.
O mercado não tem nenhum caráter e é capaz de qualquer coisa. Isso atinge
todo tipo de veículo, seja em rádio, em TV ou jornal impresso, a mídia
impressa, o que eles têm preferência é o que eles que controlam esse tipo de
comunicação acham que é uma coisa que vai vender mais.
Uma coisa que ajuda a vender o produto que eles estão fazendo, seja rádio, tv
ou jornal... Então eu considero que, quando o samba entra, consegue furar
esses bloqueios. E no caso de venda foi a partir de Martinho da Vila, que abriu
caminho para outros. O mercado também achava que mulher não vende disco
desde Carmem Miranda, mas Clara Nunes acabou com isso e outras que se
seguiram como Beth Carvalho, Alcione.
Então eu considero que quando o samba consegue furar esse bloqueio eu
acho que é uma vitória, porque o samba se habituou a ser uma música de
resistência. Tudo contribuiu para que o samba acabe. Tudo. A divulgação...
71
Estamos conversando em 2006 e se ouve raramente em rádio... nas
comunidades faveladas onde o samba nasce hoje é território de FANK ou HIP
HOP ou de Igrejas Evangélicas que são contra o samba.
Eu acho até que essas igrejas são instrumentos do CCEE (SAEI), A serviço da
Música Estrangeira.
Então e considero que uma das manifestações de capacidade de resistência
cultural do povo brasileiro é o samba.
4 - Há chances de a mídia melhorar, dar mais espaço ao samba?
Só quando ela for convencida de que vai ter lucro, de que vai vender mais por
causa disso. Essa é uma luta antiga. Só que eu já estou há muito tempo nisso
e já sei que daqui a 40 anos vai ter uma Tânia Malheiros entrevistando um
Sérgio Cabral da época e o Sérgio Cabral da época vai falar a mesma coisa...
5 - O fato de o sambista ser de origem pobre, negro, contribui para
dificultar esse acesso?
Sem dúvida. Tanto que se dizia que o samba era a música do malandro. No
bom ou no mal sentido, mas era a música do malandro. Ver a música da
década de 30. Está lá o malandro. Está dito com todas as letras. Quando eu
comecei a escrever sobre escola de samba as pessoas me perguntavam se
não tinha perigo. Eu comecei a escrever sobre samba no Jornal do Brasil,
classe A, metido a besta em 1959/1960... e eu botava a cara dos crioulos... eu
tive um chefe que até me advertiu: Sergio, fala mais dos bailes do Copa. Nosso
leitor quer saber o que está acontecendo nos bailes mais elegantes, nos
clubes. Você fica com esse negócio de samba....
6 - Qual o retorno que você tinha para medir a popularidade do samba?
As cartas, os telefonemas e na repercussão... e na própria comunidade
jornalística porque havia festas e eu fazia questão de levar os sambistas, ou
quando eu era chamado para falar em universidades sobre o samba e levava
Zé Ketti, Cartola, Nelson Cavaquinho e Ismael Silva. Ismael Silva era muito
vaidoso e eu levei Helton Medeiros o mais novo, e eu dividia 40 pratas para
cada e Ismael me chamou a atenção e disse: você não pode fazer isso..
72
7 - Quando Nelson Cavaquinho morreu os jornais noticiaram pouco o
fato....Hoje como é, melhorou?
Hoje quando o samba aparece ainda é esmola. Zeca Pagodinho é herói da
resistência porque furou a resistência. Os EUA querem fazer do Brasil um
grande Porto Rico. Nas Rádios FM, a música é americana e às vezes até o
locutor fala Inglês!
Isso tudo se espalha no inconsciente coletivo o desejo de ser americano. Isso é
um processo de muitos anos que se agravou com a ditadura militar. Mas
continua. O que a gente tem que fazer... somos nós mas não bancamos o
chato.
8 - Essa garotada cantando samba é a resistência e a maioria é da Zona
Sul...
A música é o campo mais massacrado, mas é onde a resistência é mais bonita,
é mais valorizada e surpreendente. O choro era para ter morrido, porque é uma
música de meados do século XIX, raramente apresentada com letra, difícil de
tocar; e para se ouvir tem que ter um certo gosto, mas esta aí até hoje. Em
relação aos jovens no samba, espero que não seja moda. Tenho esperança de
que seja definitivo.
9 - Em quase 100 anos de samba faça um balanço da reação samba e
mídia.
O samba é atacado de todo jeito. A rádio 90.3 só toca música brasileira, mas
não toca Zeca, nem Martinho. O negócio é resistir.
10 - O que te fascina no samba?
Eu sou de Cavalcante e minha vizinhança sempre foi a Portela, o Império
Serrano. Eu sempre convivi com isso.
11 - Mas no carnaval só aparecem as escolas de samba..
Porque dá mídia, imagem. É uma rotina que ficou.
73
André Diniz, Secretário de Cultura do Município de Niterói, pesquisador,
escritor, autor do livro Almanaque do Samba
1- O samba tem espaço merecido na mídia impressa e eletrônica? Por
quê?
Acho que sim. Na realidade, o samba foi a matéria-prima da incipiente indústria
do entretenimento nos primórdios do século XX. Vejamos: depois da gravação
de Pelo Telefone, em 1917, o gênero passou a ser rótulo de sucesso. Muitas
músicas foram registradas como samba e eram outra coisa. Foi ele o alimento
também da Era do Rádio. Se pegarmos o levantamento das gravações da
época, aqui incluo como samba um conceito amplo, vamos ver que ele foi
muitíssimas mas gravado do que outros gêneros. Todos os grandes cantores e
cantoras da Era do Rádio se destacaram através do gênero. Bem, para seguir
na mesma linha, a bossa nova - que é muito samba - ganhou mercado
internacional; na década de 70 compositores como Martinho, Paulinho, e
cantoras como Beth e Clara, venderam discos como poucos. Dos últimos
anos pra cá, o mercado registra fenômenos como Zeca, Jorge Aragão. Isso
sem contar os pagodes paulistas e baianos, que pra mim é muito samba
também no sentido simbólico e geral para a sociedade. Então, o samba é sim
um gênero midiatico. O discurso de pobre coitado do "Agoniza mas não morre"
é muito mais um discurso político, de manter e abrir espaço, de defender uma
possível cidadania negra-cultural, do uma realidade. Desde Tia Ciata o samba
tinha ligação direta como o poder. A negra mesmo Ciata colocou o marido
trabalhando na policia da freguesia do Santana e teve alguns encontros com
presidentes da Republica. João da Baiana era adorado pelo Senador mais
poderoso do inicio da Republica, Pinheiro Machado. Então, o que existe
mesmo é que no aspecto cultural, a nossa sociedade bate e assopra, permite e
reprimi.
2 - Misturar samba e HIP-HOP faz bem ao samba? Você considera isso
modernidade?
O samba é nosso gênero identitario. Foi como ele, já mestiço, já de branco,
negros, migrantes, que discutimos nossa identidade, nossas preferências,
74
nossas singularidades. Ele se consolidou em um momento em que o Estado
getulista cria uma referencia de nação. Assim sendo, o samba pelo seu poder
simbólico é um grande camaleão. Ele se adaptou a todas as realidades,
mesmo quando os movimentos queriam rotulá-lo de arcaico, de passado. E
referencia absoluta. O Hip-hop, o mangue beat, o funk, em outras os
tropicalistas, etc, etc. Essa troca de linguagem é extremamente importante para
a riqueza da linguagem musical, assim como o é para a humanidade. O samba
se formou misturando, interagindo, como produto da polca européia, dos
"batuques" africanos e de ritmos latino-americanos. Ele faz hoje o que sempre
fez: se reciclou, modernizou, olhou para o passado, olhou só para frente, enfim,
ele ficou como referencia máxima, diferente do tango argentino que a grande
massa da população portenha é coisa do passado. Aqui não: o samba está em
D2, em Otto do Mangue Beat, no tchan!, e as novas gerações se alimentam da
tradição. Acho que essa pergunta poderia ser feita também assim: desde
quando o samba não se misturou? A mistura do samba, e da nossa
musicalidade, sempre nos fez ter uma musica popular moderna, onde os
espaços dela são importantes para entender movimentos estéticos, a política,
vida social, a historia do país. Poucos países têm isso em sua musica. Nos
sempre fomos e somos modernos. A academia e a rua andam de mãos dadas
em nossa musica popular.
3 - O samba ainda sofre preconceito?
Pode ate sofrer. Em alguns locais ate hoje ele pode ser reprimido, mas e
inegável a sua avassaladora popularidade. O antropólogo Hermano Vianna fez
uma pesquisa recente por todo o país - para aquele programa da Regina Case
- e mostrou que o samba é cantando em todo território nacional, sempre o
gênero mais conhecido e mais tocado. As elites sambam, e parte dela sempre
sambou. (só queria fazer esse parêntese para chamar a sua atenção numa
coisa: estou trabalhando no plano cultural, pois no plano social e econômico,
percebemos o quanto há preconceito, discriminação e o quanto ainda estamos
longe de uma sociedade justa). O discurso, para frisar de novo, de preconceito
de injustiça que fazem com o samba é muito mais uma luta política por espaço
do que uma realidade. Faça o levantamento das oportunidades dos músicos
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clássicos para trabalharem, do lançamento e venda de cds deles, e você verá
que o pobre coitado nessa historia na realidade é a musica de escola, clássica,
erudita. Temos que nos render aos dados....
4 - Há renovação no samba?
Como havia falado, o samba é um grande camaleão. Ele se renova em suas
estruturas, como fez a bossa nova - aqui representada com Chico Buarque e
Paulinho da Viola, modernidade e tradição - como se renovou na obra de
quilombola Martinho e na nova rítmica do Cacique de Ramos, da geração do
Pagode. Mas ele se renova também como os grupos pagodeiros de mercado.
Você sabia que aquela dança do é o TCHan apresenta uma tradição que
remonta ao samba de roda do Recôncavo? Então, é nesse detalhes que
presenciamos a renovação do samba. E aqui não cabe juízo de valor. Todo
critério de gosto é discutível, como dizia o marxista G. Luckas.
5- Qual o futuro do samba?
O futuro do samba é difícil falar, mas podemos indicar algumas questões: ele
tem vitalidade para passa por turbulências e segui em frente; ele não mais uma
linguagem universal, pois a realidade é outra, não vivemos mais o conflito no
morro por causa do cabrito do seu Benedito. Há tiros, tráfico, representados
nas linguagens mais contemporâneas, como funk e hip-hop. Mas, ele tem
Zeca, teve Martinho é terá outros cantores que vão romper barreiras. E se
contarmos que esses novos gêneros ainda trabalham com o samba como
referencia, hum, sei não, mas o século XXI ainda ouvirá muitos os batuques e
requebros símbolos de nossa brasilidade.
FERNANDO PAULINO– jornalista, dono do site Sambaderoda.com
1- O samba tem espaço merecido na mídia impressa e eletrônica? Por
quê?
R: Depois de um período de "trevas" que foi da década de 70/80 até a virada
para o século XXI, em que o samba foi realmente marginalizado pela grande
imprensa que, muitas vezes atrelada à pauta das gravadoras, deu prioridade
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total para a inovadora música dos anos 70/80 (Bossa Nova, Jovem Guarda,
Tropicália e depois Rock Brasil), entrando, depois, pela década de 90 para
"arremedos" de ritmos tradicionais brasileiros, como o sertanejo e o samba
(transformado no indefectível "pagode" - não confundir com o verdadeiro
pagode, que cada vez mais mostra sua força), o samba começou a ganhar
força. Primeiro em poucas casas noturnas que aos poucos foram se
proliferando, transformando-se no que se convencionou chamar de "Samba da
Lapa". O advento destas casas da Lapa, com jovens da zona sul do Rio
tomando conhecimento dos grandes autores do samba, acabou trazendo a
reboque a grande imprensa para um resgate do chamado "samba de raiz".
Hoje, pode-se dizer que o samba está na moda e, estando "na moda" tem
espaço na mídia, em especial nos jornais. Assim vê-se sambistas tradicionais
sendo "pop", como o próprio Arlindo Cruz se definiu em recente entrevista.
"Pop" também são Zeca Pagodinho, Beth Carvalho e Jorge Aragão. Não vai ai
nenhuma conotação que diminua a qualidade destes artistas. Aliás, a presença
de Zeca como garoto-propaganda é mais uma prova disso (publicidade
também é mídia). Na mídia eletrônica, em especial nas novelas, vê-se muitos
sambas como músicas-tema, inclusive resgatando recentemente Nei Lopes
("no tempo que don-don jogava no Andaraí")
2 – Misturar samba e HIP-HOP faz bem ao samba? Você considera isso
modernidade?
Aprova? Desaprova? É indiferente? Por quê?
Não se trata de aprovar, desaprovar ou ser indiferente. Muitos ritmos se
associaram ao samba, metamorfoseando o ritmo original. Isso não vem de
hoje. Pode ser feito com competência ou não. Pode ser feito como forma de se
aproveitar do bom momento vivido pelo samba ou mesmo como uma
expressão de arte. Então, a princípio, nada contra. Mas o samba verdadeiro, da
forma que conhecemos mantém _ e é bom que seja assim _ o seu espaço
inalterado com uma série de compositores novos e talentosos que preservam a
tradição de seus bambas antecessores. A mistura de ritmos como o samba já
deu em Jorge BenJor, Farofa Carioca e outros que, com talento, conseguiram
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dar um ar moderno aos acordes do samba. A questão toda é como isso é feito.
Para se aproveitar do samba, um ritmo tradicional, ou como uma evolução
natural da música. Podemos incluir até mesmo a bossa nova como uma
evolução do samba, neste sentido. E, apesar de ter procurado se diferenciar
marqueteiramente do samba em seu início, acaba se rendendo a seu ritmo
inspirador quando João Gilberto só se refere ao ritmo como samba e quanto
Tom Jobim canta "meu samba não é de levantar poeira/mas pode entrar no
Barracão" (Piano da Mangueira).
3 - O samba ainda sofre preconceito?
O samba hoje está na moda. A garotada da zona sul mais "cabeça" o adora.
Nelson Sargento, o compositor mangueirense que durante décadas ganhou a
vida como pintor de paredes hoje é personagem rotineiro das colunas sociais.
Os grandes sambistas mais antigos estão agora gravando CDs, dando
entrevistas e depoimentos. Não há dúvida que o samba não sofre
mais preconceito. No tempo do politicamente correto, da igualdade racial, é
"bem" gostar de samba e idolatrar estes sambistas. Se isso vai durar para
sempre é difícil saber. Mas certamente os "tempos idos" do preconceito, da
polícia reprimindo o samba, perseguindo os sambistas é parte do passado.
Assim como o a elite ver o samba e o sambista como coisa de vagabundo, de
marginal já está bastante amenizada. Como disse Ed Miranda, presidente da
Velha Guarda da Mangueira e presidente da associação das Velhas Guardas
das Escolas de Samba do Rio, o melhor é agora. "Como a gente pode ter
saudade do tempo que a gente desfilava com a polícia batendo na gente.
Quem diria que o que começou desse jeito ia acabar em um espetáculo de luxo
como esse". Uma opinião de quem viveu praticamente toda a história do
samba e não de um "ólogo" qualquer do samba. Mas daí a dizer que não há
qualquer tipo na sociedade contra os mais pobres, os de cor e religião
diferentes persiste na sociedade brasileira. Com certeza, ainda é visto
com estranheza se "o neguinho gostou da filha da madame....Senhorita
também gostou do neguinho", como tão lindamente cantou o salgueirense Noel
Rosa de Oliveira.
78
4- Há renovação no samba?
Essa é fácil. Sim. A Portela já cantava de Paulo a Paulinho para homenagear a
grande linhagem de sambistas inaugurada com Paulo da Portela e retomada
pelo então jovem Paulinho da Viola, hoje já sessentão> Da geração do início
da carreira de Paulinho onde, entre outros grandes nomes, despontaram Elton
Medeiros, Nelson Sargento, Jair do Cavaco, d. Ivone Lara entre outros, ´já
surge outra de grandes sambistas de quadra (a relação do samba de quadra
com o samba de enredo e suas implicações na modernidade do desfile
mereceriam uma análise em separado...) e outros, vindo até da classe média
carioca. Nomes como Moacyr Luz, Aldir Blanc, Tantinho da Mangueira,
Wanderley Monteiro, Teresa Cristina, Arlindo Cruz e Sombrinha, Ratinho (que
mesmo sendo principalmente cantora, já mostra sua verve como compositora),
os muitos nomes pouco conhecidos que são resgatados cd a cd por Zeca
Pagodinho e Beth Carvalho, principalmente, mostram que não sóna Mangueira,
mas no samba brasileiro "no fim desse labor/surge outro compositor/com o
mesmo sangue nas veias", como disse Cartola
5- Qual o futuro do samba?
O futuro do samba está no seu passado. Mesmo modificado, enfrentando as
metamorfoses naturais do tempo, passando pelo partido alto, pelo samba de
quadra, o samba-canção, todos os tipos de samba mostram a força deste ritmo
e, mais, desta cultura do povo brasileiro. O futuro do samba está garantido. E é
de sucesso. Mesmo que um dia a moda que hoje assola o rio de janeiro e faz o
samba ser ouvido por todo lado _com maior ou menos qualidade _ deixe de
existir e um novo ritmo qualquer "faça a cabeça" da juventude, apenas este
tempo em que o samba deixou seu gueto e entrou em evidência já é suficiente
para trazer tantos novos adeptos que garantem sua sobrevida. Aí, vale citar
Nelson Sargento e seus verso mais famoso "Agoniza, mas não morre/Alguém
sempre lhe socorre, antes do suspiro derradeiro", versos inspirados no início da
carreira de Martinho da Vila a quem coube naquele momento socorrer o
samba. Hoje ele está forte, com mídia, prestigiado. E leva uma grande
vantagem em relação aos ritmos de momento criados para o sucesso fácil e
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descartável. O samba de história, tradição, é parte integrante da Cultura
Brasileira e, assim, terá vida e renovação eternas.
PAULO CESAR FIGUEIREDO – jornalista e produtor do Carioca da Gema,
uma das mais tradicionais casas de samba da Lapa.
1- O samba tem espaço merecido na mídia impressa e eletrônica? Por
quê?
Sim, está num crescente. Acredito que deve-se ao fato de atualmente,10 anos
pra cá, o samba e em geral a música regional no Brasil está
sendo "descoberta", aceita e admirada pela a classe média, universitários,
seguimentos importantes para essa difusão, formadora da opinião pública,
independente e impedindo e substituindo naturalmente a industrialização
cultural.
2 - Misturar samba e HIP-HOP faz bem ao samba? Você considera isso
modernidade?
Modernidade não, mas é inegável a força popular ho Hip Hop, faz parte da
globalização, mas não faz mal ao samba, nada faz mal ao samba.
Aprova? Desaprova? É indiferente? Por quê
Se cada um ficar na sua característica sem invadir ou forçar a barra apara ser o
que não é, podem até improvisar juntos, cada um com a sua linguagem.
3 - O samba ainda sofre preconceito?
O preconceito é social racial e respinga no samba, por ser representativo dessa
importante camada, se o samba sofresse preconceito as escolas de sambas
teriam mais negros do que brancos.
4-- Há renovação no samba?
Sempre haverá, precisamos é de mecanismos que estimule o aparecimento
dos artistas de hoje, a qualidade permanece é só procurar.
5 -Qual o futuro do samba?
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É esse de continuar, ele sempre existirá no seu ambiente, mesmo com a
necessidade de ser absorvido pelo show bussines, mas se ele for o samba o
ambiente original, sua essência, estará presente em qualquer lugar do mundo.
XANGO DA MANGUEIRA – cantor e compositor, ícone do samba, 84 anos
1- O senhor acha que o samba tem espaço merecido na mídia impressa e
eletrônica? Por quê?
Não. No Rio de Janeiro acho que dão muito mais valor ao funk e
artistas/estrangeiros.
2 - Em sua opinião misturar samba e HIP-HOP faz bem ao samba? Você
considera isso modernidade?
Não faz bem ao samba. Não considero modernidade, misturas de ritmo -
uma coisa nada tem a ver com a outra.
3 - O samba ainda sofre preconceito?
Sim. Porque normalmente conseguem mais espaço na mídia aqueles que
são apadrinhados, meninas bonitinhas, salvo algumas exceções
e no passado fugíamos da polícia, éramos chamados de malandros, furavam
os instrumentos de aço porque achavam que eram armas podendo matar ou
ferir alguém (pandeiro, cuica, surdo, tamborim). Hoje o samba virou
cultura e muita fonte de dinheiro para aqueles que se aproveitam de
pessoas talentosas
Eu acho que hoje em dia muita coisa mudou principalmente nas Escolas de
Samba porque os sambas são corridos
e não mais melodiosos
como antigamente (muita gente e pouco tempo para desfilar); hoje só visam o
dinheiro, antigamente tudo era feito com amor
5- O samba tem futuro?
Se houver compositores que façam o samba com uma boa letra e melodia,
bons cantores só poderá crescer. Mas primeiramente colocando o amor para
depois vir a parte financeira. Antigamente ninguém esquecia letra de um
samba-enredo - hoje se aprende e no ano seguinte ninguém mais lembra
Havia até um samba (ninguém sabe quem é o autor) "Ouvi dizer que lá na
81
Gamboa a polícia corria na frente da bala do Sete Coroa". O Sete Coroa era
um valente que tinha sete coroas de ouro na boca (os dentes). Por isso os
sambistas sofriam perseguição.
ALEXANDRE MEDEIROS – jornalista, autor do livro Batuque na Cozinha
1- Você acha que o samba tem espaço merecido na mídia impressa e
eletrônica? Por quê?
R: Acho que não o que merece por sua grandeza como manifestação da
cultura popular brasileira mais genuína. De forma geral, há matérias
esporádicas durante o ano e uma cobertura mais focada nas escolas de samba
no período do carnaval. Note bem que nem esse espaço, digamos, mais
generoso oferecido pela mídia durante o período do carnaval tem foco direto no
samba, mas sim nas escolas (e aí leia-se patrocínio dos enredos, destaques
televisivos de cada uma etc.). É muito mais fácil você encontrar fartas matérias
da bela Juliana Paes indo aos ensaios da Viradouro (nada contra a moça, ao
contrário) do que notas sobre os autores do samba-enredo da escola... Há
raras colunas ou seções em mídia impressa que tratam de samba e é mais raro
ainda programa de Tv dedicado ao tema. O que tenho visto com alguma alegria
é o espaço cada vez mais amplo dedicado ao samba na mídia digital. E aí não
falo dos sites dos grandes jornais, porque esses em geral reproduzem as
mídias tradicionais, mas de sites específicos e mesmo de blogs que tratam de
samba e têm boa repercussão, mesmo que não tenham patrocínio. Não deixa
de ser um alento.
2 - Em sua opinião misturar samba e HIP-HOP faz bem ao samba? Você
considera isso modernidade? Aprova? Desaprova? É indiferente?
R: Não faz bem e nem acho que possa ser classificado como modernidade.
Eu sou um purista desses que nunca foi e não irá a um desfile do Monobloco
(pode me cobrar isso até a morte) só porque lá a rapaziada mistura samba com
hip-hop, funk etc. Cada um na sua, tem quem goste, mas essa não é a minha.
Se eu quiser ouvir hip-hop eu vou a um show do Marcelo D2, numa boa. Mas
se eu quiser saber de samba, vou numa boa roda onde o gênero, graças a
82
Deus, ainda é preservado. Algumas experiências de fusão podem até ficar
divertidas, mas vai ser só isso. Quem quiser fazer, que faça. Mas não conte
com meus ouvidos.
3 - O samba ainda sofre preconceito?
R: Sofre sim, sobretudo das gravadoras. É por isso que a Tia Surica levou
décadas pra gravar seu primeiro CD. Que o velho Argemiro da Portela só foi ter
direito a um disco próprio no fim da vida. Mas o preconceito, digamos, social,
este foi superado, e com folgas. A garotada hoje adora freqüentar uma roda de
samba. Eu acho até que hoje a gente vive um outro fenômeno, que é a
overdose de samba. Isso pode ser até mais perigoso do que preconceito. No
tempo em que sambista era perseguido, ele sabia muito bem guardar sua
gênese, preservar sua manifestação. Hoje, diante de apelos diversos, desde a
indústria do entretenimento até a modelagem das gravadoras, o verdadeiro
samba está muito mais vulnerável a desvios de rota. Tomara que ele conserve
sua essência nas velhas-guardas das escolas, nas boas rodas comandadas
por gente que entende do riscado.
4 - Há renovação no samba?
R: Há, sim, ainda bem. Gente séria que faz pesquisa, como a Cristina
Buarque, o Marquinhos de Oswaldo Cruz. Gente que mantém as rodas em
torno do astral dos bambas, como o Moacyr Luz, o Zé Luís do Império. Há bons
cantores e cantoras novas, como o Pedro Paulo Malta, a Ana Costa. Grupos
como Galocantô, Batuque na Cozinha, Casuarina. Essa galera tem o maior
respeito pelos ancestrais e vai longe.
5- Qual o futuro do samba?
R: Eu acho que o futuro está desenhado com a entrada do samba na classe
média e até na granfinagem, sabia? Antes, como diz a Tia Doca, era coisa de
subúrbio, de gente humilde. Até acho que é onde ele é ainda mais bonito, mais
natural. Mas hoje o samba está em clubes e casas de show da Zona Sul, em
rodas por toda a cidade, freqüentadas pela turma da PUC. As escolas, as mais
autênticas ou espertas, de olho nesse filão, estão povoando suas quadras de
feijoadas, macarronadas etc., reavivando os sambas de quadra. Essa troca,
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esse intercâmbio, é legal. Tem garotada estudando música pra tocar
cavaquinho, fazer samba de bloco, de escola, querendo conhecer as obras de
um Zé Keti, um Cartola, um Aniceto. Isso é muito bom.
J. PAULO DA SILVA – jornalista
1 - Você acha que o samba tem o espaço merecido na mídia impressa e
eletrônica?
Acho que merecia maior espaço. O que vejo é que o samba só recebe
divulgação mais macro quando o carnaval está próximo. E no resto do ano?
2 – Em sua opinião misturar samba e HIP-HOP faz bem ao samba? Você
considera isso modernidade?
Tenho a impressão de que samba é samba, hip-hop é hip-hop. Em certa
circunstâncias, coisa esporádica, acho que não há problemas. Acho que os
ritmos têm momentos que se misturam ao mesmo tempo em que é preciso
separá-los em certas ocasiões específicas, em benefício da manutenção das
tradições, das origens de cada segmento.
Aprova? Desaprova? É indiferente? Por quê?
Aprovo dentro das circunstâncias acima explicitadas.
3 - O samba ainda sofre preconceito?
Hoje em dia, não. Não acredito. Basta freqüentar as quadras das escolas de
samba e observar o antagonismo dos freqüentadores: pobres, ricos, brancos,
pretos, enfim, tem de tudo. E isso é legal. É preciso apenas atentar para o que
o Jorge Aragão diz em sua música: "hoje em dia é fácil dizer/que esta música é
nossa raiz/tá chovendo de gente que fala de samba e não sabe o que
diz...Respite quem pude chegar onde a gente chegou....
4- Há renovação no samba?
Sim. Há renovações de compositores, sambas etc. O que acho legal é que os
chamados bambas são respeitados pelos novos, são fontes de inspiração etc.
5- Qual o futuro do samba?
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Temo o que já vem acontecendo nas escolas: a descaracterização. Tem gente
que desfila e sequer sabe sambar. Isso é ruim. O oba oba prejudica as escolas.
É preciso colocar mais gente da comunidade. Mais: é triste ver no sambódromo
o pessoal da comunidade do lado de fora,vendo o desfile apertado etc. A
participação desse povo é fundamental para melhor o desenvolvimento do
samba. Afinal, eles são os verdadeiros sambistas.
SIMONE LIAL – jornalista e cantora
1- Você acha que o samba tem espaço merecido na mídia impressa e
eletrônica? Atualmente sim Por quê?
Esse espaço foi conquistado pelo reconhecimento do samba como
representante da nossa cultura popular. A revitalização da Lapa é
decididamente o movimento que proporcionou esse reconhecimento, realizado
pelos músicos, produtores, casas que surgiram na região.
2 – Em sua opinião misturar samba e HIP-HOP faz bem ao samba? Você
considera isso modernidade?
Pode fazer sim, depende de como é feito. Aprovo tudo o que é feito com bom
gosto. Preciso primeiro ouvir para aprovar ou não. Mas isso é muito pessoal, o
que eu aprovo pode não ser aprovado por outros e vice-versa. O mercado
existe e experimentar novas linguagens pode ser muito interessante. Um
samba misturado com Hip Hop pode fazer com que pessoas que não tinham
interresse em conhecer nossa cultura passem a ter este interesse. Depende de
como realizar.
3 - O samba ainda sofre preconceito?
Não, ao contrário está muito bem aceito. Lógico que não podemos generalizar,
mas tem um público que está aumentando a cada dia.
4- Qual o futuro do samba?
Espero que seja o melhor que puder ser. E que possamos manter viva a
chama de sua tradição, sem fechar para oportunidades que venham somar e
não destruir.
85
MARCEU VIEIRA – jornalista e compositor
1 - Você acha que o samba tem recebido o espaço que merece da mídia,
principalmente a impressa?
Não. Mas já foi pior. Hoje, talvez efeito do renascimento da Lapa com sua
geração de jovens músicos e cantores que se misturam à turma da antiga, o
espaço é mais generoso.
2 - O samba sofre preconceitos? Em caso positivo, quais os principais
motivos?
Talvez. Sempre citam casos clássicos, como aquele do réveillon em que
Paulinho da Viola recebeu cachê menor que o de artistas como Gal, Caetano e
Chico. A chamada indústria cultural perpetua isso ao manter o samba numa
segunda categoria de valor de mercado. Isso é ruim. Mas, pessoalmente, acho
que o sambista deve parar de sentir pena de si mesmo e mostrar seu valor,
que é imenso.
3 - Você acha que o fato de tratar-se de manifestação popular, com raízes
africanas, o samba pode ter tido dificuldades de penetração junto à
mídia?
Não. Não creio que seja por aí.
4 - Até que ponto, os sambistas, em geral de origem humilde, podem ter
dificuldades de romper as barreiras impostas pelo poder que, levam à
grande mídia?
A barreira cultural, pela origem humilde, talvez seja maior que a do preconceito
em relação ao gênero musical propriamente dito. É um ponto negativo da
grande mídia a falta de apetite pra descobrir coisas nova na música brasileira.
Há casos de falta de novidade até mesmo quando a grande mídia acha que
"descobriu" algo.
5 - A mídia, a partir da criação da Internet, consegue popularizar mais o
samba ou isso não tem nada a ver?
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Sim, sem dúvida. Surgiram sites de notícias só ligados ao samba. Exemplo
disso é a Agenda do Samba e Choro, muito bem sucedida.
6 - Qual a sua expectativa para a relação samba e mídia nos próximos
anos. Você acredita que o samba terá mais espaço ou não e porquê?
Com certeza, vai melhorar ainda mais. É uma evolução natural.
ZILMAR BASILIO - jornalista, pesquisadora da MPB
1 - Você acha que o samba tem recebido o espaço que merece da mídia,
principalmente a impressa?
R: Com certeza o samba de boa qualidade, não. Desde a coluna Música
Naquela Base com Sérgio Cabral e Tinhorão os espaços conquistados foram
muito poucos. Os colunistas especializados em música escrevem
esporadicamente, dando lugar as matérias pontuais. O samba é muito rejeitado
pelos donos dos meios de comunicação.
2 - O samba sofre preconceitos? Em caso positivo, quais os principais
motivos?
R: Sofre muito preconceito, principalmente da parte dos pseudos intelectuais,
dos que preferem o povo sem cultura. A música de má qualidade é
descartável , a de boa se perpetua, esclarece a sociedade. Portanto, não há
interesse das gravadoras em preservar a música de boa qualidade. O
sambista é oriundo da senzala e precisa saber o seu lugar, mas aos poucos
está ocupando o seu espaço ,cada vez mais próximo dos salões de referência
da cultura erudita: Três Exemplos disso é Martinho da Vila com Ópera Negra,
Beth Carvalho contando num show a história do samba - incluindo aí um
Pagode de Mesa - adentrarem o Teatro Municipal do Rio de Janeiro com
grandes espetáculos. O terceiro foi a comemoração dos 75 anos da Mangueira
na Sala Cecília Meirelles.
3 - Você acha que o fato de tratar-se de manifestação popular, com raízes
africanas, o samba pode ter tido dificuldades de penetração junto à
mídia?
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R: concordo com a manifestação popular, pois a elite nunca deu importância
para o povão. Com relação as raízes africanas não tanto (estou falando de
manifestação popular, não de racismo, aí a discussão é outra. Não existe país
mais racista do que o nosso.
4 - Até que ponto os sambistas, em geral de origem humilde, podem ter
dificuldades de romper as barreiras impostas pelo poder que, levam à
grande mídia?
R: As dificuldades começam no discurso, na comunicação. Depois vem as
Sociedades de Autores que privilegiam os ricos e deixam os demais em
segundo plano . Ainda temos uma parcela da imprensa que é venal, não por
culpa do profissional do jornalismo, mas dos donos das empresas. Os
jornalistas fazem jornal com a cara do dono da casa. Além dos que são venais
mesmo por opção. Outro obstáculo é o Direito Autoral no país. O Ecad
(Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) é formado pelas Sociedades
de Autores. A relação com o autor é tão desnivelada que existe Sociedade
Autoral que tem em sua direção editores de multinacionais que
sempre trataram nossos compositores com cifras muito abaixo do real, sem
precisar prestar contas a ninguém. Não têm um órgão governamental que
cuide do assunto com seriedade. A maioria dos sambistas morre
quase na miséria, ou mesmo tendo que receber ajuda dos companheiros, ou
ainda, Shows Beneficentes para custear o tratamento médico ou pagar o
enterro.
5 - A mídia, a partir da criação da Internet, consegue popularizar mais o
samba ou isso não tem nada a ver?
O samba chega até uma classe privilegiada, que tem computador. O número
de pessoas que conseguem chegar a este meio de comunicação ainda é
pequeno se colocado em comparação aos outros meios.
6 - Qual o balanço que você faz da relação samba e mídia nesses 90
anos? Foi positiva ou deixou muito a desejar?
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No meu entender deixou a desejar, a divulgação ainda é muito pouca. Os
meios de comunicação são comandados pelas multinacionais que pagam para
ter suas músicas tocadas e massificadas. A nossa história é sempre relegada a
segundo plano em prol de músicas escolhidas pelos donos dos meios de
comunicação. Não existe ninguém que lute pelo direito autoral. Os autores
estão completamente desamparados tanto na área política quanto na judicial.
Existem poucos advogados especializados no assunto e os poucos são
patronais, os patrões tem dinheiro e os autores, não. Deveria existir uma Vara
especializada em direito autoral, os juízes têm pouco conhecimento do
assunto. Poderiam criar uma Vara com juízes especializados no assunto como
existe a vara cível, a criminal e a trabalhista. É um assunto muito complexo e
que poucos conhecem. Imagine o sambista colocado nesta arena. Acho que a
nossa música é abandonada, mesmo hoje tendo a classe média investido
numa boa safra de livros sobre o assunto.
Há pouco tempo um editor de uma revista consagrada no mercado me disse
que não poderia fazer uma matéria com um determinado sambista porque há
seis meses dera duas páginas sobre um outro.
7 - Qual a sua expectativa para a relação samba e mídia nos próximos
anos. Você acredita que o samba terá mais espaço ou não e por quê?
Tenho muita vontade de dizer que acredito que o samba vai conseguir o seu
espaço quando tomo conhecimento de alguns
jornalista/compositores/sambistas fazendo malabarismo em reuniões de pauta
para aprovar uma matéria ou mesmo uma nota sobre nossos compositores.
Existem compositores de todos os níveis intelectuais e econômicos. Não existe
união entre sambistas. É uma classe completamente desunida. O estilo é
farinha pouca, meu pirão primeiro. Quem consegue um espaço fecha a porta
atrás de si para o próximo não entrar. O dia em que souberem o quanto são
fortes juntos...... Existem várias implicações entre elas o Sindicato dos
compositores a Ordem dos Músicos. A propósito não sei qual a importância
dessa Ordem e pergunto aos profissionais e ninguém sabe, mas pagam os
impostos e não sabem o por que existe. Enquanto os compositores
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continuarem desunidos e discutindo o Sexo dos Anjos em botequim e
não iniciarem uma conversa séria sobre as suas profissões, seus direitos,
seus interesses, nada vai mudar,mas o samba a exemplo da Cidade sempre
foi dividido e isso parece que os mantêm produzindo. Os patrões são sempre
organizados e os subordinados continuam morrendo pedintes. Uma jornalista
que tinha uma coluna sobre cultura num determinado jornal ouviu muitas
vezes na redação a seguinte frase: " se for matéria de samba, jongo, qualquer
coisa de preto, chamem a Helena" Ou seja, isso se passa no final da década
de 90, não muito distante dos nossos dias. Os avanços existem em
comparação aos 90 anos , desde o Pelo Telefone, quando havia perseguição
das autoridades policiais, mais muito longe do esperado. Hoje existe uma
bibliografia muito boa sobre o samba, mas o jornal diário, as emissoras de
rádios e de Tevês ainda estão muito aquém do esperado. Temos alguns
avanços porque os nomes que despontaram em outras esferas como a
literária´, ou mesmo outros que estão consagrados, são muito conscientes -
ajudam, esclarecem, gravam os parceiros- e a mídia têm que reconhecê-los.
Por esses motivos podemos acreditar em alguma mudança para as próximas
décadas.
JORGE ROBERTO MARTINS – Jornalista, escritor, âncora do programa
Sala de Música da Rádio Roque Pinto.
Você acha que ainda hoje há preconceito contra o samba na mídia?
Preconceito e marginalização do samba, mas isso não é só na mídia. Se
imaginarmos todas as civilizações, as manifestações populares, culturais,
sempre foram colocadas na melhor das hipóteses no segundo plano. Qualquer
manifestação popular que venha do povo. Ela não é de cima para baixo e sim
debaixo para cima e ela espontânea mesmo quando se planeja. Mas é uma
coisa do povo e o povo é marginalizado, sempre foi. E o samba é o reflexo
disso, de uma sociedade elitista que não é escravocrata porque não pode mais.
A cultura européia... o choro, é sofisticado, porque é europeu na sua
essência, enquanto o samba chega da África, dos negros, quando as casas
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dos aristocratas tocavam e dançavam o choro, dançavam a polca, o minueto,
era a ......, os pianos....
Sinhô, o rei do samba, sofreu preconceito duplo e marginalização. Primeiro
tocava samba e segundo era negro, mulato e sofria preconceito, o que hoje
ainda existe num País mestiço.
Sinhô era aquele cara que dizia “Música é igual passarinho, está no ar e a
gente pega....”. Mas há um caso histórico que ele estava numa casa quando
uma madame ficou indignada ao ver aquele mulato freqüentar a aristocracia
tocando piano. Ele tinha que tocar tamborim e ela pegou uma partitura de
música clássica e Sinhô olhou e disse: eu não toco música de pessoas com as
quais eu não me dou. Ele só tirava de ouvido. Não se sabe até onde isso é
verdade ou lenda. Mas é um retrato da marginalização da cultura popular.
A mídia ainda hoje trata o samba em segundo plano?
Pelo volume de informações, pela altíssima tecnologia que existe hoje, a
mediocridade sempre tem vez na História do Brasil, principalmente a
mediocridade oficial. E hoje há uma consagração da mediocridade em todos os
níveis: na política, na cultura, etc. E a mídia segue o caminho do imediatismo,
do capitalismo, do custo e benefício. Tanto a mídia Tv quanto a mídia
impressa. Eu até me assustei quando há pouco tempo vi a primeira página do
Globo com Moacyr Luz. Eu pensei que fosse o Lenny Kravitz. Na mídia
impressa tem pouca coisa de samba. As rádios tocam pouca música brasileira.
Quanto ao samba, ele socializa e as pessoas não querem ver isso. Como o
futebol socializa também. A música de um modo geral é subproduto de nosso
País. Não foi o europeu que marginalizou a música brasileira. Foi o próprio
brasileiro. Foi a sociedade elitista que marginalizou. O samba é subproduto.
Não tenho nada contra que se traga o Lenny Kravitz. A Madona ou o Miche
Jagger para ficar se rebolando, para lamber a línga no chão e dar tesão nas
pessoas. Não tenho nada contra a música caipira que é uma deformação...
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Os jornalistas podiam se envolver mais com o samba ou eles também são
preconceituosos?
Não é preconceito e sim desinformação. Há a desinformação e pouco contato.
Dessa nova geração de jornalistas quem conhece samba? Quem conhece
música brasileira? É muito difícil porque o jornalista não lê, não tem tempo para
ler, porque tem carga horária pesada, mas devia ler.
O jornalista acha que o samba é uma coisa menor?
Não. Ele não conhece, não freqüenta samba, não conhece os fundamentos do
samba.
O que você acha do trabalho do Marcelo D2 em relação ao samba?
A mistura é válida?
É inevitável...O samba não poderia ficar numa redoma não suscetível a
mudanças. Essas mudanças acontecem e é bom que isso aconteça. Quero
dizer que é possível a convivência harmônica com a arquitetura milenar e a
moderna. Pode o Marcelo D2 misturar samba com rock. Eu só não quero que
deformem o pensamento das pessoas. O resto ele pode.
Sou a favor de todos os ritmos e músicas. O que eu acho chato é a exclusão
do samba na mídia, na grande mídia, ou seja, na imprensa, seja ele áudio ou
vídeo. Isso é que é lamentável.
Os grupos novos de samba que estão surgindo beneficiam o samba?
Essa garotada é muito boa e é uma boa dose de esperança. E m ais ainda:
eles são necessários. Esse pessoal é o fundamento do século atual. É claro
que muitos são óbvios e vai haver uma peneira. Mas essa garotada é boa, lê,
escreve, estuda música, faz arranjo, o que não havia na minha época porque o
acesso a escola era privilégio. O samba devia copiar o choro porque há a
escola de Choro Mauricio Carrilho, os clubes de choro....O samba também
tinha que ter uma escola portátil...
Talvez os negros, pessoas mais humildes, etc, não sabiam se articular
para chegar a mídia...
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O sambista também foi um pouco descuidado. Se o samba não era uma coisa
oficial e sempre foi tratado extra-oficialmente, então, não havia compromisso e
o sambista até um determinado tempo foi tido como um irresponsável. O
irresponsável e foi para o anedotário através do Tim Maia, mas é lamentável.
E o sambista por ser marginalizado, entra pela porta da cozinha. Até a ficha
técnica mostra isso. Primeiro o trombone e por último os instrumentos rítmicos.
Ora bola! O Brasil é acima de tudo rítmico!!! O mercado é muito cruel com o
sambista. Não se vê ninguém tocando piano ou fazendo um conserto num
boteco, na esquina comendo churrasco. Mas lá está o sambista.
Chama o cara, dá 10 reais e pega o violão. Há o sambista que se sujeita a isso,
porque ele precisa e o patrão sabe disso.
O samba é a face de nosso país. O sambista sabe o seu valor, mas excede na
humildade e a humildade excessiva vira subserviência.
O choro tem a vantagem de ser europeu. Eu quero que o samba possa se
integrar. Tem aquela frase do Bethovem: “A música é a mais alta revelação da
pessoa humana, mais alta até do que a filosofia”. Então, que o samba possa se
integrar a isso, porque samba é música e sendo música é absoluta.
ELIANE FARIA – CANTORA – Filha de Paulinho da Viola
1 - O samba tem espaço merecido na mídia impressa e eletrônica? Por
quê?
R.: Merecido? Claro que não. Poucos artistas do samba conseguem um
espaço na mídia. É só pegar um artista top de qualquer seguimento e comparar
a um ícone do samba. Até cachês são discriminados. Eu estou falando em
termos gerais. Até mesmo num show onde se encontram vários seguimentos
da MPB, como projetos não consta o samba. Colocam, hoje em dia, o samba
como "moda", como se ele só pudesse sobreviver com a mídia, então só
aparece poucos e os mesmos.
2- Em sua opinião misturar samba e HIP-HOP faz bem ao samba? Você
considera isso modernidade? Aprova? Desaprova? É indiferente? Por
quê?
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R: Desde que o samba existe há modificações e influências. Sempre tem
alguém querendo inventar. O HIP_HOP brasileiro tem influência norte
americana, mas fala de uma realidade da sua própria comunidade, como o
samba fala também. Não vejo mal algum acho até interessante. Com isso,
muitas pessoas jovens passaram a se aproximar e conhecer melhor alguns
sambas, sambistas e compositores. Quando fazemos shows em comunidades
mais carentes os jovens cantando sambas antigos. Acabamos notando a fusão
de outros estilos aproximam pessoas pra música, como o samba que em
outros momentos teriam preconceito. Só não vejo essa união como um novo
estilo de samba.
3 - O samba ainda sofre preconceito?
Quando falamos que o samba não tem o espaço merecido estamos
dizendo que ainda, mesmo que camufladamente, ele sofre. Mas temos que
admitir que hoje outras raças saem dos seus guetos para reverenciar o samba.
Isso não é só mídia é um fenômeno que nos últimos dez anos vem crescendo e
o mundo cada vez mais toma conhecimento que samba não é só carnaval e
mulata. Faz parte da cultura do brasileiro.
4 - Há renovação no samba?
Há sim. Não só renovação de artistas como de estilo. Sempre tem um
instrumento colocado em um arranjo diferente sem descaracterizar, uma nova
batida. Compositores que ainda não são conhecidos e que utilizam
versatilmente nas suas letras e melodias as crônicas do dia a dia.
5- Qual o futuro do samba?
O samba está e sempre esteve. A cada dia mais pessoas conhecem e
reconhecem o samba. Hoje, mesmo quem não gosta respeita. E como diz
Paulinho da Viola "Há muito tempo eu escuto esse papo furado dizendo que o
samba acabou, só se foi quando o dia clareou".
94
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO.......................................................2
AGRADECIMENTO...................................................... 3
DEDICATÓRIA..............................................................4
RESUMO.......................................................................5
METODOLOGIA............................................................6
SUMÁRIO......................................................................7
INTRODUÇÃO...............................................................8
CAPÍTULO I ....... ........................................................17
O espaço do samba na mídia impressa.
CAPÍTULO II.................................................................27
Fatos históricos.
2.1................................................................................36
O Preconceito no início do século: fatos e entrevistas.
2.2...................................................................45 Renovação e novos talentos
CAPÍTULO III.....................................................55 O samba, a modernidade e a mídia.
CONCLUSÃO.....................................................63
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA........................ 67
BIBLIOGRAFIA CITADA.................................... 68
ANEXO 1 -.........................................................69
ÌNDICE...............................................................94
95
Folha de avaliação
Universidade Candido Mendes
Pós- Graduação “Lato Sensu”
Projeto A Vez do Mestre
Título: O samba na mídia em nove décadas
Autora: Tania Maria Oliveira malheiros
Data da entrega: 16 de dezembro de 2007-12-15
Avaliado por: Prof. Mary Sue.
Conceito: