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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE O SAMBA NA MÍDIA EM NOVE DÉCADAS Por: Tania Maria Oliveira Malheiros Orientadora Prof. Dra. Mary Sue Rio de Janeiro 2007

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

O SAMBA NA MÍDIA EM NOVE DÉCADAS

Por: Tania Maria Oliveira Malheiros

Orientadora

Prof. Dra. Mary Sue

Rio de Janeiro

2007

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

O SAMBA NA MÍDIA EM NOVE DÉCADAS

Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes

como requisito parcial para obtenção do grau de especialista

em Comunicação Empresarial.

Por: Tania Maria Oliveira Malheiros.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os jornalistas e

artistas que participaram deste

trabalho:

Sérgio Cabral

Zilmar Basílio

Jorge Roberto Martins

J. Paulo da Silva

Eliane Faria

Simone Lial

Xangô da Mangueira

Fernando Paulino

Marceu Vieira

André Diniz

Hiran Araújo

Paulo César Figueiredo

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DEDICATÓRIA

Dedico esta monografia aos meus pais

Mucio de Sá Malheiros (em memória) e

Aracy de Oliveira Malheiros; e a meu

marido Anselmo Ferraz Barbosa.

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RESUMO

O ano de 2007 marcou o aniversário de 90 anos do lançamento de “Pelo

Telefone”, primeiro samba registrado no Brasil, de Ernesto Joaquim Maria dos

Santos, o Donga, e Mauro de Almeida. Donga foi integrante do núcleo

embrionário que daria origem ao samba como conhecemos hoje; nasceu no

Rio de Janeiro e sempre freqüentou rodas de samba e candomblé nos terreiros

das “tias” baianas que promoviam a música africana no Rio no início do século.

O aniversário dos 90 anos do samba, a partir desse registro, merece uma

ampla abordagem sobre o espaço que essa manifestação cultural vem

ocupando na mídia, principalmente a mídia impressa.

O samba pode ter enfrentado preconceito por reunir no início do século

pessoas mais humildes, desarticuladas com o poder. Novos artistas surgem no

cenário nacional dispostos a cantar samba, dispostos a manter a tradição. O

samba resistiu ao tempo, muitas vezes mistura-se a outros ritmos como o hip-

hop e o fank, e provocando polêmicas.

Fatos históricos como o lançamento de trabalhos como de Zé Kéti, Guilherme

de Brito, Cartola, entre outros, servem para ilustrar que o tema samba tem

mercado. Em 2006, por exemplo, Zé Kéti, foi homenageado pelo Prêmio Tim

de Música. À parte interesses de gravadores, do mercado, e influências no

meio artístico, grupos de samba como Casuarina, Galocatô, Batuque na

Cozinha, e cantoras como Tereza Cristina, Mariana Baltar, Juliana Diniz e Ana

Costa têm mostrado que o samba chegou ao Século XXI sem perder a sua

essência.

Diferentes pontos de vista sobre a validade ou não dessa essência, histórias de

preconceitos e importantes reportagens sobre o samba, nesses 90 anos, estão

aqui apresentados. A partir do aniversário do samba considerado como o

marco zero dessa história: Pelo Telefone, vê-se que em 2007 a mídia soube

registrar o fato em diversas situações. Entrevistas e livros mostram também

que o samba continua sendo classificado pela mídia como o gênero mais

popular.

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METODOLOGIA

Os métodos que me levaram ao problema proposto foram: leitura dos

livros mencionados na Bibliografia Consultada, jornais, revistas, pesquisas na

Internet, entrevistas feitas pela Internet e pessoalmente, sendo que algumas,

gravadas.

Durante diversos dias do mês de janeiro de 2007 realizei pesquisas na

Biblioteca Nacional, na Avenida Rio Branco, no Centro, em diversas edições do

Jornal do Brasil do ano de 1917, quando Pelo Telefone fez sucesso durante o

carnaval. Também visitei a exposição sobre o carnaval na Biblioteca Nacional,

em janeiro de 2007, a fim de coletar informação para este trabalho.

Fiz vários contatos com a Prefeitura de Petrolina para tentar conseguir

um exemplar do Livro “A Pré-História do Samba”, de Bernardo Alves, que

questiona a origem do samba. Mas o assessor de Imprensa da Prefeitura,

Carlos Brito, informou que o livro está esgotado. Localizei um exemplar do livro

no Palácio Gustavo Capanema, no Centro, que pertence ao Ministério da

Cultura, onde a pesquisa foi realizada.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ---------------------------------------------------08

O Samba Pelo Telefone faz 90 anos

CAPÍTULO I –-----------------------------------------------------17

O espaço do samba na mídia impressa

CAPÍTULO II- ------------------------------------------------------27

Fatos históricos.

CAPÍTULO III – ------------------------------------------------------55

O samba, a modernidade e a mídia.

CONCLUSÃO –--------------------- --------------------------------63

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ------------------------------- 67

BIBLIOGRAFIA CITADA – ----------------------------------------68 ANEXOS – ----------------------------------------------------------- 69 ÍNDICE – -------------------------------------------------------------- 94

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INTRODUÇÃO

No ano de 2007 completou 90 anos do lançamento oficial do primeiro

samba gravado no Brasil: “Pelo Telefone”, de Ernesto Joaquim Maria dos

Santos, o Donga e Mauro de Almeida. Integrante do núcleo embrionário que

daria origem ao samba como o conhecemos hoje, Donga nasceu no Rio de

Janeiro e sempre freqüentou rodas de samba e candomblé nos terreiros das

"tias" baianas que promoviam a música africana no Rio do início do século.

Pelo Telefone foi sucesso do carnaval de 1917, embora tenha sido registrado

na Biblioteca Nacional em 1916.

Pretende-se, então, iniciar o trabalho situando o leitor no contexto

histórico do samba, apresentando informações sobre o tema como: o que é o

samba, como surgiu no Brasil, influências, evolução, transformações,

obstáculos enfrentados e sua importância para a cultura.

A palavra samba não aparece na 3ª edição do Dicionário Latino

Português de Francisco Torrinha, das edições Maranus, de 1945, que faz parte

do acervo da Biblioteca Nacional. Mas as pesquisas sobre o samba

compravam a sua existência havia muito mais tempo do que se possa

imaginar.

No clássico “Na Roda do Samba”, do cronista Francisco Guimarães, o

Vagalume, de 1931, o vocábulo samba teria nascido de dois verbos da língua

dos nagôs, o ioruba: san, pagar, e gbá, receber, escreveu o cantor, compositor

e escritor Nei Lopes, na página 14 de seu livro Sambeabá.

Contudo, tudo indica que o samba nasceu muito antes, e a sua história

pode remontar séculos. Em seu livro “A Pré-História do Samba”, o pesquisador

Bernardo Alves defende dois pontos principais: 1º) O Samba não é de origem

negra, mas brasilíndia; 2º) O Samba não é carioca, mas nordestino. Sobre o

livro, lê-se no Jornal do Brasil de 13/01/1981: ''Trata-se de um trabalho

científico tão sério, que um dos mais respeitados nomes do campo da pesquisa

musical no Brasil, Padre Jaime Diniz, ex-professor do maestro Marlos Nobre e

membro da Academia Brasileira de Música, depois do primeiro impacto,

entusiasmado, abriu para Bernardo Alves seu valioso arquivo”.

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Já no Jornal do Commercio (Recife) lê-se o seguinte: ''O livro prova que

tudo que se disse até hoje sobre o Samba é mentira; traz provas contundentes

e fatais de que o maior gênero musical brasileiro não vem dos negros, mas dos

índios, não é carioca, mas nordestino, isto segundo fartura de documentos. Os

medalhões da musicologia ao ouvirem falar da tese se levantarão contra ela,

mas ao lerem o livro ficarão quietinhos. A Pré-História do Samba é um livro que

vai mexer com as estruturas da música do Brasil”.

Segundo A Pré-História do Samba, “a história da nossa música

brasileira foi escrita por africanistas como Arthur Ramos, Manuel Quirino,

Edson Carneiro, Renato Almeida, Renê Ribeiro, Manoel Diegues Jr., Abelardo

Duarte, Rossini Tavares Lima, Mariza Lira, Vicente Salles, entre outros. Eles

esqueceram da nossa pluralidade racial e conseqüentemente cultural, só tendo

olhos para os aspectos negros”. A pesquisa começou em 1977; em 1981 o

Jornal do Brasil lhe dedicou toda uma página. O livro foi lançado em

25/01/2002, com patrocínio da Prefeitura de Petrolina, no Estado do

Pernambuco. (A autora desta monografia contatou a Prefeitura de

Petrolina, através de seu assessor de imprensa Carlos Brito, a fim de

obter um exemplar da obra em questão, mas o jornalista informou que o

livro está esgotado. A obra está registrada/catalogada na Biblioteca

Nacional, na Avenida Rio Branco, Rio de Janeiro. Há um exemplar no

Palácio Gustavo Capanema, do Ministério da Educação e Cultura, sob o

número: 782.421.640.981).

Consulta realizada no Palácio Gustavo Capanema, da Biblioteca

Nacional, constatou que a palavra samba aparece várias vezes no Jornal do

Recife de 1876 e de 1898, conforme matérias e notas reproduzidas por

Bernardo Alves em seu livro nas páginas 268 e 269 e 274, por exemplo.

“Em busca da origem Kiriri do samba” é um dos títulos do site

Brasileirinho com a seguinte informação: “Em reunião realizada no sábado, 10,

no Teatro Apolo, durante a Feira Música Brasil 2007, em Recife, o Ministro da

Cultura, Gilberto Gil, convidou o jornalista Fabio Gomes, editor do Brasileirinho,

para coordenar a pesquisa que deverá estabelecer cientificamente a origem do

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samba. A pesquisa pretende aprofundar o trabalho iniciado pelo pesquisador

pernambucano Bernardo Alves em seu livro A Pré-História do Samba. Na obra,

Bernardo apresentou provas documentais de que o samba que hoje

conhecemos surgiu nas festas dos índios Kiriri do Nordeste brasileiro, ao que

tudo indica antes mesmo da chegada dos portugueses.

Não é o que pensa o cantor, compositor e escritor Nei Lopes, um dos

mais respeitados pesquisadores do samba enquanto manifestação cultural. Na

página 15 do livro Sambeabá, ele certifica: “Foram africanos do grupo

etnolingüístico Banto que legaram à música brasileira as bases do samba e o

amplo leque de manifestações que lhe são afins”. Nei Lopes não deixa escapar

seus pontos de vista na página 11, lembrando que o samba foi discriminado

“pela chamada música universitária – a qual, assim rotulada com objetivos

claramente discriminatórios, acabou por fazer nascer a sigla MPB”. O samba a

que Nei Lopes se refere, e que o motivou a escrever de Sambeabá, diz o autor,

ainda hoje corre “subterrâneo, mas caudaloso – nos catálogos dos

independentes e fora da grande mídia”, tendo apenas como palco “os

botequins, os fundos de quintal e os redutos alternativos”.

Na página 23, Nei Lopes registrou que, em texto extraído de Maria

Bonita, de Afrânio Peixoto, de 1914, consta: “Fervia o samba numa casa de

palha, de chão batido, à luz fumarenta de um candeeiro de lata, pendurado na

parede de taipa”.

O fato é que a expressão samba foi mesmo cunhada muitos anos antes,

segundo as pesquisas do renomado jornalista e escritor Sérgio Cabral. Na

página 19 de seu livro “As Escolas de Samba do Rio de Janeiro” consta:

“Coube ao folclorista Édison Carneiro garimpar na revista pernambucana

Carapuceiro, de 12 de novembro de 1842, uma quadrinha que pode não ter

grande valor literário, mas que, sem dúvida, é de grande importância histórica.

Escrita pelo frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, a quadrinha só não

registrou pela primeira vez a palavra samba porque, no dia 3 de fevereiro de

1838, o mesmo frei escrevera na mesma revista contra o que chamou de

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“samba d’almocreve”. Eis a quadrinha: Aqui pelo nosso mato/Qu’estava então

mui tatamba/Não se sabia outra coisa/Senão a dança do samba”.

Na época do Carapuceiro, de acordo com Sérgio Cabral, “a palavra

samba definia como se fosse uma coisa só vários tipos de música e de dança

introduzidos pelos negros escravos no Brasil e que levaram o mesmo Édison

Carneio a considerar área nacional do samba a região que vai do Maranhão a

São Paulo”. No mesmo livro Sérgio Cabral vai mais fundo registrando que em

1906, o escritor João do Rio, “personagem que somava o mais requintado

dandismo a uma sensibilidade extraordinária para registrar na imprensa e nos

livros as manifestações populares de sua época, (...)”, escreveu que “só a

população desta terra de sol encara sem pavor a morte nos sambas macabros

do carnaval”. Em 1906, portanto, enfatiza Sérgio Cabral, João do Rio utilizava a

palavra samba para “designar as músicas cantadas no carnaval”.

Tanto que no final do século XIX surgia o primeiro rancho no Rio de

Janeiro, “o que era mais uma forma de brincar o carnaval em grupo”, explica

Cabral em seu livro. Tal como Nei Lopes, Cabral também recorreu ao cronista

carnavalesco Francisco Guimarães, o Vagalume, para alicerçar seu livro sobre

o samba. Ao conceder entrevista a Vagalume, do Diário Carioca, em fevereiro

de 1931, o tenente da Guarda Nacional Hilário Jovino Ferreira, “veterano

militante das manifestações de cultura negra no Rio, desfez todas as dúvidas”,

em relação a história da fundação dos ranchos. Tudo a ver com o carnaval

que, consequentemente, leva ao samba.

“O próprio tenente Hilário fundou, no dia 6 de janeiro de 1893, o rancho

Rei de Ouros, mas, na entrevista, reconheceu que, naquela data, já havia o

Dois de Ouros, por sinal, da mesma região em que morava, o bairro da Saúde”,

destacou Cabral.

Polêmicas a parte, 2007 marca os 90 anos do sucesso de Pelo Telefone,

o primeiro samba registrado no Brasil. Há uma designação específica para

“Pelo Telefone” na página 616 da Enciclopédia da Música Brasileira

(Publifolha/Art Editora, 3ª edição, 2003). Eis a íntegra: “A 6 de novembro de

1916, Donga (Ernesto dos Santos) entrega uma petição de registro no

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Departamento de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional do rio de janeiro para

o samba carnavalesco Pelo telefone. A partitura manuscrita para piano feita por

Pixinguinha, estava dedicada aos carnavalescos Peru (o repórter Mauro de

Almeida) e Morcego (Norberto Amaral), dois foliões destacados. Em 16 de

novembro de 1916, Donga anexou a petição atestado que afirmava ter sido o

samba carnavalesco Pelo Telefone executado em público pela primeira vez em

25 de outubro de 1916, no Cine-Teatro Velho. O registro foi finalmente

efetuado em 27 de novembro, com o nº 3.295. A partitura para piano apareceu

em 16 de dezembro do mesmo ano, impressa no Instituto de Artes Gráficas do

rio de Janeiro. Tinha quatro páginas: a primeira era a capa, a segunda e

terceira traziam a música escrita, e a parta página foi usada para anunciar

novos lançamentos da casa Edison, para o Suplemento de janeiro de 1917.

Nessa época se anunciavam as duas primeiras gravações do samba. Até essa

data não se tinha notícia dos versos do samba, que só seriam conhecidos

quando do lançamento da gravação do cantor Baiano. A gravação da banda

Odeon é anterior à efetuada por Baiano e coro. Na primeira, consta como autor

Donga; na segunda, Donga e Mauro de Almeida. O samba fez grande sucesso

no carnaval de 1917, dando origem a inúmeras paródias e comentários,

estampados na imprensa carioca, que designava o gênero da música como

tango, modinha, samba, samba carnavalesco, etc. É tido como o primeiro

samba gravado, considerando-se a introdução deliberada do autor de atribuir

esse gênero e não outro, à sua música, quando do registro da composição na

Biblioteca Nacional”.

Curiosamente a data de aniversário, ou seja, os 90 anos, do registro

de “Pelo Telefone” na Biblioteca Nacional (novembro de 1916) passou

despercebido da imprensa em geral. Durante todo o ano de 2006 não

houve sequer um comentário na grande mídia sobre o fato.

Curiosa também a Exposição “O carnaval carioca do início do século XX

até a cidade do samba - 1900 a 2007”, realizada pela Biblioteca Nacional em

janeiro de 2007. A autora da monografia percorreu a exposição diversas vezes

e constatou que nada foi mencionado sobre “Pelo Telefone”, nem sobre o

carnaval de 1917. A exposição mostra o corso pelos idos de 1907. Mostra,

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entre outras coisas que, “pela primeira vez, 50 mil lâmpadas iluminavam a

Avenida Central” com a multidão freqüentando o local durante os quatro dias

de carnaval, com base na revista Careta de 4/03/1911. Mas nenhuma citação

ao carnaval de 1917.

O fato é que em geral, ao falar do surgimento do samba, fala-se de “Pelo

Telefone” e Donga.

Ao tecer comentários sobre a importância do violão na cultura, no livro

“Sobre Cultura e Mídia”, o jornalista e escritor Roberto Moura, também faz

menção ao samba e seu autor (um de seus autores). Na página 12, Moura

lembra que a partir de 1914, Pixinguinha andou tocando com ele (violão) ao

lado de “um certo” Ernesto Joaquim Maria dos Santos que a “história registra

como autor do primeiro samba gravado, Pelo Telefone, e que o país inteiro

reverenciou com o nome de Donga”. Moura não cita Mauro de Almeida,

parceiro no samba.

Já a revista VEJA, de 22/08/2007 dedica três páginas ao tema samba. A

reportagem de Sérgio Martins apresenta alguns equívocos ou mostra que foi

elaborada sem pesquisa histórica. No boxe “A evolução do samba”, o jornalista

registra que 1917 foi o “Marco zero” e atesta: “O compositor Donga (1890-

1974) lança Pelo Telefone, canção que seria classificada como o primeiro

samba da história”. E completa: “A música era na verdade um maxixe, um dos

gêneros que ajudaram a criar o samba”.

Mas como vê-se inicialmente, o samba nasceu há mais tempo. E no

caso de “Pelo Telefone”, o registro foi feito na Biblioteca nacional em 1916, um

ano antes de o samba ser sucesso no carnaval há 90 anos. Na “A Evolução do

samba”, Sérgio Martins destaca que 1930 foi a década que formou a tradição,

com o surgimento de Noel Rosa, Ismael Silva e Geraldo pereira. Já em 1958,

surgiu a Bossa Nova. “João Gilberto lança Chega de Saudade, que inaugurou

uma nova maneira de cantar samba. Ele mudou a batida do violão e abriu-se à

influência do jazz. A princípio, a bossa nova foi bastante criticada pelos

sambistas tradicionais”, comenta o jornalista na VEJA.

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(E por falar em Bossa Nova, vale registrar o comentário do cantor e

compositor Tom Zé, registrado no livro “Sobre Cultura e Mídia” do jornalista

Roberto Moura. Nas páginas 29 e 30, consta que para Tom Zé, figura

emblemática do tropicalismo, a Bossa Nova “construiu uma melodia

característica, estruturou seqüências de acordes, instituiu combinação de

dissonâncias numa sintaxe própria, revolveu o samba em suas entranhas,

destruiu e refez a forma erigida por Noel (Rosa) e seus pares”).

Voltado à reportagem de VEJA, em 1963 nasce o “Samba-Rock”, com

Jorge Benjor mudando mais uma vez a batida do violão. “Sua levada é rápida,

como se fosse um rock. O estilo – que recebia o nome de samba-rock – ainda

faz sucesso em bailes de música black”, diz Sérgio Martins. E completa

analisando 1080, com o surgimento do pagode: “O Fundo de Quintal inova ao

usar instrumentos como banjo e repique de mão. As músicas ganham um

andamento mais festivo. É o momento de ascensão de Jorge Aragão, Arlindo

Cruz e Zeca Pagodinho”.

Pesquisa mostra, contudo, que a discussão sobre a origem do samba

envolve até mesmo o nome do compositor Jean-Philippe Rameau, que nasceu

em Dijon (1682) e faleceu em Paris (1764), autor de um dos mais importantes

tratados sobre Harmonia.

No livro “Sobre Cultura e Mídia”, Roberto Moura conta ter sido lembrado

pelo compositor erudito Celso Mojola que no “Diário da Corte”, famoso livro de

Paulo Francis, o polêmico correspondente da TV Globo já falecido, também

escreveu sobre “o problema da música popular e da música erudita, e essa

coisa do samba ter origem européia e africana, disse que o samba tem

melodia, portanto, harmonia, e isso vem tudo de Rameau”. E no mesmo artigo,

Celso prossegue, Francis sugeriu até que o assunto fosse enrede de escoa de

samba: “Tem Rameau no Samba!

Vê-se que o samba é tema para muitos trabalhos pela riqueza e

diversidade de sua História.

A reportagem “O século musical brasileiro”, de Moacyr Andrade,

publicada no JB de 23/06/2000, por exemplo, também resgata nomes de

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grandes cantores e compositores, marcas registradas do mundo do samba

como Cartola, Carlos Cachaça, Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito,

Geraldo Pereira, entre outros.

Na reportagem, com título muito apropriado, anunciava-se o lançamento

de “valiosa pequena história” que seria reproduzida generosamente em 25 CDs

e dois livros de um “monumental painel musical e cultural” denominado “A

Música brasileira deste século por seus autores e intérpretes”, um formato de

programa idealizado então por Fernando Faro para a TV, primeiro para a

extinta Tupi, na década de 60, em naquele momento para a Cultura. O

lançamento foi uma realização do Sesc em parceria com a Fundação Padre

Anchieta. Curiosamente, a matéria não cita o autor mais famoso de “Pelo

Telefone”: Donga. Mas como falar em um século de musica brasileira sem

lembrar de alguns personagens que compuseram o histórico movimento inicial

de rodas de samba no Rio de Janeiro?

Desta forma, segundo a reportagem, um dos documentos mais ricos

apresentados no trabalho em questão é o Cd de Bucy Moreira, neto da figura

histórica de Tia Ciata, a principal mãe do samba. E embora a reportagem não

mencione, “Pelo Telefone” teria surgido nas rodas de samba promovidas na

casa da mãe do samba.

Pode-se também constatar o quanto o tema samba está intrinsecamente

ligado a muitas outras informações ainda desconhecidas do público, que se

entrelaçam à história de seu surgimento e construção nesses 90 anos de “Pelo

Telefone”. A reportagem “Parceiros sumidos e falta de interesse”, de Antônio

Carlos Miguel, em O globo de 25/03/2007, é um outro exemplo disso. Segundo

o jornalista, um outro nome, praticamente ignorado, também esteve envolvido

com o samba, no início do século passado. Trata-se de José Luiz de Morais, o

Caninha, que nasceu em Jacarepaguá, em 6 de setembro de 1883. “Na Cidade

Nova, ficou amigo de outros futuros inventores do samba, como Sinhô, João da

Baiana, Donga e Pixinguinha. Lançou em 1918 seu primeiro sucesso, Gripe

Espanhola morreu em 1961 e deixando 49 músicas gravadas”.

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A pesquisa sobre os 90 anos de “Pelo Telefone” permite, assim, a

descoberta de muitos outros nomes e personagens do samba e a sua relação

com a mídia. E consequentemente sobre o samba, que teria surgido há mais

de 100 anos. No Rio de Janeiro ou no Nordeste, com os negros africanos ou

com os indos.

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CAPÍTULO I

O ESPAÇO DO SAMBA NA MÍDIA IMPRESSA

O capítulo busca fazer uma análise do espaço ocupado pelo samba na

mídia impressa, uma década antes do centenário de “Pelo Telefone”, o primeiro

a ser registrado no Brasil.

O Jornal do Brasil iniciou a sua coluna, ou melhor, “secção

carnavalesca”, no dia 1º de janeiro de 1917 com a seguinte informação no alto

da página: “Os embaixadores de momo iniciaram hontem os seus pomposos e

retumbantes preparativos para o carnaval de 1917”. A edição do JB informa

que essa é a fase em que “o povo carioca inicia uma era de risos e flores,

alegria e prazer, e que a verdadeira trégua a tristeza e o povo se entrega à

loucuras do carnaval, esquecendo por completo as agruras da vida”. Entre os

anúncios, há promoção de “enxovais para noivas a preços módicos”. No

futebol, os Uruguaios vencem o botafogo por 5x1.

A Europa estava em guerra. E a edição do JB de 2/01/1917 informa que os

franceses fizeram 78.500 prisioneiros na região de Verdun. No Palácio do

Catete “recepção do Presidente da República (Wenceslau Brás.) ao Corpo

diplomático”. Ao fazer um balanço da guerra, informava que os alemães

haviam perdido mais de 1.200.000 homens.

Já na época, o Jornal do Brasil apostava todas as suas fichas na festa

que se tornaria a mais popular do mundo ao longo dos próximos 90 anos: o

carnaval. E a história conta que não há carnaval sem samba. Em 3/01/1017, o

jornal anuncia as “batalhas de confetes”, continuava noticiando a guerra, o

estrangulamento de uma octogenária (“crime bárbaro e mysterioso na Rua

Goyas, no Encantado”), anunciando xaropes para tosse e bebidas alcoólicas:

“A companhia Cervejaria Brahma avisa aos seus amigos e freqüentadores que

a sua apreciada marca teutonia será vendida de hoje em diante somente em

garrafas com arrolhamento coroa”.

Para o Jornal do Brasil, era época de festa, carnaval e, sem dúvida, de

“Pelo Telefone”. Era o “samba da vez” como se poderia até dizer sem sombra

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de dúvida. Na edição de 6/01/1917, destaque para marchinha entoada no

Boulevard 28 de Setembro, em Vila Isabel:

“Olha os passarinhos/ como estão bonitinhos/vão beijando as flores/ ainda tão

pequeninos/ quando saem dos ninhos/já cantam amores”.

E no dia 8 de janeiro de 1917, a coluna carnaval do Jornal do Brasil apresenta

o entre título “Pelo Telefone (em negrito) com a seguinte informação:

“Descíamos a rua do Ouvidor em demanda da Avenida Rio Branco quando

encontramo-nos com o compadre Mauro de Almeida, o conhecido

carnavalesco Peru dos Pés frios, companheiro inseparável de Morcego. O

compadre Mauro é como os bondes da Light, anda sempre apressado, a

distribuir pilherias, a contar casos do Brasil e da Argentina, enfim, é hoje um

dos mais finos e mais espirituosos dos nossos carnavalescos de linha. Entende

bem de (rosadas) porque é um excelente e competente chronista carnavalesco

e escriptor theatral. O compadre Mauro vinha de braço com o Sr. Ernesto

Santos, o Donga, e nos apresentando disse: - Aqui tem o Donga, é nosso

irmão, é do cordão, é igual. Tem direito a continência com marcha batida.

_Que deseja o Sr. Donga?

Apenas uma notícia de que acaba de compor um tango-samba carnavalesco

denominado “Pelo telefone...”, com letra de Mauro. Pelo Telefone vai ser o

sucesso carnavalesco desde anno, pois já foi distribuído a bandas militares”.

Estava, assim, sentenciado o sucesso de Pelo Telefone no carnaval de 90

anos atrás, com o apoio de dois cronistas do Jornal do Brasil, bandas militares

e tudo mais, como veremos mais adiante. Era, sem dúvida, a vitória também do

que se chamaria definitivamente de samba!

No dia 9/01/1917, o JB tratava do noticiário da chuva como se fosse

hoje: “As conseqüências da chuva – o temporal de hontem inunda vários

bairros. Os rios transbordam e o tráfego fica paralysado”. As páginas do JB

continuavam informando que não havia novidades sobre o crime de

estrangulamento a octagenária, informava sobre um caso de traição de uma

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“senhora”, mas sem perder de vista o carnaval que se aproximava e,

consequentemente, o samba.

Mas nem tudo eram flores no carnaval singelo e inocente de 90 anos

atrás. O JB de 11/1/1917 apresentava o seguinte título na coluna carnaval; “Os

pseudo-clubs carnavalescos e a polícia de São Paulo e a do Rio”. E em

seguida, a notícia mais completa: “Parece que agindo de acordo com a polícia

carioca, a polícia de São Paulo no dia 1º do corrente, fez fechar todos os clubs

que, com o rótulo de carnavalescos, exploravam unicamente a jogatina”. E

avisava: “Os clubs que nunca deram festas, nem fizeram carnaval externo não

terão licença para funcionar em 1917”.

Três dias depois as notícias da coluna carnaval mantinham em evidência

as batalhas de confetes, blocos carnavalescos, concursos de fantasias, mas

também divulgava letras de marchas como esta de Lord Bengalinha: “Somos

do Bloco dos Cavadores, rimos, brincamos, como amores/Pedimos sempre as

senhoritas/ que bem alegres/Não façam fitas”.

Vale registrar a utilização da expressão não fazer “fita” já no carnaval de

1917.

A relação carnaval, samba, polícia e governo é antiga. No JB, um pouco

dessa relação aparece com destaque na edição de 17/01/1917 com o titulo “O

governo auxilia os clubs carnavalescos”. Poucos dias depois de o JB contar

como Mauro de Almeida e Morcego encontraram Donga na Rua do Ouvidor

com a Av. Rio Branco, “Pelo Telefone” é outra vez notícia na edição de

18/01/1917. Eis a transcrição da notícia:

“Nos folguedos carnavalescos de 1917 marcará indubitavelmente a nota

de um grande sucesso musical, o samba carnavalesco Pelo telefone, original

do conhecido musicista Sr. Ernesto dos Santos (Donga) pelo autor dedicado as

figuras popularíssimas de Morcego e Peru, carnavalescos da gemma, alistados

nas noites democráticas. E tão legítimo será esse sucesso que as nossas

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principais bandas militares já o estão ensaiando, como aconteceu como o do

regimento de cavalaria da Brigada Policial, que sob a regência do maestro Sr.

Sobrinho, deu-o hontem por prompto; com a do Corpo de Bombeiros, que soa

a regência do maestro sr. Albertino Pimentel, o executará na primeira de suas

retretas; com a do 3º regimento de infantaria do exército, que dirigido pelo

sargento Sr. Carlos de Almeida fez antehontem o seu primeiro ensaio geral.

(...) Pelo Telephone, tudo faz crer e será com a lettra que o Peru para ele

escreveu e que dentro de poucos dias estará à venda, o estribilho festivo dos

populares folguedos do momo no corrente ano".

Curiosamente o jornal informava que a letra de Pelo Telephone era de Peru.

É indiscutível a força do Jornal do Brasil ao samba Pelo Telefone. Na

edição de 21/01/1917 informações sobre a composição têm mais um destaque.

Lá estava na coluna carnaval com o título "Pelo Telephone samba

carnavalesco" e o seguinte texto: "Um grande successo carnavalesco deste

ano é indubitavelmente o bello samba Pelo Telephone, um feliz arranjo musical

do artista patrício Sr. Ernesto Santos, o popularíssimo Donga, samba que elle

dedicou aos foliões Norberto Amaral (Morcego) e Mauro de Almeida (Peru dos

Pés Frios). O Mauro escreveu então a lettra para o samba. Essa lettra tem sido

muito conquistada, pois toda a gente faz questão de uma cópia".

E mais: "O Sr. Carlos Bittencourt já disse que vai incluí-la na revista

escrevendo para o Sr. José em collaboração com o Sr. Luiz Peixoto. Também

o Sr. Bejnamin de Oliveira vae incluí-la na revista carnavalesca que está

escrevendo para o circo Spinelli de collaboração com o Vagalume (o cronista

citado nos livros de Nei Lopes e Sergio Cabral!). Essa lettra tão disputada, o

Jornal do Brasil offerece hoje aos seus leitores a guisa de furo".

E assim, o JB publicava neste dia a provável primeira letra do samba. Eis

aqui o "furo", ou seja, a transcrição literal da letra de Pelo Telefone publicada

no jornal naquele dia, conforme consta na Biblioteca Nacional:

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1ª Parte

O chefe da folia/Pelo Telephone/Manda me avisar

Que com alegria/Não se questione/Para se brincar!

(Espera os compassos da introdução e repete)

2ª Parte

Ai! Ai! Ai!/E deixar mágoas pra traz

O! rapaz!/Ai! Ai! Ai!/ Fica triste se és capaz/E verás.

3ª Parte

Tomara que tu apanhes/Pra não tornar fazer isso:

Tirar amores dos outros/E depois fazer teu feitiço...

4ª Parte

A! Si a rolinha/Sinhô, sinhô

Se embaraçou/Sinhô, Sinhô

E que a avezinha/Sinhô, Sinhô/Nunca sambou

Porque esse samba/Sinhô, sinhô

De arrepiar/Sinhô, sinhô

Põe perna bamba/Sinhô, Sinhô

Mas faz gozar/Sinhô, sinhô

O Peru me disse/Si, o Morcego visse

Não fazem tolice/Que eu então sabisse

Dessa esquisitice/De disse e não disse

(Espera os compassos de introdução e espera)

2ª Parte

Ai! Ai! Ai!//Ah! Está o canto ideal

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Triumphal/Ai! Ai! Ai!

Viva o nosso carnaval/ Sem rival

3ª Parte

Se quem tira amor dos outros/Por Deus fosse castigado

O mundo estava vazio/E o inferno só habitado

4ª Parte

Queres ou não/Sinhô, Sinhô

Vir pra o cordão/Sinhô, Sinhô

E ser folião/Sinhô, Sinhô

De coração.../Sinhô, Sinhô

Porque este samba, etc".

(Na versão atual a letra tem mudanças e não há a citação de Peru)

O chefe da polícia

Pelo telefone

Mandou me avisar

Que na Carioca

Tinha uma roleta

Para se jogar

Ai1 Ai! Ai!

Deixa as máguas para trás, oh, rapaz

Ai, Ai, Ai,

Fica triste se és capaz e verás!

Tomara que você apanhe

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Pra nunca mais fazer isso

Tomar o amor dos outros

E depois fazer feitiço

Olha a rolinha (sinhô, sinhô)

Se embaraçou (sinhô, sinhô)

Caiu no laço (sinhô, sinhô)

Do nosso amor (sinhô, sinhô)

Porque este samba (sinhô, sinhô)

É de arrepiar (sinhô, sinhô)

Põe pernas bambas (sinhô, sinhô)

Mas faz samba

(Esta é a letra de Pelo Telefone conforme gravação de Vó Maria, viúva de

Donga, no CD “Maxixe não é samba”, em 2003)

Já a edição do JB de 15/02/1917 traz outra notícia curiosa sobre

carnaval e o samba. Eis a informação: "Tango carnavalesco. Ai tia rolinha,

sinhô, sinhô, é o título de um esplendido tango carnavalesco da lavra do sr. J.

Moura, destinado decerto a fazer furor pelo carnaval. Esse tato é para ser

cantado com a modinha Pelo Telephone (...)".

Nota-se na informação que a letra do mencionado "tango" se parece muito

com a letra divulgada anteriormente a título de "furo". E o JB também classifica

Pelo Telefone de "modinha" e não de samba, como Donga fez questão de

registrar na Biblioteca Nacional em novembro de 1916. A notícia mostra

claramente a relação da mídia, da comunicação, com o marketing de empresas

já naquela época.

Há exatos 90 anos (17/02/1917), o JB anunciava que "a grande folia"

começaria no dia seguinte, com o título "Tangos e ventarolas" e mais uma vez

enaltecendo o samba de Donga, abençoado por empresas importantes como a

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General Elétric. Eis o texto: "O Sr. Ernesto Santos (Donga) escreveu, como já

noticiamos publicando a lettra, um samba carnavalesco Pelo Telephone, que

dedicou aos carnavalescos Peru e Morcego, enviando agora ao Jornal do

Brasil um exemplar da música. A General Electric do Brasil, no intuito de fazer

reclame das lâmpadas elétricas, ventiladores e outros artigos de seu

commercio, distribue lindas ventarolas de que enviou alguns exemplares ao

Jornal do Brasil(...)".

E mais: "A Casa Viúva Guerreiro, a conhecida editora de músicas,

remeteu ao Jornal do Brasil um exemplar do samba carnavalesco Pelo

Telephone dedicado ao Club dos Fenianos pelo seu autor o Sr. Miguel Neves,

que escreveu para os mesmos versos apropriados".

Na mesma edição do JB aparece informações sobre a opressão policial à

festa a parir de denúncias da religião católica. Sob o título "O carnaval e a

Polícia" o jornal informava que a "União Catholica oficiava o seguinte à polícia.

"São tomadas várias providências sobre o policiamento". O chefe de polícia era

o severo Aurelino Leal e o chefe da União Católica era Dr. Joaquim Moreira da

Fonseca, que reclamava a Aurelino Leal, "contra um indigno e irritante abuso

que habitualmente se tem dado nos carnavais passados, de indivíduos

desclassificados que se aproveitam desse período de uma espécie de

anonymato para offender e ultrajar a Religião Cathólica cobrindo-se com as

vestes sacerdothes e villependiando acto ou objecto do culto cathólico".

O carnaval chegou no dia 18 de fevereiro de 1917 e a quarta-feira de

cinzas levou as notícias da festa e, conseqüentemente, a coluna com o mesmo

nome que diversas vezes propagou informações sobre Pelo Telefone. Embora

trechos de marchinhas e versinhos de modinhas também tenham sido

divulgados pelo Jornal do Brasil, nada se compara a divulgação de Pelo

Telefone, talvez por ser Peru e Morcego os cronistas mais populares da época,

parceiros e amigos de Donga. É inegável, contudo, a força da música que

resistiu aos modismos se mantendo viva nas rodas de samba 90

anos depois.

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Na carona de “Pelo Telefone”, 90 anos depois (2 de dezembro de 2007,

Dia Nacional do Samba), a OI Futuro, empresa de telefonia, realizou o evento

“Bonde do Samba”, apostando obter espaço na mídia para a sua marca.

Na coluna Gente Boa, de O Globo, de 10/11/2007, teve destaque a

seguinte informação: “Um bonde cenográfico cheio de músicos percorrerá o

Catete fazendo o trajeto da primeira linha de bondes eletrificados do país. A

festa é em 2 de dezembro, Dia Nacional do Samba. A saída será no espaço Oi

futuro”. A idéia era comemorar os 70 anos do IPHAN, os 90 anos de Pelo

Telefone, o reconhecimento do Samba do Rio como Patrimônio do Brasil. No

mesmo jornal, no Dia Nacional do Samba, a coluna de Ancelmo Góis informa

no Zona Franca: “Nilcemar Nogueira, neta de Cartola, e Lígia Santos, filha de

Donga, sairão hoje no Bonde do samba do Oi Futuro”.

Não se muito mais que isso na mídia sobre esse Bonde do Samba. O

espaço maior foi dedicado ao projeto “Trem do Samba”, evento anual

organizado pelo cantor e compositor Marquinhos de Oswaldo Cruz, com

patrocínio da Petrobrás. O evento, como ocorre todos os anos, foi noticiado

pela TV Globo e quase todos os grandes jornais.

Mas são completamente diferentes as opiniões de importantes figuras

públicas sobre o espaço que o que o samba ocupa na mídia. O jornalista

Sérgio Cabral (pai), acha que a mídia só dará mais espaço ao samba “quando

ela for convencida de que vai ter lucro, de que vai vender mais por causa

disso”.

Já o escritor André Diniz, secretário de Cultura do município de Niterói,

tem outro ponto de vista. Em sua opinião esse espaço tem sido dado, até

porque “o samba foi matéria-prima da incipiente indústria do entretenimento

nos primórdios do século XX”. Ele lembrou que depois da gravação de Pelo

Telefone, em 1917, o gênero passou a ser rótulo de sucesso. “Muitas músicas

foram registradas como samba e eram outra coisa. Foi ele o alimento também

da Era do Rádio”, lembrou André Diniz. Segundo ele, todos os grandes

cantores e cantoras da Era do Rádio se destacaram através do gênero samba.

E mais: “Para seguir na mesma linha, a bossa nova - que é muito samba -

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ganhou mercado internacional; na década de 70 compositores como Martinho,

Paulinho, e cantoras como Beth e Clara, venderam discos como poucos. Dos

últimos anos pra cá, o mercado registra fenômenos como Zeca, Jorge Aragão.

Isso sem contar os pagodes paulistas e baianos, que pra mim é muito samba

também no sentido simbólico e geral para a sociedade”

Por tudo isso, André Diniz acredita que o samba tem mídia e não aceita

lamúrias sobre falta de espaço na mídia. E dá uma aula de História:

“O discurso de pobre coitado do "Agoniza mas não morre" (samba de Nelson

Sargento) é muito mais um discurso político, de manter e abrir espaço, de

defender uma possível cidadania negra-cultural, do uma realidade. Desde Tia

Ciata, o samba tinha ligação direta como o poder. A negra mesmo Ciata

colocou o marido trabalhando na policia da freguesia do Santana e teve alguns

encontros com presidentes da Republica. João da Baiana era adorado pelo

Senador mais poderoso do inicio da Republica, Pinheiro Machado. Então, o

que existe mesmo é que no aspecto cultural, a nossa sociedade bate e

assopra, permite e reprimi”.

Ele pode ter razão. Tanto que a Revista de O Globo, de 20/08/2006,

estampa em sua capa fotos a cores de Dona Ivone Lara, Paulinho da Viola,

Marisa Monte e Monarco, com o título: “Rio Antigo dá Samba”. E também na

capa avisa: eles “recuperam as músicas que deram origem ao ritmo mais

popular do Brasil”.

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CAPÍTULO II

FATOS HISTÓRICOS

Alguns fatos históricos pesquisados podem mostrar como a mídia

impressa tem se relacionado com o samba. A importância da manifestação

cultural chamada samba pode ser estudada a partir dessa ótica.

No livro História do Carnaval Carioca, de Eneida de Moraes, de 1958, a

autora escreveu que o primeiro amigo do carnaval é a imprensa. E se carnaval

também é samba, isso pode levar a pensar que a imprensa é amiga do samba.

Na página 195, Eneida escreveu: "O carnaval carioca sempre teve amigos e

inimigos, defensores e acusadores, uns sempre prontos a colaborar com ele

para sua maior grandeza, outros sempre dispostos a esmagá-lo, usando todas

as armas para diminuir a alegria de nossos folguedos. Se o povo carioca é o

grande, o eterno carnavalesco, além das grandes sociedades, dos grandes

amigos encontrou momo no início de sua festa: a imprensa e o comércio.

Foram eles o esteio, a força impulsionadora, os melhores e mais seguros

colaboradores do povo para a implantação de nosso carnaval, para a sua

evolução até às conquistas do título que hoje ostenta: O mais belo carnaval do

mundo".

A palavra samba aparece pela primeira vez na página 203 de Histórias

do Carnaval Carioca. Nesse capítulo, segundo a autora, em 1908, nos

primeiros dias de janeiro, a Gazeta de Notícias visitava a sede dos cordões.

"Foi ela a impulsionadora dos pequenos clubes carnavalescos, aqueles que,

tendo nascido com os cacumbis, iriam dar as belíssimas escolas de samba dos

nossos dias".

O mesmo livro revela o envolvimento carnaval, samba e jornalistas na

página 209. Segundo a autora, em 1925, outro jornal "colaborou eficientemente

nos folguedos do carnaval: o Rio Jornal; e A Folha promoviam uma batalha de

confete na Praça Onze; realizava-se o primeiro concurso de sambas e marchas

no Teatro S. Pedro promovido por um grupo de jornalistas", à frente dos quais

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se encontrava o repórter apelidado de Miúdo, "o sempre querido cronista do

Jornal do Brasil".

A mídia se relaciona com os fatos das mais variadas formas, ou melhor,

ofertando-lhes pequenos ou grandes espaços de acordo com o momento, com

o editor, com o mercado, por exemplo. Em relação ao samba, alguns fatos

servem para ilustrar essa performance da mídia.

No dia 18 de fevereiro de 1986, o Jornal do Brasil deu chamada de

primeira página para a morte de Nelson cavaquinho, um dos mais importantes

compositores, parceiro de Guilherme de brito em verdadeiras obras-primas

como Folhas Secas. “Samba chora a morte de Nelson cavaquinho. Os surdos

da escola de samba de Mangueira, menos de uma semana depois de

comemorar a vitória no carnaval, bateram ontem de tristeza no Cemitério de

Irajá, para sepultar Nelson Cavaquinho, 74 anos, um dos nomes mais famosos

do samba”.

No ano passado, contudo, quando a morte completou 20 anos, Nelson

Cavaquinho não foi lembrado pela grande mídia. Talvez porque não haja uma

instituição, uma fundação ou empresa para lembrar o marco do falecimento do

genial artista brasileiro.

Não é o caso do igualmente genial Cartola. A morte deste inesquecível

compositor também mereceu página inteira do Caderno B do Jornal do Brasil,

de 1º de dezembro de 1980. “Cartola: “Tudo é belo por onde eu passei”, foi o

título da reportagem mostrado a última foto, quando o mestre era transferido da

Clínica São Carlos para o Hospital da Lagoa. A vida e a obra de Cartola foram

lembradas nas páginas 2, 4 e 5 da mesma edição. Com um filme sobre a sua

vida patrocinado por um grande banco e o Centro Cultural Cartola, fundado

pela neta, Nilcemar Nogueira, o magistral poeta, autor de “As rosas não falam”,

felizmente costuma ser mais lembrado pela imprensa.

Os dois exemplos servem para mostrar que, em alguns casos, sem o

afinco familiar e o apoio do governo e/ ou da iniciativa privada em projetos,

corre-se o risco de datas importantes para a cultura passarem despercebidas

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pela mídia. Mas se o jornalista trabalha com o fato, ele precisa disso para

colocar em prática o seu ofício.

Popularmente costuma-se dizer que alguém é lembrado quando morre

ou quando fica doente. E no samba, não seria diferente. Foi o caso de Neuma

Gonçalves, a Dona Neuma da Mangueira, quando de sua morte aos 78 anos,

em 17/07/2000. Ícone da verde-rosa e do samba, Dona Neuma foi saudada na

primeira página do caderno B do Jornal do Brasil do dia seguinte com o título

“A mãe do morro”; em reportagem que também teve destaque na página 2 do

mesmo caderno do JB.

Além de sua importância no samba, Dona Neuma sempre será lembrada

por ter criado um método novo de ensinar ler e escrever os meninos e meninas

pobres do Morro da Mangueira. “Os moleques do morro não conseguiam

aprender a ler, coitados, não passavam nem para a primeira série. Mas eram

todos uns bocas-sujas. Aí, peguei um pedaço de papel e escrevi um palavrão

de quatro letras, começando por p. Ensinei os garotos a ler e a escrever o

palavrão, depois outro e outro. Sabendo escrever palavrão, eles aprenderam a

ler e a escrever tudo o mais. Foi assim que alfabetizei os danados dos

moleques”, contava Neuma, sempre entusiasmada com a eficácia do metido,

segundo registrou a jornalista Lena Frias, também falecida há cerca de três

anos.

Também quando morreu, em 6/06/2000, “depois de uma longa vida de

ginga e malandragem”, Antônio Moreira da Silva, o Kid Morengueira, mereceu

destaque nas duas primeiras páginas do Caderno B do JB do dia seguinte.

“Tinha 98 anos, tijucano, inventor do samba de breque, legítimo representante

de uma linhagem de malandros de verdade”, escreveu Renato Lemos. Na

reportagem, Renato Lemos lembra que Moreira da Silva deixou gravado em

mais de 100 discos “um manual de sobrevivência para cariocas, principalmente

para os que se julgam espertos”, como o ditado “malandro demais de

atrapalha”.

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Apesar de ter sido o criado um estilo próprio e te der gravado tantos

discos, ao morrer Kid Morengueira deixou uma dívida de R$ 50,00 mil com

hospitais onde esteve internado. “Ícone de uma geração que fez sucesso no

rádio, com uma coleção de sucessos com qualidade de fazer corar muito grupo

de pagode – o que em qualquer lugar do mundo lhe valeria uma aposentadoria

mais do que sossegada (...), Moreira da Silva morreu quase duro. Seus últimos

dias foram passados num apartamento pequeno no Catumbi, depois de passar

quase toda a vida numa casa simples na Salvador de Sá, em pleno Estádio,

caroço do Rio de Janeiro”, bem lembrou Renato Lemos.

No samba “Quando eu me chamar saudade”, uma de suas obras-

primas, Nelson Cavaquinho (em parceria com Guilherme de Brito) também

lembrou muito bem:

Sei que amanhã quando eu morrer

Os meus amigos vão dizer

Que eu tinha um bom coração

Alguns até hão de chorar

E querer me homenagear

Fazendo de ouro, um violão

Mas depois que o tempo passar

Sei que ninguém vai se lembrar

Que eu fui embora

Por isso é que eu penso assim,

Se alguém quiser fazer por mim,

Que faça, agora.

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Me dê as flores em vida

O carinho a mão amiga

Para aliviar meus ais

Depois que eu me chamar saudade

Não preciso de vaidade

Quero preces e nada mais....

A letra do samba também mostra a preocupação de Nelson Cavaquinho

e Guilherme de Brito com o fato de o sambista ser lembrado quando morre ou

quando está muito doente. Mas toda regra tem pelo menos uma exceção. O

compositor Guilherme de Brito, falecido em 26/04/2006, pobre, apesar da

riqueza de sua obra, ganhou destaque nas duas primeiras páginas do caderno

B do JB de 25/08/2000, em matéria de Renato Lemos, anunciando a gravação

de um CD com raridades do parceiro de Nelson Cavaquinho.

Com o título “Samba Guardado”, a reportagem lembra que tratava-se do

“primeiro disco desde Folhas Secas, patrocinado pela Rio Arte e lançado

apenas no Japão em 1990”. O disco de Guilherme de Brito marcaria a estréia

da gravadora paulista Lua Discos, do publicitário e músico Thomas Roth, entre

os grandes do samba carioca.

Também pobre e doente, o cantor Nadinho da Ilha ganhou a primeira

página do Segundo Caderno de O Globo de 10/01/2005. “Ao mestre com

cadência” é o título da matéria de João Pimentel, anunciando que Nadinho faria

uma série de shows em homenagem a Geraldo Pereira, um dos maiores

compositores do samba, numa casa da Lapa. “Nadinho da Ilha é uma das

figuras mais queridas do mundo do samba. Seu sorriso é uma marca registrada

que nem problemas de saúde recentes – ele teve parte de seu pé amputado

por causa da diabete que nem desconfiava ter – conseguiram esconder”,

comenta João Pimentel.

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Já Zé Kéti, outro mestre do samba, ganhou matéria de primeira página

do segundo caderno de O globo de 02/05/2007: “Ele era o samba e a voz do

morro”, informa o jornalista João Pimentel. Na matéria, ele informa que Zé Kéti,

autor de clássicos como “Opinião” e “Diz que fui por aí” é lembrado em DVD e

homenageado no Prêmio Tim de Música. “Zé Kéti, além de um grande criador

de clássicos do samba, foi o porta-voz de sua geração por sua forte

personalidade”, atestou Pimentel.

Outro ícone do samba, Walter Alfaiate, ocupou a página 4 do Caderno B

do JB de 7/06/2000, com o título “magnata supremo da elegância”, em matéria

de Mauro Trindade. Era aniversário do sambista. Alfaiate estava completando

70 anos, “cercado de elogios”, fazendo shows e anunciava o lançamento de

CD. “Ele tem muita ginga. É genial. E tornou-se uma lenda devido a sua

têmpera, a seu talento e a sua extrema simpatia, que a gente sabe, é quase

amor”, escreveu o jornalista. Compositor parceiro de Mauro Duarte, do bairro

de Botafogo, Alfaiate também foi descoberto tardiamente, como ocorreu com

Cartola, Nelson Cavaquinho, Jair do Cavaquinho e Nelson Sargento, por

exemplo, como bem lembrou Moacyr Luz outro compositor de samba.

O compositor Jair da Costa, o Jair do Cavaquinho, ícone do samba, foi

resgatado pelas cantoras Marisa Monte e Tereza Cristina, principalmente. Em

abril de 2000, aos 80 anos, um dos maiores representantes da Portela,

participou do espetáculo “Jair do Cavaquinho 80 anos”, no Teatro Rival,

quando teve meia página do caderno B, do BJ, com o título “O Samba novo de

Seu Jair”.

Já na reportagem “Parceiros sumidos e falta de interesse” de O Globo

de 25/03/07, o repórter Antônio Carlos Miguel trata das dificuldades que o

mercado também enfrenta quando quer lançar o trabalho de cantores e

compositores desconhecidos do grande púbico. “Alguém tem notícia dos

compositores Caninha, Gadé e Daniel Caetano ou de seus herdeiros?

Informações sobre eles poderão ser úteis para a gravadora Universal e

admiradores de dois gênios da MPB, Pixinguinha e Carlos Lyra”, informava o

jornalista. Segundo ele, havia quatro anos, duas caixas com discos de ambos

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que estão inéditos no Brasil aguardam a resolução de detalhes jurídicos, em

função de dificuldades de identificação de autores e/ou herdeiros dos músicos

em questão.Vê-se assim, que em alguns casos, até mesmo o mercado se

depara com obstáculos quando, finalmente, quer resgatar nomes importes do

cenário do samba, como é o caso de Caninha (José Luiz de Morais).

Segundo o jornalista e pesquisador musical Ilmar Carvalho, Caninha foi

um dos primeiros a lançar o samba de batucada, era contemporâneo de Sinhô

(José Barbosa da Silva). “Assim como Gadé, Caninha foi também pianista,

parceiro de Valfrido Silva e gravado até por Carmem Miranda”. O repórter

Antônio Carlos Miguel, autor da reportagem, admite ter ido ao Google, onde

encontrou fichas completas dos até então misteriosos autores (Caninha por

exemplo) em diferentes sites. E observou que o obstáculo do mercado poderia

ser reduzido ou amenizado, pois há ainda o recurso de a gravadora colocar na

ficha técnica, ao lado do nome dos autores não encontrados, a informação

“direitos reservados”. O fato, avaliou o jornalista, muito comum de ocorrer nos

mercados americano, europeu e japonês. Mas no Brasil é diferente.

Em 2008, a mídia e, conseqüentemente o mercado, poderão lembrar os

100 anos do samba “Gripe espanhola”, de Caninha, seu primeiro sucesso em

1918. (Mas “o mercado não tem caráter”, como lembrou o escritor Sérgio

Cabral). O fato será o aniversário de 100 anos. E se a mídia trabalha com o

fato, está no aniversário um bom mote para que se lembre um pouco de

Caninha, “um dos primeiros a lançar o samba de batucada”, como registrou

Ilmar Carvalho.

Em geral a mídia também se relaciona com o samba ( e com a música

em geral) a partir de algum acontecimento. Além da morte, doença, aniversário,

a realização de shows, por exemplo, o lançamento de um disco, quando ele

vem atrelado a um artista (produto) bem vendido pela gravadora, com ampla

campanha de marketing, o espaço na mídia é certo. Muitos artistas, como o

consagrado e genial Paulinho da Viola, dispõe de todos esses elementos. E

mais: é respeitado e bem aceito pela mídia.

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Paulinho é um caso raro, pois reúne tudo isso. Daí, ao sair em turnê com

o primeiro DVD de sua longa carreira, ganhou espaço em toda a mídia. Foi

capa da revista Canal Extra, do jornal extra, de 09/12/07, e teve o fato

respaldado em anúncios. “Viola Chique – Paulinho da Viola esbanja estilo e

simpatia num delicioso bate-papo”, estampou a revista na primeira página.

Paulinho, Zeca Pagodinho e Martinho da Vila são unanimidades quando se

trata de mídia. Cada um com um estilo, mas todos experientes,

compromissados com o samba, carreira construída tijolo a tijolo, público certo

contam com a força de gravadoras. Pesquisas em jornais recentes mostram

esse dado. E nas entrevistas realizadas para este trabalho, eles são sempre

mencionados.

Parceiro da compositora Dona Ivone Lara em clássicos do samba como

“Acreditar” e “Sonho Mu”, Delcio Carvalho nem sempre é lembrado pela mídia.

É comum lê-se em jornais e revistas que um outro samba é apenas de autoria

de Ivone Lara, com mais de 80 anos, considerada a diva do samba. Também

quando lançou seu mais recente CD, pelo Selo Rádio MEC, Delcio Carvalho

teve espaço discreto na mídia impressa. A consagrada Elza soares ganhou um

terço de página, com foto, em O Globo de26/09/07, ao lançar o CD e DVD

“Beba-me” no Canecão.

Tudo parece relativo quando se analisa o espaço dado a um artista do

samba pela mídia impressa. Por exemplo, “A contrapartida do Candongueiro” é

a manchete de alto de página de O Globo do de 16/10/2005, em matéria de

João Pimentel, anunciando que a casa de samba de Niterói estava lançando

discos de Jurandir da Mangueira, Zé Luis do império e Luiz Grande,

compositores consagrados por quem freqüenta rodas de samba da cidade.

Fato quase inédito, o trio desconhecido do grande público, que também não

freqüenta o programa do Faustão, ganhou matéria quase de página inteira,

com foto. Com o respaldo do Candongueiro.

E mais: no dia 28/05/2007, uma foto colorida da Velha Guarda do

Império Serrano – quem diria! – ocupou a parte central da coluna Gente Boa,

do jornalista Joaquim Ferreira dos Santos, de O Globo. Também estavam na

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foto Zé Luis do império e Wilson das Neves, outro imperiano consagrado,

compositor e baterista de Chico Buarque de Holanda.

Há de se analisar assim a importância de uma escoa de samba do grupo

especial para projetar nomes de artistas na mídia. No carnaval de 2007 a

cantora Beth carvalho conseguiu espaço em todos os meios de comunicação

ao tentar desfilar com acerto prévio num carro da Mangueira. O ato polêmico,

aplaudido por uns e criticado por outros, deu a Beth Carvalho mídia gratuita

durante todo o carnaval, e depois também.

Diogo Nogueira, filho de João Nogueira, também conseguiu mais

projeção na mídia ao vencer a disputa de samba-enredo de 2007 da Portela.

Vê-se assim que a repercussão e o sucesso do desfile e dos eventos que

antecedem o desfile, podem muitas vezes beneficiar a projeção de artistas que

já estavam com o pé na estrada. Afinal, o desfile das escolas também pode

ser considerado um fato histórico no mundo do samba, na agenda de festas da

cidade, do país.

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2.1. O preconceito no início do século: fatos e entrevistas.

No Dicionário Aurélio a palavra “preconceito” tem origem no Latim:

praeconceptu. Preconceito, segundo o autor, é “conceito ou opinião formados

antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos; idéia

preconcebida; julgamento ou opinião formada sem se levar em conta o fato que

os conteste; prejuízo; superstição, crendice”. E mais: “suspeita, intolerância,

ódio irracional ou aversão a outras raças, credos, religiões, etc”. E muito mais,

segundo Aurélio, “o preconceito racial é indigno do ser humano”.

Apenas a título de ilustração, pode-se observar que próprio mundo do

samba também se estabelece, segundo algumas personalidades do ramo, com

base em preconceitos. A consagrada cantora Alcione, a Marrom, por exemplo,

observa o problema e na primeira página de do Segundo Caderno de O Globo

de 18/07/2004, comenta: “O samba sempre foi um meio machista e se engana

quem acha que isso mudou. As gravadoras continuam acreditando pouco nas

cantoras e nas instrumentistas do samba. Hoje, tem mulher mandando ver em

baterias de escolas de samba, percursionistas de primeiro time. Mas só

começaram a me aceitar quando apareci tocando trompete. Era exótico”,

De volta ao mote deste capítulo que é o preconceito em relação ao

samba. Embora provoque a sensação de alegria, felicidade, contentamento,

descontração e seja capaz de gerar a reunião de pessoas, muitas vezes é

olhado com desdém.

Ao prefaciar o Almanaque do Samba de André Diniz, o jornalista Tárik

de Souza lembrou que no início do século XX, o compositor João da Baiana foi

preso em flagrante nas ruas do Rio de Janeiro, sob a acusação de portar um

pandeiro.

Portar um violão também era motivo até de prisão, como disse o

compositor Donga, em 1963, em depoimento a Hermínio Belo de Carvalho: “O

fulano da polícia pegava o outro tocando violão, este sujeito estava perdido.

Perdido! Pior que comunista, muito pior. Isso que estou lhe contando é

verdade. Não era brincadeira, não. O castigo era seríssimo. O delegado te

botava lá umas 24 horas”.

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O depoimento de Alfredo da Rocha Vianna Filho, o genial Pixinguinha

(1897-1973) ao Museu da Imagem e do Som, talvez explique o motivo de tanto

preconceito em torno do samba desde o início do século passado: "O choro

tinha mais prestígio naquele tempo. O samba era mais cantado nos terreiros,

pelas pessoas muito humildes. Se havia uma festa, o choro era tocado na sala

de visitas, e o samba, só no quintal, para os empregados".

Ao analisar a questão do preconceito, o cantor, compositor e escritor Nei

Lopes não tem dúvidas de que “um artista do samba, até mesmo quando

consegue prestígio junto às classes mais altas, colocado na balança com os

outros, sempre vai pesar menos”. E mais: “O samba é rechaçado,

principalmente pela intelligentzia colonizada, que só se ocupa dele quando,

sem ousar dizer seu nome, leva alguma assinatura identificada, de uma forma

ou de outra, com a elite dominante”. Essa é a opinião de Nei Lopes, segundo

consta na página 52 de seu livro Sambeabá.

O samba a que se refere é aquele que nos anos 70, “depois de ter

gerado a bossa nova, que o renegou, e de ter pautado a vertente menos

internacionalizada desse estilo, foi discriminado pela chamada música

universitária – a qual, assim rotulada com objetivos claramente discriminatórios,

acabou por fazer nascer a sigla MPB”.

Nei Lopes foi ainda mais explícito, ao afirmar que estava se referindo ao

- samba que corre no “subterrâneo, mas caudaloso nos catálogos dos

independentes e fora da grande mídia; que só tem como palco os botequins, os

fundos de quintal e os redutos alternativos”.

Na avaliação de Nei Lopes, no final dos anos 70, as quadras das

escolas de samba passaram a ser “erroneamente vistas pela generalização

como verdadeiros clubes noturnos de diversão franca e costumes liberais.”

Tanto que a edição de janeiro de 1980 da revista masculina Playboy (nº 54)

publicava reportagem sob o título “Sexo no Brasil”, um verdadeiro primor de

preconceito, racismo e mau gosto. Eis o texto: “Já nas escolas de samba o

sexo é muito mais livre, descompromissado e sem disfarces do que a prática

da classe média e alta. Mas como a sambista tem sua imagem vendida pelos

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meios de comunicação como a de excelente e exótica parceira sexual, ela tira

proveito disso, praticando um sexo semi-amador, isto é, vai para a cama por

gosto, mas acaba tirando algum dinheiro do freguês, Cr$ 1.000, é mais uma

vez o preço-base”.

O jornalista e compositor Marceu Vieira, que integra a coluna de Ancelmo

Góis, de O Globo, não credita esse preconceito ou a dificuldade de o samba

penetrar na mídia ao fato de tratar-se de manifestação popular, com raízes

africanas (ou indígena). “Não creio que seja por aí”, disse. Mesmo assim, faz

uma ressalva em relação ao fato de o sambista ser pessoa de classe social

menos favorecida: “A barreira cultural, pela origem humilde, talvez seja maior

que a do preconceito em relação ao gênero musical propriamente dito”,

observou Marceu.

Ao falar sobre o assunto, Marceu lembrou um caso clássico recente que

ganhou destaque em toda a imprensa: Foi naquele réveillon que Paulinho da

Viola recebeu menor cachê que o pago a artistas como Gal Costa, Caetano

Veloso e Chico Buarque. “A chamada indústria cultural perpetua isso ao manter

o samba numa segunda categoria de valor de mercado. Isso é ruim. Mas,

pessoalmente, acho que o sambista deve parar de sentir pena de si mesmo e

mostrar seu valor, que é imenso”. Além disso, segundo ele, a falta de apetite

para descobrir coisas novas na música brasileira é um ponto negativo da

grande mídia. “Há casos de falta de novidade até mesmo quando a grande

mídia acha que descobriu alguma coisa”, ironizou.

O polêmico caso do réveillon também foi lembrado em artigo do

jornalista Leonardo Drummond, publicado na página de Opinião de O globo de

12/01/20007: “Sambista não tem valor nessa terra de doutor”, parafraseou o

jornalista, fazendo coro com Martinho da Vila e Nei Lopes. Em artigos, os dois

compositores questionaram se a música popular brasileira, a sigla MPB, faz jus

ao “popular” do nome. “(...) acredito que a crítica desses grandes sambistas

tem raízes profundas e antigas, e provo ao lembrar os fatos desagradáveis

ocorridos no reveillon de 1995, quando ficou clara a distância entre MPB e o

popular e brasileiro samba”, escreveu o Leonardo Drummond. Ao lembrar que

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a festa de final de ano era para ser um homenagem ao maestro Tom Jobim,

um dos mais importantes músicos criadores da Bossa Nova, o jornalista

acrescentou:

“Analisando o passado à luz do presente, entende-se que assim como

Tom Jobim é a bossa-nova, Paulinho da Viola é o samba, e o samba é que foi

desvalorizado, e, portando, ofendido justamente no festejo de um gênero

musical que bebeu avidamente da sua fonte. Não poderia haver ingratidão

maior”, afirmou Drummond em seu artigo.

A jornalista Zilmar Basílio também acha que o samba sofre muito

preconceito, principalmente por parte dos pseudos intelectuais, dos que

preferem o povo sem cultura. “A música de má qualidade é descartável , a de

boa se perpetua, esclarece a sociedade. Portanto, não há interesse das

gravadoras em preservar a música de boa qualidade”. Dentre as dificuldades

enfrentadas pelos sambistas ela enumera: “Começam no discurso, na

comunicação. Depois vem as Sociedades de Autores que privilegiam os

ricos. Ainda há uma parcela da imprensa que é venal, não por culpa do

profissional do jornalismo, mas dos donos das empresas. Outro obstáculo é

pagamento do direito autoral. A maioria dos sambistas morre quase na miséria,

ou mesmo tendo que receber ajuda dos companheiros, ou ainda, Shows

beneficentes para custear o tratamento médico ou pagar o enterro”.

Alguns fatos narrados por sambistas e jornalistas são capazes de

comprovar o preconceito em relação ao samba ou o sentimento de

superioridade da chamada sociedade do asfalto sobre os nascidos nas

comunidades menos favorecidas, como é o caso do morro.

O jornalista Sérgio Cabral lembra que o sucesso do desfile de escolas

de samba de 1932 foi tão grande que o jornal O Globo acabou assumindo a

promoção do carnaval seguinte, até então bancada pelo jornal Mundo Sportivo,

que chegara ao fim naquela época. Para fazer a cobertura do carnaval de 1932

O Globo designou os mesmos jornalistas que haviam trabalhado no ano

anterior: Jofre Rodrigues, irmão de Mário Filho, Armando Reis e Carlos

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Pimentel, que em dezembro partiram para o Morro da Mangueira em

companhia do radialista, cantor e compositor, Almirante.

Sérgio Cabral registra em seu livro “As Escolas de Samba do Rio de

Janeiro” que a matéria escrita pelo trio de jornalistas “começa em tom poético,

mas assinalando um grave pecado cometido pela sociedade e pelo

desenvolvimento urbano do rio de janeiro durante tanto tempo que, nos anos

90 inspirou o livro Cidade Partida, de Zuenir Ventura: o isolamento a que têm

sido condenados os moradores das favelas. A reportagem, provavelmente

escrita pro Jofre Rodrigues, segundo Sérgio Cabral, tinha o seguinte texto:

“Mangueira, Buraco Quente... A cidade sabe que o Morro de Mangueira existe

porque já o viu de longe. Verde ingênuo igual aos outros morros verdes. Mas a

cidade nunca subiu o morro (...). Ela percebe que aquilo faz parte do seu

território e se espanta de não conhecer a si própria. (...) Mangueira... Buraco

Quente, cheiro forte de cachaça. Cabrochas lânguidas. Malandros de pele

preta e sorriso branco. Casas de zinco. Samba”.

E ao chegar ao topo do Morro da Mangueira, em 1932, Almirante teria

ficado atordoado, conforme foi registrado por Sérgio Cabral: “Todos cantavam

com a sua voz maia forte e eram perto de uns 80, entre mulheres, homens e

crianças. A bateria trabalhava também com a maior intensidade possível. Na

sombra, os corpos de contorciam como se tivessem labaredas no interior (...)

Uma mulher entrou para o centro e dançou a dança mais sensacional que se

possa calcular. Entrou para o centro também um homem alto e forte. Os dois,

um perto do outro, com o hábito quase se tocando, dançavam. Mangueira não

fica na África, mas na cidade do Rio de Janeiro”.

Em entrevista concedida à autora em 2206, Sérgio Cabral disse que que

o fato de o sambista ser de origem pobre, negro, contribui para dificultar seu

acesso à mídia: “Tanto que se dizia que o samba era a música do malandro.

No bom ou no mal sentido, mas era a música do malandro”

E mais: “Veja a música da década de 30. Está lá o malandro. Está dito

com todas as letras. Quando eu comecei a escrever sobre escola de samba as

pessoas me perguntavam se não tinha perigo. Eu comecei a escrever sobre

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samba no Jornal do Brasil, classe A, metido a besta em 1959/1960... e eu

botava a cara dos crioulos... eu tive um chefe que até me advertiu: Sergio, fala

mais dos bailes do Copa. Nosso leitor quer saber o que está acontecendo nos

bailes mais elegantes, nos clubes. Você fica com esse negócio de samba....”.

Apesar dos contras, Sérgio Cabral contou que resistiu, pois sabia muito

bem medir a aceitação do gênero popular. Segundo ele, as cartas e os

telefonemas do público constituíram o melhor termômetro para medir essa

aceitação do samba já naquela época. “E na repercussão que havia dentro da

própria comunidade jornalística, porque havia festas e eu fazia questão de

levar os sambistas, ou quando eu era chamado para falar em universidades

sobre o samba e levava Zé Ketti, Cartola, Nelson Cavaquinho e Ismael Silva,

que era muito vaidoso. Daí, levei Elton Medeiros o mais novo; dividia 40 pratas

para cada e Ismael me chamou a atenção e disse: você não pode fazer isso..”.

As históricas de Sérgio Cabral sobre o samba enriquecem sempre qualquer

trabalho.

O jornalista e escritor Jorge Roberto Martins, filho do compositor Roberto

Martins (um dos autores do clássico Beija-me), lembra que o compositor Sinhô,

o Rei do Samba, figura histórica do início do século passado, sofreu

preconceito duplo e marginalização. “Primeiro porque tocava samba e segundo

porque era negro. Sinhô era aquele que dizia que a música é igual passarinho,

está no ar e é possível pegá-la”.

Segundo Jorge Roberto Martins, há um caso histórico em relação a

Sinhô. “Contam que ele estava numa casa quando a madame ficou indignada

ao ver aquele negro freqüentar a aristocracia e tocando piano. Ele tinha que

tocar tamborim e ela pegou uma partitura de música clássica e lhe entregou.

Sinhô olhou e disse: eu não toco música de pessoas com as quais eu não me

dou. Ele só tirava de ouvido. Não se sabe até onde isso é verdade ou lenda.

Mas é um retrato da marginalização da cultura popular”, contou o jornalista.

Em relação à discriminação, na avaliação de Jorge Roberto, talvez o

sambista tenha alguma responsabilidade, por ser um pouco descuidado. “Se o

samba não era uma coisa oficial e sempre foi tratado extra-oficialmente, então,

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não havia compromisso e o sambista até um determinado tempo foi tido como

um irresponsável”. E completou com a curiosa observação: “Veja que até na

ficha técnica de um disco, primeiramente vem o trombone e por último os

instrumentos rítmicos. Ora bola! O Brasil é acima de tudo rítmico!”.

Se por um lado ele acha que o mercado é “muito cruel com o sambista”,

por outro, ele admite que o sambista tem a sua parcela de responsabilidade

nisso. “Ninguém toca piano num boteco da esquina comendo churrasco. Mas lá

está o sambista. Chama o cara, dá 10 reais e ele pega o violão. Há o sambista

que se sujeita a isso, porque ele precisa e o patrão sabe disso. O samba é a

face de nosso país. Ele sabe de seu valor, mas excede na humildade que,

excessiva vira subserviência. Eu quero que o samba possa se integrar. Vamos

lembrar aquela frase do Beethoven: a música é a mais alta revelação da

pessoa humana, mais alta até do que a filosofia”.

De “Pelo Telefone” até hoje, o certo o certo é que o samba tem

conquistado mercado e figuras celebradas pela mídia, independente do gênero

musical que cantem. É o caso de Maria Rita, filha de Elis Regina, que acaba de

lançar um disco com sambas, inclusive do cantor e compositor Arlindinho Cruz,

parceiro de Zeca Pagodinho. O que teria feito Maria Rita fazer essa opção em

novo disco? E o que teria feito outra cantora, a Paula Lima, fazer o mesmo,

gravando até com a sambista Leci Brandão? Respaldadas por grandes

gravadoras, elas apostaram no que hoje está sendo muito aceito pelo mercado;

o samba. São alguns exemplos capazes de provar que nos últimos 90 anos o

gênero vem driblando preconceitos e conquistando um número cada vez maior

de intérpretes, nem sempre 100% sambistas.

Ao lançar o Cd “Sinceramente”, Paula Lima, conhecida cantora de jazz,

hip-hop, sul e funk, é um exemplo disso. À revista Conexões Urbanas, do grupo

AfroReggae de setembro de 2007, ela disse que encontrou no samba a sua

música, mas avisa que não é sambista: “O samba urbano, meu estilo, é

misturado com jazz e rock, tem pitadas de soul e swing. Mais moderno

impossível”, garante.

Sinal de que o samba também tende a mudar nos próximos anos?

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Sim, para o secretário de Cultura do município de Niterói, o historiador e

escritor André Diniz. Ele não condena o Hip-hop, o mangue beat, o funk, em

outras épocas os tropicalistas, etc, etc. Pelo contrário. Para André Diniz, essa

troca de linguagem é extremamente importante para a riqueza da linguagem

musical, assim como o é para a humanidade.

“O samba se formou misturando, interagindo, como produto da polca

européia, dos batuques africanos e de ritmos latino-americanos. Ele faz hoje o

que sempre fez: se reciclou, modernizou, olhou para o passado, olhou só para

frente, enfim, ele ficou como referencia máxima, diferente do tango argentino

que a grande massa da população portenha é coisa do passado. Aqui não: o

samba está em D2, em Otto do Mangue Beat, no tchan!, e as novas gerações

se alimentam da tradição”, comentou André Diniz.

Ele acha que se poderia perguntar também assim: desde quando o

samba não se misturou? E ele mesmo responde: “A mistura do samba, e da

nossa musicalidade, sempre nos fez ter uma musica popular moderna, onde os

espaços dela são importantes para entender movimentos estéticos, a política,

vida social, a historia do país. Poucos países têm isso em sua musica. Nos

sempre fomos e somos modernos. A academia e a rua andam de mãos dadas

em nossa música popular”.

O jornalista Fernando Paulino, que mantém o site

www.sambaderoda.com.br, também acha que o tempo de perseguição ao

samba e ao sambista já passou.

“O samba está na moda hoje. A garotada da zona sul mais cabeça o

adora. Nelson Sargento, o compositor mangueirense que durante décadas

ganhou a vida como pintor de paredes hoje é personagem rotineiro das colunas

sociais. Os grandes sambistas mais antigos estão agora gravando CDs, dando

entrevistas e depoimentos. Não há dúvida que o samba não sofre

mais preconceito. No tempo do politicamente correto, da igualdade racial, é

bem gostar de samba e idolatrar estes sambistas. Se isso vai durar para

sempre é difícil saber. Mas certamente os tempos idos do preconceito, da

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polícia reprimindo o samba, perseguindo os sambistas é parte do passado”,

comentou Fernando Paulino. E pode mesmo ser.

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2.2. Renovação e novos talentos

A uma década do registro de Pelo Telefone quais são os novos nomes do

samba? Houve renovação? Como a mídia impressa mostra novos talentos? A

análise está neste capítulo.

Tinha eu 14 anos de idade quando meu pai me chamou.

Perguntou-me se eu queria estudar filosofia, medicina ou engenharia,

Tinha eu que ser doutor.

Mas a minha aspiração era ter um violão para me tornar sambista

Ele então me respondeu: sambista não tem valor,

Nessa terra de doutor e, seu doutor, o meu pai tinha razão.

(Paulinho da Viola)

Casuarina, Batuque na Cozinha, Galocantô e Cozinha Brasileira são

alguns grupos formados por jovens que optaram tentar levar a vida abraçando

a profissão de sambista. E são esses alguns dos grupos de samba de raiz que

têm espaço na mídia. Mas no que se refere à ocupação desse espaço, nada se

compara ao Casuarina, formado por Gabriel Azevedo (voz e pandeiro), Daniel

Montes (violão de 7 cordas), João Fernando (bandolim e vocais), João

Cavalcanti (voz e tan-tan) e Rafael Freire (cavaquinho e vocais). Um deles,

filho do cantor, compositor, arranjador e produtor musical Oswaldo Lenine

Macedo Pimentel, o Lenine.

O Casuarina lançou recentemente um Cd pela gravadora Biscoito Fino,

cantou na entrega do Prêmio Imprensa Embratel em dezembro de 2007 e tem

participado de importantes eventos na cidade, como de shows no Morro da

Urca, Circo Voador e Fundição Progresso.

Em 10/12/07 O Globo dedicou meia página com foto a cores sobre o

grupo com o título “Certidão, documento vivo do samba de hoje”, e subtítulo “o

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grupo Casuarina, que abre temporada na Fundição, captura um retrato do atual

momento da geração lapa”. A reportagem de Leonardo Lichote já começa com

os maiores elogios ao grupo: “Talvez seja exagero afirmar que a síntese exata

da Lapa contemporânea pode ser encontrada na roda de samba que o

casuarina abrirás amanhã na Fundição Progresso (....)”. É. Pode ser.

Tem também as cantoras Juliana Diniz, filha de Mauro Diniz, neta de

Monarco, e afilhada de Zeca Pagodinho; Ana Costa e Mariana Baltar

despontam agora com ênfase na mídia. Juliana participou de novelas da TV

Globo, lançou CD pela gravadora Universal, a mesma de Zeca Pagodinho; Ana

Costa cantou a música tema dos Jogos Pan-Americanos, além de lançar sue

primeiro CD; e Mariana Baltar, filha de jornalistas, ex-sócia do Centro Cultural

Carioca (CCC), cantou em um programa da TV Globo, em homenagem a

Milton Nascimento, além de lançar também seu primeiro CD.

“Ao contrário das lutas de poder, da influência do sangue e dos fatores

genéticos, a histórica da nossa música popular se assenta exclusivamente no

parentesco do talento”, registrou o jornalista Roberto Moura, na página 9 de

seu livro “Sobre Cultura de Mídia”.

Prova disso, talvez, seja o cantor e compositor Diogo Nogueira, filho do

saudoso João Nogueira, fundador do Clube do Samba, um marco na década

de 70. “Jovem Guarda pede passagem” é o título da capa da revista Megazine,

de O Globo, de 06/02/2007. E logo abaixo a revista informa: “Compositores

novatos emplacam sambas-enredo nas tradicionais Portela e Salgueiro no

carnaval de 2007”. Na foto de capa, Diogo Nogueira e Ciraninho no barracão

da Portela. Eles ocuparam as duas páginas centrais da revista, com fotos, e

matéria com a chamada “Calouros entre os bambas”.

O editorial da revista garante: “O carnaval de pouca gente será tão

emocionante quanto o dos amigos Diogo Nogueira e Ciraninho, personagens

da nossa reportagem de capa. Um samba deles será cantado por milhares de

pessoas quando a Portela desfilar”. A reportagem destaca: “Também

integrantes do grupo de compositores do samba deste ano do Simpatia é

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Quase Amor, Diogo Nogueira, de 25 anos, e Ciraninho, de 26, estão entre os

encarregados dessa renovação”.

Voltada para o público jovem, o suplemento de O Globo destacou na

página 4 da mesma edição: “A Megazine dá samba”, pedindo aos leitores para

acessar o site www.oglobo.com.br a fim de ver o que poderia dar samba para

a Megazine. Apostando no tema samba, a revista constituiu um conselho

editorial para fazer a seleção junto a seu público jovem.

Mas nada se compara ao Grupo Semente, que tem à frente a cantora

Tereza Cristina e aos jovens Moyses Marques.

Uma breve pesquisa no noticiário impresso mais recente mostra

claramente que no âmbito feminino o espaço conquistado por Tereza Cristina

na mídia supera as demais cantoras. Ela é citada em quase todas as matérias

mais recentes publicadas pelo O Globo, quando o assunto é samba e,

principalmente se o tema for samba na Lapa carioca.

“Dona Tereza, estrela e escrava da Lapa” é o título de reportagem de

João Pimentel no alto da página 2 do Segundo Caderno de 24/09/2007. A

matéria de João Pimentel informa que Tereza Cristina acabara de fechar

contrato com uma grande gravadora, a EMI, que na verdade estava comprando

a Deckdisc, antiga gravadora da cantora. A EMI, portanto, estava lançando o

novo disco de Tereza, projeto inicial da Deckdisc.

“Já se passaram dez anos desde que Tereza Cristina aportou na Lapa

com um grupo de músicos, no bar Semente, para fazer um show em

homenagem ao mestre portelense Candeia. A menina tímida da Vila da Penha,

que cantava olhando para o chão, transformou-se na grande estrela da turma

surgida no bairro (....) e agora é a primeira de sua geração a fechar contrato

com uma grande gravadora, a EMI”, diz João Pimentel.

Doze dias antes (12/09/07), o mesmo jornalista, no mesmo jornal,

publica na primeira página do Segundo Caderno a matéria “Mandamentos de

Moyses”, sobre Moyses Marques, 28 anos, como Tereza, da Vila da Penha, e

como Tereza, lançando seu primeiro disco pela Deckdisc. A matéria mostra

uma foto do cantor ocupando quase toda a margem esquerda da página e

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destaca que a Deckdisc “lançou Tereza Cristina, e é uma das atrações

principais do carioca da Gema, a mais badalada casa de samba da Lapa”.

Na reportagem, João Pimentel atesta: “Cantor de timbre diferenciado, de

voz rasgada e divisão perfeita, Moyses Marques se diferencia dos seus pares

por se parecer mais com a velha Lapa de malandros como Madame Satã e

sambistas como Geraldo Pereira do que com o bairro boêmio um tanto quanto

comportado demais dos dias de hoje”. O jornalista finaliza a matéria sobre

Moyses Marques com o aval do cantor e compositor Luiz Carlos da Vila:

“Assistir ao Moyses cantar é uma experiência única. A forma como ele conduz

o palco é coisa de gente grande”, comenta da Vila.

Foi encenando um beijo na boca da atriz Sonia Braga que outro cantor,

novo no mercado, apareceu na coluna “Gente Boa”, de Joaquim Ferreira dos

Santos, no Globo de 26/01/2007. A atriz foi prestigiar Sacramento no show do

cantor no Teatro Rival. Partindo do princípio básico que jornalista trabalha com

o fato, foi garantia de mídia para os dois.

“Sônia era a única celebridade na platéia do cantor. Marcos gravou

recentemente a música Antes, escrita pela atriz em parceria com o americano

Mark Lambert”, informava a coluna. E mais: “Agora também sou letrista”,

contava Sônia (....).

Como Mariana Baltar, Sacramento também participou de outro programa

global, desta vez sobre Noel Rosa. E como não é novidade, a Globo é um dos

maiores motores capazes de alavancar a carreira de artistas.

Outros jovens artistas ligados ao samba também têm espaço na mídia. É

o caso, por exemplo, de Pedro Paulo Malta, ex-diretor da área musical da

Funarte (Fundação Nacional de Arte) do Ministério da Cultura, na gestão de

Ana de Holanda, cantora e irmã de Chico Buarque de Holanda. Pedro Miranda,

cantor, compositor, do Grupo Semente que acompanha Tereza Cristina; e

Alfredo Del-Penho, que tem uma música gravada pela cantora em seu último

CD, “Delicada”.

A dupla Pedro Paulo e Alfredo lançou igualmente pela Deckdisc o show

“Cachaça dá samba” com uma seleção de músicas falando do produto e teve

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destaque em vários veículos impressos. O Globo de 06/02/2007, por exemplo,

destacou na página 2 do Segundo Caderno: “Música brasileira para ouvir numa

talagada só”. A dupla estava acompanhada de nomes consagrados no mundo

do samba como Henrique Cazes, cavaquinista, arranjador e produtor cultural

do Rio Scenarium, uma das casas mais conhecidas da Lapa; e igualmente

violonista, arranjador e produtor Luiz Filipe de Lima.

O alto da mesma página trata de “Grife da percussão brasileira” matéria

informando sobre lançamento de CD “Sem compromisso” de Marçalzinho, filho

de mestre Marçal, que durante mais de 20 anos comandou a bateria da

Portela; em parceria com o consagrado Moacyr Luz, fundador do famoso

“Samba do Trabalhador” que nas tardes de segunda-feira lota o Clube

Renascença e já teve todas as coberturas possíveis da mídia impressa e

eletrônica, inclusive da TV Globo.

Responsável pela produção cultural do Carioca da Gema, celeiro do

sambam na Lapa, o também jornalista Paulo Figueiredo acredita na renovação

do samba. “Essa renovação sempre haverá; precisamos é de mecanismos que

estimule o aparecimento dos artistas de hoje, a qualidade permanece é só

procurar”, comentou, sem mencionar nomes.

O jornalista e escritor Alexandre Medeiros, que já foi jurado de escolas

de samba no carnaval, também acredita nessa renovação. “Há g gente séria

que faz pesquisa, como a Cristina Buarque, Marquinhos de Oswaldo Cruz; e

gente que mantém as rodas em torno do astral dos bambas, como o Moacyr

Luz, o Zé Luís do Império. Há bons novos cantores e cantoras como Pedro

Paulo Malta, Ana Costa; e grupos como o Galocantô, Batuque na Cozinha e

Casuarina”. Essa galera tem o maior respeito pelos ancestrais e vai longe”,

apostou, mas deve-se lembrar que os primeiros citados não são novatos.

(Alexandre Medeiros é autor do livro “Batuque na Cozinha”, sobre a vida

e a obra “gastronômica” de quatro "tias" da Portela: Doca, Surica, Eunice e

Neném. As três primeiras cantam na Velha Guarda da Portela, enquanto a

última é viúva de Manacéa, um dos maiores compositores e líderes da escola).

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A questão da renovação está intrinsecamente ligada a discussão sobre o

futuro do samba. E para Alexandre Medeiros esse futuro: “Eu acho que esse

futuro está desenhado com a entrada do samba na classe média e até na

granfinagem, sabia? Antes, como diz a Tia Doca, era coisa de subúrbio, de

gente humilde. Até acho que é onde ele é ainda mais bonito e natural. Mas hoje

o samba está em clubes e casas de show da Zona Sul, em rodas por toda a

cidade, freqüentadas pela turma da PUC. As escolas, as mais autênticas ou

espertas, de olho nesse filão, estão povoando suas quadras de feijoadas,

macarronadas etc., reavivando os sambas de quadra. Essa troca, esse

intercâmbio, é legal. Tem garotada estudando música pra tocar cavaquinho,

fazer samba de bloco, de escola, querendo conhecer as obras de um Zé Keti,

um Cartola, um Aniceto. Isso é muito bom”, na avaliação de Alexandre

Medeiros.

Outro jornalista, Fernando Paulino, que mantém o site “sambaderoda”,

também analisa a renovação e o futuro do samba. Ele lembra que a Portela já

cantou de “Paulo a Paulinho” para homenagear a grande linhagem de

sambistas inaugurada com Paulo da Portela e retomada pelo então jovem

Paulinho da Viola, hoje já sessentão. Lembra também que da geração do

início da carreira de Paulinho - de onde despontaram Elton Medeiros, Nelson

Sargento, Jair do Cavaco, Dona Ivone Lara entre outros - já surgiu outra, de

grandes sambistas de quadra. “A relação do samba de quadra com o samba de

enredo e suas implicações na modernidade do desfile mereceriam uma análise

em separado”, o que daria um mote para outra monografia.

De volta ao tema renovação, Paulino destaca que das gerações mais

recentes do samba surgiram nomes procedentes até da classe média carioca,

como Moacyr Luz e Aldir Blanc. E finaliza citando outros nomes como Tantinho

da Mangueira, Wanderley Monteiro, Teresa Cristina, Arlindo Cruz e Sombrinha,

Ratinho, por exemplo. Para Paulino, a renovação permanece e lembra um

verso de Cartola: “No fim desse labor/surge outro compositor/com o mesmo

sangue nas veias".

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Para Fernando Paulino, o futuro do samba está samba está no seu

passado. “Mesmo modificado, enfrentando as metamorfoses naturais do

tempo, passando pelo partido alto, pelo samba de quadra, o samba-canção,

todos os tipos de samba mostram a força deste ritmo e, mais, desta cultura do

povo brasileiro. O futuro do samba está garantido. E é de sucesso. Mesmo que

um dia a moda que hoje assola o Rio de Janeiro e faz o samba ser ouvido por

todo lado -com maior ou menos qualidade - deixe de existir e um novo ritmo

qualquer faça a cabeça da juventude, apenas este tempo em que o samba

deixou seu gueto e entrou em evidência já é suficiente para trazer tantos novos

adeptos que garantem sua sobrevida. Aí, vale citar Nelson Sargento e seus

verso mais famoso Agoniza, mas não morre/Alguém sempre lhe socorre, antes

do suspiro derradeiro, versos inspirados no início da carreira de Martinho da

Vila a quem coube naquele momento socorrer o samba. Hoje ele está forte,

com mídia, prestigiado. E leva uma grande vantagem em relação aos ritmos de

momento criados para o sucesso fácil e descartável. O samba de história,

tradição, é parte integrante da Cultura Brasileira e, assim, terá vida e

renovação eternas”.

O jornalista J. Paulo da Silva, ex-chefe de reportagem da sucursal do Rio do

Jornal O Estado de S. Paulo, também acredita na renovação no samba, mas

não cita nomes. ”Há renovações de compositores de sambas. O que acho legal

é que os chamados bambas são respeitados pelos novos, são fontes de

inspiração”, disse ele. Já o futuro do samba, preocupa o jornalista, no que se

refere às escolas de samba, de onde, diante de seu olhar, surgem os legítimos

sambistas: “Temo o que já vem acontecendo nas escolas: a descaracterização.

Tem gente que desfila e sequer sabe sambar. Isso é ruim. O oba oba prejudica

as escolas. É preciso colocar mais gente da comunidade. Mais: é triste ver no

sambódromo o pessoal da comunidade do lado de fora,vendo o desfile

apertado etc. A participação desse povo é fundamental para melhor o

desenvolvimento do samba. Afinal, eles são os verdadeiros sambistas”.

Freqüentador de escolas de samba, principalmente da Portela (onde sua

mulher Adriana Bombom é madrinha de bateria), e do bloco Cacique de

Ramos, o cantor e compositor Dudu Nobre bebeu na fonte de Zeca Pagodinho,

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tentou carreira solo, e pode-se dizer que é mais um entre outros jovens no

mundo do samba, em relação a espaço na mídia. Em pleno carnaval, a Revista

Diversão do Jornal Extra de 24/02/2006, publicou uma foto pequena de Dudu,

na primeira página, com o título “Dudu Nobre canta amanhã no Terreirão”.

Logo acima, a mesma revista informa apenas e sem foto, que o cantor e

compositor Monarco (da Velha Guarda da Portela, símbolo do samba), “se

apresenta no Rio Folia”, e a foto e matéria central da revista fica por conta do

Bloco Cordão do Boitatá, também formado por jovens. “A Hora é essa! Os

blocos, os bailes, as festas e os shows que vão animar o carnaval”, é a

reportagem de capa.

É notório que no período pré-carnavalesco as assessorias de imprensa

da Riotur, das escolas de samba e dos blocos mandam pilhas de informações

para as redações de jornais, emissoras de televisão, rádios e demais veículos

de comunicação, entre eles, os On Line. Mas também é notório que os editores

e reportes fazem as reuniões de pauta para decidir o que vai ou não entrar nas

edições do carnaval, nas quais o assunto samba é obrigatório.

Mas em 2007, com o respaldo da comemoração dos 90 anos do

sucesso de “Pelo telefone”, mesmo depois do carnaval, o tema samba foi mote

de diversas reportagens na mídia impressa e eletrônica. E em algumas vezes a

pauta foi exatamente a questão da renovação do samba, capítulo 2.2 de

trabalho de monografia.

O nº 33 da Revista Veja de 22/08/2007 é um bom exemplo disso. A

partir da página 122, a revista dedicou três páginas para o assunto música. E

apresentou o seguinte título para a matéria: “O Samba voltou. Dada de novo no

samba”, e o subtítulo: “O gênero cativa os jovens e as gravadoras, volta a ser

dominante na música brasileira. Mas os artistas pecam pelo tradicionalismo”,

afirma o jornalista Sérgio Martins na reportagem.

Com foto colorida ocupando quase página inteira, da jovem cantora

Mariana Ayder se apresentando ao lado da veterana e Leci Brandão, o

jornalista afirma: “Os novos buscam o apadrinhamento dos veteranos”. E

começa logo lembrando: “Perto de completar 100 anos, o samba ressurge

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como um gênero dominante na música brasileira. O movimento começou há

cerca de uma década, quando o bairro da lapa, reduto tradicional da boemia

carioca, passou a atrair, com seus bares de música ao vivo, um público jovem

de classe média”. A mesma reportagem enfatiza que “o perigo bastante real

que ronda os jovens artistas do samba é eles se tornarem meros repetidores

de canções de cinqüenta anos atrás”.

Ao questionar esse perigo, o repórter de Veja, observa logo em seguida

que “alguns se dão cota dessa ameaça e destaca comentário do cantor e

compositor Edu Krieger, de 33 anos, filho do maestro Edino Krieger, ex-

presidente do Museu da Imagem e do Som (MIS). “Muita gente está pecando

pela reverência exagerada e pela preocupação com o que o pessoal da Velha-

Guarda vai achar do seu trabalho”, diz Edu Krieger. Na mesma matéria, o

cantor r compositor Marcos Sacramento, diz também que teme essa repetição.

“NO samba, temos de ser hereges”, diz Sacramento, que segundo Veja está se

esforçando para dar roupagem nova diferente a músicas de Baden Powell,

cartola e Chico Buarque.

A questão da renovação e do apadrinhamento no samba não pode

deixar de passar pela cantora Beth Carvalho. Segundo a reportagem, “o lado

anedótico desse apadrinhamento”, fica por conta dela. “Uma das sambistas de

maior sucesso comercial da história, Beth Carvalho se especializou em abraçar

novos talentos. Se afã é tão grande que alguns se sentem incomodados com

as investidas da madrinha. Há quem evite esbarrar com Beth – para não ser

transformado compulsoriamente em pupilo”.

A reportagem finaliza com o atestado de Veja, sob a assinatura de

Sérgio Martins, sobre o momento atual do samba, no que se refere a sua

renovação: “Por uma via lateral, Marcelo D2 se aventura na mistura de samba

e hip hop, mas ainda não produziu algo sólido. O samba voltou. Mas não há

nada de novo no samba”.

A matéria poderia apresentar também a seguinte pergunta: Por que

novos cantores de samba usam esse recurso de apadrinhamento, têm a

necessidade de buscar o aval de nomes consagrados e ícones? Sem entrar no

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mérito da importância da profissão de manicure, a própria Tereza Cristina, em

suas primeiras aparições na mídia imprensa, chegou a ponto de aparecer

fazendo as unhas da cantora e pesquisadora Cristina Buarque de Holanda,

conforme reportagem de João Pimentel de O Globo.

Apesar da polêmica, para a jovem cantora Simone Lial, que também se

apresenta frequentemente na Lapa, o futuro do samba pode ser muito bom,

mas com ressalvas: “Espero que esse futuro seja o melhor que puder ser. E

que possamos manter viva a chama de sua tradição, sem fechar para

oportunidades que venham somar e não destruir”, completou a cantora que

também é jornalista.

Às vésperas de completar 85 anos, o mestre Xangô da mangueira, um

dos criadores do samba de partido alto, também fala a respeito do samba, da

renovação e da questão do apadrinhamento. Para ele, realmente, consegue

mais espaço na mídia “aqueles que são apadrinhados, meninas bonitinhas,

salvo algumas exceções”.

Com a experiência de quase 70 anos de samba, ao falar sobre

renovação e futuro, Xangô não deixa de lembrar passado, quando ele e outros

sambistas eram taxados de malandros e tinham de fugir na polícia. “Furavam

até os nossos instrumentos de aço porque achavam que eram armas que

podiam matar, ferir alguém como (pandeiro, cuíca, surdo, tamborim)”, mas

hoje, atualmente, o samba é totalmente diferente: “O samba virou

cultura e muita fonte de dinheiro para aqueles que se aproveitam de

pessoas talentosas”.

E por que esse apadrinhamento de novos noves tem sido tão

necessário? Talvez porque a mídia trabalhe com fatos e sem dúvida, um

apadrinhamento de peso já seja suficiente para alguns jornalistas começarem a

escrever o lead. A própria matéria de Veja mostra que o jornalista não procurou

novos talentos, optando pela foto da nova cantora Mariana com a veterana Leci

Brandão. Procurar novos nomes talvez seja produzir uma matéria mostrando

quem tem talento e está fora da mídia. Mas isso requer trabalho, garimpo na

noite, nos bares, nas quadras das escolas... Ou não?

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CAPÍTULO III

O SAMBA, A MODERNIDADE E A MÍDIA.

De acordo com a Wikipédia, a enciclopédia livre:

“O Funk é um estilo bem característico da música negra norte-

americana, desenvolvido por artistas como James Brown e por seus músicos,

especialmente Maceo Parker e Melvin Parker.

O funk pode ser melhor reconhecido por seu ritmo sincopado, pelos

vocais de alguns de seus cantores e grupos (como Cameo, ou os Bar-Kays). E

ainda pela forte e rítmica seção de metais, pela percussão marcante e ritmo

dançante, e a forte influência do jazz (como exemplos, as músicas de Herbie

Hancock, George Duke, Eddie Harris e outros).

Já o Hip Hop é um movimento cultural iniciado no final da década de

1960 nos Estados Unidos como forma de reação aos conflitos sociais e à

violência sofrida pelas classes menos favorecidas da sociedade urbana. É uma

espécie de cultura das ruas, um movimento de reinvidicação de espaço e voz

das periferias, traduzido nas letras questionadoras e agressivas, no ritmo forte

e intenso e nas imagens grafitadas pelos muros das cidades.

O hip hop como movimento cultural é composto por quatro

manifestações artísticas principais: o canto do rap (sigla para rythm-and-

poetry), a instrumentação dos DJs, a dança do break dance e a pintura do

grafite. O termo música hip hop refere-se aos elementos rap e DJ, sendo hip

hop também usado como sinônimo de rap.

No Brasil, o movimento hip-hop foi adotado, sobretudo, pelos jovens

negros e pobres de cidades grandes, como Rio de Janeiro, Brasília, Porto

Alegre e São Paulo, como forma de discussão e protesto contra o preconceito

racial, a miséria e a exclusão. Como movimento cultural, o hip-hop tem servido

como ferramenta de integração social e mesmo de ressocialização de jovens

das periferias no sentido de romper com essa realidade”.

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O fato é que há muito que se fala em mudanças e transformações do

samba. E há quem resista à tentativa de juntar o samba a outras manifestações

populares importadas como o Rock, Fank e o Hip-Hop, por exemplo. É o caso

do jornalista Sérgio Cabral que nem de longe aceita essa junção. Avesso a

esse tipo de modernidade, Sérgio Cabral chegou a rejeitar um convite do

cantor Marcelo D2, o mais popular do Hip-Hop nacional:

“Marcelo D2, por sua iniciativa, me procurou para eu fazer o release do

disco dele. Eu não agüentei e só ouvi a terceira faixa. Eu não vou embarcar

nessa... Eu tenho um nome. Há também o pagode paulista. Eles fazem mímica

do samba. Tocam cavaquinho como se fosse samba; gesticulam como se

fosse samba; só que não é samba, como diz Elton Medeiros”.

Já o jornalista Jorge Roberto Martins, filho do compositor Roberto

Martins, autor e vários clássicos como Beija-me (em parceria com Mário Rossi),

parece mais flexível. Ele acha que a tentativa de Marcelo D2 misturar seu Hip-

Hop ao samba é “inevitável” e vai mais longe:

“O samba não poderia ficar numa redoma não suscetível a mudanças.

Essas mudanças acontecem e isso é bom. Quero dizer que acho possível essa

convivência harmônica, como ocorre com a arquitetura milenar e a moderna. O

Marcelo D2 pode misturar samba com rock. Só não aceito que deformem o

pensamento das pessoas. Sou a favor de todos os ritmos e músicas. O que eu

acho chato é a exclusão do samba na mídia. Isso é que é lamentável”.

Quem aprova com louvor a união do samba com o Hip-Hop é o

jornalista, escritor, compositor e produtor Nelson Motta. Na edição de julho de

2005 da Revista MONET, da NET (nº 28) ele diz que o disco À Procura da

Batida Perfeita de D2 é “histórico”. Para Nelson Motta, o disco teve

“entusiástica recepção internacional por sua perfeita integração entre o samba

e o Hip-Hop”, que na opinião dele “nasceram um para o outro”.

Até mesmo Maria das Dores Santos, a Vó Maria, viúva de Donga,

mostra-se favorável à modernidade. Do alto de seus 96 anos, como registrou a

revista Isto é (nº 1969), de 25/07/2007, ela comentou: “Meu filho, a gente tem

de se atualizar”, ao prestigiar um baile Fank, no Rio.

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As opiniões também são diversas quanto se analisa as possibilidades

de benefícios para o samba a partir do uso da Internet, a última maior

modernidade da comunicação. A jornalista Zilmar Borges Basílio, pesquisadora

da MPB, analisa sem otimismo a possibilidade de o samba se beneficiar com

outra modernidade, ou seja, a Internet: “O samba chega até uma classe

privilegiada, que tem computador. Mas o número de pessoas que consegue

chegar a este meio de comunicação ainda é pequeno se colocado em

comparação aos outros meios.

O jornalista e compositor Marceu Vieira tem outra opinião. Ele acha que

a mídia, a partir da criação da Internet, consegue popularizar mais o samba.

Marceu lembra, inclusive, a criação de sites destinados à divulgação do samba

como é o caso da bem sucedida Agenda do Samba e Choro. Duas vezes por

semana a Agenda Samba e Choro divulga os principais eventos do samba do

Rio de Janeiro e outros estados. Sem dúvida, é um importante veículo de

comunicação On Line para o samba, que inspirou o nascimento de outros sites

do gênero. Foi um ponto positivo para o samba.

A jornalista e cantora Simone Lial não desaprova a juntão do samba com

outras manifestações culturais como o Hip-Hop: “Aprovo tudo o que é feito com

bom gosto. O mercado existe e experimentar novas linguagens pode ser muito

interessante. Um samba misturado com Hip-Hop pode fazer com que pessoas

que não tinham interresse em conhecer nossa cultura passem a ter este

interesse. Depende de como realizar”, comentou. Na aviação de Simione Lial

não existe mais preconceito em relação ao samba. Pelo contrário! Ela acha que

hoje em dia o samba é bem aceito e prevê o seu futuro: “Espero que possamos

manter viva a chama de sua tradição sem fechar as portas para oportunidades

que venham somar e não destruir”.

Para o secretário de Cultura de Niterói, também escritor e pesquisador

da música, o samba pode se misturar ao Hip Hop, porque ele tem a sua própria

identidade e também vem se mesclando ao longo dos anos. “O samba é nosso

gênero identidario. Foi como ele, já mestiço, já de branco, negros, migrantes,

que discutimos nossa identidade, nossas preferências, nossas singularidades”.

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Autor do livro Almanaque do Samba, André Diniz também observa que

na História do Brasil o samba “se consolidou em um momento em que o Estado

getulista cria uma referencia de nação”. E utilizando vários argumentos para

justificar seu ponto de vista, ele completa:

“Assim sendo, o samba pelo seu poder simbólico é um grande

camaleão. Ele se adaptou a todas as realidades, mesmo quando os

movimentos queriam rotulá-lo de arcaico, de passado. E referência absoluta. O

Hip-hop, o mangue beat, o funk, em outras os tropicalistas, etc, etc. Essa troca

de linguagem é extremamente importante para a riqueza da linguagem musical,

assim como o é para a humanidade. O samba se formou misturando,

interagindo, como produto da polca européia, dos "batuques" africanos e de

ritmos latino-americanos. Ele faz hoje o que sempre fez: se reciclou,

modernizou, olhou para o passado, olhou só para frente, enfim, ele ficou como

referencia máxima, diferente do tango argentino que a grande massa da

população portenha é coisa do passado. Aqui não: o samba está em D2, em

Otto do Mangue Beat, no tchan!, e as novas gerações se alimentam da

tradição. Acho que essa pergunta poderia ser feita também assim: desde

quando o samba não se misturou? A mistura do samba, e da nossa

musicalidade, sempre nos fez ter uma musica popular moderna, onde os

espaços dela são importantes para entender movimentos estéticos, a política,

vida social, a historia do país. Poucos países têm isso em sua musica. Nos

sempre fomos e somos modernos. A academia e a rua andam de mãos dadas

em nossa musica popular”.

O produtor cultural Paulo César Figueiredo também aprova a junção de

samba com outros ritmos importadores da cultura norte-americana. Ele não

aposta que isso seja modernidade, mas acha que “é inegável a força popular

do Hip Hop, que faz parte da globalização”. Para ele, esse processo não faz

mal ao samba, porque “nada faz mal ao samba”. Ele acha inclusive que “se

cada um ficar na sua característica sem invadir ou forçar a barra apara ser o

que não é, podem até improvisar juntos, cada um com a sua linguagem”.

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Diretor de Harmonia da Mangueira há 60 anos, o cantor e compositor

Xangô da Mangueira, 84 anos, e o jornalista Alexandre Medeiros não

concordam. Para Xangô, essa mistura “não faz bem ao samba”. Ele não acha

que isso seja modernidade e sem entrar detalhes apenas conclui afirmando

que não aprova essa mistura de ritmo porque “uma coisa nada tem a ver com a

outra”.

Já Alexandre Medeiros não aprova a mistura, nem considera o fato

modernidade. Mais enfático ele opinou: “Eu sou um purista desses que nunca

foi e não irá a um desfile do Monobloco (pode me cobrar isso até a morte) só

porque lá a rapaziada mistura samba com hip-hop, funk etc. Cada um na sua,

tem quem goste, mas essa não é a minha. Se eu quiser ouvir hip-hop eu vou a

um show do Marcelo D2, numa boa. Mas se eu quiser saber de samba, vou

numa boa roda onde o gênero, graças a Deus, ainda é preservado. Algumas

experiências de fusão podem até ficar divertidas, mas vai ser só isso. Quem

quiser fazer, que faça. Mas não conte com meus ouvidos”.

A diversidade de opiniões é muito interessante, como mostra esse

trabalho. A cantora Eliane faria, filha de Paulinho da Viola, considerado um dos

mais importantes criadores do samba puro, de raiz, não desaprova essa

mistura de ritmos. “Desde que o samba existe há modificações e influências.

Sempre tem alguém querendo inventar. O hip hop brasileiro tem influência

norte americana, mas fala de uma realidade da sua própria comunidade, como

o samba fala também. Não vejo mal algum nisso e acho até interessante. Com

isso, muitas pessoas jovens passaram a se aproximar e conhecer melhor

alguns sambas, sambistas e compositores. Quando fazemos shows em

comunidades mais carentes os jovens cantando sambas antigos. Acabamos

notando a fusão de outros estilos aproximam pessoas pra música, como o

samba que em outros momentos teriam preconceito. Só não vejo essa união

como um novo estilo de samba”, diz a cantora.

Reconhecida e aplaudida cantora de samba, Alcione, a “Marrom”, uma

das figuras mais representativas da Mangueira, deixa bem claro que aposta em

todos os gêneros, em reportagem de João Pimentel, publicada na primeira

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página do segundo caderno de O Globo, de 18/07/2004, sob o título “A dama

da parada de sucessos”. Sempre no topo das paradas de sucesso, desde

1975, quando lançou o clássico “Não deixe o samba morrer”, Alcione acredita,

inclusive, que sua permanência no cenário da música deve-se ao fato de ela

nunca ter dado bola a conselhos de amigos de ocasião. “Não compro grilo de

ninguém. Não sou linear, sou brasileira. E o Brasil tem samba de roda,

maracatu, forró, samba de quadra, reisado. Como posso cantar uma coisa

só?”, questiona a intérprete.

O mesmo jornal e caderno, do dia 06/06/2007 publica matéria de

Leonardo Lichote, de página inteira, sobre o “recesso por tempo indeterminado”

do grupo Los Hermanos, composto por quatro jovens, entre eles, o compositor

Marcelo Camelo, granado por Maria Rita, por exemplo. A matéria anuncia

shows de “despedida” temporária do grupo. Na segunda página, matéria de

João Pimentel trata do lançamento do disco “Martinho da Vila, do Brasil e do

Mundo”, segundo Pimentel, “uma grande viagem com o sambista de sempre e

alguns amigos que ele conheceu pela estrada”.

A diversidade de opiniões engrandece qualquer pesquisa. E de fato,

pode-se constatar o fato mais uma vez. Na reportagem, Martinho da Vila,

símbolo de samba, também demonstra estar aberto a outros gêneros, pelo

menos em relação à participação em seu trabalho de estrada, de divulgação de

seu novo CD. “Pensei em convidar alguns amigos, como o Gabriel Pensador e

o D2 (Marcelo D2), com quem já tenho ligações artísticas. Um dia, em casa,

meu filho de 12 anos estava com o meu afilhado quando Negra Li (diva do hip-

hop) apareceu na televisão. Perguntei quem era, comprei um disco e gostei.

Quando liguei, ela demorou para acreditar. No disco ela simboliza São Paulo”.

Na matéria, o jornalista lembra que o “curioso” é que o Brasil ganha um

reggae, “Nossos contrastes”, composto por lendas do samba, Martinho e

Nelson Sargento (86 anos, ícone do samba). E o jornalista indaga a Martinho

da Vila o que eles fazem na praia que é de Bob Marley. Martinho da Vila

explica, contudo, deixa claro que a sua intenção não era exatamente compor

outro gênero de música: “O Cidade Negra há muito tempo flertava comigo, mas

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eu é que acabei trazendo-os para perto. Chamei o Sargento para fazermos

alguma coisa ligada à tradição. Ele mandou uma melodia dolente, e fiz uma

letra falando das coisas do Brasil. Quando Toni Garrido (do Cidade Negra)

ouviu, disse, isso dá reggae”, contou o artista, referência nacional em toda e

qualquer pesquisa ou entrevista sobre a História do samba.

Pode-se perceber neste trabalho que alguns artistas e jornalistas não

aceitam a mistura de samba com outros ritmos, mas outros, aceitam

perfeitamente. Mesmo os que não fazem essa mistura, côo é o caso de

Martinho, quando do lançamento de um CD, matem-se mais flexíveis às

novidades ou aos modismos do mercado.

“Vá procurar sua turma na lapa” é a manchete da reportagem do

Diversão do Extra, de 18/11/2005. A reportagem informa sobre festival com

apresentações de rock, funk e samba, com artistas como Dudu Nobre, Arlindo

Cruz e Alceu Valença. Na foto maior, ocupando quase uma página inteira está

Dudu Nobre, próximo aos arcos da Lapa. A misturar de vários estilos acontece

também nos palcos oficiais da Riotur, na Lapa, durante o carnaval onde a

Prefeitura do Rio - através da Riotur - realiza uma parte do programa Rio Folia,

misturando shows de samba, rock, funk e outros ritmos, sem transmissão pelas

televisões.. Quem não vai à Lapa, nesses dias, deixa de assistir de graça,

shows de grandes sambistas como Xangô da Mangueira, Monarco, Noca da

Portela, entre outros. Também não assiste apresentações de rock e fank...Daí,

nada contra o samba. É que a imprensa, nesses dias, não vai à Lapa. No

carnaval, o samba fica restrito ao sambódromo, “porque dá mídia, imagem”,

observou Sérgio Cabral.

Mas a cultura negra, mestiça, brasileira, da Zona Norte e Zona Sul, dos

morros, do asfalto, que credita ao samba o faixa de gênero genuinamente do

povo, manter-se-á viva. Independe de mídia. Ao resistir durante 90 anos,

misturando-se ou não a outros ritmos, em alta ou em baixa, criticado,

perseguido, idolatrado, o samba resiste.

“A cada dia mais pessoas conhecem e reconhecem o samba. Hoje,

mesmo quem não gosta respeita. E como diz Paulinho da Viola: Há muito

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tempo eu escuto esse papo furado dizendo que o samba acabou, só se foi

quando o dia clareou”, concluiu a filha do sambista.

Na opinião de Sérgio Cabral, uma das maiores autoridades na pesquisa

sobre o tema, o samba é tão importante culturalmente que mesmo quando

aparece na mídia é tão pouco que vira “esmola”. Por essas e outras ele

considera Zeca Pagodinho o “herói da resistência”. Cabral não faz por menos e

ataca: “Os EUA querem fazer do Brasil um grande Porto Rico. Nas Rádios FM,

a música é americana e às vezes até o locutor fala Inglês!”. Por isso, ele acha

que a saída é resistir. “Mesmo que sejamos chamados de chatos”.

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CONCLUSÃO

Com base nas questões abordadas pode-se promover um balanço final

na relação mídia e samba nos 90 anos de lançamento de Pelo Telefone.

Em fevereiro de 2007, dias antes do carnaval, o Samba ganhou duas

edições do programa dominical Fantástico da TV Globo, líder de audiência no

dia e horário. Na mesma época, a Globo contou como o samba “nasceu” sob

forte perseguição policial na casa da Tia Ciata (Hilária Batista de Almeida), na

Praça XI, Centro da cidade. A atriz Denise Fraga pintada de negra apareceu na

pele da Tia Ciata, um dos maiores ícones de toda a história do samba no Rio

de Janeiro, no início do século.

Tia Ciata e, consequentemente, o samba, nunca tiveram tão em

evidência na mídia, ocupando espaços antes nunca imaginados. Para se ter

idéia disso, o título “O mistério de Tia Ciata” foi a capa do Caderno Ela de O

Globo de sábado (10/02/2007). A reportagem de Marcelo de Mello anuncia que

ali está sendo contada “a história da mãe-de-santo que ajudou a criar o samba

carioca e a popularizar as roupas de baiana estilizadas, antes mesmo de

Carmem Miranda”.

A matéria de duas páginas fez “homenagem à mãe do samba”

enfatizando que enredos das Escolas de Samba Salgueiro e da Beija-Flor

consagrariam a baiana que abriu sua casa no Rio para a música e o sabor”.

Informava também que a “a mãe do samba”, nasceu em Salvador em 23 de

abril de 1854 e morreu em 11 de abril de 1924.

O fato é que depois das reportagens sobre a Tia Ciata no Fantástico, a

TV Globo produziu grandes matérias em seus principais noticiários sobre os 90

anos de “Pelo Telefone”. Afinal, há quem diga - como o cantor e compositor

Martinho da Vila - que o primeiro samba registrado nasceu em rodas de samba

realizadas na casa da Tia Ciata. E sobre o aniversário de “Pelo Telefone”

foram ao ar matérias no RJ 1, RJ 2, Jornal Nacional e Jornal da Globo. “Pelo

Telefone”, conseguiu, finalmente, destaque em todos os horários nobres

globais. Bom para o samba, bom para quem gosta de conhecer um pouco de

sua história.

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E não parou por aí. O pesquisador Ricardo Cravo Albin também

escreveu artigo publicado em O DIA, de 19/03/07, com o título ”Tombamento

do samba”. No artigo, informa que em documentos o tombamento seria

solicitado ao Governador Sérgio Cabral, ao ministro Gilberto Gil e até mesmo à

Unesco. “Quem for contra, que discorde. Du-vi-de-o-dó que alguém ouse ser

contrário a uma das mais radiosas manifestações do melhor espírito carioca”,

garantia.

Em 2007 “Pelo Telefone” ficou tão em evidência que ganhou até nota de

destaque na coluna do jornalista Ancelmo Góis, no dia 27 de março. “A

Biblioteca Nacional encontrou o manuscrito original de Pelo Telefone, de

Donga, o primeiro samba gravado no Brasil”. A nota lança mais doses de

curiosidades sobre a autoria da obra: “Quem escreveu a letra foi Pixinguinha,

em 1916”, informa, ao passo que até hoje é reconhecida a parceria de Donga

com Mauro de Almeida.

Curiosamente, a própria Biblioteca Nacional esqueceu de citar Pelo

Telefone em sua exposição sobre o carnaval do início do século, aberta

ao público em janeiro de 2007.

Polêmicas à parte, nunca o samba gozou de tanto prestígio junto à

imprensa como neste ano, quando se comemora os seus 90 anos. Pelo menos,

no que diz respeito a seu registro oficial na Biblioteca Nacional. Noventa e um

anos é o mais certo, já que o feito ocorreu em 1916. O fato é que o aniversário

do registro passou praticamente esquecido pela mídia. Somente neste ano de

2007, por conta do sucesso do samba no carnaval de 90 anos atrás, é que ele

foi felizmente lembrado e saudado.

É possível que esse aniversário tenha impulsionado outros

acontecimentos benéficos para o samba. No dia 10 de outubro de 2007 toda a

imprensa escrita e eletrônica, inclusive o Diário Oficial do estado, registrou fato

histórico para o samba. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

(Iphan) havia aprovado na véspera, em votação de seu conselho consultivo, o

samba carioca como patrimônio cultural imaterial do Brasil, registrando as três

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principais formas de expressão do maior gênero musical do país: o partido alto,

o samba de terreiro e o samba-enredo.

O feito ocorreu a partir de solicitação de Nilcemar Nogueira, presidente

do Centro Cultural Cartola. Neta de Cartola, Nilcemar disse que a medida trará

“salvaguardas” para o samba. A cerimônia ocorreu no salão do prédio do

Ministério da Educação, no Centro do Rio de Janeiro. Na festa, marcada por

batucada de sambistas mirins da Mangueira, Nelson Sargento lembrou da

época em que o samba era marginalizado. “João da baiana teve o pandeiro

várias vezes apreendido pela polícia até conseguir que o senador Pinheiro

Machado assinasse o nome no couro do instrumento, para que a polícia o

deixasse em paz”.

Esse tempo de opressão já passou e o samba agora, vira e mexe, com

ou sem “interesses de mercado”, como diria Sergio Cabral, tem destaque nas

mais variadas colunas sociais. No dia em que o Isphan considerou o samba

patrimônio nacional, a cantora e compositora Dona Ivone Lara, uma das mais

antigas representantes do samba em plena atividade, teve destaque na coluna

do Ancelmo Góis, de O Globo. No dia 11, Moyses Marques, uma das

revelações do samba na Lapa, teve destaque na coluna Gente Boa, de

Joaquim Ferreira dos Santos, do mesmo jornal. Moyses está lançando seu

primeiro CD pela mesma gravadora que lançou Tereza Cristina, que já

conquistou a mídia.

O fato é que em 90 anos de registro, ou 91, mais precisamente, “Pelo

Telefone” conseguiu ocupar importantes espaços da imprensa. O Globo, de

10/11/2007, na coluna Gente Boa, noticia a junção de interesses da Oi Futuro

com o IPHAN. A partir do samba de Donga, a Oi Futuro e o Instituto do

Patrimônio Histórico patrocinariam um “Bonde do Samba” cenográfico cheio de

músicos percorrendo o Catete, no dia 2 de dezembro (Dia Nacional do Samba).

E assim, “Pelo Telefone” permanece vivo na mídia, 90 anos depois do carnaval

de 1917.

No domingo, dia 2 de dezembro de 2007, Dia Nacional do Samba, a

coluna de Ancelmo Góis, de O Globo, noticiava: “Nilcemar Nogueira, neta de

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Cartola, e Lígia Santos, filha de Donga, sairão hoje no Bonde do Samba, do Oi

Futuro”.

E foi assim, em dezembro de 2007, que Pelo Telefone encerrou as

comemorações pelos 90 anos de sua primeira gravação.

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ALVES, Bernardo. A Pré-História do Samba – Petrolina – PE

CABRAL, Sérgio. Almirante – Uma História do Rádio e da MPB

Lumiar – 2005

CABRAL, Sérgio. As Escolas de Samba do Rio e Janeiro – Lumiar – 1996

DINIZ, André. Almanaque do Samba –

Jorge Zaar Edior – 2006

LOPES, Nei – Sambeabá – O Samba que não se aprende na escola –

Casa da palavra/Folha Seca – 2003

MOURA, Roberto M. Sobre Cultura e Mídia – 70 anos de Música –

Irmãos Vitale – 2002.

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BIBLIOGRAFIA CITADA

MORAES, Eneida de. Histórias do Carnaval carioca – 1958

INTERNET

O globo e Jornal do Brasil

Dicionário Aurélio

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ANEXO – ENTREVISTAS

SÉRGIO CABRAL – (Pai) Jornalista, escritor, autor de vários livros.

1 - Você aprova a junção de Hip Hop com o samba?

Marcelo D2 por sua iniciativa me procurou para eu fazer o release do disco

dele. Eu não agüentei e só ouvi a terceira faixa. Eu não vou embarcar nessa...

Eu tenho um nome. Há também o pagode paulista. Eles fazem a mímica do

samba. Tocam cavaquinho como se fosse samba; gesticulam como se fosse

samba; só que não é samba, como diz Helton Medeiros.

2 - O samba tem ocupado lugar de destaque na mídia?

Um grande momento que eu considero da histórica música popular brasileira é

a passagem dos anos 20 para os anos 30, porque foi nessa época nessa fase

que as grandes gravadoras passaram a gravar pelo sistema elétrico mecânico,

que os cantores tinham que ter uma voz muito forte para aparecer no disco. O

sistema elétrico trouxe o microfone que é uma coisa fantástica. A indústria do

disco ficou equipadíssima com a fabricação de aparelhos e começou aí nessa

época o toca disco elétrico. Foi uma época em que o rádio finalmente se

transformou em veículo de comunicação de música, porque até então as

emissoras de rádio eram muito precárias e tinham um som muito ruim e no

máximo transmitiam óperas e umas coisas intermináveis.

As rádios eram pobres e não podiam fazer publicidade. Elas viviam de

colaboração dos sócios. Tanto que a primeira rádio se chamava Rádio

Sociedade e a segunda, Rádio Clube.

E quando houve esse casamento, permitiu o surgimento de uma geração de

compositores fantásticos, de Noel Rosa, João de Barro, Lamartine, Almirante,

Ismael Silva, Escolas de Samba, etc. A primeira escola de samba, a Deixa falar

(que nunca foi escola de samba) é de 1928. Era um bloco carnavalesco.

E a partir daí a música brasileira fez uma bela parceria com o rádio e com os

jornais. O desfile das escolas que foi inventado pelo Jornal Mundo esportivo e

pelo diretor desse jornal que era o Mario Filho que inventou uma competição

entre as escolas em 1932.

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Os jornais davam páginas sobre as escolas de samba. A coisa começou a

mudar na década de 40. Aí o samba começou a sofrer influências, o samba-

bolero, o samba-blue, o samba foi se modificando atendendo a um tipo de

rádio. A linha do rádio era para dar preferência a uma determinada música, a

um tipo de samba, a uma coisa classe A. Se há uma explicação comercial é

que o samba nunca vendeu disco, a não ser na época de Carmem Miranda,

nunca houve um sambista grande vendedor de disco. O primeiro foi o Martinho

da Vila, já no final dos anos 60.

Porque era raro. Eu me lembro bem na minha infância quando eu ouvia rádio,

em primeiro lugar na parada de sucesso estava “Pois é” de Ataulfo Alves. Isso

me deu uma alegria muito grande, porque era uma coisa muito rara. Na época,

o que vendia disco eram as versões de músicas estrangeiras.

3 - Credita isso a quê?

A medida que foi aumentando a comercialização do rádio, da mídia, entra uma

coisa chamada mercado e o mercado não tem nenhum caráter, nenhum

compromisso com nada, com qualidade, com o País, com a Pátria, com nada.

O mercado não tem nenhum caráter e é capaz de qualquer coisa. Isso atinge

todo tipo de veículo, seja em rádio, em TV ou jornal impresso, a mídia

impressa, o que eles têm preferência é o que eles que controlam esse tipo de

comunicação acham que é uma coisa que vai vender mais.

Uma coisa que ajuda a vender o produto que eles estão fazendo, seja rádio, tv

ou jornal... Então eu considero que, quando o samba entra, consegue furar

esses bloqueios. E no caso de venda foi a partir de Martinho da Vila, que abriu

caminho para outros. O mercado também achava que mulher não vende disco

desde Carmem Miranda, mas Clara Nunes acabou com isso e outras que se

seguiram como Beth Carvalho, Alcione.

Então eu considero que quando o samba consegue furar esse bloqueio eu

acho que é uma vitória, porque o samba se habituou a ser uma música de

resistência. Tudo contribuiu para que o samba acabe. Tudo. A divulgação...

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Estamos conversando em 2006 e se ouve raramente em rádio... nas

comunidades faveladas onde o samba nasce hoje é território de FANK ou HIP

HOP ou de Igrejas Evangélicas que são contra o samba.

Eu acho até que essas igrejas são instrumentos do CCEE (SAEI), A serviço da

Música Estrangeira.

Então e considero que uma das manifestações de capacidade de resistência

cultural do povo brasileiro é o samba.

4 - Há chances de a mídia melhorar, dar mais espaço ao samba?

Só quando ela for convencida de que vai ter lucro, de que vai vender mais por

causa disso. Essa é uma luta antiga. Só que eu já estou há muito tempo nisso

e já sei que daqui a 40 anos vai ter uma Tânia Malheiros entrevistando um

Sérgio Cabral da época e o Sérgio Cabral da época vai falar a mesma coisa...

5 - O fato de o sambista ser de origem pobre, negro, contribui para

dificultar esse acesso?

Sem dúvida. Tanto que se dizia que o samba era a música do malandro. No

bom ou no mal sentido, mas era a música do malandro. Ver a música da

década de 30. Está lá o malandro. Está dito com todas as letras. Quando eu

comecei a escrever sobre escola de samba as pessoas me perguntavam se

não tinha perigo. Eu comecei a escrever sobre samba no Jornal do Brasil,

classe A, metido a besta em 1959/1960... e eu botava a cara dos crioulos... eu

tive um chefe que até me advertiu: Sergio, fala mais dos bailes do Copa. Nosso

leitor quer saber o que está acontecendo nos bailes mais elegantes, nos

clubes. Você fica com esse negócio de samba....

6 - Qual o retorno que você tinha para medir a popularidade do samba?

As cartas, os telefonemas e na repercussão... e na própria comunidade

jornalística porque havia festas e eu fazia questão de levar os sambistas, ou

quando eu era chamado para falar em universidades sobre o samba e levava

Zé Ketti, Cartola, Nelson Cavaquinho e Ismael Silva. Ismael Silva era muito

vaidoso e eu levei Helton Medeiros o mais novo, e eu dividia 40 pratas para

cada e Ismael me chamou a atenção e disse: você não pode fazer isso..

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7 - Quando Nelson Cavaquinho morreu os jornais noticiaram pouco o

fato....Hoje como é, melhorou?

Hoje quando o samba aparece ainda é esmola. Zeca Pagodinho é herói da

resistência porque furou a resistência. Os EUA querem fazer do Brasil um

grande Porto Rico. Nas Rádios FM, a música é americana e às vezes até o

locutor fala Inglês!

Isso tudo se espalha no inconsciente coletivo o desejo de ser americano. Isso é

um processo de muitos anos que se agravou com a ditadura militar. Mas

continua. O que a gente tem que fazer... somos nós mas não bancamos o

chato.

8 - Essa garotada cantando samba é a resistência e a maioria é da Zona

Sul...

A música é o campo mais massacrado, mas é onde a resistência é mais bonita,

é mais valorizada e surpreendente. O choro era para ter morrido, porque é uma

música de meados do século XIX, raramente apresentada com letra, difícil de

tocar; e para se ouvir tem que ter um certo gosto, mas esta aí até hoje. Em

relação aos jovens no samba, espero que não seja moda. Tenho esperança de

que seja definitivo.

9 - Em quase 100 anos de samba faça um balanço da reação samba e

mídia.

O samba é atacado de todo jeito. A rádio 90.3 só toca música brasileira, mas

não toca Zeca, nem Martinho. O negócio é resistir.

10 - O que te fascina no samba?

Eu sou de Cavalcante e minha vizinhança sempre foi a Portela, o Império

Serrano. Eu sempre convivi com isso.

11 - Mas no carnaval só aparecem as escolas de samba..

Porque dá mídia, imagem. É uma rotina que ficou.

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André Diniz, Secretário de Cultura do Município de Niterói, pesquisador,

escritor, autor do livro Almanaque do Samba

1- O samba tem espaço merecido na mídia impressa e eletrônica? Por

quê?

Acho que sim. Na realidade, o samba foi a matéria-prima da incipiente indústria

do entretenimento nos primórdios do século XX. Vejamos: depois da gravação

de Pelo Telefone, em 1917, o gênero passou a ser rótulo de sucesso. Muitas

músicas foram registradas como samba e eram outra coisa. Foi ele o alimento

também da Era do Rádio. Se pegarmos o levantamento das gravações da

época, aqui incluo como samba um conceito amplo, vamos ver que ele foi

muitíssimas mas gravado do que outros gêneros. Todos os grandes cantores e

cantoras da Era do Rádio se destacaram através do gênero. Bem, para seguir

na mesma linha, a bossa nova - que é muito samba - ganhou mercado

internacional; na década de 70 compositores como Martinho, Paulinho, e

cantoras como Beth e Clara, venderam discos como poucos. Dos últimos

anos pra cá, o mercado registra fenômenos como Zeca, Jorge Aragão. Isso

sem contar os pagodes paulistas e baianos, que pra mim é muito samba

também no sentido simbólico e geral para a sociedade. Então, o samba é sim

um gênero midiatico. O discurso de pobre coitado do "Agoniza mas não morre"

é muito mais um discurso político, de manter e abrir espaço, de defender uma

possível cidadania negra-cultural, do uma realidade. Desde Tia Ciata o samba

tinha ligação direta como o poder. A negra mesmo Ciata colocou o marido

trabalhando na policia da freguesia do Santana e teve alguns encontros com

presidentes da Republica. João da Baiana era adorado pelo Senador mais

poderoso do inicio da Republica, Pinheiro Machado. Então, o que existe

mesmo é que no aspecto cultural, a nossa sociedade bate e assopra, permite e

reprimi.

2 - Misturar samba e HIP-HOP faz bem ao samba? Você considera isso

modernidade?

O samba é nosso gênero identitario. Foi como ele, já mestiço, já de branco,

negros, migrantes, que discutimos nossa identidade, nossas preferências,

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nossas singularidades. Ele se consolidou em um momento em que o Estado

getulista cria uma referencia de nação. Assim sendo, o samba pelo seu poder

simbólico é um grande camaleão. Ele se adaptou a todas as realidades,

mesmo quando os movimentos queriam rotulá-lo de arcaico, de passado. E

referencia absoluta. O Hip-hop, o mangue beat, o funk, em outras os

tropicalistas, etc, etc. Essa troca de linguagem é extremamente importante para

a riqueza da linguagem musical, assim como o é para a humanidade. O samba

se formou misturando, interagindo, como produto da polca européia, dos

"batuques" africanos e de ritmos latino-americanos. Ele faz hoje o que sempre

fez: se reciclou, modernizou, olhou para o passado, olhou só para frente, enfim,

ele ficou como referencia máxima, diferente do tango argentino que a grande

massa da população portenha é coisa do passado. Aqui não: o samba está em

D2, em Otto do Mangue Beat, no tchan!, e as novas gerações se alimentam da

tradição. Acho que essa pergunta poderia ser feita também assim: desde

quando o samba não se misturou? A mistura do samba, e da nossa

musicalidade, sempre nos fez ter uma musica popular moderna, onde os

espaços dela são importantes para entender movimentos estéticos, a política,

vida social, a historia do país. Poucos países têm isso em sua musica. Nos

sempre fomos e somos modernos. A academia e a rua andam de mãos dadas

em nossa musica popular.

3 - O samba ainda sofre preconceito?

Pode ate sofrer. Em alguns locais ate hoje ele pode ser reprimido, mas e

inegável a sua avassaladora popularidade. O antropólogo Hermano Vianna fez

uma pesquisa recente por todo o país - para aquele programa da Regina Case

- e mostrou que o samba é cantando em todo território nacional, sempre o

gênero mais conhecido e mais tocado. As elites sambam, e parte dela sempre

sambou. (só queria fazer esse parêntese para chamar a sua atenção numa

coisa: estou trabalhando no plano cultural, pois no plano social e econômico,

percebemos o quanto há preconceito, discriminação e o quanto ainda estamos

longe de uma sociedade justa). O discurso, para frisar de novo, de preconceito

de injustiça que fazem com o samba é muito mais uma luta política por espaço

do que uma realidade. Faça o levantamento das oportunidades dos músicos

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clássicos para trabalharem, do lançamento e venda de cds deles, e você verá

que o pobre coitado nessa historia na realidade é a musica de escola, clássica,

erudita. Temos que nos render aos dados....

4 - Há renovação no samba?

Como havia falado, o samba é um grande camaleão. Ele se renova em suas

estruturas, como fez a bossa nova - aqui representada com Chico Buarque e

Paulinho da Viola, modernidade e tradição - como se renovou na obra de

quilombola Martinho e na nova rítmica do Cacique de Ramos, da geração do

Pagode. Mas ele se renova também como os grupos pagodeiros de mercado.

Você sabia que aquela dança do é o TCHan apresenta uma tradição que

remonta ao samba de roda do Recôncavo? Então, é nesse detalhes que

presenciamos a renovação do samba. E aqui não cabe juízo de valor. Todo

critério de gosto é discutível, como dizia o marxista G. Luckas.

5- Qual o futuro do samba?

O futuro do samba é difícil falar, mas podemos indicar algumas questões: ele

tem vitalidade para passa por turbulências e segui em frente; ele não mais uma

linguagem universal, pois a realidade é outra, não vivemos mais o conflito no

morro por causa do cabrito do seu Benedito. Há tiros, tráfico, representados

nas linguagens mais contemporâneas, como funk e hip-hop. Mas, ele tem

Zeca, teve Martinho é terá outros cantores que vão romper barreiras. E se

contarmos que esses novos gêneros ainda trabalham com o samba como

referencia, hum, sei não, mas o século XXI ainda ouvirá muitos os batuques e

requebros símbolos de nossa brasilidade.

FERNANDO PAULINO– jornalista, dono do site Sambaderoda.com

1- O samba tem espaço merecido na mídia impressa e eletrônica? Por

quê?

R: Depois de um período de "trevas" que foi da década de 70/80 até a virada

para o século XXI, em que o samba foi realmente marginalizado pela grande

imprensa que, muitas vezes atrelada à pauta das gravadoras, deu prioridade

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total para a inovadora música dos anos 70/80 (Bossa Nova, Jovem Guarda,

Tropicália e depois Rock Brasil), entrando, depois, pela década de 90 para

"arremedos" de ritmos tradicionais brasileiros, como o sertanejo e o samba

(transformado no indefectível "pagode" - não confundir com o verdadeiro

pagode, que cada vez mais mostra sua força), o samba começou a ganhar

força. Primeiro em poucas casas noturnas que aos poucos foram se

proliferando, transformando-se no que se convencionou chamar de "Samba da

Lapa". O advento destas casas da Lapa, com jovens da zona sul do Rio

tomando conhecimento dos grandes autores do samba, acabou trazendo a

reboque a grande imprensa para um resgate do chamado "samba de raiz".

Hoje, pode-se dizer que o samba está na moda e, estando "na moda" tem

espaço na mídia, em especial nos jornais. Assim vê-se sambistas tradicionais

sendo "pop", como o próprio Arlindo Cruz se definiu em recente entrevista.

"Pop" também são Zeca Pagodinho, Beth Carvalho e Jorge Aragão. Não vai ai

nenhuma conotação que diminua a qualidade destes artistas. Aliás, a presença

de Zeca como garoto-propaganda é mais uma prova disso (publicidade

também é mídia). Na mídia eletrônica, em especial nas novelas, vê-se muitos

sambas como músicas-tema, inclusive resgatando recentemente Nei Lopes

("no tempo que don-don jogava no Andaraí")

2 – Misturar samba e HIP-HOP faz bem ao samba? Você considera isso

modernidade?

Aprova? Desaprova? É indiferente? Por quê?

Não se trata de aprovar, desaprovar ou ser indiferente. Muitos ritmos se

associaram ao samba, metamorfoseando o ritmo original. Isso não vem de

hoje. Pode ser feito com competência ou não. Pode ser feito como forma de se

aproveitar do bom momento vivido pelo samba ou mesmo como uma

expressão de arte. Então, a princípio, nada contra. Mas o samba verdadeiro, da

forma que conhecemos mantém _ e é bom que seja assim _ o seu espaço

inalterado com uma série de compositores novos e talentosos que preservam a

tradição de seus bambas antecessores. A mistura de ritmos como o samba já

deu em Jorge BenJor, Farofa Carioca e outros que, com talento, conseguiram

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dar um ar moderno aos acordes do samba. A questão toda é como isso é feito.

Para se aproveitar do samba, um ritmo tradicional, ou como uma evolução

natural da música. Podemos incluir até mesmo a bossa nova como uma

evolução do samba, neste sentido. E, apesar de ter procurado se diferenciar

marqueteiramente do samba em seu início, acaba se rendendo a seu ritmo

inspirador quando João Gilberto só se refere ao ritmo como samba e quanto

Tom Jobim canta "meu samba não é de levantar poeira/mas pode entrar no

Barracão" (Piano da Mangueira).

3 - O samba ainda sofre preconceito?

O samba hoje está na moda. A garotada da zona sul mais "cabeça" o adora.

Nelson Sargento, o compositor mangueirense que durante décadas ganhou a

vida como pintor de paredes hoje é personagem rotineiro das colunas sociais.

Os grandes sambistas mais antigos estão agora gravando CDs, dando

entrevistas e depoimentos. Não há dúvida que o samba não sofre

mais preconceito. No tempo do politicamente correto, da igualdade racial, é

"bem" gostar de samba e idolatrar estes sambistas. Se isso vai durar para

sempre é difícil saber. Mas certamente os "tempos idos" do preconceito, da

polícia reprimindo o samba, perseguindo os sambistas é parte do passado.

Assim como o a elite ver o samba e o sambista como coisa de vagabundo, de

marginal já está bastante amenizada. Como disse Ed Miranda, presidente da

Velha Guarda da Mangueira e presidente da associação das Velhas Guardas

das Escolas de Samba do Rio, o melhor é agora. "Como a gente pode ter

saudade do tempo que a gente desfilava com a polícia batendo na gente.

Quem diria que o que começou desse jeito ia acabar em um espetáculo de luxo

como esse". Uma opinião de quem viveu praticamente toda a história do

samba e não de um "ólogo" qualquer do samba. Mas daí a dizer que não há

qualquer tipo na sociedade contra os mais pobres, os de cor e religião

diferentes persiste na sociedade brasileira. Com certeza, ainda é visto

com estranheza se "o neguinho gostou da filha da madame....Senhorita

também gostou do neguinho", como tão lindamente cantou o salgueirense Noel

Rosa de Oliveira.

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4- Há renovação no samba?

Essa é fácil. Sim. A Portela já cantava de Paulo a Paulinho para homenagear a

grande linhagem de sambistas inaugurada com Paulo da Portela e retomada

pelo então jovem Paulinho da Viola, hoje já sessentão> Da geração do início

da carreira de Paulinho onde, entre outros grandes nomes, despontaram Elton

Medeiros, Nelson Sargento, Jair do Cavaco, d. Ivone Lara entre outros, ´já

surge outra de grandes sambistas de quadra (a relação do samba de quadra

com o samba de enredo e suas implicações na modernidade do desfile

mereceriam uma análise em separado...) e outros, vindo até da classe média

carioca. Nomes como Moacyr Luz, Aldir Blanc, Tantinho da Mangueira,

Wanderley Monteiro, Teresa Cristina, Arlindo Cruz e Sombrinha, Ratinho (que

mesmo sendo principalmente cantora, já mostra sua verve como compositora),

os muitos nomes pouco conhecidos que são resgatados cd a cd por Zeca

Pagodinho e Beth Carvalho, principalmente, mostram que não sóna Mangueira,

mas no samba brasileiro "no fim desse labor/surge outro compositor/com o

mesmo sangue nas veias", como disse Cartola

5- Qual o futuro do samba?

O futuro do samba está no seu passado. Mesmo modificado, enfrentando as

metamorfoses naturais do tempo, passando pelo partido alto, pelo samba de

quadra, o samba-canção, todos os tipos de samba mostram a força deste ritmo

e, mais, desta cultura do povo brasileiro. O futuro do samba está garantido. E é

de sucesso. Mesmo que um dia a moda que hoje assola o rio de janeiro e faz o

samba ser ouvido por todo lado _com maior ou menos qualidade _ deixe de

existir e um novo ritmo qualquer "faça a cabeça" da juventude, apenas este

tempo em que o samba deixou seu gueto e entrou em evidência já é suficiente

para trazer tantos novos adeptos que garantem sua sobrevida. Aí, vale citar

Nelson Sargento e seus verso mais famoso "Agoniza, mas não morre/Alguém

sempre lhe socorre, antes do suspiro derradeiro", versos inspirados no início da

carreira de Martinho da Vila a quem coube naquele momento socorrer o

samba. Hoje ele está forte, com mídia, prestigiado. E leva uma grande

vantagem em relação aos ritmos de momento criados para o sucesso fácil e

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descartável. O samba de história, tradição, é parte integrante da Cultura

Brasileira e, assim, terá vida e renovação eternas.

PAULO CESAR FIGUEIREDO – jornalista e produtor do Carioca da Gema,

uma das mais tradicionais casas de samba da Lapa.

1- O samba tem espaço merecido na mídia impressa e eletrônica? Por

quê?

Sim, está num crescente. Acredito que deve-se ao fato de atualmente,10 anos

pra cá, o samba e em geral a música regional no Brasil está

sendo "descoberta", aceita e admirada pela a classe média, universitários,

seguimentos importantes para essa difusão, formadora da opinião pública,

independente e impedindo e substituindo naturalmente a industrialização

cultural.

2 - Misturar samba e HIP-HOP faz bem ao samba? Você considera isso

modernidade?

Modernidade não, mas é inegável a força popular ho Hip Hop, faz parte da

globalização, mas não faz mal ao samba, nada faz mal ao samba.

Aprova? Desaprova? É indiferente? Por quê

Se cada um ficar na sua característica sem invadir ou forçar a barra apara ser o

que não é, podem até improvisar juntos, cada um com a sua linguagem.

3 - O samba ainda sofre preconceito?

O preconceito é social racial e respinga no samba, por ser representativo dessa

importante camada, se o samba sofresse preconceito as escolas de sambas

teriam mais negros do que brancos.

4-- Há renovação no samba?

Sempre haverá, precisamos é de mecanismos que estimule o aparecimento

dos artistas de hoje, a qualidade permanece é só procurar.

5 -Qual o futuro do samba?

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É esse de continuar, ele sempre existirá no seu ambiente, mesmo com a

necessidade de ser absorvido pelo show bussines, mas se ele for o samba o

ambiente original, sua essência, estará presente em qualquer lugar do mundo.

XANGO DA MANGUEIRA – cantor e compositor, ícone do samba, 84 anos

1- O senhor acha que o samba tem espaço merecido na mídia impressa e

eletrônica? Por quê?

Não. No Rio de Janeiro acho que dão muito mais valor ao funk e

artistas/estrangeiros.

2 - Em sua opinião misturar samba e HIP-HOP faz bem ao samba? Você

considera isso modernidade?

Não faz bem ao samba. Não considero modernidade, misturas de ritmo -

uma coisa nada tem a ver com a outra.

3 - O samba ainda sofre preconceito?

Sim. Porque normalmente conseguem mais espaço na mídia aqueles que

são apadrinhados, meninas bonitinhas, salvo algumas exceções

e no passado fugíamos da polícia, éramos chamados de malandros, furavam

os instrumentos de aço porque achavam que eram armas podendo matar ou

ferir alguém (pandeiro, cuica, surdo, tamborim). Hoje o samba virou

cultura e muita fonte de dinheiro para aqueles que se aproveitam de

pessoas talentosas

Eu acho que hoje em dia muita coisa mudou principalmente nas Escolas de

Samba porque os sambas são corridos

e não mais melodiosos

como antigamente (muita gente e pouco tempo para desfilar); hoje só visam o

dinheiro, antigamente tudo era feito com amor

5- O samba tem futuro?

Se houver compositores que façam o samba com uma boa letra e melodia,

bons cantores só poderá crescer. Mas primeiramente colocando o amor para

depois vir a parte financeira. Antigamente ninguém esquecia letra de um

samba-enredo - hoje se aprende e no ano seguinte ninguém mais lembra

Havia até um samba (ninguém sabe quem é o autor) "Ouvi dizer que lá na

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Gamboa a polícia corria na frente da bala do Sete Coroa". O Sete Coroa era

um valente que tinha sete coroas de ouro na boca (os dentes). Por isso os

sambistas sofriam perseguição.

ALEXANDRE MEDEIROS – jornalista, autor do livro Batuque na Cozinha

1- Você acha que o samba tem espaço merecido na mídia impressa e

eletrônica? Por quê?

R: Acho que não o que merece por sua grandeza como manifestação da

cultura popular brasileira mais genuína. De forma geral, há matérias

esporádicas durante o ano e uma cobertura mais focada nas escolas de samba

no período do carnaval. Note bem que nem esse espaço, digamos, mais

generoso oferecido pela mídia durante o período do carnaval tem foco direto no

samba, mas sim nas escolas (e aí leia-se patrocínio dos enredos, destaques

televisivos de cada uma etc.). É muito mais fácil você encontrar fartas matérias

da bela Juliana Paes indo aos ensaios da Viradouro (nada contra a moça, ao

contrário) do que notas sobre os autores do samba-enredo da escola... Há

raras colunas ou seções em mídia impressa que tratam de samba e é mais raro

ainda programa de Tv dedicado ao tema. O que tenho visto com alguma alegria

é o espaço cada vez mais amplo dedicado ao samba na mídia digital. E aí não

falo dos sites dos grandes jornais, porque esses em geral reproduzem as

mídias tradicionais, mas de sites específicos e mesmo de blogs que tratam de

samba e têm boa repercussão, mesmo que não tenham patrocínio. Não deixa

de ser um alento.

2 - Em sua opinião misturar samba e HIP-HOP faz bem ao samba? Você

considera isso modernidade? Aprova? Desaprova? É indiferente?

R: Não faz bem e nem acho que possa ser classificado como modernidade.

Eu sou um purista desses que nunca foi e não irá a um desfile do Monobloco

(pode me cobrar isso até a morte) só porque lá a rapaziada mistura samba com

hip-hop, funk etc. Cada um na sua, tem quem goste, mas essa não é a minha.

Se eu quiser ouvir hip-hop eu vou a um show do Marcelo D2, numa boa. Mas

se eu quiser saber de samba, vou numa boa roda onde o gênero, graças a

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Deus, ainda é preservado. Algumas experiências de fusão podem até ficar

divertidas, mas vai ser só isso. Quem quiser fazer, que faça. Mas não conte

com meus ouvidos.

3 - O samba ainda sofre preconceito?

R: Sofre sim, sobretudo das gravadoras. É por isso que a Tia Surica levou

décadas pra gravar seu primeiro CD. Que o velho Argemiro da Portela só foi ter

direito a um disco próprio no fim da vida. Mas o preconceito, digamos, social,

este foi superado, e com folgas. A garotada hoje adora freqüentar uma roda de

samba. Eu acho até que hoje a gente vive um outro fenômeno, que é a

overdose de samba. Isso pode ser até mais perigoso do que preconceito. No

tempo em que sambista era perseguido, ele sabia muito bem guardar sua

gênese, preservar sua manifestação. Hoje, diante de apelos diversos, desde a

indústria do entretenimento até a modelagem das gravadoras, o verdadeiro

samba está muito mais vulnerável a desvios de rota. Tomara que ele conserve

sua essência nas velhas-guardas das escolas, nas boas rodas comandadas

por gente que entende do riscado.

4 - Há renovação no samba?

R: Há, sim, ainda bem. Gente séria que faz pesquisa, como a Cristina

Buarque, o Marquinhos de Oswaldo Cruz. Gente que mantém as rodas em

torno do astral dos bambas, como o Moacyr Luz, o Zé Luís do Império. Há bons

cantores e cantoras novas, como o Pedro Paulo Malta, a Ana Costa. Grupos

como Galocantô, Batuque na Cozinha, Casuarina. Essa galera tem o maior

respeito pelos ancestrais e vai longe.

5- Qual o futuro do samba?

R: Eu acho que o futuro está desenhado com a entrada do samba na classe

média e até na granfinagem, sabia? Antes, como diz a Tia Doca, era coisa de

subúrbio, de gente humilde. Até acho que é onde ele é ainda mais bonito, mais

natural. Mas hoje o samba está em clubes e casas de show da Zona Sul, em

rodas por toda a cidade, freqüentadas pela turma da PUC. As escolas, as mais

autênticas ou espertas, de olho nesse filão, estão povoando suas quadras de

feijoadas, macarronadas etc., reavivando os sambas de quadra. Essa troca,

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esse intercâmbio, é legal. Tem garotada estudando música pra tocar

cavaquinho, fazer samba de bloco, de escola, querendo conhecer as obras de

um Zé Keti, um Cartola, um Aniceto. Isso é muito bom.

J. PAULO DA SILVA – jornalista

1 - Você acha que o samba tem o espaço merecido na mídia impressa e

eletrônica?

Acho que merecia maior espaço. O que vejo é que o samba só recebe

divulgação mais macro quando o carnaval está próximo. E no resto do ano?

2 – Em sua opinião misturar samba e HIP-HOP faz bem ao samba? Você

considera isso modernidade?

Tenho a impressão de que samba é samba, hip-hop é hip-hop. Em certa

circunstâncias, coisa esporádica, acho que não há problemas. Acho que os

ritmos têm momentos que se misturam ao mesmo tempo em que é preciso

separá-los em certas ocasiões específicas, em benefício da manutenção das

tradições, das origens de cada segmento.

Aprova? Desaprova? É indiferente? Por quê?

Aprovo dentro das circunstâncias acima explicitadas.

3 - O samba ainda sofre preconceito?

Hoje em dia, não. Não acredito. Basta freqüentar as quadras das escolas de

samba e observar o antagonismo dos freqüentadores: pobres, ricos, brancos,

pretos, enfim, tem de tudo. E isso é legal. É preciso apenas atentar para o que

o Jorge Aragão diz em sua música: "hoje em dia é fácil dizer/que esta música é

nossa raiz/tá chovendo de gente que fala de samba e não sabe o que

diz...Respite quem pude chegar onde a gente chegou....

4- Há renovação no samba?

Sim. Há renovações de compositores, sambas etc. O que acho legal é que os

chamados bambas são respeitados pelos novos, são fontes de inspiração etc.

5- Qual o futuro do samba?

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Temo o que já vem acontecendo nas escolas: a descaracterização. Tem gente

que desfila e sequer sabe sambar. Isso é ruim. O oba oba prejudica as escolas.

É preciso colocar mais gente da comunidade. Mais: é triste ver no sambódromo

o pessoal da comunidade do lado de fora,vendo o desfile apertado etc. A

participação desse povo é fundamental para melhor o desenvolvimento do

samba. Afinal, eles são os verdadeiros sambistas.

SIMONE LIAL – jornalista e cantora

1- Você acha que o samba tem espaço merecido na mídia impressa e

eletrônica? Atualmente sim Por quê?

Esse espaço foi conquistado pelo reconhecimento do samba como

representante da nossa cultura popular. A revitalização da Lapa é

decididamente o movimento que proporcionou esse reconhecimento, realizado

pelos músicos, produtores, casas que surgiram na região.

2 – Em sua opinião misturar samba e HIP-HOP faz bem ao samba? Você

considera isso modernidade?

Pode fazer sim, depende de como é feito. Aprovo tudo o que é feito com bom

gosto. Preciso primeiro ouvir para aprovar ou não. Mas isso é muito pessoal, o

que eu aprovo pode não ser aprovado por outros e vice-versa. O mercado

existe e experimentar novas linguagens pode ser muito interessante. Um

samba misturado com Hip Hop pode fazer com que pessoas que não tinham

interresse em conhecer nossa cultura passem a ter este interesse. Depende de

como realizar.

3 - O samba ainda sofre preconceito?

Não, ao contrário está muito bem aceito. Lógico que não podemos generalizar,

mas tem um público que está aumentando a cada dia.

4- Qual o futuro do samba?

Espero que seja o melhor que puder ser. E que possamos manter viva a

chama de sua tradição, sem fechar para oportunidades que venham somar e

não destruir.

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MARCEU VIEIRA – jornalista e compositor

1 - Você acha que o samba tem recebido o espaço que merece da mídia,

principalmente a impressa?

Não. Mas já foi pior. Hoje, talvez efeito do renascimento da Lapa com sua

geração de jovens músicos e cantores que se misturam à turma da antiga, o

espaço é mais generoso.

2 - O samba sofre preconceitos? Em caso positivo, quais os principais

motivos?

Talvez. Sempre citam casos clássicos, como aquele do réveillon em que

Paulinho da Viola recebeu cachê menor que o de artistas como Gal, Caetano e

Chico. A chamada indústria cultural perpetua isso ao manter o samba numa

segunda categoria de valor de mercado. Isso é ruim. Mas, pessoalmente, acho

que o sambista deve parar de sentir pena de si mesmo e mostrar seu valor,

que é imenso.

3 - Você acha que o fato de tratar-se de manifestação popular, com raízes

africanas, o samba pode ter tido dificuldades de penetração junto à

mídia?

Não. Não creio que seja por aí.

4 - Até que ponto, os sambistas, em geral de origem humilde, podem ter

dificuldades de romper as barreiras impostas pelo poder que, levam à

grande mídia?

A barreira cultural, pela origem humilde, talvez seja maior que a do preconceito

em relação ao gênero musical propriamente dito. É um ponto negativo da

grande mídia a falta de apetite pra descobrir coisas nova na música brasileira.

Há casos de falta de novidade até mesmo quando a grande mídia acha que

"descobriu" algo.

5 - A mídia, a partir da criação da Internet, consegue popularizar mais o

samba ou isso não tem nada a ver?

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Sim, sem dúvida. Surgiram sites de notícias só ligados ao samba. Exemplo

disso é a Agenda do Samba e Choro, muito bem sucedida.

6 - Qual a sua expectativa para a relação samba e mídia nos próximos

anos. Você acredita que o samba terá mais espaço ou não e porquê?

Com certeza, vai melhorar ainda mais. É uma evolução natural.

ZILMAR BASILIO - jornalista, pesquisadora da MPB

1 - Você acha que o samba tem recebido o espaço que merece da mídia,

principalmente a impressa?

R: Com certeza o samba de boa qualidade, não. Desde a coluna Música

Naquela Base com Sérgio Cabral e Tinhorão os espaços conquistados foram

muito poucos. Os colunistas especializados em música escrevem

esporadicamente, dando lugar as matérias pontuais. O samba é muito rejeitado

pelos donos dos meios de comunicação.

2 - O samba sofre preconceitos? Em caso positivo, quais os principais

motivos?

R: Sofre muito preconceito, principalmente da parte dos pseudos intelectuais,

dos que preferem o povo sem cultura. A música de má qualidade é

descartável , a de boa se perpetua, esclarece a sociedade. Portanto, não há

interesse das gravadoras em preservar a música de boa qualidade. O

sambista é oriundo da senzala e precisa saber o seu lugar, mas aos poucos

está ocupando o seu espaço ,cada vez mais próximo dos salões de referência

da cultura erudita: Três Exemplos disso é Martinho da Vila com Ópera Negra,

Beth Carvalho contando num show a história do samba - incluindo aí um

Pagode de Mesa - adentrarem o Teatro Municipal do Rio de Janeiro com

grandes espetáculos. O terceiro foi a comemoração dos 75 anos da Mangueira

na Sala Cecília Meirelles.

3 - Você acha que o fato de tratar-se de manifestação popular, com raízes

africanas, o samba pode ter tido dificuldades de penetração junto à

mídia?

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R: concordo com a manifestação popular, pois a elite nunca deu importância

para o povão. Com relação as raízes africanas não tanto (estou falando de

manifestação popular, não de racismo, aí a discussão é outra. Não existe país

mais racista do que o nosso.

4 - Até que ponto os sambistas, em geral de origem humilde, podem ter

dificuldades de romper as barreiras impostas pelo poder que, levam à

grande mídia?

R: As dificuldades começam no discurso, na comunicação. Depois vem as

Sociedades de Autores que privilegiam os ricos e deixam os demais em

segundo plano . Ainda temos uma parcela da imprensa que é venal, não por

culpa do profissional do jornalismo, mas dos donos das empresas. Os

jornalistas fazem jornal com a cara do dono da casa. Além dos que são venais

mesmo por opção. Outro obstáculo é o Direito Autoral no país. O Ecad

(Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) é formado pelas Sociedades

de Autores. A relação com o autor é tão desnivelada que existe Sociedade

Autoral que tem em sua direção editores de multinacionais que

sempre trataram nossos compositores com cifras muito abaixo do real, sem

precisar prestar contas a ninguém. Não têm um órgão governamental que

cuide do assunto com seriedade. A maioria dos sambistas morre

quase na miséria, ou mesmo tendo que receber ajuda dos companheiros, ou

ainda, Shows Beneficentes para custear o tratamento médico ou pagar o

enterro.

5 - A mídia, a partir da criação da Internet, consegue popularizar mais o

samba ou isso não tem nada a ver?

O samba chega até uma classe privilegiada, que tem computador. O número

de pessoas que conseguem chegar a este meio de comunicação ainda é

pequeno se colocado em comparação aos outros meios.

6 - Qual o balanço que você faz da relação samba e mídia nesses 90

anos? Foi positiva ou deixou muito a desejar?

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No meu entender deixou a desejar, a divulgação ainda é muito pouca. Os

meios de comunicação são comandados pelas multinacionais que pagam para

ter suas músicas tocadas e massificadas. A nossa história é sempre relegada a

segundo plano em prol de músicas escolhidas pelos donos dos meios de

comunicação. Não existe ninguém que lute pelo direito autoral. Os autores

estão completamente desamparados tanto na área política quanto na judicial.

Existem poucos advogados especializados no assunto e os poucos são

patronais, os patrões tem dinheiro e os autores, não. Deveria existir uma Vara

especializada em direito autoral, os juízes têm pouco conhecimento do

assunto. Poderiam criar uma Vara com juízes especializados no assunto como

existe a vara cível, a criminal e a trabalhista. É um assunto muito complexo e

que poucos conhecem. Imagine o sambista colocado nesta arena. Acho que a

nossa música é abandonada, mesmo hoje tendo a classe média investido

numa boa safra de livros sobre o assunto.

Há pouco tempo um editor de uma revista consagrada no mercado me disse

que não poderia fazer uma matéria com um determinado sambista porque há

seis meses dera duas páginas sobre um outro.

7 - Qual a sua expectativa para a relação samba e mídia nos próximos

anos. Você acredita que o samba terá mais espaço ou não e por quê?

Tenho muita vontade de dizer que acredito que o samba vai conseguir o seu

espaço quando tomo conhecimento de alguns

jornalista/compositores/sambistas fazendo malabarismo em reuniões de pauta

para aprovar uma matéria ou mesmo uma nota sobre nossos compositores.

Existem compositores de todos os níveis intelectuais e econômicos. Não existe

união entre sambistas. É uma classe completamente desunida. O estilo é

farinha pouca, meu pirão primeiro. Quem consegue um espaço fecha a porta

atrás de si para o próximo não entrar. O dia em que souberem o quanto são

fortes juntos...... Existem várias implicações entre elas o Sindicato dos

compositores a Ordem dos Músicos. A propósito não sei qual a importância

dessa Ordem e pergunto aos profissionais e ninguém sabe, mas pagam os

impostos e não sabem o por que existe. Enquanto os compositores

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continuarem desunidos e discutindo o Sexo dos Anjos em botequim e

não iniciarem uma conversa séria sobre as suas profissões, seus direitos,

seus interesses, nada vai mudar,mas o samba a exemplo da Cidade sempre

foi dividido e isso parece que os mantêm produzindo. Os patrões são sempre

organizados e os subordinados continuam morrendo pedintes. Uma jornalista

que tinha uma coluna sobre cultura num determinado jornal ouviu muitas

vezes na redação a seguinte frase: " se for matéria de samba, jongo, qualquer

coisa de preto, chamem a Helena" Ou seja, isso se passa no final da década

de 90, não muito distante dos nossos dias. Os avanços existem em

comparação aos 90 anos , desde o Pelo Telefone, quando havia perseguição

das autoridades policiais, mais muito longe do esperado. Hoje existe uma

bibliografia muito boa sobre o samba, mas o jornal diário, as emissoras de

rádios e de Tevês ainda estão muito aquém do esperado. Temos alguns

avanços porque os nomes que despontaram em outras esferas como a

literária´, ou mesmo outros que estão consagrados, são muito conscientes -

ajudam, esclarecem, gravam os parceiros- e a mídia têm que reconhecê-los.

Por esses motivos podemos acreditar em alguma mudança para as próximas

décadas.

JORGE ROBERTO MARTINS – Jornalista, escritor, âncora do programa

Sala de Música da Rádio Roque Pinto.

Você acha que ainda hoje há preconceito contra o samba na mídia?

Preconceito e marginalização do samba, mas isso não é só na mídia. Se

imaginarmos todas as civilizações, as manifestações populares, culturais,

sempre foram colocadas na melhor das hipóteses no segundo plano. Qualquer

manifestação popular que venha do povo. Ela não é de cima para baixo e sim

debaixo para cima e ela espontânea mesmo quando se planeja. Mas é uma

coisa do povo e o povo é marginalizado, sempre foi. E o samba é o reflexo

disso, de uma sociedade elitista que não é escravocrata porque não pode mais.

A cultura européia... o choro, é sofisticado, porque é europeu na sua

essência, enquanto o samba chega da África, dos negros, quando as casas

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dos aristocratas tocavam e dançavam o choro, dançavam a polca, o minueto,

era a ......, os pianos....

Sinhô, o rei do samba, sofreu preconceito duplo e marginalização. Primeiro

tocava samba e segundo era negro, mulato e sofria preconceito, o que hoje

ainda existe num País mestiço.

Sinhô era aquele cara que dizia “Música é igual passarinho, está no ar e a

gente pega....”. Mas há um caso histórico que ele estava numa casa quando

uma madame ficou indignada ao ver aquele mulato freqüentar a aristocracia

tocando piano. Ele tinha que tocar tamborim e ela pegou uma partitura de

música clássica e Sinhô olhou e disse: eu não toco música de pessoas com as

quais eu não me dou. Ele só tirava de ouvido. Não se sabe até onde isso é

verdade ou lenda. Mas é um retrato da marginalização da cultura popular.

A mídia ainda hoje trata o samba em segundo plano?

Pelo volume de informações, pela altíssima tecnologia que existe hoje, a

mediocridade sempre tem vez na História do Brasil, principalmente a

mediocridade oficial. E hoje há uma consagração da mediocridade em todos os

níveis: na política, na cultura, etc. E a mídia segue o caminho do imediatismo,

do capitalismo, do custo e benefício. Tanto a mídia Tv quanto a mídia

impressa. Eu até me assustei quando há pouco tempo vi a primeira página do

Globo com Moacyr Luz. Eu pensei que fosse o Lenny Kravitz. Na mídia

impressa tem pouca coisa de samba. As rádios tocam pouca música brasileira.

Quanto ao samba, ele socializa e as pessoas não querem ver isso. Como o

futebol socializa também. A música de um modo geral é subproduto de nosso

País. Não foi o europeu que marginalizou a música brasileira. Foi o próprio

brasileiro. Foi a sociedade elitista que marginalizou. O samba é subproduto.

Não tenho nada contra que se traga o Lenny Kravitz. A Madona ou o Miche

Jagger para ficar se rebolando, para lamber a línga no chão e dar tesão nas

pessoas. Não tenho nada contra a música caipira que é uma deformação...

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Os jornalistas podiam se envolver mais com o samba ou eles também são

preconceituosos?

Não é preconceito e sim desinformação. Há a desinformação e pouco contato.

Dessa nova geração de jornalistas quem conhece samba? Quem conhece

música brasileira? É muito difícil porque o jornalista não lê, não tem tempo para

ler, porque tem carga horária pesada, mas devia ler.

O jornalista acha que o samba é uma coisa menor?

Não. Ele não conhece, não freqüenta samba, não conhece os fundamentos do

samba.

O que você acha do trabalho do Marcelo D2 em relação ao samba?

A mistura é válida?

É inevitável...O samba não poderia ficar numa redoma não suscetível a

mudanças. Essas mudanças acontecem e é bom que isso aconteça. Quero

dizer que é possível a convivência harmônica com a arquitetura milenar e a

moderna. Pode o Marcelo D2 misturar samba com rock. Eu só não quero que

deformem o pensamento das pessoas. O resto ele pode.

Sou a favor de todos os ritmos e músicas. O que eu acho chato é a exclusão

do samba na mídia, na grande mídia, ou seja, na imprensa, seja ele áudio ou

vídeo. Isso é que é lamentável.

Os grupos novos de samba que estão surgindo beneficiam o samba?

Essa garotada é muito boa e é uma boa dose de esperança. E m ais ainda:

eles são necessários. Esse pessoal é o fundamento do século atual. É claro

que muitos são óbvios e vai haver uma peneira. Mas essa garotada é boa, lê,

escreve, estuda música, faz arranjo, o que não havia na minha época porque o

acesso a escola era privilégio. O samba devia copiar o choro porque há a

escola de Choro Mauricio Carrilho, os clubes de choro....O samba também

tinha que ter uma escola portátil...

Talvez os negros, pessoas mais humildes, etc, não sabiam se articular

para chegar a mídia...

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O sambista também foi um pouco descuidado. Se o samba não era uma coisa

oficial e sempre foi tratado extra-oficialmente, então, não havia compromisso e

o sambista até um determinado tempo foi tido como um irresponsável. O

irresponsável e foi para o anedotário através do Tim Maia, mas é lamentável.

E o sambista por ser marginalizado, entra pela porta da cozinha. Até a ficha

técnica mostra isso. Primeiro o trombone e por último os instrumentos rítmicos.

Ora bola! O Brasil é acima de tudo rítmico!!! O mercado é muito cruel com o

sambista. Não se vê ninguém tocando piano ou fazendo um conserto num

boteco, na esquina comendo churrasco. Mas lá está o sambista.

Chama o cara, dá 10 reais e pega o violão. Há o sambista que se sujeita a isso,

porque ele precisa e o patrão sabe disso.

O samba é a face de nosso país. O sambista sabe o seu valor, mas excede na

humildade e a humildade excessiva vira subserviência.

O choro tem a vantagem de ser europeu. Eu quero que o samba possa se

integrar. Tem aquela frase do Bethovem: “A música é a mais alta revelação da

pessoa humana, mais alta até do que a filosofia”. Então, que o samba possa se

integrar a isso, porque samba é música e sendo música é absoluta.

ELIANE FARIA – CANTORA – Filha de Paulinho da Viola

1 - O samba tem espaço merecido na mídia impressa e eletrônica? Por

quê?

R.: Merecido? Claro que não. Poucos artistas do samba conseguem um

espaço na mídia. É só pegar um artista top de qualquer seguimento e comparar

a um ícone do samba. Até cachês são discriminados. Eu estou falando em

termos gerais. Até mesmo num show onde se encontram vários seguimentos

da MPB, como projetos não consta o samba. Colocam, hoje em dia, o samba

como "moda", como se ele só pudesse sobreviver com a mídia, então só

aparece poucos e os mesmos.

2- Em sua opinião misturar samba e HIP-HOP faz bem ao samba? Você

considera isso modernidade? Aprova? Desaprova? É indiferente? Por

quê?

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R: Desde que o samba existe há modificações e influências. Sempre tem

alguém querendo inventar. O HIP_HOP brasileiro tem influência norte

americana, mas fala de uma realidade da sua própria comunidade, como o

samba fala também. Não vejo mal algum acho até interessante. Com isso,

muitas pessoas jovens passaram a se aproximar e conhecer melhor alguns

sambas, sambistas e compositores. Quando fazemos shows em comunidades

mais carentes os jovens cantando sambas antigos. Acabamos notando a fusão

de outros estilos aproximam pessoas pra música, como o samba que em

outros momentos teriam preconceito. Só não vejo essa união como um novo

estilo de samba.

3 - O samba ainda sofre preconceito?

Quando falamos que o samba não tem o espaço merecido estamos

dizendo que ainda, mesmo que camufladamente, ele sofre. Mas temos que

admitir que hoje outras raças saem dos seus guetos para reverenciar o samba.

Isso não é só mídia é um fenômeno que nos últimos dez anos vem crescendo e

o mundo cada vez mais toma conhecimento que samba não é só carnaval e

mulata. Faz parte da cultura do brasileiro.

4 - Há renovação no samba?

Há sim. Não só renovação de artistas como de estilo. Sempre tem um

instrumento colocado em um arranjo diferente sem descaracterizar, uma nova

batida. Compositores que ainda não são conhecidos e que utilizam

versatilmente nas suas letras e melodias as crônicas do dia a dia.

5- Qual o futuro do samba?

O samba está e sempre esteve. A cada dia mais pessoas conhecem e

reconhecem o samba. Hoje, mesmo quem não gosta respeita. E como diz

Paulinho da Viola "Há muito tempo eu escuto esse papo furado dizendo que o

samba acabou, só se foi quando o dia clareou".

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO.......................................................2

AGRADECIMENTO...................................................... 3

DEDICATÓRIA..............................................................4

RESUMO.......................................................................5

METODOLOGIA............................................................6

SUMÁRIO......................................................................7

INTRODUÇÃO...............................................................8

CAPÍTULO I ....... ........................................................17

O espaço do samba na mídia impressa.

CAPÍTULO II.................................................................27

Fatos históricos.

2.1................................................................................36

O Preconceito no início do século: fatos e entrevistas.

2.2...................................................................45 Renovação e novos talentos

CAPÍTULO III.....................................................55 O samba, a modernidade e a mídia.

CONCLUSÃO.....................................................63

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA........................ 67

BIBLIOGRAFIA CITADA.................................... 68

ANEXO 1 -.........................................................69

ÌNDICE...............................................................94

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Folha de avaliação

Universidade Candido Mendes

Pós- Graduação “Lato Sensu”

Projeto A Vez do Mestre

Título: O samba na mídia em nove décadas

Autora: Tania Maria Oliveira malheiros

Data da entrega: 16 de dezembro de 2007-12-15

Avaliado por: Prof. Mary Sue.

Conceito: