UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
AS RAÍZES DO CRIME ORGANIZADO NO BRASIL
Por: Lídia Maria Rios Mateus
Orientador(a): Valesca Rodrigues
Rio de Janeiro
Julho/2008
ii UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
AS RAÍZES DO CRIME ORGANIZADO NO BRASIL
Monografia apresentada como pré-requisito de conclusão
do curso de Pós-graduação em Direito e Processo Penal,
da Universidade Cândido Mendes, sob a orientação da
Profª Valesca Rodrigues.
Por: Lídia Maria Rios Mateus
Rio de Janeiro
Julho/2008
iii
Dedico o presente trabalho aos meus grandes amores: ao
meu filho Hugo, meu marido Arnaldo e aos meus pais.
iv
Agradeço
A todos os professores que ministraram o curso de Pós-
graduação de Direito e Processo Penal, em especial à
Orientadora Profª Valesca Rodrigues.
v RESUMO
O presente trabalho pretende abordar o fenômeno do crime organizado que se
instalou definitivamente no Brasil em meados do século passado. Hoje as
organizações criminosas mantêm uma verdadeira estrutura, que foi se
instalando até tomar proporções assustadoras a partir da formação de células
dentro do próprio regime penitenciário com estruturas próprias. Assim, essas
organizações criminosas, entre outros particulares, passaram a administrar o
tráfico de drogas, os assaltos a bancos, os seqüestros, o contrabando de
armas, etc. Devido a infiltração das atividades do crime organizado em várias
áreas do segmento social, para um combate eficiente ao mesmo, é necessária
a integração absoluta dos órgãos de segurança Federais e estaduais como: as
forças armadas, Receita Federal, Banco Central, Ministério Público e Justiça.
Palavras-chaves: Crime Organizado – Legislação – Poder Público
vi METODOLOGIA
No presente trabalho será verificada a atuação das organizações
criminosas no Brasil, assim como suas conseqüências para a sociedade civil e
para o país. Que através de uma pesquisa na codificação pátria, far-se-á a
análise da legislação brasileira que estabelece normas relativas à atuação de
organizações criminosas, cujos dados serão posteriormente interpretados.
A pesquisa teórica será do tipo bibliográfica e se baseará em fontes
primárias, de preferência, com apoio de fontes secundárias, selecionando-se
autores consagrados no assunto. Para tanto o trabalho será dividido da
seguinte forma: Introdução; Capítulo I – A legislação contra o crime organizado;
Capítulo II – O surgimento das organizações criminosas; Capítulo III – A
atuação das organizações criminosas; Capítulo IV – A estrutura para
desenvolvimento das atividades; Conclusão.
vii SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................8
CAPÍTULO I.......................................................................................................10
CAPÍTULO II......................................................................................................19
CAPÍTULO III.....................................................................................................28
CAPÍTULO IV....................................................................................................36
CONCLUSÃO....................................................................................................40
REFERÊNCIAS.................................................................................................42
ÍNDICE...............................................................................................................44
viii INTRODUÇÃO
Há muito o ser humano descobriu que para atingir seus objetivos é inútil
o esforço isolado e passou então a se agregar em grupos para organizar e
desempenhar suas atividades cotidianas, descobrindo assim que é muito mais
fácil compartilhar tarefas com seu semelhante. Por outro lado, a sociedade dita
organizada, passou a perceber que em seu meio havia também aqueles que se
agrupavam e se desviavam da conduta por ela convencionada como
adequada. Sendo assim, essa mesma sociedade passou a chamar de "crime"
àquela conduta nociva a seus membros, justificando a imposição de
penalidades contra os infratores da Lei, e de organização esse agrupamento
com fins na prática de atos ilícitos. Nascendo, desta forma, a denominação
organizações criminosas.
O crime de tráfico de drogas se apresentou ao mundo a partir do ano de
1970, mas a experiência norte-americana já vinha do ano de 1920, quando o
contrabando ilegal de bebidas teve impacto similar à repressão ao crime, pois
gangues de operadores independentes se organizaram e usaram a corrupção e
a extorsão para preservarem suas organizações criminosas. O mais famoso
destes criminosos foi Al Capone que, enquanto operava fora de Chicago, dirigiu
um sindicato nacional do crime. Apesar de todos saberem que ele era um
assassino, contrabandista e extorquia de dinheiro, ninguém conseguia provar.
Enfim, Al Capone foi preso por sonegação de impostos e não pelos
crimes que havia cometido. Foi a partir desse exemplo de Al Capone que as
organizações criminosas passaram a pensar em uma forma de inserirem no
mercado o produto do crime de maneira que não fosse descoberto.
Hoje, uma crise de valores contribui para a participação, principalmente,
de jovens de classe média no crime organizado, em episódios que são
marcados por extrema violência. Esse aumento incontrolável da violência no
Brasil leva um maior número de criminosos a se reunirem em grupos
chamados de quadrilha ou bando.
ix Essas organizações utilizam recursos tecnológicos para assegurar o
sucesso de suas atividades. Se valem ainda de estruturas lícitas para
aplicações de valores, camuflando assim a origem ilícita dos valores obtidos
nas ações criminosas por estas organizações praticadas.
O presente trabalho não pretende encontrar soluções para a
problemática da criminalidade no Brasil e no mundo, mas sim fazer um alerta
em relação ao mal que não é cortado pela raiz, abordando os altos índices de
criminalidade dos dias atuais existentes no país advindos da atuação das
organizações criminosas e o que mudou a partir da edição da lei nº 9.034/95,
posteriormente alterada pela lei nº 10.217/01.
x CAPÍTULO I
A LEGISLAÇÃO CONTRA O CRIME ORGANIZADO
1 AS MODIFICAÇÕES NA LEI DO CRIME ORGANIZADO
Pode-se dizer que até agora foram frustradas as várias tentativas do
legislador pátrio em relação ao combate do crime organizado com a edição de
leis que não se mostraram eficazes, ou, pelo menos, não foram devidamente
aplicadas.
Até pouco tempo atrás a única lei que regulava as ações do crime
organizado no Brasil era a lei nº 9.034/95, mas em abril de 2001 ingressou no
ordenamento jurídico pátrio um novo texto legislativo a Lei nº 10.217/01, que
modificou os artigos 1º e 2º do diploma legal mencionado, e incluiu dois novos
institutos investigativos: a interceptação ambiental e a infiltração policial.
Art. 1º Esta Lei define e regula meios de prova e
procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos
decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou
organizações ou associações criminosas de qualquer
tipo.(Redação dada pela Lei nº 10.217, de 11.4.2001)
Art. 2º Em qualquer fase de persecução criminal são
permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes
procedimentos de investigação e formação de provas:
(Redação dada pela Lei nº 10.217, de 11.4.2001)
I - (Vetado).
II - a ação controlada, que consiste em retardar a interdição
policial do que se supõe ação praticada por organizações
criminosas ou a ela vinculado, desde que mantida sob
observação e acompanhamento para que a medida legal se
concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da
xi
formação de provas e fornecimento de informações;
III - o acesso a dados, documentos e informações fiscais,
bancárias, financeiras e eleitorais.
IV – a captação e a interceptação ambiental de sinais
eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e
análise, mediante circunstanciada autorização judicial; (Inciso
incluído pela Lei nº 10.217, de 11.4.2001)
V – infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em
tarefas de investigação, constituída pelos órgãos
especializados pertinentes, mediante circunstanciada
autorização judicial. (Inciso incluído pela Lei nº 10.217, de
11.4.2001)
Parágrafo único. A autorização judicial será estritamente
sigilosa e permanecerá nesta condição enquanto perdurar a
infiltração. (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.217, de
11.4.2001)
Entretanto, como bem observa Rocha: “a Lei contém lacunas que
provavelmente dificultarão sobremaneira sua aplicação”. 1
1.1 A FALTA DE DEFINIÇÃO DE “ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA”
O problema é que não existe tipo penal para criminalizar a participação
em organização criminosa. Na redação original da Lei n° 9.034/95 era
confundido o conceito de organização criminosa com o de bando ou quadrilha,
ou seja, o crime e a pena da participação em organização criminosa era o
mesmo do artigo 288 do Código Penal. Contudo, a legislação brasileira prevê
que o simples fato de fazer parte de uma associação criminosa é suficiente
para que a conduta seja punível.
O artigo 1° da Lei n° 9.034/95 foi alterado com o advento da Lei n° 1 ROCHA, Luiz Otávio de Oliveira. Agente infiltrado: inovação da Lei 10.217/2001, Revista
Ibero-Americana de Ciências Penais. Porto Alegre, vol. 3, fasc. 50, jan./abr. 2002, p. 5
xii 10.217/01, e passou a constar a expressão: "ações praticadas por quadrilha
ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo". Então,
o legislador separou as condutas: praticadas por bando ou quadrilha;
praticadas por associação criminosa; e praticadas por organização criminosa.
Porém, o crime de bando ou quadrilha, previsto no artigo 288 do Código
Penal, e o de participação em associação criminosa, descrito no artigo 35 da
Lei n° 11.343/06 e no artigo 2° da Lei n° 2.889/56 incriminam o mero ato
preparatório consubstanciado na associação, reunião ou congregação estável
de agentes com a finalidade de cometer crimes.
Conforme Mirabete: “Os crimes de quadrilha ou bando e de associação
criminosa são autônomos e independem da prática de qualquer outro delito.
Pune-se a mera associação, tendo em vista a periculosidade presumida”. 2
Código Penal
Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha
ou bando, para o fim de cometer crimes:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único - A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha
ou bando é armado.
Lei n° 11.343/06
Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de
praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos
nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de
700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo
incorre quem se associa para a prática reiterada do crime
definido no art. 36 desta Lei.
Lei n° 2.889/56
2 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 1999, p. 1.547
xiii
Art. 2º Associarem-se mais de 3 (três) pessoas para prática
dos crimes mencionados no artigo anterior:
Pena: Metade da cominada aos crimes ali previstos.
O fato é que o equívoco legislativo foi sanado, pois não mais se
confunde o crime organizado com o bando ou quadrilha, mas a falta de
percepção na elaboração da lei deixou a participação em organização
criminosa sem punição por falta de definição dessa modalidade, pois a Lei n°
9.034/95 foi omissa quanto à conceituação de crime organizado, comparando-o
aos crimes de associação criminosa e quadrilha ou bando, já tipificados no
ordenamento jurídico brasileiro. Por isso, diante da falta de tipificação legal o
Ministério Público vem denunciando os membros de organizações criminosas
por formação de bando ou quadrilha para evitar que a conduta criminosa fique
sem sanção.
Vale ressaltar que a Comissão do Conselho da Justiça Federal 3
destinada a examinar e propor o aprimoramento da legislação de combate à
lavagem de dinheiro (Portaria nº 98, de 4/9/2002), composta por membros da
Magistratura Federal, do Ministério Público Federal, do Departamento de
Polícia Federal, do Banco Central, da Federação Brasileira de Bancos, da
Secretaria da Receita Federal e do Conselho de Controle de Atividades
Financeiras do Ministério da Fazenda (COAF), também propôs a definição legal
do conceito de organização criminosa para tornar plenamente eficaz o inciso
VII, da Lei nº 9.613/98. Qual seja:
Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização,
disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou
valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime: (...);
VII - praticado por organização criminosa.
3 Diário Oficial da União, de 5/9/2002, Seção II, p. 31
xiv Portanto, é urgente a correção referente à definição legal de
organização criminosa, para que possa o Estado punir devidamente o crime
organizado. Já que essa falta de definição impossibilita, a punição do crime.
Assim, mesmo com o artigo 1° da Lei n° 9.034/95 tendo sido revogado
pela Lei n° 10.217/01 esta não solucionou o problema da distinção entre os
crimes de quadrilha ou bando, de associação criminosa e de organização
criminosa.
Para Capez:
A lei alcança as quadrilhas ou bandos formados para a prática
de Contravenções Penais, como as grandes organizações do
“jogo do bicho” (...) porque a nova redação não fala em “crime”
praticado por quadrilha ou bando, mas em “ilícitos”, razão pela
qual ficam alcançadas todas as contravenções penais. 4
Em sentido contrário, não concordando que as convenções penais
sejam alcançadas pela nova legislação, Gomes citado por Capez observa:
(...) antes a lei falava em crime resultante de quadrilha ou
bando; agora em ilícitos. Indaga-se: aplica-se então também
para as contravenções penais? Não, porque a quadrilha ou
bando só existe para a prática de crimes (CP, art. 288); o art.
14 da Lei de Tóxicos só existe para o cometimento dos crimes
previstos nos arts. 12 e 13; o art. 2º da Lei n. 2.889/56 só existe
para a prática de genocídio. Se um dia criarem um tipo penal
de associação para a prática de contravenções, sim. Por ora,
não vale a lei para as contravenções penais. 5
4 CAPEZ, Fernando. Legislação Penal Especial: juizados especiais criminais:
interceptação telefônica: crime organizado: drogas. São Paulo: Ed. Damásio de Jesus,
2007, p. 97 5 GOMES, Luiz Flávio. Apud CAPEZ, Fernando. Op. Cit., p. 97
xv
É óbvio que a expressão “organização criminosa” apesar de não estar
até agora definida em lei, pode ser definida pela doutrina. É assim que,
segundo Gomes e Cervini citados por Capez consideram que:
A quadrilha ou bando constitui o arcabouço mínimo para a
existência da organização criminosa, o requisito para a sua
existência; entretanto, além dos elementos estruturais definidos
no art. 288 do CP, é necessário estarem presentes, pelo
menos, três dentre as seguintes características: (...) h) Divisão
territorial das atividades ilícitas: as organizações passam a
atuar em territórios delimitados, que são as suas áreas de
influência. Essa divisão de espaço, às vezes, ocorre pelo
confronto; às vezes, pelo acordo. (...) 6
O legislador ordinário continua sem a percepção de que crime “cometido
por organização criminosa” é apenas uma modalidade de atuação, mas a
definição do agente, no caso a organização criminosa, ainda não é esclarecida
para os operadores do direito.
2 O CRIME ORGANIZADO E O PROCESSO PENAL
Por motivos óbvios as tipificações correspondentes às condutas delitivas
individuais são incompatíveis com a problemática da atuação do crime
organizado, devido à complexidade das atividades praticadas por seus
integrantes.
O legislador ordinário ao editar a Lei n° 9.034/95 procurou tutelar o crime
organizado, mas com a necessidade emergencial de regulamentação de tal
espécie criminal devido ao aumento assustador da criminalidade praticada
pelos grupos criminosos no país, não atentou para o texto original do Projeto n°
3.519/89, cujo artigo 2° estipulava que: "Para efeitos desta lei, considera-se
6 GOMES e CERVINI. Idem; Ibidem, p. 93/95
xvi organização criminosa aquela que, por suas características, demonstre a
existência de estrutura criminal, operando de forma sistematizada, com
atuação regional, nacional e/ou internacional". Pois o mesmo não partiu de uma
noção de organização criminosa, não definiu crime organizado por seus
elementos essenciais, não arrolou as condutas que constituiriam criminalidade
organizada nem procurou aglutinar essas orientações para delimitar a matéria.
Optou somente, num primeiro momento, por equiparar a organização
criminosa(?) às ações resultantes de quadrilhas ou bandos (art. 1°)".
Posteriormente, ainda que a lei n° 10.217/2001 tenha alterado a redação
do artigo 1° da lei n° 9.034/95, não conseguiu solucionar o problema da
conceituação de crime organizado.
No plano processual, o crime organizado, devido ao seu caráter
multiforme, também requer o desenvolvimento de estratégias diferenciadas dos
crimes comuns, na medida em que se busca uma maior eficiência penal. Mas é
fato que as organizações criminosas possuem meios eficazes para a
destruição de provas de autoria delitiva, utilizando-se de mecanismos
modernos, muitas vezes mais sofisticados que os da própria Polícia, dirimindo-
se, assim, de sua culpabilidade.
Vale ressaltar que devido à dificuldade em se adquirir provas
contundentes no caso do crime organizado, medidas como interceptações
telefônicas e ambientais, quebra de sigilo bancário e fiscal dos denunciados,
têm sido permitidas pelo ordenamento jurídico de vários países. Ressaltando
que essas estratégias de busca de prova têm demonstrado eficiência para o
rastreamento das operações financeiras, muitas com conexões internacionais,
resultantes na lavagem de dinheiro.
2.1 DO PROCEDIMENTO PROBATÓRIO
A questão relativa à obtenção das provas nos crimes cometidos pelas
organizações criminosas sempre foi muito complexa, uma vez que estas
xvii organizações são bastante cuidadosas no desempenho de suas atividades.
Por outro lado, o sistema processual penal brasileiro se apresenta como
ineficiente na obtenção de variados tipos de provas, em face dessa sólida
estrutura do crime organizado, bem como de seu poder econômico. Deixando
as ações desses grupos criminosos sem condições de serem detectadas pela
polícia e, portanto, sem a devida punição.
Contudo, sabe-se que à frente dessas organizações criminosas
encontram-se políticos e personalidades de destaque na sociedade. O que
justifica a falta de interesse em eliminar estes tipos de organizações.
Assim, fica difícil a obtenção de provas a fim de se apurar as ações do
crime organizado e sua admissibilidade e valoração no processo.
3 A CONVENÇÃO DE PALERMO
Na Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional
adotada pelo Brasil através do Decreto nº 5.015/04, foi definida organização
criminosa como sendo o grupo estruturado de 3 ou mais pessoas (art. 2),
existente há algum tempo e atuando com o propósito de cometer uma ou mais
infrações graves ou enunciadas na Convenção, com a intenção de obter, direta
ou indiretamente, benefício econômico ou material.
Artigo 2 - Terminologia
Para efeitos da presente Convenção, entende-se por:
a) "Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou
mais pessoas, existente há algum tempo e atuando
concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais
infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com
a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício
econômico ou outro benefício material;
b) "Infração grave" - ato que constitua infração punível com
uma pena de privação de liberdade, cujo máximo não seja
inferior a quatro anos ou com pena superior;
xviii
c) "Grupo estruturado" - grupo formado de maneira não
fortuita para a prática imediata de uma infração, ainda que os
seus membros não tenham funções formalmente definidas, que
não haja continuidade na sua composição e que não disponha
de uma estrutura elaborada;
Barros esclarece que: “se tem atribuído ao tráfico de drogas o germe
catalisador do que hodiernamente se denomina "crime transnacional". 7
Ainda que a mencionada Convenção esteja integrada ao ordenamento
jurídico brasileiro com status de lei ordinária, a mesma trata especificamente,
das organizações criminosas transnacionais, as quais, de acordo com o artigo
3, são aquelas que cometem crimes:
Artigo 3 - Âmbito de aplicação
1. Salvo disposição em contrário, a presente Convenção é
aplicável à prevenção, investigação, instrução e julgamento de:
a) Infrações enunciadas nos Artigos 5, 6, 8 e 23 da presente
Convenção; e
b) Infrações graves, na acepção do Artigo 2 da presente
Convenção; sempre que tais infrações sejam de caráter
transnacional e envolvam um grupo criminoso organizado;
2. Para efeitos do parágrafo 1 do presente Artigo, a infração
será de caráter transnacional se:
a) For cometida em mais de um Estado;
b) For cometida num só Estado, mas uma parte substancial da
sua preparação, planejamento, direção e controle tenha lugar
em outro Estado;
c) For cometida num só Estado, mas envolva a participação de
um grupo criminoso organizado que pratique atividades
criminosas em mais de um Estado; ou
d) For cometida num só Estado, mas produza efeitos
substanciais noutro Estado.
7 BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas. São
Paulo: RT, 2004, p. 113
xix Assim, as hipóteses de uma organização criminosa no Brasil ser
atingida pela Convenção de Palermo estão relacionadas nas alíneas "b", "c" e
"d" do Parágrafo 2 do Artigo 3. Mesmo assim, deve-se observar que o conceito
de organização criminosa continua sem definição, já que a Convenção prevê
que a organização esteja formada "há algum tempo", sem definir com precisão
o lapso temporal.
Pode-se perceber que a Convenção em questão buscou não só definir o
conceito de crime organizado, mas também relacionou os crimes ligados a
esse tipo de organização estabelecendo normas de cooperação internacional e
previsões legais a serem adotadas pelos países signatários.
Sendo assim, o mundo globalizado buscou uniformizar as ações
preventivas e repressivas dos países que vêm enfrentando as ações do crime
organizado com a instituição pela Organização das Nações Unidas (ONU),
para aplicação em âmbito mundial, da "Convenção das Nações Unidas Contra
o Crime Organizado Transnacional", também conhecida como "Convenção de
Palermo", que foi ratificada pelo Brasil e inserida no ordenamento jurídico pátrio
através do Decreto nº 5.015 de 12 de março de 2004.
xx
CAPÍTULO II
O SURGIMENTO DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
1 CARACTERÍSTICAS
A principal característica do crime organizado é buscar apoio para a sua
atuação através das instituições do Estado, já que tem como engrenagem o
sistema capitalista que tornam lucrativas as atividades desenvolvidas por estes
grupos, pois a acumulação do poder econômico deriva da necessidade de
legalização do lucro obtido ilicitamente, o que leva à lavagem desse capital nos
paraísos fiscais, tais como: Panamá, Ilhas Cayman, Uruguai, Ilhas Virgens
Britânicas, Andorra, dentre outros. 8
As organizações criminosas possuem características mutantes, pois
costumam utilizar empresas apenas como "fachada" e indivíduos que são
chamados também popularmente de "laranjas", bem como contas bancárias
específicas como meios de impedir que sejam descobertos pelo Poder Público.
Por isso, estão sempre alterando a estrutura administrativa, mudando as
empresas, deslocando as pessoas para outros lugares, abrindo outras contas
bancárias, etc.
8 As organizações criminosas são as principais responsáveis pelos delitos que precedem a
lavagem de dinheiro, bem como por este próprio tipo de crime.
xxi 2 CONCEITO DE CRIME ORGANIZADO
O conceito de crime organizado é um conceito globalizado, já que
recebe o mesmo tratamento e possui as mesmas características comuns no
mundo todo.
Nas palavras de Ariacchi citado por Silva:
Durante muito tempo compreendeu-se que como criminalidade
organizada aquela caracterizada por grupos com regras
próprias de atuação e com um propósito previamente definido,
que pode ser político (caso do terrorismo) ou econômico (caso
das Máfias, por exemplo), todavia, atualmente, dada a
incidência do Terrorismo, a tendência é que o mesmo seja
tratado como campo criminológico autônomo. 9
No conceito de Franco:
O crime organizado possui uma textura diversa: tem caráter
transnacional na medida em que não respeita as fronteiras de
cada país e apresenta características assemelhadas em várias
nações; detém um imenso poder com base numa estratégia
global e numa estrutura organizativa que lhe permite aproveitar
as fraquezas estruturais do sistema penal; provoca danosidade
social de alto vulto; tem grande força de expansão,
compreendendo uma gama de condutas infracionais sem
vítimas ou com vítimas difusas; dispõe de meios instrumentais
de moderna tecnologia; apresenta um intricado esquema de
conexões com outros grupos (...) origina atos de extrema
violência; exibe um poder de corrupção de difícil visibilidade;
(...) 10
9 ARIACCHI apud SILVA, Eduardo Araújo. Crime Organizado. São Paulo: Atlas, 2003, p. 21 10 FRANCO, Alberto Silva. Boletim IBCCrim, nº 21.1997, p. 5
xxii
Na visão de Chiavario, citado por Gomes, o crime organizado:
Configura um verdadeiro contrapoder criminal em concorrência
ou em substituição aos poderes legais do Estado. O vínculo do
crime organizado com os poderes públicos é realçado por
grande parte da doutrina inclusive estrangeira. 11
Tem-se também a opinião de Mingard:
O crime organizado caracteriza-se pela previsão de lucros,
hierarquia, planejamento empresarial, divisão de trabalho,
simbiose com o Estado, pautas de conduta estabelecidas em
códigos, procedimentos rígidos, divisão territorial etc. 12
Lyra também traçou um perfil a respeito do crime organizado
considerando que:
É a criminalidade coonestada, "legitimada", compensada,
"legalizada", "incorporada", patenteada, autorizada, registrada,
aprovada, licenciada, com selos e carimbos e todas as
formalidades. São "quadrilhas e bandos" mascarados, são
"associações para delinqüir", disfarçadas. Elas estão presentes
na literatura social e ausentes da lei ou de sua aplicação. (...)
As "centrais" dispõem de "fortalezas" e estabelecimentos,
varejos, agências e filiais, intermediários e vigilantes para tudo
em todas as emergências. 13
Entretanto, o conceito de crime organizado sempre foi complicado para a
11 8CHIAVARIO. Apud GOMES, L.F.Crime Organizado.2ª ed.São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997, p. 77 12 MINGARD. Apud GOMES, L.F.Crime Organizado.2. ed.São Paulo: Revista dos Tribunais,
1997, p. 76 13 LYRA, Roberto. Novo Direito Penal. Vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 1972, p. 78-79
xxiii doutrina e legislações do mundo inteiro. Essa dificuldade em se conceituar
crime organizado, se dá pela quantidade de atuações e pela complexidade de
condutas que o compõem.
3 O INÍCIO DE TUDO NO BRASIL
Acredita-se que no Brasil as associações criminosas derivaram de
agrupamentos conhecidos como cangaço 14, cuja atuação ocorreu no sertão do
Nordeste nos séculos XIX e XX. Como essa era uma maneira de se reunir em
grupo para lutar contra as atitudes de jagunços e capangas dos fazendeiros e
uma forma de contestar o coronelismo.
Há quem identifique no cangaço um antecedente do crime organizado
no Brasil. 15
Nos dizeres de Silva:
Os cangaceiros se organizavam de forma hierárquica e tinham
por atividades o saque às vilas, fazendas e pequenas cidades,
a extorsão de dinheiro mediante ameaça de ataques e
pilhagem, ou o seqüestro de pessoas importantes.
Relacionavam-se com fazendeiros e chefes políticos influentes
e contavam com a colaboração de policiais corruptos, que lhes
forneciam armas e munição. 16
14 O cangaço foi um movimento popular que surgiu no sertão nordestino entre o final do século
XIX e o começo do século XX, cujas figuras principais foram Virgulino Ferreira da Silva, o
Lampião e de sua companheira Maria Déia Neném, a Maria Bonita. 15 OLIVIERI apud SILVA, Eduardo Araújo. Op. Cit., p. 25 16 SILVA, Eduardo Araújo. Op. Cit., p. 25
xxiv
Por outro lado, a primeira infração penal organizada no Brasil veio do
"jogo do bicho", iniciada no final do século XIX, EM 1892. O “jogo do bicho” foi
criado inocentemente pelo Barão João Batista Viana Drumond (Decreto de
19/08/1888), por sugestão do banqueiro mexicano Manuel Ismael Zevada, que
mantinha uma casa de apostas de nome “jogo das flores”, na Rua do Ouvidor.
O Barão de Drumond elaborou jogo semelhante com bichos, para beneficiar
um pequeno jardim zoológico que mantinha em sua chácara em Vila Isabel e,
passou a sortear diariamente os ingressos que eram numerados e passaram a
ter estampada a figura de um bicho. A cada manhã a estampa de um bicho de
uma relação de 25 era fechada em uma caixa preta e revelada pelo próprio
Barão às 3 horas da tarde, premiando-se então o possuidor do bilhete
correspondente. A idéia tornou popular e passou a ser patrocinada por grupos
organizados, os quais monopolizaram o jogo, corrompendo policiais e
políticos.17
Desta forma, a iniciativa alcançou imediatamente extraordinário sucesso
e logo apareceram bancas paralelas, na época chamadas de “frontões”, que se
espalharam por toda a Capital da República, à época o Rio de Janeiro. Como
as apostas nos frontões não eram legalizadas, a Polícia passou a reprimi-las e
os frontões, uma vez assediados, se transformaram em “fortalezas” e, assim,
continuaram a bancar as apostas na clandestinidade, processadas à margem
da Lei.
Assim, o jogo do bicho desde o seu aparecimento é definido como
contravenção penal, de exploração ilícita e proibida em todo o território
nacional. No entanto, apesar da repressão policial que sempre sofreu ao longo
de sua existência e dos vários escândalos provocados, os quais mostram o
envolvimento de personalidades de diferentes segmentos e níveis sociais, com
seus nomes em listas de propinas dos banqueiros ao longo da sua história, o
jogo do bicho conquistou inegável popularidade sendo tratado quase que como 17 Idem; Ibidem, p. 25-26
xxv elemento do nosso folclore e boa parte da sociedade brasileira chegou a
aceitar recepcionar seus representantes e vice-versa.
Por estes motivos, para alguns estudiosos o mais provável é que o
Crime Organizado tenha tido início no Brasil através do “jogo do bicho”, ou
melhor, com a proibição dele, o que fez com que se tornasse a primeira
infração criminosa cometida por grupos do país.
Apesar do exposto Gomes e Cervini afirmam que: “o controvertido ‘jogo
do bicho’, enquanto tal, considerado isoladamente, não pode ser concebido
como ‘crime organizado’ (tecnicamente), porque é, na verdade, uma
contravenção (art. 58 da lei de Contravenções Penais)”. 18
Art. 58 - Explorar ou realizar a loteria denominada jogo do
bicho, ou praticar qualquer ato relativo à sua realização ou
exploração:
Pena - prisão simples, de 4 (quatro) meses a 1 (um) ano, e
multa.
Parágrafo único - Incorre na pena de multa aquele que
participa da loteria, visando a obtenção de prêmio, para si ou
para terceiro.
Entretanto, vale dizer que o jogo do bicho é um excelente meio de
lavagem de dinheiro, a qual é uma atividade comum e necessária às
organizações criminosas. Desta forma os contraventores há muito mantêm
uma verdadeira estrutura, uma organização não apenas para administrar o
movimento das apostas, mas também para proteger e expandir os seus
territórios. Possuem negócios de fachada através do qual lavam o dinheiro do
jogo e corrompem autoridades para poder mantê-lo.
4 O CÁRCERE COMO BERÇO DO CRIME ORGANIZADO
18 GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Crime Organizado: enfoque criminológico, jurídico
(Lei nº 9.034/95) e político-criminal. 2. ed. revis. atual. Amp. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1.997, p. 63
xxvi Nas décadas de 70 e 80, outras organizações criminosas surgiram
nas penitenciárias da cidade do Rio de Janeiro, como a "Falange Vermelha",
que nasceu no presídio da Ilha Grande e é formada por quadrilhas
especializadas em roubos a bancos; o "Comando Vermelho", que foi originado
no presídio Bangu 1 e comandado por líderes do tráfico de entorpecentes e o
"Terceiro Comando", proveniente do Comando Vermelho e idealizado no
mesmo presídio por detentos que não concordavam com a prática de
seqüestros e de crimes comuns praticados por grupos criminosos.
Em meados da década de 90, no Estado de São Paulo, surgiu no
presídio de segurança máxima anexo à Casa de Custódia e Tratamento de
Taubaté, a organização criminosa denominada PCC – Primeiro Comando da
Capital, com atuação criminosa diversificada em diversos Estados.
O PCC patrocina rebeliões e resgates de presos, rouba bancos e carros
de transporte de valores, pratica extorsão de familiares de detentos, extorsão
mediante seqüestro e tráfico de entorpecentes, e tem conexões internacionais.
E ainda, comete assassinatos contra membros de facções rivais, tanto dentro
como fora dos presídios.
Atualmente, o crime organizado adquiriu em todo o mundo uma estrutura
com dimensões assustadoras. O que se sabe é que o Estado está perdendo o
controle sobre as ações das organizações criminosas. E o sistema
penitenciário se tornou a maior escola do crime organizado.
5 A EXPANSÃO DA CRIMINALIDADE
Nos anos sessenta, as drogas tornaram-se tão lucrativas que as
organizações se atentaram para as possibilidades de sua expansão. O
Continente Americano foi inundado por moeda ilegal oriunda dos delitos de
tráfico de drogas.
É cada vez maior o número de menores entranhados no crime
organizado. Procópio fala da influência dos costumes e valores sobre uso de
xxvii substâncias entorpecentes, bem como a conseqüente entrada de crianças
e adolescentes no tráfico.
De acordo com as observações de Procópio:
No Rio de Janeiro e em São Paulo, menores de 18 anos
ocupam postos de comando no mundo dos narcóticos. Tais
funções no passado pertenciam exclusivamente aos maduros e
considerados experientes. (...) As organizações criminosas
empregam diretamente, sem salários fixos, milhões de
pessoas, sendo parte constituída por crianças e adolescentes.
A recompensa cresce nas funções de mando. 19
Pois as operações de compra e venda de substâncias entorpecentes e
drogas afins não são realizadas com cartões de créditos ou cheques, são
pagas em dinheiro vivo, portanto, ocasionou grandes dificuldades de
investigação e em meados dos anos setenta as organizações criminosas
circulavam com maletas recheadas de dinheiro a procura de Instituições
Financeiras que possibilitassem a abertura de conta bancária com sigilo
absoluto, evitando os rastros das autoridades ao dinheiro sujo.
Segundo Quaglia citado por Michael:
(...) os segmentos mais lucrativos do Crime Organizado são,
em primeiro lugar, as drogas (sobretudo a cocaína, a heroína e
as sintéticas como o ecstasy e as anfetaminas); em segundo
está o tráfico de armas e na seqüência estão o tráfico de seres
humanos para fins de prostituição, o comércio de órgãos e o
trabalho escravo; sendo que a corrupção e a lavagem de
dinheiro são próprias de todas as atividades do Crime
Organizado. 20
19 PROCÓPIO, Argemiro. Narcotráfico e Segurança Humana. São Paulo; LTR, 1999, p. 39 20 QUAGLIA, Giovanni. Apud MICHAEL, Andréa. Crime Organizado funciona como holding,
diz estudioso. Folha, 2003, p. 1. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 23
mar 2008
xxviii
Apenas em 1986, a lavagem de dinheiro foi criminalizada, devido,
principalmente a um flagrante de lavagem realizado por um procurador de
justiça de Massachussets, empenhado em acabar com um grupo de crime
organizado.
O procurador mencionado descobriu vultosas transações em dinheiro
feitas pelo Banco de Boston para o grupo, que simplesmente não eram
notificadas. Conseguiu obter mandado de apreensão para os oficiais deste
banco e chamou seus amigos da mídia para que trouxessem suas câmeras de
televisão e testemunhassem as prisões.
6 O CRIME ORGANIZADO NO PODER PÚBLICO
Entende-se que, excetuando o jogo do bicho, as fraudes, os crimes
financeiros tidos como crimes do “colarinho branco”, na primeira metade do
século passado não havia propriamente a ocorrência do crime organizado no
Brasil.
Na verdade, o que ocorria era a prática de determinados ilícitos em que
quadrilhas ou bandos se reuniam para o roubo de automóveis e de alguns
estabelecimentos comerciais. Operavam no crime de forma imprevisível e
espontânea e a experiência do grupo era advinda dos ensinamentos das ruas
ou das cadeias.
A situação piora em 1990 com o Plano Econômico do Governo Collor,
quando a Ministra Zélia Cardoso de Mello congelou nos Bancos toda a
economia, permitindo a retirada de apenas Cr$ 50,00, quando as aplicações
financeiras ao portador tiveram que se transformar em nominais, o dinheiro
sujo de diferentes origens na casa acima dos bilhões de cruzeiros ficaram a
fundo perdido e não reclamado nos cofres do Banco Central. Tais fatos
envolveram escalões dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e
resultou no impeachment do Presidente Collor em 1992 e na renúncia de
xxix alguns deputados da Câmara Federal, os quais manipulavam verbas
públicas e ficaram conhecidos como "anões do orçamento", além da cassação
do senador Luís Estevão e da prisão do presidente do Tribunal Regional do
Trabalho, Nicolau dos Santos, devido ao superfaturamento na construção da
sede do referido tribunal.
Vale ressaltar que já foi registrada a existência de organizações
criminosas especializadas em desvio de extraordinários montantes dos cofres
públicos para contas de particulares, as quais são abertas em paraísos fiscais
no exterior. Por sua vez, vale observar que segundo Relatório divulgado em 17
de junho de 2.002, pela organização não governamental World Wild Fund
(WWF), foi constatado que o crime organizado, incluindo aí a Máfia russa e os
cartéis de entorpecentes, está adentrando o tráfico ilícito de animais, devido ao
seu caráter lucrativo (de até 800%), ao baixo risco de detenção e à falta de
punição. Estima-se que, no Brasil, 40% dos carregamentos ilegais de drogas
estejam relacionados com o tráfico de animais. Nos Estados Unidos, mais de
1/3 (um terço) da cocaína apreendida em 1993 provém da importação de
animais selvagens. Em alguns casos os animais são usados como moeda de
troca e lavagem de dinheiro.
xxx
CAPÍTULO III
ATUAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
1 O CRIME ORGANIZADO INSTALADO NO PAÍS
Vale ressaltar que atualmente existe uma série de organizações
criminosas agindo no território brasileiro, configurando uma situação
preocupante a todos os setores da sociedade.
Na verdade, o que se vê são os agentes criminosos atuando da forma
como lhes convém, enfrentando o Estado e impondo suas regras, leis e
condições, dominando, assim, uma parcela da sociedade que se vê coagida
pelo medo.
Atualmente, a organização denominada “Comando Vermelho”domina
cerca de 70% do tráfico no Rio de Janeiro atuando também em outras áreas,
como tráfico de armamentos, crime organizado, roubos, seqüestros e
homicídios. Ao longo dos anos, novos adeptos juntaram-se ao Comando
Vermelho, ampliando seu poder e possibilitando o investimento em
armamentos pesados e a distribuição de substâncias entorpecentes. A partir de
sua criação, muitos conflitos com o Comando Vermelho foram registrados, em
decorrência da disputa pelo controle de morros e favelas. Mas devido aos
conflitos internos e às constantes discórdias, muitos integrantes afastaram-se
do “Comando Vermelho” e fundaram uma nova facção criminosa, o "Terceiro
Comando".
Os líderes atuais dividem-se por regiões e os morros “dominados”.
xxxi Mesmo que alguns desses “chefes” estejam na prisão, a exemplo daqueles
que cumprem pena no presídio Bangu I, na cidade do Rio de Janeiro, as
ordens são repassadas de dentro das celas e as principais decisões são
discutidas por uma espécie de cúpula do comando da organização.
Já em São Paulo, mais precisamente no ano de 1993, surgiu o PCC –
Primeiro Comando da Capital, uma organização criminosa que tinha como
objetivo inicial extorquir presos e seus familiares, assassinar presos a fim de
dominar o sistema carcerário e traficar substâncias entorpecentes dentro dos
presídios. Alguns anos depois o PCC passou a cometer outros tipos de
infrações penais. Tal organização, por várias vezes, assumiu as ações
praticadas, embora sem identificar seus membros, ganhou a atenção da mídia.
Vale dizer que os membros recebiam cópias do estatuto da sociedade
criminosa, no qual são determinadas as regras de conduta. Nesta linha, no final
de 1996, o Estatuto do PCC foi divulgado, contendo os seguintes itens:
Os líderes do Quartel general do PCC - Primeiro Comando da Capital e
do CV - Comando Vermelho em coligação conseguem obter, de forma ilícita,
telefones celulares, normalmente pré-pagos, que são introduzidos nos
presídios, com os quais são efetuadas ligações às "centrais" que transferem as
chamadas para os locais desejados. Portanto, há sérios indícios de que as
organizações Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital uniram-se a
fim de destituir o Estado de Direito, realizando uma série de ações
coordenadas. Desta forma, começou também a ligação dessas organizações
com outras de nível internacional e se formou assim uma rede de conexão do
crime organizado.
2 AS FACILIDADES TRAZIDAS PELA GLOBALIZAÇÃO
O fenômeno da globalização trouxe muitas facilidades para as
organizações a criminosas praticarem seus atos ilícitos.
xxxii Neste sentido, Gomes e Cervini afirmam que:
(...) talvez seja a ‘internacionalização’ (globalização) a marca
mais saliente do crime organizado, nas duas últimas décadas.
Já não é mais correto apontar a conexão norte-americana-
italiana (Máfia siciliana e Cosa Nostra) como uma singular
manifestação dessa modalidade criminosa. Inúmeras são as
organizações criminais já mundialmente conhecidas. 21
As organizações criminosas se beneficiam principalmente da economia
globalizada, do avanço das telecomunicações e do sistema financeiro
internacional, entre outras facilidades.
3 AS FORMAS E ÁREAS MAIS COMUNS DE ATUAÇÃO
A criminalidade organizada vem procurando atuar em áreas em que o
controle estatal é precário, como no sistema de previdência social, no qual já
foram detectadas várias fraudes, sempre com a colaboração ou a realização de
grupos criminosos infiltrados no aparato estatal, com relevantes prejuízos à
coletividade (vítimas difusas) e com índice mínimo de recuperação. Isto ocorre
porque a criminalidade organizada atua com o apoio das pessoas que
deveriam estar combatendo, isto é, dos funcionários públicos devidamente
corrompidos, cooptados ou infiltrados. A inexistência de vítimas diretas, as
quais acusariam o prejuízo imediatamente dificulta a apuração e identificação
da prática do delito. Então, o poder de intimidação da criminalidade organizada,
aliado à inexistência de interesse específico de vítimas que tenham suportado
danos são causas importantes desse processo de não-identificação imediata
da prática delitiva.
Considerando-se que a organização criminosa possui aliados no interior
dos órgãos estatais voltados justamente à apuração dos crimes por ela
praticados, e que esses, além de não possuem vítima individuais são
realizados de forma a não deixar vestígios, é natural que os órgãos policiais 21 GOMES e CERVINI. Op. Cit, p. 101
xxxiii enfrentem uma dificuldade enorme para combater as organizações
criminosas, pois a apuração dos delitos passa por um trabalho desgastante,
com risco pessoal aos envolvidos na investigação, com alta probabilidade de
"vazamento" de informações.
Com todos esses entraves, são necessários longos períodos de
investigação para que a polícia consiga "mapear" e levantar as ações desses
grupos criminosos.
3.1 O TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES
Vale dizer que um dos seguimentos mais lucrativos do crime organizado
é o tráfico de drogas.
Em geral os grandes traficantes trabalham simultaneamente com
negócios legais de médio ou grande porte como: fazendas, concessionárias de
veículos, restaurantes, hotéis, etc e têm atividades políticas ou boas relações
com pessoas bem colocadas em cargos públicos.
As crianças e os adolescentes são muito usados como mão-de-obra no
narcotráfico. Os maiores consumidores são jovens e adultos de todas as
classes sociais.
As chamadas “bocas” são pontos de venda de maconha, cocaína, crack
e podem estar instaladas em bares, esquinas, barracas, casas, com número
variado de integrantes e de consumidores.
O Brasil, além de rota de tráfico de entorpecentes, configura-se como
um grande mercado consumidor.
O tráfico de entorpecentes busca sempre a atualização e adaptação de
seus esquemas de lavagem, bem como das técnicas para esconder seus
ganhos ilícitos.
3.2 A LAVAGEM DE DINHEIRO
xxxiv
Uma das características mais marcantes do crime organizado é a
lavagem de dinheiro.
Callegari observa que: “nem sempre a criminalidade organizada vincula-
se à criminalidade econômica, contudo os grandes delitos econômicos
requerem uma estrutura para sua organização”.22
Por este motivo existe uma estreita ligação entre o crime organizado e o
crime de lavagem de dinheiro, uma vez que as características deste delito
requerem a presença de requisitos identificáveis na estrutura das organizações
criminosas.
Foi em decorrência desta certeza que surgiu a Lei nº 9.613/98, que
dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores
estabelece, em seu Artigo 1°:
Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização,
disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou
valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:
I - de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas
afins;
II – de terrorismo e seu financiamento; (Redação dada pela Lei
nº 10.701, de 9.7.2003)
III - de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material
destinado à sua produção;
IV - de extorsão mediante seqüestro;
V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para
si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer
vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão
de atos administrativos;
VI - contra o sistema financeiro nacional;
VII - praticado por organização criminosa.
22 CALLEGARI, André Luís. Direito Penal Econômico e Lavagem de Dinheiro – aspectos
criminológicos. 2. ed. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2.003, p. 27
xxxv
(...)
Enquanto os seis incisos anteriores do dispositivo mencionado indicaram
determinados crimes, este último estabelece que "qualquer crime" praticado
por organização criminosa poderá caracterizar lavagem.
Assim, qualquer conduta de ocultação de bens e valores obtidos, por
meio de conduta criminosa anterior, praticada por organização criminosa, é
classificada como crime de lavagem. Porém, só haverá conduta típica de
lavagem se os bens tiverem origem num dos crimes previstos na Lei dos
Crimes de Lavagem de Dinheiro.
3.3 CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Os crimes contra a Administração Pública estão previstos nos artigos
312 a 359 do Código Penal. Somente alguns desses crimes podem caracterizar
o tipo antecedente do crime de lavagem. Alguns deles são de prática exclusiva
de funcionários públicos.
Para Callegari, a inclusão deste dispositivo pelo legislador é acertada, já
que muitos funcionários que exercem função pública têm facilidade em receber
dinheiro e bens de organizações criminosas, reingressando-os no mercado
econômico com aparência de licitude.
3.4 FURTO E ROUBO DE VEÍCULOS
Ocorre quando o veículo chega nas mãos daqueles que são chamados
de receptores, os quais lhe darão o destino, quando são estabelecidas as
xxxvi diferenças na forma de organização do modo e local onde será
comercializado.
Existem os casos em que o veículo não se destina á comercialização,
sendo usado apenas como meio para o cometimento de outro crime (assalto e
seqüestro) e logo depois abandonado.
Contudo, quando o destino é a venda do carro inteiro no país, em feiras
de automóveis e revendedores, há toda uma técnica própria de adulteração
das numerações ou características do veículo, bem como a troca de placas.
Este trabalho é feito normalmente em oficinas mecânicas ou locais ocultos.
Sendo que para a obtenção de nova documentação para os veículos,
as organizações criminosas necessitam estabelecer ligações com
funcionários do Departamento de Trânsito onde obtêm os documentos em
branco através de corrupção ou de furto.
3.5 ROUBO DE CARGAS
Os assaltantes são considerados o sistema operacional e visível da
organização criminosa. Às vezes a atividade é terceirizada, para estancar as
informações acerca da organização. Os assaltantes apenas entregam o
caminhão a terceiros, que irão então levá-lo ao depósito, desconhecido pelos
primeiros, pois nos casos de tortura as organizações não correm riscos.
A cobertura da operação assalto-seqüestro, geralmente é feita por
policiais associados à organização, os quais, em caso de perigo, tentarão
dissimular os colegas policiais ou dissuadi-los de agir.
Mas o comando principal, a chefia da organização normalmente é
exercida por alguém que possui uma empresa legalizada, associada à rede de
varejistas (supermercados, lojas de confecções, lojas de calçados, farmácias,
camelôs etc), para dar cobertura legal, há conivência de escritórios de
contabilidade e de advocacia.
Evidentemente que não se pode negar a participação da polícia de
xxxvii fronteira no crime de roubo de cargas, pois as organizações, sozinhas,
não conseguiriam atuar.
3.6 CONTRABANDO
Uma parte da multidão de sacoleiros que atravessam a Ponte da
Amizade, que liga o Brasil ao Paraguai, em Foz do Iguaçu é operária do crime
organizado. Eles organizam uma rede de varejistas, corrompem agentes
públicos, relacionam-se nos negócios com organizações criminosas similares.
A cocaína por sua vez, chega ao país através de contrabando em grande ou
média escala, já que é transportada em aviões, caminhões e automóveis.
3.7 ORGANIZAÇÕES DE “COLARINHOS BRANCOS”
Esta espécie é formada por indivíduos que utilizam instituições
financeiras de fachada onde são praticadas condutas ilícitas referentes ao
sistema financeiro e da economia popular, ressaltando que há também aqueles
que se ocupam de instituições legitimamente constituídas. Geralmente
provocam dano a meio ambiente, ao setor de saúde, à ordem tributária, etc.
3.8 ORGANIZAÇÕES TERRORISTAS
Com o fim da Guerra Fria, na segunda metade do século passado, as
atividades terroristas se potencializaram por causa das motivações políticas,
surgindo assim, grupos terroristas em diversos países. Desta forma, estas
organizações promovem o terror e cometem verdadeiras atrocidades em nome
de seus objetivos políticos. Mas em geral assumem seus atentados.
xxxviii É o modo de coagir ou influenciar outras pessoas, ou de impor-
lhes a vontade pelo uso sistemático do terror. No Brasil, o terrorismo é
repudiado. A Constituição Federal brasileira, assim dispõe:
Art. 4º - A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
CAPÍTULO IV
ESTRUTURA PARA O DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES
1 DA ESTRUTURA ORGANIZACIONAL
Como característica estas organizações têm a presença de uma
estrutura hierarquizada com regras internas de disciplina, códigos de ética,
laços de parentesco ou relações étnicas entre seus membros e atuam de forma
intensa e globalizada na esfera internacional.
xxxix A estrutura das organizações criminosas envolve a relação com a
comunidade. Com intuito de ganhar a confiança da comunidade em que atuam
e visando facilitar o recrutamento de seus integrantes, prestam serviços
sociais, diante da lacuna deixada pelo aparelho estatal, criando um verdadeiro
Estado paralelo.
Mas a sólida estrutura do crime organizado e de seu poderio econômico
equipara-se a uma estrutura empresarial, possuindo na base soldados que
realizam diversas atividades gerenciadas por integrantes de média importância,
a intimidação também é outro traço característico das organizações criminosas.
Mas vale ressaltar que nem sempre a criminalidade organizada vincula-se à
criminalidade econômica, contudo, os grandes delitos econômicos requerem
uma estrutura para sua organização.
O Crime Organizado possui diversas estruturas23 que podem ser
encontradas em quase todos os lugares do planeta, tais estruturas dividem o
Crime Organizado em espécies da qual ele é o gênero, e tais espécies podem,
ainda, serem subdivididas em subespécies. Sendo, portanto, observadas
algumas estruturas/espécies de Crime Organizado.
No Brasil estes grupos dedicam-se mais comumente suas atividades
criminosas a roubo a bancos, espionagem industrial, roubo de cargas,
transporte de valores, contrabando, falsificação de produtos, tráfico ilícito de
entorpecentes, desvio de dinheiro público, lavagem de dinheiro, sonegação
fiscal, extorsão mediante seqüestro.
2 AS TÉCNICAS DE TRABALHO DAS ORGANIZAÇÕES
As organizações criminosas são obrigadas, conforme o entendimento de
Callegari:
23 BASTOS, Winter. Capitalismo e politicagem fazem crime organizado no Brasil. Mídia
Independente. Disponível em: <http://www.midiaindependente.org/pt. Acesso em: 12 nov
2004, p. 01
xl
(...) a desenvolver novas técnicas para tratar de elidi-las. (...)
Ressalve-se que as organizações criminosas conseguem
adaptar-se rapidamente às mudanças e desenvolver novas
técnicas, as quais superam, muitas vezes, aquelas
empregadas pelos Estados, tornando assim, mais difícil
controlar e, até mesmo, descobrir operações criminosas
realizadas, neste âmbito. 24
Estas organizações criminosas também se aproveitam da ausência do
Estado em certos setores e, muitas vezes, suprem o papel do mesmo,
oferecendo segurança, emprego e alimentação à comunidade carente, atuando
como se fosse um Estado provedor.
Entre suas normas, prevalece a lei do silêncio, a lei da coação imposta
por tais organismos, respeitada pelos moradores das comunidades. Portanto,
enquanto o Estado não cumprir sua obrigação, garantindo o direito à saúde, à
educação, à moradia, ao transporte, ao saneamento básico, ao emprego entre
outros de primeira necessidade para os cidadãos, muitos irão se descambar
para o mundo do crime.
Outras características são as divisões de funções e a presença da
hierarquia. Por esse lado, as organizações criminosas têm o seu
funcionamento parecido com uma empresa capitalista, onde as funções são
estabelecidas para cada um de seus integrantes, as quais obedecem ao
princípio da hierarquia. Assim, atuam à margem dos poderes do Estado,
através de atos que contraria a ordem jurídica.
As atividades do crime organizado se contradiz com o ordenamento
jurídico pátrio oficial, pois as atividades das organizações criminosas precisam
24 CALLEGARI, André Luís. Op. Cit., p. 44
xli dos atores estatais para ser lucrativa e ter uma vida durável.
Na verdade, as estruturas do crime organizado são o poder institucional
(Estado) e o econômico. O modus operandi das organizações precisa desses
poderes para sua sobrevivência. Desta forma, as organizações criminosas
podem dominar o mercado econômico ou um território geográfico onde possam
exercer os seus poderes político e econômico.
3 OS CAMINHOS DO CRIME
A criminalidade organizada não é apenas uma organização bem feita,
não é somente uma organização internacional, é uma espécie de corrupção da
Magistratura, do Ministério Público, da Polícia, etc.
Nas palavras de Ziegler:
(...) a conexão direta ou indireta com o Estado é, sem dúvida, a
principal característica do Crime Organizado, e, pode-se dizer
sem exagero, é o principal modo de operacionalizar a sua
atuação, já que somente infiltrando-se nos governos, nos
parlamentos, nas administrações policiais e nos palácios de
justiça, de modo a paralisar o braço que teoricamente deveria
golpeá-lo, é que o Crime Organizado adquirirá real
impunidade.25
Para Gomes esta é uma espécie de:
(...) criminalidade difusa que se caracteriza pela ausência de
vítimas individuais e pela pouca visibilidade dos danos
causados, bem como por um novo modus operandi
25 ZIEGLER, J. Os senhores do crime. Rio de Janeiro: Record, 2003, p. 64
xlii
(profissionalidade, divisão de tarefas, participação de "gente
insuspeita", métodos sofisticados etc.). 26
Não utilizam métodos como força e violência, pois estes não interessam
às organizações, uma vez que tais atitudes acabam por atrair a imprensa, parte
das autoridades e da própria população, que sempre exerce influência nas
iniciativas dos políticos.
Então, é muito mais seguro que as organizações criminosas adotem
medidas menos drásticas, com interferências mais sutis e discretas, em prol da
manutenção de suas atividades. Uma vez que agredir e matar acaba
resultando em materialidade, em fatos como a comprovação através de um
exame de corpo de delito ou a existência de um cadáver já a infiltração, a troca
de favores, o oferecimento de vantagens, a coação e outras técnicas mais
amenas não deixam pistas tão aparentes.
Daí outra forte característica do crime organizado ser a certeza de que
ficará encoberta a maioria das ações ilícitas cometidas, de forma que não
sejam direcionadas para uma vítima individual. Motivo pelo qual nos crimes de
tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, contrabando de cigarros, tráfico de
armas, corrupção etc, não se identifica imediatamente uma pessoa especifica
que tenha sido lesada na realização de tais ações.
Outras características constantemente citadas como sendo das
organizações criminosas dizem respeito à quantidade e permanência de seus
integrantes; à divisão de tarefas entre eles e a estruturação da organização; à
especialidade criminosa vinculada à corrupção de agentes públicos. Tais
medidas da a necessária estabilidade a essas organizações.
CONCLUSÃO
26 GOMES, L. F.; CERVINI, R. Crime Organizado. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1997, p. 8
xliii As organizações criminosas foram se desenvolvendo através dos
tempos, levando em consideração a finalidade que inspira suas atuações, seria
possível vislumbrar duas espécies de organizações criminosas: as que
exercem suas atividades ilegais com visando alcançar fins políticos e/ou
ideológicos, e as que, operando tal qual uma empresa, realizam ações ilícitas
com objetivo de obter lucro.
O fato é que o Crime Organizado se enraizou nas grandes cidades
brasileiras, principalmente no Rio de Janeiro, de tal maneira, que hoje, as
autoridades perderam o controle para solucionar o problema.
As organizações criminosas passaram a dominar o tráfico de drogas, os
assaltos a bancos, os seqüestros, o contrabando de armas, etc. Desta forma,
somente uma ação conjunta dos órgãos responsáveis, bem como melhores
condições de trabalho para os policiais serão elementos essenciais para o
combate ao crime organizado.
Portanto, são necessárias alterações urgentes na legislação pátria com
penas específicas para o “crime organizado”, uma vez que foi possível
constatar que até mesmo a tentativa de administrar as questões das
comunicações dos internos (telefones celulares) nas penitenciárias houve
falhas. Comprovando mais uma vez que ações paliativas não resolvem o
problema. Contudo, apenas uma reforma legislativa não é a solução do
problema. É preciso também reformular outras áreas que foram praticamente
abandonadas pelo Estado, pois é indiscutível a constatação de que o sistema
penitenciário brasileiro rigorosamente está falido, além do mesmo ser inútil
como solução para os problemas da criminalidade. Hoje as penas são
aplicadas sem nenhum controle do Judiciário, por um conjunto de funcionários
geralmente mal remunerados, com baixa formação, em condições precárias de
trabalho e submetidos ao medo de ameaças do crime organizado dentro dos
presídios. Havendo a necessidade urgente de integração dos órgãos
governamentais e dos órgãos não-governamentais para buscar a solução do
problema.
Tem que se buscar medidas concretas e eficazes de combate a essa
xliv modalidade criminal. Acreditando-se que, somente com um estudo
aprofundado das raízes do “crime organizado”, serão encontradas saídas para
conter esse avanço assustador das ações praticadas por seus integrantes.
Somente a partir da união de esforços da sociedade civil e do Estado será
possível concretizar o objetivo almejado. Associando o financiamento
econômico, a aplicação correta dos investimentos em segurança, a vontade
política, o esforço e empenho dos operadores do direito que apuram,
denunciam e julgam as ações do crime organizado, a criação de leis aplicáveis
a tal delito, será possível começar a controlar as ações das associações
criminosas.
Assim, o Estado que se encontra enfraquecido diante dessas
organizações criminosas precisa recuperar urgentemente seu poder, e assim,
garantir a segurança pública. Mas diante dos altos ganhos com recebimentos
de propinas, e o interesse existente por parte de alguns governantes, bem
como de algumas autoridades policiais provavelmente não há interesse em
acabar com as ditas organizações criminosas.
xlv
REFERÊNCIAS
ARIACCHI apud SILVA, Eduardo Araújo. Crime Organizado. São Paulo: Atlas,
2003
BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis
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xlvii
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO.............................................................................................ii
DEDICATÓRIA...................................................................................................iii
AGRADECIMENTOS..........................................................................................iv
RESUMO.............................................................................................................v
METODOLOGIA.................................................................................................vi
SUMÁRIO...........................................................................................................vii
INTRODUÇÃO.....................................................................................................8
xlviii CAPÍTULO I - A LEGISLAÇÃO CONTRA O CRIME ORGANIZADO
1 AS MODIFICAÇÕES NA LEI DO CRIME ORGANIZADO............................10 1.1 A FALTA DE DEFINIÇÃO DE “ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA”..................11
2 O CRIME ORGANIZADO E O PROCESSO PENAL.....................................14 2.1 DO PROCEDIMENTO PROBATÓRIO........................................................16
3 A CONVENÇÃO DE PALERMO....................................................................16
CAPÍTULO II - O SURGIMENTO DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
1 CARACTERÍSTICAS......................................................................................19
2 CONCEITO DE CRIME ORGANIZADO.........................................................19
3 O INÍCIO DE TUDO NO BRASIL...................................................................21
4 O CÁRCERE COMO BERÇO DO CRIME ORGANIZADO............................24
5 A EXPANSÃO DA CRIMINALIDADE............................................................24
6 O CRIME ORGANIZADO NO PODER PÚBLICO..........................................26
CAPÍTULO III - ATUAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
1 O CRIME ORGANIZADO INSTALADO NO PAÍS.........................................28
2 AS FACILIDADES TRAZIDAS PELA GLOBALIZAÇÃO..............................29
3 AS FORMAS E ÁREAS MAIS COMUNS DE ATUAÇÃO.............................30
3.1 O TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES.............................................31
3.2 A LAVAGEM DE DINHEIRO........................................................................31
3.3 CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA....................................33
3.4 FURTO E ROUBO DE VEÍCULOS..............................................................33
3.5 ROUBO DE CARGAS..................................................................................34
3.6 CONTRABANDO.........................................................................................34
3.7 ORGANIZAÇÕES DE “COLARINHOS BRANCOS”....................................35
3.8 ORGANIZAÇÕES TERRORISTAS.............................................................35 CAPÍTULO IV - ESTRUTURA PARA O DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES
1 DA ESTRUTURA ORGANIZACIONAL..........................................................36
2 AS TÉCNICAS DE TRABALHO DAS ORGANIZAÇÕES.............................37
3 OS CAMINHOS DO CRIME...........................................................................38