UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS VIII
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA HUMANA E GESTÃO
SOCIOAMBIENTAL
SAMUEL CARVALHO DE AZEVEDO MARQUES
POLÍTICAS PÚBLICAS INDIGENISTA E AMBIENTAL NO RASO DA CATARINA
– BAHIA: ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE A TERRA INDÍGENA PANKARARÉ E
A CRIAÇÃO DA ESTAÇÃO ECOLÓGICA
PAULO AFONSO-BA
2014
Samuel Carvalho de Azevedo Marques
Políticas Públicas Indigenista e Ambiental no Raso da Catarina – Bahia: análise da
relação entre a Terra Indígena Pankararé e a criação da Estação Ecológica
Orientador: Prof. Dr. Fabio Pedro Souza de Ferreira Bandeira
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Ecologia Humana e Gestão
Socioambiental da Universidade do Estado da
Bahia como parte dos requisitos para a obtenção do
título de Mestre em Ecologia Humana e Gestão
Socioambiental. Linha de pesquisa: Gestão
Socioambiental.
Paulo Afonso, BA (2014)
FICHA CATALOGRÁFICA
Sistema de Bibliotecas da UNEB
M357p
Marques, Samuel Carvalho de Azevedo
Políticas Públicas Indigenista e Ambiental no Raso da Catarina, Bahia: análise da
relação entre a Terra Indígena Pankararé e a criação da Estação Ecológica/ Samuel
Carvalho de Azevedo Marques. – Paulo Afonso, 2014.
189f.; il.
Orientador: Orientador: Prof. Dr. Fabio Pedro Souza de Ferreira Bandeira.
Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências
Humanas. Campus VIII. 2014.
Contém referências e anexo.
1. Indígenas – politicas públicas. 2. Demarcação de terras. 3. Raso da Catarina (BA). I.
Bandeira, Fabio Pedro Souza de Ferreira. II. Universidade do Estado da Bahia,
Departamento de Ciências Humanas.
CDD 980.41
Folha de Aprovação
Samuel Carvalho de Azevedo Marques
Políticas Públicas Indigenista e Ambiental no Raso da Catarina – Bahia: análise da
relação entre a Terra Indígena Pankararé e a criação da Estação Ecológica
Dissertação submetida ao corpo docente do Programa de Pós-graduação em Ecologia
Humana e Gestão Socioambiental da Universidade do Estado da Bahia e
__________________________ em 06 de junho de 2014.
Banca Examinadora:
Profº. Dr. Fabio Pedro Souza de Ferreira Bandeira
Doutor em Ciências Biológicas - Universidad Nacional Autónoma de México, UNAM
Universidade Estadual de Feira de Santana, UEFS
(Orientador)
Profº. Dr. Julio Cesar de Sá da Rocha
Doutor em Direito - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP
Universidade do Estado da Bahia, UNEB / Universidade Federal da Bahia, UFBA
(Examinador Interno)
Profº. Dr. Marco Tromboni de Souza Nascimento
Doutor em Antropologia - Universidade Federal da Bahia, UFBA
Universidade Federal da Bahia, UFBA
(Examinador Externo)
Dedico aos meus pais Francisco e Diná,
aos meus irmãos Hilda e Eduardo e à Ana Clara.
Por serem fonte de energia, inspiração e amor sempre.
Agradecimentos
Ao Prof. Fábio Pedro Souza de Ferreira Bandeira por apresentar o tema, ajudar na percepção
das questões pertinentes a temática e sobretudo pela confiança e apoio. Também pela
indicação das pistas a seguir, pela recepção no NUPAS, pela orientação e conversas sobre os
elementos em jogo. Agradeço a relação fraterna e humana durante o trabalho. Muito
Obrigado!
A minha família, sempre presente, mesmo quando por vezes me fiz ausente. Naqueles
momentos do percurso que são parte da vida e quando posso ter me sentido só, sem aprender
a só ser, lembrava sempre do significado daquilo que temos juntos. A distância maior que seja
não abala esse sentimento. Estivemos em momentos difíceis mas seguiremos com muita
alegria e amor. Especial para Ana Clara pelo amor, apoio e força sempre, e Diná, Eduardo,
Tatiana, Nanda, Hilda, Fábio, Julinha, e Duduzinho, só digo que vocês estão gravados fundo
no meu coração.
Aos amigos, colegas e companheiros de estudos, de convivências, de estradas, idas e vindas,
reencontros e surpresas, abastecimentos. Especialmente para os amigos e amigas Jamile,
Bruno, Bruno (NUPAS), Nilton, Igor, Mário Matteus, Jefferson, Fabrício, Carlos Carleba,
Patrícia, Mirna Oliveira, Mirna Ribeiro, sem confusão, Andrei, Larissa, Ricardo, Edilane,
Roberto, Vera, Arthur, Icaro, Thiago, Kessia, Luanna, Socorro, Nilma, Alzeni, Paulo, Jatobá,
Francisco, Fernando, e Carleandro, parceiro logo no início do processo. Especialmente
àqueles que sem saber ajudaram muito, não cobraram nada e estiveram sempre lá apenas
“pela amizade”, uma boa conversa, uma moqueca, diminuindo a tensão numa busca
semelhante.
Aos servidores da UNEB Helena e Alexandro e à Coordenação do Programa de Pós-
graduação em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental da Universidade do Estado da
Bahia PPGEcoH, ao ICMBio, e Chefia da ESEC Raso, à FUNAI, e ao pessoal do órgão em
Paulo Afonso (CR). Aos professores Juracy Marques dos Santos (especialmente), Júlio Cesar
de Sá da Rocha, Feliciano José Borralho de Mira, Josemar da Silva Martins (Pinzoh), Alfredo
Wagner de Almeida, Eliane Maria de Souza Nogueira e Erika dos Santos Nunes e demais
professores do Programa. Ao Professor Eugênio Lima Mendes (UEFS) pelos primeiros
passos.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa de
mestrado CAPES DS que tornou possível a realização dos estudos no curso de Mestrado e a
pesquisa. À Coordenação de pós-graduação da UNEB, à Comissão de bolsas UNEB, e ao
CEP-UNEB. Aos membros da Banca de Examinadora titulares e suplentes por aceitarem
participar do processo, pela leitura, críticas e observações valorosas.
Aos professores e pesquisadores José Augusto Laranjeiras Sampaio, Carlos Alberto Caroso
Soares e Maria Rosário Gonçalves de Carvalho um agradecimento muito especial pela
disposição, recepção calorosa, seriedade, compromisso e por que também foram um exemplo
de firmeza que realmente falta por aí.
Agradeço a todos e em especial a meu pai Francisco Assis Marques Filho que sempre amarei
com saudade e admiração.
“[...] Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais [...]”
Trecho de "O Mestre Sala dos Mares" (1974),
música de João Bosco e Aldir Blanc em
homenagem a João Cândido Felisberto, o
Almirante Negro.
MARQUES, Samuel C. de A. Políticas Públicas Indigenista e Ambiental no Raso da Catarina
– Bahia: análise da relação entre a Terra Indígena Pankararé e a criação da Estação Ecológica.
Dissertação (Mestrado em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental) - Departamento de
Educação, Campus VIII, Universidade do Estado da Bahia. Paulo Afonso, 2014.
Resumo
Este trabalho investigou a relação entre a criação da Estação Ecológica do Raso da Catarina e
a Terra Indígena Pankararé. Este trabalho também analisou os processos e atos
administrativos que produziram a confrontação entre as áreas bem como identificou critérios e
justificativas utilizados, contextos, conflitos e articulações. Utiliza como estratégia de
pesquisa o estudo de caso múltiplo, com técnicas de pesquisa documental, entrevista semi-
estruturada, e uso do relato biográfico. Examina os processos administrativos da FUNAI e
ICMBio (SEMA, IBAMA) obtidos por meio da plataforma de “Acesso a Informação ao
Cidadão”, sistema “E-SIC”. Consoante com o que pôde ser identificado nos registros e
memórias dos atos e decisões no âmbito destes processos administrativos, esta pesquisa
identificou que a relação entre a TI Pankararé e a criação da ESEC Raso da Catarina se deu
inicialmente por meio de uma articulação institucional governamental entre a SEMA e a
FUNAI com a mediação dos interesses indígenas. Além disso, houve a rejeição da proposta
de integrar a Reserva Ecológica à Terra Indígena no Raso da Catarina, que seria justificada
por meio de uma “suspeição” vinculada a noção de “perda” cultural. Finalmente, esta
pesquisa, a partir da análise dos processos sociais e históricos relacionados, contribui para o
entendimento do papel dos atores da política ambiental e indigenista no período estudado,
entre 1970 e 1990, no Raso da Catarina, Bahia. Ao investigar a conformação desses espaços,
seus limites e mediação dos conflitos este estudo permitiu refletir sobre as consequências das
escolhas de classes de áreas protegidas que entram em choque com o uso tradicional dos
recursos naturais bem como, de forma isolada, das outras políticas e questões que envolvem
os territórios tradicionais em particular na caatinga, no Nordeste brasileiro.
Palavras-chave: Caatinga; Unidade de Conservação; Administração Pública; Índios do
Nordeste; Mediação.
MARQUES, Samuel C. de A. Environmental Public Policy and indigenous politics in "Raso
da Catarina" - Bahia: an analysis of the relationship between the Pankararé indigenous land
and the creation of the Ecological Station. Dissertation (MSc in Human Ecology and
Environmental Management) - Department of Education, Campus VIII, University of Bahia.
Paulo Afonso, 2014.
Abstract
This work examines the relationship between the creation of the Raso da Catarina Ecological
Station and the Pankararé Indigenous Land. It also analyses the administrative acts and
processes that led to confrontations between the areas, as well as identifying the criteria and
justifications utilized and the contexts, conflicts and coalitions. The research strategy is
multiple case study with documentary research methods, semi-structured interviews and
biographical reports. It examines the administrative processes of the National Indian
Foundation (Fundação Nacional do Índio: FUNAI) and the Chico Mendes Institute of
Biodiversity Conservation (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade:
ICMBio) (Special Secretariat for the Environment – SEMA, Brazilian Institute for the
Environment and Renewable Natural Resources – IBAMA), obtained via the “E-SIC” system
platform “Citizen Access to Information”. According to information from records and
accounts of the acts and decisions carried out within these administrative processes, the
research identified that the relationship between the Pankararé Indigenous Land and the
creation of the Raso da Catarina Ecological Station initially came about through a government
institutional coalition between SEMA and FUNAI, mediated by indigenous interests.
Furthermore, the proposal to integrate the Ecological Reserve with the Indigenous Land in
Raso da Catarina was initially rejected, which was justified by a “suspicion” linked to the
notion of cultural “loss”. Finally, by analysing related social and historical processes, the
research contributes to an understanding of the role of actors in environmental and indigenous
policies during the period studied (between 1970 and 1990) in Raso da Catarina, Bahia. By
investigating the way these spaces were shaped, their limits and the mediation of conflicts, the
study provides reflections about the consequences of choosing protected area categories that
clash with the traditional use of natural resources and are isolated from other policies and
issues that involve traditional territories, particularly in the Caatinga of the Brazilian
Northeast.
Keywords: Caatinga; Conservation Unit; Public Administration; Indians from the Northeast;
Mediation.
Lista de ilustrações
Quadro 1 (2) – Área das Unidades de Conservação Federais por categoria ............................42
Quadro 2 (2) – CNUC, UC Federais por categoria no bioma Caatinga .................................43
Quadro 3 (2) – Cronologia da Legislação da Política Indigenista ...........................................51
Quadro 4 (3) – Comparativo a Lei de criação de Estações Ecológicas (1981) e Regulamento
de Parques Nacionais Brasileiros (1979) .................................................................................56
Figura 1 (3) – Localização do Bioma da Caatinga ...................................................................62
Quadro 5 (3) – Unidades de Conservação Federais no Bioma Caatinga, categorias, área total
por categorias e quantidade por categorias ..............................................................................63
Quadro 6 (3) – Situação para conservação da ESEC Raso da Catarina e TI Pankararé ..........65
Figura 2 (3) – Mapa importância biológica e UC da Caatinga ................................................64
Figura 3 (3) – Detalhe da região da ESEC Raso da Catarina ..................................................65
Figura 4 (3) – UC Federais no Bioma Caatinga .......................................................................67
Figura 5 (3) – Ecorregiões da Caatinga ...................................................................................70
Figura 6 (3) – UC e Terras Indígenas no Bioma caatinga .......................................................73
Figura 7 (3) – Fotografias aéreas do Plano de Manejo da ESEC Raso da Catarina ................77
Figura 8 (3) – “Arara-azul-de-lear fotografada nos paredões ................................................86
Figura 9 (3) – Fotografias da Arara-azul-de-lear, Anodorhynchus leari .................................87
Figura 10 (3) – Pontos de alimentação da Arara-azul-de-lear .................................................88
Figura 11 (3) – Arara-azul-de-lear forrageando no licurizeiro ................................................89
Figura 12 (4) – Foto: “Saturnino [...]”......................................................................................98
Figura 12 (4) – Foto: Paulo Nogueira-Neto ...........................................................................102
Figura 13 (4) – Foto: Cacique Angelo Pereira Xavier ...........................................................104
Figura 14 (4) – Fotos de Carlos Estevão de Oliveira .............................................................106
Figura 15 (4) – Foto Praiá ......................................................................................................108
Figura 16 (4) – Foto: “A Fonte Grande” ...............................................................................109
Figura 17 (4) – Foto: Ministro Andreazza ............................................................................112
Figura 18 (4) – Mapa Terra Indígena Pankararé ....................................................................114
Figura 19 (4) – Documentação do Sr. André Xavier da Silva ...............................................117
Figura 20 (4) – Bispos da Diocese de Paulo Afonso (BA) ....................................................127
Figura 21 (4) – TI Pankararé ..................................................................................................129
Figura 22 (4) – Uso na Fonte Grande ....................................................................................130
Figura 23 (4) – TI Brejo do Burgo .........................................................................................132
Figura 24 (5) – Localização da ESEC e APA no Raso da Catarina .......................................134
Lista de abreviaturas e siglas
ARIE Área de Relevante Interesse Ecológico
APA Área de Proteção Ambiental
BA Bahia
CEDI Centro Ecumênico de Documentação e Informação
CIMI Conselho Indigenista Missionário
CHESF Companhia Hidroelétrica do São Francisco
CNUC Cadastro Nacional de Unidades de Conservação
CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente
DIREC Diretoria de Ecossistemas
DNOCS Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
DNER Departamento Nacional de Estradas de Rodagem
ESEC Estação Ecológica
FBCN Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza
FLONA Floresta Nacional
FUNAI Fundação Nacional do Índio
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBDF Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMBio Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INTERBA Instituto de Terras da Bahia
ISA Instituto Socioambiental
MAB Programa Homem e Biosfera (MaB – Man and the Biosphere)
MINTER Ministério do Interior
MMA Ministério do Meio Ambiente
MN Museu Nacional
MONA Monumento Natural
ONG Organização Não Governamental
PARNA Parque Nacional
PINEB Programa de Pesquisas sobre Povos Indígenas do Nordeste
REFAUNA Reserva de Fauna
REBIO Reserva Biológica
RDS Reserva de Desenvolvimento Sustentável
RESEX Reserva Extrativista
RPPN Reserva Particular do Patrimônio Natural
RVS Refúgio de Vida Silvestre
SEMA Secretaria Especial do Meio Ambiente
SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação
SPU Secretaria de Patrimônio da União
SUDAM Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia
SUDENE Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
TI Terra Indígena
UC Unidade de Conservação
UEFS Universidade Estadual de Feira de Santana
UFBA Universidade Federal da Bahia
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNESCO Organização das Nações Unidas para a educação
Sumário
INTRODUÇÃO................................................................................................................. 11
1 CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA: TRAÇANDO UM RUMO DE
INVESTIGAÇÃO.............................................................................................................. 11
1.1 O objeto e o problema ............................................................................................... 16
1.2 Objetivos gerais e específicos .................................................................................. 17
1.3 Justificativa e relevância do estudo .......................................................................... 18
1.4 Procedimentos metodológicos .................................................................................. 19
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .............................................................................. 21
2.1 Administração Pública e Políticas Públicas em perspectiva histórica ................. 21
2.2 Administração Pública Ambiental, proteção a natureza e modernização
autoritária ......................................................................................................................... 28
2.3 Os Índios do Nordeste e a Política Indigenista ....................................................... 44
3 A CONSERVAÇÃO DA CAATINGA PELO ESTADO .......................................... 52
3.1 A proteção e conservação da natureza na Caatinga .............................................. 59
3.2 O processo de criação da ESEC Raso da Catarina: um estudo de caso ............... 72
4 CONFRONTAÇÃO E PROCESSOS PELAS TERRAS INDÍGENAS
PANKARARÉ .................................................................................................................. 96
4.1 Entre aceitar as “posses individuais” e o “enfrentamento” .................................. 101
4.2 Processos e “acordos” sobre as Terras Pankararé ................................................ 113
5 BREVE DISCUSSÃO DA “RESERVA” NO RASO DA CATARINA ................... 134
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 147
REFERENCIAS ............................................................................................................... 150
GLOSSÁRIO .................................................................................................................... 161
ANEXOS ........................................................................................................................... 165
11
Introdução
1 Contextualização da pesquisa: traçando um rumo de investigação
Neste trabalho de dissertação são apresentados os passos seguidos e resultados em um texto
produzido durante o Curso de Mestrado em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental da
Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Este Programa de Pós-Graduação busca formar
pesquisadores para atuar na área da Gestão Socioambiental entre outras, especificamente
lidando com Unidades de Conservação e Corredores Ecológicos. Entretanto, dotando-os
especialmente de uma leitura das dinâmicas étnico-culturais dos diferenciados grupos
humanos, entre os quais destacamos sociedades, povos e comunidades tradicionais. Portanto,
são “sujeitos” dessa leitura as relações destes povos com o meio natural, e particularmente
com o bioma caatinga.
Diante desta característica do curso podemos explicar o interesse em participar do mesmo, o
enquadramento do projeto elaborado bem como o recorte da pesquisa desenvolvida. Estes
aspectos foram trabalhados no estudo realizado, que esteve dentro da temática envolvendo o
bioma caatinga, os povos tradicionais bem o tema das áreas naturais protegidas. Ao discutir
estes aspectos no contexto cultural e socioambiental no Nordeste envolvemos o elemento
histórico, político e institucional, quando enfocamos o percurso das Políticas Públicas
Ambiental e Indigenista.
Dessa forma tratamos tanto da política de “reconhecimento étnico”, quanto da definição de
áreas protegidas no período a partir de 1970s. A fim de que fosse possível tratar a dinâmica
étnica de grupos humanos no contexto destas políticas públicas num período histórico
determinado, buscamos investigar essa realidade da interação homem-meio ambiente. Porém
sem tentar escapar da complexidade e das contradições com as quais nos deparamos na
situação encontrada no caso da região do Raso da Catarina, onde se deram as intervenções
governamentais.
De acordo com a Linha de Pesquisa Gestão Socioambiental e Sustentabilidade do Bioma
Caatinga do Programa, na qual se situam as investigações sobre os aspectos relativos à
mediação de interesses, como também os conflitos na apropriação e uso dos recursos
ambientais na sociedade, pretendemos analisar ações que “isoladamente” se voltaram à
proteção ambiental na Caatinga. E por outro lado, uma tentativa de “proteção” de populações
humanas indígenas visando garantir sua permanência e recuperação territorial em locais
considerados como ocupações imemoriais e tradicionais.
12
Tratamos da unidade de conservação federal de proteção integral denominada Estação
Ecológica Raso da Catarina que foi decretada em 1984 pela Presidência da República e
planejada desde meados dos anos 1970 do século XX por um órgão federal sediado em
Brasília/DF: a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA). O aspecto humano foi
considerado a partir da situação das Terras Indígenas que são confrontantes com o limite norte
desta Estação Ecológica: as Terras do Povo Indígena Pankararé.
Os povos indígenas do Nordeste vêm sendo estudados por antropólogos conformando uma
etnologia e etnografia produzida sobre estes povos. A Ecologia e outras especialidades da
Biologia, por sua vez, serviram como suporte para a definição de áreas protegidas na região.
A chamada “Saga Ecológica” de criação de unidades de conservação, personificada pela
SEMA. O órgão ambiental federal que foi substituído pelo IBAMA. A SEMA produziu no
Raso da Catarina uma área protegida com quase 100 (cem) mil hectares, num local
considerado a priori “inóspito” e “desocupado” ou desabitado.
Chegamos a esse objeto e projeto a partir da orientação do Professor Dr. Fabio Bandeira
(UEFS, NUPAS) que já havia realizado e orientado trabalhos nas áreas da Etnobiologia,
Etnoecologia e gestão Etnoambiental junto aos Índios Pankararé. Orientando assim a leitura
sobre a temática, aspectos institucionais explorados, e, a coleta de documentação sobre a
atuação governamental que se deu através da FUNAI e da SEMA (órgão que era responsável
por criar as unidades deste tipo em todo o país). Ao acessar a documentação obtida
diretamente com a FUNAI e ICMBio (atual gestor das unidades no Brasil), fomos analisá-la
considerando o que se processou nos anos 70 e 80 com desdobramentos nos anos 90 e
adiante, dentro dos limites dos objetivos propostos.
Na abordagem dos dois casos estudados, situados na mesma ecorregião e iniciados quase que
ao mesmo tempo, os processos e atos administrativos mesmo não ocorrendo simultaneamente,
tiveram um “contato” que foi revelado pela investigação. Algo que produziria resultados na
conformação dos territórios atuais. Pretendemos então cumprir a etapa proposta no projeto
que se referia a relação entre a Estação Ecológica e a Terra Indígena e assim durante o curso
das disciplinas e coleta de dados foi possível escrever algo sobre o tema para esboçar o
trabalho que era realizado, ainda limitado e parcial. Mas que era parte do que seriam os
chamados “achados” da pesquisa.
No trabalho aqui apresentado a Administração Pública é tomada como objeto de estudo a
partir de dois processos administrativos: um da política de unidades de conservação e outro da
política de demarcação de terras indígenas. Porém é preciso reconhecer os riscos e limites
para a compreensão do todo quando este objeto é tomado a partir de sua subdivisão em
13
setores, funções ou áreas de atuação. Assim, aqui são analisados dois casos envolvendo as
política públicas ambiental e indigenista que se realizam no bioma Caatinga, na região
Nordeste, no Estado da Bahia.
Cunha e Coelho (2012) apresentam uma proposta de periodização das políticas ambientais no
Brasil a partir da década de 30, tipificadas como: regulatórias (legislação para estabelecer
“normas, regras de uso e acesso” aos recursos naturais); estruturadoras (“intervenção direta do
poder público” ou ONGs, por exemplo: Unidades de Conservação); e, indutoras de
comportamento (voltadas a “otimizar a alocação de recursos”). Os autores nos trazem um
importante elemento que é a localização e periodização histórica das políticas ambientais no
Brasil.
Este estudo tratou de ações governamentais dentro da política ambiental de unidades de
conservação, e da política oficial indigenista. Que envolveu tanto uma divergência quanto a
apropriação natureza, como a questão do reconhecimento étnico de um grupo humano
específico. Dessa maneira, partimos da perspectiva que haveria uma relação a ser analisada
quando as ações governamentais produziram tanto uma área protegida federal na caatinga
quanto uma Terra Indígena, que se estabeleceram como confrontantes no Raso da Catarina, na
Bahia.
Estes seriam os primórdios da questão ambiental sendo transforma em política pública em um
tempo em que inexistiam e começava a ser definido um marco legal para as questões,
havendo ainda conflitos de atribuição entre as atribuições e sobreposições de interesses. São
tratados os antecedentes históricos e intervenção pública governamental. Considerando que
movimentos ambientalistas modernos e antigos haviam ajudado a configurar a atuação e os
modos de construção da preservação e conservação da natureza no Brasil, com a influência de
modelos exportados e algumas ideologias.
Os cientistas brasileiros ao estudar o mundo natural tiveram um papel importante como
também os estrangeiros que aqui vieram. No caso das unidades de conservação no Brasil é
percebida a influência do mito da natureza vasta, inóspita e intocada, como área privilegiada
para a ação de proteção. Haveria a questão do modelo a ser discutida e dos conflitos com
populações tradicionais dentro e no entorno dos “parques”, genericamente considerados.
A execução da política pública indigenista da FUNAI é tratada na pesquisa observando na
prática uma tentativa “Estadualização” ou quase descentralização feita em parceria Com o
Governo do Estado da Bahia. O que se deu por meio do “convênio” da FUNAI com o
INTERBA para atuar na demarcação de terras indígenas no Estado, o que teria sido
14
problemático no caso estudado sofrendo influência da situação política no Estado e também
no local de sua execução.
A administração pública da época enfocada no estudo era comandada por generais, coronéis e
civis, e a ação indigenista tratada como tema de segurança nacional e marcada por
pressupostos conceituais equivocados e que na prática prejudicavam a garantia dos direitos e
interesses indígenas. Além de serem geridos por militares nessa época os órgãos teriam
oscilado entre uma relação clientelista com os índios e o desrespeito a legislação e aos
direitos. Estava em processo no país a demarcação de terras indígenas e também a
mobilização crescente dos indígenas e em alguns momentos essa mobilização se tornaria
“enfrentamento” direto e o choque entre interesses vitimaria lideranças indígenas e também
mobilizaria apoio a causa indígena. Reforçando assim a mudança de postura diante da questão
indígena. Em algum momento esta questão se sobrepôs a ação de proteção da natureza, o
“cercamento” dela.
Com um período marcado pelo fortalecimento da temática ambientalista global e mudanças
na legislação da época cresciam no país os dois movimentos sociais o indígena e o
ambientalista. No contexto do esgotamento da ditadura militar no Brasil, ocorria a produção
de normas e de políticas públicas em um novo contexto, e isso viria a alterar o quadro
institucional. Tanto para questões ambientais quanto para os índios e indigenistas.
Observando situações como a “sobreposição” de áreas e “conflitos”, é possível identificar as
origens e encontrá-los ainda no presente a partir do caso estudado, que pôde ser visto em
comparação com outras situações/locais. Este seria o contexto para as ações da SEMA e da
FUNAI ocorridas no Raso da Catarina, desde meados dos anos 1970.
Neste contexto e no Nordeste brasileiro houve a conscientização e mobilização indígena e
assim demandada a ação do governo para a garantia de direitos, assistência e proteção.
Existindo um histórico de conflitos e violências cometidas contra pessoas e repressão as
práticas culturais e religiosas destes grupos. Os conflitos fundiários e a ausência de proteção
teriam permitido ou possibilitado a ocorrência das tentativas de impedi-los de fazerem justo o
que os diferenciava dos demais. Os outros, no caso, eram os “não-índios”, os trabalhadores
rurais, os “posseiros” ou ocupantes de áreas em vias de uma esperada demarcação na área
como Terra Indígena.
A ausência de ação e definição efetiva acerca do reconhecimento das terras seria um elemento
ampliador da situação de tensão. Que daria margem a mediação e pressões no local. Além
disso, havia a suposição de que sempre nunca existiram. E assim era preciso uma busca de
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antiguidade histórica. Uma busca da autenticidade cultural como coloca João Pacheco de
Oliveira, ao tratar das suspeitas sobre a autenticidade dos índios do Nordeste.
Neste quadro a conservação da natureza foi vista diante da questão do reconhecimento das
terras indígenas no Raso da Catarina na Bahia. Buscando identificar se ocorreram
sobreposições entre áreas na Caatinga. Para demonstrar as medidas tomadas em processos de
modo que isso ocorresse ou não. Se a ESEC Raso da Catarina e a Terra indígena Pankararé
teriam uma situação de sobreposição anterior a demarcação, entre inúmeras possíveis, e se
isto teria um caráter de conflito no local movia a busca de informações.
Sem dúvida, o maior problema para a efetivação da terra indígena não se vinculou a Unidade
de Conservação federal de proteção integral, ainda que esta possa ter causado um impacto
sobre o povo indígena pela sua criação. Porém a situação de intrusão e “soluções” propostas
para “resolver” a situação de conflito sobre as terras seria muito pior. As intervenções se não
foram desastrosas, deram margem a uma expectativa de consenso que nunca se realizaria de
fato sendo confrontados os interesses e mantido aceso o conflito indígenas-posseiros.
Ainda que tenha havido mediação e diálogo o pano de fundo para acordos talvez significasse
uma “imposição” em termos diante da incapacidade do Governo em realizar a sua missão.
Na caatinga foram criadas unidades de conservação dada a revisão da importância da
biodiversidade da região e também por conta de discursos ambientais acerca dos riscos de
extinção, impacto humano e critério de representatividade nacional. Em comparação, no
mesmo período havia situações territoriais e fundiárias a serem solucionadas como a das
terras indígenas, que envolveram a perda de vidas humanas, insegurança e anos de conflitos
que não contaram com a efetiva articulação e desdobramentos positivos da política ambiental
de proteção da natureza.
Entendemos esta condição e situação como relacionada a “suspeita” quanto à identidade
étnica e auto-definição daqueles índios no Nordeste. Assim só seriam possíveis as suas terras
se fossem “acordadas” com a anuência e incentivo de órgãos oficiais. Se havia uma questão
entre ESEC e terra indígena, a questão fundiária se sobrepunha, pois era um questionamento a
sua identidade, e envolvia a sua existência. Eram assim talvez dúvidas sobre se estes índios
deveriam ser protegidos e assistidos. E a presença do órgão, a legislação existente e uma
população “identificada” não foram suficientes para uma efetiva implementação de política
pública no local.
Tentamos aqui demonstrar como ocorreu, a partir das informações encontradas nos
documentos dos processos administrativos abertos na FUNAI, nos relatos da época, em
16
registros na imprensa no período, e em depoimentos de pessoas que atuaram diretamente no
caso.
As terras Pankararé ocupam área em torno de 45.600ha situadas na região Nordeste, no
Estado da Bahia em parte dentro da região denominada Raso da Catarina. Neste percurso aqui
analisado ocorreu o assassinato do cacique Pankararé “Ângelo Xavier” no final do ano de
1979, em dezembro, a posteriormente a criação da ESEC Raso da Catarina em 1984 em terras
reservadas desde 1976. A articulação entre o órgão estadual de terras o INTERBA e a FUNAI
se deu nas décadas 80 e 90 do século XX. O primeiro estudo antropológico sobre os
Pankararé ocorreu nos anos setenta realizado pelo pesquisador Carlos Soares, sob orientação
do Professor antropólogo Pedro Agostinho, ambos da UFBA. Estudo vinculado ao PINEB
que tinha um convênio com a FUNAI nos anos 70.
E a criação da Estação Ecológica Raso da Catarina se deu no contexto dos governos militares
onde teve destaque o Professor da USP Paulo Nogueira-Neto, biólogo, assumindo a gestão da
burocracia ambiental federal por 12 anos, de 1974 a 1986. As ações para conservação da
natureza vêm sendo relacionadas a conflitos socioambientais envolvendo diferentes
populações humanas em biomas os diversos.
1.1 O objetivo e o problema
O objeto da pesquisa foi a ação governamental no Raso da Catarina, ecorregião da caatinga
situada na região Nordeste brasileira. Quando a Administração Pública através da Secretaria
Especial do Meio Ambiente planejou e estabeleceu uma Unidade de Conservação no Raso da
Catarina e também era demandada a demarcação de uma Terra Indígena para o povo indígena
Pankararé. Estas ações se deram através de órgãos federais como a FUNAI e também com o
envolvimento temporário do órgão estadual de terras do Governo da Bahia: o INTERBA.
Estas ações foram iniciadas no início da década de 1970 com a definição, proposição e
justificação das áreas em articulação com o governo do Estado da Bahia. Isso a partir de
justificativas diferenciadas e com participação de pesquisadores das ciências naturais do
Museu Nacional/UFRJ e da área de antropologia da UFBA. A definição das áreas se iniciou
quase que de forma simultânea e terminaria gerando a confrontação dos seus limites. O
elemento da ocupação humana e presença do povo Pankararé no Raso da Catarina, envolvido
em mediações, acordos e conflitos étnico-fundiários devido ao enfrentamento por suas terras,
17
foi parte desse objeto de investigação que pode ser encarado como um conflito socioambiental
além do étnico e fundiário existente.
Investigamos a partir da noção de conflitos (DIEGUES; 1996, 2000; ACSELRAD, 2010;
LITTLE, 2006), envolvendo sociedades ou comunidades e povos tradicionais e outros grupos
sociais em diferentes apropriações e uso da natureza, encarados tanto pela via “ambiental”
quanto pela “socioambiental” se referem a relação desigual entre grupos sociais e até mesmo
o Estado. E os modos diferenciados de apropriação entrariam em choque por significação
diferenciada dessa apropriação. Considerando também conflitos entre comunidades e o
Estado, em especial o Estado no período autoritário que cobre o período estudado a partir dos
anos 70.
A pesquisa buscou problematizar e investigar como teria ocorrido a “acomodação” de
interesses “conservacionistas” e “preservacionistas” e ações indigenistas no espaço do Raso
da Catarina, que produziram a Estação Ecológica Raso da Catarina e a Terra Indígena
Pankararé como confrontantes. A produção destes dois territórios se realizaria com base tanto
em ideias e informações ecológicas e paisagísticas, quanto em justificativas antropológicas e
pressão social para uma definição sobre a demarcação, que definiria os territórios como
confrontantes. Diante da possível sobreposição o que ocorre no período é marcado por ações
contraditórias dos Governos, Federal e Estadual, enquanto ocorria um expressivo conflito
étnico-fundiário e possivelmente socioambiental.
1.2 Objetivos gerais e específicos
Investigar e interpretar a relação entre a criação da Estação Ecológica Raso da Catarina e a
Terra Indígena Pankararé, analisando os processos e atos administrativos, que tiveram
influência e contribuíram para definir os dois casos abordados. Para tal, buscando identificar
os critérios utilizados para a definição das áreas, abordando contextos, conflitos e articulações
que construiriam a confrontação dos limites da Unidade de Conservação com a Terra
Indígena demarcada. Com o objetivo mais geral de compreender com alguma profundidade
como ocorreu essa confrontação de áreas e políticas públicas no Raso da Catarina.
Identificar as determinações legais para a definição da Estação Ecológica e da Terra indígena.
18
Identificar os principais atores, interações entre estes e posições, alianças, coalizões ao longo
do percurso, além de táticas e estratégias, tentativas de resolução, maneiras de resolução de
conflitos.
Identificar a participação dos especialistas biólogos e antropólogos nos processos analisados.
Identificar pontos críticos nos processos, foco central do conflito nos atos administrativos.
Analisar o aspecto político na dinâmica do conflito e nos atos administrativos.
Interpretar a dinâmica de um possível conflito entre Estação ecológica e Terra indígena no
Raso da Catarina, evidenciando a atuação governamental, numa perspectiva histórica da
administração pública, a partir de documentos e atos administrativos oficiais, depoimentos e
informações já produzidas.
1.3 Justificativa e relevância do estudo
Diante de caso específico que possui características particulares, mas também guarda
semelhanças com a situação que afeta outras populações humanas, em especial comunidades e
povos tradicionais em desigual situação de poder nos locais onde se encontram diante do
Estado e empreendimentos diversos, tem importância o estudo por conta do valor social dos
recursos naturais e biodiversidade e por conta da polarização dessas posições e continuidade
de surgimento de situações de difícil conciliação e que tem pressionado os povos.
A relevância da pesquisa remete as relações estabelecidas e interesses em torno de um
elemento comum ao povo, o espaço e natureza na região do Raso da Catarina, na Bahia.
Considera-se a possibilidade de ocorrência de conflitos ligados a criação e classe de manejo
de uma unidade de proteção integral num local onde tradicionalmente os povos indígenas e
outras comunidades tradicionais do entorno tinham como local de uso em períodos de seca.
Pretende-se trazer a tona o histórico do processo de criação da Estação Ecológica do Raso da
Catarina analisar a ação da autoridade federal num local específico com objetivo de apresentar
como se deu a mediação dos interesses com a ação estatal e o modo de apropriação se
sobrepôs a possibilidade da presença indígena dentro da unidade de conservação.
A pesquisa contribuirá para o entendimento do papel dos atores da política ambiental e
indigenista no período e no local no processo envolvendo a Terra Indígena e na proposição e
articulação para criação da reserva/Estação Ecológica Raso da Catarina. Pressupõe-se que ao
investigar a conformação dessas áreas, seus limites e mediação dos conflitos seja possível
refletir sobre as consequências das escolhas de classe de manejo em choque com o uso
19
tradicional dos recursos naturais e de forma isolada das outras políticas e questões que
envolvem os territórios tradicionais em particular na caatinga, no Nordeste brasileiro.
1.4 Procedimentos metodológicos
Esta pesquisa numa abordagem qualitativa teve como estratégia de pesquisa o estudo de caso
múltiplo. No qual buscamos “identificar e analisar a multiplicidade de dimensões que
envolvem” o caso como também “descrever, discutir e analisar a [sua] complexidade”
(MARTINS, 2008, p.9). A unidade de análise foram os documentos em processos
administrativos, registros dos atos e decisões administrativas na execução das políticas
públicas ambiental e indigenista analisadas.
A estratégia de pesquisa visou orientar “[...] a busca de explicações e interpretações
convincentes para situações que envolvam fenômenos sociais complexos [...]” (MARTINS,
2008, p.11). Bem como tenta “possibilitar explicações, discussões e interpretações singulares,
portanto, distintas dos enfoques convencionais pelos quais o tema foi comumente tratado.”
(MARTINS, 2008, p.16).
O tema da relação entre Unidades Conservação e populações humanas orientou o exame dos
documentos e o recorte adotado. Por isso foram observados os resultados da coleta de dados
com foco na percepção sobre a confrontação (possível sobreposição) entre áreas territoriais no
Raso da Catarina. De modo que foi utilizada a pesquisa documental, a entrevista semi-
estruturada, como também o relato biográfico considerado importante dado que contribuiu
para reconstituir atos e percepções.
A partir das questões orientadoras da pesquisa, dos objetivos específicos definidos, acerca
dessa possível confrontação territorial seria necessário encadear evidências encontradas em
documentos oficiais. Embora se trate de um caso múltiplo observado essencialmente pela
documentação seria preciso tentar corroborar o registro documental oficial, o que se daria
através de outras fontes: os depoimentos e relatos biográficos.
A escolha dos informantes privilegiou aqueles indivíduos que atuaram de alguma maneira nos
processos das políticas públicos e que foram acessíveis. De sorte que ao realizar a
triangulação de informações, dos processos, do relato biográfico do gestor da SEMA e das
entrevistas seria possível compreender o percurso histórico dos atos em análise.
A documentação, processos administrativos completos, foi obtida junto a FUNAI
(“Identificação Étnica. [da TI Pankararé]” e “Identificação e Delimitação da terra indígena
20
Brejo do Burgo”) e junto ao ICMBio (Processo de criação da “Reserva Ecológica Raso da
Catarina”, processo da extinta SEMA, IBAMA-DIREC). Porém, estes processos não foram
localizados nas representações regionais destes órgãos federais sediadas no Município de
Paulo Afonso/BA. Sendo obtidos os documentos através da plataforma de “Acesso a
Informação ao Cidadão”, o sistema “E-SIC”, previsto em Lei. O pedido de informação foi
realizado para localizar os processos e seria atendido pelos órgãos após autorização das
Diretorias responsáveis. Os documentos foram obtidos diretamente dos arquivos centrais nas
sedes dos órgãos em Brasília-DF com cópias dos processos realizadas pelos mesmos.
Com fontes múltiplas de evidencias seria possível a análise do conteúdo (MARTINS, 2008,
p.33) e dos discursos encontrados (MARTINS, 2008, p.55). Assim, a parir dos documentos e
outras fontes de evidências buscaríamos dar confiabilidade e validade ao trabalho. Tal que,
considerando estas técnicas e fontes diversas se tinha a intenção de responder as questões de
forma adequada e suficiente (validade), buscando a confiabilidade, “consistência ou
estabilidade dos resultados” (MARTINS, 2008, p.91).
Portanto a análise dos dados busca demonstrar um encadeamento das evidências e
triangulações de dados “[...] possibilitando um estilo corroborativo de pesquisa” e “[...]
visando à melhor compreensão e interpretação [do] fenômeno.” (MARTINS, 2008, p.80).
21
2 Fundamentação teórica
2.1 Administração Pública e políticas públicas em perspectiva
histórica
A Administração pública é uma conjunção de palavras que designa mais do que um único e
simples objeto, pois o termo se refere tanto à instituição, como um ser ou ente institucional
que executa políticas públicas, quanto à gestão ou administração da “res publica” em suas
formas variadas (LUSTOSA DA COSTA, 2008b). E designa ainda a disciplina ou campo de
conhecimento e formação, que possui uma trajetória histórica, conceitos e paradigmas. A
acepção do termo tomada nesta pesquisa privilegia o sentido organizacional da expressão para
enfocar as políticas públicas. No entanto, sem descartar a noção de disciplina e campo, que de
algum modo fundamenta as ações e estruturação da administração pública, isto sob a direção
de um Governo.
Segundo Lustosa da Costa, O’Donnell e Mendes (2009), o “Estado moderno” é admitido
como uma organização de natureza coercitiva dotado do “monopólio do uso legítimo da
força” ou “coação”, composta por um conjunto de instituições. Este é parte da sociedade que,
no entanto se sobrepõe a ela, instaurando “ordem social” para garantir a propriedade e os
contratos, mediante a instituição e cumprimento de leis, extração de “recursos da sociedade” e
“uso da violência legítima” (LUSTOSA DA COSTA, 2008b). E de acordo com Max Weber
(1999, p. 525) a coação não seria o “meio normal ou o único do Estado”, mas seria, no
entanto, o seu “meio específico”.
O Governo é a “cúpula político-administrativa do Estado”. É o centro das decisões do Estado,
onde se formulam as políticas públicas e se exerce o poder político que determina a
“orientação política” da sociedade (LUSTOSA DA COSTA, 2008b, p.2). O governo então
dirige a administração pública para implementar políticas decididas no âmbito do Estado e do
Governo. E “Política” segundo Weber (1999, p.526) significaria a “tentativa de participar do
poder” ou a tentativa de “influenciar a distribuição do poder”.
A administração pública reconhecida enquanto disciplina, campo de estudos e área de
formação, é marcada justamente pela questão da separação dicotômica entre administração e
política, ou seja, uma separação entre, de um lado, a organização, a gestão e o campo, e, de
outro, o poder. E no sentido de compreender a administração pública que surge com esta
22
identidade contraditória que é importante assinalar o percurso em que se dá essa dissociação
entre gestão e política, que pode ter sido superada considerando que a análise de políticas
públicas foi, posteriormente ao surgimento da área, integrada à disciplina, o que é perceptível
conhecendo-se os “períodos paradigmáticos” para área em paralelo ao contexto institucional
da administração pública no Brasil.
Estes conceitos iniciais se referem à estruturação geral do Estado e da Administração, no
intuito de colocar o tema da ação governamental. Neste sentido uma abordagem que foi
necessária ao objetivo da pesquisa envolveu tratar dessa ação visando uma compreensão da
historia da administração pública. Considerando que políticas públicas são executadas em
algum período da história geral e de uma história da administração. Sendo no caso aqui
tratado identificado como período da “Administração para o Desenvolvimento” ou da
“modernização autoritária” no Brasil (LUSTOSA DA COSTA, 2008, p.9).
Ainda que se considere a inserção em contextos mais amplos e disciplinares a pesquisa se
referiu especificamente a dois casos que acabaram nos informando da existência de conflitos
de atribuições e entre setores de atuação. Isto quando nos anos 70 se tratou de preservação da
natureza e da ocupação humana tradicional. A história permite que o passado seja colocado
em caso no contexto e considerando o percurso até dada situação. E a história da
administração com aporte analítico e metodológico da História permite tratar com mais
profundidade as transformações institucionais na implementação de políticas públicas.
Uma “perspectiva histórica” tem sido proposta como uma possibilidade de contribuição para
consideração de relevantes aspectos da construção da administração, das organizações e da
gestão. Essa perspectiva aponta tanto para estudos sobre negócios ou história empresarial,
quanto para o desenvolvimento histórico dos conceitos e práticas de gestão. Uma outra
abordagem tem como foco a historia organizacional ligada aos conceitos da teoria
organizacional, que contempla nos estudos as relações de poder, as ideologias, o sentido e o
significado do passado das organizações e estudos sobre os processos organizacionais para
além das histórias oficiais.
Nessa perspectiva, as teorias e métodos da história são acionados para uma melhor
compreensão dos fenômenos administrativos. E nessa aproximação entre história e
administração, que não seria recente, considera-se que as organizações, sua ação e criação,
são realizados num dado contexto histórico e por indivíduos inseridos nesse contexto
(COSTA, BARROS e MARTINS, 2010). Para os autores as possibilidades de utilização da
abordagem histórica, considerando que existem abordagens em embate na historiografia,
numa “posição reorientacionista”, permitiria refletir a práxis de pesquisadores, considerar
23
novas fontes e problemas com consciência da construção social dos fatos históricos e
manipulação da constituição dos saberes administrativos, contribuir com análises críticas das
ideologias administrativas (COSTA; BARROS; MARTINS, 2010, p. 297).
Uma “perspectiva analítica centrada na historicidade do fenômeno social” segundo Vizeu
(2010) daria contribuições aos estudos e compreensão da realidade organizacional e
administrativa brasileira. O autor considera que o entendimento da singularidade das práticas
organizacionais no contexto do país tem desafiado os pesquisadores e a perspectiva histórica
seria uma das formas de verificar essas peculiaridades da gestão e organização no Brasil
(VIZEU, 2010). Lustosa da Costa, O’Donnell e Mendes (2009) constatam a pouca quantidade
de estudos que entrelaçam a História dos Estados com a História da administração publica.
Parte dos autores acima, que propõe a perspectiva histórica como relevantes para a
administração o fazem em referência a vertente historiográfica conhecida como “nova
história” ou “história nova”. Essa vertente historiográfica em contraste com a “tradicional”
privilegiaria uma história “vista de baixo” que diria respeito a qualquer atividade humana, não
restrita aos grandes feitos e a política. Estaria preocupada com a análise de estruturas,
baseando em documentos e evidências de diversos tipos, não apenas em documentos oficiais
escritos, levando em consideração movimentos coletivos e a “inevitabilidade da falta de
isenção ao olhar sobre o passado” (COSTA; BARROS; MARTINS, 2010, p.292).
Com outra noção de fato histórico e a respeito dos documentos, a história também seria aquilo
que é selecionado na realidade para fazer parte do “passado”. Seria a dualidade que envolve a
história como realidade e a história como estudo da realidade. E especialmente a história
política teria seu interesse alargado para questões simbólicas, representações sociais e
coletivas, do imaginário social, das memórias, mentalidades e “práticas discursivas associadas
ao poder.” (COSTA; BARROS; MARTINS, 2010, p.292).
Este era um debate entre abordagens na historiografia que transbordam para o pensamento em
administração. Segundo Lustosa da Costa (2008b) caberia reconstruir a historia da instituição
política e do aparato organizacional reconhecendo fatos, processos, atores e estruturas, mas
também recuperar “narrativas, análises e sistematizações históricas” que constroem as
próprias representações coletivas sobre o Estado, governo e administração pública. Estas
narrativas selecionam aspectos da realidade privilegiando uns e negligenciados outros,
contribuindo também para a análise a verificação das ausências e dos esquecimentos.
A historiografia permitiria identificar o passado social formalizado ou construído e “quais
aspectos desse passado foram ou serão selecionados” (COSTA; BARROS; MARTINS, 2010,
p.296). Então dessa forma se poderia pesquisar a administração publica no aspecto de suas
24
mudanças estruturais, reformas, como também as narrativas sobre construção do campo com
área de formação, atuação e de conhecimento produzidos num determinado contexto
brasileiro. Seriam então estas narrativas objeto também dessa história.
A administração pública enquanto disciplina teria se constituído a partir do final do século
19 voltada à formação da burocracia governamental nos EUA (FARAH, 2011). Este “campo
de estudos” e área de formação foi marcado pela tensa separação entre administração e
política, o que segundo a autora seria constitutivo da identidade da área. O campo é definido
pela autora como “multidisciplinar”, no qual são absorvidas contribuições da administração,
ciência política, economia, sociologia e psicologia social. (hoje também da Antropologia).
Segundo Souza (1998) havia uma dicotomia entre política e administração e esta teria se
formado no final do século passado como parte da ciência política e somente a partir dos anos
70 é que se buscaria uma “administração pública como administração pública”, conforme a
evolução da disciplina descrita por Adams (1994 apud SOUZA, 1998). Segundo a autora é
importante que a disciplina não “fuja da política” dada a sua origem e “herança intelectual”,
ontologia e teorias terem sido construídas a partir do “referencial, conceitos e métodos da
ciência política.” (SOUZA, 1998, p.49).
A constituição da área no Brasil teve uma inclinação “filiada ao paradigma que separa
administração e política” assim diluindo uma identidade específica da Administração pública
(FARAH, 2011, p.830). Uma mudança de paradigma ocorreria nos anos 90, pós-1988, “pós-
democratização” quando há emergência de uma articulação entre política e administração,
superando a dissociação entre gestão e política.
Esta mudança teria como eixos a analise de políticas públicas e a gestão. Então a área de
estudo em políticas públicas foi incorporada pela “disciplina administração pública” no
Brasil. Isto ocorrendo sob uma determinada influência e a exemplo do que aconteceu nos
EUA. Porém, a formação da Administração Pública no Brasil teve suas especificidades dada a
condição socioeconômica do país e a presença da “ideologia desenvolvimentista”, em
particular nos anos 50. A “despolitização da disciplina” seria uma forma de reduzir
influências clientelistas existentes na burocracia norte-americana.
A área tem se desenvolvido com referenciais teóricos da área de políticas públicas (economia,
ciência política e gestão), tal como ocorreu nos Estados Unidos (FARAH, 2011). E no Brasil
no final da década de 50 haviam sido criados cursos de formação na área de administração
pública, sendo pioneiros os cursos da FGV no Rio de Janeiro, da Universidade Federal da
Bahia e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Estes apoiados mediante um
convênio entre Brasil e EUA assinado em 1959 (PBA-1). Esta formação tinha uma orientação
25
para o “desenvolvimento” segundo Marta Ferreira Santos Farah (2011), com base em Fischer
(1984 apud FARAH, 2011) e Keinert (1994 apud FARAH, 2011). Esse período revelaria
ainda uma prevalência da “administração científica” ou “clássica” nos moldes norte-
americanos.
Keinert (1994) delimita “quatro grandes períodos paradigmáticos” da disciplina no século
XX, que sintetiza aliando o instrumental teórico dominante ao contexto institucional no
Brasil. Os paradigmas da administração pública seriam unidades fundamentais
compartilhadas na comunidade científica e que assim identificariam em determinado período
e contexto. Assim, teríamos de 1900 a 1929 o período administração pública como Ciência
Jurídica, limitada e identificada com o Direito Administrativo revelando uma “postura
legalista” relacionada ao sistema ou tradição do direito romano transmitido por meio da
colonização portuguesa.
De 1930 a 1979 a autora define como período paradigmático da “Ciência Administrativa”
dividido em três fases: 1930-1945: fase do “estado administrativo , focada na racionalização e
treinamento técnico inspirado na Escola Clássica com o caráter prescritivo das teorias a ela
vinculadas. A segunda fase do período, de 1946 a 1964, denominada de “Administração para
o desenvolvimento” é fundada na ideologia desenvolvimentista e operada através dos
“projetos de cooperação internacional”. “No desejo dos países ricos criarem, nos países
pobres, pré-condições para investimentos” e transformar as “burocracias de tipo colonial em
instrumentos de mudança social” (KEINERT, 1994, p.44).
A última fase desse período, 1965-1979, Tania Keinert denomina como fase de
“Intervencionismo Estatal”, onde há aumento da centralização, controle e intervenção, com
crescimento da máquina governamental, conhecimento baseado na gestão empresarial, num
período “marcado pelo tecnicismo, pela neutralidade” e separação dicotômica entre
administração e a política (KEINERT, 1994, p. 45).
Os dois últimos paradigmas definidos pela autora em 1994 eram a Administração pública
como ciência política (1980-1989) e a “Administração pública como Administração pública
(1989-...)”. Este último, identificado pela autora como emergente em que seria repensado o
“papel do Estado” em um novo contexto: de “esgotamento” dos modelos anteriores, de
democratização com fortalecimento da noção de direitos e cidadania, de avanços
tecnológicos, mudança na relação com a sociedade, no qual haveria o desafio de superar
“velhas dicotomias” (KEINERT, 1994).
Os antecedentes remontam a situação em que no Estado se buscava alcançar um modelo
racional weberiano para a burocracia estatal em contraposição ao caráter patrimonialista e
26
clientelista que marcava a relação entre público, privado e o governo. A década de 30 assim
havia sido um marco inicial da modernização administrativa da administração pública federal.
Passando pela década de 50 com a consolidação do que se chamaria de “administração para o
desenvolvimento”, que serviu para expandir as atividades do estado, flexibilizá-lo através da
administração indireta e também criar entidades de direito privado, assim substituindo o
“modelo clássico” (MARCELINO, 2003).
Após a ditadura no período Vargas, no governo JK, temos um “segundo momento” dessas
tentativas de “reforma administrativa” governamental, o que consolidava a diretriz para o
“desenvolvimento” que se materializou no marco representado pelo Decreto-Lei nº 200 de
1967. A partir daí uma sucessão de governos autoritários iria centralizar e concentrar o
aparelho burocrático estatal até 1985. E apenas no Governo Sarney haveria a proposição e
esforços para uma nova “reforma administrativa” visando: adaptar a gestão ao regime
democrático, eliminar distorções como a “sobreposição de tarefas e conflitos de
atribuições”, racionalizar e tornar instituições eficazes, descentralizar as ações, revitalizar o
serviço público, conter gastos públicos e fortalecer a administração direta num retorno ao
“modelo clássico” (MARCELINO, 2003, p. 646).
O contexto governamental em que se desenvolveram as transformações institucionais e
execução das políticas ambientais e indigenistas enfocadas pela pesquisa remetem então à
certas heranças e recorrências administrativas, políticas e sócio-culturais d administração
pública do período do Estado Novo (Vargas), do período do regime militar instaurado em
1964 e do início do governo Sarney. Segundo Lustosa da Costa, O’Donnell e Mendes (2009)
o país chegaria à década de 1980 com um sistema federativo descaracterizado, após décadas
de centralização do poder, e “forte expansão da burocracia estatal, com destaque ao crescente
domínio da tecnoburocracia” com base em Carvalho (1990 apud LUSTOSA DA COSTA;
O’DONNELL; MENDES, 2009, p.306).
Estes elementos informam o contexto em que se encontravam as ações da SEMA e da FUNAI
na época. Sendo aqui observados os atos e os processos de criação da Estação Ecológica Raso
da Catarina em relação com a Terra indígena Pankararé, ações da política ambiental e
indigenista realizadas no contexto mais amplo de estruturação geral do Estado e da
Administração. Sendo relevante destacar que há limites para uma compreensão mais ampla
quando se analisa a administração pública de forma subdividida em seus setores.
Estes limites se referem aos esforços para uma compreensão da historia do poder instituído,
do Estado e da administração pública como um todo, ainda que a observação dos dois casos
27
permita a consideração de interações, possíveis incoerências na estrutura do Estado e
existência de conflitos de atribuições e conflitos entre setores de atuação.
Estas políticas públicas observadas se iniciam e são executadas num momento da história da
administração identificado como período da “Administração para o Desenvolvimento”, de
1964 a 1985, um recorte dentro da chamada “trajetória modernizante” da Administração
pública no Brasil, proposta por Martins (1995 apud LUSTOSA DA COSTA, 2008, p.9). Uma
outra “perspectiva temporal” sugere como periodização para as mudanças políticas e
institucionais ocorridas que de 1930 a 1964 podem se destacar dois períodos: um em que se
dá a “burocratização” do Estado nacional e outro que seria “uma espécie de continuação”
identificado com o “Estado nacional-desenvolvimentista”. Em seguimento os anos de 1964 a
1989 estariam identificados com o “Estado e a modernização autoritária”, segundo a visão de
Lustosa da Costa (2008, p.9). O autor sugere uma revisão da demarcação e referências do que
poderiam ser etapas constitutivas da história do Estado e da administração pública no Brasil
desde 1808 com a chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro.
Cunha e Coelho (2012) apresentam uma proposta de periodização das políticas ambientais no
Brasil a partir da década de 30, tipificadas como: regulatórias (legislação para estabelecer
“normas, regras de uso e acesso” aos recursos naturais); estruturadoras (“intervenção direta do
poder público” ou ONGs, por exemplo: Unidades de Conservação); e, indutoras de
comportamento (voltadas a “otimizar a alocação de recursos”). Os autores nos trazem um
importante elemento que é a localização e periodização histórica das políticas ambientais no
Brasil, ressaltando a existência de “formulações ambientalistas” ainda no período colonial
(século XVIII) “que integravam um discurso mais amplo de superação do atraso da colônia”
(PADUA, 1998; 1999 apud CUNHA; COELHO, 2012). E também na década de 30 e antes
quando em 1925 houve a criação do Serviço Florestal Federal no país.
Ainda segundo os mesmos houve três grandes momentos na história das políticas ambientais
no Brasil: 1930 – 1971: com a criação de uma base de regulação, criação da FBCN filiada a
UICN (1958); 1972 -1987: criação da SEMA (1973), formulação de uma política nacional,
“ápice intervencionista” e percepção da crise global; e, o período de 1988 aos dias atuais: com
descentralização de políticas, disseminação da noção de desenvolvimento sustentável, criação
do IBAMA, medidas normativas, agendas 21, continuidade do “confronto com políticas
intervencionistas” (CUNHA; COELHO, 2012, p.55), e conceitos de manejo de recursos
naturais aliados a democratização. Os autores destacam que o Estado até meados da década de
80 centralizava a Política Ambiental no Brasil (CUNHA; COELHO, 2012, p.46).
28
2.2 Administração pública ambiental, proteção a natureza e
modernização autoritária
Nós temos a semente e o conhecimento biológico: falta-nos o controle do
terreno. Daniel Janzen (1986, apud GUHA, 2000, p.85)
A ocupação do que hoje é o território brasileiro é vista por alguns autores a partir do foco em
suas “implicações ecológicas”. Esta ocupação, ocorrida segundo uma lógica de exploração
colonial sob domínio europeu, marcaria o modelo de desenvolvimento do país (PADUA,
2004). Neste processo de “ocupação” e “conquista” foram estabelecidas atividades
econômicas com mão de obra nativa e africana escravizada para a produção e envio de
riquezas para a Europa. Seria um sistema produtivo nascido de um “macro projeto de
exploração ecológica” ou um “arquipélago” destes projetos (PÁDUA, 2004, p.3).
Para o autor o “modelo de ocupação e exploração” no Brasil pode ser definido por três
aspectos essenciais, que estariam ainda presentes no modo de relação da população brasileira
com a natureza. O primeiro seria o “mito da natureza inesgotável” no qual haveria sempre
uma “fronteira natural” a ser alcançada pela exploração. O segundo revelaria um grau de
“desprezo pela biodiversidade e biomas nativos”. Algo que ao que nesse trabalho pode revelar
em especial o desprezo pela caatinga, o bioma “genuinamente brasileiro”. O terceiro seria um
investimento nas “espécies exóticas, especialmente em regime de monocultura” para
enriquecimento e controle territorial (PADUA, 2004).
Os colonizadores estariam agindo propriamente dentro da racionalidade e contexto de uma
colônia a ser explorada em que não haveria o ideal de nação e de “continuidade histórica” a
ser colocado na “lógica” dos colonizadores. O que aponta o autor como questionável é que
mesmo na independência e até os “nossos dias” tenha havido a “permanência” dessa “herança
colonial predatória” e de modo especial nas “elites econômicas” (PADUA, 2004).
Araújo (2007) faz referencia ao período imperial quando surgiu a primeira proposta de criação
de parques nacionais no Brasil feita em 1876 por André Rebouças, engenheiro e proprietário
da Companhia Florestal Paranaense, especializada no corte de madeiras. Os parques seriam na
Ilha do bananal no rio Araguaia e em Sete Quedas no rio Paraná, no entanto estes seriam
criados apenas em 1959 e 1961 respectivamente, sendo que o último foi “destruído, em 1980,
para dar lugar ao lago da barragem da Usina Hidrelétrica de Itaipu.” (DRUMMOND et al,
2010). Esta primeira proposta poderia ter sido inspirada pelo conhecimento da criação de
Parque Nacional nos Estados Unidos.
29
Barretto Filho (2004), com base nos trabalhos de José Augusto Pádua, traça um quadro inicial
para a compreensão das primeiras sugestões de regulação do uso dos recursos e proteção em
reservas. E desde o século 18 haveria no Brasil uma reflexão “ecológico-política”, ou um
“ambientalismo político”, que revelava uma preocupada crítica da relação da sociedade com o
meio natural, na perspectiva de sobrevivência e desenvolvimento da sociedade pela via da
utilização da natureza. No contexto de valorização dos recursos naturais em fins do século 18
a Coroa Portuguesa teria a perspectiva de alterar o padrão de exploração dominante na
formação colonial numa preparação para a transferência da sede do Império. Houve assim a
determinação para que “estabelecimentos botânicos” fossem organizados para intercambiar
“plantas úteis à economia portuguesa” (BARRETTO FILHO, 2004, p.54).
Pádua (2004) por outro lado encontra no século XVIII alguns personagens que já naquele
tempo registraram o que seria a “mentalidade” da época que via na natureza nativa um
“embaraço”, um obstáculo a ser destruído e transposto. Haveria nestes relatos uma
“agricultura bárbara” destruidora que reduzia a cinzas as “amenas selvas” que não teria “amor
ao território que cultiva” (COUTO, 1848 apud PADUA, 2004). Assim vieram as espécies
úteis e exóticas, a cana-de-açúcar, o café, o gado bovino, algodão, tabaco, e na atualidade o
eucalipto e a soja.
Barretto Filho (2004) destaca que nos séculos 17 e 18 havia uma preocupação com florestas,
mananciais e água potável no Rio de Janeiro, onde já havia ocorrido a devastação para
instalação de grandes cafezais. No início do século 19 houve a proibição de cortes de arvores
visando resguardar a oferta de água e em meados do século a intenção de “replantio” em
terras particulares na Tijuca e decisões determinando “plantio regular de árvores” nas
Florestas das Paineiras e da Tijuca, criadas em 1861 por decisão do Ministério da Agricultura,
Comércio e Obras públicas). A Tijuca seria, para as elites, um refúgio “longe da febre amarela
e da insalubridade urbana” (DEAN, 1996 apud BARRETTO FILHO, 2004, p.55). Para
Drummond et al (2010) esse replantio de parte de da Floresta da Tijuca entre 1861 e 1889
esteve relacionado a preocupação com a oferta e controle da qualidade da água que servia a
uma população urbana na época.
Larrère e Selmi (2006) analisando a criação de um “parque nacional à francesa” trazem a tona
um contexto que não é comumente referido quando se trata do surgimento dos parques ou das
áreas protegidas: o contexto europeu. A exemplo disso ocorreu em 1913 o Congresso
Florestal Mundial em Paris por iniciativa do “Turing Club de França” que associou os
interesses franceses de “proteção das florestas à proteção das paisagens excepcionais” e
juntamente com o turismo nas regiões montanhosas em que havia neve. Dez anos antes havia
30
ocorrido a Conferencia Internacional de Paris sobre a proteção da natureza, ocorrida em 1902.
Conferencia que esboçou concepção “fiel à idéia de parques norte-americanos, que pretendem
preservar a wilderness” numa “tradição paisagística” que se associa a “um movimento
naturalista”. Este preocupado com a “proteção de espécies ameaçadas de extinção e seus
habitats” que apoiaria as propostas de criação de parques nacionais na França (LARRÈRE;
SELMI, 2006, p. 249).
A política de preservação nos Estados Unidos viria a ser legitimada só em 1964 através do
Wilderness Act. No entanto, conforme Drummond et al (2010) o Parque nacional de
Yellowstone, criado em 1872, seria um reconhecido marco fundador da política de unidades
de conservação.
Olmos et al (2001) estabelecem um antagonismo ambiente-sociedade apresentando o que
seria uma manifestação naturalista de “discordância quanto a presença”, e consequente “dano
ambiental” e “ameaça” na visão dos autores, de populações indígenas, caiçaras ou
quilombolas no interior de unidades de conservação na Mata Atlântica “ou qualquer outro
bioma”. Além disso, que parece ser a tese central dos autores, estes, colocam que “setores da
intelectualidade pseudo-ambientalista” teriam sido um “campo fértil” para o “mito” ou
“ilusão”, conforme declarado no texto, de que teria havido uma “imposição sócio-cultural-
política” do “modelo Yellowstone” gerando uma cópia do mesmo no modelo brasileiro de
unidades de conservação (OLMOS et al, 2001, p.290). Os autores estão preocupados com o
modelo assumido no Brasil que desprivilegiaria a natureza em favor de questões sociais, o que
não deveria ocorrer segundo os autores, numa defesa da técnica e ciência conservação e das
áreas protegidas essenciais sem intervenção e presença humana.
Não colocando em termos de “imposição” do modelo norte-americano, Barreto Filho (2004),
entretanto faz referencia a ida de 14 técnicos florestais brasileiros aos EUA para um
treinamento em Forestry Leadership em 1965. A partir do que teria se institucionalizado a
divisão entre “uso direto” e “uso indireto” da paisagem, flora e fauna, o que segundo o autor
seriam “atividades conservacionistas – nos moldes norte-americanos”. (BARRETTO FILHO,
2004, p.62). Larrère e Selmi (2006, p.251) relatam que entre 1906 e 1930 quatrocentos
cinqüenta e nove (459) sítios foram “classificados como reservas naturais” na França mesmo
que sem existir ainda o “status jurídico”. A noção de parque nacional na França só seria
definida em lei no ano de 1960, antes do ato norte americano. Porém segundo os autores
desde a década de 20 do século XX parques nacionais e reservas naturais são criados nas
colônias, realizando as aspirações de engenheiros florestais, de naturalistas, da elite de
caçadores e das associações turísticas, o que ocorreu na Argélia (1921), Tunísia (1919), Costa
31
do Marfim (1924), Guiné Francesa, Congo Camarões e Senegal. Estas “realizações do
império Francês na África” teriam sido mais tardias e “menos espetaculares que a do império
britânico” que em 1898 criou o “primeiro grande parque africano” o Parque Kruger com hum
milhão e oitocentos mil hectares (1.800.000ha).
O período imperial do Brasil não produziu nenhum parque nacional inspirado no modelo de
área não “antropizada” e uso diferenciado, previa apenas que fossem plantadas arvores com
mudas de “espécies nativas”, estaria proibido o desmatamento a partir de 1862, e seria um
empreendimento que segundo Drummond teria o aspecto de um local destinado ao “lazer da
população urbana” como um “parque suburbano” na capital imperial. O “Parque Nacional da
Tijuca” que tomaria a lugar da “Floresta” seria estabelecido quase 100 anos depois em 1961.
(BARRETTO FILHO, 2004, p.55).
A árvore, a floresta e as matas foram se tornando assim preocupações das elites e associações
culturais e científicas da época, e cientistas estrangeiros residentes no Brasil. Um deles,
Alberto Loefgren (1854-1918), botânico sueco, fez campanha pela criação de um serviço
florestal, parques nacionais e a criação de um código florestal. Este conseguiu que em terras
adquiridas pelo Governo Federal fosse estabelecida uma “estação biológica” no Itatiaia
ARAUJO, 2007; DRUMMOND et al, 2010). Local onde seria criado posteriormente em 1937
o primeiro Parque Nacional Brasileiro, “nas montanhas da Mata Atlântica no estado do Rio de
Janeiro” dentro dos marcos do código florestal brasileiro de (RYLANDS; BRANDON, 2005,
p.28). O Parque Nacional do Itatiaia possui atualmente 28.084,100 hectares na Mata Atlântica
em áreas nos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais.
O “Serviço Florestal” foi criado em 1921 na estrutura do Ministério da Agricultura e o
“Código Florestal” só aconteceria em 1934, estes dispositivos reconheciam as categorias de
“parque nacional” e “área reservada” respectivamente. E neste inicio de século XX havia uma
“pluralidade de categorias de espaços florestados protegidos” (BARRETTO FILHO, 2004).
Segundo Araujo (2007, p.65), o código representou também a demarcação de um
ordenamento limitador do direito de propriedade no contexto da ascensão do Estado Social
Nacionalista empreendido por Getúlio Vargas. O código definiu que as florestas constituiriam
um “bem comum a todos os habitantes do país” e desse modo seriam exercidos os “direitos de
propriedade com as limitações” estabelecidas pelo código e leis gerais.
Araújo (2007, p.65) revela no capítulo em que trata da “História de um povo em busca do
Desenvolvimento e da Proteção da Natureza” que a subcomissão que elaborou o anteprojeto
do Código Florestal de 1934, no que se refere a Parques Nacionais, se inspirou no “modelo
suíço, que era mais restritivo do que o norte-americano.” A comissão concebia o parque
32
nacional como “um verdadeiro santuário” de absoluta segurança para animais e plantas, que
“não visam atrair turistas” e seriam “verdadeiras instituições científicas” onde a natureza
selvagem poderia ser “estudada” (ARAUJO, 2007, p.66).
Nas décadas seguintes até os anos 60 seriam criados os primeiros parques no contexto da
ampliação do papel do Estado, definindo de dominialidade pública estatal dos recursos
naturais (BARRETO FILHO, 2004). Nos anos sessenta durante a presidência de JK são
criados parques nacionais, no governo Janio Quadros num curto período também se criam
parques, como por exemplo, o Parque da Tijuca (RJ) e o Parque Nacional Monte Pascoal
(BA). E com o golpe militar em 1964 a Amazônia como nova fronteira foi recolocada na
estratégia de desenvolvimento nacional a partir da infra-estrutura e incentivos creditícios e
fiscais. Além disso, foi instituído um novo código florestal em 1965 prevendo parques
nacionais e florestas nacionais (ARAUJO, 2007).
Ocorre em 1967 a criação do IBDF como autarquia ligada ao Ministério da Agricultura, no
contexto de reforma da administração pública, o que segundo Araujo (2007) seria uma
resposta a Convenção para a Proteção da Flora e das Belezas Cênicas dos países da América.
O IBDF assumia a partir daí as funções e competências da administração pública com as
unidades de conservação, o que de fato aconteceria se não fosse criado outro órgão
“concorrente” ou “paralelo” alguns anos depois. O código florestal de 1965 segundo
Drummond et al (2010) teve com principal inovação estabelecer a divisão entre uso indireto -
que se daria nos parques e reservas biológicas, e uso direto – florestas nacionais e parques de
caça. Já havia ocorrido um “boom de criação de UCs de Proteção Integral” no Brasil desde
1959 e que só ocorreria novamente na virada dos anos 1970 (BARRETO FILHO, 2004).
Mittermeier et al (2005, p.14) associa a “proliferação de parques e reservas” desde o início
dos anos setenta do século XX a um “crescimento da consciência de conservação e da ciência
da conservação no Brasil”, uma realização que seria “maior que [o ocorrido em] qualquer
outro país tropical e comparável ao de países em desenvolvimento.” Para estes autores a
ocupação da Amazônia teria sido um “estímulo chave” para o “avanço” na ação de
conservação e desenvolvimento de uma “capacidade de conservação”. Esta capacidade
ampliada segundo os autores era “não governamental” e juntamente com uma “comunidade
forte de cientistas e profissionais de conservação de classe mundial” formaria a “base para
uma conservação bem-sucedida”.
33
Essa articulação entre o “marcha para o oeste”, desenvolvimentismo e conservação naturalista
durante a ditadura militar no Brasil serviram de apoio seguro para a criação de unidades de
conservação principalmente na Amazônia e Centro-oeste do país. Conjugaram-se efeitos
“deletérios” de expansão agrícola e “facilidade” de estabelecimento de UCs de proteção
integral mediante uma “gestão estatal estratégica do território” enraizada no contexto do
regime militar nas décadas de 1970 e 1980 (BARRETO FILHO, 2004). Assim é criado o
Parque Nacional da Amazônia em 1974 com 994 mil hectares (reduzido em 1985) em Itaituba
(PA) que antes havia sido designado com uma área de 1.258.000ha, ao longo rio Tapajós
(RYLANDS; BRANDON, 2005).
Em 1970 existiam 14 parques nacionais (MITTERMEIER et al, 2005) estava proibida a caça
desde 1967, nos anos 1970 uma seca se abateu sobre o nordeste e assim os “homens sem
terra” da região serviram aos planos de ocupação humana e integração física
desenvolvimentista da Amazônia, “terra sem homens” nas palavras do presidente Médici
(ARAUJO, 2007, p.75). Havia se chegado aos anos 1970 com 12 florestas nacionais
totalizando 0,36% das terras brasileiras e com 26 parques e reservas estaduais e 13 florestas
estaduais, período em que se iniciou o “Plano de Integração Nacional” (PIN) baseado nos
“eixos do desenvolvimento” infra-estrutural ao longo de rodovias como a Transamazônica e a
Cuiabá-santarém (RYLANDS; BRANDON, 2005).
Em 1972 era realizada a Conferencia de Estocolmo para a qual o Brasil envia sua delegação e
assina a declaração. No ano seguinte é decretada a criação de outro órgão federal a SEMA no
Ministério do Interior, havia no Ministério da Agricultura o IBDF. A SEMA criada em 1973
era o órgão ambiental com atribuições específicas antes não existentes na estrutura do
governo, porém em relação as áreas protegidas este se tornaria talvez um “concorrente” do
IBDF ou um agente que atuaria em quase “paralelo” quando se trata de criação de unidades de
conservação.
Nesse período de existência os dois órgãos se sobrepuseram cada qual com suas categorias de
UC, e depois ao serem extintos foram substituídos pelo IBAMA em 1989 que assumiria a
gestão conjunta de todas as áreas de proteção federais criadas em suas diversas categorias.
Uma alteração que pareceu ter “corrigido” a situação que havia antes com dois ministérios e
autarquias criando unidades de conservação federais, ainda que em “categorias” distintas.
Eram dois órgãos atuando para a criação de unidades de conservação dividindo a criação de
áreas protegidas federais atuando ambos com áreas protegidas de uso indireto e uso direto.
Tinham assim alguns objetivos comuns e não excludentes quando se trata de UC, além dos
objetivos específicos. Tinham ainda em comum a defesa “conservacionista” ligada à ciência
34
natural que era encampada pelos dois órgãos, mesmo estando separados. Um no Ministério da
Agricultura o outro no Ministério do Interior. Segundo Barreto Filho (2004, p.61) sintetiza, o
IBDF era uma “agência de fomento num Ministério de produção” e a SEMA uma “agência
ambiental num Ministério de desenvolvimento” ambos atuando num contexto de utilização
racional dos recursos florestais.
A realização das UC no período teria relação com movimentos sociais e a “articulação de
ONGs ambientalistas e conservacionistas” surgidas no país e contradições nas formas
centralizadas e autoritárias de implementação de um “projeto geopolítico para a
modernidade”. Projeto que partilhava com as “prioridades de conservação” a intenção de um
domínio científico e técnico do espaço. Em 1979 haviam 16 categorias de unidades de
conservação no Brasil e o IBDF produziu um plano para “racionalizar” as categorias e seus
objetivos de manejo propondo a constituição de um “sistema de unidades de conservação”
(RYLANDS; BRANDON, 2005, p.29).
A separação estrutural de uma “política nacional de unidades de conservação federais” em
órgãos distintos não seria então meramente explicada pelo tipo, especialidade e variação das
categorias que cada órgão produzia. Uma mudança ocorreria também com criação do
Ministério do Meio Ambiente que assim abrigaria o IBAMA, depois deste órgão ter sido
criado no Ministério do Interior, a qual antes estava ligada a SEMA. Com a articulação feita,
este Ministério foi também extinto e de um ponto de vista a SEMA ou MINTER iria
“absorver” o IBDF surgindo desse modo um novo órgão, o IBAMA, reunindo as atribuições e
as unidades de conservação até então criadas, desde a década de 1930. Uma herança que
também não ficaria a cargo do IBAMA que desmembraria esta atribuição histórica da sua
estrutura, e o Governo Federal acabaria criando um novo órgão em 2007, o ICMBio, atual
herdeiro do IBDF e da SEMA.
Mittermeier et al (2005, p.15) faz referência ao papel da comunidade de cientistas,
profissionais e “proeminentes lideres conservacionistas”, agrônomos, naturalistas,
pesquisadores e estrangeiros, como Wetterberg, Magnanini, Maria Tereza Jorge Pádua, Paulo
Nogueira-Neto (PN-N), Almirante Ibsen Gusmão Câmara todos envolvidos de algum modo
na consolidação de um sistema nacional de unidades de conservação, que só se realizaria no
ano 2000, Com a chamada “Lei do SNUC” como ficou conhecida.
Segundo Drummond et al (2010, p.347), alguns fatores deram origem a “pluralidade de
categorias” e “diferentes tipos de UCs” encontrados no Brasil nos anos 1990. Estes fatores
seriam: a “sintonia de cientistas e administradores” com mudanças no quadro internacional da
conservação; o interesse da sociedade no assunto; a pressão internacional e uma
35
“concorrência entre organismos gestores e as suas diferentes políticas.” Nos interessam
principalmente destes fatores a “concorrência” ou sobreposição entre o IBDF e a SEMA, e, a
“sintonia” entre cientistas e administradores. Porém não só sintonia para com “as mudanças
no panorama mundial”, mas a sintonia e articulação que houve entre estes cientistas e a
administração pública para a realização das UC, e, inclusive o conflito que houve entre os
mesmos nessa área.
O IBDF que era uma continuidade que vinha desde o Serviço Florestal criado no Ministério
da Agricultura trabalhava com as categorias de manejo “Parque Nacional” e “Reserva
Biológica”. O plano de sistema de UC de 1979 recomendava a criação de mais categorias, o
que a legislação não acatou na época (BARRETO FILHO, 2004). Havia no IBDF ainda a
responsabilidade pelas as Florestas Nacionais “para uso” (RYLANDS; BRANDON, 2005).
PN-N e a SEMA teriam encontrado um filão-nicho de atuação para fora da área do controle
da poluição que ainda não havia sido explorado explicitamente, pretendeu então criar UCs
“representando todos os ecossistemas brasileiros principais” e ao mesmo tempo “estações de
pesquisa” num “esforço paralelo” que produziu de 1974 a 1989 vinte e cinco (25) estações
ecológicas por todo o país (MITTERMEIER et al, 2005, p.15).
Gary Wetterberg, do Serviço de Pesca e Vida Silvestre dos Estados Unidos, conduziu com
Jorge Pádua a identificação de áreas prioritárias para a biodiversidade na Amazônia, com base
em “análise biogeográfica”, “regiões fitogeográficas”, “tipos vegetacionais” e o conceito de
“refúgios do pleistoceno” para determinar essas áreas (MITTERMEIER et al, 2005).
Wetterberg era um “especialista americano em áreas protegidas” que foi contratado para
contribuir no planejamento de UC na Amazônia, foi lotado no INPA em 1975. Dessa
iniciativa articulando o que seria “o melhor conhecimento científico então disponível”
surgiam “novos critérios técnico-científicos” para justificar a criação de UC no Brasil
(ARAUJO, 2007, p.81).
Esse método para época seria o mais avançado em termos de definição de áreas prioritárias
para a conservação e alguns parques foram criados de acordo com essa proposta. No entanto o
“ímpeto foi perdido” pela razão de criação das estações ecológicas representando todos os
ecossistemas brasileiros, entre outras assinaladas (RYLANDS; BRANDON, 2005). Depois
desse método surgiriam outras iniciativas para localização de novas unidades: o conceito de
“corredores de biodiversidade”, os workshops de especialistas para definição regional das
áreas que definiram 900 áreas para conservação (82 na Caatinga), e o método das ecorregiões
utilizado no ARPA do MMA (RYLANDS;BRANDON, 2005, p.31).
36
A SEMA teria lançado o Programa de Estações Ecológicas em 1976 (BARRETO FILHO,
2004) e iniciado esse programa em 1981 (RYLANDS;BRANDON, 2005) criando 15 estações
entre 1981 e 1985, 11 delas só na Amazônia. Segundo Foresta (1991 apud BARRETO
FILHO, 2004, p.59) a criação de UCs na Amazônia pela SEMA e IBDF no período do regime
militar seriam fruto da “astúcia política dos planejadores da conservação” e do
favorecimento de iniciativas cientificamente orientadas no ambiente tecnocrático do
regime. Segundo Barreto Filho (2004, p.60) o trabalho de Wetterberg seria fiel ao
“mainstream do conservacionismo internacional” constituindo uma base firme no
conhecimento científico da época, conjugando teorias num momento em que ainda era
incipiente a produção científica sobre as “florestas tropicais úmidas”.
Começava a ganhar atenção o contraditório concerto entre a conservação da natureza e a
ocupação da Amazônia. Incentivada pelo governo gerando atividades produtivas, infra-
estruturais e extração de recursos naturais, além de ampliação do desmatamento, nesse
contexto havia a luta dos seringueiros por “sobrevivência na floresta, contra a expansão dos
fazendeiros de gado”. Crescendo assim uma “comoção internacional”. Assim a partir daí
surgiriam medidas governamentais respondendo com criação de mais unidades de
conservação, definição de programas ambientais, planos de ação emergenciais, implantação
de infra-estrutura e treinamento para UCs, levantamento fundiário, planos de manejo e
recursos na ordem de 44 milhões de dólares na primeira fase do PNMA I, de 1991 a 1998. A
década de 1980 teria sido “generosa para conservação” e a década seguinte teria incrementado
ainda mais as UC no Brasil (ARAUJO, 2007, p.85).
Havia, no entanto uma dificuldade em racionalizar ou sistematizar as UCs no Brasil o que
segundo Drummond et al (2010) se expressou no longo tramite, toda a década de 1990, que
institui o sistema de unidades de conservação. A lei de 2000 teria sido um “momento histórico
para a conservação da Biodiversidade no país” (MITTERMEIER et al, 2005). O que
encerrava o período em que supostamente as UC eram criadas por critérios “estéticos”,
refletindo momentâneas “circunstâncias políticas favoráveis”, sem “planejamento
abrangente”, sem um “sistema” e sem seguir “critérios técnicos e científicos”, afirmativa com
base em Maria Tereza Pádua e Quintão (1984 apud ARAUJO, 2007, p.90). As questões de
uso da terra nessa época seriam mais levadas em conta do que a conservação ampla da
biodiversidade (ARAUJO, 2007).
Independente de cada caso concreto possível de criação de UC ocorrido, que não seria tomado
de forma generalizada, o SNUC estabeleceu um ordenamento geral antes inexistente.
Ademais representava também uma ascensão das “prioridades de conservação da natureza”
37
conforme os “planos” de Wetterberg colocando ainda de lado critérios não fundamentados na
“melhor” Técnica e Ciência. O que não impediu que fossem reconhecidas outras
possibilidades de conservação como as Reservas Extrativistas e de Desenvolvimento
Sustentável, o que implicou num descontentamento por parte de alguns setores mais
“radicais” da conservação.
Segundo Barreto Filho (2004) categorias de manejo distintas, relativas a objetivos específicos,
se consolidaram, e, a origem da distinção “uso direto” e “uso indireto” é considerada como
uma moldagem das UCs brasileiras ao padrão norte-americano, relacionada também ao
contato e formação de técnicos brasileiros a convite da United States Agency for International
Development (USAID) – Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional,
que assim expressariam pela primeira vez essa distinção no país.
O autor assinala ainda a aproximação que houve entre a produção dos critérios técnico-
científicos que justificariam as prioridades para conservação e também os objetivos do plano
nacional de desenvolvimento (II PND), deste modo o plano incorporava a conservação como
um de seus objetivos. Uma associação contraditória, mas que teria permitido conservar
espaços, aproveitando-se da “lógica” da Segurança Nacional e da natureza como patrimônio
nacional, a que caberia ao Estado, representado no Governo Militar, em última instância
protegê-la frente às “ameaças”. Porém, se pode considerar que entre as ameaças possíveis
algumas eram justamente fomentadas pelo regime militar.
Nesse contexto, segundo Barreto Filho (2004, p.60), havia um “entendimento” de que a
conservação da natureza “era um setor técnico e burocrático de atividade” e que por isso
“todo o questionamento às políticas de desenvolvimento deveria ser encaminhado dentro
desses marcos – da técnica e da ciência”.
Retornando a José Augusto de Pádua quando se refere ao modelo de ocupação e exploração
no Brasil, é possível compreender esse concerto não conflituoso entre os militares no poder
(com os planos de desenvolvimento, modernização, industrialização, etc.) e entre os cientistas
e lideranças da conservação da biodiversidade, flora, fauna, paisagens representativas. Basta
considerar um dos aspectos que o autor caracteriza como “modo de relacionamento da
sociedade brasileira com o seu entorno ecológico”: a idéia de uma fronteira natural
inesgotável “aberta para o avanço da exploração”.
Não que “cientistas” estivessem simplesmente agindo sob influencia desse “mito”, porém o
regime militar, administradores e planejadores poderiam considerar como algo razoável
conservar certas áreas “prioritárias” diante de haverem “tantas” outras inesgotáveis a serem
ainda exploradas. Seria ainda uma resposta à “comoção internacional” diante do
38
desmatamento causado no Brasil e em franco crescimento, acatando ainda a ciência mais
moderna aceita e disponível para justificar as medidas governamentais articuladas ainda numa
interação com o que se fazia nos EUA, o modelo e criador do primeiro parque. E isso
ocorreria com a legitimidade fornecida pelos líderes pioneiros conservacionistas e cientistas
brasileiros que há muito demandavam o crescimento e racionalização das UC no país.
A política de UC no Brasil tem sido considerada como tendo um relativo “sucesso” pelo
quantitativo criado, localização das áreas, articulação não-governamental, adesão as
convenções e modelos internacionais, forte embasamento técnico científico, alguma
representatividade dos biomas. Porém, existem pendências, “passivos” fundiários, problemas
estruturais, demandas por criação de mais áreas e maiores, corredores entre as áreas existentes
e toda sorte de conflitos nos locais e também entre posições e escolhas no que se refere aos
recursos empregados, categorias e especialmente sobre a presença de seres humanos nas áreas
e no entorno destas.
Há, além disso, alguns casos que Drummond et al (2010, p.346) denomina como “capítulo de
UCs frustradas” na história das áreas protegidas no Brasil. Além do Parque Nacional de Sete
Quedas que deu lugar a usina de Itaipu, no Nordeste o Parque Nacional de Paulo Afonso
criado em 1948, com 17 mil hectares em área dos estados da Bahia, Pernambuco e Alagoas,
também foi “extinto em 1968” para que fosse construída a hidrelétrica de Paulo
Afonso(ARAUJO, 2007, p.70), mesmo nome da cidade que fica na Bahia. Também no
Nordeste foi criada a primeira UC na categoria floresta nacional, a Floresta Nacional do
Araripe-Apodi entre os estados do Ceará, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte.
Atualmente a FLONA Araripe-Apodi possui área de 38.919,47 hectares no bioma Caatinga.
Em 1988, após redemocratização, o surgimento de um movimento “socioambientalista” e
criação de ONGs culmina com estabelecimento na Constituição Federal brasileira que “todos
têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo [...]
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo”. Caberia
ao Poder Público, segundo o art. 225, § 1º da Constituição Federal de 88, efetivar esse direito
através da preservação de “processos ecológicos essenciais” e “manejo ecológico das espécies
e ecossistemas” (inciso I) e definição de espaços territoriais “especialmente protegidos” em
toda Federação. Sendo proibida a utilização que pudesse comprometer a “integridade dos
atributos que justifiquem sua proteção”, salvo se a “alteração e a supressão” fossem
permitidas através de lei (inciso III) e ficavam a cargo do poder público “proteger a fauna e a
flora” estando proibidas as “práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem
a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade” (inciso VI).
39
Estes incisos que definiram competências, encargos, deveres ou obrigações foram
regulamentados pela lei que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da
Natureza – SNUC (Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000). Esse sistema teve como precursores
os dois planos de sistema de UC do IBDF e FBCN de 1979 e 1982 (etapas 1 e 2
respectivamente) “expressão mais acabada” de um esforço de planejamento que pretendeu
estabelecer diretrizes para a criação e gerenciamento de UCs no Brasil, (ROCHA et al, 2010,
p.208).
Esse projeto de lei tramitou durante mais de dez anos e provocou intenso debate entre
ambientalistas brasileiros (ROCHA et al, 2010). Criou dois grandes grupos divididos entre a
proteção integral e o uso sustentável, padronizando, organizando e reconhecendo categorias
de manejo, e também deixando sem reconhecimento algumas categorias existentes e que
deveriam ser assim “recategorizadas”, o caso das Reservas Ecológicas e Florestais, dos
Parques Ecológicos e Florestais, Estações Biológicas e Estradas-Parque antes existentes
(DRUMMOND et al, 2010).
O Projeto de Lei, gestado pelo IBDF com elaboração pela ONG FUNATURA dirigida por
Maria Teresa Jorge Pádua, foi encaminhado ao Congresso nacional pelo Presidente Collor em
1992 e teve relatoria iniciada pelo Deputado Fabio Feldman que depois passou ao Deputado
Fernando Gabeira tendo sido realizadas audiências em todas as regiões do país (ARAUJO,
2007). Teria havido um debate entre posições divergentes sobre a presença e envolvimento
das populações no entorno e dentro das UC na conservação, que considerariam este aspecto
como negativo ou positivo para a conservação da natureza. Esse debate segundo Mercadante
(XXX) se daria entre “conservacionistas” e “socioambientalistas”, e segundo Araujo (2007,
p.95) o debate permitiu que posições “defendidas pelos socioambientalistas fossem
incorporadas a Lei do SNUC”.
Segundo ROCHA et al (2010) nesse intenso debate nos anos 90 se enfrentaram
“preservacionistas” e “socioambientalistas”. E a polêmica seria em torno da presença de
população humana no conceito ou concepção de parque nacional, em que a conservação não
permitiria a “presença humana permanente, nem a posse particular das terras”, com o preceito
de que a presença humana seria “destruidora” ou “modificadora” interferindo negativamente
na natureza. Segundo o autor essa polêmica não ocorre em todos os países e no Japão, Canadá
e países da Europa “se admite tanto a presença humana como a propriedade particular nos
parques.” (ROCHA et al, 2010, p.209).
A União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (UICN ou
IUCN - International Union for Conservation of Nature), fundada em 1948 na Suíça, tem
40
influenciado países com modelos para as políticas de UC e desde 1982 em um Congresso
Mundial de Parques Nacionais a questão da presença humana foi refletida como algo que
poderia estar inserido no desenvolvimento regional e melhoria do padrão de vida de
comunidades locais, numa concepção em que a proteção da biodiversidade poderia ser
somada ao manejo conjunto com habitantes tradicionais ou originais e a partir de critérios de
zoneamento das áreas que abrigaria populações, conservação e alguma contribuição ao
desenvolvimento local (ROCHA et al, 2010). A UICN é uma organização que conta com mais
de mil e duzentas organizações membro associadas incluindo mais de 200 governos, incluindo
o ICMBio.
Porém no Brasil as políticas de UC não absorveram as recomendações da UICN no que se
refere a presença humana nos parques, ainda que outras recomendações da UICN para criação
e gestão de parques tenham sido adotadas no país (ROCHA, 2010). A escolha parece ter sido
a de criar categorias que acomodassem a “cisão no ambientalismo brasileiro” optando-se por
dois modelos extremos com categorias separadas. O fato é que, além de áreas de proteção de
uso indireto, se admitiu a possibilidade de áreas protegidas com a presença humana e uso
direto sustentável, mas com “posse e domínio públicos”. Ou seja, as posses particulares não
são admitidas nas áreas e são desapropriadas com direito a indenização e realocação, dentro
do “princípio do controle público integral das terras” (ROCHA, 2010, p.210).
A Lei do SNUC (Nº 9.985/2000) define uma série de termos e as categorias do grupo de
Unidades de Conservação de Proteção Integral são as seguintes: as Estações Ecológicas, as
Reservas Biológicas, os Parques Nacionais, os Monumentos Naturais e os Refúgios de Vida
Silvestre. O grupo das Unidades de Conservação de Uso Sustentável as Áreas de Proteção
Ambiental, é composto por: Áreas de Relevante Interesse Ecológico, Florestas Nacionais,
Reservas Extrativistas, Reservas de Fauna, Reservas de Desenvolvimento Sustentável e
Reservas Particulares do Patrimônio Natural.
O uso sustentável é definido como exploração do ambiente (“coleta e uso, comercial ou não”)
garantindo a perenidade dos recursos renováveis e processos ecológicos, mantendo a
biodiversidade e atributos ecológicos, e ainda de modo socialmente justo e viável
economicamente, com objetivo de “compatibilizar a conservação da natureza com o uso
sustentável” de parte dos recursos. Em contrapartida a proteção integral é definida como
manutenção de ecossistemas livre de alterações e interferência humana e que não envolve
consumo, coleta, dano ou destruição dos recursos naturais, com objetivo básico de “preservar
a natureza” (SNUC).
41
A categoria de unidade de conservação de proteção integral do tipo Estação Ecológica, em
particular, tem como objetivo a preservação da natureza e a realização de pesquisas
científicas. A área é de posse e domínio públicos, sendo que áreas particulares incluídas em
seus limites devem ser desapropriadas. As unidades de conservação em geral têm objetivos de
conservação e regime especial de administração, são instituídas pelo poder público e podem
estar em áreas de posse privada no caso de RVS, MoNa, ARIEs, APAs ou RPPNs. A posse e
o domínio públicos são requisitos das ESEC, REBIO, PARNA, FLONA e REFAUNA. A
RESEX e a RDS são de domínio público, ocorrendo a desapropriação de áreas particulares
inseridas nos limites e a concessão de direitos de uso a comunidades extrativistas, e no caso
das RDS poderia haver ou não a desapropriação (SNUC).
A lei define conservação da natureza como manejo do uso humano da natureza,
compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização sustentável, a restauração e a
recuperação do ambiente natural. A preservação seria o conjunto de métodos, procedimentos
e políticas que visem a proteção a longo prazo das espécies, habitats e ecossistemas, além da
manutenção dos processos ecológicos, prevenindo a simplificação dos sistemas naturais.
As posições de “conservacionistas”, “preservacionistas” e “socioambientalistas” estariam
relacionadas ao fator da “proteção integral” como algo que pretende deixar os ecossistemas
livres de alterações e interferência humana, e do consumo, coleta, dano ou destruição dos
recursos naturais. Assim suposto um descontrole ou incompatibilidade entre “proteção” e
qualquer “interferência humana” que não tenha como finalidade a pesquisa científica, a
preservação, algum tipo de visitação pública, o manejo de espécies ou alguma utilização da
terra autorizada e compatível com os objetivos das unidades, tudo sob controle da
Administração pública (SNUC).
No entorno de uma unidade de conservação (exceto APAs e RPPNs), denominado zona de
amortecimento, as atividades humanas ficaram sujeitas a normas e restrições específicas, na
concepção de que se deveria “minimizar os impactos negativos sobre a unidade”. E caberia a
administração da unidade de conservação estabelecer normas regulamentando a ocupação e o
uso dos recursos destas zonas. Segundo o texto legal as UC devem possuir uma zona deste
tipo, e os limites de amortecimento poderiam ser definidos no ato da criação das unidades ou
mesmo posteriormente.
Segundo Drummond et al (2010) o bioma Caatinga ocupa cerca de 9,92% do território
brasileiro e estava protegido com 30 unidades de conservação federais que correspondiam a
4,03% do total do bioma. Aproximadamente 20% da área protegida se encontrava em UC de
proteção integral e 80% em UC de uso sustentável num total de 3.399.941,00 hectares. O
42
bioma ocupa uma área total de 84.445.300 hectares ou aproximadamente 845 mil km2
segundo dados dos autores com base em dados do MMA e IBGE (DRUMMOND et al, 2010).
A política pública ambiental das unidades de conservação esteve dividida entre IBDF e
SEMA e à segunda cabia criação de Estações ecológicas no Brasil, o que só mudaria em 1989
com a criação do IBAMA. Existem quase sete milhões de hectares em áreas de estações em
todo o país sendo a quinta categoria entre as UC com maior área total definida entre as 12
categorias do SNUC. Durante a década de 1980 e no período de 2000 à 2009 foram criadas
aproximadamente 99% das áreas num total de 31 ESEC federais em todo o Brasil com
6.862.260,49 hectares ou 68.035 km2 de área federal. No Bioma caatinga se encontram 32
UC de proteção integral e 97 de uso sustentável somando 7,5% do Bioma em UC (63.466
km2) a partir dos dados atualizados do CNUC de fevereiro de 2014 e considerando não só as
áreas federais, mas também as estaduais e municipais num total de 129 UC na caatinga. O
total de UC no Brasil é de 1.860 (federais, estaduais e municipais em todas as categorias) com
área continental de 1.442.685km2, isto representa 16,9% da área continental nacional
(CNUC/MMA, 2014). Abaixo no Quadro 1(2) quantitativo de unidades de conservação
federais:
Quadro 1 (2) - Área das Unidades de Conservação Federais por categoria
Fonte: ICMBio, 20141
1
<http://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/servicos/geoprocessamento/DCOL/dados_tabulares/%C3%81r
ea_das_UC_federais_por_Categoria_jan_2014.pdf>
43
No Bioma Caatinga temos o seguinte quadro de UC proteção integral terrestre, sem
considerar algumas divergências de informação entre a listagem apresentada pelo Cadastro
Nacional de Unidades de Conservação (CNUC) do MMA, que até incluiu a APA Cavernas do
Peruaçu (Bioma Cerrado, MG), e o que é apresentado no site oficial do ICMBio na seção
“Unidades de Conservação nos Biomas” (ICMBio, 2014), Quadro 2 (2).
Quadro 2 (2) - Cadastro Nacional de Unidades de Conservação, Unidades de Conservação
Federais por categoria no bioma Caatinga
Categoria / Nome Categoria / Nome
1
2
3
APA da Chapada do Araripe
APA Serra da Ibiapaba
APA Serra da Meruoca
13
14
15
Flona de Negreiros
Flona de Palmares
Flona de Sobral
4
5
Arie Cocorobó
Arie Vale dos Dinossauros
16 Mona do Rio São Francisco
17
18
19
20
21
22
23
Parna da Chapada Diamantina
Parna da Furna Feia
Parna da Serra da Capivara
Parna da Serra das Confusões
Parna de Sete Cidades
Parna de Ubajara
Parna do Catimbau
6
7
8
9
Esec de Aiuaba
Esec do Castanhão
Esec do Seridó
Esec Raso da Catarina
10
11
12
Flona Araripe-Apodi
Flona Contendas do Sincorá
Flona de Açu 24 Rebio de Serra Negra
Fonte: ICMBio, 2014
A implementação destas políticas públicas na caatinga produziu quatro (04) estações
ecológicas federais. No Nordeste como um todo são sete (07) ESEC federais e cinco (05)
ESEC estaduais. Existem 237 UC federais dentre as 365 existentes no Nordeste brasileiro,
destas 365 UCs apenas 12 são estações ecológicas. As quatro estações ecológicas federais
criadas no bioma caatinga são a ESEC de Aiuaba no Ceará (11.525 ha), a ESEC do Castanhão
também no Ceará (12.579 ha), a ESEC do Seridó no Rio Grande do Norte (28.700 ha), e, a
ESEC Raso da Catarina na Bahia (99.772 ha), totalizam 1.303km2 ou aproximadamente 0,2%
do Bioma. As quatro juntas representam 12% das áreas de proteção integral no bioma e 2% do
total de áreas de UCs de todos os tipos criadas no bioma (CNUC/MMA, 2014). E a área da
ESEC Raso da Catarina em particular representa 64% dessa proteção na categoria ESEC de
proteção integral na caatinga.
44
2.3 Os Índios do Nordeste e a política indigenista
Mas a “cultura” não pode ser abandonada, sob pena de deixarmos de
compreender o fenômeno único que ela nomeia e distingue: a organização da
experiência e da ação humanas por meios simbólicos. [...] Justamente por
participarem de um processo global de aculturação, os povos “locais”
continuam a se distinguir entre si pelos modos específicos como o fazem.
Marshall Sahlins (1997)
A Região Nordeste, a que se atribuem estigmas causadores de sofrimento e dificuldades, que
persistem ao longo do tempo questionamentos, talvez ainda presentes no senso comum, sobre
a existência de povos indígenas ou sociedades indígenas no local e entre a população desta
região brasileira. No continente “tropical” em que predominam climas chuvosos e riqueza de
recursos hídricos a caatinga brasileira, um dos três espaços semi-áridos da América do Sul,
seria o espaço mais homogêneo “do ponto de vista fisiográfico, ecológico e social” dentre
estes, segundo Aziz Nacib Ab'Sáber (2003) referindo a região dos “sertões do Nordeste
brasileiro”.
Seria um grande espaço semi-árido insulado, com um vazio de precipitações que chega a
metade de um ano ou mais, dotado de originalidade nos seus atributos climático, hidrológico e
ecológico. O clima é muito quente, com ausência de perenidade dos rios e água nos solos,
longas estiagens, e chuvas com média anual que varia entre 268 e 800mm (AB'SÁBER,
2003). O cerra tem média de 1500 a 1800mm de precipitações anuais segundo autor. As
chuvas são periódicas, escassas e irregulares quando um longo período seco exerce uma
fortíssima evaporação, e no entanto segundo o autor trata-se da “região semi-árida mais
povoada do mundo” e talvez a “estrutura agrária mais rígida na face da Terra” (AB'SÁBER,
2003, p. 92).
Segundo o autor que ressalta que a região nordeste teria passado a desempenhar um papel de
fornecimento de mão-de-obra barata aos pólos de trabalho do país, é também um local onde
os “sertanejos” tem conhecimento das potencialidades produtivas dos subespaços dos sertões
secos, numa especialidade, “cultura de longa maturação”, que cada grupo tem sobre o local
de que trabalha. Nesse sentido não caberia “ensinar o nordestino a conviver com a seca”
(AB'SÁBER, 2003, p.95). O autor faz referência ao contato colonial com os “grupos
indígenas habitantes das caatingas”, referenciando áreas secas que constituíam domínios dos
índios e “espaços ecológicos de sobrevivência física e cultural” no contexto do século XVII e
XVIII. Com introdução da pecuária, e assim o povoamento, o uso de montarias e de animais
45
de tração, acabaram-se por descobrir a “vocação agrária dos ‘brejos’ e ‘abrejados’”, havendo
uma guerra e investida para conquistar os espaços mais úmidos, tendo assim os colonizadores
se apossado dos “refúgios temporários dos indígenas regionais” e das “melhores reservas de
terras indígenas” (AB'SÁBER, 2003, p.97).
As populações indígenas no Brasil sofreram um “holocausto demográfico” nos cem primeiros
anos de contato com os europeus, o que teria chegado a 90%, (PÁDUA, 2004). Com nove em
cada dez índios que viviam no Litoral brasileiro sendo mortos, por violências ou “choque
epidemiológico” conforme a via explicativa mais aceita. E as monoculturas e o gado teriam
exercido um destacado papel nesse aspecto, por exemplo, quando por volta de 1700 haviam
em todo o Brasil cerca de 300.000 indivíduos (destes apenas 100.000 eram europeus) a
quantidade de cabeças de gado apenas na Bahia e Pernambuco somava cerca de 1 milhão e
300 mil (1.300.000).
O autor lança o questionamento sobre se homens ou bois efetivamente teriam conquistado o
sertão nordestino ao analisar o modelo histórico de ocupação do território brasileiro. O
modelo teria legado aos brasileiros uma herança colonial que definiu a permanência de uma
lógica predatória de exploração da natureza visando o ganho de curto prazo. O modelo se
caracterizava ainda por um desprezo e desvalorização da “biodiversidade” e bioma nativos, e,
pelo investimento em espécies ou culturas exóticas com cana-de-açúcar, café, tabaco e
algodão, em detrimento das nativas, visando o mercado internacional, e atualmente a soja e o
eucalipto (PÁDUA, 2004).
Segundo Marcondes Secundino (2011, p.631) nas décadas de 1920, 1930 e 1940 eram
ensaiados os “primeiros passos da antropologia indígena no Nordeste” pelos pernambucanos
Carlos Estevão de Oliveira (1880-1946) e Mario Melo (1884-1959). Ambos formados em
Direito e atuando com interesse em desenvolver uma “etnografia indígena” além de
intervirem em “defesa dos direitos dos povos indígenas” agindo com interlocutores destas
diante do Estado brasileiro. Houve assim um “pioneirismo” nos estudos dos índios do
Nordeste identificado com estes personagens que teria contribuído para uma política
indigenista e sua justificação na região.
Ações no sentido de assistir e proteger os índios nesta junção de “mediação” e “dedicação aos
estudos” sobre os índios do Nordeste. Assim Carlos Estevão iria lidar e ter contato com a
cultura indígena observando os “costumes e as práticas socioculturais”, como registro ou
salvamento, categorizando os indígenas, estabelecendo comparações e escalas para identificar
graus de aculturação. Os indígenas nestas observações segundo Secundino (2011, p. 639)
46
eram categorizados como “remanescentes, descendentes, caboclos e aborígenes” no espectro
de uma busca por vestígios arqueológicos dessa existência indígena no Nordeste.
Carlos Estevão de Oliveira, conforme Secundino (2011), viajou pelos estados de Pernambuco
e Alagoas e teve contato que possibilitou descrever a tradição e rituais dos Pankararú no Brejo
dos Padres em Tacaratu (PE). Menciona as origens dos índios na região a partir de
informantes “caboclos” e descreve as práticas do Toré, “adornos com o praiá”, o ritual da
“Jurema ou Ajucá”, vinculado a uma prática com perspectiva “culturalista” da antropologia
que seria “vigente” na época, alertando ainda para a destituição de direitos que precisariam ser
defendidos.
João Pacheco de Oliveira Filho (1998) analisa como correu a formação e estabelecimento do
“objeto de investigação e reflexão” sobre “índios do Nordeste” considerando que estes “não
foram objeto de especial interesse para os etnólogos brasileiros”. Quando ocorreu, a avaliação
sobre as culturas indígenas do nordeste ou uma etnologia destes povos, seria negativa, por
conta de estes “resíduos de população” já estarem, desde os anos setenta, “mesclados”,
“altamente mestiçados” com sertanejos locais, conforme o autor encontra em textos de Darcy
Ribeiro (1970) e Eduardo Galvão (1979). Assim os “suspeitos” remanescentes dos índios do
Nordeste “não possuiriam mais importância enquanto objeto de ação política (indigenista),
nem permitiriam visualizar perspectivas para os estudos etnológicos.” (OLIVEIRA FILHO,
1998, p.50).
Oliveira (1998) faz referência ao termo de cooperação entre a UFBA e a FUNAI a partir de
1975 que teria sido de curta duração e ainda assim estimulado um “grupo de trabalhos”. Esse
termo, a criação da ANAI e do PINEB seriam elementos geradores de “dados e argumentos”
que fortaleceriam as demandas de populações indígenas que passavam a ser conhecidas em
suas “condições de existência”.
No caso da cooperação com a FUNAI, seriam estudos-subsídios para “programas de
assistência e desenvolvimento”. Segundo o autor é nesse contexto e a partir de “fatos de
natureza política” (demandas por terra e assistência) que os povos indígenas têm a atenção
dos antropólogos na região.
Teria assim surgido “a primeira tentativa de definição dos ‘índios do nordeste’ como uma
unidade, isto é, um conjunto étnico e histórico” (OLIVEIRA FILHO, 1998, p.51). Definição
que era relacionada à caatinga, historicamente associada às missões e frentes pastoris dos
séculos XVII e XVIII. Como uma “unidade” que se daria em torno do Nordeste enquanto
“conglomerado histórico e geográfico”. Estes índios na produção local eram observados,
47
considerando o “estigma” a eles atribuído na expressão “índios misturados”, colocados como
opostos aos “índios puros” do passado ou que eram idealizados.
João Pacheco de Oliveira Filho (1998) avalia que os estudos não teriam incorporado “um
esforço de conceituação” e um diálogo com “tentativas de criar instrumentos teóricos” já
existentes para estudo do fenômeno “interétnico”, por meio, por exemplo da noção de “fricção
interétnica” e críticas à noção de “aculturação”. Segundo o autor haveria uma “tendência”
nestes estudos de restringir-se a trabalhar sobre a “região” e “discutir a ‘mistura’ como uma
fabricação ideológica e distorcida”. (OLIVEIRA FILHO, 1998, p.52).
O órgão indigenista teria manifestado hesitação em atuar e exercer a tutela sobre os índios do
nordeste, pois a “incorporação” na sociedade regional teria feito destes “apenas”
remanescentes, (OLIVEIRA FILHO, 1998). Essa incorporação seria conseqüência de fluxos
coloniais anteriores que teria impactado as posses indígenas estabelecendo um atual problema
de caráter fundiário que demandava intervenção estatal. O órgão ao atuar de “maneira
esporádica” apenas em demandas incisivas tinha de justificar a sua atuação e o objeto desta
confirmando tratar-se de índios. No entanto, esta situação não impediu a “emergência de
novas identidades” indígenas e o “processo de etnogênese” apontado pelo autor como
característico da região.
O “padrão” de ação indigenista seria atuar em situações de expansão de fronteiras como
“força” mediadora e disciplinadora de fluxos colonizadores de ocupação territorial e de
exploração de recursos. Esses fluxos ocorreram mais tarde no nordeste do que ocorreram na
Amazônia o que talvez explique a diferença dos “problemas e mobilizações dos povos
indígenas” (OLIVEIRA FILHO, 1998). A invasão dos territórios indígenas do Nordeste tendo
ocorrido há séculos demandaria o restabelecimento dos territórios com a retirada dos não
índios e “desnaturalização” da “mistura”. Na Amazônia os problemas teriam uma “dimensão
ambiental e geopolítica” e no Nordeste seriam “primordialmente nas esferas fundiárias e de
intervenção assistencial.” (OLIVEIRA FILHO, 1998, p.53).
Ao passo que foi decretada a extinção de antigos aldeamentos indígenas, antes do final do
século XIX os índios do Nordeste eram reconhecidos apenas como “remanescentes” e
“descendentes” individualmente considerados. Os aldeamentos das missões religiosas nos
séculos XVII e XVIII exerceram controle sobre as coletividades indígenas conjugando
aspectos “assimilacionistas e preservacionistas” em relação aqueles índios. Num segundo
momento após os estímulos a fixação de “colonos brancos” e “casamentos interétnicos” na
região, as terras dos aldeamentos são ocupadas e incorporadas a comarcas e municípios em
formação. Mais adiante com a Lei de Terras de 1850 a regularização de propriedades ajudaria
48
consolidar a presença de pequenos agricultores não-indígenas e o “controle sobre parcelas
importantes das terras” (OLIVEIRA FILHO, 1998, p.58).
Os índios do nordeste teriam sido envolvidos em processos de “territorialização”. O que no
século XX se instaurou na forma de uma tutela “antiassimilacionista”, reconhecendo uma
afirmada cultura diferenciada que teria como objeto uma demarcação cultural e territorial para
aquela população (OLIVEIRA FILHO, 1998). O “indigenismo oficial” instalou Postos
Indígenas nos Estados de Pernambuco, Bahia e Alagoas a partir de 1937, juntamente com o
controle da assistência exercido pelos agentes da política indigenista no local. Porém, ainda
que seja generalizada de algum modo essa ação oficial, oriunda do SPI, na região que exigiria
características da “indianidade”, o processo não é entendido por Oliveira como algo
“homogeneizador” das identidades ou de “mão única”, isto é, externamente dirigido, sem
condução pelos grupos indígenas, pelo contrário.
A caracterização destes índios como “emergentes” fruto de alguma “etnogênese” ou de
“emergência étnica”, ou também índios “acamponesados” são vistas como metáforas
naturalizantes, referindo-os a um ciclo biológico e evolutivo (histórico determinado), que não
contribuiriam para o entendimento, até comprometendo a investigação dos fenômenos que
tentam designar (OLIVEIRA FILHO, 1998).
Para o autor,
[...] o surgimento de uma nova sociedade indígena não é apenas o ato de
outorga de território, de “etnificação” puramente administrativa, de
submissões, mandatos políticos e imposições culturais, é também aquele da
comunhão de sentidos e valores, do batismo de cada um de seus membros,
da obediência a uma autoridade simultaneamente religiosa e política.
(OLIVEIRA FILHO, 1998, p.66).
Os povos indígenas do nordeste não se enquadrariam na “representação genérica do índio
como primitivo” e não poderiam ser pensados segundo os “esquemas convencionais do
indigenismo brasileiro”. Seus problemas fariam parte da “questão camponesa” e os conflitos
seriam “fundamentalmente fundiários”, seria um “campesinato indígena”. (OLIVEIRA
FILHO, 1993). No entanto, considerando alternativas para interpretação da situação, mais
tarde seria possível considerar que “culturas nativas foram idealmente” construídas numa
concepção “naturalizada da cultura” que representava o índio como primitivo morador das
selvas e assim próximo da natureza (OLIVEIRA FILHO, 2000). Noção que serviria de base
para as suspeitas quanto à “pureza” e “autenticidade” daqueles povos, também existente num
senso comum arraigado.
49
Os direitos indígenas decorreriam do reconhecimento pelo Estado através de um “mecanismo
compensatório pela expropriação territorial”, extermínio e “perda de uma parcela significativa
de seus conhecimentos e de seu patrimônio cultural” (OLIVEIRA FILHO, 2000, p.24). Estes
não teriam a ver com a “pureza cultural”, a comprovação da ocupação anterior a chegada de
“brancos” em dado local, ou existência de registro em alguma “listagem” localizada no
passado (OLIVEIRA FILHO, 2000).
Segundo Maia (2012, p.171) os Pankararé, por exemplo, poderiam ser entendidos como um
“‘campesinato indígena’, historicamente construído”, sobre os quais “transformações
demográficas e na estrutura fundiária” tiverem influencia na “demarcação de fronteiras
étnicas”. Os Pankararé, índios do nordeste, seriam “camponeses” com distinção em relação a
“população dos demais camponeses não índios” do local onde vivem, numa situação de
“fricção interétnica”. Estes índios retomam tradições, reinventam símbolos e revalorizam
sinais diferenciadores. Assim, para a autora, “ações étnicas reinventam e recompõem uma
cultura dinâmica e flexível, construída em resposta a realidades mutáveis”, que teria “uma
estreita vinculação com a territorialidade e a reivindicação de um espaço territorial.” (MAIA,
2012, p.174).
Haveria um contexto tanto ecológico dos povos relacionado à caatinga, quanto histórico
associado às frentes pastoris e missões religiosas, identificado ao conjunto étnico ao nordeste
em que se dariam situações de contato específicas (DANTAS et al., 1992). Nesse contexto a
“mistura” seria encarada pelo senso comum e pela antropologia passada como um elemento
“diluidor”. Porém, a ação indigenista oficial provavelmente iria manter-se nesse aspecto ideal
ao lidar com as reivindicações dos índios do Nordeste, e além do SPI e da FUNAI,
provavelmente a SEMA ao se deparar com a informação de índios no Raso da Catarina. Estes
sem dúvida estariam fora dos padrões ideais do que seria o índio na época, pelo menos no
senso comum de conservacionistas e “homens de Estado”.
A intervenção do estado no problema indígena foi considerada no passado, sobretudo como
“uma questão amazônica”. O SPI, criado em 1910, teve apenas três intervenções na região
Nordeste de 1924 até 1945: criando oito postos indígenas. Até o final dos anos 1950 seriam
criados mais cinco postos, com pouca intervenção fundiária e limitando-se a “agir como
unidades assistenciais”, precariamente fornecendo serviços educacionais, medicamentos,
eventualmente empregando indígenas e atuando em situações de violência grave (OLIVEIRA
FILHO, 2011).
A questão das terras indígenas a partir dos anos 1970 se tornaria um elemento de grande
importância na “questão indígena”. Essas terras chegaram a ser estimadas no início dos anos
50
1980 repercutindo de forma diferente entre setores indigenistas e rurais. Ao situar a questão
como assunto ligado a segurança nacional o governo exprimia preocupação com as terras e
recursos ambientais envolvidos e os interesses privados. Havia uma “sistemática de criação de
terras indígenas” e as decisões seriam tomadas “exclusivamente no âmbito da FUNAI”, pelo
menos até 1983 quando o Decreto 88.18/1983 alterou o processo administrativo de
demarcação de terras indígenas, durante o Governo Figueiredo. (OLIVEIRA FILHO, 2011,
p.671). Com a alteração a demarcação das terras estaria submetida a decisão final dos
Ministros de Estado do Interior e Extraordinário para Assuntos Fundiários e não mais a uma
homologação pelo Presidente da República como era previsto (BRASIL, 1976).
A FUNAI que substituiu o SPI em 5 de dezembro de 1967 passou a lidar com demandas
maiores que suas próprias expectativas, após serem quantificadas em estudos produzidos pelo
Museu Nacional/UFRJ que revisaram e atualizaram as demandas dos índios (OLIVEIRA
FILHO, 2011, p.672). Essa listagem do Museu Nacional apresentada em 1987 já considerava
demandas no Nordeste. Em município onde há pelo menos uma área indígena reconhecida
pela FUNAI haveria uma população de 57.149 índios, segundo dados do IBGE (2000 apud
OLIVEIRA FILHO, 2011, p.678). A FUNAI estima segundo autor que nas 69 terras
indígenas existentes no Nordeste haveria 77 mil pessoas.
O censo demográfico de 2010 (IBGE),
revelou que, das 896 mil pessoas que se declaravam ou se consideravam
indígenas, 572 mil ou 63,8 %, viviam na área rural e 517 mil, ou 57,5 %,
moravam em Terras Indígenas oficialmente reconhecidas. (IBGE, 2010)
Segundo a FUNAI das terras indígenas tradicionalmente ocupadas referidas no art. 231 da
Constituição Federal de 1988, com processo de demarcação é disciplinado pelo Decreto n.º
1775/96, no total de 543 terras: 426 foram regularizadas, 38 foram delimitadas, 65 foram
declaradas, 14 homologadas e 128 destas estão em estudo, além destas, 6 terras estão
interditadas para proteção de índios isolados (FUNAI, 20142). A seguir apresentamos Quadro
3 (2) cronológico da Legislação da Política Indigenista brasileira sobre as Terras Indígenas
com base no Portal da Legislação da Presidência da República (2014).
2 Site Oficial da FUNAI. Modalidades de Terras Indígenas. Disponível em:
<http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas>.
51
Quadro 3 (2) - Cronologia da Legislação da Política Indigenista brasileira sobre as Terras
Indígenas
Ano Legislação da política indigenista referente às Terras Indígenas
1966 Decreto No 58.824, de 14 de julho de 1966. Promulga a Convenção nº 107 (“sobre a proteção
e integração das populações tribais e semitribais de países independentes, adotada em
Genebra, a 26 de junho de 1957, por ocasião da quadragésima sessão da Conferência Geral da
Organização Internacional do Trabalho”) sobre as populações indígenas e tribais.
1967 Lei Nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967. Autoriza a instituição da "Fundação Nacional do
Índio" e dá outras providências.
1973 Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio. Título III - Das
Terras dos Índios
1976 Decreto nº 76.999, de 08 de janeiro de 1976. Dispõe sobre o processo administrativo de
demarcação das terras indígenas e dá outras providências.
1983 Decreto nº 88.118, de 23 de Fevereiro de 1983. Dispõe sobre o processo administrativo de
demarcação de terras indígenas e dá outras providências.
1987 Decreto nº 94.945, de 23 de Setembro de 1987. Dispõe sobre o processo administrativo de
demarcação de terras indígenas e dá outras providências.
1988 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Capítulo VIII - Dos Índios, Art. 231.
1991 Decreto n° 22, de 04 de fevereiro de 1991. Dispõe sobre o processo administrativo de
demarcação das terras indígenas e dá outras providências.
1996 Decreto nº 1.775, de 8 de Janeiro de 1996. Dispõe sobre o procedimento administrativo de
demarcação das terras indígenas e dá outras providências.
2004 Decreto Nº 5.051, de 19 de abril de 2004. Promulga a Convenção nº 169 da Organização
Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais.
Fonte: Produzido pelo autor com base em consulta no Portal da Legislação da Presidência da
República. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br >.
52
3 A Conservação da caatinga pelo Estado
Mais de 25 milhões de pessoas, aproximadamente 15% da população do
Brasil, vivem na Caatinga (MITTERMEIER et al., 2002).
A população rural é extremamente pobre e os longos períodos de seca
diminuem ainda mais a produtividade da região, aumentando o sofrimento
da população (SAMPAIO; BATISTA, 2004 apud LEAL, 2005, p.142).
A Caatinga, além da sua exclusividade é identificada como “o mais negligenciado dos biomas
brasileiros” (VELLOSO, 2002). A região, uma das mais ameaçadas, foi subestimada
cientificamente e ecologicamente menosprezada no passado, o que talvez tenha implicado em
menores investimentos para sua conservação e proteção. Ou incentivo ou determinação para
houvesse um “uso racional” ou ordenado dos “recursos naturais” nela encontrados.
Atualmente esta área vem sendo considerada por seu valor e contribuição para a
biodiversidade, valoração das paisagens, pela quantidade e endemismo das espécies
encontradas e também por sua exclusividade natural e total pertencimento ao território
brasileiro. Tanto que, pesquisadores, conservacionistas, ambientalistas, sociedade civil e
governos têm atuado há pelo menos 40 anos apontando áreas importantes e prioritárias para
conservação. Esta proposição informada advém de estudos no bioma, consideração de
alternativas e prioridades de ação, valorizando o conhecimento gerado sobre a região. Essa
mobilização se deu pela importância considerada das espécies encontradas e necessidade da
sua proteção frente às alterações ocorridas, previsões de risco, desmatamento ocorrido, risco
de desertificação e os riscos de extinção de espécies.
Um conjunto de órgãos governamentais, instrumentos normativos e ações ou programas tem
sido de alguma forma mobilizados para essa proteção. Com o envolvimento de consultores,
pesquisadores, organizações, universidades e centros de produção de conhecimento diversos.
No âmbito Federal, esfera governamental que interessou a esta pesquisa em maior parte,
podemos relacionar o envolvimento de elementos como os órgãos MMA, IBAMA,
CONAMA, os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, e também o Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, autarquia de regime especial criada em
2007, pela Lei 11.516, vinculado ao MMA.
O ICMBio que integra o SISNAMA e atualmente possui a finalidade de executar a Política
Nacional de Unidades de Conservação, políticas relativas ao uso sustentável dos recursos
53
renováveis, fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação
da biodiversidade e de educação ambiental, dentre outras em sua área de atuação.
No passado, considerando desde os anos de 1960, e até antes disso, é possível encontrar as
bases da atual estrutura de ações de proteção e conservação da natureza. Esta base pode
considerar elementos como o Código Florestal (de 1965), a lei de Proteção à Fauna (de 1967),
a criação do IBDF (do 1967) ligado Ministério da Agricultura (ligado aos primeiros Parques
no país) e a criação da SEMA em 1973, ator importante no processo da ESEC Raso da
Catarina sobre o qual nos deteremos adiante e com mais detalhe.
A Lei que institui um novo Código Florestal em 15 de setembro de 1965, no seu Art. 5º,
determinava que o poder público criasse Parques nacionais com a finalidade de,
[...] resguardar atributos excepcionais da natureza, conciliando a proteção
integral da flora, da fauna e das belezas naturais com a utilização para
objetivos educacionais, recreativos e científicos; (BRASIL, 1965, Lei nº
4.771/65).
Mais adiante em 3 de janeiro de 1967, uma Lei dispondo sobre a proteção à fauna e outras
providências determinaria que o poder pública também criasse “Reservas Biológicas
Nacionais”, onde:
as atividades de utilização, perseguição, caça, apanha, ou introdução de
espécimes da fauna e flora silvestres e domésticas, bem como modificações
do meio ambiente a qualquer título são proibidas, ressalvadas as atividades
científicas devidamente autorizadas pela autoridade competente. (BRASIL,
1967, Art. 5º da Lei N° 5.197/67, revogado pela Lei nº 9.985/2000).
Em 28 de fevereiro de 1967 era criado o Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal,
(IBDF), entidade autárquica ligada ao Ministério da Agricultura. Ao IBDF competia
"administrar o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, os Parques Nacionais, as Florestas
Nacionais, as Reservas Biológicas e os Parques de Caça Federais" (Decreto-Lei Nº 289, inciso
VIII, Art. 5º). Este poderia, se “necessário a política florestal do País” (BRASIL, 1967,
Art.7º), promover a criação, instalação e manutenção de novos parques, florestas, reservas,
monumentos naturais e parques de caça federais (estes últimos ainda existentes nessa época).
A Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA) é criada no Ministério do Interior, quando
o IBDF já possuía 6 (seis) anos de atuação, em 30 de outubro de 1973 (Decreto Nº 73.030 de
1973). A SEMA estava "orientada para a conservação do meio ambiente, e o uso racional dos
recursos naturais.” (BRASIL, 1973, Art. 1º). E atuaria “de preferência, mediante Convênio” e
“contrato com empresas privadas”, visando,
54
[...] a realização de “serviços de pesquisa, planejamento, controle e
fiscalização relacionados com a conservação do meio ambiente, em
particular no combate à poluição hídrica e do uso racional dos recursos
naturais.” (BRASIL, 1973).
Competia a SEMA em relação à conservação:
b) assessorar órgão e entidades incumbidas da conservação do meio
ambiente, tendo em vista o uso racional dos recursos naturais; [...]
i) promover, intensamente, através de programas em escala nacional, o
esclarecimento e a educação do povo brasileiro para o uso adequado dos
recursos naturais, tendo em vista a conservação do meio ambiente.”
(BRASIL, 1973, Art. 4º).
A SEMA deveria exercer sua atividade “sem prejuízo das atribuições específicas legalmente
afetas a outros Ministérios.” (BRASIL, 1973, §1º, Art.1º). E o Ministério do Interior atuaria
em articulação com o Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, para examinar “[...]
principalmente as implicações, para a conservação do meio ambiente, da estratégia de
desenvolvimento nacional e do progresso tecnológico” (BRASIL, 1973, §2º, Art.1º).
Além das duas competências relativas à “conservação do meio ambiente” transcritas acima,
competia ainda a SEMA o seguinte conjunto de atividades (BRASIL, 1973):
a) Acompanhar e identificar transformações adversas do meio ambiente,
b) Promover o estabelecimento de normas e padrões relativos a preservação
do meio ambiente,
c) Controlar e fiscalizar normas e padrões estabelecidos diretamente ou em
colaboração com outros órgãos especializados,
d) Promover a formação e treinamento de pessoal em preservação,
e) Atuar na junto a agentes financeiros para a concessão de financiamentos
para recuperação de recursos naturais,
f) Cooperar com órgãos especializados na preservação de espécies animais
e vegetais ameaçadas de extinção e
g) Manter atualizada a Relação de Agentes Poluidores e Substâncias
Nocivas. (BRASIL, 1973).
Funcionaria ainda junto a SEMA o Conselho Consultivo do Meio Ambiente (CCMA)
"composto por 9 (nove) membros de notória competência em assuntos relacionados com a
utilização racional de recursos naturais e preservação do meio ambiente." "nomeados pelo
Presidente da República por indicação do Ministro do Interior." (BRASIL, 1973).
Com a função de assessorar a SEMA nos seus programas de trabalho e elaborar atos
normativos e textos legais relacionados às atribuições da SEMA. No decreto que criou a
55
SEMA não havia atribuição direta em relação às Florestas Nacionais, Reservas Biológicas,
Monumentos Naturais ou Parques de Caça na época previstos.
Em setembro de 1979 é decretado o Regulamento dos Parques Nacionais Brasileiros e em
abril de 1981 é decretada a criação da categoria Estações ecológicas. Os parques se
encontravam sob a responsabilidade do IBDF no âmbito do Ministério da Agricultura (órgão
que vinha de desde a década de 1930 criando as unidades de conservação no Brasil).
As Estações Ecológicas poderiam ser criadas pela União, Estados ou Municípios e a sua
administração da unidade seria definida apenas no ato de criação (indefinições que não
ocorriam com o IBDF), cabendo a SEMA manter um cadastro delas, promover a elaboração
de planos para estas e zelar pelo cumprimento de sua destinação. Uma atuação objetiva e
restrita em relação às unidades de conservação criadas.
Apresentamos abaixo Quadro 4 (3) acerca de elementos que podem diferenciar os dois
modelos/estratégias, o que deu através do IBDF e “modelo” da SEMA. A prevalência destas
duas ações sugere que talvez tenha havido uma divisão de atribuições dentro do Governo
Federal em relação às unidades de conservação na época no inicio de 1980, entre os
Ministérios do Interior (IBDF) e da Agricultura (SEMA).
56
Quadro 4 (3) – Comparativo entre elementos da Lei de criação de Estações Ecológicas (1981)
e Decreto que aprova o Regulamento de Parques Nacionais Brasileiros (1979)
Instrumen-to Decreto Nº 84.017 - 21/09/1979 Lei Nº 6.902 - 27/04/1981
Conceito
/Definição
/Objeto
Consideram-se Parques Nacionais,
áreas geográficas extensas e
delimitadas, dotadas de atributos
naturais excepcionais, objeto de
preservação permanente, submetidas
à condição de inalienabilidade e
indisponibilidade
São áreas representativas de ecossistemas
brasileiros, destinadas à realização de
pesquisas básicas e aplicadas de Ecologia, à
proteção do ambiente natural e ao
desenvolvimento da educação
conservacionista
Finalidade
/Destina-ção
Destinadas a fins científicos,
culturais: educativos e recreativos,
cabendo às autoridades, pelas razões
de sua criação, preservá-los e mantê-
los intocáveis
90% (noventa por cento) ou mais da área de
cada Estação Ecológica será destinada
preservação integral da biota
Objetivo
diante das
alterações
Objetivo principal dos Parques
Nacionais reside na preservação dos
ecossistemas naturais englobados
contra quaisquer alterações que os
desvirtuem
Na área restante (10%), desde que haja um
plano de zoneamento aprovado, [...] poderá
ser autorizada a realização de pesquisas
ecológicas acarretem modificações no
ambiente natural
Criação e
Estratégia
Estudo para criação de Parques,
Nacionais deve considerar as
necessidades do sistema nacional de
unidades de conservação, onde
amostras dos principais ecossistemas
naturais fiquem preservadas,
evitando-se o estabelecimento de
unidades isoladas que não permitam
total segurança para a proteção dos
recursos naturais renováveis.
As Estações Ecológicas serão implantadas e
estruturadas de modo a permitir estudos
comparativos com as áreas da mesma
região ocupadas e modificadas pelo
homem, a fim de obter informações úteis ao
planejamento regional e ao uso racional de
recursos naturais.
As Estações Ecológicas Federais serão
criadas por Decreto do Poder Executivo,
mediante proposta do Ministro de Estado
do Interior, e terão sua administração
coordenada pela SEMA. (Lei 88351/1983)
Estudos e
trabalhos
científicos
Propostas para criação de Parques
Nacionais devem ser precedidas de
estudos demonstrativos das bases
técnico - científicas e sócio-
econômicas, que justifiquem sua
implantação
Os órgãos federais financiadores de
pesquisas e projetos no campo da ecologia
darão atenção especial aos trabalhos
científicos a serem realizados nas Estações
Ecológicas
Competencia
para criação
Criados e administrados pelo
Governo Federal, constituem bens da
União destinados ao uso comum do
povo
Criadas pela União, Estados e Municípios,
em terras de seus domínios, definidos, no
ato de criação, limites geográficos e o órgão
responsável pela administração
Adminis-
tração
Terras, valores e benfeitorias, serão
administrados pelo Instituto Brasileiro
de Desenvolvimento Florestal – IBDF
Ministério do Interior, através da SEMA
deve zelar pelo cumprimento da destinação
das Estações Ecológicas, manter organizado
o cadastro das criadas e promover reuniões
científicas visando à elaboração de planos e
trabalhos a serem desenvolvidos
Fonte: Produzido pelo autor com base em Decreto Nº 84.017 e Lei Nº 6.902
57
Em 31 de agosto de 1981 a Lei Nº 6.938 que dispôs sobre a Política Nacional do Meio
Ambiente definiu entre os instrumentos desta política, o seguinte:
VI - a criação de reservas e estações ecológicas, áreas de proteção
ambiental e as de relevante interesse ecológico, pelo Poder Público Federal,
Estadual e Municipal; (BRASIL, 1981).
A Política Nacional do Meio Ambiente, da forma que é vigente, tem por objetivo a
preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando
assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da
segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana (1981, Art. 2). Para tal objetivo
deviam ser atendidos 10 (dez) princípios, dos quais destacamos os seguintes: a proteção dos
ecossistemas, com a preservação de áreas representativas (IV); os incentivos ao estudo e à
pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais
(VI); e, a proteção de áreas ameaçadas de degradação (IX).
Pelo artigo 18 desta Lei foram também transformadas em reservas ou estações ecológicas,
sob a responsabilidade da SEMA, as florestas e demais formas de vegetação natural de
preservação permanente, ao longo dos rios, cursos d’água, ao redor de lagoas, lagos,
reservatórios de água natural ou artificial, nascentes, topos de morro, montanha, serras,
montes, restingas, bordas de tabuleiros ou chapadas, e em campos, florestas nativas,
vegetações campestres em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros (conforme art.
2º da Lei nº 4.771/1965 (Código Florestal).
Assim também os pousos das aves de arribação, protegidas por convênios, acordos ou
tratados assinados pelo Brasil com outras nações. O artigo 18 que foi revogado pela Lei que
instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, Lei nº 9.985
de 18 de julho de 2000.
Em junho de 1983 o Decreto nº 88.351/83, regulamentando a Lei da Política Nacional do
Meio Ambiente (6.938) e a Lei de criação das Estações Ecológicas (6.902), definia que um
dos objetivos da política era “II - proteger as áreas representativas de ecossistemas
mediante a implantação de unidades de conservação e preservação ecológica;” (BRASIL,
1983, Art. 1º).
E que as Estações Ecológicas Federais seriam “criadas por Decreto do Poder Executivo,
mediante proposta do Ministro de Estado do Interior, e terão sua administração
coordenada pela SEMA.” (BRASIL, 1983, Art. 28.) E também o zoneamento seria
estabelecido pela SEMA, deixando ao CONAMA a competência para “estabelecer normas
58
gerais relativas às Estações Ecológicas, Áreas de Proteção Ambiental, Reservas Ecológicas
e Áreas de Relevante Interesse Ecológico;” (BRASIL, 1983, Art. 9º). Este decreto só foi
revogado em de 6 de junho de 1990 (DECRETO No 99.274/1990).
Em 31 de janeiro de 1984 constou no Decreto Nº 89.336 a complementação ao regulamento
acima confirmando que:
Art. 1º São consideradas Reservas Ecológicas as áreas de preservação
permanente mencionadas no artigo 18 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de
1981, bem como as que forem estabelecidas por ato do Poder Público.
§ 1º Excetuam-se ao disposto no caput deste artigo, as áreas nas quais o
Poder Público estabeleça Estações Ecológica [...].
§ 2º As Reservas Ecológicas serão públicas ou particulares, de acordo com a
sua situação dominial. (BRASIL, 1984)
Após quase 10 anos de criação da SEMA estava determinado que o Ministério do Interior e
SEMA teriam a competência para atos de criação de unidades de conservação e a
competência para coordenar a administração destas. É relevante observarmos que a Secretaria
em sua criação não teve esta competência original ou atribuição, algo que era consolidado no
IBDF. O ultimo decreto acima (Nº 89.336/1984) estabelecia também que a proteção das
Reservas ecológicas e das ARIE tinha por finalidade “manter os ecossistemas naturais de
importância regional ou local e regular o uso admissível dessas áreas [...]”, compatibilizando-
os com os “[...] objetivos da conservação ambiental.” (BRASIL, 1984).
Paulo Nogueira-Neto, secretário (geral) da SEMA desde a sua criação até 1986, registra o
seguinte sobre este período em que esteve “a frente” da secretaria: “Juntos, plantamos a
bandeira ambientalista pelos quatro cantos da Federação Brasileira.” (Nogueira-Neto, 1991,
p. 09). Nos “quatro cantos” encontraremos diferentes biomas e situações no que se refere a
intervenção publica para a conservação. Em particular interessou a pesquisa aqui relatada o
domínio de natureza denominado como “nordeste seco” ou domínio dos “sertões secos”,
região semi-árida quente, um domínio climático, hidrológico e ecológico peculiar brasileiro. E
que se diferencia dos outros domínios sendo também uma região de “grande diversidade
regional e ecossistêmica”, como em Ab’Sáber (1990, p. 150). Onde encontra-se a ESEC Raso
da Catarina e o Povo Indígena Pankararé na Bahia.
Estas peculiaridades naturais regionais envolvem as precipitações anuais inferiores a 800mm,
rios intermitentes sazonários, fortíssima entrada de energia solar, uma relevante “série de
estoques de biodiversidade”, existência de “diferentes sistemas ecológicos das caatingas”;
presença de estreitas “florestas beradeiras” ao longo de rios, riachos e riachões; matas
tropicais em “ilhas de umidade”, os chamados brejos nordestinos (AB’SÁBER, 1990,
59
p.158). Também se caracteriza o “bioma” como um “conjuntos de ecossistemas das
caatingas”, com cantigas arbustivas e arbustivo-arbóreas, matas secas dos agrestes, sertões
secos e serras úmidas, ainda colinas, serras secas, e paredões não servidos por umidade. Seria
possível inclusive se tratar de “caatingas” no plural e não de uma única caatinga nesta região
identificada no nordeste do Brasil.
3.1 A proteção e conservação da natureza na caatinga
Embora a Caatinga seja a única grande região natural com limites restritos
somente ao território nacional, o investimento realizado nas pesquisas sobre
a sua biodiversidade e conservação é inexpressivo. Segundo o Ministério do
Meio Ambiente (1999), entre 1985 e 1996 foram alocados cerca de 135
milhões de dólares para financiar 2.439 projetos de biodiversidade no país,
dos quais, apenas 4% foram destinados ao conhecimento e à conservação da
Caatinga. (PAES, 2008, p. 28)
A caatinga, localização, Bioma e biodiversidade
O Bioma Caatinga e o Cerrado não foram considerados como Patrimônio Nacional pela
Constituição Federal de 1988. Os Biomas brasileiros considerados como patrimônio da Nação
em 1988 são: a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal
Mato-Grossense e a Zona Costeira (§4º, artigo 225, capítulo Meio Ambiente). Essa
declaração implica que a utilização destes biomas e “recursos naturais” deve assegurar
condições de preservação do meio ambiente. Os biomas não reconhecidos como Patrimônio
Nacional se tornaram tema de campanha da sociedade civil organizada e de Propostas de
Emenda Constitucional em tramitação há quase 20 anos na Câmara Federal e no Senado (PEC
115/1995 e a proposta substituta a PEC 504/2010) para que houvesse essa correção e
equiparação.
Segundo Leal et al. (2005), a Caatinga limita-se a leste pela floresta Atlântica, a oeste pela
floresta Amazônica e ao sul pelo Cerrado, metade da região tem precipitação de média de
menos de 750mm, a maioria das chuvas são concentradas em três meses, com longos e
periódicos períodos de secas severas. Consideram os autores que as secas tornariam a vida na
Caatinga “difícil para o sertanejo” (LEAL et al., 2005, p.140).
60
Segundo Leal et al. (2005), o termo Caatinga de origem Tupi significa “mata branca” em que
seria uma referencia aos troncos “esbranquiçados”3 de árvores que durante a seca perderam
suas folhas e assim dominariam a paisagem com esta visão predominante. Com o risco da
desertificação que ameaça 15% da região. Essa vegetação seria a caatinga arbórea, hoje rara,
esparsa e fragmentada, substituída vegetação arbustiva, espinhosa e ramificada dominante na
paisagem. (LEAL, 2005).
Segundo o autor apesar de sua condição de “única grande região natural brasileira” e sua
contribuição a biodiversidade a caatinga “tem sido subestimada”. Já inclusive considerada
cientificamente como “um ecossistema pobre em espécies e endemismos” (LEAL, 2005, p.
141). Porém a importância da sua biodiversidade tem sido demonstrada pela quantidade de
espécies de plantas, abelhas, peixes, repteis, anfíbios, aves e mamíferos registradas; e pelo
nível de endemismo encontrado em aves (3%), mamíferos (7%), peixes (57%), com
informações de até 2005. E mereceriam atenção especial casos em que há o risco de extinção
de espécies, como a “ararinha-azul (Cyanopsitta spixii), por exemplo, [que] parece estar
extinta na natureza” vista pela última vez em 2000 (BirdLife International, 2000 apud LEAL,
2005, p.141). A ararinha azul de lear, o mocó e o tatu-bola, mereceriam atenção pelo
endemismo e raridade destas espécies.
Estimava-se em 2005 que entre 30,4% e 51,7% da caatinga foram alterados por ação
antrópica, mesmo que seja difícil dimensionar a perda de ecossistemas naturais, flora e fauna
ao longo de séculos de devastação e modificações. Nessa época também o bioma tinha o
“menor numero e menor extensão protegida dentre todos os biomas brasileiros.” O que é
corroborado por Gouveia (2010), pois a Caatinga segundo o autor tem o menor percentual de
áreas protegidas dentre os biomas brasileiros, apenas 7,12%. E as unidades conservação que
eram 47 com 11 áreas de proteção integral “ainda falham em proteger toda a biodiversidade
da Caatinga”: 4 de 13 tipos de vegetação reconhecidos na caatinga não estão em nenhum tipo
UC; 44 espécies de aves endêmicas ou ameaçadas não estão protegidas no sistema de unidade
de conservação; além de problemas como falta de infraestrutura e de pessoal, problemas com
antigos proprietários, demarcação inadequada, e vulnerabilidades diversas.
Segundo Gouveia (2010, p. 85), a Caatinga abrange uma área de 84.445.300 ha (IBGE, 2004)
de paisagens semiáridas onde predominam arbustos e arvores baixas caducifólias, solos rasos,
escassa e mal distribuída precipitação, o que seria uma “paisagem hostil”, com “extensas
3 Segundo Darién E. Prado “a floresta esbranquiçada”. “A etimologia Tupi-Guarani consiste das partículas ca’a,
planta ou floresta; tî, branco (derivado de morotî, branco); e o sufixo ’ngá (de angá), que lembra, perto de”
(PERALTA; OSUNA, 1952 apud PRADO, 2003, p.3).
61
áreas degradadas” e “núcleos de desertificação”. Segundo Hauff (2010) 62% das áreas
suscetíveis a desertificação estão no bioma Caatinga. A área alterada seria “superior a 45% da
sua cobertura original”.
Segundo o IBGE (2004)4, a área aproximada do Bioma Caatinga é de 844.453 km2,
representando 9,92% do Brasil. O IBGE estimou a Caatinga em 1985 em cerca de 800.000
km2 (PRADO, 2003). Bovinos e caprinos desde o século XVI rapidamente devastaram a
vegetação da caatinga, chegando a 10 milhões de cabeças de gado em 2000, florestas
largamente substituídas nos últimos 500 anos afetaram ainda o regime das chuvas e córregos e
rios, além do uso de técnicas de irrigação mais recentes que nas últimas décadas tem sido
consideradas como contribuintes para uma acelerado processo de desertificação.
Segundo o Mapa de Biomas do Brasil, resultado do termo de cooperação entre o IBGE e o
MMA de agosto de 2003, o Bioma Caatinga se estende pelos Estados nas seguintes
proporções: Ceará (100%), Bahia (54%), Paraíba (92%), Pernambuco (83%), Piauí (63%),
Rio Grande do Norte (95%), Alagoas (48%), Sergipe (49%), Minas Gerais (2%) e Maranhão
(1%).
A área total do Bioma Caatinga no relatório das áreas prioritárias para biodiversidade é um
total de 852.261 km2 (MMA, 2007, p. 72), sendo antes como “uma área de aproximadamente
734.478 km2, cerca de 11% do território nacional” (IBGE, 1993 apud MMA, 2007, p. 65).
Abaixo a localização do Bioma na Figura 1(3):
4 IBGE (2004). Mapa de Biomas e de Vegetação. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/21052004biomashtml.shtm>.
62
Figura 1(3) – Localização do Bioma da Caatinga
Figura 1(4) A Figura 1(4) B
A) Fonte: http://www.florestal.gov.br/snif/images/stories/RecursosFlorestais/biomas.jpg
B) Fonte: http://siscom.ibama.gov.br/monitorabiomas/caatinga/caatinga.htm
Segundo a síntese dos resultados obtidos do “Monitoramento do Bioma Caatinga” período
2008-2009, através de acordo de cooperação técnica MMA/IBAMA5, a área total do bioma
caatinga é de 826.411 km2, e haveria uma área desmatada até 2008 de 375.116km2 (MMA,
p.06).
Dados do ICMBio (2014) informam como área do Bioma Caatinga um total de 82.652.444,73
ha. Estando protegidos em UC Federais o total de 3.195.636 ha distribuídos em 8 categorias
diferentes, o que representa 3,9% do Bioma ocupado por Unidades de conservação Federais.
Não existem na caatinga as UC Federais nas categorias de Refugio da Vida Silvestre e
Reserva de Desenvolvimento Sustentável (MMA; TNC, 2008; ICMBio, 2014).
Segundo Leal (2005, p.142), entretanto 03 “áreas protegidas significativas” seriam a “espinha
dorsal de qualquer expansão futura da rede de unidades de conservação da Caatinga”: o
5 MMA/IBAMA (2011). Relatório Técnico Caatinga, junho 2011. Disponível em:
<http://siscom.ibama.gov.br/monitorabiomas/caatinga/relatorio_tecnico_caatinga_2008-2009.pdf>. E PMDBBS,
“Projeto de Monitoramento do Desmatamento nos Biomas Brasileiros por Satélite” – Resultados Caatinga:
<http://siscom.ibama.gov.br/monitorabiomas/caatinga/caatinga.htm>.
63
Parque Nacional Chapada Diamantina (152.000ha), a Estação Ecológica do Raso da Catarina
(99.772ha), ambos na Bahia; e o Parque Nacional da Serra da Capivara (92.228ha), no Piauí.
Quadro 5 (3) – Unidades de Conservação Federais no Bioma Caatinga, categorias, área total
por categorias e quantidade por categorias
Fonte: ICMBio, 20146
Em 2000 o MMA promoveu workshop “Avaliação e Ações Prioritárias para Conservação da
Biodiversidade na Caatinga”, com 150 pesquisadores, conservacionistas e setor privado para
selecionar áreas e ações para a conservação da caatinga. Foram definidas 57 áreas para
conservação da biodiversidade, 25 para pesquisa científica e um corredor de biodiversidade ao
longo do rio são Francisco, (LEAL, 2005).
Segundo Gouveia (2010), além da criação de UC que seria umas das principais ações de
proteção da biodiversidade, a estratégia de definir previamente zonas prioritárias tem sido
apontada como pré-requisito para elas, método que no Brasil foi utilizado em todos os seus
biomas. Pelos resultados da atualização das Áreas Prioritárias para a Conservação, Utilização
Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira ou Áreas Prioritárias para
a Biodiversidade, a caatinga possui 292 áreas prioritárias, o que representa 8,9% das 2.683
áreas atuais definidas no país.
Através da Portaria MMA nº 9, de 23 de janeiro de 2007 foi reconhecida7 a atualização das
Áreas Prioritárias para a Biodiversidade, com informações atualizadas e um novo mapa com
as áreas e ações prioritárias (GOUVEIA, 2010; MMA,2007). Esta atualização e definições
serviriam como subsídio para a formulação e implementação de ações (políticas públicas,
programas, projetos e atividades) sob a responsabilidade do Governo Federal. Na Portaria são
informadas as classes de importância e a prioridade de ação. Sobre a caatinga é definido por
6
<http://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/servicos/geoprocessamento/DCOL/dados_tabulares/UC_por_B
ioma_Jan_2014.pdf> 7 Com base Decretos nos 2.519, de 16 de março de 1998 e 5.092, de 21 de maio de 2004.
64
exemplo que 9,5% do total do bioma esteja em áreas de UC de Proteção integral e 2,2% do
total do bioma em UC de uso sustentável (MMA, 2007). Na figura abaixo são apresentadas
num mapa as áreas prioritárias por importância biológica.
Figura 2(4) – Mapa importância biológica e UC da Caatinga
Fonte: MMA, 2007
Das 292 áreas consideradas prioritárias 72 já eram áreas protegidas e total das áreas ocupam
cerca de 51% da área total do bioma (442.564 km2). A ação mais recomendada foi a criação
de unidades de conservação, indicada para 94 áreas. Sendo 40 de proteção integral, 8 de uso
sustentável, para o restante não foi indicado nenhum tipo. No Quadro 6 (3) abaixo podemos
ver a seguinte referencia ao Raso da Catarina e a Terra indígena Pankararé (MMA, 2007).
65
Quadro 2 (4) – Situação para conservação da ESEC Raso da Catarina e TI Pankararé
Nome Área Classe de
importância
biológica
Classe de
urgência de ação
(prioridade)
Principal
ação
prioritária
indicada
Município
principal
Entorno da ESEC
Raso da Catarina
3.199
km2
Extremamente
alta
Alta Mosaico/corre
dor
Paulo Afonso
(BA)
ESEC Raso da
Catarina
1.086
km2
Extremamente
alta
Extremamente
alta
Área protegida Paulo Afonso
(BA)
TI Pankararé 492 km2 Extremamente
alta
Extremamente
alta
Área protegida Paulo Afonso
(BA)
Fonte: MMA (2007, p.246).
Segundo dados de legenda do “Mapa de Unidades de Conservação e Terras Indígenas do
Bioma Caatinga”, em detalhe na Figura (4) acima, a Terra Indígena Pankararé e Brejo do
Burgo protegem respectivamente 0,10% e 0,06% da Caatinga no Estado da Bahia. A ESEC
Raso da Catarina representa 0,33% de Caatinga protegido na Bahia. Segundo o Mapa TNC;
MMA (2008) o total das UC de proteção integral na Bahia protege 1,00% da Caatinga no
Estado, as UC de uso sustentável protegem 7,48% da Caatinga e as RPPNs 0,03%.
Figura 3(3) – Detalhe da região da ESEC Raso da Catarina no “Mapa de Unidades de
Conservação e Terras Indígenas do Bioma Caatinga”
Fonte: TNC e MMA (2008). Elaborado em 2008, por Yuri Botelho Salmona.
66
A área total da Caatinga do Estado é de 30.092.536 ha e o total de unidades de conservação na
Bahia representa uma área de 2.559.316 ha (8,5% do total da área). A área total de terras
indígenas na caatinga no Estado no mapa é de 69.912 ha, representando 0,23% de caatinga
protegido, em 07 terras indígenas, com 02 ainda em identificação Tumbalalá e Tuxá (MMA;
TNC, 2008).
As unidades de proteção integral federais e estaduais protegeriam apenas aproximadamente
1% deste bioma (MMA; TNC, 2008). E "Menos de 5% da área da Caatinga está protegida em
unidades de conservação federais, sejam elas de proteção integral ou de uso sustentável"
(IBAMA, 2004 apud MMA, 2007, p. 66). Estando a maior parte protegida em APAs. Por sua
vez, as Terras Indígenas, “que são também importantes para manter a biodiversidade em
outras regiões, ocupam menos de 1% da área da região" (Souza, 2004 apud MMA, 2007, p.
66).
Segundo Leal (2005), menos de 1% da região é de áreas protegidas em proteção integral, com
11 reservas. Gouveia (2010, p. 87) analisou os avanços em termos de criação de unidades de
conservação, a partir de 2003 e até 2009, em relação às áreas prioritárias propostas para a
conservação da biodiversidade da Caatinga. Ou seja, a assimilação pelos órgãos gestores e
decisões tomadas em relação às definições de áreas prioritárias para a biodiversidade. Os
autores encontraram que oito unidade de conservação foram criadas na Caatinga somando
uma área total de 1.079.007 ha. Foram 4 unidades de proteção integral e 4 unidades de uso
sustentável (96,36% do total instituído). A UC forma criadas nos Estados do Ceará, Paraíba,
Sergipe, Bahia (a APA Lago de Sobradinho compreendeu 94,35% do total estabelecido na
Caatinga no período, com 1.018.000 ha), Alagoas, Pernambuco e Piauí. O governo federal
contribui com 2,77% da área criada, equivalente a 30.486 ha.
Seis das oito áreas criadas tem intersecção com áreas prioritárias apontadas e as seis foram
recomendadas para criação de UC de proteção integral, e três cumpriram esse requisito. O
governo federal estabeleceu superfície maior de UC de proteção integral em área de
importância extrema e os estados criaram um numero maior de unidades no período analisado
(GOUVEIA, 2010). No entanto, os autores apontam que historicamente pouca atenção tem
sido dada ao semiárido por parte do poder publico federal e os dados apóiam a assertiva de
que há uma “distribuição desigual” de UC federais entre os biomas. Abaixo na Figura 4 (3)
apresentamos a as UC federais no bioma caatinga:
67
Figura 4 (4) – UC Federais no Bioma Caatinga
Fonte: ICMBio8
8 Disponível em: < http://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/o-que-fazemos/mapa_biomacaatinga.jpg>
68
Os dados revelam ainda que nesse período houve uma pequena aplicação das recomendações
em relação ao tipo de UC a ser criada. Sendo a maioria criada de uso sustentável sem objetivo
primário de preservação da biodiversidade. Que suspeitamos ter possivelmente alguma
relação com a situação fundiária da região.
Gouveia (2010) considera essa dificuldade fundiária e outras como baixo investimento e
interesses políticos difusos e ressalta que diante do esforço empreendido para se gerarem
recomendações estas deveriam ser atendidas para se cumprir com os objetivos definidos
previamente. Van Schaik e Rao (2002 apud Gouveia, 2010, p. 91) assinalam situações em que
“tomadores de decisões são forçados, por pressões sociais diversas, a reduzir o nível de
proteção da unidade” escolhendo “categorias mais permissíveis a utilização dos recursos
naturais a serem protegidos.” Obstáculos que os autores consideram que podem ser
contornados “com o acumulo de conhecimento sobre os recursos naturais e com a aplicação
de metodologias mais avançadas que contemplem nas análises as limitações práticas”
(GOUVEIA, 2010, p.91-92).
Área-núcleo na Reserva da Bioesfera da caatinga
Em 1971 a Unesco criou o “Programa o Homem e a Biosfera (The Man and the Biosphere
Program - MaB)” um programa de cooperação científica internacional sobre as interações
entre o homem e seu meio9. A principal linha de atuação seria a criação de reservas da
Boiesfera, e o Brasil aderiu ao programa MaB/UNESCO em 1974 definido como meta criar
uma grande Reserva da Biosfera pelo menos em cada bioma brasileiro.
Este programa visa cumprir uma das diretrizes formuladas durante a Conferência sobre
“Conservação e Uso Racional dos Recursos da Biosfera”, realizada em 1968 (MMA, 2004
apud PAES, 2008, p. 25). E foi conceituado como reserva da biosfera “uma porção
representativa de ecossistemas terrestres e costeiros” com objetivo de “integrar as
necessidades de conservação da natureza ao uso dos recursos naturais, pelas comunidades.”
Até 2006 foram criadas “525 reservas da biosfera em 110 países dos cinco continentes.”
(PAES, 2008, p. 25).
Segundo Paes (2008), até 2007 foram reconhecidas sete unidades desse tipo, no país: Mata
Atlântica, Cinturão Verde de São Paulo, Cerrado, Pantanal, Caatinga, Amazônia Central e
Serra do Espinhaço. A primeira reserva reconhecida foi a da Mata Atlântica, entre 1991 e
2002. A Caatinga foi incluída entre as Reservas da Biosfera por decisão do Conselho
9 Programa O Homem e a Biosfera (MaB), © UNESCO, <http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/natural-
sciences/environment/biodiversity/biodiversity/mab-programme-in-brazil/>
69
Internacional do MaB na reunião de setembro de 2001 em Paris, França. Esta reserva envolve
“cinco estados brasileiros e abrange uma área de 189.990 km2 (19.899.000ha),
correspondendo a 25,86% da Caatinga.” (PAES, 2008, p.26).
O MaB estabeleceu um zoneamento em áreas-núcleo, zonas-tampão ou zona intermediária e,
na faixa de contato entre as zonas-tampão com o restante do território, criou a zona de
transição. As UC de proteção integral são áreas-núcleo nesse zoneamento do MaB pelo fato
de “serem consideradas as porções mais preservadas de ecossistemas representativos e habitat
favorável ao desenvolvimento de numerosas espécies vegetais e animais” (PAES, 2008, p.26).
A Estação Ecológica Raso da Catarina é uma das áreas-núcleo da Reserva da Biosfera da
Caatinga.
As unidades de conservação na caatinga
As fontes de informação consultadas por Hauff (2010b) dão conta de 105 UC de
administração pública, com 48 de proteção integral e 57 de uso sustentável. O que representa
em extensão uma área de uso sustentável seis vezes maior que o outro grupo. A Caatinga
segundo a autora com base em Tabarelli e Vicente representaria uma biodiversidade ainda
maior, com riqueza maior de espécies, sendo a proteção efetiva ainda desconhecida.
Considera ainda que a carência de informação é um obstáculo e que a informação sobre a
diversidade natural reforçaria e valorizaria as Unidades de conservação.
Considerando as oito ecorregiões da Caatinga a avaliação de Hauff (2010b, p. 27) informa
que das UC públicas de Proteção integral a ecorregião do Raso da Catarina tem a melhor
porcentagem de área protegida em relação a sua extensão, 5,3% de área protegida (162.995
ha).
As UC de Uso sustentável correspondem a mais 2,2% de área protegida, sendo que 2,1%
(64.460 ha) estão em UC estadual e 0,1 (3.043 ha) são UC em área federal de uso sustentável.
A menor das ecorregiões da Caatinga é a do Raso da Catarina com 30.800 km2, no âmbito do
Bioma considerado por Hauff, com um total de 851.050 km2. As terras indígenas e outras
áreas de proteção somam na ecorregião do Raso da Catarina o total de 117.741 ha. Abaixo
apresentamos o mapa das ecorregiões propostas para a caatinga na Figura 5 (3).
70
Figura 5 (3) – Ecorregiões da Caatinga
Fonte: VELLOSO et al (2002). Ecorregiões Propostas para o Bioma caatinga. TNC-Brasil,
Associação Plantas do Nordeste.
O Estado da Bahia pelos dados apresentados em Hauff (2010a) possui a maior área de
Caatinga em UC e a maior extensão de área em UC de Proteção Integral, com 260.852 ha, e
também com 2.250.354 ha em áreas de uso sustentável. Porém, Bahia, Ceará e Piauí são os
Estados que mais protegem as áreas com unidade de uso sustentável, principalmente através
de APAS (HAUFF, 2009).
71
O Raso da Catarina na Caatinga recebeu atenção durante o “Seminário de Planejamento
Ecorregional da Caatinga” organizado pela “The Nature Conservancy do Brasil” e Associação
Plantas do Nordeste (associação voltada ao conhecimento dos ecossistemas nordestinos e
envolvida na preservação da caatinga), em novembro de 2001 em Aldeia, Pernambuco. O
seminário objetivou contribuir com a definição de “grandes subdivisões ecogeográficas da
caatinga” que permitisse uma compreensão da distribuição da biodiversidade no bioma.
Esse seminário, além de identificar oito ecorregiões (Figura 4(4)-B), analisou as áreas
prioritárias indicadas pelo PROBIO em 2000 (que foram reavaliadas em 2007), considerando
que havia necessidade de focalizar áreas dentro das indicações segundo “critérios de
viabilidade” diante do número de prioridades ser maior que as “possibilidades imediatas de
ação de conservação” (VELLOSO; SAMPAIO; PAREYN, 2002).
Os resultados apontam que o Raso da Catarina tem um tamanho de 30.800 km2 localizado no
centro-leste do bioma. Identificaram uma bacia de solos muito arenosos, profundos, drenados,
e com fertilidade baixa, o relevo é plano, mas há canyons a oeste. Segundo os autores a
“pequena disponibilidade de água de superfície levou a um vazio demográfico muito
grande.” (VELLOSO; SAMPAIO; PAREYN, 2002, p.34) ou baixa densidade populacional. A
área na época do estudo foi considerada como “razoavelmente preservada” com 60-70% da
área em boas condições. A precipitação média é de 650 mm na parte sul e 450 mm na parte
norte. E é local de reprodução da arara-azul-de-lear ameaçada de extinção.
Por motivo de falta de discernimento cultural e científico, preserva-se o
Raso da Catarina, enquanto se deixou à margem de qualquer unidade de
preservação o único documento de um deserto arenoso interior, de que há
notícia no território brasileiro, fixado por vegetação especializada nos
últimos 10 ou 12.000 anos. (AB’SÁBER, 1990, p.157).
Esta consideração do geógrafo e ambientalista Aziz Ab’Sáber se refere aos “campos de dunas
de Xique-Xique”, uma “exceção nos sertões nordestinos” a ser preservada com urgência pela
sua fragilidade e quadro geológico e biótico frágil, situado na Bahia.
72
3.2 O processo de criação da ESEC Raso da Catarina: um estudo
de caso
O Raso da Catarina é um mundo semi-árido e desabitado, com ribeirões
secos mesmo quando a vegetação ainda está verde. (NOGUEIRA-NETO,
1991, p.66. Estações ecológicas: uma saga de ecologia e política ambiental).
Com base neste diagnóstico a UC é situada com relação à sua raridade,
fragilidade, representatividade e importância ambiental, cultural,
antropológica, [...] justificando a necessidade de manutenção da categoria
de manejo e enfatizando sua importância para a manutenção da
biodiversidade regional, nacional e internacional. (PAES, 2008, p.123.
Plano de Manejo da Estação Ecológica Raso da Catarina/BA).
O processo de criação da “Reserva Ecológica Raso da Catarina”, Processo nº
02001.001784/90-84, está localizado na sede do ICMBio em Brasília/DF, e foi encaminhado
para arquivamento em 19 de outubro de 2012. O processo se encontra em bom estado com
folhas numeradas de 01 a 138, faltando na cópia coletada junto ao órgão a folha de número
137, todas contidas estão datadas, com rubrica e carimbo “IBAMA/DIREC”.
Alguns documentos referentes a ESEC Raso da Catarina não foram localizados na cópia do
processo e a ordem de numeração das folhas não se acha em ordem cronológica dos atos
ocorridos e juntados aos autos. No entanto, foram encontradas informações suficientes,
juntando-se a estas outras fontes sobre o histórico e justificação da ESEC: as memórias
publicadas do Secretário da SEMA entre 1974 a 1986 (Paulo Nogueira-Neto) e documentação
não inserida no processo. Foram observados dois relatos de estudos realizados antes da efetiva
criação da Reserva/Estação (Decreto Federal em 1984). São estudos que foram viabilizados
com o apoio da SEMA: na área de ornitologia (Museu Nacional) com resultados em 1979, e
na de “bioecologia” pelo Instituto de Biologia da UFBA realizado entre 1980 e 1983.
A ESEC Raso da Catarina é uma unidade de conservação federal de proteção integral
localizada na região Nordeste, Estado da Bahia, nos “municípios de Paulo Afonso (8,37%),
Rodelas (31,39%) e Jeremoabo (60,24%)”, criada em 1984 como Reserva Ecológica e
posteriormente recategorizada.
Nesta área é permitido apenas o uso indireto dos recursos naturais protegidos, e os objetivos
principais são de preservação e proteção da natureza, com a realização de pesquisas
científicas. É vedada a visitação pública, salvo em atividades de educação ambiental e outros
previstos no Plano de Manejo. São permitidas ações de restauração, manejo com fins de
preservação e coleta para fins científicos (SOUSA, 2007; PAES, 2008).
73
A ESEC Raso da Catarina situa-se no Bioma Caatinga com área de 99.772ha, abrangendo os
municípios de Rodelas, Paulo Afonso e Jeremoabo. Limita-se ao norte com a Terra Indígena
dos Pankararé, ao leste com as comunidades rurais moradoras dos municípios de Paulo
Afonso e Jeremoabo, ao sul com a APA Serra Branca e a malha de drenagem do rio Vaza-
Barris e ao oeste com propriedades rurais dos municípios de Canudos, Rodelas e Macururé.
Abaixo na Figura 6 (3) a localização das UC e Terras Indígenas no Bioma caatinga e
considerando as ecorregiões propostas.
Figura 6 (3) - UC e Terras Indígenas no Bioma caatinga
Fonte: VELLOSO et al (2002). TNC-Brasil, Associação Plantas do Nordeste.
74
Segundo o Plano de Manejo da ESEC Raso o “principal objetivo para a criação da unidade”
foi a “proteção da arara-azul-de-lear” (PAES, 2008, p. 33). A Anodorhynchus leari , da
família Psittacidae, é uma espécie inserida na lista vermelha da extinção na qualidade
“endangered”, em perigo.
Segundo Paes (2008) na região de influência da Estação Ecológica Raso da Catarina habitam
comunidades quilombolas e populações indígenas, estas em cinco áreas pertencentes às etnias
Tuxá, Kantaruré, Xukuru-kariri e em particular os índios Pankararé que habitam a zona de
amortecimento da Estação. Os índios Pankararé tem parte de suas terras sobrepostas pela zona
de amortecimento da ESEC Raso da Catarina, e se encontram no entorno dessa unidade de
conservação.
As Estações Ecológicas foram mantidas entre as unidades de conservação e inseridas no
grupo das unidades de proteção integral. Seus objetivos específicos (art. 9º) são a preservação
da natureza e a realização de pesquisas científicas, inclusive com proibição da visitação
pública, exceto para objetivo educacional, de acordo com o que dispuser o Plano de Manejo
da unidade ou algum regulamento específico para a situação.
Segundo o Plano de manejo visando adaptar a ESEC ao SNUC, onde não existiu mais a
categoria das “Reservas Ecológicas”, a Portaria do Ministério do Meio Ambiente nº 373, de
11 de outubro de 2001, alterou-lhe a denominação para Estação Ecológica Raso da Catarina.
Todavia desde a criação esta teria sido imaginada e tinha tido a “denominação” de Estação
ecológica.
Natureza “intocada” no Raso da Catarina: um “Paraíso das abelhas” (1974)
No livro “Estações ecológicas: uma saga de ecologia e política ambiental” de Paulo Nogueira-
Neto (1991) conta como teria tido conhecimento do Raso da Catarina.
Em setembro de 1974, participei do sexto Congresso Brasileiro de
Apicultura, realizado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz,
Piracicaba (SP). Um dos presentes Celso Didier, pediu a palavra e fez uma
descrição vibrante de uma região Nordestina que era uma espécie de Terra
da Promissão para as abelhas. A região era um manancial de néctar e
estava intocada, coisa de transformar a cabeça de qualquer apicultor amigo
da natureza. Pelo menos foi o que aconteceu comigo. A imagem daquele
Shangri-lá constantemente me voltava à lembrança. Haveria, realmente essa
joia natural, ou seria um sonho? (NOGUEIRA-NETO, 1991, p. 67).
No processo há um documento intitulado “Histórico e informações sobre o Raso da Catarina”
referenciado como tendo sido elaborado por Paulo Nogueira-Neto,. Não possui data e é
75
rubricado ao final de cada folha, tendo sido escrito após a edição do Decreto federal que criou
a SEMA em 1984. Segundo este “Histórico”, o evento acima teria sido realizado no dia 07 de
setembro de 1974, e o autor conta que:
Durante essa reunião falou Paulo Sommer, do INCRA, ressaltando a
existência de uma região que seria muito importante para os apicultores.
Tratava-se do Raso da Catarina, com muitas terras devolutas. Depois dessa
palestra, durante uma conversa informal com apicultores, fui procurado por
Celso Didier, que residia em Paulo Afonso. Ele me deu maiores detalhes
sobre o que seria um verdadeiro ‘paraíso’ das abelhas. Contou-me que
havia uma enorme região, relativamente próxima a Paulo Afonso, onde a
natureza ainda estava praticamente intacta. Era o famoso Raso da
Catarina. Guardei essas informações e na primeira oportunidade fui até
Paulo Afonso. (IBAMA-DIREC, p.68)
Articulação com INCRA - 1975
Encontramos no processo de Criação da Reserva Ecológica Raso da Catarina uma referencia
ao documento que provavelmente seja o registro de um dos primeiros atos oficiais da SEMA
para a criação do que hoje é a Estação Ecológica Raso da Catarina (a cópia deste ofício não
consta no processo). O Ofício foi emitido em 10 de outubro de 1975 e dirigido ao INCRA
solicitando a transferência de bens imóveis,
“[...] situados área urbana do ex-PIC Jeremoabo, no Município de Santa
Brígida, estado da Bahia, com a finalidade de “dar apoio logístico à Estação
Ecológica do Raso da Catarina, criada com o objetivo de preservar a flora
e a fauna característicos do ecossistema caatinga, que se encontram em
processo acelerado de extinção.” (PROCESSO IBAMA/DIREC, 90-84,
OF/SEMA/Nº 911/1975, p. 07).
O INCRA então abriu no mesmo ano o Processo nº INCRA/CR-05/2308/75 para proceder a
“doação” à União de “área de 486.780 m2 localizada no EX-PIC Jeremoabo” (p.2). Sendo
apensados depois os Processos nº INCRA/CR-05 352/75 e posteriormente nº 369/78. Se a
SEMA havia sido informada de que a flora e fauna do Raso da Catarina estariam em
“extinção”, tendo sido a área referida pelo Secretário como sendo um lugar de natureza
“intacta” e “intocada”, não foi identificado. Porém, em 1975 o processo acelerado de extinção
foi um discurso “ecológico” forjado em lugar da verdadeira informação inicial que dava conta
apenas de um “paraíso das abelhas”, “Shangri-lá apícola” ou “manancial do néctar”
“descoberto” na caatinga.
Foi com ajuda CHESF que Paulo Nogueira-Neto pode sobrevoar a área do Raso da Catarina.
Em 26 de março de 1976 ele estava em Paulo Afonso (BA) segundo consta no seu diário,
76
publicado como livro em 2010 e intitulado “Uma Trajetória Ambientalista: Diário de Paulo
Nogueira-Neto”.
O vôo aconteceu no helicóptero Bell da CHESF, tendo como guia Manoel Alves dos Santos,
sobrevoaram o povoado de Juá, povoado de “Várzea” “com uma grande açude no centro”,
povoado de São José, e ocupações humanas a 8km de Várzea num “terreno acidentado, algo
erodido”, “na parte baixa”, “depois começa o Raso imenso, a perder de vista”
(NOGUEIRA-NETO, 2010, p.404). Visitaram as instalações do INCRA, e o diário relata
novamente mais “uma imensidão, a perder de vista, sem qualquer sinal de ocupação
humana.”
Em terra o Secretário continua relatando:
Almoçamos com o engenheiro agrônomo José Severino de Oliveira,
representante da direção da Chesf e chefe da Piscicultura. Também almoçou
conosco Celso Didier, pai da idéia de preservar o Raso da Catarina, e
chefe da apicultura da Chesf. Didier explicou que o Juá, junto ao Raso, é
um centro de comércio de peles de animais silvestres, tão abundante é a
caça lá (cotias, caitetus etc.). (NOGUEIRA-NETO, 2010, p.405)
No “Histórico” do processo ficou registrado que:
Trata-se da ultima grande área verde de todo o Nordeste. A perder de
vista, extende-se uma imensa caatinga sem sinais de ocupação humana,
exceto uma estrada aberta pela Petrobrás, que ali tentara encontrar petróleo,
sem sucesso. (IBAMA-DIREC, p.68).
Ao seguir viagem levantaram vôo no avião que os havia levado a Paulo Afonso (Paulo
Nogueira-Neto, Eduardo Nogueira e Lucia), sobrevoaram novamente o Raso da Catarina,
registrou que “Durante aproximadamente 30 ou 40 km prossegue o Raso, imenso, sem
ocupação. Glebas ocupadas, ou povoados, só podem ser vistas ao longe.” (NOGUEIRA-
NETO, 2010, p.405). O que se pode destacar além da surpresa com o lugar e suas qualidades,
é o recorrente registro da ausência de ocupação humana no lugar. Abaixo na Figura 7 (4)
apresentamos imagens de vistas áreas encontradas no Plano de Manejo da ESEC Raso da
Catarina.
77
Figura 7 (4) – Fotografias aéreas do Plano de Manejo da ESEC Raso da Catarina
Fonte: ROCHA (2005 apud PAES, 2008).
No livro de 1991 Nogueira-Neto descreve o Raso da Catarina como um “mundo semi-árido e
desabitado” (NOGUEIRA-NETO, 1991, p.66). Era para o autor a “última bela e vasta área
natural Nordestina sem ocupação humana.” Com uma “extensão verde intacta tão vasta,
[...] a ocupação humana no Raso era praticamente inexistente.” O que logo justifica a seguir
dizendo que “Sem água, não é possível estabelecer uma ocupação humana permanente.”
(NOGUEIRA-NETO, 1991, p.67, grifo nosso).
Segundo Ab’Sáber (p.149), “homens dos sertões” não poderiam resistir normalmente aos
anos de grande secura quando há falta de água para o gado e plantações ocasionando o
desemprego rural e migrações aos centros urbanos. Ainda que o autor considere que:
78
Os grupos humanos dos sertões secos aprenderam a conviver com o
ambiente semi-árido, seus rios periódicos, seus solos de difícil manejo e sua
estrutura agrária certamente muito arcaica e inflexível. (AB’SÁBER, p.149).
Se havia certeza quanto a essa inexistência de ocupação humana com base nesse contato com
o local e informações da época, ou não, o fato é que no diário no dia 4 agosto 1976 consta
registrado por PN-N o seguinte:
Na Sema tive de manhã uma reunião sobre acertos dos projetos de várias
Estações Ecológicas. Fiz uma alteração na planta-mapa do Raso da Catarina,
para proteger melhor seu principal acesso, via estrada da Petrobrás. A
Estação Ecológica de lá terá 236 mil hectares. P.S. 2009: No acerto final,
a área ficou com cerca de 100 mil hectares, devido em parte à criação de
uma Reserva Indígena. (NOGUEIRA-NETO, 2010, p. 405).
Articulação com o Governo da Bahia – 1976
Em 6 de dezembro de 1976 o Secretário da SEMA vai até a Bahia para encontrar o
Governador do Estado e encontra também o Coordenador do INCRA no Estado para tratar
das construções próximas do Raso, ao que segue narrando:
De lá fomos ao Palácio Ondina, onde falei à imprensa e à TV. Depois, eu me
reuni com o governador (Roberto Santos) e vários auxiliares, expondo a
situação do Raso da Catarina e explicando o documento que iríamos assinar.
Em seguida firmamos um Convênio, pelo qual o Governo do Estado dá à
Sema um comodato por cinco anos, renováveis. Além disso, o Governo
Estadual se comprometeu a enviar mensagem à Assembleia, pedindo a
transferência definitiva do Raso à Sema. (NOGUEIRA-NETO)
Antes em novembro já havia sido reservada “para efeito de preservação do meio ambiente” a
área de 200.000 ha (duzentos mil hectares) de terras devolutas do Estado, com coordenadas
constantes do Decreto nº 25.469/1976 (p.100) emitido pelo então Governador Roberto Santos,
em 03 de novembro de 1976.
O Decreto Estadual foi emitido considerando que a SEMA “pretende instalar uma Estação
Ecológica, na zona denominada Raso da Catarina, no município de Euclides da Cunha” (um
erro?), considerava que havia “sido feito o levantamento da área necessária a instalação da
referida estação”, e que o “empreendimento era de interesse do Estado, principalmente para
evitar a utilização predatória de matas e extinção da fauna.”
Em 06 de dezembro de 1976 era firmado este convênio entre a União através da SEMA e o
Governo da Bahia (p.34), representado pelo Governador Roberto Figueira Santos, para que a
posse das terras fosse cedida através de um “comodato” e estivesse firmado um compromisso
79
do Governo do Estado para submeter a Assembléia Legislativa do Estado a “doação” da área
já reservada pelo Decreto nº 25.469/1976, ato do Governador Roberto Figueira Santos. O
objetivo do termo era “preservar o ecossistema regional e implantar uma infra-estrutura que
permita a realização de estudos ecológicos de alto nível,”. Podemos verificar que passados
mais de 30 anos ocorreram estudos no local, realizados pela UNEB, UEFS e UFPE, e também
realizados por unidades do órgão ambiental responsável pelas UC no Brasil.
O secretário da SEMA, conforme acima, explicou ao governador e sua equipe o termo que
seria assinado, a área já havia sido medida anteriormente a mais de um mês atrás. Como
ocorreu essa medição antes de novembro de 1976 não conseguimos verificar através da
documentação ou bibliografia, porém, a área de fato estava medida, pois as coordenadas
constaram do Decreto Estadual de 3 de novembro de 1976.
Não consta no processo o pedido ou qualquer informação sobre a medição da área nessa
época, inclusive consta no Diário de Paulo Nogueira-Neto o registro: “Mandei iniciar os
serviços de topografia no Raso da Catarina [...]”, em 17 de maio de 1977, que retomaremos
mais adiante (Nogueira-Neto, 2010, p. 406). Se causar alguma estranheza atos dessa
magnitude realizados com pouco fundamento aparente, causaria também surpresa a
justificativa para a estação ecológica ter sido baseada ao que parece em informações e
especulações preliminares num primeiro momento, com pouca ou nenhuma comprovação
científica ou base ecológica para sua criação, pelo menos inicialmente.
Pelos documentos se nota que, ao omitir o motivo inicial do paraíso das abelhas onde a
natureza era intacta e intocada definida como uma imensidão verde, se coloca como discurso
de justificativa da Estação Ecológica a pura preservação do ecossistema e necessidade de
intervenção diante de uma suposta ação predatória de matas e a extinção da fauna. Estas
últimas, ao que parece não tinham comprovação naquele momento, dezembro de 1976, e
contradizem com a inexistência ou baixíssima ocupação humana no Raso da Catarina, pois
então o que causaria a “predação” das matas e a extinção da fauna?
Ao passar por Salvador/BA nessa data Paulo Nogueira-Neto em relação ao INCRA registrou
no diário que “Parece haver algumas dificuldades burocráticas a sobrepujar, para a SEMA
receber construções que o INCRA possui perto do Raso.” (NOGUEIRA-NETO, 2010, p.
406). No ano seguinte, em agosto de 1977 a Informação DFT/INCRA Nº /77 dava
conhecimento sobre o seguinte a respeito do processo aberto no INCRA para este fim, que:
2. A instrução do presente se encontra, data venia, muito confusa,
incompleta, visto que não foi dado o seguimento ditado pela NORMA
80
DFT.1-F/1a. [...] Finalmente, acrescentamos que o processamento da
transferência destes imóveis, necessitando sempre audiência previa da SPU;
(1977, p.21)”
[...] 15. As peças técnicas não nos oferece um quadro claro da situação em
que se encontra o acervo dão ex-NC Geremoabo. Enfim, repetindo, o
processo se encontra bastante tumultuado, [...] partindo de um novo
requerimento de quem de direito, representante da União; ‘in casu’ o
Serviço de Patrimônio da União, que deverá solicitar os referidos imóveis,
com o fim de serem destinados à SEMA, visto que a referida secretaria, [...]
não é detentora de patrimônio, os seus bens pertencem a União. (1977, p.
22).
Na SEMA tramitava o “Memorial Descritivo e Ordem de Serviço para execução de Trabalhos
Topográficos na área da Estação Ecológica Raso da Catarina – BA” e como lemos no
processo a SUDENE seria a executara dos trabalhos e as especificações já teriam sido aceitas,
em 07 de outubro de 1977, conforme consta no MEMO/SEMA/SACT/Nº 84 (P. 25).
No Memorial Descritivo (p.26), anexo ao MEMO acima de outubro de 1977 constava a área
total de 200.00 ha (duzentos mil hectares), e descrevia a mesma área do Decreto Estadual que
reservava a área, com os mesmos paralelos e meridianos de localização e indicação para
demarcação com coordenadas para 9 marcos idênticos. Eram os pontos das coordenadas do
Decreto anterior e são próximos aos encontrados no Decreto nº 89.268/1984 (Governo
Figueiredo) que cria a ESEC Raso da Catarina e depois incluídos na Portaria MMA nº
373/2001 (Governo Sarney) quando da sua recategorização.
Assim foi assentado o tamanho da área com 200 mil hectares. Nessa época a A.Leari (ararinha
azul de lear) ainda não havia sido “descoberta” no local, nem haviam sido realizados estudos
ecológicos do convênio UFBA-SEMA/MINTER (1980), que ocorreriam mais tarde. No
entanto, nesta época ocorriam os estudos antropológicos com os Pankararé pelo PINEB-
UFBA. E pelo que pode ser lido abaixo, retomando o registro de 17 de maio de 1977 no diário
do Secretário da SEMA, os índios já eram do seu conhecimento:
Mandei iniciar os serviços de topografia no Raso da Catarina, mesmo antes
de chegarmos a um acordo com a Funai. Não é possível perder uma área
de 220 mil hectares devido à presença de 26 pessoas (dez adultos e 16
crianças), caboclos descendentes de índios.
Vamos deixar de lado uma área de 60 a 50 mil hectares, onde eles estão para
discutir o caso com a Funai. De maneira nenhuma, porém,
concordaremos em abrir mão de um extensão maior que essa, pois isso
seria um absurdo total. O critério que seguimos foi passar a linha
divisória, no lado sul, a 6 km (1 hora de marcha a pé) das casas dos
caboclos. Mais que isso, seria cometer um crime contra as gerações
futuras, liquidando com uma joia da natureza. (NOGUEIRA-NETO,
2010, p.406, grifo nosso)
81
Esse registro é do mês de maio de 1977 e dá conta de que se haviam feitos serviços
topográficos a revelia de qualquer situação que poderia ser acordada ou dialogada com a
FUNAI a respeito de indígenas, seres humanos, no local. O que teria motivado a ação
intempestiva do secretário para proteger o “Shangri-la apícola” ou a “jóia da natureza”? No
Processo de criação da Reserva/Estação encontramos no “Histórico...” registrado o seguinte
sobre a situação, o que teria sido escrito por Paulo Nogueira-Neto:
No entanto, dos 200.000 ha iniciais perdemos 50 mil ha, pois na região do
cânion existiam 23 descendentes da tribo Pancaré, contando-se nesse numero
homens, mulheres e crianças. Eles são caboclos que já não falam nenhuma
língua indígena, mas apesar disso a FUNAI os protege. (IBAMA/DIREC,
p. 69, grifo nosso)
Nota-se que a ocupação humana não seria assim inexistente no Raso da Catarina como
afirmava e relatava preliminarmente o secretário da SEMA e continuou afirmando de modo
geral (NOGUEIRA-NETO, 1991; 2010). O registro no processo continua assim:
Para não perder tudo, cedemos aquela parte do Raso, de tal maneira que a
nossa área ficou reduzida a cerca de 100.000 ha. Alguns antropólogos da
FUNAI faziam muita pressão contra nós, dizendo que os necessitavam de
uma área de perambulação para caçar. (IBAMA/DIREC, p. 69, grifo
nosso)
Em 1975*, ou nessa época, Paulo Nogueira Neto parecia querer que os índios saíssem da
futura área da Estação Ecológica, enquanto foi proposta a sugestão dos índios serem agentes
da conservação de alguma forma, segundo entrevista 2 (Caroso*, 2013), como acima vimos
que a SEMA não tinha “acordo com a FUNAI” nessa época. A área já havia sido reservada
por decreto estadual e possuía memorial descritivo com os pontos para demarcação definidos
para um total de 200 mil hectares. Nessa época já haviam quase dois anos do Ofício da SEMA
para “transferência” dos bens do “ex-PIC Jeremoabo” do INCRA. Então a Secretaria emite
um novo Ofício em 27 de outubro de 1977, agora dirigido ao Coordenador Regional do
INCRA na Bahia, Demóstenes Ângelo de Lima. A comunicação segundo o próprio ofício se
deu após “vistas dos autos do processo” quando se tomou “conhecimento das dúvidas
suscitadas pelo Departamento Fundiário.”, a DFT do INCRA.
O Ofício, constante do processo, teve “a finalidade de afastar essas objeções e de apressar o
andamento do pleito”, esclarecendo que a “doação sob condições dos bens imóveis” deveria
ser “feita ao Ministério do Interior, representando a União” e destinados a instalação pela
SEMA da “sede da Estação Ecológica do Raso da Catarina;”. Neste ofício assinado pelo
82
Secretário Paulo Nogueira-Neto foi manifestado também que a SEMA tinha “[...] interesse no
total da área, atendidas as limitações impostas pelo próprio INCRA.” O Secretário ao final do
ofício solicita também,
“autorização provisória para ocupação da área, tendo em vista os trabalhos
a serem executados e a aplicação, ainda no presente exercício financeiro, da
verba a esse fim destinada.” (OF/SEMA Nº 0000883, de 27 de outubro de
1977, p.17).
O Coordenador do INCRA na Bahia informa o pleito da Secretaria ao Presidente do INCRA
em 01 de novembro de 1977, afirmando que a coordenadoria na Bahia estava “de acordo com
a proposição da SEMA” (p.15). Conforme encontramos no processo, o presidente do INCRA,
“Lourenço Vieira da Silva”, emitiu Ofício dirigido à SEMA, em de 6 de março de 1978,
informando quais as providencias que vinham sendo e seriam tomadas para a “transferência,
em caráter definitivo” de bens imóveis situados na área urbana do “ex-PIC Jeremoabo” (p.
07).
Segundo o ofício o “Ex-PIC Jeremoabo” já teria sido declarado emancipado pelo Conselho de
Diretores do INCRA em 1973 e assim os imóveis remanescentes podiam ser doados pelo
órgão. E também por se tratarem de imóveis em Núcleos de Colonização ou Projetos de
Reforma Agrária que tinham “perdido a vocação agrícola ou se destinem à utilização urbana
[...]”, com base na Lei nº 5.954/1973 (p. 09).
No entanto, a SEMA não receberia o total da área, pelo seguinte:
a área urbana remanescente do ex-PIC Jeremoabo, após extremada da que irá
ser transferida a essa Secretaria [SEMA], será doada a Prefeitura Municipal
de Santa Brígida, para que se integre a vida autônoma do município [...] (OF.
INCRA/P/Nº 79/78, p. 09).
Todavia a SEMA obteve êxito ao conseguir da Presidência do INCRA autorização para
utilizar os imóveis solicitados “de imediato, excetuando os lotes ou prédios discriminados”,
conforme pleiteou. Assim, a SEMA conseguira em 6 de março de 1978 uma sede provisória
a Reserva ou Estação Ecológica do Raso da Catarina, que de fato ainda não existia, pois
não havia sido criada, existia apenas nos planos da SEMA, “nos papéis” e no Decreto do
Governo do Estado da Bahia que reservou uma área de 200.000 ha (duzentos mil hectares) no
Raso da Catarina.
Em 09 de maio 1979 se estavam realizando os trabalhos técnicos do INCRA para atender a
SEMA e se informava que nos “autos, o impasse persiste” e que a “doação não poderá ser
83
formalizada”, pois existiam “2 (duas) ocupações” que “não podiam ser transferidas a SEMA”
na área em referência “medindo 64,6724 ha”, se tratava de uma Igreja e uma escola, e se
deveria “estremar da área em questão os imóveis (terra nua e benfeitorias)” (p. 102), segundo
o chefe da DFT-3 Luiz Cezar Barata (Informação DFT.3/Nº 037/1979, processo nº
INCRA/CR-05/2308/75).
O Chefe da DFT informava no mesmo dia sobre o “ex-Núcleo Colonial Jeremoabo” que dado
que a SEMA se manifestara por toda a “área urbana remanescente do antigo Núcleo”
justificando ao INCRA planejar ter “implantado [um] campo experimental de estudos e
pesquisas relacionados à Estação Ecológica Raso da Catarina”, era preciso descrever também
prédios e edificações de propriedade do INCRA (que já haviam sido relacionados), ocupações
tituláveis de posseiros fora da área central do núcleo (confirmados), estremando-se também a
escola e igreja para que a área fosse “doada à SEMA, através da SPU” (p. 104, grifo nosso).
Ainda em maio o Diretor do INCRA-DF, Domingos Martins Filho, encaminha o caso a CR-
05 pedindo “urgência no pronunciamento”, pois a “SEMA vem pressionando insistentemente
este Departamento no sentido de que seja formalizada a doação da área solicitada” (p. 106).
Ainda sem a “doação” a “Estação Ecológica do Raso da Catarina”, referida desta forma pela
SEMA, começava a se tornar uma realidade com sua “[...] sede localizada no Núcleo de
Colonização de Jeremoabo.”, como se pode ler no ofício, de 18 de julho de 1979, expedido
pela secretaria onde se observa um pedido feito ao DNOCS para colaborar com a SEMA ao
furar um poço artesiano na “Estação Ecológica” coordenadas “Latitude: 9º 43’ S Longitude
38º 15’ W”, propriamente assinado pelo Secretário Paulo Nogueira-Neto
(OF/SEMA/SAO/CEE Nº 0000675, p. 06). No Oficio encontramos ainda expresso o seguinte
na comunicação ao DNOCS:
Estamos implantando Estações Ecológicas em áreas representativas de
ecossistemas, no sentido de preservar e propiciar estudos ecológicos, às
Universidades brasileiras, na certeza de, a curto e médio prazo podermos
colaborar no planejamento de desenvolvimentos regionais em bases
conservacionistas. (OF/SEMA/SAO/CEE Nº 0000675/18/JUL/1979, p. 05)
Em 11 de outubro de 1979 o Coordenador Regional Substituto do INCRA CR-05 informa ao
representante da SEMA em Paulo Afonso, Newton Calazans Rêgo, que a área a ser doada
“não será de 64,6724 ha, com todas edificações nela existentes e, sim parte da mesma, em
torno de 50 hectares, incluindo as benfeitorias.” (p. 04).
O Conselho de Diretores do INCRA autoriza pela Resolução Nº 037 em 12 fevereiro de 1981
o Presidente do órgão Paulo Yokota promover as medidas necessárias visando doar área de
84
486.780 m2 localizada no “ex-Projeto de Integrado de Colonização Jeremoabo” com vistas a
preservação da flora e da fauna, “em processo acelerado de extinção” (p. 118). No dia
seguinte, é firmado um Termo de Doação em que a União (outorgada donatária) foi
representada pelo Procurador-Chefe da Procuradoria da Fazenda Nacional Hermano Américo
Frederico Falcone, em 13 fev 1981.
Nova articulação com o Governo da Bahia –1981
Em 23 de julho de 1981 foi firmado um termo aditivo ao convênio entre a União, através da
SEMA e o Estado da Bahia (p.37), representado pelo Governador Antonio Carlos Magalhães.
Neste aditivo é firmado que,
O comodato permanecerá em vigor, pelo prazo de cinco anos, a partir desta
data, podendo ser prorrogado, no interesse das partes, por igual período e
mediante termo aditivo.” (p.38)
Paulo Nogueira-Neto (2010, 407) faz referência a este fato com uma anotação em seu diário
com o título de "Raso da Catarina (BA): Quase um passa-moleque", datada de “22 de junho
de 1983”.
Verifiquei hoje que cometi um erro monumental, há alguns anos. Pensei que
estávamos a descoberto, sem um comodato, no Raso da Catarina. Pedi ao
Governo da Bahia para nos dar um comodato. E o governador, junto com o
secretário de Planejamento da época, nos deram um comodato por apenas
cinco anos (até 1986) renováveis mediante termo aditivo. Acontece que o
documento me foi apresentado durante uma solenidade, para assinatura,
quando não podia ler seu texto. Assinei. Hoje descobri que tínhamos um
comodato anterior assinado pelo governador Roberto Santos, por tempo
indeterminado!! E o novo comodato revogava expressamente essa cláusula.
Esse foi um passa-moleque incrível, o maior que já sofri na Sema!!! Mas
nem tudo está perdido. O comodato consta de um convênio, ao passo que há
um decreto anterior, portanto de maior categoria, que reserva a área para
uso da Sema, sem prazo. Convênio não pode revogar Decreto. Respirei
aliviado. Além disso estamos firmemente instalados no Raso. Vamos
imediatamente pedir a criação de uma Reserva Ecológica lá, por
Decreto do Presidente da República. Venceremos. (NOGUEIRA-NETO,
2010, p.407, grifo nosso)
Descoberta no Raso da Catarina: a Ararinha Azul que valia ouro
Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento
e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre,
bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do
Estado [...]. (Art. 1º da Lei N° 5.197, de 3 de janeiro de 1967, que dispõe
sobre a Proteção à Fauna)
85
Um elemento que consolidou e reforçou argumentos do discurso de justificativa da criação de
uma Unidade de Conservação no Raso da Catarina foi sem dúvida a descoberta e existência
da Anodorynchus leari no local.
Em 1979 os pesquisadores do Museu Nacional Helmut Sick (Ph.D. Professor Titular UFRJ) e
Dante Luiz Martins Teixeira (Seção de Ornitologia do Museu Nacional-RJ) informam numa
publicação uma “significativa descoberta [no Raso da Catarina], ao [...] localizar a pátria da
raríssima arara Anodorynchus leari Bonaparte 1856, após cinco anos de busca em campo
(Sick; Teixeira, 1979).”. Essa arara segundo os pesquisadores representava,
[...] um dos maiores enigmas da ornitologia sul-americana, pois embora
descrita no século passado, a espécie permaneceu, até nossos dias, conhecida
apenas por exemplares de procedência ignota que chegavam as coleções da
Europa e E.U.A. através do infeliz comércio de aves de gaiola. (TEIXEIRA;
GONZAGA, 1979, p. 1)
Ao saberem que a SEMA está instalando uma estação ecológica no Raso da Catarina estes
entraram “em contato com o Secretario Geral Dr. Paulo Nogueira-Netto, apresentando-lhe a
questão.” (TEIXEIRA; GONZAGA, 1979, p. 1). Segundo o diário do Secretário da SEMA,
em 11 de março de 1978,
À tarde estiveram na Sema dois assistentes do professor H. Sick, do Museu
Nacional. Eles descobriram que o Raso da Catarina é um dos locais onde
procriam as ararinhas azuis, Anodorhynchus leari, espécie que se
considerava extinta na Natureza!! Vamos logo redefinir os limites do Raso,
para incluir outros criadouros naturais dessa raríssima ave. (NOGUEIRA-
NETO, 2010, p.407)
A ararinha azul foi algo importante para a SEMA e para os planos da Estação ecológica, a
descoberta da uma espécie extinta da natureza há mais de 50 anos, a Anodorhynchus leari, e
que ainda hoje continua uma espécie ameaçada de extinção. Atualmente segundo o órgão
ambiental esta nidificaria e se alimentaria exclusivamente na região do Raso da Catarina.
O Dr. Helmut Sick e os ornitólogos Dante L. M. Teixeira e Luiz Antonio Pedreira Gonzaga se
dispuseram a participar da prospecção para segundo o “Dr. Sick”, “dar as nossas sugestões no
estabelecimento de novos limites da área da Estação Ecológica.” Pois e. (SICK, 1979), ou
“auxiliar na redelimitação da Estação Ecológica Raso da Catarina” (TEIXEIRA, 1979). Assim
aconteceu a:
segunda expedição científica à área, para que se aprofundasse os
conhecimentos sobre o atual ‘status’ de A.leari e se propusesse uma
redefinição dos atuais limites da Estação Ecológica do Raso da Catarina na
86
tentativa de uma real proteção de tão significativo Psittacidae. (TEIXEIRA;
GONZAGA, 1979, p. 2)
Os pesquisadores relatam o seguinte:
O fato é que a já pequena área de ocorrência de Anodorhynchus leari
reduziu-se bastante, principalmente depois do começo dos trabalhos da
hidroelétrica de Paulo Afonso na década de 30, o que imprimiu ponderável
ritmo de ocupação na região.
[...] Mesmo o simples aumento da ocupação humana do Raso da Catarina e
adjacências, bastou para expulsar A.leari da porção mais setentrional de seus
domínios, fazendo com que ela mais e mais se internasse Raso adentro.
[...] Anodorhynchus leari está praticamente restrita ao alto Vaza-Barris. E
isso se considerarmos inclusive localidades onde a espécie surge algo
esporadicamente, em busca de comida. (TEIXEIRA; GONZAGA, 1979, p.
2).
Segundo os ornitólogos A.leari estava “extremamente ameaçada”, com “população pequena
([estimada] entre 400 e 600 indivíduos) de aves com grande raio de ação.” Que refugiavam-se
nos “talhados”. A situação da ave era “paradoxal”, pois a “intensa ocupação humana que se
processara região sem dúvida expulsou a espécie de muitos de seus refúgios”, porém essa
“ocupação não foi traduzida em uma eliminação maciça dos vegetais que servem de alimento
a essa arara como frequente ocorre [com] Psittacidae ameaçados.” (TEIXEIRA; GONZAGA,
1979, p. 5). Abaixo figura 8 com fotografia da Arara-azul-de-lear.
Figura 8 (3) – “Arara-azul-de-lear fotografada nos paredões da Estação Ecológica Raso da
Catarina, em Jeremoabo (BA).”
Fonte: Foto: Eduardo Milano
10.
10
Fonte: Jornal Estado de Minas. “Recenseamento mostra baixa reprodução da arara-azul-de-lear no Raso da
Catarina, BA”. Data: 13/01/2014 - O Estado de Minas - Belo Horizonte/MG.
87
Os ornitólogos propuseram uma estratégia para preservação das araras baseada na
conservação dos “canyons” que lhes servem de criadouros e dormitórios. Segundo eles não
eram muitos “talhados” que abrigavam as araras, no entanto a A.leari necessitaria que estes
fossem “tranquilos (com ocupação humana de média para fraca) para sobreviver;”, os
pesquisadores indicavam que os limites da estação deveriam ser dilatados de modo cobrir
estes “talhados” e se deveria promover “uma efetiva proteção” dentro e fora dos limites com
guardas da Estação “[...] de modo que as araras, quando saírem da zona reservada em busca
de alimento não sejam abatidas.” Dentro e fora da área reservada. (TEIXEIRA; GONZAGA,
1979, p. 7). Abaixo Figura 9 (3) com fotografias da Arara-azul-de-lear.
Figura 9 (3) – Fotografias da Arara-azul-de-lear, Anodorhynchus leari
Fonte: ICMbio11
Para os autores era importante não só incluir locais importantes na área reservada para a arara
como também “proibir o abate de elementos botânicos que as sustentam, ou, quem sabe, até
incentivar o seu plantio ou replantio, dentro e fora da área da Estação.” Segundo os autores a
“ocupação humana da área não se deteve e só tende a aumentar” (TEIXEIRA; GONZAGA,
1979, p. 8), e os talhados indicados deveriam ser “protegidos a todo custo.” (p.9). Estas
informações que foram solicitadas pela SEMA aos ornitólogos foram dirigidas ao “Dr. Paulo
Nogueira-Neto” em 05 de outubro de 1979 por ofício encaminhado pelo diretor executivo da
Fundação Brasileira para a Conservação da natureza (FBCN), Mario Donato Amoroso
Anastacio (1979). Abaixo o mapa dos pontos de alimentação da Arara-azul-de-lear na Figura
5 (3).
11
Fonte: <http://www.icmbio.gov.br/portal/biodiversidade/fauna-brasileira/lista-especies/354-arara-azul-de-
lear.html>
88
Figura 10 (3) – Pontos de alimentação da Arara-azul-de-lear
Fonte: PAES (2008, p.157)
Dante Teixeira e Luiz Gonzaga não negavam a ocupação humana no local que ajudavam a
delimitar e inclusive consideravam o paradoxo que a presença humana não tenha diminuído
estoques alimentares de A.leari. Consideravam ainda a possibilidade de ser incentivado o
manejo, plantio, replantio em favor de espécies que serviam de alimento a Arara-azul-de-lear
em extinção que recentemente descobriram. Abaixo Figura 11 (3) fotografia da alimentação
da Arara-azul-de-lear.
89
Figura 11 (3) Arara-azul-de-lear forrageando no licurizeiro
Fonte: PAES (2008, p.156)
No livro “Estações ecológicas” Paulo Nogueira-Neto (1991, p. 67) escreveu que, “Os
caboclos da região às vezes caçam essa ave, abatendo-a a tiros, para obter assim algum
alimento extra.” São alguns os registros das questões surgidas entre interesses de unidade de
conservação em conflito com interesses de povos indígenas. Alguns conflitos entre a SEMA e
a FUNAI, e especificamente alguns casos entre Estações ecológicas e povos indígenas e suas
terras. Estes relatados no Diário de Paulo Nogueira-Neto geralmente com indignação,
inconformidade ou de modo a representar uma competição entre objetivos diferentes pelas
áreas.
A FUNAI ganha quando a SEMA perde, numa relação que parece conflituosa pela posição
explicitada do Secretário, não com a instituição em si de modo formal ou oficial, mas sim
com as demandas, trazidas por este grupo social e suas ações e o direito a suas estas terras
tradicionais. Há visão integracionista. E quando se trata daqueles que afirma serem
“caboclos” e assim não mais “índios” parece ainda pior, pois a possibilidade de um “acordo
com a FUNAI” foi frustrada “de imediato” talvez.
Reportando a alguns anos atrás encontramos no Diário de Paulo Nogueira-Neto, quando
esteve em Brasília/DF, e havia se reunido com a “direção da FUNAI (Fundação Nacional do
Índio)”, conforme registrou no dia em 15 maio 1974,
90
Explicamos as finalidades das Estações Ecológicas da Sema e o nosso desejo
de aproveitar, para as mesmas, terras excedentes de Reservas Indígenas. Se
isso não for feito, a União poderá no final perder essas terras, pois há
poucos índios e as áreas reservadas são imensas. As Estações Ecológicas
e os postos indígenas poderão se utilizar de equipamentos comuns (campos
de pouso, rádio etc.). Além disso, as Estações proporcionariam também
empregos a índios. Tenho a impressão de que a Funai compreendeu assim
nossos objetivos e vai cooperar. (NOGUEIRA-NETO, 2010, p.381).
Verificação dos serviços topográficos executados - 1982
Encontramos no processo IBAMA/DIREC que entre julho e agosto de 1982 um assessor da
SEMA informava sobre ida ao Raso da Catarina com o objetivo de verificar títulos de
propriedade em três áreas que SEMA desejava, fazendo referência aos cânions habitados por
“espécimes raros de araras-azuis”, a busca localizou em cartório a existência de propriedades
particulares. Em agosto deste mesmo ano a SEMA consultou por ofício o INCRA também
sobre as três áreas circunvizinhas à Estação Ecológica, afirmando ao órgão que se tratavam de
áreas relativas à “necessidade de preservar raríssima espécie de arara-zul” localizada nos
canyons daquela região e que “apresentavam notáveis ecossistemas circunvizinhos” à Estação
Ecológica do raso da Catarina”.
Foi respondido a SEMA em 15 de outubro de 1982 pelo INCRA que existiam “inúmeras
propriedades cadastradas no INCRA e com registro em Cartório de Imóveis, cujas posses
datam de muitos anos”, nas imediações de vila “canché” havia uma “Projeto de Colonização
do DNOCS”, que não foram constatadas a “presença de posseiros” ou “problemas de tensão
social”, sendo que elas não estavam localizadas nas “áreas declaradas prioritárias para fins de
Reforma Agrária;” (IBAMA/DIREC, p. 123)
A Lei 6.902/81, que regulamentava as estações ecológicas, definia-as como “áreas
representativas de ecossistemas brasileiros, destinadas à realização de pesquisas básicas e
aplicadas de Ecologia, à proteção do ambiente natural e ao desenvolvimento da educação
conservacionista”.
Convenio UFBA/SEMA-MINTER – de 1980 a maio de 1983
Em outubro de 1980 começou a ser realizado um programa de estudos do Instituto de
Biologia da Universidade Federal da Bahia na “reserva federal da Estação ecológica do raso
da Catarina – Ba”, abordava aspectos da biologia e ecologia da área com objetivo de conhecer
o ambiente e obter informações para a sua melhor preservação e manejo. No âmbito de um
convenio UFBA/SEMA-MINTER cujo “Relatório parcial das atividades”, datado de maio de
91
1983, do Sub-projeto “Bioecologia da Estação Ecológica do Raso da Catarina” tivemos
acesso.
O relatório faz referencia a uma área de 200.000 ha, informa sobre aspectos da biologia e
ecologia estudados, como por exemplo, a existência de vegetação fechada com arvores de
cerca de 15 metros, constituindo um “verdadeiro oásis florestal, dentro do panorama geral de
caatinga arbustiva.” Que permanece verde mesmo nos períodos de estiagem, quando o resto
da caatinga perde todas as folhas. Os resultados davam conta de um avanço atingido em
relação aos objetivos propostos no projeto, de levantamentos da fauna e flora (220 espécimes
coletados, e após sistemática 174 espécies, pertencentes a 104 gêneros e 59 famílias). Para o
futuro do projeto o relatório indicava um objetivo global de desenvolver uma investigação
para obter um “zoneamento ecológico para a área e estabelecer um manejo e preservação
ideais.” (SANTOS, 1983, p. 04).
O estudo contou ainda com aplicação de questionários com a “população da vizinhança” para
saber “quais as plantas eram por ela utilizadas com fins medicinais”. O questionário foi
aplicado com cerca de 100 pessoas sendo entrevistadas “entre a população de São José, Brejo
do Burgo, Grotão do Chico (ou canyon ou Chico) e Varzea”, sendo obtidas a informação
sobre cerca de “38 plantas por eles utilizadas”. Foram feitos também estudos com insetos,
animais peçonhentos (aracnídeos, escorpiões e serpentes), alem de estudo sobre o clima da
região e balanço hídrico. Resultados estes que foram publicados em uma serie de trabalhos
apresentados em eventos nacionais como o 34º Congresso Nacional de Botânica (23-
29/01/1983 em Porto alegre/RS), 33º Reunião anual da SBPC (08-15/07/1981 em
Salvador/BA) que constam no relatório do Subprojeto, no âmbito deste Convenio UFBA-
SEMA/MINTER.
Esse projeto formalizado e continuado realizado pela UFBA em parceria com a SEMA,
envolvendo vários pesquisadores, que fora iniciado em 1980 e com no mínimo três anos de
execução comprovada e publicada em eventos acadêmicos, não recebeu nenhuma menção no
processo de criação da Estação Ecológica e nem nos livros de Paulo Nogueira-Neto:
“Estações ecológicas: uma saga de ecologia e política ambiental.” (1991) e “Uma trajetória
ambientalista : diário de Paulo Nogueira-Neto.” (NOGUEIRA-NETO, 2010).
Os resultados dessa pesquisa assim estranhamente não serviram para justificar ou embasar a
criação da estação de modo explicita, eram as informações como base em pesquisa científica
realizada em convenio UFBA-SEMA e que serviriam para justificar a área. Estes ocupariam o
lugar do discurso de que haveria uma extinção acelerada, de uma suposta “predação” da
fauna, de uma ultima imensidão verde no Nordeste ou até mesmo o inicial sonho com o
92
“paraíso das abelhas” na caatinga. Isso inclusive tendo em vista que tanto a UFBA e
ornitólogos do Museu Nacional acabam por contradizer o discurso, a lógica ou desejo de que
a ocupação humana fosse inexistente no local. Está significando um ideal de natureza
intocada e intacta. E também uma estratégia para distanciar essa natureza descoberta de seres
humanos predadores da região, que seriam os caboclos, ora chamados de índios aculturados.
Os estudos da UFBa e do Museu não só verificaram existência de ocupação humana no local,
quanto consideraram a relação desta população com a fauna e a flora. Estas pessoas eram
consideradas podendo inclusive contribuir com o manejo para manter a alimentação natural
de A.leari. A UFBa buscou na vizinhança da “Estação” conhecimentos sobre a flora com fins
medicinais. Por sua vez, Paulo Nogueira-Neto permaneceu nos extremos entre não enxergar a
ocupação humana e vê-la como predatória.
A despeito das demais pesquisas ecológicas realizadas, a partir da descoberta da arara azul,
esta parece ter sido oficialmente escolhida como representante principal do Raso da Catarina.
A descoberta da arara azul A.leari, então, por seu valor histórico-científico e de espécie
extinta a 50 anos, viria a servir a intenção da SEMA de justificar uma proteção integral.
A partir daquele momento a SEMA tinha bases científicas para continuar com o discurso
ecológico de proteção da natureza, contra a extinção e “predação” daquela espécie,
mobilizando apoios e justificando a área reservada. Vale ressaltar que antes da descoberta da
arara a Secretaria já utilizava um discurso de extinção e “predação” da fauna, sem aparente
fundamentação ecológica científica, argumentos presentes em comunicações oficiais
encontradas nesta pesquisa.
Decreto da Estação ecológica – 1984
Em 1984 a estação deixa de ser provisória e ocorre a sua oficialização como “Reserva
Ecológica Raso da Catarina” através do Decreto Federal nº. 89.268/84. Segundo o Pano de
Manejo (PAES, 2008) a atual ESEC Raso da Catarina “não foi criada diretamente como uma
estação ecológica, uma vez que a Sema não possuía naquela época o domínio da terra,” que
seria uma condição legal para a categoria estação ecológica. Segundo Plano de manejo “[...]
embora a posse da área da estação ecológica esteja registrada na SPU, é necessária a sua
legalização jurídica.” (PAES, 2008, p. 126). O Plano de Manejo descreve a situação das terras
da seguinte maneira:
A partir daí a Sema tomou posse da área, onde originalmente foram medidos
150.000 ha, no entanto, desse total foram repassados 50.000 ha para a Funai
[...] com a cessão dessas terras devolutas estaduais pelo Governo da Bahia, a
Sema então realizou o registro delas na Secretaria do Patrimônio da
93
União (SPU), transformando-as em áreas devolutas da União, possibilitando
a criação de uma unidade de conservação federal. (p. 126, grifo nosso)
[...] Em novembro de 1979, a Secretaria Especial do Meio Ambiente/Sema
tomou posse dessas terras e instalou-se na área, porém, somente decretou-a
como unidade de conservação em 1984, após sua inscrição como área
devoluta federal na Secretaria de Patrimônio da União – SPU. (PAES,
2008, p. 165, grifo nosso).
Verificamos essas informações de “registro” ou “inscrição” junto a SPU12
em 13/11/2013
(Protocolo 03950004436201350), pois não encontramos estes dados no Processo
IBAMA/DIREC acessado através do ICMBio. Na consulta obtivemos com a
Superintendência do Patrimônio da União na Bahia regional da Secretaria do Patrimônio da
União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP), a informação de que “não
foi identificado cadastro da área da Estação Ecológica Raso da Catarina nos sistemas de
controle de processos da Secretaria do Patrimônio da União.” (SPU/MP, 2013).
Uma informação que em vista da documentação encontramos diferença em relação ao Plano
de Manejo é que a área reservada no Raso da Catarina para a Estação ecológica e que também
já havia sido medida na época tinha 200.000 ha e não 150.000 hectares. Conforme
encontramos tanto no processo IBAMA/DIREC como no Decreto Estadual do Governo da
Bahia de 1976.
No plano de manejo consta que a SEMA decretou a área após a inscrição na SPU em 1984,
algo que não corresponde às informações encontradas no processo de criação
IBAMA/DIREC. O próprio plano também informa que a área teria sido decretada como
“Reserva” e não “Estação” devido a ausência de domínio sobre as terras. Entretanto, para
além do registro correto desta informação nos interessa que de fato o Presidente da República
decretou a ESEC Raso da Catarina sem que a terra fosse de domínio da União em 03 de
janeiro de 1984 (data do decreto).
No processo consta Informação Nº 63/84, de 19 de março de 1984, com um parecer
importante sobre este fato, baseado na Lei 6.902/81 que dispunha sobre a criação de estações
ecológicas e na Constituição Estadual da Bahia. O parecer concluiu que se deveria
encaminhar um “aviso ministerial ao Senhor Governador do Estado da Bahia solicitando a
transferência do domínio das terras à União, através da aprovação de lei estadual”. Isto para
que fosse atendido ao requisito legal do Art. 2º da Lei acima, que determina que “as Estações
12
Atualmente fazem parte do patrimônio da União os prédios públicos de uso da Administração Pública, as
unidades de conservação ambiental federais, as reservas indígenas, o mar territorial, os terrenos e acrescidos de
marinha e marginais, as ilhas oceânicas, os potenciais de energia elétrica, os recursos minerais, as cavidades
naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré históricos, e quaisquer outros bens que a União adquira. Os
bens da União estão dispostos no art. 20 da Constituição Federal 1988.
94
Ecológicas serão criadas pela União, Estados e Municípios, em terras de seus domínios,”
(BRASIL, 1981).
O aviso foi enviado ao Governador da Bahia. Por conta desta “falha” cometida pela SEMA e
para saná-la o Ministro do Interior, Mário David Andreazza, enviou o Aviso Nº 124 dirigido
ao Governador da Bahia João Durval Carneiro, em 26 de março de 1984 (IBAMA/DIREC,
p.85-86). Não encontramos até o momento o registro dessa Lei Estadual transferindo as terras
devolutas do Estado da Bahia à União para permitir a criação da estação, nem há
registro/matricula na SPU referente a terras do Patrimônio da União referentes a Estação
Ecológica do Raso da Catarina ou entregues a Ministério com este fim (aguardamos resultado
de nova consulta protocolada, com resposta acerca de terras da união matriculadas nos 03
municípios que abrangem a estação ecológica, entregues ao MMA, IBMA ou ICMBio).
Seria a ESEC Raso da Catarina uma unidade de conservação federal em terras devolutas
estaduais e ainda em caráter provisório como foi a sua primeira sede em 1978? Um
aprofundamento da pesquisa documental poderia responder a essa questão aqui suscitada
surgida do contato com a documentação.
Em 11 de outubro de 2001, em menos de (3) três meses após a promulgação da Lei nº.
9.985/2000 ocorreu a recategorização da Reserva Ecológica Raso da Catarina pela Portaria nº.
373. Com base na Lei nº. 9.985/2000 (“Lei do SNUC”) as unidades de conservação e áreas
protegidas criadas com base em legislação anterior e que não pertenciam às categorias
previstas nesta Lei seriam reavaliadas no prazo de até dois anos para se definir sua
destinação, com base na categoria e função para as quais foram criadas (Art. 55). Isto foi
complementada com a determinação que ato deveria ser feito através de Portaria do MMA e o
IBAMA faria a reavaliação (Decreto 3.834/2001). No entanto a Lei posteriormente definiu
que a reavaliação da unidade de conservação deveria ser feita mediante ato normativo de
mesmo nível que a criou (Decreto 4.340/2002), no caso da ESEC Raso Catarina um Decreto
da Presidência da República.
Suspeitamos que a ESEC Raso se criou como reserva pois não se tinha o domínio da terras
devolutas da Bahia à época do decreto presidencial, em janeiro de 1984, e essa era a categoria
“possível” na época. Posteriormente esta foi “recategorizada” por Portaria do MMA em 2001,
sendo que pode ter havido ou não a alteração da situação dominial na qual se encontravam as
terras devolutas do Estado da Bahia reservadas. Assim, pode ter sido sanada ou não a situação
dominial junto a Estado da Bahia (Governo do Estado e Assembléia Legislativa) e também
junto à SPU/MP. Pode ainda ter ocorrido a simples reavaliação pelo IBAMA, a (re)definição
e a emissão de Portaria pelo MMA com base na Lei do SNUC, em apenas três meses
95
decorridos da edição da lei do SNUC, mesmo tendo-se 2 anos de prazo limite para fazê-lo.
O que pode ter sido feito sem se levar em conta a situação dominial encontrada na época e
que já havia sido assinalada em parecer informado. As reservas ecológicas podiam ser criadas
pela União em terras devolutas estaduais? As estações ecológicas não podiam ser criadas
dessa forma, e isto estava expresso na Lei vigente.
Para além e anteriormente a esta dúvida, constatamos que desde 1975 antes da possibilidade e
competência legal para a SEMA estabelecer reservas ecológicas isso foi uma posição por
diversas vezes assumida pela SEMA no caso do Raso da Catarina (BA). Inclusive sendo
registrado oficialmente em documentação e comunicado a outros órgãos como o INCRA,
Universidades, Governo Estadual. Se havia ou não esta permissão de algum modo ela se
impôs acima da Lei, diante da competência do IBDF e a partir da ação direta do Secretário
Paulo Nogueira-Neto.
E como a decretação da área pela presidência da república segundo registro feito por Paulo
Nogueira-Neto como reserva ecológica, do ponto de vista fundiário, baseava-se naquela época
somente na reserva de Terras Devolutas Estaduais decretada pelo Governo do Estado da
Bahia, é forte a dúvida sobre o encaminhamento à Assembléia Legislativa do Estado para que
ficasse definida a dominialidade da União sobre as terras.
Não identificamos até o momento se houve essa destinação das terras a União depois de 1984.
Buscamos junto aos órgãos federais competentes identificar esse registro das terras, para
esclarecer esse aspecto da história da ESEC que demonstraria a sua regularidade fundiária
necessária como unidade de conservação federal, ou a sua “provisoriedade” desde o passado.
96
4 Confrontação e processos pelas terras indígenas
Pankararé
O professor Pedro Agostinho relatou parte da sua experiência na Universidade Federal da
Bahia numa comunicação apresentada em mesa redonda organizada por Roberto Cardoso de
Oliveira, ocorrida na XI Reunião da ABA. A comunicação que foi publicada na “Revista de
Antropologia” da USP e registrava o inicio do seu trabalho como docente no Departamento de
Antropologia e Etnologia na UFBA em 1971.
Neste relato o Professor constatava que naquele início era “quase nulo o conhecimento dos
estudantes a respeito dos problemas indígenas”, e com relação aos grupos indígenas no Estado
“era também quase nulo o que deles se sabia.” (AGOSTINHO, 1979). Pedro Agostinho diante
do quadro que verificara considerava então necessário “criar uma consciência crítica e
cientificamente preparada”, e, obter informações sobre os grupos indígenas e “seu estado de
aculturação e situação de contacto”. Também objetivava “organizar uma equipe capaz de
levar a cabo uma investigação abrangente da totalidade daqueles grupos”. (AGOSTINHO,
1979, p.133)
No “Boletín Bibliográfico de Antropología Americana (1973-1979)”, publicado em 1974 pelo
Pan American Institute of Geography and History (PAIGH), encontramos um artigo
intitulado “BRASIL” com a seção “Universidade Federal da Bahia estuda populações
indígenas na Bahia”. No artigo é transmitido que o Professor Pedro Agostinho executava
naquele o projeto de pesquisa “Populações Indígenas da Bahia”, objetivando a “descrição e a
compreensão do processo de integração dos índios no Estado da Bahia à sociedade nacional”
(AZEVEDO et al., 1974, p.17).
A iniciativa era precursora do que se tornaria o Programa de Pesquisas sobre Povos Indígenas
do Nordeste Brasileiro, o PINEB. Hoje estabelecido no Departamento de Antropologia e
Etnologia e Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFBA. O programa continuou
em atuação e produzindo estudos na área, tendo reconhecidamente se iniciado “sob a
orientação do Professor Pedro Agostinho da Silva”, conforme site PINEB:
<http://www.pineb.ffch.ufba.br/> (PROGRAMA..., 2013).
O programa se dedicou à “pesquisa etnológica e etnohistórica das sociedades indígenas no
Brasil, em geral, e no Nordeste”. E seria “apenas em 1971, após a chegada ao Departamento
de Pedro Agostinho da Silva, procedente da Universidade de Brasília”, que teriam início os
“estudos de etnologia indígena contemporânea”.
97
No seu princípio o programa teria se dedicado a “formar estudantes e encetar estudos
etnográficos dos povos indígenas na Bahia”, “[...] em que se destacam pesquisas sobre
emergência étnica, fenômenos religiosos como o Toré, sistema de dominação interétnica e
etnohistória”. Atualmente se trata de uma linha de pesquisa com “acumulada experiência,
sempre posta ao serviço da etnologia e etnohistória produzidas no Departamento de
Antropologia e Etnologia da FFCH-UFBA” (Site PINEB). Segundo Maria Rosário de
Carvalho e Ana Magda Carvalho (2012, p.25), na introdução do livro “Índios e Caboclos: a
história recontada”, a trajetória do PINEB “[...] têm estreita relação com a história recente dos
povos indígenas da Bahia, e mais extensamente, do Nordeste Brasileiro”.
Nesse contexto, ao iniciar essa experiência e acumulo de conhecimentos, que o professor
Pedro Agostinho “decidiu não somente que era relevante estudar os índios considerados
pouco ‘aculturados’, mas também um pequeno número de povos conhecidos no Estado e
praticamente ignorados pela antropologia da época”. Isto é, aqueles “[...] povos, usualmente
considerados como em vias de extinção a partir do ponto de vista da ‘aculturação’.”,
conforme site do Programa de Pesquisas Povos Indígenas do Nordeste Brasileiro:
<http://www.pineb.blogspot.com.br/> (PROGRAMA..., 2013).
Segundo o Boletim bibliográfico o estudo “Populações indígenas da Bahia” pretendia “criar
base factual e teórica” para a “uma orientação racional da política indigenista a executar na
Bahia.” A equipe vinha trabalhando desde 1971 e havia um “convenio firmado, para este fim,
entre a UFBA e a Fundação Nacional do Índio” (AZEVEDO et al, 1974).
Em 1976 era comunicada a primeira pesquisa no âmbito do PINEB/UFBA sobre os índios
Pankararé na X Reunião da ABA realizada por Carlos Alberto Caroso Soares, atualmente um
pesquisador e professor da UFBA. Já se informava nesse período que no local onde estavam
as terras ocupadas “imemorialmente por [estes] indígenas” havia uma “tensa situação
interétnica”. É nessa época, precisamente em 23 de setembro de 1976, quando era executado
o convênio entre FUNAI e UFBA, que Pedro Agostinho faz um relato sobre a “perda de parte
de terras dos índios Pankararé” que estava relacionada “aos problemas acarretados pela
implantação [pela SEMA]” da Estação Ecológica Raso da Catarina, no local que era um
“território (imemorial) de caça dos índios Pankararé de Brejo do Burgo, lugar que dele
dependem para obtenção de proteína durante a seca” (FUNAI, 1991, fls. 242). O primeiro
campo e demais realizados por Caroso teriam iniciado por volta de maio de 1975. (informação
verbal)13
. Segundo Rocha Junior (1982) o local “Serra do Chico”, próximo aos limites do que
13
Informação fornecida pelo pesquisador Caroso Soares em entrevista realizada pelo autor.
98
seria a Reserva do Raso da Catarina, era importante para os índios como uma “base para as
atividades de caça fundamental para a sobrevivência em épocas de seca” além de lá viver uma
“família extensa do tronco antigo”, família de “Saturino [...]”, ver foto Figura (4).
Figura 12 (4) – Foto: “Saturnino [...]”
Fonte: Arquivo pessoal, CAROSO, aldeia do Chico (Antes de 1980).
Nesse período, com o país vivendo uma ditadura militar, o presidente da FUNAI era o
General do Exército Ismarth Araújo de Oliveira (1974-1979) durante a Presidência da
República do General Ernesto Geisel (15.03.1974 a 15.03.1979). O General Ismarth em 15 de
outubro de 1976 propôs a SEMA a “formação de uma comissão mista SEMA/FUNAI” para
que os dois órgãos estudassem a “inclusão dos ditos indígenas nos planos da referida estação”
(Ofício nº 600/76). A SEMA respondeu de modo positivo, oficialmente, afirmando ter
“interesse” e indicou por duas vezes técnicos e coordenadores para compor a comissão que
seria criada, formalizada pela Portaria nº 289/E de 10 de novembro de 1976.
Como vimos, em 03 de novembro o Governo da Bahia reservou 200.000 ha de terras
devolutas estaduais para a estação em articulação com a SEMA, mediante um decreto
estadual e firmou um convenio estabelecendo compromissos e condições entre as partes.
Paulo Nogueira, Secretário da SEMA por mais de dez anos, não mencionou este “detalhe” da
história da ESEC Raso da Catarina, e em suas memórias bastante detalhadas, reserva-se a
fazer referencias aos “caboclos” da região do Raso da Catarina e a uma “pressão” de
antropólogos da FUNAI e da UFBA, ambos negativamente referenciados.
O gestor da SEMA mandaria inclusive fazer o levantamento topográfico antes de algum
“acordo” com a FUNAI. A comissão fora proposta “pelo” General Ismarth antes do decreto
99
que reservou as terras devolutas no Raso da Catarina, mas antes da Portaria de sua criação a
terra já havia sido medida e decretada pelo Governador em parceria direta com a SEMA.
Visando assim a criação de uma estação ecológica, sem fazer referencia a indígenas,
antropólogos, FUNAI ou UFBA. Assim talvez a revelia do próprio Ministério do Interior
(órgão só extinto em 1990). Como se pode notar no trecho abaixo:
Infelizmente surgiu um problema sério que chegou a por em risco essa área.
Numa das extremidades, havia um cânion, vivia uma pequena população de
caboclos, composta por apenas vinte e três pessoas, entre adultos e crianças.
Eram descendentes de indígenas, mas já haviam se esquecido do seu idioma
e de muitos de seus costumes. Contudo alguns antropólogos da FUNAI, ao
saberem da existência dessa Estação Ecológica da SEMA, disseram que toda
a área deveria pertencer a esses descendentes de índios. Inconformado com
esse projeto, verdadeiramente despropositado, reconhecendo que as
comunidades indígenas tem direito a posse de terras, separamos cinquenta
mil hectares para esses índios aculturados.
[...] É curioso notar que um antropólogo da Universidade Federal da
Bahia ia lá para ensinar aos caboclos acima referidos as danças e outras
tradições indígenas, que eles já haviam esquecido. (Nogueira-Neto, 1991, p.
68, grifo nosso).
A respeito do tipo de suposição acima se poderia associar uma outra que geraria uma
expressão surgida em 1975 na área Pankararé, devido ao trabalho antropológico em campo:
que era a da existência de um processo em que as pessoas iriam se “assinar como índio” nesse
contato da pesquisa entre antropólogo com o grupo (informação verbal)14
. Rocha Junior
(1982) explica que o trabalho do antropólogo ao “realizar um censo dos índios” teria feito
surgir a figura do “índio alistado”, aquele se identificara ao pesquisador.
Todavia a comissão, criada pela Portaria de 1976, formada por FUNAI, SEMA e UFBA
sugeriu que fosse feito “um estudo mais aprofundado da área” (FUNAI, 1991, fls.153),
concluindo esta “pela permanência dos índios que já se encontravam no interior da área
proposta para a Estação” sem estender esta condição aos “demais índios [...] mesclados aos
brancos” (fls. 208). A comissão segundo consta no processo considerou “inexequível a
criação de uma reserva indígena englobando somente os índios dado o adiantado grau de
aculturação deste”, “acentuado numero de casamentos inter-étnicos” e “assimilação aos
costumes da sociedade envolvente” (fls.193).
A comissão FUNAI/SEMA teria apontado ainda como “solução” a promoção da “legalização
das posses individuais existentes, tanto de índios como de não-índios.”, e também, segundo
consta no processo, “concluiu [a comissão] que seria viável a instalação da Estação Ecológica
14
Informação fornecida pelo pesquisador Caroso Soares em entrevista realizada pelo autor.
100
do Raso da Catarina, com os Pankararé, desde que fossem atendida[s] as necessidades de
subsistência e outras dos índios.” (fls. 242).
Porém estas conclusões e sugestões não foram utilizadas como subsídio pela SEMA, que
havia logrado via Decreto Estadual obter uma área reservada de terras devolutas na Bahia
com 200 mil hectares. O secretário da SEMA registrou a situação com os índios, de modo a
não fazer referencia a esse “detalhe”, ainda que por isso tenha “perdido”, “cedido” ou que a
área tivesse sido reduzida a revelia do interesse do órgão diante da questão indígena, não se
sabe ao certo. Quando parece ter havido um formal procedimento para tratar da questão com
proposição e tratamento conjunto do caso. Do modo como ficou registrado por Paulo
Nogueira-Neto a FUNAI ou os antropólogos seriam antagonistas da SEMA, com os quais não
se pretenderia fazer nenhum acordo ou ação conjunta, restando o desagrado quanto à situação.
A respeito da proposição das “posses individuais” podemos trazer a observação de Cunha
(1992) segundo a qual o governo, após ter favorecido durante um século a “presença de
estranhos junto ou dentro das terras das aldeias”, lançaria mão de “critérios de existência de
população não indígena” e “aparente assimilação para despojá-los. A eles só restaria, em
certos casos, lotes individuais de terra.” (apud CARVALHO, M.; CARVALHO, A., 2012,
p.15).
No processo FUNAI Pankararé faz-se referencia a comissão FUNAI/SEMA/UFBA de 1976 e
ao Convênio FUNAI-UFBA na área de Antropologia, ambos trataram da situação dos
Pankararé com objetivos distintos, embora fortemente relacionados. E também no ano 1980
haveria o convenio UFBA-SEMA na área de Biologia que passara pelo local, inclusive
realizando entrevistas. Estes todos estavam atuando na região onde estavam os índios
Pankararé e na região do Raso da Catarina.
No entanto, não foi suficiente o diálogo institucional. Pois o único encaminhamento oficial
aproximado a proposta da comissão levado adiante foi o de titular individualmente índios e
não-índios. Mesmo diante dos relatos informados de Caroso Soares e Agostinho da Silva, a
verificação de um grave problema fundiário e tensão “interétnica”, a única “solução”
visualizada seria sempre a de se “impor” o “acordo” e “consenso” forçado entre as “partes”,
como a única “saída” para o caso dos índios e não índios, ou “caboclos” e “posseiros”. Um
parecer de 18 de maio de 2000 no processo FUNAI (1991) considera de forma lúcida e
transparente que “os próprios servidores da FUNAI, ou técnicos de outras instituições
enviados pela FUNAI, não se mantiveram firmes na defesa dos interesses dos índios.”
(fls.244).
101
4.1 Entre aceitar as “posses individuais” e o “enfrentamento”
Os acordos não foram objeto de tratamento aprofundado nesta pesquisa, que não objetivou
investigá-los em si, porém é inegável a importância destes como elemento que revelam algo
contraditório na ação dos Governos Federal e Estadual e na história dos Pankararé. Estes, por
revelarem um elemento com muitos aspectos dentro do conflito, e a estratégia do “acordo
[como] foi sugerida inicialmente, ao que tudo indica não pelos índios ou posseiros, mas sim
pelo Governo (FUNAI, SEMA e posteriormente INTERBA), ao negar-lhes a possibilidade de
ter a demarcação de suas terras, ou uma “Reserva indígena” ou até um “Parque indígena”
previstos no Estatuto do Índio.
Os Pankararé deixados a sorte dos “acordos” estavam submetidos às relações de poder das
forças locais, Igreja, Sindicatos, Prefeitura, posseiros, que estavam mobilizadas, como indica
o registro no processo, para tentar inviabilizar a demarcação das terras indígenas. A própria
FUNAI admite o fracasso da tentativa “por aproximadamente quinze anos [de] um diálogo
com os posseiros” quando estes provavelmente foram causadores do fato “que entre os anos
de 1981 e 1987 os índios tiveram sua área de ocupação diminuída em 30%” (fls. 147 e 244)
conforme o próprio INTERBA levantou.
A categoria introduzida e grupo dos “posseiros” teria surgido na área da formação de
“partido” dos “não índios” em oposição ao índios, e que os acusariam de “quererem tomar as
suas casas” e de nunca terem existido (ROCHA JUNIOR, 1982, p.2). Em meio a esse
contexto haveriam também o “índio sem vergonha” ou “não assumido” que seria reconhecido
pelo grupo indígena como um deles mas negaria essa identidade se posicionado no “partido”
oposto. O sindicato rural que antes disso fazia oposição aos que passaram a ser opositores dos
índios, diante da questão étnica criada, acabava por aproximar “posseiros” do sindicato com
os “grandes” donos poder local como Artur Figueiredo. Mas uma outra posição era a da
“comissão índio-posseiro”, que não seguia a liderança de Figueiredo, todos assentados no
Brejo do Burgo.
Aquela “consciência crítica e cientificamente preparada”, que desejava Pedro Agostinho para
o trato das questões indígenas na área de Antropologia da UFBA, faltava aos órgãos
governamentais envolvidos. Havia base legal na época, como se observa no Estatuto do Índio
que previa o reconhecimento do direito dos índios à posse permanente das terras por eles
habitadas, era algo que independia inclusive da demarcação (Art. 25.), a ser assegurado pela
FUNAI. Dessa forma, o não cumprimento deste reconhecimento que parece sido o estopim
102
das inglórias situações de violência e insegurança ocorridas ao longo de quase 40 anos de
ação governamental envolvendo os Pankararé suas terras.
Ou teria sido a ação de um órgão contraditório na época (FUNAI) num governo dirigido por
militares agindo através de uma visão “assimilacionistas” quanto aos indígenas, ou
simplesmente recusa a agir, indo de encontro ao marco legal vigente na época. Ou teria sido
uma demonstração de força da SEMA, recusando a proposição da FUNAI, o civil
sobrepondo-se ao General, ambos dirigentes de órgãos do Ministério do Interior.
O que pareceu ter se colocado na ação do governo (SEMA e FUNAI) é o mesmo que pode ser
interpretado no Diário de Paulo Nogueira-Neto (Figura 12), quando registra a sua
“inconformidade” ao ter que “ceder” parte de uma “jóia da natureza” para caboclos
“aculturados”, “mesclados”, e que já haviam “perdido” sua “cultura”, como se encontravam
preconcebidos os índios Pankararé. Talvez haja o elemento do repúdio a caça tradicional no
Raso da Catarina.
Figura 12 (4) – Foto: Paulo Nogueira-Neto
Fonte: Teresa Urban. Em “A saudade do matão”.
Duas questões de fundo parecem emergir: a primeira seria a desconfiança acerca da
identidade dos Pankararé que poderia ser encontrada no grupo dos “regionais”, “nacionais”,
“não-índios”, “brancos” ou resumidamente “posseiros”. Desconfiança que parecia persistir
diante do reconhecimento reforçando o “acordo” como solução para o conflito (fundiário e
étnico). A segunda questão seria a firmeza quase despótica para preservar o Raso da Catarina
103
acima de qualquer questão em separado, obtendo relativo sucesso e referida posteriormente
como parte de uma “saga ecológica”, buscando um caráter notável e heróico.
As “categorias étnicas” índio e caboclo segundo costumam se opor a outras em contextos
empíricos nos quais se apresentam. O sentido da ampla categoria “caboclo”, originada “do
tupi caa ‘floresta’, e boc ‘que vem de’ (procedente do mato)” em distintos campos semânticos
remeteria ao “mestiço de branco com índio”, “representações do índio e de seus deuses” e o
“caboclo dos cultos” categoria de um “sistema religioso” incorporaria “representações
relativas a vários grupos da população” (BOYER, 1999; GRENAND; GRENAND, 1990 apud
CARVALHO; CARVALHO, 2012, p.13).
A partir da década de 60 é que o grupo Pankararé teria voltado a se “reunir na região e a
reivindicar suas terras, criando uma situação de conflito com a sociedade local”, segundo
Garcez (1997, p.58). A década de sessenta teria sido o período de intensificação de contato
entre os índios Pankararé e os Pankararú, inclusive os primeiros teriam buscado recorrer a
FUNAI no local Brejo dos Padres e teria havido uma influencia dos Pankararu na “retomada”
das “práticas rituais tradicionais”, emergem “conflitos sobre limites de roças” devida a
obstrução da pratica de coleta (MAIA, 1992), se iniciam também “batidas policiais” em busca
de “vestimentas e aparatos rituais” relativos ao “Toré”, “Praiá” e a “Jurema” (MAIA, 2012).
Segundo entrevista o praiá e tonãs eram presentes nos anos 70, o toré também, as penas não, e
dos Pankararu seriam “Luis preto e outro” que “ensinavam” e “reinventavam” a cultura
indígena a partir da leitura Pankararu, com os rituais do “tore, praia, e um ritual fechado,
chamado quarto, ou roda de caboclo ou ritual da jurema”. Esses rituais eram reprimidos, e até
haviam sido levadas para delegacia em Glória. (informação verbal)15
. O SPI, mediante
notificação através do posto indígena Pankararu, teria garantido uma posse indígena frente a
um invasor no Brejo do Burgo, o que teria reforçado a conscientização Pankararé, segundo
Maia (1992).
Segundo Caroso, que fez um “relatório” “laudo” apresentado a FUNAI depois de 1975, ele
próprio tinha sido nomeado para ser agente na relação “negociação” com a SEMA sobre a
Estação Ecológica, trabalho iniciado em 1975 pela SEMA (informação verbal)16
. Suzana
Maia (1992) coloca o seguinte sobre impacto da Reserva Ecológica sobre os índios Pankararé:
Outra significativa interferência foi a criação da reserva ecológica do Raso
da Catarina, em 1976, quando a caça, importante fonte de complementação
15
Informação fornecida pelo pesquisador Caroso Soares em entrevista realizada pelo autor. 16
Informação fornecida pelo pesquisador em entrevista realizada pelo autor.
104
alimentar indígena, é proibida em toda a região demarcada pela Secretaria do
Meio Ambiente. (MAIA, 1992, p.21).
Segundo Bandeira (1992), os índios Pankararé teriam conhecimento ecológico e biológico
que seria um dos aspectos fundamentais da adaptação destes índios ao Raso da Catarina.
Bandeira (1992, p.29) à época do seu estudo considerou que os índios encontravam-se numa
“situação de fricção interétnica” com os posseiros. Maia (2012) numa publicação mais recente
sobre os Pankararé observou que a “crise fundiária” e “conflitos étnicos” agravaram-se “ainda
mais devido a criação da Reserva Ecológica do raso da Catarina”, ocasião em que a caça teria
sido “proibida em toda a região demarcada pela Secretaria do Meio Ambiente.” (MAIA,
2012, p.174).
Nessa época já havia sido reconhecida a liderança do “cacique Angelo Pereira Xavier”, e
eram também lideres: “nego de rosa, Luis de Aprígio (Cerquinha)”, porém “Angelo” era
apontado pelas pessoas como principal liderança (informação verbal)17
. A UFBA havia
iniciado os “primeiros estudos de caráter antropológico” (BANDEIRA, 1992) no contexto do
convênio UFBA-FUNAI; e, a SEMA havia sido alertada quanto a situação dos índios diante
dos planos de se instalar no local uma área protegida. A FUNAI que havia sido criada em
1967 e o Estatuto do Índio que fora sancionado em 19 de dezembro de 1973, permitiam a
resolução como previsto em Lei.
Figura 13 (4) – Foto: Cacique Angelo Pereira Xavier
Fonte: arquivo pessoal de Carlos Caroso.
17
Informação fornecida pelo pesquisador Caroso Soares em entrevista realizada pelo autor.
105
Segundo entrevista na Portaria conjunta FUNAI SEMA Caroso, um jovem, foi nomeado e
junto na Comissão, com “funcionária de carreira da FUNAI” defendendo o ponto de vista de
permanência dos índios no local da Estação, juntamente com “Pedro Agostinho e Enir”
(funcionária). Segundo relatado a SEMA “queria a retirada do índios e teve uma aliada” a
FUNAI. Houve ainda uma reunião com o próprio General presidente da FUNAI e a SEMA,
realizada na FUNAI sobre a retirada dos índios. Segundo relato o principal argumento de
Paulo Nogueira Neto presidente da SEMA era a Ararinha cinza, e “em nome das ararinhas
você limpava o raso da Catarina das pessoas – idéia básica da SEMA na época, para Paulo
Nogueira a natureza era mais importante que gente (24:3h). Em 1980 deve ter sido a reunião
com a FUNAI e SEMA. (informação verbal)18
.
Porém, antes uma solução ser proposta, o acirramento do conflito geraria um elemento terrível
para os Pankararé em 26 de dezembro de 1979: o assassinato do seu cacique a tiros numa
emboscada. Caberia perguntar:
Onde está o cacique Ângelo Cretã dos Kaingang? Angelo Pereira dos
Pankararé? Norberto Poty dos Guarani? Moacir e Mateus, Guajajaras
assassinados unicamente porque eram índios? A família de Tikuna mortos a
tiros por seringalistas? O líder apurinã morto espancado unicamente porque
se recusou a continuar vendendo a produção de borracha da tribo a preços
irrisórios para os seringalistas? (ISA/CEDI, 1981)
Esse trecho acima é parte do texto de apresentação da edição “Aconteceu Especial (número 6)
- Povos Indígenas no Brasil 1980”, publicado em abril de 1981 pelo Centro Ecumênico de
Documentação e Informação (CEDI) e Editora Tempo e Presença. Publicação que
apresentava os fatos destacados na imprensa principalmente nos jornais do Rio de Janeiro e
São Paulo sobre os povos indígenas naquele ano de 1980. A publicação era voltada aos
“trabalhadores do campo, aos operários, aos índios, às lideranças sindicais, aos agentes de
pastoral” informando-os o que “se passa[va] no Brasil” referente a “suas lutas e suas áreas de
atuação.” (ISA/CEDI, 1981).
Para situarmos esse terrível fato, observamos que mais de 40 anos antes, em 10 de julho de
1937, Carlos Estevão de Oliveira apresentava uma palestra em Recife, Pernambuco, no
Instituto Arqueológico e geográfico pernambucano, que depois seria publicada no Boletim do
Museu Nacional, dava “notícias sobre remanescentes indígenas do Nordeste”, narrando as
investigações etnográficas e arqueológicas que havia feito em 1935 e 1937 nos “sertões de
Pernambuco, Baia e Alagoas.”
18
Informação fornecida pelo pesquisador Caroso Soares em entrevista realizada pelo autor.
106
O pesquisador visitara os “Pankararu do Brejo dos Padres” em Tacaratu (Pernambuco) em
1935 e os “Fulniô de Águas Belas”. Ele teve amplo contato com os Pankararu e recebeu
informações transmitidas pelo “chefe da aldeia, o velho Serafim, [e] por outros caboclos”.
Segundo as informações obtidas estes haviam habitado o “Curral-dos-Bois” na Bahia e neste
“reuniram-se povos de outros lugares” inclusive tendo chegado gente do “Brejo-do-Burgo” e
o pesquisador faz referencia a “Missão que nele existiu em épocas remotas” (OLIVEIRA,
1942, p.159).
Segundo Estevão narra ele pode observar e conhecer sobre a “comunidade dos Praiás”, a
“incarnação dos espíritos protetores da aldeia” que “se reúnem por ocasião das festas” no
“Poró” (OLIVEIRA, 1942, p.163). Assistira ao “Toré”, à iniciação na “sociedade dos praiás
ou dos encantados” e assistira durante o dia a uma “festa da Jurema ou do Ajucá”, que “se
realiza no meio da caatinga, principalmente a noite”. Assistiu a “todo o preparo do Ajucá” que
descreveu como sendo uma “bebida milagrosa feita com a raiz da Jurema” (OLIVEIRA,
1942, p.165). No relato de Estevão era esta uma “bebida mágica que transporta os indivíduos
a mundos estranhos e lhes permite entrar em contacto com as almas dos mortos e espíritos
protetores” (OLIVEIRA, 1942, p.166).
Figura 14 (4) – Fotos de Carlos Estevão de Oliveira
Foto A Foto B
A) Fot.050 - Índios Pankararu, dança do praia; B) Fot.046 - Índios Pankararu, dança do praiá.
Fonte: Coleção etnográfica Carlos Estevão de Oliveira, Site
107
O pesquisador relata à época três situações em que os Pankararú haviam sofrido violência:
quando a aldeia foi invadida por homens que dispararam tiros baleando gravemente uma
mulher de nome Maria da Conceição e seu filho de 11 anos no momento em que “os Praiás
estavam dansando”, o gado sendo solto por proprietários e destruindo as roças indígenas e o
relato de um envenenamento proposital de pessoas por “estricnina e arsênico” causado por um
proprietário de gado que tentava vingar-se (OLIVEIRA, 1942, p.179).
O Praiá é um ritual de culto aos “encantados” que são seres espirituais de origem mística no
qual “os Praiá” tem a função de “unir o universo mítico e o mundo dos homens” num
momento lúdico de afirmação da etnia, em que ocorre o uso da Jurema, bebida preparada
especialmente para estas ocasiões (MAIA, 1992, p.50).
Angelina N. R. Garcez (1997) no livro “Em torno da propriedade da terra” escreve sobre as
“Terras dos Pankararé”, fruto, segundo a autora, de uma pesquisa com base na documentação
oficial do século XIX existente no Arquivo Publico do Estado da Bahia. Segundo a autora, os
“remanescentes Pankararé distribuem-se pelos povoados Brejo do Burgo (antigo Curral dos
Bois) e Chico” e supõe-se que sua presença no local tenha origem nos “aldeamentos e missões
religiosas estabelecidas no século XVII” (GARCEZ, 1997, p.19).
O Curral do Bois está registrado como “nome de aldeias de índios” na região do São
Francisco na Bahia em documento de 18 de dezembro de 1698 citado por Serafim Leite e
como “aldeia existente” no século XVIII, criada em 1702 e denominada “São Francisco do
Curral dos Bois” segundo Felisberto Freire (apud GARCEZ, 1997, p.55).
Segundo Garcez (1997) com base nos documentos do arquivo público as terras da missão
denominada Curral dos Bois, aldeia Brejo do Burgo, foram cedidas a aldeia “pela mercê real,
na forma do Alvará de 13 de novembro de 1700”, o “quadro de légoa” ou “légoa em quadra”.
Isto é, as terras “foram concedidas”, “sendo a área patrimonial dos respectivos grupos”, o que
não impediu que ocorressem “invasões e esbulho” e “expropriação das terras” por “vários
brasileiros que pretendem haver a si as terras da dita aldeia” conforme “carta do Juiz de Paz
Miguel Gomes da Cruz dirigida ao Presidente da Província”, de 19 de novembro de 1833, em
que o Juiz “pede instruções de como proceder para proteger as terras dos aldeados”
(GARCEZ, 1997, p.58).
A respeito dessa antiguidade histórica, anos a frente, no trabalho de Suzana Maia (1992)
encontramos que:
Em 1910, é criado o Serviço de Proteção aos Índios que mantivera então
onze postos indígenas, sendo três deles situados as margens do São
Francisco, totalizando cerca de mil e quinhentos descendentes indígenas. Os
Pankararé são referidos, em 1951-52, como “um grupozinho de
108
sobreviventes índios que não estão sob jurisdição do S.P.I.”, numa
população estimada em 225 indivíduos (Hohenthal, 1960:58). Pelo menos
superficialmente, seriam indistintos das povoações neo-brasileiras do local, a
não ser pela persistência de algumas praticas culturais como o Toré19
e o
Praiá (18). (MAIA, 1992, p. 18).
A esta “persistência das tradições” Maria do Rosário Carvalho e Ana Magda Carvalho (2012,
p.21) fazem também referência a Hohenthal Junior, antropólogo americano, que nos anos 50
do século XX, realizou expedição de campo ao vale do São Francisco e “observou que os
povos indígenas aí estabelecidos, não obstante a mistura inter-racial contínua e de longa
duração” apresentavam surpreendentemente esta “persistência”. Assim “registrando a
presença de seres tutelares, espíritos guardiões, a grande recorrência ao culto da jurema e a
persistência do xamanismo [...]”. A pesquisa do PINEB seguiria esta “pista na literatura
Hohenthal”, década de 60 (informação verbal) 20
.
Figura 15 (4) – Foto Praiá
Fonte: arquivo pessoal, antes de 1980. (CAROSO).
O local de “origem histórica”, que é remetido aos Pankararé, que concentra os “índios
aldeados” é o Curral dos Bois, um aldeamento do Século XVIII. Que teria entrado em
decadência em meados do século XVIII, somada a decisão imperial de 1850 que praticamente
19
O Toré constitui-se em uma dança coletiva aberta a participação do público, com pausas apenas para o
consumo da Jurema; podendo durar até o amanhecer. (MAIA, 1992, p. 50). 20
Informação fornecida pelo pesquisador Caroso Soares em entrevista realizada pelo autor.
109
considerava e dava por extintos os povos indígenas, por já não estarem “aldeados”, ou
estarem dispersos, e com suas terras usurpadas, sugere-se que assim tiveram que buscar áreas
como o Brejo do Burgo (SAMPAIO, 1986 apud MAIA, 1992).
Os Pankaré ou Pankararé, como são comumente denominados, estão
situados de forma mais concentrada em Brejo do Burgo, município de gloria.
Outros grupos de menores proporções habitam a Serrota, a 6 km ao sul do
Brejo e as cabeceiras de um “canyon”, na Serra do Chico, todos no estado da
Bahia [...], (MAIA, 1992, p. 12).
[..] A reserva indígena, onde se localiza os povoados da Serrota e Serra do
Chico, está situada, na área do Raso da Catarina, ao norte da área doada pelo
governo estadual a SEMA, em ‘1973’, para a criação de uma estação
ecológica. (MAIA, 1992, p. 14)
Segundo entrevista ao tratar das origens no local, refere-se que houve aldeamento indígena,
curral dos bois sendo um ponto de parada de boiadas do Piauí. Sendo local de difícil acesso,
com fontes de água, o Brejo do Burgo e a fonte de água doce, a “Fonte Grande”, que existia
e se tomava banho, lavava roupas. A vantagem do Brejo do Burgo sobre outros lugares seria
que é um vale que tem lagoa, Fonte Grande, a principal fonte de água potável, e assim havia
tensão sobre a água. (Informação verbal)21
.
Figura 16 (4) – Foto: “A Fonte Grande”
Fonte: Foto antes de 1980 (CAROSO).
21
Informação fornecida pelo pesquisador Caroso Soares em entrevista realizada pelo autor.
110
Retornando ao final do ano de 1979, quando do assassinato do cacique Pankararé,
encontramos que no dia seguinte (27/12/1979) ao acontecido o jornal Folha de São Paulo
(anexo) noticiaria o fato, matéria que apresentou a versão da FUNAI e manifestação do CIMI
e Comissão Pró-índio de São Paulo. Para a FUNAI se tratava de uma morte por “rixa pessoal”
com um familiar, o CIMI em nota expressou que a violência tinha “conivência da FUNAI” e a
comissão Pró-índio responsabilizava a FUNAI afirmando que desde 1975 os conflitos haviam
se exacerbado sem que os índios fossem “jamais assistido[s]”, para comissão a FUNAI na
época “se omitiu e por isso os litígios começaram”. Segundo a comissão a matéria da Folha
(1979) a delegacia regional do INTERBA havia recebido “pedidos de titulação de terras por
parte dos brancos” ao que “se opunha o chefe índio assassinado” e suspendeu qualquer ação
neste sentido.
A matéria fazia referencia a 1.200 índios Pankararé que sofriam “perseguições dos líderes
políticos das cidades de Paulo Afonso e Glória, Adauto Pereira de Souza e Artur Figueiredo”,
segundo o antropólogo Olimpio Serra entrevistado em Brasília-DF. “Artur Pereira e
Pedrinho” eram na época as principais lideranças contra os índios, e Artur Pereira, que
supõe-se fora “cangaceiro da volante”, vereador e prefeito, dominava a política no local, era
tio de Adauto Pereira de Souza. (informação verbal)22
. Adauto Pereira de Souza, sobrinho de
Artur Pereira, morre num acidente aéreo em que também estava Cleriston Andrade, ex-
prefeito de Salvador/BA, político ligado ao ex-Governador do Estado da Bahia Antonio C.
Magalhães.
O antropólogo afirmou ainda que “a inexistência de qualquer auxílio da Funai” se devia aos
“Pankararé não oferecerem nenhum tipo de exotismo e não são considerados como índios.”. A
notícia ainda revelava que a FUNAI teria sido advertida mais de uma vez pelo “antropólogo
Carlos Alberto Soares da [UFBA]” que entregara ao órgão “em outubro um relatório [...] onde
já estava previsto o recrudescimento da luta [..]”. As reivindicações “do cacique” estavam na
“instalação de um posto indígena que impedisse a perseguição sofrida” que impedia a prática
das “festas tradicionais” e “manifestações culturais”. Além disso, o CIMI em nota lamentava
a morte do “cacique Angelo Pereira Xavier” que havia se destacado “pela organização da
resistência de seu povo contra a titulação ilegal das terras pelo Governo do Estado da Bahia”
(FOLHA..., 1979).
Segundo entrevista no trabalho de campo nos Pankararé houve uma reunião em que estaria
Alcides Modesto”ex-padre, candidato a deputado logo depois, que tinha discurso a favor dos
22
Informação fornecida pelo pesquisador Caroso Soares em entrevista realizada pelo autor.
111
índios”, era amigo de Pedro Agostinho, e “mobilizou os sindicatos contra os índios
juntamente com “Mario Zanetta (Bispo)”, também os posseiros foram mobilizados por
representante do sindicato local. Até 1980 terminaria essa fase com a ultima ida a campo. O
entrevista era na época era acusado ou apontado como tendo inventado os índios. (Informação
verbal)23
. Algo que é encontrado em Nogueira-Neto.
Na edição número 6 do “Aconteceu Especial” (1981, p. 27) encontramos transcritas três
matérias em jornais do ano de 1980: 1) “Missa pelo cacique Ângelo Pereira Xavier
assassinado” (Folha de São Paulo), registrando a realização da missa de sétimo dia, em que
estava presente o “Pe. Paulo Suess, secretário do CIMI”; 2) “Pankararé vão a Brasília
comunicar assassinato de seu líder” (A crítica – Manaus), informando que os índios iriam
“reivindicar a demarcação de suas terras cuja posse vem sendo ameaçada por fazendeiros”; e,
3) “FUNAI inicia demarcação de terras dos índios Pankararé” (JB), quando era informada a
chegada a Salvador/BA de um antropólogo e um agrimensor da FUNAI que iriam ao Brejo do
Burgo para iniciar os trabalhos de campo e definir a área a ser “reservada ao grupo indígena
Pankararé”. Esta ultima publicada em março de 1980, dois meses após o enterro do cacique
Angelo Xavier. (ANEXO...).
A FUNAI é hoje um órgão federal prestes a completar 50 anos de história e atuação, sendo
criticado em sua trajetória, acusado de corrupção em algumas ocasiões e tendo sido dirigido
por vezes de modo contrário e conflitante em relação aos interesses indígenas. O ano de
1980, segundo o que foi publicado na imprensa, parece ter sido embaraçoso e crítico com
relação a questão indígena para a FUNAI, Ministério do Interior e para a Presidência da
república do General de Exército João Baptista Figueiredo (15.03.1979 a 15.03.1985).
O embaraço se deu para a FUNAI pela demissão de dezenas funcionários por justa causa
acusando-os de insubordinação; pela ameaça de expulsão dos missionários das áreas
indígenas; a vinculação da FUNAI ao SNI e CSN; a denuncia feita pela ABA de proibição do
ingresso de antropólogos e da impressa em áreas indígenas; com o presidente do órgão (o
Coronel da reserva J. C. Nobre da Veiga) acusando antropólogos e indigenistas de insuflarem
índios, chamando-os ainda de “maus brasileiros”; o Ministro do Interior (coronel Mário David
Andreazza) admitiu não se ter conseguido “regularizar nenhuma das suas 250 reservas”
indígenas e ainda admitiria que a FUNAI tinha emitido certidões negativas ilegais ou
inverídicas atestando erroneamente que não havia índios em terras dos Txucahamãe no Mato
Grosso, o que gerou conflitos mais de 10 mortes.
23
Informação fornecida pelo pesquisador Caroso Soares em entrevista realizada pelo autor.
112
Figura 17 (4) – Foto: Ministro Andreazza em Aconteceu-Especial-numero-15-Povos-
Indigenas-no-Brasil-1984
Fonte: ISA/CEDI, 1984.
Em dezembro com a realização do “4º Tribunal Bertrand Russell de Direitos Humanos”, em
Roterdã na Holanda, o Brasil foi condenado por praticar o genocídio contra os indígenas.
Reforçava a péssima imagem internacional o fato de o governo ter tentado proibir a saída do
país do “cacique Xavante Mario Juruna”, que havia sido também eleito presidente do júri. O
cacique ficou retido no país chegando ao evento apenas no ultimo dia, por ordem do
Ministério do Interior, que tentara impedir a saída ainda que fosse usado um instancia judicial
para isso. Neste também foi entregue ao Papa João Paulo II uma carta elaborada por índios de
18 nações indígenas listando políticos e autoridades “inimigos dos índios” ou “anti-
indigenistas” (ISA/CEDI, 1981, p.38).
A FUNAI teve 34 presidentes ao longo de 47 anos de atuação. E no período de junho de
1970 a outubro de 1981 foram nomeados quatro presidentes (ISA): dois generais da reserva
(Oscar J. Bandeira de Mello-Médici), um coronel da reserva (João C. N. da Veiga) e um
engenheiro (oriundo do DNER). Desta época destacam-se as seguintes ocorrências: o Plano
de Integração Nacional (Conv. SUDAM, 1970), a promulgação do Estatuto do Índio (1973), é
extinto o SPI, as tentativas de imposição da “integração” dos índios, é facilitada a exploração
113
mineral em terras indígenas por empresas estatais, são propostos “critérios de indianidade” e
de “emancipação” dos índios, e ocorre a demissão de 39 indigenistas e antropólogos.
No período seguinte, de outubro de 1981 até março de 1990, foram indicados 10 presidentes
para dirigir o órgão. Época em que dirigiram o órgão diferentes figuras políticas, incluindo
um coronel da aeronáutica ligado ao CSN, dois economistas, dois advogados, um policial de
carreira, um sargento do exercito, o “indigenista” Alvaro Villas Boas, um “sertanista”, e um
ex-diretor do INCRA que não chegou a tomar posse por ter sido impedido (ISA). Nesse
período, por exemplo, foi autorizada a entrada de empresas mineradoras em terras indígenas
(Dec. 88.985/1983).
4.2 Processos e “acordos” sobre as terras Pankararé
As Terras Indígenas Pankararé ocupam área em torno de 45.600ha no nordeste do estado da
Bahia situada dentro da região denominada Raso da Catarina (BRASIL 1983 apud COLAÇO,
2006; BANDEIRA, 1992, 2007), no quadrilátero formado pelas cidades de Paulo Afonso,
Jeremoabo, Canudos e Macururé, e com localização fronteiriça a Estação Ecológica Raso da
Catarina (SAMPAIO et al., 2009). Abaixo localização das terras Pankararé na Figura 18.
O território é composto da T.I. Pankararé (29.597ha) homologada em 1996, e de outra parte
denominada T.I. Brejo do Burgo (medindo 17.924 ha) homologada em 2001, a segunda é
onde se encontra o foco dos conflitos fundiários. Segundo o Plano de manejo aprovado para a
Estação Ecológica Raso da Catarina (PAES, 2008):
A terra indígena Pankararé está situada a sete quilômetros da Esec e, no
entendimento dos indígenas e de alguns moradores da região, a Estação
Ecológica não deveria ser demarcada por cercas, impedindo a entrada e o
uso comunitário da terra que, segundo eles, perdura quase 160 anos. Tal
afirmação contraria os historiadores que narram que na década de 1930
Lampião e seu bando passaram pela região, ressaltando que essa passagem
foi determinante para a fuga das comunidades locais. Isso reforça a
hipótese de que muitos residentes atuais do entorno têm moradia
recente em muitos locais24
. (grifos nossos, PAES, 2008, p. 84)
24
Trecho que encerra a seção que apresenta as “Populações tradicionais residentes na Região da Esec Raso da
Catarina” dentro da parte “Aspectos culturais e históricos da região da Esec Raso da Catarina” (PAES, 2008).
114
Figura 18 (4) – Mapa Terra Indígena Pankararé
Fonte: FUNDAJ. <http://www.fundaj.gov.br/images/stories/pankarare-brejo-do-burgo-
ba.jpg>
A ESEC Raso da Catarina é situada na área dos municípios de Jeremoabo, Rodelas e Paulo
Afonso, e as Terras Pankararé situam-se nos municípios de Rodelas, Glória, Paulo Afonso.
Segundo Isabel Modercin (2011, p. 150) num trabalho sobre os índios Pankararé e Pataxó
ambos vivem hoje em “territórios diminutos cercados por latifundiários, empreendimentos
115
privados de toda ordem e assentamentos de reforma agrária.”. Sua organização social tem
como características a auto-exploração da mão-de-obra familiar, a economia de subsistência
(agricultura e pecuária em pequena escala, somente para consumo interno do grupo); a
produção agrícola (feijão, milho e mandioca), além dos frutos silvestres (BANDEIRA, 1996;
2007).
A situação dos Pankararé em dois processos recebidos diretamente da FUNAI, na íntegra,
com páginas numeradas, paginadas com assinatura e carimbo nas peças, bastante completos,
foi observada na pesquisa. A documentação é reveladora de atos do órgão e ao mesmo tempo
a partir dela se podem aventar questões sobre acontecimentos e lacunas. Algumas que não
podem ser explicadas apenas na leitura dos documentos do processo.
Por conta de um lapso processual é que teve importância a coleta dados de outras fontes como
a imprensa da época, pesquisas e produção científica divulgada sobre os Pankararé e
relevantes depoimentos de pessoas envolvidas desde os anos 70 na pesquisa sobre povos
indígenas na Bahia especificamente as vinculadas a área de Antropologia da UFBA. Houve
dúvida quanto a alguns fatos noticiados na imprensa da época encontrados, como por exemplo
na notícia de que a “FUNAI inicia demarcação de terras dos índios Pankararé” em março de
1980 (JB em ISA/CEDI, 1981, anexo).
Não se pode confirmar essa notícia através dos processos que culminaram na homologação da
demarcação das terras analisados, o que fez crer ou evidenciou que se ocorreu esta ação do
órgão na época da notícia, não foi registrada pelo menos na documentação acessada que se
refere ao interesse dos Pankararé. E sendo também posteriores todos os atos documentados e
arquivados, nos dois processos relacionados as terras Pankararé e Brejo do Burgo, com um
lapso de mais dois anos entre a notícia acima e os atos do processo.
Reforça ainda esta dúvida gerada pela ausência de quaisquer de documentos ou referências a
essa demarcação iniciada, quando há no processo menções da própria regional da FUNAI de
que em 1982 os Pankararé estariam “em vias de serem reconhecidos” e receberem um “posto
indígena”, havendo também uma “indefinição da área do aldeamento de Brejo do Burgo”
nessa época.
Os dois processos Pankararé na FUNAI (1982 e 1991)
O processo da FUNAI de número 08620.001791/1982-31 ou “FUNAI/BSB/1791/82” foi
aberto em 07 de junho de 1982, com o assunto: “Identificação Étnica. [da TI Pankararé]”,
cujo interessado no processo era “Andre Xavier da Silva”.
116
Este processo teve origem através do documento interno da FUNAI “Memo. Nº 352/82-
AGESP [Assessoria Geral de Estudos e Pesquisas]”, de 07/06/1982, em que a antropóloga
Maria da Penha C. de Almeida se dirigia a Coordenadora da CPA informando que o Sr. André
Xavier da Silva era sobrinho de “Angelo Xavier, líder indígena Pankararé assassinado” e “se
auto-indentifica[va] como índio.”, que além disso:
[...] a família dele era proveniente de Brejo do Burgo, sendo que sua Bisavó,
D. mariana, teria abandonado o Brejo e se instalado na baixa da Mata,
juntamente com outras famílias de Brejo do Burgo.”
Em Brejo do Burgo, existe o problema da negação da identidade étnica, [...]
é muito difícil continuar se identificando como índio, isto porque a auto-
identificação implica no surgimento de estereótipos e preconceitos. A
própria discriminação social de que são vítimas, ao serem chamados de
‘caboclos’, etc... (Processo FUNAI, 1982).
A antropóloga informa no documento que a “situação na área era tensa” e fazia referencia ao
trabalho de 1977 do “antropólogo Carlos Alberto Caroso Soares” (da UFBA). Escreve no
memorando que havia um “problema de caráter fundiário na região”, que “as poucas áreas
possíveis de agricultura, em Brejo do Burgo, se encontravam tomadas por posseiros.”, e se
fazia necessária a obtenção de subsídios e um “levantamento antropológico na área”. Era
preciso “determinar se ele e os demais que habitam S.[São] José são identificados como tal,
pelos Pankararé do Brejo do Burgo.” E, diante das informações recebidas do “Sr. André”, que
se encontrava “ameaçado de morte em S. José”, e a consideração de que era “viável o
atendimento de seu pedido”, havia que:
Entretanto, para utilizarmos um critério de auto-identificação étnica
dependemos de um levantamento em campo, podendo então nos utilizarmos,
das formas de discriminação que eles tem sofrido na região, como prova de
sua identidade. (FUNAI, 1982, fls. 02).
No Memorando 352/82 a antropóloga escreveu em relação ao pleito do Sr. André Xavier da
Silva (Figura 19) que “haverá demora na solução de seu problema, (Terra)” e considerava que
se “a FUNAI definisse o problema de caráter fundiário na região” os índios Pankararé
“retornariam às suas Terras” (FUNAI, 1982).
117
Figura 19 (4) – Documentação do Sr. André Xavier da Silva
Fonte: Processo FUNAI (1982)
André Xavier da Silva esteve em Brasília-DF na DID [divisão do DGPI, Departamento Geral
do Patrimônio Indígena] da FUNAI no dia 04 de abril de 1982. Foi quando apresentou a
situação acima descrita e vários documentos (todos juntados ao processo FUNAI) que davam
conta de “cerca de 7 anos de luta através de canais burocráticos da Organização do Serviço
Público Federal e Estadual a procura de uma solução para o seu problema”.
Segundo a antropóloga Maria da Penha C. de Almeida (no Memorando FUNAI nº
061/DID/DGPI/82) essas “reivindicações” visavam a subsistência própria e “de sua gente em
S. José, onde suas terras se encontram invadidas e suas vidas ameaçadas”(FUNAI, 1982, fls.
08). Todavia, a antropóloga da FUNAI não afirmava que se trata de “um agrupamento
Pankararé, desconhecido e ainda não reconhecido pela FUNAI” e que se fosse “provada a
competência” do órgão se deveria “buscar uma solução definitiva” para o caso do Sr. André
como também para “os próprios Pankararé de Brejo do Burgo que há anos lutam pelo seu
reconhecimento e assistência efetiva da FUNAI”. E que “especialmente lutam por medidas
de caráter fundiário que lhes assegure posse definitiva de seu território tradicional” (FUNAI,
1982, fls 09).
Assim foi aberto o processo “FUNAI/BSB/1791/82” em 07 de junho de 1982. Esta
documentação de André Xavier da Silva compôs o processo que tramitou fazendo-se alusão
118
da situação do Sr. Andre “com relação ao P.I [povo indígena] Pankararé”. Foi assim solicitado
e deslocado um antropólogo para realizar o “levantamento antropológico” (fls. 34) e uma
“complementação de Laudo Antropológico, referente ao Sr. André Xavier da Silva” (fls.37).
Antropólogo Miguel V. Foti foi encarrego da tarefa de levantar os subsídios do caso acima.
Porém, este comunicou ao Diretor Regional da 3ªDR (José Leonardo Reis) em 27/07/82,
conforme consta no processo, que a situação seria “melhor direcionada” se equacionada a
situação do Sr. André junto “junto com o problema geral do Pankararé de Brejo do Burgo”,
com o “trabalho de definição da área indígena” que estava planejado na época segundo
consta no processo.
Os Pankararé estavam segundo essa documentação em “vias de serem reconhecidos e
receberem um Posto Indígena” solicitado em 30/06/1982 pela 3ª Delegacia Regional da
FUNAI (fls. 38-39-41). O “Antropólogo do quadro” da 3ªDR/FUNAI Miguel V. Foti relatou
o trabalho de campo a que foi encarregado, escrevendo que ao chegar em Baixa da Mata, São
José, no município de Jeremoabo, em 14 de abril de 1983, foi informado de que o Sr. Andre
Xavier da Silva havia falecido em dezembro de 1982.
Havia se passado pouco mais de um ano de quando Andre Xavier da Silva estivera na FUNAI
com sua reivindicação e documentos. Durante esse tempo decorrido havia sido dada uma
tramitação e abertura do processo em junho de 1982 e chegava-se aquele trabalho de campo
quase um ano depois da abertura do processo. Após a tramitação na 3ª DR e nos
departamentos gerais na FUNAI Brasília-DF, ocorrido o trabalho de campo, observação e
entrevistas, entre os dias 12 e 19 de abril de 1983, chegou o antropólogo Miguel V. Foti a
seguinte conclusão relatada: que as “famílias residentes em Baixa da Mata [...] não se
identificam como indígenas.”, aos “moradores da região [...] se quer se colocava a discussão
da quanto a existência de caboclos na área”, e estes “desconhecem o cerimonial do ouricuri e
não praticam a dança Toré, a exemplo das populações indígenas nordestinas”. (fls.47).
Assim o antropólogo encarregado Miguel V. Foti ao parecer de que sobre aquele grupo “[...]
não se tratam de índios, para efeitos de tutela e assistência, de acordo com critérios aceitáveis
do ponto de vista antropológico, bem como de acordo com o que dispõe a legislação.”
(fls.48). Concluindo o relatório que “o problema extrapola a competência” da FUNAI por
“não ser aquela uma população indígena” devendo o problema ser encaminhado ao INCRA.
Desse modo a Chefia da Divisão de Identificação e Delimitação, o DID do DGPI sugere o
arquivamento do processo em 16 de maio de 1983.
Em algumas partes do processo este é referido como sendo um processo que trata “sobre a
identidade étnica do Sr. André Xavier da Silva”. Desse modo, talvez por isso, conste na
119
documentação do processo que se deveriam ser discriminados “critérios aceitáveis pela
Antropologia” por necessidade de conhecer “elementos comprobatórios da falsa identidade
étnica” do Sr. André, segundo uma “Informação” visando “resguardar os interesses dos
Pankararé que venham, em época oportuna, a reivindicar seus direitos.” (fls.54).
A informação pretendia resguardar o órgão ou o direito do Pankararé que naquela época, 06
de junho de 1983, os índios não haviam, segundo a informação, reivindicado suas terras. Mas
havia o processo de solicitação do posto indígena e uma menção de que estariam “em vias” de
reconhecimento, parecia que não tramitava um pleito Pankararé quanto às terras ou havia uma
desinformação no processo.
O Antropólogo Miguel V. Foti apresentou formalmente no processo os seus critérios adotados
e utilizados para definir suas conclusões quanto a questão do Sr. André. E está foi encerrada
em agosto de 1983 quando o Diretor da DPI (Diretoria do Patrimônio Indígena) sugere que a
família seja comunicada da decisão da FUNAI e orientada a procurar a regional do INCRA.
Medições e “acordos” contra as terras Pankararé
Nos anos 80 a FUNAI estabeleceria um “convenio” com o INTERBA (primeiramente no
governo João Durval Carneiro - março de 1983 até março de 1987, e que também continuaria
com execução no governo de Waldir Pires - março de 1987 até maio de 1989) para medição e
titulação de terras, o que teria gerado um alerta aos posseiros e estes tentariam dominar toda a
área devoluta (MAIA, 1992). Após o assassinato do cacique Angelo “seu filho Manoel Xavier
é elevado pela comunidade ao cargo de cacique.” E são instituídos “representantes ou
conselheiros” dentro da comunidade para articulação interna. (MAIA, 1992, p.22). Os índios
também consolidaram o “direito à prática do tore/praia” em dois terreiros o “Nascente” e o
“Poente” a medida que exigiam justiça, e contavam com o apoio da ANAI-BA e do CIMI
nessa época (ROCHA, Junior, 1982, p.3).
O Jornal da Bahia de 12 de junho de 1982 (ISA/CEDI, 1983) noticiou que os Pankararé de
Nova Glória estariam “dispostos a fazer valer seus direitos” sobre a terra o que poderia gerar
“um serio conflito entre eles e os posseiros e fazendeiros que ocupam as áreas indígenas”. O
cacique Manoel Pereira Xavier estava em Salvador a caminho de Brasília para o II congresso
nacional das Nações Indígenas e declarou que o INTERBA da Secretaria de Agricultura do
Estado estava “fazendo medição de terras na área, indicando que pretende legalizar a posse
para os brancos, medida que os índios dizem que, de modo nenhum, vão aceitar.”
Maria do Rosário escrever uma nota “Intensificam-se conflitos no NE” na publicação
Aconteceu Especial numero 12 (ISA/CEDI, 1983) observando que os conflitos ligavam-se a
120
ausência de demarcação das terras indígenas e que havia uma “interferência indevida do
Governo do Estado no trato da questão indígena,, [...] referindo-se mais particularmente ao
Estado da Bahia.” No ano 1982 os pankararé participam da mobilização indígena nacional e
regional e vão até Brasília. Quando “obtém reconhecimento oficial da FUNAI [...] com a
criação de um posto indígena”, segundo Maia (1992, p.22). Os índios do nordeste criticaram a
atuação da FUNAI, discutiram o “reconhecimento da identidade étnica”, e reivindicaram a
“identificação, demarcação e regularização de suas terras” (ISA/CEDI, 1983, p.93).
Em 1983 foi instalado um posto indígena da FUNAI, e Manoel Pereira Xavier, conhecido
também como “Lelo”, cacique, se transformaria num “funcionário” da FUNAI. O mesmo foi
de fato servidor da FUNAI “Tratorista, nível NA-A.III, matricula nº 0443965” e ainda
assumiu a posição de “substituto do Chefe do Posto Indígena Pankararé”, com cargo de
confiança código DAS 101.2 da regional de Paulo Afonso da FUNAI, nomeado em 1992 pela
Portaria DA nº 452/92 sendo dispensado em 19 de junho de 2000. “Lelo” estaria
“oficialmente impossibilitado de exercer a chefia política do grupo” desde quando se tornou
funcionário do órgão, segundo Maia (2012, p.175).
Antes dessa mobilização regional e nacional de 1982 e chegada do posto indígena, o cacique
Pankararé Manoel Pereira Xavier e o “índio Pankararé” Menezes Celestino estavam no dia 06
de maio de 1981 em Brasília-DF, onde assinaram uma declaração em que concordavam “em
nome da comunidade indígena Pankararé, com a solução apresentada para resolver o
problema da referida comunidade”, conforme a folha 163 do processo FUNAI (1991). Essa
“solução” proposta consistiria em “imediatas providencias por parte da FUNAI” a saber:
DECLARAÇÃO
Titulação definitiva de todos os índios e civilizados no brejo do burgo [...]
respeitados os limites atuais de respeitos entre todos os ocupantes da área;
Estabelecimento de áreas reservadas a usufruto da comunidade [em área]
devoluta vaga [...] para coleta de lenha para consumo diário, implantação de
novas roças, coleta de mel e exercício da caça para subsistência do grupo
indígena;
Criação de um posto indígena na área do Brejo do Burgo, a fim de
proporcionar a comunidade indígena assistência médica, educacional e de
fomento agro-pastoril e social. (FUNAI, 1991, p.163).
Esta declaração estava selando um tipo de acordo baseado nas promessas de um posto
indígena, de uma reserva que teria inclusive “cobertura florestal” e assistência. Em troca a
FUNAI conseguirá anuência para a proposta de titular lotes individuais no Brejo do Burgo
como solução. Seria a FUNAI talvez a própria mentora original da chamada “titulação ilegal”
de terras e interferência que seria realizada pelo governo estadual via convenio com o
121
INTERBA. Isso ocorreu em 1981 conforme foi assinado pelo cacique e com o polegar o índio
Menezes (que seria um “conselheiro”), tendo como testemunhas dois servidores da FUNAI.
Este ato oficial conforme consta registrado foi precedido de uma reunião com o Diretor do
DGPI/FUNAI.
Segundo Maia (1992) os índios ao perceberem a titulação de terras para os posseiros e o seu
avanço sobre as áreas devolutas teriam resolvido sustar a titulação, pois tinham como
reivindicação a “demarcação de seu território tradicional e a retirada dos não-índios. A autora
não faz referencia a origem ou data dessa informação. E continua narrando que “sob a
liderança de um novo cacique, Afonso” o índios teriam capitulado e aceitado a “titulação
individual das terras do Brejo” do Burgo, se em troca recebessem “uma área reservada ao
usufruto exclusivo da comunidade, além da criação de um posto indígena.” (MAIA, 1992,
p.22).
Rocha Junior (1982) escreveu que a luta dos índios “num primeiro momento’ reivindicava
todo o Brejo e a retirada do não-índios, mas que “com o tempo” teriam se convencido de que
“tal solução é quase impossível”, assim em 1981 o cacique teria assinado o termo declaração
com a FUNAI a esse respeito.
Esta informação de MAIA (1992) pode não estar correta diante da documentação analisada,
haja visto que a declaração acima citada e que consta no processo FUNAI, foi assinada pelo
cacique Manuel Pereira Xavier, em 1981 em Brasília-DF, que inclusive se tornaria servidor da
FUNAI tratorista com cargo de confiança da DR da FUNAI em Paulo Afonso. Não podemos
afirmar em que condições isso ocorreu e de que modo foi proposto. É apenas estranho que o
cacique em 1982, segundo a imprensa, afirmasse que não aceitaria titulação ou legalização de
posse dos “brancos”, a notícia estava correta.
O fato é que esta parecia se tornar a única opção tinha origem em 1976 na comissão
FUNAI/SEMA e seguiu até 1981 quando o cacique a assume e aceita em nome da
comunidade em Brasília-DF. Ocorreram então conflitos baseados nessa tensão sobre as roças
e locais específicos no Brejo do Burgo e segundo consta na documentação os “acordos” e a
sua “quebra” seriam uma constante, apesar das reuniões e assinaturas. Assim “com o tempo”
são impostas condições para a demarcação do Brejo e seus limites, condicionando inclusive a
relação dos índios com os órgãos governamentais responsáveis. A titulação individual parecia
ter vencido como uma “solução” viável, consensual e pacífica, mas ao mesmo tempo não
resolveria a situação por esta via.
Segundo entrevista, houve negociação entre o “Lelo” (quando este não era mais cacique e no
lugar dele ficara “Judival da Conceição”) e também “Afonso Eneas Feitosa” que entraria em
122
divergência com “Lelo”, o povo passaria a ter dois caciques. Sobre a área haveria um recorte
no território, pois a área mista teria muitos posseiros e os Pankararé em torno de 22 mil
hectares, os índios reconheciam algum direito aos posseiros, e o brejo é local da disputa.
(informação verbal)25
.
Os índios teriam percebido não só que os “posseiros” avançaram sobre as terras antes da
medição do INTERBA, como também que o órgão optara por medir primeiro as áreas dos
posseiros. Teria ocorrido que o órgão inclusive teria feito os índios assinassem folhas em
branco que seriam segundo Rocha Junior (1982, p.6) termos de concordância com limites de
roças. Ou seja, o acordo e consenso ao que parece ia contra os interesses dos índios. Além da
promessa da FUNAI parecia que os colocaria no Raso da Catarina longe do povoado e com
títulos individuais no Brejo do Burgo.
Os índios temiam “perder a Fonte Grande e seus direitos no Brejo”. Se com a proposta
assinada pelo cacique Manoel prometia um “oásis” com cobertura florestal até os “limites da
SEMA” e estes só teriam lotes no Brejo os índios estavam sendo colocados em uma área que
ainda que fosse “extensa” não seria útil no que se refere ao proveito e acesso a água, etc. Os
Pankararé perceberam isso a tempo. O sindicato (Silvestre Aprígio da Silva, presidente do
STR de Glória.) ainda denunciaria que os técnicos estariam se reunindo com os políticos
(supostamente Artur Figueiredo, outros da Câmara de Vereadores de Gloria, Bahia) e
transformando a “medição” em “jogo eleitoreiro”, a comissão índio-posseiro se reuniria e
pediria a suspensão até novo acordo, segundo Rocha Junior (1982). Um “setor descontente”
entre os índios Pankararé “contestou a autoridade do cacique” Manoel Pereira Xavier e
“propôs um novo, Afonso”.
Em 11 de outubro de 1984 sem mais informações sobre atos do órgão no tempo decorrido o
presidente da FUNAI Nelson Marabuto Domingues (policial de carreira e que não
completaria um ano de exercício no cargo) designou três servidores para procederem os
“estudos de identificação e Levantamento Ocupacional” visando definir os limites da “Área
Indígena Pankararé”, acompanhados de técnico a ser indicado pelo Interba/BA, mediante
Portaria nº 1788. Foram indicados dois técnicos do INTERBA que fizeram parte deste Grupo
de Trabalho (GT Pankararé).
Segundo relatório do GT Pankararé a situação era tensa e havia no INTERBA os termos de
um “acordo firmado anteriormente com a comunidade” para a “titulação de lotes individuais
para os índios de Brejo do Burgo e demarcação de uma área contínua” (FUNAI, 1982, fls.64).
25
Informação fornecida pelo pesquisador Augusto S. em entrevista realizada pelo autor.
123
O chefe do Posto indígena (Sr. Fagundes) acompanhou essa atividade de campo do GT e
segundo o relatório. A posição dos índios Pankararé era que se devia regularizar uma
“reserva” e lotes individuais, que seria “a mesma [posição] desde 1976; demarcação de uma
área continua para a reserva da comunidade, e titulação dos lotes individuais em Brejo do
Burgo”. (FUNAI, 1982, fls.65)
A comissão se reuniu em 22 de outubro de 1984 para avaliar a possibilidade de “definir uma
área indígena” Pankararé e considerou que após contatos com índios e posseiros “os quais não
apresentaram consenso nas suas opiniões” esta foi levada a “sugerir a indicação da área já
prevista no referido acordo.” (FUNAI, 1982, fls.73). Nesse período o processo administrativo
de demarcação de terras indígenas era regido pelo Decreto nº 88.118, de 23 de fevereiro de
1983.
A norma vigente previa o reconhecimento, identificação e delimitação das áreas indígenas
conforme o Estatuto do Índio (Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973) que previa que as
terras indígenas seriam demarcadas administrativamente por iniciativa e sob orientação do
órgão responsável federal de assistência ao índio. E que cabia aos índios lhes cabia a posse
permanente das terras que habitavam e o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e
de todas as utilidades naquelas terras existentes.
A FUNAI não parecia orientar o processo e o INTERBA (que recebia incumbência parecia ir
além da simples medição) parecia buscar tecnicamente viabilizar não só os acordos com os
posseiros, mas envolver-se com o poder local. Seria essa uma prática utilizada em terras
indígenas em conflito fundiário, fazer acordos? Se era um fator de influencia o fato de
“serem” os índios “caboclos”, é algo a ser investigado mais a fundo, e a atuação buscando um
“consenso” entre índios e posseiros poderia ser analisada em comparação com outros casos
semelhantes na região nordeste e fora dela. O Estatuto do Índio previa que no Art. 18 que as
terras indígenas não poderiam ser “objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio
jurídico que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade indígena”.
É possível que estes atos pudessem contrariar em algum modo a legislação vigente. Se através
dos órgãos que atuavam como mediadores de um aludido “consenso” e “acordo”, o faziam
diante da previsão em Lei de 19 de dezembro de 1973, o Estatuto do Índio, segundo o qual,
O reconhecimento do direito dos índios e grupos tribais à posse permanente
das terras por eles habitadas, nos termos do artigo 198, da Constituição
Federal, independerá de sua demarcação, e será assegurado pelo órgão
federal de assistência aos silvícolas, atendendo à situação atual e ao
consenso histórico sobre a antigüidade da ocupação, sem prejuízo das
124
medidas cabíveis que, na omissão ou erro do referido órgão, tomar qualquer
dos Poderes da República. (BRASIL, Art. 25, Lei 6.001/1973)
A “Solução das terras Pankararé” (FUNAI, p.41) e a busca de “uma solução definitiva” foram
dirigidas pela idéia de que era necessário realizar um “consenso” e “acordo” “índio-não-
índio” assumida ou até mesmo proposta pela FUNAI, e levada a cabo pelo INTERBA. Sendo
que surgiram aí “mediadores”, defensores e facilitadores para ajustar o acordo nos termos em
que se tornasse viável a sua realização, e não dependia apenas da FUNAI e operacionalmente
deveria ser algo dificílimo, como seria mesmo hoje. O que havia sido proposto estava firmado
da parte dos índios perante a FUNAI e perante aos “não-índios” haviam forças diversas e
contrárias, inclusive opositores ao próprio acordo (possivelmente ligados a “Artur
Figueiredo”).
Entre os indígenas também se dividiriam as forças e lideranças, variando conforme o tempo,
em torno da proposta em si e na forma de sua aplicação e nos termos a serem aplicados. E as
lideranças indígenas estariam em apoio a ela ou contra ela em algum momento. Algo que não
se pretendeu avaliar aqui investigando estas relações em torno do poder de decisão e
representação na aldeia, mas observamos que esta posição dentro dos governos e era
convenientemente aceita pela FUNAI como solução para o problema fundiário que perdurava
diante da inércia institucional.
Ou seja, se o assunto fundiário Pankararé na FUNAI estava colocado como sendo de possível
solução em um “acordo” entre partes e não como um direito dos índios, o que ainda era
possível de ser repassado ao Governo do Estado, não poderia ser mais conveniente aquele
período do órgão. O que refletiria tanto uma incapacidade para garantir a aplicação da Lei
quanto um tratamento desinteressado dado ao caso Pankararé (talvez diferenciado). Ou seria
ainda uma típica deliberação que refletia a pratica da atuação vigente no órgão na época, se
regionalizada, no Nordeste pelo menos, ou em todo no país. Algo a ser investigado.
Segundo entrevista haveria “um” INTERBA no Governo Estadual de João Durval (1983-
1987) e “outro” no Governo Estadual de Waldir Pires (1897-1989). O trabalho se desenvolvia
na chamada “Área mista” que era a área limite, área a ser “estudada”, considerando a linha de
transmissão, assim foi feito “cadastro lote por lote no Brejo”, com nome dos proprietários.
Nessa época o “pólo sindical” (força política que reuniu sindicatos dos municípios, ligada a
Alcides Modesto e que fizeram frente ao processo, com advogados inclusive) “dizia”: “deixa
o INTERBA estudar, [eles] visando garantir os lotes individuais”. (Informação verbal)26
.
26
Informação fornecida pelo pesquisador Augusto S. em entrevista realizada pelo autor.
125
Havia uma “comissão” no Estado da Bahia criada por “Eduardo Almeida” (indigenista, que
foi o primeiro presidente da FUNAI no Governo Lula, e era filho de Rômulo Almeida) no
Governo Waldir Pires através de portaria do Sec. de Agricultura do Estado da Bahia. Da
comissão fizeram parte “Pedro Agostinho, Augusto Sampaio, Carlos Caroso, e o próprio
Eduardo Almeida” para tratar das questões de terra indígenas.
Segundo entrevista a área teria sido “Feita com base na idéia de acordo”, o que só mudaria em
1985. (Informação verbal)27
. O que pode estar relacionado a medidas como a “auto-
demarcação Pankararé” ato dos índios em janeiro de 1984. A “auto-demarcação” mostrava
que os índios haviam “cansado” de esperar o que havia sido “prometido”. Em 1981 já haviam
“capitulado” e ainda assim não tinham sido “atendidos”.
Das mediações e comunicações destas ao poder público, em 02 de novembro de 1984 com
referencia a comunicação de 05 de agosto de 1984, participavam “D. Aloysio José Leal
Penna”, Bispo Diocesano, o “Cacique Manuel P. Xavier”, Pankararé e “Silvestre Aprígio da
Silva”, presidente do “STR de Glória”. Havia um termo de acordo de 02 de agosto de 1985,
um “Termo de acordo” (FUNAI, 1991, fls.169) com assinaturas de “D. Aloysio Jose Leal
Penna”, representante do CIMI, representante do INCRA, representante do FUNAI (“Maria
Hilda Baqueiro Paraíso”), representante do “STR GLORIA”. Termos que teriam sido
“clareados” em 18 de dezembro de 1985.
Segundo entrevista os estudos do INTERBA sobre a área mista levaram quase 2 anos e o
INTERBA mapeia e cadastra os lotes individuais de posseiros e índios com a ação de Eduardo
Almeida, e haveria “negociação para acordo quanto a definição do território, mas não houve
acordo”. (Informação verbal) 28
. A portaria do INCRA 1990 de 4 de dezembro de 1985
reconhece e determina que se deva “recompor os termos do Acordo assinado em 02 de agosto
do corrente ano [1985], em decorrência da Portaria nº 1909/E, de 22 de junho de 1985”. E
determina o “inicio imediato dos trabalhos demarcatórios [...] dentro dos limites do acordo”
(FUNAI, 1991, fls.179), portaria assinada pelo Presidente da FUNAI “Apoena Soares
Meireles” (que era autor de projeto de descentralização da FUNAI para os Estados, ISA).
A demarcação da “reserva” em 1986, portaria de 85 (?), definida em 84 e 85 teve a
participação do INCRA. Segundo entrevista o superintendente Jose Carlos Arruti da
Superintendência Estadual da Bahia, teria arbitrado o limite, a linha ao meio, “meio
salomônica” que “não valeu”, pois “a que valeu foi a da FUNAI”, os “supostos acordos”
teriam existiu para o INCRA e para os posseiros, mas “não na FUNAI”. A “disputa agrária
27
Informação fornecida pelo pesquisador Augusto S. em entrevista realizada pelo autor. 28
Informação fornecida pelo pesquisador Augusto S. em entrevista realizada pelo autor.
126
era em torno do Brejo”, pois o valor da terra era “20 vezes maior que a da caatinga em 1992”,
dados levantados por “Augusto [...]” na época, a caatinga não valia nada. (Informação
verbal)29
.
Nessa época os posseiros “esperavam que os índios saíssem do brejo” e fossem para a
“reserva”, os “posseiros esperam ter os índios apenas na ‘reserva’”. Era a voz dos posseiros e
do “Pólo Sindical de Petrolândia”, sindicatos de Gloria, Rodelas, etc. que fizeram
contestações. A “exótica área mista” teria sido criada em 1987 e a “terra Pankararé” a
chamada “Reserva” era apenas “Aldeia do Chico (família do velho Saturnino) e Aldeia da
Serrota”.
No contexto da promulgação da Constituição de 1988, quando o antropólogo Augusto
Sampaio saiu do INTERBA em 1989, “Waldir [...]” renunciara também em 89 em março indo
para concorrer a presidência como vice-presidente com Ulysses Guimarães. Os cargos do seu
governo ficavam disponíveis até novembro daquele ano iniciando o Governo da Bahia de Nilo
Coelho. Assim o trabalho “se concluiu e ficou o impasse”, acreditava-se que os dados
serviriam para a outra terra indígena, em 1992, e os dados “do INTERBA” (mapas, cadastro)
davam conta e diziam quem eram todos os posseiros. O desfecho segundo a entrevista “foi
“empoderado” pela Constituição de 1988”. “Dom Aluisio Pena” (Figura 20), tinha
neutralidade, “o bom mediador”, por volta de 83/84 a 88, era jesuíta do RJ e trouxe o CIMI
para Paulo Afonso, que teria sido um “aliado dos Pankararé” dando “assessoria, formação
política, crescem em poder de argumentação, consciência dos direitos”. Precedido pelo “Dom
Jackson Berenger” primeiro Bispo de PA. E “Dom Mario Zanetta” que ascendeu depois.
Haviam nessa época o “Silvestre do Sindicato”. O “Jose Carajá do CIMI”. Uma “carta de
acordo de 84” encerrava com a saída do INTERBA, o fim dos trabalhos, “saída de Waldir” do
governo do estado, o “INTERBA sai de cena com Nilo Coelho no governo”. Era também o
“fim do grupão” (Governo Sarney) e o INCRA ficaria mesmo só com a função de reassentar
os intrusos. No final de 89, 90 e inicio de 91 a pressão era do pólo para continuar o processo.
(Informação verbal)30
. Resumindo o desfecho dos acontecimentos que estiveram permeados
pelas mudanças na política do Estado.
29
Informação fornecida pelo pesquisador Augusto S. em entrevista realizada pelo autor. 30
Informação fornecida pelo pesquisador Augusto S. em entrevista realizada pelo autor.
127
Figura 20 (4) – Bispos da Diocese de Paulo Afonso (BA)
A B
A) Dom Aloysio Penna, 2º Bispo, de 1984 a 1987. Fonte: foto divulgação;
B) Dom Mario Zaneta, 3º Bispo, de 1988 a 1998 Fonte: cartaz Diocese, 2013.
Findo o trabalho do INTERBA enquanto participante na política para demarcação da terra
Pankararé, pois era o fim do governo de Waldir Pires, em que atuou “Eduardo Almeida” no
INTERBA e no INCRA de “Jose Carlos Arruti” (ex-superintendente do INCRA dispensado
do cargo em março de 1988). Era publicado o Decreto nº 22 em 4 de fevereiro de 1991, no
Governo Fernando Collor, que novamente regulamentava o processo administrativo de
demarcação das terras indígenas e revogavam-se as regras de 1987 para a demarcação até
então vigentes. Quando então seria aberto um novo processo.
Um processo a ser estudado
Em janeiro de 1991 a Superintendência Executiva Regional da FUNAI (da 3ª região, 3ª
SUER) endereçou comunicação ao assessor especial da Presidência da FUNAI informando
que o “cacique e lideranças indígenas Pankararé” aguardavam uma posição em relação ao
conflito fundiário e a superintendência reiterava a solicitação de “deslocamento urgente um
antropólogo” e esclarecia ainda que segundo os indígenas haviam denunciado “os posseiros
se encontravam armados e são liderados pelo vulgo ‘Ze Roque’ residente no Poço.” (FUNAI,
1991, fls.06). Segundo entrevista o local Poço concentrava “não regionais ou não índios”, o
resto era muito “misturado”. (Informação verbal)31
.
O processo da FUNAI de número 08620.001090/1991-27 foi aberto em 07 de maio de 1991,
com o assunto: “Identificação e Delimitação da terra indígena Brejo do Burgo, localizada no
Município de Glória, Estado da Bahia”, cujo o interessado no processo era o “Grupo indígena
Pankararé”, este processo tendo como documento primário ou de origem a “CARTA S/N
[sem número], de 23 de abril de 1991”. A carta constante do mesmo foi assinada pelo
31
Informação fornecida pelo pesquisador Caroso Soares em entrevista realizada pelo autor.
128
“Cacique Afonso Eneas Feitosa” e dirigida a Superintendência de assuntos fundiários da
FUNAI em Brasília-DF. Era um novo acirramento do conflito e a abertura de novas
mediações, que não foram objeto de análise desta pesquisa.
O outro processo parecia não existir e nada que havia ocorrido antes estava no processo que
era aberto em 1991, a não ser pelas contestações que iriam fazer parte dele, enviadas pelo
Sindicato. Seria um processo novo como se não houvesse uma série de encaminhamentos
anteriores. Os documentos mais antigos seriam anexados por via das contestações, a maioria
dos documentos FUNAI se refere a década de 1990 em diante.
Em 24 de maio de 1991 ocorre a criação do GT Pankararé, a homologação se daria em 5 de
janeiro de 1996. José Augusto Laranjeiras Sampaio foi o antropólogo indicado pela ABA pelo
então Presidente Roque Laraia (antropólogo que foi professor da UFRJ, UNB, Diretor de
Assuntos Fundiários da FUNAI e presidente interino por curto período em 2000). Consta no
processo a indicação via telex e também é registrado em outras peças a indicação da ABA,
além de peças produzidas durante o processo. Segundo entrevista foi uma “indicação de Pedro
Agostinho”, pois ele (Augusto) tinha trabalhado no INTERBA e conhecia a área. O “Célio
Host” que foi o nome que saiu na portaria seria “primo da mulher do Geisel” e assinava
documentos e informações produzidos de fato por “Augusto”, que foi a campo e fez o estudo.
(Informação verbal)32
.
Em 5 de janeiro de 1996 era homologada a demarcação da TI Pankararé (Figura ). A
desintrusão não ocorreu segundo por conta da indisponibilidade de terras públicas. Seriam
problemas as agrovilas da CHESF, os posseiros, e falta mapa destas terras de pessoas
reassentadas de Itaparica. O Estado não saberia o que tem ali na verdade em relação ao
domínio. (informação verbal)33
.
Na “Cerquinha” – leste da área a proporção era de 10 posseiros para cada índio (os índios
ligados ao cacique Afonso). Havia um “consenso sobre dividir o brejo meio a meio”. Segundo
entrevista como na “Cerquinha” tinha população indígena pequena, com anuência daqueles
índios a “Cerquinha” não ficou na área indígena tradicional, “perderam a Cerquinha (“índios
de Afonso”, onde tinha maioria não indígena preponderante)”. Assim os Pankararé “perdem
metade do brejo”, “abrindo mão” de 5 mil hectare dos 22 mil, ficando com 17 mil hectares, e
assim evitam a “maioria dos posseiros”, de 1200 índios e dos 2000 posseiros, assim “1500
posseiros ficariam fora da área” e “200 índios”, com o “brejo meio a meio”, feito com base
em dados do INTERBA. Ainda que os posseiros não tenham respondido os cadastros, e
32
Informação fornecida pelo pesquisador Augusto S. em entrevista realizada pelo autor. 33
Informação fornecida pelo pesquisador Augusto S. em entrevista realizada pelo autor.
129
sindicato não dialogava apesar do convite feito pela equipe. O “Bispo Zanetta” “apenas não
aprovava aquilo”. (Informação verbal)34
.
Figura 21 (4) – TI Pankararé
Fonte: FUNAI - Coordenação Regional Baixo São Francisco
34
Informação fornecida pelo pesquisador Augusto S. em entrevista realizada pelo autor.
130
A fonte grande no centro do conflito, descobridores e posseiros
Um lugar de grande importância no povoado e que teria sido a primeira a ser descoberta e de
“melhores águas”, “mantida e zelada” pelos índios, sem “negarem água aos posseiros”. Um
posseiro alegaria tê-la comprado junto com sua parte no brejo. Próximo a fonte era o poro.
Era um “local carregado de valor simbólico pelos Pankararé que temem perde-la mais que
tudo”. (ROCHA JUNIOR, 1982, p.6).
Segundo entrevista o povo indígena Pankararé seria dotado de uma “consciência Pankararé”
de que chegaram ao Brejo do Burgo “primeiro”, assim, depois é que chegaram o “Artur
Figueiredo, Adalto Batista” – “uma elite de Gloria” (informação verbal)35
. A Fonte Grande
(Figura 21) nessa época (do segundo processo) era cercada pelos posseiros, e era “referencia
histórica para os índios”, esta “havia sido cercada e entupida pelos posseiros”. Até para
“plotar” a fonte foi preciso reforço policial da Policia Federal, pois os posseiros “estavam
armados nesse tempo tinham poder sobre a fonte” e então índios não a acessavam.
(Informação verbal)36
.
Figura 21 (4): Uso na Fonte Grande
Fonte: arquivo pessoal (CAROSO)
A fonte de água doce serviria no passado aos momentos de caça, e o Brejo do Burgo teria
“nascido” após a “abertura da dita fonte” (GEAP, 2008 apud REGO, 2012), o lugar se
tornaria de “relevância histórica para os Pankararé”, inclusive trazendo significado ao nome
35
Informação fornecida pelo pesquisador Augusto S. em entrevista realizada pelo autor. 36
Informação fornecida pelo pesquisador Augusto S. em entrevista realizada pelo autor.
131
Brejo do Burgo (“Burgo, Bugre, Burgio” seria o guia que levara até a fonte). (Ver A água e os
Pankararé, 2008). Segundo Sampaio (1995), um dos seus informantes relatara que a “fonte
perene na caatinga” era habitada por “caboclos bravos” e teria saído da Vila de Santo Antonio
da Gloria (antiga Curral do Bois) uma “nova retirada” “guiada por um ‘caboclinho’”, o
mesmo local do Brejo do Burgo, e única fonte perene “num raio de pelo menos cinquenta
quilômetros na caatinga.”
Haveria uma “História da Fonte Grande” entre os Pankararé , narrativa da fundação do Brejo
do Burgo, de “significado quase mítico”. A ocupação da área estaria relacionada a descoberta
da água no local (MODERCIN, 2010, p.44). Como em GEAP (2008 apud MODERCIN,
2010) citam com referencia a uma das versões da história da fonte:
Muitos acreditam que, nesse local, vivem os encantados das águas e outros.
Dizem que, logo que a fonte foi descoberta, quem se aproximava ouvia um
barulho como se algo caísse dentro d’água. Acredita-se ser a mãe d’água.
Hoje, o lugar da fonte já não é o mesmo de alguns anos atrás. Foi feito um
pequeno muro de tijolos e cimento ao redor da fonte. As plantas e as árvores
que havia no lugar não existem mais. A Fonte Grande já não dá mais água
como antigamente. (GEAP, 2008, p. 24 apud MODERCIN, 2010, p44).
Segundo Maia, sobre os habitantes do Brejo que “estão sujeitos a problemas carenciais de
água devido às secas periódicas”, período em que as fontes de fornecimento secariam em
“períodos críticos, à exceção da Fonte Grande, que nunca perece” (1992, p.13). A Fonte
Grande teria sido obstruída nos momentos de conflito, mesmo momento das “prisões ilegais,
ameaças e invasões de terras”, que ocorreram quando “Braz – partido de Figueredo” era o
prefeito de Gloria (MAIA, 1992, p.21). Seria a fonte segundo Suzana Maia um dos “espaços
considerados sagrados” ao lado do terreiro e do “Poró”.
Segundo entrevista a Fonte Grande e o Brejo do Burgo (Figura ) é que “eram” o “problema” e
o “foco” das disputas, houve a derrubada consecutiva do “Poró” de palha até a construção do
poro de concreto com apoio financeiro da CESI (entidade) e que foi destruído “a marretada”.
Houve o envolvimento do CIMI, da Igreja e as disputas com o “Pólo Sindical” e os posseiros.
Mas a fonte grande “ficou toda na área indígena”. Os cadastros do INTERBA acabaram
servindo para FUNAI. E os acordos e as muitas reuniões dos anos 80 não foram cumpridos
e não levaram a nada e os índios não queriam mais isso quando se consolidaram os
parâmetros técnicos. A terra anterior Pankararé foi feita em negociação/acordo no paradigma
não técnico. (Informação verbal)37
.
37
Informação fornecida pelo pesquisador Augusto S. em entrevista realizada pelo autor.
132
Figura 23 (4) – TI Brejo do Burgo
Fonte: FUNAI - Coordenação Regional Baixo São Francisco
Sobre a situação das terras Pankararé há um histórico complexo que envolve o poder local,
relações internas ao grupo indígena, e o histórico da atuação do estado, governos federal e
estadual através de seus órgãos, com uma série de conflitos e produção de acordos e quebra
133
dos mesmos. Tudo permeado por uma atuação contraditória do Estado em relação a situação
das terras e direito dos índios, o que abriu margem a produção de tentativas de efetivação
parcial da demarcação.
Da situação criada pela proposição da criação da Estação Ecológica do Raso da Catarina que
causaria impacto sobre os índios Pankararé, principalmente sobre a caça (obtenção de
proteína) e sobre a “aldeia do Chico” na década de 1970, parece ter surgido a proposição de
demarcação diferenciada. Os “índios do Chico” ficariam na Reserva ecológica demarcada
continua e os demais índios, por serem “aculturados” e “misturados”, teriam “títulos
individuais” e do mesmo modo os não-índios, todos no Brejo do Burgo.
A proposta ganharia vida nos anos seguintes nos processos, nos órgãos e no Brejo do Burgo,
sendo acordada, negociada, posta a termo desde 1981. A atuação dos órgãos desconsideraria
locais sagrados se apenas fossem medidas as áreas sem avaliar a situação de invasão ocorrida
e demais critérios necessários. Por força da percepção, articulação e “enfrentamento”
colocados em ação os indígenas conseguiram impedir que o acordo fosse contra seus
interesses. Ao final o acordo fracassaria no contexto de fortalecimento democrático e garantia
de direitos, além de mudanças na forma de atuação dos órgãos que agiriam num outro
contexto social e político.
A iniciativa de ter os índios na reserva ecológica não aconteceu ao que tudo indica por
“decisão” do Secretário da SEMA que não acataria a presença dos índios sugerida
“preferindo” reduzir a área da futura “Estação Ecológica Raso da Catarina”. A iniciativa no
entanto de reunir uma comissão para propor uma “solução” seria válida e proporia uma saída
em parte bastante “avançada” para época (1976) com índios dentro da “reserva” e por outro
lado “prejudicial” com a “titulação individual” que ia submeteria os índios a um convívio com
aqueles que atuavam contra eles, justamente por aquilo que os diferenciava. A comissão foi
composta pela SEMA e FUNAI, e a presença dos antropólogos da UFBA numa participação
como especialistas provavelmente indicados pela FUNAI, teria sido de grande importância
para defender a importância do Raso da Catarina para os índios Pankararé na época.
134
5 Breve discussão da “reserva” no Raso da Catarina
Na ecorregião do Raso da Catarina no semi-árido brasileiro encontram-se a ESEC Raso da
Catarina e Terras Indígenas Pankararé e Brejo do burgo. Além destas estão presentes outras
Terras Indígenas e outras Unidades de Conservação. Existem tanto UC públicas quanto de
domínio privado nesta ecorregião em que há pouca “disponibilidade de água de superfície” e
solos pouco férteis. Haveria um “vazio demográfico” ou populacional decorrente da pequena
quantidade de água disponível e como conseqüência disto a área estaria “razoavelmente
preservada” com uma estimativa de 2001 de um estado de conservação em que “60-70% da
área” estivesse em “boas condições”(VELLOSO et al., 2002, p.33).
Num levantamento aproximado existiriam oito (08) Terras Indígenas na área considerada
como ecorregião do Raso da Catarina. Considerando áreas em estudo até 2008 e conforme
informações em Velloso et al. (2002), Oliveira e Chaves (2010) e no mapa “Unidades de
Conservação e Terras Indígenas do Bioma Caatinga” ( TNC; MMA, 2008).
Figura 24 (5). Localização da ESEC e APA no Raso da Catarina
Fonte: DOURADO; CONCEICAO; SANTOS-SILVA. Biota Neotropica. 2013. v. 13, n. 4.
135
As UC na ecorregião seriam sete (06): a i) ESEC Raso da Catarina, ii) a RPPN Fazenda Flor
de Liz, iii) a APA Serra Branca/Raso da Catarina (Figura 24 acima), Área do polígono (km²):
672,8441, Jeremoabo – BA), iv) a ARIE Corobobo, Área do polígono (km²): 74,7345,
Jeremoabo – BA), v) a Reserva Biológica de Serra Negra, Área do polígono (km²): 6,2485,
nos municípios de Floresta - PE, Inajá - PE, Tacaratu - PE), vi) Parque Estadual de Canudos;
e, uma área particular pertencente a uma fundação privada, que segundo Velloso et al (2002)
ainda não seria uma RPPN, denominada “Estação Biológica de Canudos” com
aproximadamente 1.500 ha (área segundo site da Fundação Biodiversitas,
<www.biodiversitas.org.br/canudos/>).
Entre as ecorregiões da caatinga o raso da Catarina é listada em último numa “ordem de
urgência de conservação” conforme avaliação feita em 2001. Esta área seria “menos
ameaçada” embora possua poucas áreas protegidas tendo sofrido menos impactos segundo as
informações do Seminário de Planejamento Ecorregional da Caatinga que reuniu especialistas
em botânica, pedologia e geologia da caatinga (VELLOSO et al, 2002).
Segundo dados levantados pela Coordenação Regional Baixo São Francisco da FUNAI
(2011), junto ao povo Pankararé a sua população seria de 2.850 pessoas. Os índios estariam
vivendo nas Terras Indígenas Pankararé e Brejo do Burgo distribuídos em seis aldeias:
“Brejo, Chico, Serrota, Ponta d’Água, Poço, Caraíba e Cerquinha” (Relatório Técnico
Pankararé – 2011 do Projeto “Conhecendo Realidades”).
Segundo Medeiros e Garay (2006, p.166) a demarcação de terras indígenas “ganhou maior
efetividade” em 1967 a partir da criação da FUNAI e da instituição em 1973 do Estatuto do
Índio, mas idéia de demarcar terras para os índios teria surgido em 1910 com o SPI.
Para os autores estas terras mesmo não tendo sido consideradas áreas protegidas
representaram um “importante instrumento de conservação e manejo da biodiversidade pelas
populações autóctones”. (p.167). era previsto inclusive um “parque indígena” no Estatuto do
índio, o que segundo os autores reforçaria a idéia do “instrumento de conservação”.
Para os Pankararé foi um obstáculo o parque indígena pois o critério da aculturação pesou
contra os índios naquele momento, no julgamento dos agentes públicos em atuação na época,
sem nenhuma consulta a estes que tenha sido registrada. Ao contrário seria proposto o título
individual no brejo do burgo e a “reserva” no Chico. As justificativas para o Raso da Catarina
não serviram pra justificar um parque indígena.
Mittermeier et al (2005, p.17) afirmam que as Terras Indígenas demarcadas no Brasil
somavam uma área maior do que a dos parques e reservas “voltados para a conservação da
136
biodiversidade”. Muito embora considerem que as Terras Indígenas são de “grande
importância para conservação”. Mittermeier et al (2005) tratam do assunto com referência
centrada na biodiversidade de áreas na Amazônia e Mata Atlântica. Portanto nessa visão a
conservação da caatinga é algo pouco considerado quando se trata da relação com Terras
indígenas.
Logo o paradigma de isolar certas áreas das populações em geral seja talvez mais facilmente
aceito para caatinga. Além disso, considerando que o mito do “bom selvagem” poderia ser
mais presente no imaginário de um “contexto amazônico” do que para o contexto dos “Índios
do Nordeste” situados numa subestimada caatinga. Índios que estariam numa situação de
contato de longa duração onde os territórios precisariam ser restituídos como um problema
“mais fundiário” do que de conservação ou proteção da biodiversidade.
Na Amazônia brasileira as “reservas indígenas” teriam um “papel muito importante na
proteção da floresta frente a destruição e ao desenvolvimento progressivos” sendo uma
importante contribuição para o sistema de unidades de conservação pela “enorme área que
cobrem” (RYLANDS; BRANDON, 2005, p.33). Segundo os autores 66% das reservas
indígenas brasileiras cobririam cerca de 20% da Amazônia brasileira e seria vital para as
unidades de conservação ter alianças com “outros gestores da terra, especialmente os povos
indígenas” (RYLANDS; BRANDON, 2005, p.34).
Barreto Filho (2004) destacou sobre o Parque Nacional do Xingu, criado em 1961, que a
“presença dos povos indígenas [...] era vista como um atrativo a mais para adicionar um toque
de exotismo e autenticidade à paisagem natural e primitiva.” Por conseguinte, o índio como
“assimilado à natureza” seria preservado bem como o “natural” meio ambiente encontrado
nos locais a serem instalados os “parques”, conforme o pensamento da época consoante com a
visão ligada a um “primitivismo romântico” (BARRETO FILHO, 2004, p.53).
A “assimilação” ou “integração” do índio à “sociedade regional” no nordeste então “pesaria”
contra estes quando a situação seria a de reconhecê-los enquanto portadores de identidade
étnica e com um pertencimento territorial quando fosse o caso de demarcar as suas terras.
Alem disto essa situação histórica acabaria, sendo utilizada, antes mesmo do início da
demarcação de terras, para justificar uma negativa para a proposta de integrar
Reserva/Estação Ecológica e Parque Indígena Pankararé no Raso da Catarina. Assim evitando
o reconhecimento daqueles índios como sendo “naturais” àquele “meio ambiente” particular
da caatinga que era o Raso da Catarina. De tal forma que, uma vez que não eram mais
“primitivos” e “isolados” da sociedade abrangente não podiam ser “enquadrados” num Parque
Indígena, pois estavam fora dos moldes “xinguanos”.
137
A “necessidade” tanto de preservar árvores e florestas (como símbolo para toda natureza)
quanto a de proteger culturas indígenas demoraria a se adequar a realidade do Nordeste
brasileiro. Esse fato somado a lentidão para a mudança na perspectiva de agentes públicos
prejudicaria a conservação da caatinga e a sobrevivência dos povos na região. Modelos
centrados nos biomas tropicais e mitos naturalistas fariam com que surgisse uma retardada
ação para efetivar direitos constituídos há décadas, que se buscou repetidamente negar no
caso dos índios Pankararé, num contexto de ausência de garantia de direitos e falta de
efetividade do Estado brasileiro.
Não obstante, foi possível criar uma unidade de conservação de proteção integral no Raso da
Catarina com relativa facilidade no regime militar se comparado ao longo processo que foi
instaurado para demarcar as Terras Indígenas dos Pankararé. De maneira que no período
militar a conservação e proteção a natureza estariam melhor acomodadas que as
reivindicações territoriais indígenas, salvo quando estivessem em acordo com os interesses
em jogo. No caso do bioma caatinga a presença de conservacionistas em postos
administrativos no regime teria sido fundamental para o resultado de criação de UC no país.
A Biologia e Ecologia se colocariam como ciências neutras a serviço da conservação da
natureza independentes desse modo do estado político em que se encontravam as ações de
criação de áreas protegidas. A administração pública no Brasil é localizada em seu período de
“Administração para o Desenvolvimento” ou da “modernização autoritária” no Brasil
(COSTA, 2008, p.9) quando se dão alguns dos processos e atos administrativos para criação
de UC.
Se por um lado índios “de baixo para cima” demandavam terras ao Estado, por outro lado os
cientistas naturais e técnicos governamentais definiam UC “de cima para baixo” a partir dos
órgãos federais. Também estabelecendo um marco regulatório conservacionista que seria
herdeiro da centralização do período. Segundo Araujo (2007, p.84) a fusão do IBDF e SEMA
a análise do Governo Sarney, após o regime militar, foi que “deveria haver uma única
instituição para gerir a política de conservação dos recursos naturais”, o que foi realizado
segundo o autor sem preparação prévia. Segundo Diegues (2008, p.119) havia pouca
mobilização social para criação de UCs e assim estas dependeram da “ação de cientistas e
alguns poucos conservacionistas com acesso relativamente fácil ao governo militar.” Período
em que mais foram criadas UC no país.
Os antecedentes para a questão ambiental transformada em políticas públicas tiveram relação
com o contexto internacional e uma origem nacional. Entretanto a prática foi inicialmente
marcada pela construção nacional de um marco legal e estrutura institucional permeada por
138
sobreposições de atribuições e interesses conflitantes na execução da política de conservação,
além disso, em geral viria a desconsiderar a participação da sociedade nos processos
decisórios.
Se as UC de 1937 até meados de 1970 foram criadas sem seguir “critérios técnicos e
científicos” conforme Pádua e Quintão (1984 apud ARAUJO, 2007, p.90), houve por outro
lado uma ascensão de critérios técnicos e científicos. Esta ascensão se chocaria com o
“socioambientalismo” na discussão do SNUC, quando desta vez o “conservacionismo” seria
confrontado num contexto democrático.
Segundo Olmos et al (2001) “visões equivocadas” estariam ameaçando as áreas protegidas no
Brasil. Os autores criticam o que chamam de “ilusão” do “bom selvagem ecologicamente
correto” e sua adoção entre os “setores conservacionistas governamentais e não-
governamentais”. Afirmam ainda que “em detrimento da abordagem tradicional de criar
espaços protegidos sem habitantes” projetos conservacionistas estariam sendo financiados
com base neste “mito” ou “ilusão” (OLMOS et al, 2001, p.281).
Estes autores estão preocupados com o uso ou “desperdício de recursos” destinados a
conservação em projetos de “desenvolvimento sustentado” que segundo os mesmos não
deveriam “não utilizar recursos destinados a conservação da natureza”. Para estes autores
haveria uma confusão entre “questões ambientais” de um lado e “demandas sociais”, porém
afirmam que “a questão básica de nossa crise ambiental, que é o crescimento populacional,
tem sido deliberadamente evitada [...]”. (OLMOS et al, 2001, p.289). Na visão destes autores,
por exemplo os índios Pataxó seriam um exemplo de “neo-índios” e “tribos emergentes” que
“perderam a maior parte de sua cultura, incluindo a língua” e “com um empurrão
antropológico”, “pipocam pelo país, atrelados a movimentos de reivindicação de terras e ao
senso de oportunidades do brasileiro” (OLMOS et al, 2001, p.291).
São argumentos semelhantes ao que observamos no questionamento aos Pankararé nos anos
1970 inclusive polarizando a questão de forma direcionada aos “antropólogos”. Ainda que 40
anos tenham se passado e estejamos num outro contexto social e de conhecimentos se poderia
caracterizar ambos os argumentos como representativos de um “anti-humanismo” ou um
“conservacionismo autoritário”. Porém no passado estas posições tinham um lugar de
fundamento naquela época.
De alguma maneira, ao defender a “natureza” isolada da sociedade ainda assumindo uma
contestação, não só dos mitos, como da condição “identitária” sem preocupação em traçar
algum diálogo com conhecimentos em campos científicos para além da “biologia da
conservação”, seria um “neo-conservadorismo” ou um “neo-anti-humanismo” naturalista,
139
para tentar definir a argumentação dos autores. A conservação seria exclusivamente “proteção
da natureza” para Olmos et al (2001) e esta estaria sendo desviada para “agendas sociais e
políticas” o que seria uma conseqüência da “influencia negativa do pós-modernismo” sobre a
conservação.
Neste sentido haveria uma “politização” e uma “despolitização” da conservação tal qual o
ponto de vista que ocorreu com a disciplina de Administração Pública, surgindo “lados”
advogando por via de um “tecnicismo” ligado a biologia e ao cientificismo da conservação e
outra via que advogaria a integração da conservação com justiça social. Nesta agenda da
justiça socioambiental temas envolvendo problemas humanos, sociais, étnicos, escolhas
políticas e o próprio modelo de desenvolvimento estariam entre as questões.
Não nessa posição extremada conservacionista alguma noção histórica sobre a própria
conservação ou sua “tradição” nacional ou internacional. Assim não é observado nessa crítica
a atual conservação brasileira encontrada em Olmos et al (2001) uma avaliação mais profunda
sobre “quem” teria definido a “tradicional conservação”, para “quem” e a “quais” interesses
essa tradição esteve ligada no Brasil e no mundo. Salvo para uma crítica a populações
humanas em conflito com a conservação os autores sugerem apenas uma estrita proteção
mesmo dentro de terras indígenas e mesmo “limites aos direitos atuais”.
Após questionar o trabalho de antropólogos e a identidade de povos reconhecidos os autores
(OLMOS et al, 2001, p.299) afirmam que,
[...] a discordância quanto a presença de índios caiçaras ou quilombolas,
assim como de qualquer ocupação e exploração humana no interior das UC’s
[...] não se baseia em considerações étnicas, mas sim devido ao dano
ambiental que as mesmas causam e à ameaça que suas atividades e seu
crescimento populacional potencial representam [...](OLMOS et al, 2001,
p.299).
Para estes autores o crescimento demográfico seria uma ameaça as áreas protegidas e os
“direitos de uma minoria” estariam em colisão com o direito da sociedade e de “milhões de
formas de vida [...] que também tem direito a existência”. Pelo argumento de Olmos et al,
(2001, p.299) áreas “preciosas” seriam destruídas fatalmente por “comunidades tradicionais”.
E argumentam ainda que em áreas “biologicamente importantes” estas comunidades seja
“relocadas”. Para estes autores em sua visão naturalista do conflito entre conservação as
“espécies” teriam direitos de existência “no mínino tão importante quanto o direito a terra
que os Pataxó, Guarani caiçaras quilombolas e qualquer brasileiro tem.” (OLMOS et al, 2001,
p.301).
140
Seriam posições radicalmente contrárias ao que é vigente no sistema legal brasileiro e
inclusive ao que foi construída como proteção a natureza no país. Assim considerando que a
conservação nunca esteve assim isolada de algum uso paisagístico, recreativo ou de uso de
forma a superar o valor cultural dos povos que é constitucionalmente respeitado. Numa visão
“biocêntrica” ou “ecocêntrica” (DIEGUES, 2008, p.44) em que o homem seria mais um ser
vivo entre tantos outros, a conservação parece não ter nenhuma preocupação com o
desenvolvimento e o que Pádua (2004) define como ocupação predatória do espaço brasileiro.
Os adversários da conservação seriam comunidades tradicionais, povos indígenas, caiçaras,
quilombolas, antropólogos, cientistas sociais e a FUNAI. Segundo Olmos et al (2001),
Se “cientistas” sociais querem tentar conservar a biodiversidade com suas
estratégias politicamente corretas, devem tentar fazê-lo fora de áreas
biologicamente importantes e das unidades de conservação. [...] A FUNAI e
os indigenistas cristalizaram suas posições, sendo intransigentes quanto à
retirada de índios de UC’s e sua transferência para áreas ecologicamente
menos preciosas onde possam viver dignamente. (OLMOS et al, 2001,
p.299)
Segundo Lauriola (2001) o IBAMA reconhecia a existência de 28 casos de sobreposição entre
UC e TI, considerando apenas as terras homologadas. O caso dos índios Pataxó e do Parque
Nacional do Monte Pascoal seria um dos mais conhecidos e haveria uma radicalização de
posições quanto a presença humana em UCs levada até a aprovação do SNUC, que segundo o
autor indicam a existência de uma “batalha política e ideológica em ato nos meio científicos e
institucionais da política brasileira da conservação” e os povos indígenas teriam “entrada na
linha de fogo” (LAURIOLA, 2001, p.243). Para Rocha et al (2010, p. 217) a Lei do SNUC
refletiu a “cisão no ambientalismo brasileiro” em torno da questão da presença humana em
parques e envolvendo “dois mitos”: i) o mito do homem “destruidor da natureza”, e ii) o mito
da “natureza intocada”. Haveria ainda o mito do “bom selvagem” conforme citamos acima.
Além disto, a “cisão no ambientalismo” pode ser considerada como tendo continuado mesmo
após a aprovação do SNUC. Assim as posições radicalizadas em defesa de “direitos da
natureza” e das espécies se chocam com a presença humana em parques, em especial em áreas
prioritárias para a conservação, biologicamente importantes ou preciosas para “cientistas
naturais”.
Não temos informações se o caso de UCs frustradas causaram alguma manifestação no campo
da biologia da conservação, como este debate causado por conta da presença humana em
parques e UCs. A exemplo do que ocorreu com o Parque Nacional de Paulo Afonso, extinto
141
para criação da Usina Hidrelétrica de mesmo nome, e, do Parque Sete Quedas, que daria lugar
a Hidrelétrica de Itaipu.
Segundo Acselrad (2010) ao tratar do processo de “ambientalização” de conflitos sociais
refere-se a lutas contra a desigualdade e por desenvolvimento são consideradas em suas
implicações ambientais. O autor adota o conceito de “nebulosa associativa” para designar o
conjunto multiforme de entidades envolvidas na questão ambiental no Brasil no que seria um
“movimento ambientalista”, espaço social de discursos e práticas relacionados à “proteção
ambiental. Ao se focar na “nebulosa ambientalista” o autor considera que no anos 1980 teria
havido um diálogo entre pautas ambientalistas e o sindicais, relacionando meio ambiente e
justiça social.
A questão ambiental teria sido “ressignificada” em dois sentidos: uma “razão utilitarista” e
uma “razão cultural”. No primeiro o meio ambiente é composto de “recursos naturais, sem
conteúdos socioculturais” diferenciados, um ambiente único que pressupõe um risco
ambiental único sem diferenças ou distinções de classe por exemplo. Na razão cultural, o
meio ambiente seria “múltiplo em qualidades socioculturais”, um ambiente com significações
distintas e que não prescinde do sujeito. Esta última denuncia uma “distribuição desigual dos
benefícios e danos ambientais”, uma desigualdade ambiental que se daria em conflitos
ambientais e numa distribuição desigual de “poder sobre os recursos ambientais”
(ACSELRAD, 2010, p.109)
A noção de justiça ambiental expressa essa ressignificação questionando como se organizam e
se distribuem “distintas formas sociais de apropriação dos recursos ambientais” e como estas
formas e práticas afetam outras no tempo e no espaço (ACSELRAD, 2010). No caso
brasileiro as “lutas por justiça ambiental” combinam: i) a defesa dos direitos a ambientes
culturalmente específicos por comunidades diante de atividades de mercado; ii) a defesa dos
direitos a uma proteção ambiental equânime contra a segregação sócio territorial promovida
pelo mercado; e a defesa de direitos de acesso equânime aos recursos ambientais, contra a
concentração de terras, água e solos por interesses fortes de mercado (ACSELRAD, 2010,
p.114).
A partir da noção de desigualdade ambiental, justiça ambiental e distintas razões da
ressignificação da questão ambiental, é possível incluir um aspecto não trazido por Acselrad
(2010) que envolvendo comunidades tradicionais e povos em um conflito com interesses
conservacionistas. Poderia ser viável considerar que a desigualdade se daria diante do Estado
e órgãos ambientais que estariam em uma situação de reconhecer direitos culturais sobre
territórios em lugar de relocar estas populações ao definir soluções para áreas de proteção
142
integral. Se os grupos sociais em diferentes formas de apropriação da natureza pudessem ser
encarados como sendo de um lado povos tradicionais e de outro o “ecologismo de resultados”,
“pragmático” e “tecnicista” definindo áreas de proteção de posse e domínio públicos e
controlados integralmente pelo Estado com uso publico restritivo.
A relação desigual entre grupos sociais seria também um reconhecimento desigual de
conhecimentos em jogo. O conhecimento científico estaria acima do conhecimento
tradicional, ou mesmo não o reconheceria enquanto válido para o manejo destas áreas, e além
do mais consideraria aqueles grupos como “naturalmente destruidores” da biodiversidade,
espécies e “recursos”. Estas expressões tecnicistas e práticas da ciência “conservacionista”
poderiam ser consideradas como algo próximo a um “ecologismo desenraizado”
(ACSELRAD, 2010).
Este “ecologismo” mereceria uma apreciação mais profunda para identificar se um
“ambientalismo contestatório” o teria antecedido. E para identificar se o conservacionismo
tenha tido uma expressado contestatória diante do mercado e do desenvolvimento, e quais
setores representariam este caráter contestatório. De tal maneira nos parece correto afirma
que desde a formulação do SNUC após a democratização movimentos sociais e
socioambientalistas demarcaram linhas diferentes no que se refere ao manejo e categorização
das UC, o pode expressar razões diferenciadas na forma como sugere Acselrad (2010).
Para Coelho, Cunha e Monteiro (2009) constituir unidades de conservação implica sobrepor
múltiplas territorialidades, pois diferentes atores, projetos, interesses, praticas e
representações estão “envolvidos/afetados” pela delimitação das áreas. Segundo os autores
pesquisadores da área de geografia, sociologia e antropologia tem contribuído para uma
“desnaturalização” das políticas de conservação ambiental, evidenciando a necessidade de
análises sobre a “partilha desigual de custos e benefícios associados à criação de unidades de
conservação.” (COELHO; CUNHA; MONTEIRO, 2009, p.68). Nesse sentido a abordagem
da ecologia política forneceria os meios para problematizar e analisar as relações entre
populações, territorialidades e a proteção da natureza.
Estas relações seriam compreendidas a parti do elemento analítico dos diferenciais de poder
entre grupos sociais, permitindo o estudo da constituição de UC como políticas públicas em
perspectiva também histórica e processual, revelando “redes de poder”, interesses, visões
de mundo e formações sociais diversas. As UC seriam vistas nesta abordagem como fruto de
processos sociais e examinadas como “territórios de exercício de poder”, “resultados das
contradições, conflitos e negociações entre diferentes grupos sociais [...]” e não como
processos “dados”. (COELHO; CUNHA; MONTEIRO, 2009, p.76)
143
Segundo estes autores as UC seriam analisadas como “instrumentos de gestão territorial e
ambiental”, como “espaços de rivalidades territoriais” e parte de um processo global sujeito a
redes de pressão mundiais, na lógica dos limites de exploração, proteção de recursos
renováveis e reprodução de recursos renováveis em reservas territoriais. As UC seriam
analisadas com base na abordagem da ecologia política tomando como objeto de análise as
“tensões, relações e alianças entre grupos sociais e atores diversos – estabelecidos no interior
de um espaço” delimitado. (COELHO; CUNHA; MONTEIRO, 2009, p.77). Esta
interpretação seria possível para a continuidade de um estudo detalhado das estações
ecológicas e UCs no Nordeste brasileiro.
A ESEC Raso da Catarina possui um histórico descrito em capítulo anterior ligado a SEMA,
no contexto da política ambiental e da administração pública da sua época de sua criação. A
relação entre a política indigenista e ambiental na ecorregião do Raso da Catarina aponta para
um conflito que não se deu no “espaço” delimitado. Mas sim nos gabinetes federais e
tentativas de diálogo e negociação entre FUNAI e SEMA, ecologistas e antropólogos. No
entanto havia outro conflito no espaço que ocorria entre indígenas e posseiros, em tensas
relações mediadas por atores externos e internos ao processo, onde a conservação não
apareceria enquanto elemento do embate.
Havia o conflito quanto as terras a serem recuperadas para os índios, que se “resolveria”
somente após o fim do regime militar e com garantias trazidas pela Constituição de 1988. Se
não está ainda “resolvido” o conflito étnico fundiário no local onde vivem os índios
Pankararé é algo está intrinsecamente ligado a complexidade da situação e uma falta de
efetividade para garantir os direitos daqueles Índios no Nordeste. Porém se não há uma
questão de (in)justiça ambiental ou conflito socioambiental na relação entre a UC Estação
Ecológica do Raso e a TI Pankararé qual seria a questão em debate e qual o “espaço” do
embate desigual?
Interpretando a prática da Administração Pública na época haveria um embate dentro da
própria política pública indigenista e outro na relação entre a SEMA e a FUNAI, envolvendo
algum debate entre argumentos de especialistas em Antropologia e naturalistas. A narrativa de
Paulo Nogueira-Neto, secretário da SEMA, evidencia essa tensão e recusa em estabelecer
alianças com a FUNAI, por via de uma descaracterização dos índios Pankararé enquanto
“merecedores” de reconhecimento étnico por parte do órgão ambiental. Assim a ESEC Raso
da Catarina estaria melhor se fosse afastada da futura Terra Indígena.
Paulo Nogueira-Neto constrói a sua própria representação sobre estes fatos selecionando os
aspectos da realidade, privilegiando uns e negligenciados outros, de modo que numa análise é
144
possível verificar a ausência e esquecimento sobre alguns elementos da relação entre UC e TI
no Raso da Catarina. E os aspectos selecionados deste passado (COSTA, et al, 2010) são
também encontrados nos processos e atos administrativos que viriam a realizar o “sonho com
o paraíso das abelhas” e com a “última imensidão verde”. A “preservação em bases
conservacionistas” diante do risco de “extinção acelerada da caatinga” seriam recursos
retóricos para uma estratégia de ecossistemas representativos mesmo que sem base em
estudos científicos aprofundados na época.
O surgimento da “espécie bandeira ararinha azul de lear” seria assim um elemento
complementar e não original para justificar a prévia consideração da presença humana como
danosa ao Raso da Catarina. Os cientistas ao estudar o mundo natural contribuiriam com o
fundamento científico para uma relação de poder já estabelecida a priori, pois em alguma
medida a conservação estava “dentro dos planos” de expansão, ocupação e exploração
desenvolvimentista no período do regime militar. Assim de maneira independente dos
critérios, tipos e categorias de áreas protegidas utilizados os problemas para criar as áreas
protegidas seriam vinculados a presença humana danosa e não à exploração pelo mercado de
recursos naturais e florestais ou mesmo um papel contraditório por parte do Estado.
A relação desigual de poder seria observada nas alianças e articulações para conservação do
Raso da Catarina gerada através da Administração Pública Federal com apoio do Governo do
Estado da Bahia que reservou terras devolutas com este objetivo. Dessa maneira a SEMA
realiza a UC e a FUNAI se articula com Governo do Estado da Bahia por meio do INTERBA,
seguindo definições de um “acordo” entre índios e posseiros para “solucionar” o conflito
fundiário.
Negando aquilo que não fosse de caráter biológico, ecológico ou científico referente a criação
da Reserva Ecológica do Raso da Catarina a SEMA rejeitaria a “demanda” Pankararé no Raso
da Catarina e questionaria a atuação dos antropólogos da UFBA junto ao grupo indígena, tal
qual é repetido por Olmos et al (2001). Envolvidos em redes de poder diferenciadas a SEMA
e a FUNAI utilizariam os mesmos critérios de “medida” da “aculturação” dos índios tanto
para evitar um Parque Indígena no local, quanto para postergar a demarcação completa das
Terras Indígenas.
A atuação indigenista federal e estadual na região revelaria uma estratégia do “território
possível” naquela época diante do conflito trazido pela “mistura” entre índios e “não-índios”,
especialmente no Brejo do Burgo. Até certo momento esta estratégia teria tido a anuência dos
grupos envolvidos, refletindo uma “escolha” resultante da tensão causada pela complexidade
da situação e também pela ação governamental tardia. Além disso, relações de poder estariam
145
estabelecidas no local e o Estado teria um posição dúbia em relação garantia dos direitos do
índios Pankararé.
O IBDF e a SEMA atuando juntos na proteção integral com a atribuições das políticas
ambientais no Brasil levariam a frente a ecologia, a conservação, o “conservacionismo”,
reforçada por avanços nas descobertas ecológicas que viriam a justificar ecologicamente a
proteção integral e o anti-humanismo. Assim tal como ocorreu no Raso da Catarina os
problemas com Terras Indígenas colocariam os antropólogos e a FUNAI na “linha de fogo”. E
a suspeita sobre os Índios do Nordeste seria definida como uma “ameaça cabocla” a proteção
da natureza. Não sendo reconhecidos como “bons selvagens” e possivelmente identificados
com a destruição colonial do bioma da caatinga, seriam triplamente “culpados”: i) por não
terem sua “cultura preservada”; ii) terem se “misturado” com a sociedade abrangente
assumindo uma prática destruidora da natureza, o que não condizia com índios “verdadeiros”,
“intocados” e “naturais”; e iii) reivindicarem direitos que não lhes caberiam; numa visão
contrária aos índios.
Segundo Little (2006) os conflitos socioambientais teriam se tornado uma temática central da
ecologia política. O autor enfatiza que a ecologia política revelaria conexões e relações de
poder antes ignoradas. Além disso, ao etnógrafo caberia apresentar grupos ou “atores
socioambientais marginalizados” com foco no conflito socioambiental como objeto principal
de análise. Sem deixar de perceber as múltiplas interações sociais e naturais que fundamentam
estes conflitos identificando os atores, interesses numa arena política, discursos em choque e o
exercício do poder. Essa abordagem demandaria uma abordagem de dinâmicas tanto na
dimensão política quanto na “biofísica”, considerando que cientistas naturais teriam “que
levar em conta o mundo humano e suas estruturas políticas e socioeconômicas”. Assim no
contexto de uma “divisa entre a natureza e cultura”, isto é, uma separação epistemológica e
institucional entre as ciências naturais e as ciências sociais. (LITTLE, 2006, p.88)
O conflito entre a ESEC Raso da Catarina e a presença humana Pankararé na ecorregião se
daria no âmbito da política pública e entre modos possíveis de definir uma territorialização
para duas propostas distintas: demarcar a terra indígena e proteger a caatinga. De modo
restrito nesta análise ao período de criação e justificação da ESEC e início do processo de
demarcação das Terras Indígenas. Sem dúvida que após a criação teria ocorrido um impacto
sobre o povo Pankararé e outros do entorno da Reserva/Estação Ecológica, entretanto aqui
nos restringimos a identificar a relação entre as propostas quando da proposição e criação da
Unidade de Conservação federal. Ou seja, de início o conflito se daria fora do espaço
146
delimitado pela unidade e após a sua implantação é provável que tenha ocorrido no próprio
local onde foi delimitada a UC envolvendo populações que habitam seu entorno.
Segundo o que propõe Diegues (2008) seria preciso reconhecer nas sociedades tradicionais a
existência do conhecimento válido para o manejo da biodiversidade. Para o autor modelos
científicos reducionistas levariam a uma “conservação hegemônica, autoritária e pouco
eficaz” (DIEGUES, 2008, p.184). Diegues (2008) considera que no contexto brasileiro a
integração das populações na conservação contribuiria para esta ser alcançada. Ademais estas
sociedades possuiriam “vasto conhecimento empírico” do mundo natural a ser “aproveitado”
em lugar de uma relocação ou expulsão “em prol da natureza” e de benefícios para a
“sociedade nacional” (DIEGUES, 2008, p.122)
Se o a SEMA pretendeu uma ESEC no Raso do Catarina por seu apelo estético e paisagístico,
logo depois a reserva de terras devolutas viria a ser cientificamente fundamentada por conta
da descoberta da arara azul de lear. A proposição da reserva/Estação Ecológica tinha a priori
a intenção do projeto de representatividade dos biomas e de manejo científico e realização de
pesquisas na caatinga no Nordeste brasileiro. Segundo Ferreira (2004, p.43) as UC brasileiras
foram “resultado de um processo arbitrário de tomada de decisões” e na realidade estaria em
disputa não o mito ou realidade “se havia ou não áreas intocadas para serem protegidas
intactas, mas a necessidade de esvaziar algumas para a partir daí mantê-las intactas [...]”.
(FERREIRA, 2004, p.43)
No caso do Raso da Catarina envolvendo principalmente a SEMA, a FUNAI, antropólogos e
demandas territoriais dos índios Pankararé não haveria uma situação de relocação ou expulsão
sumária daquele espaço. Diante do aviso da presença indígena no local preferiu-se fazer um
“recorte” no tamanho inicialmente desejado e que foi reservado a pedido da SEMA em terras
do Estado da Bahia. Após o “reconhecimento” da área por Paulo Nogueira-Neto, recusa de
um “parque indígena” integrando a reserva/estação aos indígenas, viria o decreto de criação
da ESEC estabelecendo um “domínio” federal para aquela parte do Raso da Catarina. No
entanto persistiria o conflito étnico-fundiário envolvendo os Pankararé em busca de obter
garantias para os seus direitos e a demarcação de seu território indígena.
147
6 Considerações finais
Em primeiro lugar caberia assinalar que a importância do Raso da Catarina para os índios
Pankararé foi afirmada desde o início os anos 1970. E desse modo a sua interação com aquele
lugar. Daquele momento em diante em processos administrativos os Pankararé seriam vistos a
partir de uma suspeição que pode ser vinculada a noção de “perda” cultural, como critério que
impediria a sua distinção entre os demais moradores da região, “não-índios”. Essas visões
seria levadas em conta também para uma rejeição da proposta destes permanecerem no local
onde seria criada a Reserva Ecológica do Raso da Catarina, proposta pela SEMA.
Depois seria encaminhada a proposição da demarcação da Terra Indígena Pankararé
confrontante com a atual Estação Ecológica Raso da Catarina. A relação entre a presença
Pankararé e a área protegida se deu inicialmente na articulação institucional governamental
entre SEMA e FUNAI para avaliar a proposta de permanência dos índios. Desta comissão
governamental participaram Antropólogos da UFBA-PINEB, que atuaram em defesa da
permanência dos Pankararé no local. A proposição integraria a proposta de área protegida em
andamento com um território tradicional a ser reconhecido.
A proposição foi discutida em comissão mista daqueles órgãos, que foi anterior a mobilização
indígena e teria contribuído para produzir uma demarcação diferenciada daquelas Terras
Indígenas, conjugando duas propostas com definições diferenciadas para os direitos indígenas
no Raso da Catarina. A permanência dos índios na “Reserva Ecológica” não ocorreu porque a
SEMA reduziu a área inicialmente definida para a unidade de conservação no Raso da
Catarina. O que teria ocorrido a revelia de algum “acordo” possível fruto da comissão SEMA-
FUNAI que estava oficialmente criada. Nessa decisão pesaria um viés autoritário e anti-
humanista no caso, quando a personalização da tomada de decisão ocorre desconsiderando o
processo formal que tinha sido estabelecido. Esse aspecto não foi registrado nas memórias do
Secretário da SEMA Paulo Nogueira-Neto. O “esquecimento” seletivo ocorreu no relato
biográfico, porém os processos administrativos analisados e entrevistas com Antropólogos da
UFBA guardaram os fatos ocorridos.
A redução da área não afetou os critérios utilizados para justificar a criação da ESEC Raso da
Catarina que seriam forjados a priori. Dessa maneira o local seria identificado como um
“paraíso das abelhas”, uma “imensidão verde” única na caatinga em “risco de extinção”,
como local para a “representatividade” do bioma e por fim a “espécie-bandeira” Arara azul de
lear se tornaria o principal “justificador” da relevância da área protegida. Atualmente a
148
biodiversidade, endemismo e valor da ecorregião ampliam as justificativas para a proteção
integral e outros moldes de conservação no Raso da Catarina.
Essa perspectiva revela que critérios fluídos e inicialmente ausentes da exigida e propalada
base científica justificaram a criação da área protegida no local. Uma imagem superficial de
“natureza intocada” e critério “paisagístico” foram acionados para estabelecer o controle do
Estado sobre a área, em que também a “ameaça” dos seres humanos presentes ou ausentes fez
parte do discurso da conservação produzido para o Raso da Catarina, contra a caça e uso dos
recursos. A situação não foi geradora de “relocação” e impedimentos geradores de conflitos
abertos e diretos na criação da UC. E somente a partir de 1984 a ESEC Raso da Catarina seria
instituída de fato formalmente impedindo o uso público e acesso não autorizado, fora das
finalidades da ESEC. A área sob “domínio” do Estado teria destinação voltada para o uso
científico e estaria submetida ao controle e fiscalização pelo Governo Federal. Conforme a
categoria definida para a unidade de conservação no seu processo histórico de constituição
que produziu a sua criação.
O contexto deste processo social numa perspectiva histórica da Administração Pública e com
a abordagem da ecologia política revela que atores envolvidos estiveram em desiguais
relações de poder. A partir de documentos e análise dos atos administrativos oficiais e
depoimentos é possível observar a força que teve a criação de UC se comparada a situação de
demarcação de terras indígenas no local. Ambos os processos demandaram articulação com o
Governo da Bahia para se obter as terras e também iniciar a demarcação das terras Pankararé.
Ainda que existam conflitos étnico-fundiários no local, no que se refere à criação da ESEC
não localizamos na época além do impacto causado sobre a caça tradicional um confronto
direto entre agentes da conservação e o grupo indígena no período da criação da unidade.
Haja vista que iniciava um foco de enfrentamento no processo dos estudos para a demarcação
das terras, em que “posseiros”, e uma série de “acordos” mediados surgiriam e depois seriam
suspensos.
Os atos e processos administrativos foram influenciados por alguns preconceitos e uso de
definições negativas quanto aos índios Pankararé. Que afetaram a proposta de integrar a
Estação Ecológica ao processo de reconhecimento das suas terras. Especialistas biólogos e
antropólogos atuaram nos processos produzindo justificativas científicas para as áreas. No
entanto, a dificuldade para demarcar as Terras Indígenas é revelada como tendo sido fruto de
desigual inserção no processo capitaneado pelo próprio Estado, atuando como mediador da
situação de contato índio e não-índio sem expressar uma defesa clara dos interesses dos
149
primeiros. Assim seria crítico no processo Pankararé o conflito étnico-fundiário com foco
central na apropriação dos recursos naturais disponíveis e na reprodução cultural do grupo.
Ocorrida a criação da fronteira entre ESEC Raso da Catarina e Terra Indígena Pankararé, o
planejamento posterior da UC definiria uma sobreposição com a zona de amortecimento da
Estação Ecológica. As duas “territorializações” possuem histórias distintas com justificativas
próprias e processos diferenciados. Porém quando nos anos 1970 antropólogos da UFBA
buscaram viabilizar uma mediação entre a conservação do Raso da Catarina e o
reconhecimento dos Pankararé houve um contato entre as políticas públicas ambiental e
indigenista. Este contato produziu a redução da reserva ecológica com base numa separação
das questões envolvidas que refletiu tanto uma suspeita com relação a condição étnica dos
índios do nordeste, quanto possível separação entre as ciências naturais e ciências sociais.
Podemos concluir brevemente que o tratamento do processo histórico da política pública pode
contribuir com o estudo dos processos de criação de UC e das relações desiguais de poder
estabelecidas entre os atores envolvidos (agentes públicos, cientistas, grupos étnicos e
possíveis antagonistas). Os conflitos envolvendo populações tradicionais dentro e no entorno
das áreas protegidas poderão utilizar este tipo de abordagem que permite recuperar o histórico
das justificativas utilizadas para sua criação das UC, considerando o contexto administrativo
como parte das relações de poder estabelecidas nos processos administrativos e tomadas de
decisão.
Caberia num estudo futuro investigar contextos históricos, sociais e políticos locais quando da
criação da Unidade de Conservação Federal. De modo que se possa tratar do impacto do
surgimento das áreas protegidas no contexto da região, dos municípios e de outras populações
humanas envolvidas. Assim permitindo conhecer as repercussões locais mais amplas das
estratégias para conservação na caatinga. Além disso, incluir o tratamento das diferentes
lógicas de manejo que se dão nos espaços de criação de UC, considerando a possibilidade de
valorização dos saberes tradicionais para a conservação da caatinga.
150
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administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras providências.
BRASIL. Decreto No 84.017, de 21 de setembro de 1979. Aprova o Regulamento dos
Parques Nacionais Brasileiros.
BRASIL. Decreto nº 88.118, de 23 de Fevereiro de 1983. Dispõe sobre o processo
administrativo de demarcação de terras indígenas e dá outras providências.
BRASIL. Decreto nº 88.351, de 1º de Junho de 1983. Regulamenta a Lei n° 6.938, de 31 de
agosto de 1981, e a Lei n° 6.902, de 27 de abril de 1981, que dispõem, respectivamente, sobre
a Política Nacional do Meio Ambiente e sobre a criação de Estações Ecológicas e Áreas de
Proteção Ambiental, e dá outras providências.
BRASIL. Decreto Nº 89.336, de 31 de janeiro de 1984. Dispõe sobre as Reservas
Econômicas e Áreas de Relevante Interesse Ecológico, e dá outras providencias.
BRASIL. Decreto Nº 89.268, DE 03 de janeiro de 1984. Cria a Reserva Ecológica Raso da
Catarina, em área de terras que indica e dá outras providências.
BRASIL. Decreto Nº 99.274, de 6 de junho de 1990. Regulamenta a Lei nº 6.902, de 27 de
abril de 1981, e a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõem, respectivamente sobre
a criação de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental e sobre a Política Nacional
do Meio Ambiente, e dá outras providências
BRASIL. Decreto nº 1.775, de 8 de Janeiro de 1996. Dispõe sobre o procedimento
administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras providências.
152
BRASIL. Decreto Nº 4.340, DE 22 de agosto de 2002 Regulamenta artigos da Lei no 9.985,
de 18 de julho de 2000, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da
Natureza - SNUC, e dá outras providências
BRASIL. Decreto-Lei Nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a organização da
Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras
providências.
BRASIL. Decreto-Lei Nº 289, de 28 de fevereiro de 1967. Cria o Instituto Brasileiro do
Desenvolvimento Florestal e dá outras providências.
BRASIL. Decreto Nº 3.834, de 5 de junho de 2001. Regulamenta o art. 55 da Lei no 9.985,
de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da
Natureza, e delega competência ao Ministro de Estado do Meio Ambiente para a prática do
ato que menciona, e dá outras providências. (Revogado pelo Decreto nº 4.340, de 22.8.2002)
BRASIL. Decreto de 5 de janeiro de 1996. Homologa a demarcação administrativa da Terra
Indígena Pankararé, localizada no Município de Glória, Estado da Bahia.
BRASIL. Decreto DE 30 de abril de 2001. Homologa a demarcação administrativa da Terra
Indígena Brejo do Burgo, localizada nos Municípios de Glória, Paulo Afonso e Rodelas,
Estado da Bahia.
BRASIL. Lei Nº 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o novo Código Florestal.
(Revogado pela Lei nº 12.651, de 2012).
BRASIL. Lei N° 5.197, de 3 de janeiro de 1967. Dispõe sobre a proteção à fauna e dá outras
providências.
BRASIL. Lei Nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967. Autoriza a instituição da "Fundação
Nacional do Índio" e dá outras providências.
BRASIL. Lei No 6.902, de 27 de abril de 1981. Dispõe sobre a criação de Estações
Ecológicas, Áreas de Proteção Ambiental e dá outras providências.
BRASIL. Lei Nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio
Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.
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BRASIL. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III
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Natureza e dá outras providências.
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Glossário
Agreste Denominação aplicada a vegetação semi-árida, fisiologicamente seca,
com plantas providas de proteção contra déficit hídrico.
Agreste (Geografia): Nome dado a região de transição entre a costa úmida e o
interior semi árido do Nordeste brasileiro. Originalmente a região era recoberta
por florestas estacionais.
Área de proteção ambiental (APA) Área pertencente ao grupo das unidades de
conservação de uso direto, sustentável e regida por dispositivos legais. Constituise
de área em geral extensa, com certo grau de ocupação humana, dotada de
atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais, especialmente importantes
para a qualidade de vida e bem estar da população residente e do entorno. Tem
por objetivo disciplinar o uso sustentável dos recursos naturais e promover, quando
necessário, a recuperação dos ecossistemas degradados.
Área de relevante interesse ecológico (ARIE) Área possuidora de características
extraordinárias ou que abriga exemplares raros da flora e da fauna de uma determinada
região, o que exige cuidados especiais de proteção por parte do Estado.
Avifauna Conjunto de espécies de aves que vivem em uma determinada região.
Biodiversidade Total de genes, espécies e ecossistemas de uma região. A
biodiversidade genética refere-se à variação dos genes dentro das espécies, cobrindo
diferentes populações da mesma espécie ou a variação genética dentro de
uma população. A diversidade de espécies refere-se à variedade de espécies existentes
dentro de uma região. A diversidade de ecossistemas refere-se à variedade de
ecossistemas de uma dada região. A diversidade cultural humana também pode
ser considerada parte da biodiversidade, pois alguns atributos das culturas humanas
representam soluções aos problemas de sobrevivência em determinados
ambientes. A diversidade cultural manifesta-se pela diversidade de linguagem,
crenças religiosas, práticas de manejo da terra, arte, música, estrutura social e
seleção de cultivos agrícolas, dentre outros.
Biologia Ciência natural voltada ao estudo dos seres vivos, através da
morfologia,da fisiologia, da ecologia e da sistemática, dentre outros. Inclui a
botânica e a zoologia.
Bioma Conjunto de vida (vegetal e animal) definida pelo agrupamento de tipos
de vegetação contíguos e identificáveis em escala regional, com condições
geoclimáticas similares e história compartilhada de mudanças, resultando em uma
diversidade biológica própria.
Biota Denominação utilizada para o conjunto da fauna e flora de uma determinada
região.
Brejo Terreno plano, encharcado, que aparece nas regiões de cabeceiras ou em
zonas de transbordamento de rios. Embora os brejos das regiões litorâneas geralmente
162
sejam originados à partir de rios permanentes, os brejos de cabeceiras podem
se formar em regiões com rios intermitentes.
Caatinga Nome genérico dado as formações vegetais típicas do interior semi
árido do Nordeste do Brasil. As plantas da caatinga apresentam adaptação à escassez
e irregularidade das chuvas. Predominam espécies arbóreas e arbustivas
de pequeno porte, espinhosas, que perdem as folhas na estação seca, associadas a
cactáceas e bromeliáceas.
Clima Conjunto de estados de tempo meteorológico que caracteriza uma determinada
região durante um grande período de tempo, incluindo o comportamento
habitual e as flutuações, resultante das complexas relações entre a atmosfera,
geosfera, hidrosfera, criosfera e biosfera.
Conservação (Ecologia) Em sentido amplo, é o conjunto de atividades e
políticas que asseguram a contínua disponibilidade e existência de um recurso.
Em sentido mais restrito, é o armazenamento e a guarda do germoplasma
em condições ideais, permitindo a manutenção de sua integridade. A conservação
engloba a preservação, que é usada para germoplasma armazenado em
temperaturas criogênicas.
Conservação da natureza Utilização racional dos recursos naturais renováveis
(ar, água, solo, flora e fauna) e obtenção de rendimento máximo dos não renováveis
(jazidas minerais), de modo a produzir o maior benefício sustentado para as gerações
atuais, mantendo suas potencialidades para satisfazer as necessidades das
gerações futuras. Não é sinônimo de preservação porque está voltada para o uso
humano da natureza, em bases sustentáveis, enquanto a preservação visa à proteção
a longo prazo das espécies, habitats e ecossistemas.
Corredores ecológicos Termo adotado pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação
(SNUC), que abrange as porções de ecossistemas naturais ou seminaturais
que interligam unidades de conservação e outras áreas naturais, possibilitando o
fluxo de genes e o movimento da biota entre elas, facilitando a dispersão de espécies,
a recolonização de áreas degradadas, a preservação das espécies raras e a manutenção
de populações que necessitam, para sua sobrevivência, de áreas maiores do
que as disponíveis nas unidades de conservação. Os corredores ecológicos são fundamentais
para a manutenção da biodiversidade a médio e longo prazos.
Desertificação Degradação da terra nas regiões áridas, semi-áridas e
subúmidas secas, resultante de vários fatores, entre eles as variações climáticas
e as atividades humanas. A degradação da terra compreende a degradação
dos solos, dos recursos hídricos, da vegetação e a redução da qualidade de
vida das populações afetadas.
Ecologia Ciência que estuda todas as relações entre os organismos atuais e os
ambientes envolventes, a distribuição dos organismos nestes ambientes, bem como
a natureza das suas interações.
Ecologia da paisagem (ing. landscape ecology) Ver geoecologia.
163
Ecossistema Sistema integrado e autofuncionante que consiste em interações dos
elementos bióticos e abióticos, e cujas dimensões podem variar consideravelmente.
Espécie (Biologia) Unidade básica de classificação dos seres vivos. Designa populações
de seres com características genéticas comuns, que em condições
naturais reproduzem-se gerando descendentes férteis e viáveis. Embora possa
haver grande variação morfológica entre os indivíduos de uma mesma espécie,
em geral, as características externas de uma espécie são razoavelmente constantes,
permitindo que as espécies possam ser reconhecidas e diferenciadas uma das
outras por sua morfologia.
Espécie ameaçada Espécie animal ou vegetal que se encontra em perigo de
extinção, sendo sua sobrevivência incerta, caso os fatores que causam essa
ameaça continuem atuando.
Espécie endêmica Espécie animal ou vegetal que ocorre somente em uma determinada
área ou região geográfica.
Espécie extinta Espécie animal ou vegetal de cuja existência não se tem mais
conhecimento por um período superior a 50 anos.
Espécie fora de perigo Espécie vegetal ou animal que foi protegida através de
medidas bem-sucedidas e que portanto não mais se encontra em uma das categorias
de risco.
Espécie rara Espécie vegetal ou animal que não está ameaçada e nem é vulnerável,
porém corre um certo risco, pelo fato de apresentar distribuição geográfica
restrita, ou habitat pequeno, ou ainda baixa densidade na natureza.
Espécie vulnerável Espécie vegetal ou animal que poderá ser considerada em
perigo de extinção, caso os fatores causais da ameaça continuem a operar. Incluem-
se aqui as populações que sofrem grande pressão de explotação.
Estação ecológica Área representativa de um ecossistema destinada à realização
de pesquisas básicas e aplicadas de ecologia, à proteção do ambiente natural e ao
desenvolvimento da educação conservacionista.
Flora Conjunto de entidades taxonômicas vegetais (espécies, gêneros etc.) que
compõe a vegetação de um território de dimensões consideráveis, como por exemplo,
a flora do cerrado.
Geoecologia Ciência que atua na interface entre a Geografia e a Ecologia, através
de uma estrutura multi e interdisciplinar. Resulta de uma abordagem holística por
todas as áreas das ciências envolvidas, para estabelecer e definir os relacionamentos
entre os diversos meios que integram os sistemas da paisagem. Sua importância
está diretamente relacionada à capacidade de apoio à gestão ambiental
a ao planejamento territorial. Ecologia da paisagem.
Impacto ambiental Qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas
do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia
164
resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam a saúde, a
segurança e o bem-estar da população, as atividades sociais e econômicas, a biota,
as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente e a qualidade dos recursos
ambientais. Resolução CONAMA nº 306, de 5 de julho de 2002.
Manejo Interferência planejada e criteriosa do homem no sistema natural, para
produzir um benefício ou alcançar um objetivo, favorecendo o funcionalismo
essencial desse sistema natural. É baseado em método científico, apoiado em pesquisa
e em conhecimentos sólidos, com base nas seguintes etapas: observação,
hipótese, teste da hipótese e execução do plano experimental.
Poluição Degradação da qualidade ambiental resultante das atividades que direta ou
indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população, criem
condições adversas às atividades sociais e econômicas, afetem desfavoravelmente a
biota, afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente, e lancem materiais
ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.
Reserva biológica Área de domínio público, compreendida na categoria de Áreas
Naturais Protegidas, criada com a finalidade de preservar ecossistemas naturais
que abriguem exemplares da flora e da fauna nativas.
Reserva florestal Área extensa, em estado natural, protegida pela legislação federal
ou estadual, sem ocupação humana até que possa ser objeto de pesquisa e
ter seus recursos sustentavelmente utilizados.
Unidade de conservação Espaço territorial e seus componentes, incluindo as
águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído
pelo poder público, com objetivos de preservação e/ou conservação e limites
definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias
adequadas de proteção. As unidades de conservação podem ser de uso indireto
quando não envolvem consumo, coleta, dano ou destruição dos recursos naturais,
e de uso direto quando envolvem o uso comercial ou não dos recursos naturais.
Zona de amortecimento (Ecologia) Entorno de uma unidade de conservação,
onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com
o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade.
Zoneamento ambiental Integração sistemática e interdisciplinar da análise
ambiental ao planejamento dos usos do solo, com o objetivo de definir a melhor
gestão dos recursos ambientais identificados.
Zoneamento ecológico-econômico (ZEE) Instrumento de racionalização da ocupação
dos espaços e de redirecionamento das atividades econômicas. O ZEE serve
como subsídio a estratégias e ações para a elaboração e execução de planos
regionais de busca do desenvolvimento sustentável.
Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE.
Vocabulário Básico de Recursos Naturais e Meio Ambiente. 2ª edição. Rio de Janeiro/RJ.
2004.
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ANEXOS